Você está na página 1de 23

Universidade de Évora

Departamento de História

«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O


caso Português

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes

Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

Índice:

1. Prólogo -------------------------------------------------------------------------- pg. 2

2. De que maneira “revolução” é influenciada pelas Luzes? -------------- pg. 3

2.1. Conceitos de Revolução e conceitos de Luzes que nela se manifestam;


--------------------------------------------------------------------------- pg. 3

2.2. O que são afinal as Luzes.-------------------------------------------- pg. 6

3. Luzes e Revolução no caso Português -------------------------------------- pg. 9

3.1. Modelos da prática das Luzes em Portugal: Marquês de Pombal e D.


Maria I --------------------------------------------------------------------- pg. 9

3.2. Espaço público em Portugal e a aprendizagem do que é ser-se cidadão

-----------------------------------------------------------------------------------pg. 13

3.3. Influência dos ideais revolucionários europeus na revolução de 1820.


A desordem político-social: reformas ou revoluções? -------------pg. 16

4. Epílogo: actualidade da problemática das Luzes e a anda necessária


REGENERAÇÃO do Portugal do séc. XXI--------------------------------pg. 19

5. Bibliografia --------------------------------------------------------------------pg. 21

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
1/2
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

1 - Prólogo:

Antes de se iniciar este breve relatório, creio ser necessário explicar porque
razão estes textos me pareceram de tal modo pertinentes que me tenha decidido a
escolhê-los.

Na minha opinião, estes textos são fundamentais no âmbito do programa desta


cadeira, uma vez que neste documento é afirmado que o binómio Luzes/Revolução
Francesa deve ser um ponto de partida para entender os eixos que atravessam as culturas
e as mentalidades das sociedades contemporâneas; e é precisamente sobre este binómio
que eu me vou debruçar, tentando perceber de que modo as Luzes influenciaram (ou
não) a realidade portuguesa. Parecem-me textos importantes para tal tarefa porque não
só um deles é uma análise a uma fonte (o que Kant considerava como sendo as Luzes)
como também o outro é uma análise historiográfica do conceito de “revolução”. E de
que modo podemos nós ter a pretensão de analisar a influência da Revolução Francesa e
das Luzes em Portugal se de antemão não temos bem claro o que é uma “revolução”?
Por tudo isto escolhi estes dois textos, esperando levar a bom termo este breve relatório.

No entanto, gostaria de chamar a atenção para o seguinte. O objectivo/tema do


meu trabalho não é a Revolução Francesa em si, nem a análise do que as Luzes
representaram para ela. O meu objectivo é apenas perceber o que caracteriza uma
revolução e aplicar o modelo daí resultante ao caso Português. Por essa mesma razão,
não utilizarei o texto completo de Ozouf, mas sim apenas os excertos que me permitam
retirar as características fundamentais do que caracteriza uma revolução. Tentarei para
além disso perceber em que medida os conceitos aparecidos na época das Luzes se
reflectem no termo “revolução”.

Numa segunda parte do trabalho, tentarei transpor os dados/conclusões do ponto


1 para o caso Português, tentando perceber de que maneira o nosso país foi influenciado
por estes ideais, de que maneira eles entraram nas nossas mentalidades, e de que
maneira isso nos alterou para melhor (ou para pior).

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
2/3
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

2 - De que maneira “revolução” é influenciada pelas Luzes?

2.1 - Conceitos de Revolução e conceitos de Luzes que nela se manifestam

No artigo de Mona Ozouf, encontramos bem explicitados alguns conceitos que


são inerentes ao termo “revolução”.

Se bem que o artigo seja fundamentalmente sobre a Revolução Francesa, uma


vez que esta revolução se tornou um paradigma de todas as revoluções seguintes, creio
que não existe problema algum em retirar deste texto as características que para a autora
são fundamentais que existam para que determinada acção possa ser classificada de
“revolução”.

Assim sendo, o que dizer sobre estes conceitos historiográficos de Revolução?

Para Mably, o primeiro autor que Ozouf refere, qualquer revolução deve ter um
carácter de utilidade, quer dizer, devem ter um carácter útil à pátria. É importante
notarmos que este carácter de utilidade é igualmente um dos conceitos fundamentais das
Luzes, em todos os aspectos da vida quotidiana, em todas as áreas do conhecimento e de
acção. Na época ilustrada, na época das Luzes, tudo tem que ser útil. Logo, toda e
qualquer revolução deve ter um carácter útil. Para além disso, Mably fala ainda do que
para ele são os objectivos de uma revolução: “(...)a eliminação dos abusos, o
enfraquecimento da prerrogativa monárquica, a institucionalização dos direitos da
Nação. A isso resume-se a Revolução.” (pg. 840).

