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Dinâmica Capitalista e Revolução Proletária

Nildo Viana
O presente artigo é uma breve reflexão sobre a questão do desenvolvimento
capitalista e suas contradições e o processo de transformação social. O desenvolvimento
capitalista não é um processo de evolução unilinear, rumo ao progresso constante, tal
como colocam os ideólogos da classe dominante. É preciso ver que o capitalismo é um
processo social contraditório e nesta contradição abre espaço para a revolução
proletária. Porém, aqui reside o problema e nossa tese, a revolução proletária não é
derivada imediata das contradições do capitalismo e nem pode ser pensada a partir do
modelo da revolução burguesa.
O capitalismo se caracteriza pela produção de mais-valor. Ao contrário do que
dizem alguns mal-leitores e não-leitores de Marx, o capitalismo não é um “sistema
produtor de mercadorias” (tal como afirma Kurz, entre vários outros). Sem dúvida, o
capitalismo é um modo de produção de mercadorias, mas é um modo específico,
fundado na produção de mais-valor. A produção de mais-valor expressa uma
determinada relação de classes: de um lado a classe que produz mais-valor; de outro, a
que se apropria deste mais-valor produzido. Assim, temos a classe exploradora e a
classe explorada, isto é, a burguesia e o proletariado. Estas são as duas classes sociais
fundamentais deste modo de produção e constituem, através de suas relações, as
relações de produção capitalistas.
Porém, não existe apenas um processo de exploração. Nesta relação também se
manifesta a luta de classes. A burguesia busca aumentar a taxa de exploração e o
proletariado busca reduzi-la, num primeiro momento, e aboli-la, num segundo
momento. A burguesia necessita, cada vez mais, aumentar o processo de exploração,
pois a tendência declinante da taxa de lucro a força a isso. Assim, existe uma luta de
classes cotidiana no processo de produção, que é reforçado por suas outras
manifestações na vida social em geral, tal como na instância cultural.
Este processo é complexificado pela existência de outras classes sociais
(burocracia, campesinato, etc.), pelas ideologias e culturas, pela ampla divisão social do
trabalho que cria frações de classes, grupos sociais, categorias profissionais, além da
existente distinção de raça, sexo e idade, embora assumindo forma específica na
sociedade capitalista. Isto não anula a luta de classes, que permanece existindo e
perpassando todas estas manifestações sociais.
Porém, o capitalismo é um modo de produção diferente dos demais. Ele é o
único modo de produção expansionista (espacialmente) e universalizante (socialmente)
até o seu aparecimento. Ou seja, é o único modo de produção, até sua emergência, que
se expande cada vez mais por novos territórios e realiza um processo de mundialização.
Também é universalizante, pois vai destruindo paulatinamente as formas não-
capitalistas de produção, realizando um processo de mercantilização do mundo. Este
processo de expansão e universalização está na própria essência do modo de produção,
na produção de mais-valor. O mais-valor, uma vez produzido pelo proletariado e
apropriado pela burguesia, é utilizado por esta classe para os seus privilégios e consumo
de luxo – que é uma pequena parte que vai ficando percentualmente cada vez menor – e
para o reinvestimento na produção.
É justamente este processo que vai gerar a reprodução ampliada do capital,
característica da acumulação de capital, e desemboca na concentração e centralização do
capital. Este processo vai gerar a formação de oligopólios e vai, com o desenvolvimento
capitalista, reforçar a tendência declinante da taxa de lucro. Esta tendência declinante da
taxa de lucro, por sua vez, é provocada pela alteração na composição orgânica do capital
(uso cada vez maior de tecnologia, que apenas repassa seu valor para as mercadorias e
cada vez menor da força de trabalho, que acrescenta valor às mercadorias, de onde surge
o lucro) gerada pela acumulação capitalista. Assim, o desenvolvimento da acumulação
capitalista é contraditório, já que quanto mais se desenvolve, menor tende a ser a taxa
média de lucro.
A produção capitalista vive em constante competição entre os capitais, o que
promove não somente a concentração e centralização do capital, mas a tendência
declinante da taxa de lucro. Tal tendência consiste no principal obstáculo para a
reprodução do capitalismo e é complementado por outros obstáculos e os intensifica.
Um deles é a necessidade de reprodução ampliada do mercado consumidor, já que a
produção capitalista proporciona uma produção cada vez mais ampla de mercadorias
que precisam ser vendidas. A produção capitalista assim cria duas estratégias
complementares para evitar tal tendência (além de outras menos importantes e eficazes):
o aumento da massa de lucro e aumento da exploração. O aumento da massa de lucro
significa que a produção capitalista passa a investir na ampliação da produção de bens
de consumo (diminuindo o aceleramento da produção de meios de produção e
tecnologia), o que ocorre principalmente a partir do pós-Segunda Guerra Mundial. O
aumento da exploração significa a busca de aumento da taxa de lucro para compensar
sua queda tendencial. Porém, vários outros problemas adicionais ocorrem em todo este
processo e, por questão de espaço, não poderemos desenvolver, tal como o aumento do
desemprego e diminuição da capacidade do mercado consumidor derivado disso,
destruição ambiental, produção de necessidades fabricadas visando ampliar o consumo,
etc.
Julgamos que para compreender este processo é fundamental entender o
processo de sucessão de regimes de acumulação que acompanharam o desenvolvimento
capitalista. Também não poderemos desenvolver uma exposição da sucessão de regimes
de acumulação, mas consideramos que a cada fase do capitalismo surge um novo
regime de acumulação que busca superar as dificuldades do desenvolvimento capitalista
e aumentar o processo de exploração. Assim, tivemos, no decorrer da história do
capitalismo os seguintes regimes de acumulação: regime de acumulação extensivo,
durante o capitalismo liberal (da revolução industrial até o século 19); regime de
acumulação intensivo durante o capitalismo oligopolista (do final do século 20 até a
Segunda Guerra Mundial); regime de acumulação intensivo-extensivo durante o
capitalismo oligopolista transnacional (a partir da Segunda Guerra Mundial até os anos
1980); o regime de acumulação integral, com o predomínio do capitalismo neoliberal,
tal como ocorreu na Europa Ocidental.
Porém, a cada regime de acumulação, que é uma estratégia capitalista de
manter sua reprodução ampliada, se busca evitar a tendência declinante da taxa de lucro
e as crises que, no entanto, possuem uma durabilidade limitada. Assim, um regime de
acumulação logo entra em crise e abre a possibilidade de uma revolução proletária ou da
passagem para um novo regime de acumulação. Contudo, a cada novo regime de
acumulação ocorre o aumento da exploração e do conflito, e, por conseguinte, fica mais
difícil a reprodução do capitalismo.
O atual regime de acumulação, fundando no neoliberalismo, neo-imperialismo
e toyotismo, mostra um aumento da exploração a nível mundial, o que provoca crises e
luta de classes mais acirradas1. O neoliberalismo emerge nos anos 80 e vai se
generalizando pelo mundo, corroendo os direitos trabalhistas e gastos sociais estatais,
facilitando o processo de reestruturação produtiva e aumento geral da exploração
capitalista, bem como assume o caráter protecionista nos países imperialistas e livre-
mercado no capitalismo subordinado (Viana, 2006). A reestruturação produtiva realiza a

