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Refiro-me respectivamente à Interpretação de Sonho obra mestra de Freud e à Novela do Sonho de Arthur
Schnitzler. Esta última, um de seus principais romances, foi recentemente filmada por Stanley Kubrik sob o
título de Eyes Wide Shut (De Olhos Bem Fechados).
convencionais-culturais, o apego de seus pensamentos sobre a polaridade do
viver e morrer...”2 (In KON, 1996).
Mas de que Duplo pode ele estar falando? Bom, o de que falo é o Duplo
trazido em “Das Unheimliche” artigo para qual esse trabalho converge. “O duplo
originalmente era uma garantia contra a queda/ocaso (Untergang) do Eu, um
enérgico desmentimento do poder da morte” (FREUD, 1919a) Isso, ressalta Freud,
é o que se dá originalmente mas, superado o narcisismo primário, este outro volta-
se contra o sujeito de forma assustadora.
Vê-se que o duplo, cuja primeira aparição se faz na idéia de alma (FREUD,
1919a) é algo do sujeito que se volta contra ele como horrendo que vem nos
assombrar. Poderíamos dizer que a alma, o duplo tão heimlich (familiar,
doméstico, natal, pátrio), torna-se o fantasma, a assombração, algo umheimlich
(inquietante, sinistro, lúgubre, medonho, numinoso) (IRMEN, 1968).
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(Ihr Ergriffensein von den Wahrheiten des Unbewußten, von der Triebnatur des Menschen, Ihre
Zersetzung der kulturell-konventionellen Sicherheiten, das Haften Ihrer Gedanken an der Polarität von Leben
und Sterben...) Carta de Freud a Schnitzler em 14 de Maio de1922.
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É digno de nota, a partir daqui, o fato da Escola Francesa utilizar as palavras fantôme/fantasme
(fantasma) como traducão da Phantasie (fantasia) de Freud.
Cabe ai ressaltar que o processo identificatório passa, primariamente, pelo
Eu ideal (fruto do narcisismo) e, secundariamente, pelo Ideal do Eu (ligado as
figuras parentais, no que aqui nos toca, principalmente ao pai). (ROUDINESCO &
PLON, 1998). O duplo não pode estar isento destas duas instâncias. Em se
tratando das personagens de literatura vemos isto no tão citado Hamlet, no
fantasma de seu pai. Ali estão magistralmente fundidas, a imago paterna e a
própria imagem do príncipe dinamarquês nesta assombração que retorna após a
morte (SHAKESPEARE, 1937). É certo que o fantasma aí não assusta, mas
atormenta.
Num artigo que trata da temática das personagens psicopáticas Freud traz
que “...os heróis são rebeldes que se voltaram contra um Deus.” (FREUD, 1942)
Deus que, em Freud desde Totem e Tabu é o Pai que matamos (FREUD, 1913).
Um engendramento de uma personagem, esse Deus, por que não dizer?
Confortante isso? Talvez num primeiro momento não esqueçamos que “Deus e o
Demônio eram originalmente idênticos, uma única Gestalt - uma figura
posteriormente decomposta em duas com características opostas” (FREUD,
1923). O demônio, pai das figuras de horror, é o anjo caído (que cayó bajo la
repression), pois o unheimlich do duplo é o horror, o estranhamento ao familiar
que foi recalcado.(HARARI, 1998) .Na palavra Unbewußt, Lacan vê o prefixo de
negação un_ como a entificação do reprimido, é o que marca a cisão (LACAN,
1974a).
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“Sendo ele o Sr. Hyde (esconder), serei pois, o Sr. Seek (procurar)”.
Interpretação dos Sonhos onde Freud diz que no que se refere a categoria de
contrários e contradições, essas tendem a ignorar o “não” combinando contrários
numa unidade (FREUD, 1900). Essa temática é retomada no artigo sobre a
significação antitética das palavras primitivas, o que se manifesta, as avessas, no
unheimlich.(FREUD, 1910).
Monstruosus: deformado
- LACAN, Jacques - Escritos, Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed., 1966 [1998]
- KON, Noemi Moritz – Freud e seu Duplo: Reflexões sobre Psicanálise e Arte,
São Paulo: Edusp, 1996