Outro conceito fundamental para o termo de revolução é o conceito da


novidade, conceito que, tal como Ozouf nos mostra, começam a aparecer cada vez mais
nos dicionários da época. O facto de a autora falar aqui nos dicionários é extremamente
importante, uma vez que nos remete para a questão do espaço público, outro conceito
fundamental das Luzes e que se tornou tão importante para o proliferar das ideias
ilustradas. O que caracteriza este espaço público? É precisamente o aparecimento de
enciclopédias 1, periódicos, jornais, academias, associações, que veiculam as novas

1
Cujo paradigma se encontra na Encyclopédie de Diderot e d’Alembert.
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
3/4
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

ideias, as novas políticas, que mostram aos cidadãos o que se passa noutros países.
Obviamente, isto vai permitir ao público leitor formar a sua própria opinião acerca dos
assuntos e mais cedo ou mais tarde vai ajudar à formação de correntes de opinião
contrária ao regime, facilitando assim o eclodir de rebeliões (que poderão mais tarde ser
ou não apelidadas de revoluções, consoante a sua vitória ou derrota).

Mas será que apenas existem estes conceitos das Luzes aplicados ao termo
“revolução”?

Por certo que não.

Em que deverá consistir uma revolução? Na mudança? No retorno ao passado?


No restabelecimento da ordem anterior?

E quantos tipos de revolução existem? Um apenas? Vários? São visíveis? São


invisíveis?

Todas estas questões são por demais importantes para serem deixadas de lado, e
mereceram grande atenção por parte de estudiosos e nomes tão conhecidos como sejam
Bossuet, Voltaire, Mably.

Antes de o grande modelo da Revolução Francesa se ter imposto, existiam dois


grandes modelos de revolução: a Americana (que confere um papel importantíssimo à
vontade humana, sendo caracterizada maioritariamente por este factor) e a Inglesa, cada
uma com as suas próprias características. No entanto, apesar da proliferação de
conceitos que a poderiam definir, existia um consenso sobre o que significariam.
Retorno, restauração, introdutoras de novas desordens...

Quando ocorreu a Revolução Francesa, esta tornou-se o paradigma das


Revoluções, destronando os modelos inglês e americano.

Então, quais as características fundamentais que caracterizam a Revolução


Francesa?

Em primeiro lugar, uma restauração do inicial. Que quer isto dizer? Quer dizer
que não é uma restauração do anterior mas sim do que existia primordialmente. Os
direitos do Homem. Por isso mesmo, o conceito de restauração dá rapidamente lugar ao

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
4/5
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

de instauração. Instauração do quê? Tão simples como da “(...) libertação decisiva de


todos os modelos históricos.” (pg. 843).

Assim, sendo a Revolução Francesa uma refundação a todos os níveis, que


conceito das Luzes podemos encontrar aqui? Penso que é o conceito de “sair da
menoridade”. É o acto de se abandonar o modelo antigo, que já é obsoleto, é menor, é
inadequado, é obscurecedor para as pessoas, e ousar fazer mais, procurar mais,
descobrir, inovar, mas sempre tendo em atenção a utilidade daquilo que se propõe que
venha a substituir.

Mas uma revolução não se faz do nada. Tem que existir algo que leve as pessoas
a revoltarem-se, e têm que procurar algo. Neste caso, no âmbito das Luzes, o que as
pessoas procuram é a felicidade individual (uma vez que o Homem é o centro do
Universo). E é este outro dos conceitos fundamentais das Luzes que sem dúvida
podemos encontrar na dinâmica das revoluções: a procura da Felicidade pelos cidadãos.

Mas que mais se procura quando uma revolução eclode? Obviamente, Liberdade
(que, lembremos, acabou por ser parte do “lema” da Revolução Francesa...). E o que se
obtém com esta liberdade?

Segundo Kant, na sua resposta à famosa pergunta “O que são as Luzes”, é


apenas através da obtenção desta liberdade que as pessoas podem aceder às Luzes – e,
por inerência, a todos os conceitos/consequências que isso acarreta. Felicidade, espaço
público, cosmopolitismo, utilidade...

São todos estes conceitos que se encontram quando se pretende definir o que é
uma revolução, e assim se percebe de que modo os conceitos que nascem com as Luzes
“pulverizam” toda e qualquer revolução que seja posterior a esta época.

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
5/6
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

2.2 - O que são afinal as “Luzes”?

Esta é sem dúvida uma questão difícil de responder. Não há consenso para uma
definição de “Luzes”, uma vez que cada escola historiográfica (e mais propriamente
cada pessoa) vê, pensa, sente e transmite as “Luzes” de um modo diferente.

Se pegarmos na resposta de Kant, este filósofo do séc. XVIII é muito claro


quando nos apresenta a sua própria definição de “Luzes”: “As Luzes são o sair do
homem da menoridade de que ele próprio é responsável.” (pg. 160 – texto A).

Neste contexto, “Luzes” são conhecimento, audácia, descoberta científica,


tecnológica, cultural. São o aparecimento de jornais periódicos, de gazetas, de
sociedades, associações, academias. “Luzes” são o agitar mental que percorre toda a
Europa, são um autêntico “mente-moto” (e que em Lisboa se irá notar principalmente a
partir do grande terramoto de 1755). É uma revolução cultural, social, económica, em
grande escala.

“Luzes” são o fenómeno que explica e justifica em primeira mão rebeliões e


revoluções. A razão é muito simples. Só através destas rebeliões ou revoluções as
populações conseguem obter felicidade, bem-estar (a longo prazo, obviamente).