1
Para maiores detalhes sobre os regimes de acumulação, consulte-se Viana (2003; 2009).
transformação da organização do processo de trabalho e permite uma ampliação da
exploração. A reestruturação produtiva promove a busca de extração de mais-valor
relativo e absoluto, através de estratégias como terceirização, contrato temporário,
trabalho a domicílio, etc. O neo-imperialismo, por sua vez, complementa este processo e
busca aumentar a exploração internacional, através de projetos como Nafta, ALCA, e de
novas relações internacionais, tais como o já protecionismo estatal nos países
imperialistas e o livre mercado nos países de capitalismo subordinado, a intervenção
militar, etc. O novo regime de acumulação visa combinar aumento de extração de mais-
valor absoluto e relativo, aumentando a exploração no processo de organização do
trabalho, através de métodos secundários de exploração capitalista (trabalho informal),
políticas estatais repressivas e paliativas, aumento da exploração internacional.
Isto tudo gera um estágio de luta de classes cotidianas mais intensas do que as
existentes no regime de acumulação anterior, e promove mudanças na cultura e na
sociedade civil (emergência das ONGs, ideologia pós-estruturalista, ideologia da
globalização, recuperação de teorias revolucionárias marginalizadas, etc.). Neste
contexto, há uma ofensiva da classe capitalista, que é uma necessidade para sua
reprodução e um esboço de radicalização do movimento operário. Assim, uma crise do
regime de acumulação integral tende a facilitar o processo revolucionário a nível
mundial. A retomada da acumulação com aumento da exploração aumenta a
insatisfação, o processo de resistência e luta, possibilitando um acúmulo de forças do
proletariado e de seus aliados no sentido de promover novas lutas que abrem espaço
para uma transformação social. Este processo de acirramento das lutas de classes é um
processo cotidiano do novo regime de acumulação, o que significa que ao mesmo tempo
em que aumenta fragilidade do capital, aumenta seu caráter repressivo, e as lutas sociais
se tornam mais radicais e este regime de acumulação a ter uma durabilidade
tendencialmente curta. A crise do regime de acumulação atual tende a ser mundial e
generalizada, abrindo nova perspectiva para a revolução mundial.
Assim, neste contexto, precisamos discutir a questão da revolução proletária. A
revolução proletária difere da revolução burguesa em vários aspectos. As revoluções
burguesas ocorreram quando a classe capitalista já detinha grande poder no interior da
sociedade, não somente através das empresas capitalistas, mas também através de
ideologias, organizações e forças políticas. O proletariado não pode deter o poder
financeiro para chegar à sua revolução. Sua força cultural e política só cresce nos
momentos de acirramento da luta de classes. Isto quer dizer que a lógica da vitória
burguesa é o da acumulação de capital e de forças, sendo que o primeiro permite e
incentiva o segundo. A idéia de acumulação revela um processo evolutivo-cumulativo,
no qual quanto mais a produção capitalista se desenvolve, mais ela fica poderosa
enquanto classe, enquanto as classes rivais vão perdendo força. Derivado disto, as
revoluções burguesas são revoluções parcelares. Num primeiro momento, ela ocorre na
esfera da produção, criando as bases da supremacia da produção capitalista. Num
segundo momento, ela é ocorre na esfera política, através da conquista do poder estatal,
realizando sua modernização e adequação à nova dominação de classe. A revolução
proletária, ao contrário, não pode ser parcelar, ela só pode ser total. Ela ocorre de uma
só vez, embora se inicie no processo de produção, inaugurando uma dualidade política
entre as formas de auto-organização do proletariado, por um lado, e a organização
estatal capitalista, por outro. Esta dualidade política, no entanto, antecede a revolução
proletária, que só se concretiza com a destruição do poder estatal burguês.
A revolução proletária ocorre através do processo de auto-emancipação do
proletariado, que vai através de suas lutas, desenvolvido suas formas de organização e
consciência revolucionária (Marx, 1989). A partir da greve, formando os comitês de
greve e outras organizações correlatas, produzem o embrião dos conselhos de fábrica e
dos conselhos operários, e o movimento grevista faz avançar a consciência de classe do
proletariado, no sentido de fazer perceber a classe oposta e o papel do Estado neste
processo de luta. Assim, a classe proletária se auto-organiza e cria as formas
embrionárias da futura sociedade autogerida.
Sendo assim, a revolução proletária é uma revolução total, que abrange todas
as relações sociais, tanto as relações de produção, quanto as demais relações sociais,
instituindo uma nova sociedade. Sem dúvida, este processo é marcado por conflitos,
lutas, avanços e recuos, mas que não ocorre apenas numa instância social, mas em todas
