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RESUMO:
Este ensaio, parte de dissertação de mestrado, pretende investigar um dos aspectos da noção
de democracia substantiva: a possibilidade de que ela seja caracterizada como uma “reflexão
cooperativa”, a partir da inversão da fórmula proposta por Axel Honneth, e apoiada na
concepção política de Hannah Arendt. É a partir dessa constelação que se pretende indicar que
um outro locus de emergência da política no mundo contemporâneo encontra-se não somente
na teoria da ação, mas também na vida do espírito humano, partilhada entre os homens.
Assim, espera-se sustentar alguns dos ganhos teóricos da manutenção da faculdade do Juízo e
da capacidade de Compreensão como potencializadoras da atividade política, para além da
mera ação. E, finalmente, espera-se apresentar também algumas dificuldades em se articular
estas ideias frente a possíveis limitações institucionais.
1
Substantivando a democracia, para além da ação e aquém da instituição, em uma reflexão cooperativa
RESUMO EXPANDIDO:
A partir do interesse geral de buscar amparo teórico para investigar alguns aspectos
sobre “o que acontece quando as pessoas fazem política”, tanto em momentos de continuidade
e paz como em momentos de conflitos e rupturas, este ensaio apresenta um trecho dos
caminhos trilhados na dissertação de mestrado intitulada O Juízo e a Compreensão na
ruptura política: uma leitura arendtiana sobre desafios da democracia. A partir de revisão
bibliográfica de alguns dos escritos de Hannah Arendt1, apoiada também em autores como
John Dewey e Axel Honneth, pretende-se lançar nova luz sobre como e em que medida a obra
arendtiana nos permite reconstituir a imagem teórica da “coisa política” frente aos
desenvolvimentos contemporâneos da democracia. Neste ensaio, condiciona-se essa
reconstituição à substantivação da ideia de democracia e à possibilidade de que ela seja
entendida como uma “reflexão cooperativa”. Com isso, espera-se indicar que um outro locus
de emergência da política no mundo contemporâneo encontra-se não somente na teoria da
ação, mas também na vida do espírito humano, partilhada entre os homens. Seria também a
vida do espírito promotora da atividade política? Seria possível admitir que o “fato de termos
de julgar cotidianamente”2 pode ser encarado como outra abordagem ao problema político da
ação e das instituições humanas?
O primeiro indício que aponta para a possibilidade desta proposta diz respeito à leitura
que Axel Honneth faz da obra de John Dewey, no que tange a sua visão sobre democracia3.
Para Honneth, a diferença da proposta deweyana em relação ao republicanismo e ao
procedimentalismo dá-se na prevalência da cooperação social sobre a consulta comunicativa,
ainda que aquela seja, na verdade, uma “forma reflexiva de cooperação comunitária” 4, e que
esta seja somente uma forma de “discurso intersubjetivo”5. É desse modo que a expressão
1 Em especial, cf. ARENDT, 1990; ARENDT, 1993; ARENDT, 1999a; ARENDT, 1999b; ARENDT, 2001;
ARENDT, 2004; ARENDT, 2008; e CHAVES, 2009.
2 É do problema cotidiano de “ter que julgar” os acontecimentos que parte Arendt em sua filosofia do espírito.
Ainda que o imperativo da razão pudesse guiar a conduta dos homens, Arendt assume não ser este, sempre, o
caso. É com o que “surge na ruptura” que se tem de lidar e julgar – e, para isso, não basta somente gostar ou
desgostar. Se é problemático o exercício da faculdade do juízo – porquanto, de antemão, ela se assume ligada
ao gosto – também é problemático seu desuso, sua desautorização, seu esquecimento: o problema de não
julgar os acontecimentos é que, ao não julgar, pode-se tornar cúmplice. Cf. ARENDT, 1999a.
3 Cf. HONNETH, 2001. pp. 63-91.
4 HONNETH, 2001. p. 67.
5 HONNETH, 2001. p. 70.
2
Substantivando a democracia, para além da ação e aquém da instituição, em uma reflexão cooperativa
“reflexão cooperativa”, proposta neste ensaio, surge: como uma inversão da fórmula de
Honneth para caracterizar a democracia deweyana. Esta inversão, em princípio, será utilizada
para enfatizar que uma reflexão pode ou não ser cooperativa – embora o interesse deste ensaio
seja, justamente, na reflexão apoiada no sensus communis6 – e que nem toda “cooperação”,
seja ela reflexiva ou não, tem ligação direta com democracia, como propõe Honneth. Este
termo se desenvolve, na verdade, a partir da proposta arendtiana da comunidade de
observadores, tal como apresentada em suas Lições sobre a Filosofia Política de Kant7.
Mais especificamente, pretende-se verificar se a faculdade do Juízo e a capacidade de
Compreensão podem ser vistas como uma atividade de “reflexão cooperativa”, mostrando que
há outras atividades políticas para além do que se pode chamar de “teoria da ação” arendtiana.
Explora-se o argumento de que a faculdade do Juízo cria uma comunidade de observadores –
diferentemente da comunidade de atores (agentes políticos) – e de que o exercício da
Compreensão fortalece os laços de cooperação e favorece o reconhecimento (das narrativas e
das ações) de outros agentes, quando realizada a partir desta reflexão apoiada no sensus
communis.
O segundo aspecto abordado neste ensaio trata do caminho percorrido por Arendt, a
partir do estudo da coisa público-política em direção ao estudo da vida do espírito e, em
particular, entre o estudo da vita activa e a faculdade de Juízo – a “faculdade do espírito
humano para lidar com o particular”8. Este caminho permite conceber algumas aproximações
entre a criação do espaço público particularmente político e uma noção “forte” de democracia,
a qual chamaremos de “democracia substantiva”, que articula a ação e a observação e que
vincula a cooperação à reflexão. Entretanto, este ensaio não se propõe a definir democracia à
luz do pensamento arendtiano, mas pretende, principalmente, fazer conexões entre as ideias
originais de Arendt – no que tange à política e à faculdade do juízo – e uma possível
apreensão dessa noção de “democracia substantiva”, caracterizada com base no texto de
Honneth sobre John Dewey.
6 “É a este sensus communis que o juízo apela em cada um, e é esse apelo possível que confere ao juízo sua
validade especial. O ‘isto me agrada ou desagrada’ que, na qualidade de sentimento, parece ser totalmente
privado e incomunicável, está na verdade enraizado nesse senso comunitário e, portanto, aberto à
comunicação uma vez que tenha sido transformado pela reflexão, que leva em consideração todos os outros e
seus sentimentos” (ARENDT, 1993. p. 93. ).
7 Cf. ARENDT, 1993. pp. 76-83.
8 ARENDT, 1993. p. 22.
3
Substantivando a democracia, para além da ação e aquém da instituição, em uma reflexão cooperativa
9 Sobre os limites da teoria política da ação de Arendt diante de sua própria defesa da república “como uma
forma de governo em que as instituições têm um papel central”, cf. ABREU, 2004.
10 HONNETH, 2001. p. 71.
4
Substantivando a democracia, para além da ação e aquém da instituição, em uma reflexão cooperativa
ABREU, Maria Aparecida [2004]. Hannah Arendt e os limites do novo. [Col.: Invenção &
Crítica; Grabriel Cohn]. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.
ARENDT, Hannah [1990]. Da revolução. [Trad.: Fernando Dídimo Vieira, Rev.: Caio
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HONNETH, Axel [2001]. “Democracia como cooperação reflexiva: John Dewey e a teoria
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63-91.