“Luzes” são um aparecimento de cosmopolitismo, de viagens, de aquisição de


conhecimentos, de novas formas de transmitir ciência, do constante carácter utilitário
que passa a marcar toda e qualquer acção tomada.

É esta a visão que Kant nos transmite (e a qual não nos deve espantar não só
porque Kant era, ele próprio, possuidor de um espírito cosmopolita mas também porque
o cenário europeu, desde finais de 1770 era devastado por sublevações, revoluções,
contestações, que deviam todas elas encontrar a sua justificação em qualquer lugar).

Porém, se pegarmos na visão que a historiografia construiu ao longo dos tempos,


apercebemo-nos que definição do fenómeno das Luzes não foi calmo nem pacífico.

Na realidade, temos que nos lembrar em primeiro lugar que o termo


“Iluminismo” aparece tardiamente na historiografia quer de tradição inglesa quer na de
tradição italiana. Para além disso, se pegarmos na historiografia da Ilustração, vemos

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
6/7
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

que o fenómeno das “Luzes” é considerado como sendo uma vítima da Revolução
Francesa e não como o seu causador.

A agravar este facto, temos que o séc. XIX (puro apogeu do Romantismo) é
completamente incapaz de pensar nos dois acontecimentos de forma independente,
ligando sempre um ao outro, apresentando inevitavelmente uma relação causa-
consequência. Isto é uma tendência que vem desde o séc. XVIII, em que Augustin
Barruel, no ano de 1797 produz uma grande quantidade de críticas às “Lumières”.

Evidentemente, a nível historiográfico, tal posição de Barruel provocou grandes


reacções não só por parte dos “amigos da Ilustração” mas também por outras correntes
de pensamento, como por exemplo a de Tocqueville, que tenta conciliar as duas
posições (ou seja, a dos amigos e a dos “inimigos” da Ilustração) de modo a atenuar as
responsabilidades do fenómeno Ilustrado na emergência de actos violentos (como o foi
a Revolução Francesa...não nos podemos de maneira nenhuma esquecer que, se foi
levada a cabo para “restaurar” os direitos fundamentais do homem, tais como
Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o certo é que num segundo momento instaurou um
regime de Terror, de opressão, de vigilância, quase de ditadura).

Assim se conclui que, segundo este ponto de vista, “Luzes” não são algo que
possa justificar tais acções.

Ainda segundo Hippolyto Taine, “Luzes” são uma estrutura de pensamento, um


modo de pensar, uma ideologia são o momento culminante de um processo
degenerativo, e a sua grande descoberta terá sido a existência de um espírito clássico.

No entanto, depois de ter lido e analisado estes textos... o que são para mim as
“Luzes”?

Apesar de ainda não ter a autoridade suficiente para apresentar uma “definição”
minha de “Luzes”, creio já poder apresentar os pontos que eu considero serem os mais
característicos deste fenómeno.

Assim, concordo plenamente (e parece-me que nem de outro modo poderia


ser...) com a divisa de sapere aude, pois apenas com esta mentalidade, com este
objectivo, as pessoas conseguem descobrir e adquirir conhecimento útil para crescerem
enquanto seres humanos. Provavelmente, e sem querer dar a “opinião dos opiniosos”,
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
7/8
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

foi no fenómeno ilustrado que se encontram as bases para o grande desenvolvimento a


todos os níveis que a Europa sofreu desde então. É o “mente-moto” de que falei um
pouco atrás neste ponto.

Através deste ousar conhecer, aparece o espaço público, pois a informação deve
chegar a todos (mesmo a quem mal sabia ler; daí que a imagem na imprensa seja tão
importante). Espaço público este que é caracterizado por todos os conceitos que atrás já
referi, e o qual também é ajudado na sua construção através de viagens científicas,
literárias, filosóficas. É um cosmopolitismo que se começa a instaurar por todo o lado,
apesar de ser um processo lento. As mentalidades não se mudam de um dia para o outro.

Quanto às correntes que afirmam que a Ilustração foi uma vítima da Revolução
Francesa, esta posição percebe-se facilmente, pois foi aquela vista como causadora de
correntes reaccionárias na sua busca por direitos fundamentais do homem. No entanto,
na minha opinião, uma revolução deve ser vista como uma efectiva prática cultural
das Luzes, e não como algo independente dela.

Acredito que os conceitos das Luzes estão todos interligados, produzindo uma
espécie de círculo vicioso, que conduzirá mais cedo ou mais tarde, dependente do grau e
intensidade da sua aplicação, a reformas e rebeliões, provavelmente a revoluções.

Por esse motivo, não consigo fazer distinção entre aplicação do modelo das
Luzes e Revoluções. Para mim, são uma e a mesma coisa.

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
8/9
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

3 - Luzes e Revolução no caso Português

3.1 - Modelos da prática das Luzes em Portugal: Marquês de Pombal e D. Maria


I

Em Portugal existiram dois grandes “aplicadores” dos modelos das Luzes,


embora o tenham feito de maneira diametralmente oposta.

Quando se fala em “Luzes” para Portugal, o nome que automaticamente nos vem
à cabeça é o de Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido por Marquês de
Pombal, pois é este homem o considerado como reprsentante do despotismo esclarecido
no nosso país. Um aspecto fundamental no modelo pombalino, atenção, é o facto de ele
introduzir as ideias iluministas mas conservando ao mesmo tempo aspectos do
absolutismo e da política mercantilista.