as instâncias sociais. O acúmulo de forças, no entanto, acaba se perdendo na geração
seguinte, pois a contra-revolução marginaliza as teorias revolucionárias, o saber sobre
as experiências históricas, e a nova geração deve começar tudo novamente, do zero. As
lutas cotidianas se tornam o ponto de partida. O avanço da luta e autonomização da
classe proletária, no entanto, não só facilita a recuperação das experiências e teorias do
passado, como realiza uma formação em dias que em um estágio de luta moderada
demoraria meses e só atingiria pequena parcela de indivíduos. O avanço é em conjunto
e um reforça o outro. A radicalização da luta força um processo de desenvolvimento da
consciência revolucionária e da auto-organização, abrindo espaço para uma nova onda
revolucionária.
Após demarcar a diferença das revoluções burguesas para as revoluções
proletárias, podemos passar para o segundo problema que nos colocamos no início do
presente texto. Afirmamos, anteriormente, que a revolução proletária não deriva
imediatamente das contradições do capitalismo. O processo de auto-emancipação
proletária faz parte do seu processo de luta e as contradições do capitalismo ajudam ao
desencadeamento e fortalecimento da unidade e força da classe proletária. As crises
capitalistas, tal como já colocava Marx, abre um espaço para radicalização do
proletariado, o que faz avançar sua luta e abre a possibilidade da revolução proletária.
Porém, neste caso se trata de uma possibilidade e não de uma inevitabilidade. Quanto
mais forte a crise, mais forte é a tendência ao desencadeamento da revolução proletária,
mas também pode ocorrer a contra-revolução. No início do século passado, por
exemplo, a ascensão das lutas operárias e as derrotas das tentativas de revolução
proletária permitiram a ascensão do nazi-facismo.
Assim, as crises do capitalismo são possibilidades abertas para o processo
revolucionário, mas não desencadeiam, automaticamente, a revolução, pois é a luta de
classes que define isto. Desta forma, a sociedade é palco constante de luta de classes.
Mesmo nos momentos históricos mais estáveis, ela se manifesta cotidianamente com a
supremacia burguesa. É uma guerra civil oculta, como já dizia Marx e Engels (1988).
Em períodos de acirramento das lutas de classes, a cada avanço da luta proletária, em
um determinado período, significa um acúmulo para a luta subseqüente e isto em todas
as instâncias da vida social, inclusive na cultural. Todo o reforço da luta pela
emancipação humana acaba reforçando a possibilidade da revolução proletária e
interfere na correlação de forças. A Revolução Russa, por exemplo, inaugurou não
somente a percepção da auto-organização proletária através dos conselhos operários
como também possibilitou uma primeira experiência de contra-revolução burocrática
que abre espaço para que as novas experiências possam ter indivíduos e forças políticas
que compreendem esta ameaça e suas formas de manifestação.
Desta forma, a tarefa do movimento revolucionário hoje é contribuir para o
fortalecimento das lutas operárias, para sua radicalização, e para combater o perigo da
contra-revolução burocrática. Neste processo um conjunto de elementos estão em jogo,
desde a recuperação das experiências históricas e das teorias revolucionárias através da
divulgação delas, uma intensa luta cultural para a radicalização e autonomização do
movimento operário, articulação das forças revolucionárias no sentido de fortalecer este
processo de luta, criação de centros de contra-poder em diversas instituições e instâncias
da sociedade, etc. Neste processo de ascensão das lutas sociais que se inicia no regime
de acumulação integral, temos já o esboço destas ações e iniciativas, que é efeito e ao
mesmo tempo reforça a tendência de acirramento da luta de classes. Este é o caso da
recuperação da teoria do comunismo de conselhos, do situacionismo, de outras teorias e
concepções deformadas ou marginalizadas na sociedade burguesa. Assim, as lutas
emergentes na Europa, desde o chamado “movimento antiglobalização” até as lutas
sociais no México e Argentina mostram a nova cotidianidade das lutas sociais,
marcadas por uma nova fase de radicalização que tende a se ampliar e abrir a
possibilidade da revolução proletária.
O processo de esgotamento do regime de acumulação integral torna esta
tendência ainda mais forte e poderosa. Assim, a revolução proletária se coloca
novamente no horizonte e sua realização depende da luta de classes, cuja tendência é ir
se radicalizando. Os esboços deste processo podem ser vistos no caso argentino, entre
outros (alguns esporádicos, tal como ocorre na França, outros mais estruturados, como o
movimento chamado “antiglobalização”, além da expansão de teorias e grupos políticos
e do caso mexicano, mais radical do que em outros países). Este processo é a ponta do
iceberg e o caso argentino pode dar exemplo:

