Você está na página 1de 2

O alimento mais saudável do mundo

Nicholas Kristof

i, 07 de Janeiro de 2010

http://www.ionline.pt/conteudo/40712-o-alimento-mais-saudavel-do-mundo

Qual é o mais delicioso, saudável, sofisticado e gratificante alimento do


mundo? Uma ajuda: é muito barato. A quantidade necessária para um ano
custa menos que um hambúrguer

Não é ambrósia nem tão-pouco pizza com salame. Uma ajuda: é muito mais
barato. A quantidade necessária para um ano custa menos que o mais barato dos
hambúrgueres. Desiste? Eis outra ajuda: salva a vida das crianças e a das mulheres
que podem engravidar. Se souber de uma mulher que queira engravidar, certifique-
se de que ela tem esta substância milagrosa à disposição. Uma ajuda final: foi a
falta dessa substância que levou a uma tragédia a que assisti há dias, aqui num
hospital de Tegucigalpa, capital das Honduras. Três bebés deitados em alcofas
próximas, com defeitos de nascença no cérebro e na espinal-medula.

Na primeira alcofa estava Rosa Alvárez, de 18 dias de idade e a recuperar de uma


operação para reparar um buraco na coluna. Também sofre de uma malformação
cerebral. Na alcofa seguinte, Angel Flores, com tecido mole a formar-lhe um alto
nas costas. Mais perto da porta estava José Tercera. A mãe desenrolou uma
ligadura que lhe envolvia a cabeça e pude ver um pedaço de cérebro, do tamanho
de uma bola de golfe, sair de um buraco que ele tinha na testa.

Os médicos pensam que estas deformidades, chamadas defeitos do tubo neural, se


devem ao facto de as mães terem insuficiência de micronutrientes, particularmente
de ácido fólico, durante a gestação. Esses micronutrientes são a substância
milagrosa de que falava, e não deve haver auxílio externo internacional
economicamente mais eficaz do que promover a sua inclusão na alimentação dos
destinatários. "A ocorrência deste tipo de problemas é perfeitamente evitável", diz
Ali Flores, pediatra e perito nestes defeitos. Se uma grávida não tiver ácido fólico
(também conhecido como vitamina B9) suficiente nos estágios iniciais da gestação,
o feto pode sofrer estes defeitos do tubo neural.

Há outro micronutriente igualmente importante, o iodo. A pior consequência da


deficiência de iodo não é o bócio, mas sim a malformação dos cérebros dos fetos,
que pode retirar dez a 15 pontos dos respectivos QI. Depois há o zinco, que reduz a
mortalidade infantil devida a diarreia e a infecções. O ferro, cuja falta causa anemia
geral. E a vitamina A, cuja falta provoca anualmente cerca de 670 mil mortes
infantis e continua a ser a principal causa de cegueira infantil no mundo. "É nos
estágios iniciais da vida que os dados são lançados", diz David Dodson, fundador do
Project Healthy Children, um grupo de ajuda humanitária que combate deficiências
de micronutrientes nas Honduras e noutros países pobres: "Se uma criança não
receber os micronutrientes adequados, o efeito é permanente", diz.

A maneira mais economicamente eficaz de distribuir os micronutrientes não é


entregá-los em mão. Mary Flores, ex-primeira-dama das Honduras, activista no
domínio da nutrição, faz notar que pode ser difícil chegar às mulheres pobres e
que, mesmo que lhes sejam dados comprimidos de ácido fólico, podem não os
tomar, com receio de se tratar de pílulas anticoncepcionais. Assim, os
micronutrientes são muitas vezes acrescentados a alimentos como o sal, o açúcar,
a farinha ou o óleo alimentar.

Acrescentar iodo, ferro, vitamina A, zinco e várias vitaminas do complexo B,


incluindo ácido fólico, a uma gama de produtos alimentares custa cerca de 20
cêntimos por pessoa anualmente. Nos grupos que se preocupam com
micronutrientes contam-se também a Helen Keller International e o Vitamin Angels.
Nos EUA, a FDA exige, desde 1998, que seja acrescentado ácido fólico à farinha.
Mesmo nos EUA, onde há melhor alimentação e cuidados de saúde, e um reforço
generalizado dos alimentos, nem todas as mulheres recebem uma quantidade
suficiente de micronutrientes. E o problema é muito mais grave nos países pobres.

Dodson sublinha que é muito mais barato prevenir defeitos congénitos do que
tratá-los. "Não é um tema sanitário sexy, mas é um aspecto fundamental da
construção de uma população saudável. Colocar pequenas quantidades de ferro,
iodo e ácido fólico na cadeia de produtos alimentares não tem o mesmo impacto
mediático que tratar alguém que está doente ou vive num campo de refugiados".
Agora que os EUA estão a reorganizar o seu caótico programa de ajuda externa, a
altura é boa para promover aquilo que pode bem ser o alimento mais sensacional
do mundo: os micronutrientes.

Jornalista

Escreve à quinta-feira

Exclusivo i/The New York Times

Você também pode gostar