Para percebermos o porquê disto, é necessário lembrarmo-nos de que desde cedo


Carvalho e Melo tomou contacto com os ideais iluministas: desde a sua juventude
(nomeadamente, desde 1717) que se reunia na casa de seu tio a Academia de Ilustrados,
onde se discutiam assuntos científico-filosóficos (assim, tendo em conta o primeiro
ponto do meu relatório, percebe-se facilmente porque afirmo que tomou desde cedo
contacto com os ideais iluministas). Contava com a presença do 4º conde da Ericeira,
que se tornaria mais tarde no Director da Real Academia de História (fundada por
ordem real a 8 de Dezembro de 1720).

O carácter utilitário das Luzes manifesta-se nele, e talvez a melhor expressão


disto seja a sua famosa frase “E agora? Enterram-se os mortos e alimentam-se os
vivos”. De que serviria chorar sobre o leite derramado, passo a expressão? Seria muito
mais útil para toda a sociedade tratar de reconstruir rapidamente toda a cidade, evitando
assim mais vidas perdidas. Foi então este o acontecimento que transformou
inegavelmente Lisboa numa cidade das Luzes, tornando-a numa cidade prática, útil, e
construída com ciência (não nos esqueçamos que Marquês de Pombal exigiu que
fossem construídos modelos à prova de sismos. Os testes de resistência foram
efectuados através da marcha de tropas).
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
9/10
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

Um outro aspecto do carácter marcadamente iluminista e útil do Marquês de


Pombal revela-se nos contributos para a ciência que ele proporcionou: após o sismo,
mandou elaborar um inquérito dirigido a todas a paróquias do país, de modo a perceber-
se um pouco melhor os sinais antecedentes a um sismo (comportamento animal, nível
das águas, etc.). Foi o nascer da ciência da sismologia.

Um dos objectivos que mais frequentemente é apontado como sendo do Marquês


de Pombal é a recuperação económica do país e o incremento da produção nacional em
relação à concorrência estrangeira. É nesta perspectiva que temos de ver a criação do
Banco Real (em 1751) e de companhias como sejam a Companhia para a Agricultura
das Vinhas do Alto Douro(1756) ou a Companhia Geral das Reais Pescas do Reino do
Algarve (1773).

Outra característica marcante do modelo pombalino das Luzes prende-se na


grande laicização do Estado Português. De facto, é sob a alçada deste importante
ministro que os jesuítas são expulsos de Portugal2 (1759) e há reformas no ensino (que
até aqui fora muito marcado pela presença religiosa). Como exemplo, podemos referir a
própria Universidade de Évora, extinta porque pertencente à ordem expulsa. Ainda a
nível do ensino, é com Marquês de Pombal que são chamados professores estrangeiros
para leccionarem nas Universidades Portuguesas (será que não podemos ver aqui o
cosmopolitismo que eu falei anteriormente?...), como foi o caso do italiano Domingos
Vandelli, chamado para a Universidade de Coimbra. Outra reforma importante deste
homem foi o acabar com o chamado “learning by doing”, um saber empírico, resultante
da experiência, mas sem se saber o porquê das acções realizados. Facilmente se
percebe isto, uma vez que este tipo de aprendizagem contraria os ideais das Luzes.
Neste âmbito se situa, em 1772, a Reforma da Universidade de Coimbra, para acabar
com o método de magister dixit. Outra coisa que acabou igualmente com as reformas no

2
A nível religioso, as suas reformas mais importantes, para além da expulsão dos judeus, foram
as seguintes: em 1768 os nobres anti-semitas (ou puritanos) são obrigados a casar os seus filhos com
famílias judaicas. Será que haveria motivações económicas por trás? É provável, mas não há nada que o
prove. Em 1773 anula todas e quaisquer diferenças entre cristãos-velhos e cristãos-novos, proibindo
inclusivamente a utilização de tal termo quer por escrito quer oralmente, instituindo pesadas penas para
quem desobedecesse. Finalmente, em 1774 anula a inquisição portuguesa, pois emite um decreto em que
qualquer pena da Inquisição estaria dependente de sanção real.
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
10/11
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

ensino, de Marquês de Pombal, foi o fim da proibição da existência de


alunos/professores de ascendência judaica nos quadros dos estabelecimentos de ensino.

É isto que caracteriza, grosso modo, o modelo pombalino das Luzes.

No entanto, existiu outro modelo, o de D. Maria I, a Viradeira, por longo tempo


considerado pela historiografia como anti-pombal 3. Sob este modelo triunfou a
meritocracia 4.

Mas o que dizer do modelo de D. Maria? Em primeiro lugar, que o seu governo
teve três grandes preocupações: reparar as "ofensas" a Deus, moralizar a vida pública e
governar em certos campos de uma forma mais progressiva.

Apesar de, religiosa como era, ter querido restaurar a Companhia de Jesus em
Portugal, o seu confessor convenceu-a a não o fazer, alegando que a própria ordem
religiosa já teria sido extinta e que uma hipotética re-admissão seria prejudicial ao país,
uma vez que já várias grandes potências tinham adoptado essa medida.