“Na fase atual do capitalismo a necessidade da revolução adquiriu


uma fundamentação objetiva. Com as tendências decadentes do modo de
produção capitalista a tendência ao colapso da economia está se expressando
em uma redução e rebaixamento cada vez maior dos períodos de
prosperidade, e em um prolongamento e agravamento crescentes dos
períodos de crises e depressão. A nível global, a contraposição entre o
desenvolvimento da humanidade e o desenvolvimento do capital já é
incontestável. A economia capitalista só se sustenta graças ao incremento
absoluto da exploração, da degradação e da opressão mundial do
proletariado. É somente uma questão de tempo para que se passe a uma nova
fase ascendente da luta de classes e para que surjam novas situações
explosivas, potencialmente revolucionárias. Se este conflito histórico não se
resolve positivamente, no sentido da revolução proletária e do comunismo,
será aprofundado e estendido o desmoronamento da sociedade na barbárie
capitalista, que não significa outra coisa que a negação da vida humana, até o
ponto de abolir a própria espécie humana” (Ferreiro, 2007, p. 277)2.
Assim, está posto o velho dilema: socialismo ou barbárie? É a luta que definirá
qual dos dois processos será vitorioso e cada conquista e ação hoje poderá reforçar uma
ou outra tendência.

2
Também disponível em: http://www.geocities.com/roiferreiro/lucha_arg.zip
Referências Bibliográficas

FERREIRO, Roi. La Lucha de Clases en Argentina. Entre la Revolución Proletaria y la


Recuperación Burguesa. Florianópolis, Barba Ruiva, 2007.

KURZ, R. O Colapso da Modernização. 3ª Edição, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.

MARX, K. A Miséria da Filosofia. 2ª Edição, São Paulo, Global, 1989.

MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, Global, 1988.

VIANA, N. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no


Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.

VIANA, N. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. Florianópolis, Barba Ruiva,


2007.

Artigo publicado originalmente em Revista Revolução, vol. 01, num. 01, Outubro/2007.

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