A nível legislativo, contrariou de facto algumas medidas de Pombal (por


exemplo, criou restrições ao monopólio da Companhia do Vinho do Porto, suprime a
Companhia do Grão-Pará e Maranhão). Mas também teve medidas que estão no
seguimento das tomadas durante o governo pombalino; cria a Junta da Administração
de todas as fábricas do Reino e Águas Livres, impulsiona novas manufacturas, assina
um tratado de amizade, navegação e comércio com a Rússia e desenvolve em grande
medida o comércio e exportação de Vinho do Porto.

Mas que mais caracteriza o modelo de D. Maria I?

A nível cultural, podemos apontar a criação da Real Academia das Ciências


(1779), a Aula Pública de Desenho (Porto), a Aula Régia de Desenho (Lisboa), a
Academia Real de Marinha, a Real Biblioteca Pública de Lisboa. A nível social, a sua
3
Não nos esqueçamos que D. Maria tinha grande ódio ao Marquês, por razões que podem ser de
ordem religiosa (era profundamente pia e devota, o que era completamente oposto ao carácter do
Marquês) quer de ordem política (poderia conhecer os planos o Marquês contra a sua ascensão ao trono).

4 Meritocracia (do latim mereo, merecer, obter) é a forma de governo baseado no mérito. As
posições hierárquicas são conquistadas, em tese, com base no merecimento, e há uma predominância de
valores associados à educação e à competência.

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
11/12
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

preocupação transmitiu-se na criação de Hospitais, na criação de uma coisa hoje comum


para nós, a lotaria, de modo a poder alargar os serviços da Misericórdia de Lisboa e na
fundação da Real Casa Pia de Lisboa 5.

A nível moral, é muito interessante notar a tomada de posição de D. Maria I em


relação às mulheres e à sua moralização, pois chegou a proibir a representação feminina
em peças de teatro, por considerar uma ocupação “imoral” para as mulheres 6.

Outros exemplos da aplicação dos conceitos das Luzes durante o reinado de D.


Maria I são as inúmeras viagens científicas e de estudo que são promovidas durante o
seu reinado a sítios tão diversos como Moçambique, Argel, Madrid, etc. Ou seja...
aplicação do conceito de cosmopolitismo.

Foi igualmente durante este reinado que se deram importantes desenvolvimentos


científicos no nosso país, como sejam por exemplo o início dos trabalhos geodésicos ou
o desenvolvimento da nossa esquadra pelo Ministro da Marinha Martinho de Melo e
Castro.

Que conclusões retirar de tudo isto?

Penso que o mais importante a reter será de que D. Maria não teve, tal como a
historiografia pensou durante muito tempo, medidas verdadeiramente anti-pombal (a
única medida verdadeiramente anti-pombal teria sido reabilitar os Távoras, dilema que
assolou a alma da rainha mas que acabou por não se efectuar 7). No entanto, creio que
isto apenas terá acontecido porque a rainha terá tido a seu lado personagens influentes
(como por exemplo o seu confessor, o arcebispo de Tessalónica, ou outros homens de
estudo e ilustrados) que a ajudaram a governar o país noutro sentido que não o de
confrontos directos com políticas anteriormente tomadas.

São então, brevemente, estes os dois modelos da prática das Luzes em Portugal.

5
Obra que ficou a cargo do Intendente da Polícia (cargo criado pelo Marquês de Pombal) Pina
Manique.
6
Apesar de não ter encontrado nenhuma documentação sobre isso, penso que poderá ter a ver
com o factor de exibição do corpo, algo que a Igreja condena.
7
Facto que foi inclusivamente retratado em imagens de propaganda.
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
12/13
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

3.2 - Espaço público em Portugal

No âmbito deste trabalho, importará perceber de que maneira o espaço público


português concorreu para o eclodir de rebeliões/revoluções no nosso território.

O primeiro factor a apontar é que este espaço público é construído de diversas


maneiras.

Uma forma importante que ajudou ao seu aparecimento foi a instituição de


academias, associações, sociedades, bem como o incremento de viagens científicas,
filosóficas, de estudo e mesmo constituição de museus como forma de se transmitirem
conhecimentos. Tudo isto são medidas que eu já referi em pontos anteriores deste
trabalho.

No entanto, o espaço público também foi fundado à custa de outro elemento


muito importante: a imprensa.

É através deste órgão de comunicação que os exilados políticos portugueses


fazem chegar a território nacional ideias políticas estrangeiras, uma vez que a imprensa
funciona nesta altura não só como um meio de sobrevivência (pois era necessário
ganhar dinheiro com algo) mas também como uma forma de união (era comum a todos
os exilados, tornava-os membros de um grupo que tinham o exílio como denominador
comum) e principalmente como uma forma de apelo político.

A imprensa possibilitou que o espaço público português se irradiasse por uma


área geográfica muito extensa (e aqui encontramos mas uma vez não só o conceito de
cosmopolitismo e de viagens mas também ideias em movimento): aliás, no volume 5 da
História de Portugal dirigida por José Mattoso, a autora Isabel Nobre Vargues em
conjunto com outro autor faz uma importante análise do que foi a imprensa portuguesa
no estrangeiro, não só no que ela classifica como “1º exílio” mas também no 2º. A que
conclusões se chega neste artigo? Que em Inglaterra existiam nada mais nada menos
que 9 periódicos/jornais portugueses, em França existiam 3 e na Alemanha existia
apenas um. Mas sobre o que tratavam? Maioritariamente sobre política, defendendo
quer ideias liberais (“Correio Brasiliense ou Armazém Literário”) quer ideias
absolutistas (“Azorrague das Cortes Novas”), embora também pudessem ter uma índole
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
13/14
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

científica, tal como o caso de “Anais das Ciências, das Artes e das Letras”, publicado
em Paris.

Será talvez curioso notar que um dos únicos jornais portugueses publicados em
Paris, primeiro baluarte das ideias Iluminadas, tem de facto uma índole que não se
encontra noutro jornal de exílio, e que isto sem dúvida vem aumentar um pouco a
confusão do “mente-moto” cultural. Para além disso, um jornal de carácter científico
está de acordo com os ideais iluminados de transmitir e desenvolver o conhecimento
técnico com carácter utilitário, inserindo-se assim sem problemas de espécie alguma no
conceito de espaço público em Portugal.

Outra característica muito específica, a meu ver, do espaço público português, é


a existência do Sinédrio. Esta foi uma associação secreta (pois existia opressão para
com os “inimigos” do regime) criada por Manuel Fernandes Tomás, com o objectivo de
equacionar os problemas políticos, sociais, económicos de Portugal. Teve importância
no desenrolar político de Portugal na medida em que foi deste grupo que saíram
importantes vultos do golpe de 1820, e é assim que se explica, a meu ver, a razão que
me leva a “adicionar” o tópico do Sinédrio ao conceito de espaço público português.

O espaço público português revela-se ainda nas formas da poesia e do teatro,


através de peças escritas, com o tema do desejo de libertação da realidade em que os
exilados viviam, e sendo usado como uma expressão de esperanças políticas que
acalentavam para o seu próprio país. Quase podemos ver aqui o turbilhão de ideias
políticas que avassalavam a França da pré-Revolução Francesa.

Esta tomada de consciência sobre o espaço público português em crescimento


tem uma grande influência na aprendizagem do que é ser-se cidadão. Porquê? Porque é
mais uma das suas manifestações.

Passo a explicar.

O que é, concretamente, o espaço público? A explicação mais óbvia, e que Kant


também nos apresenta, não deve ser descurada apenas porque óbvia. O espaço público
opõe-se ao privado e caracteriza-se, penso, que pelo uso público e livre da razão, de
modo a transmitir ao público (que adquire aqui importância de uma palavra-chave) um

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
14/15
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

conhecimento útil, verdadeiro, mas também muitas vezes condutor (na medida em que
pode funcionar como espaço de propaganda)8.

E o que se transmite através do estado público?

O que é útil e conveniente que se transmita, por várias razões (culturais,


económicas, sociais...). E isto mais não é senão a aprendizagem do que é a cidadania a
dado momento.

Isabel Nobre Vargues (directora do Instituto de Estudos Jornalísticos da


Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; considera que, a partir de 1820, "a
nova dimensão da liberdade iniciou-se justamente pela aprendizagem do ser cidadão")
tem um importante estudo sobre a aprendizagem da cidadania em Portugal, e nesta obra
podemos encontrar um importante capítulo sobre a propaganda política que se instaura
no nosso país depois da revolução de 1820, e que mostra os suportes de que o “espaço
público” se serviu para se ir difundindo pela sociedade portuguesa: estampas, medalhas,
painéis, quadros, retratos, lenços, cartas de jogar... ou seja, objectos de arte (que
adquire, nesta época, uma clara função social de pregação política) de uso quotidiano,
de modo a permitir uma apropriação quase inconsciente dos ideais revolucionários e
liberais que vingaram no nosso país.

Curiosamente, num destes suportes – as cartas de jogo – é representado um


barrete frígio (também conhecido por barrete da liberdade”, um dos símbolos da tomada
da bastilha e da Revolução Francesa). Mais curioso ainda, e que também vem atestar a
influência ideológica francesa em território nacional, é o facto de este barrete frígio
estar na Dama que representa nada mais nada menos...que a Constituição (objectivo
pelo qual também os franceses lutaram e que vem atestar, portanto, segundo creio, a
minha afirmação de que prática cultural das Luzes ou Revolução são, nesta época, uma
e a mesma coisa)!

8
Há aqui um paradoxo do qual eu tenho consciência. O próprio Kant admite que através do uso
público da razão os ouvintes tomam contacto com outros conhecimentos – e aqui entram mais uma vez
todos os conceitos de Luzes, como as ideias em movimento, ou a busca de felicidade, ou um ensino para
todos. No entanto, as Luzes (e mais particularmente Kant) também advogam que cada homem deve ser
capaz de pensar livremente. Porém... como pode alguém pensar livremente se alguém lhe está a dizer que
está a pensar de modo errado, e que se deve pensar de outra maneira ou ver as coisas de outra maneira?
Não será isto um pouco o papel do uso público da razão, fundar o seu objectivo num paradoxo? Fica a
reflexão...
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
15/16
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

Creio então que ficou demonstrada a maneira segundo a qual o espaço público se
manifesta em Portugal e a maneira segundo a qual não só é influenciado pelas correntes
estrangeiras mas também a maneira como influencia (e aqui contradiz o seu objectivo
fundamental de emancipar as mentes das pessoas) a tomada de consciência do que é ser-
se cidadão.

3.3 - Influência dos ideais revolucionários europeus na revolução de 1820. A


desordem político-social: reformas ou revoluções?

Depois desta análise aos conceitos de revolução, depois desta análise dos
conceitos de “Luzes”, depois de analisarmos inclusivamente o que foram as Luzes em
Portugal, falta-me apenas para concluir o meu trabalho, e antes do epílogo, tentar
perceber se a nossa identidade nacional (claramente baseada numa grande desordem
político-social) foi construída com base em reformas/rebeliões ou em verdadeiras
revoluções.

Para tal, é necessário perceber-se o que foi a vida política portuguesa em


Oitocentos.

Depois da revolução francesa, chega ao poder Napoleão Bonaparte, que pretende


aumentar os territórios franceses a um nível imperial sob a égide de difundir os ideais
iluministas bem como a Liberdade a todos os povos. Neste contexto, e após a derrota na
batalha de Trafalgar, os exércitos napoleónicos “estacionam” nas fronteiras portuguesas
e chegam mesmo a invadir o nosso país, deixando a diplomacia portuguesa numa difícil
posição9. A resposta da família real foi muito simples: fugiu para o Brasil, deixando o
povo e a sociedade desprotegidos. Esta partida terá sido negociada entre Portugal e
Inglaterra, e seria suposto a duração da estadia da família real no país durar exactamente
o tempo das operações militares no continente. No entanto, não foi isto que aconteceu, e

9
Não nos esqueçamos que a Inglaterra era o nosso “aliado natural”, por assim dizer, e que esta
grande potência e a França eram inimigas quase viscerais. Assim, não é difícil perceber a complicada
situação em que Portugal se encontrava.
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
16/17
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

o regresso tão esperado apenas se deu em 1821, depois da Revolução Liberal ter
ocorrido.

É importante ainda referirmos que o facto de a família real se ter refugiado no


Brasil não tem apenas a ver com o facto de ser uma colónia; está também ligado à
questão da atlantização da Europa, facto que vai levar a um grande intercâmbio entre
Portugal e Brasil, bem como vai ligar irremediavelmente a história destes dois países.

A partir desta altura acentua-se fenómeno dos exílios políticos, mas será apenas
com o aproximar da revolução de 1820 que este fenómeno se acentua. O meu objectivo,
neste trabalho, no entanto, limita-se a analisar a desordem política e social decorrente da
Revolução Liberal 10.

Assim, que acontecimentos influenciados pelas Luzes se deram em Portugal


depois desta revolução de 1820 e que se traduzam no aparecimento de uma desordem a
política e social?

Analisando a história política portuguesa do pós-revolução, encontramos aquilo


que pode ser considerado como um segundo “mente-moto”, ou seja, um grande agitar
das ideias, mas neste caso já directamente ligadas fundamentalmente à política. Há toda
uma série de revoluções políticas, quer mais ligadas a D. Pedro quer mais ligadas a D.
Miguel, inclusivamente depois de acabada a 1ª guerra civil (em 1834).

Pode-se referir em primeiro lugar a Martinhada, que teve lugar a 11 de


Novembro de 1820. O objectivo desta concentração de corpos militares no Rossio de
Lisboa era nada mais nada menos que a adopção de uma constituição (presença dos
ideais das Luzes, sem dúvida), neste caso, a constituição espanhola de Cádis, datada de
1811.

Porém, existiram outros movimentos, como por exemplo a Abrilada, a Vila


Francada. No entanto, e tendo em atenção os conceitos que no início deste trabalho
foram referidos em relação à definição de Revolução (o seu carácter útil, segundo
Mably, mas sobretudo vitorioso), não considero estes movimentos como revoluções

10
No entanto, devemos ter em atenção que há correntes historiográficas, como a de Alexandre
Herculano, que consideram que a verdadeira Revolução Liberal apenas ocorreu em 1834, depois da
assinatura da concessão de Evoramonte.
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
17/18
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

mas sim, no máximo, como revoltas ou rebeliões. É o caso, mais tarde, das revoltas
populares como foi a da Maria da Fonte, que antecede a Patuleia.

No entanto, existiram movimentos que eu considero como revoluções, embora


as suas vitórias tenham sido relativamente temporárias.

É o caso das Revoluções políticas, tal como o Setembrismo, o Cabralismo, o


Fontismo. Foram movimentos reaccionários, procurando em último lugar o bem estar da
população, da Nação (e aqui vejo presente a procura iluminista da Felicidade), que
vingaram e puderam executar as suas políticas durante um determinado período de
tempo.

Não interessa no âmbito deste trabalho analisar individualmente as políticas que


cada um destes movimentos advogava.

Importa sim realçar a sua importância enquanto herdeiros das ideias das Luzes,
uma vez que lutaram e digladiaram-se pelo que cada um considerava ser o mais útil, o
mais propiciador de felicidade e bem estar para a Nação (estabelecendo um paralelo,
vemos aqui a mesma situação da sociedade francesa no pré-1789).

Apenas para terminar, porque não pensar que foi este o objectivo de homens,
legisladores e reformadores tão importantes para Portugal como o foram Passos
Manuel, Mouzinho da Silveira ou mesmo Fontes Pereira de Melo?...

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
18/19
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

4 - Epílogo: actualidade da problemática das Luzes e a ainda necessária


REGENERAÇÃO do Portugal do séc. XXI

No ponto de situação deste trabalho penso que seria interessante vermos a


sociedade actual (sim, do séc. XXI, por muito recente que possa ser) à luz da
problemática das Luzes.

Vendo um pouco o que se passa hoje em Portugal, penso que todos nós
concordamos que não nos encontramos numa situação favorável. Na verdade, apesar de
muito sangue ter sido derramando em Portugal em nome da tão procurada Felicidade e
bem-estar da Nação, a ideia que é transmitida para a actualidade é que isto não só não
foi alcançado como está longe de o ser.

Especialistas como Boaventura Santos acreditam que isto é uma situação típica
de cada final de século, apresentando como exemplo o clima de instabilidade,
descontentamento político, pobreza, miséria, que era possível de se encontrar em
Portugal no virar do séc. XIX para o séc. XX. Este estudioso considera ainda que em
Portugal há uma crónica falta de um projecto nacional de desenvolvimento, vazio este
que não foi de modo nenhum colmatado pela integração num projecto internacional (a
actual U.E.).

José Pacheco Pereira, por exemplo, considera que em Portugal os mecanismos


perversos da democracia impedem a tomada de decisões impopulares mas fundamentais
ao desenvolvimento do país, para além de considerar que a nossa sociedade tem pouca
vontade de facto de mudar, afirmando que necessitamos de uma sociedade mais
conflitual para sairmos do impasse em que nos encontramos.

Seja qual for o real problema de Portugal (conjuntural ou estrutural), o certo é


que, tal como nos inícios do séc. XX, nos encontramos numa grande situação de
descontentamento em larga escala. Descontentamento social, político, cultural,
económico...

Encontramo-nos na mesma situação em que a Europa e Portugal se encontravam


na altura da eclosão da Revolução Francesa, ou mais tarde na revolução de 1820, ou
ainda mais tarde, na eclosão da República, ou Ditadura militar ou Estado Novo.
Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
19/20
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

Ao que parece, os ideais das Luzes terão tido apenas uma perfuração superficial
da sociedade, e não terão sido implantado de forma duradoura, pois na minha opinião,
pelo que vejo e pelo que li, Portugal ainda não adquiriu a felicidade que as Luzes tanto
advogam.

Penso por isso que ainda é necessária ao nosso país uma verdadeira Revolução,
uma verdadeira Regeneração.

Ou será melhor dizer... ainda faz falta, ao nosso país, uma verdadeira prática
cultural das Luzes?...

Fica a questão.

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
20/21
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

5 - Bibliografia:

• DARNTON, R., La aventura de la enciclopedia

• FERRONE, V., ROCHE, D. (Eds.), Diccinnario Histórico de La


Ilustración, Madrid, Alianza Editorial, 1998

• FURET, F. (coord.), Dicionário Crítico da Revolução Francesa, R.


Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1990

• MATTOSO, J. (dir.), História de Portugal, V volume: “O Liberalismo”,


coord. Prof. Doutor Luís Torgal e Prof. Doutor João Roque, Círculo de
Leitores, Lisboa, 1993, ISBN:972-42-0752-8

• HOF, U., A Europa das Luzes, Ed. Presença, Lisboa, 1995

• KANT, I., “Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung?

• PEREIRA, J. E., As ideias do século, in “Portugal Contemporâneo”, dir.


António Reis, Publicações Alfa, Lisboa, 1990

• VARGUES, Isabel Nobre, A aprendizagem da cidadania em Portugal


(1820 - 1823), Coimbra, Minerva, 1997

Páginas Internet:

• http://www.instituto-camoes.pt/revista/revista15s.htm (17-Dez-2005);

• http://www.arqnet.pt/portal/portugal/temashistoria/maria1.html (17-
Dez-2005);

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
21/22
Universidade de Évora
Janeiro de 06
«Revolução» ou a prática cultural das Luzes? O caso Português
Ana Rita Faleiro – n.º 18889

• http://www.noticiasdaamadora.com.pt/nad/artigo.php?aid=2070&codd
os (23-Dez-2005);

• http://www.arqnet.pt/dicionario/maria1.html (27-Dez-2005);

• http://www.culturabrasil.org/contestacoes.htm (27-Dez-2005);

• http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_liberal_do_P
orto (31-Dez-2005);

• http://pt.wikipedia.org/wiki/Sebasti%C3%A3o_Jos%C3%A9_de_Carv
alho_e_Melo (31-Dez-2005).

Cadeira: HCMC
Docente: Professora Doutora Fátima Nunes
22/23
Universidade de Évora
Janeiro de 06

Você também pode gostar