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Brasil I - Descobrimento, Colonização, Colônia
Brasil I - Descobrimento, Colonização, Colônia
(Trabalho realizado por Filipe Ferreira e Cláudio Vitorino, sob orientação de Luís Miguel
Cardoso, apresentado no colóquio "Vasco da Gama, os Oceanos e o Futuro", realizado na
Escola Naval, entre 23 e 27 de Novembro de 1998.)
Nenhum escritor português ficou indiferente ao tema do mar, tema rico que,
desde a Idade Média, foi instrumento poético de trovadores que o conjugaram
com o do amor e nunca mais deixou de ser cantado. Mas é no século XVI,
quando a literatura portuguesa se enriquece com novas temáticas e símbolos,
que o mar passa a ser ambiente de fundo, e é cantado por historiadores e
poetas. O Mar desdobra-se em múltiplos aspectos: Saudade, cântico heróico,
mística religiosa, simbologia, imagem do infinito, interpretação nacionalista e
social. O tema do Mar torna-se uma constante literária, e se perde importância
no século das luzes, quando se instalam os temas didácticos na poesia, ganha
de novo importância no século XIX, com Garrett, Herculano, Gonçalves
Crespo, Afonso Lopes Vieira, entre outros.
«Eu só, com meus vassalos e com esta/(E dizendo isto arranca meia
espada)/Defenderei da força dura e infesta/A terra nunca de outrem sojugada».
(1) Mas, na obra atrás citada, Camões também desnuda a condição de
inferioridade e a posição de fraqueza assumida pelo homem que se limita a ser
«bicho da terra tão pequeno» e, acima de tudo, equaciona: «Onde pode
acolher-se um fraco humano,/Onde terá segura a curta vida».
Lisboa das sete colinas foi o palco de partida para as grandes navegações
portuguesas. Desta forma, e pensando a História, centramos o olhar nesses
homens que, fazendo do Tejo o ponto de partida para novos horizontes,
voltaram as costas a estes «bairros que se estendem ao longo dos rio»,
sempre disponíveis «Para novas núpcias como Mar».
O séc. XVI foi o século em que, o Homem, pela acção exercida no planeta,
ganhou noção e consciência de si próprio. A essa consciência deu-se o nome
de Humanismo. O Humanismo subsiste e vive na alma humana e dela se
transmite às acções e às obras. Daí se depreende o ideal humanitário que dele
se desprende: tolerância, compreensão, serenidade e justiça.
Existem historiadores que defendem que Vasco da Gama era já, nessa altura,
um experiente marinheiro, no entanto, nada nos comprova esse facto. É
objecto de alguma consonância o facto de que a escolha de Vasco da Gama
poderá ter sido uma missão hereditária, já que se suspeita que a primeira
nomeação do rei D. João II para capitão-mor da expedição terá sido seu pai
Estêvão da Gama. O seu irmão primogénito Paulo da Gama terá renunciado a
chefia devido à sua debilidade a nível físico, manifestando no entanto a
intenção de fazer parte da armada, o que acabou por acontecer, pois viajou
comandando a nau São Rafael.
Seria algo injusto falarmos de Vasco da Gama esquecendo o seu retrato numa
das obras mais importantes de toda a história literária portuguesa.
Os Cantos V ( estâncias 90 a 100) e VIII (96 a 99), por exemplo, reflectem uma
faceta tipicamente humanista baseada nas sucessivas reflexões,
considerações e mesmo divagações do poeta que possuem uma função
pedagógica no sentido de cativar e despertar as pessoas detentoras do poder.
Outra das influências Renascentistas está patente no episódio do «Velho do
Restelo», que para além de um reflexo social, assume também uma
mensagem humanista.
A obra que, de uma maneira mais profunda coloca o homem de hoje perante
um novo conhecimento, o «saber de experiência feito» e representa a «fome
de conhecimento e de emoção» é, indubitavelmente, o poema épico de
Camões. O autor, motivado pela aventura dos descobrimentos comungou
dessa euforia que não mais havia de silenciar a voz dos poetas.
O tema escolhido por Camões para o seu poema foi toda a história de Portugal.
Para acção nodal, Camões escolheu a viagem de Vasco da Gama, uma
viagem marítima análoga às de Ulisses e Eneias. Relatos pormenorizados
dessa viagem existiam, para além das versões orais que corriam, no roteiro de
Álvaro Velho, o de Castanheda e o de João de Barros.
Outro vulto importante foi Francisco d' Ollanda, que nasceu em Lisboa em l5l8.
Teve educação artística e literária e foi à Itália, enviado por D. João III, onde
descobre o fascínio pelo Renascimento. Corresponde-se com Miguel Ângelo e
frequenta a casa de Vitória Colona, parente de Sá de Miranda que de forma
também conviveu com ela quando esteve em Itália em 1521. Legou-nos um
tratado em dois livros Da pintura Antiga.
Bernardo Gomes de Brito foi outra personalidade que no século XVIII, compilou
narrativas de naufrágios que as nossas naus sofreram em ocasiões de
tempestade nos mares distantes ou por motivos de sobrecarga, ou pela incúria,
de quem deixava as naus repetir viagens sem inspecção, sem verificar cascos,
substituir mastros, velas ou outros elementos de construção, ou ainda por
incompetência dos pilotos, conforme referiu, por exemplo, Gil Vicente.
Duarte Pacheco Pereira é outro dos vultos que trouxeram para a posteridade
as crónicas marítimas do século XVI. Ele foi o primeiro a deixar registadas
observações sobre a carreira da Índia. Tinha como objectivo a descrição da
costa Africana, começando no estreito de Gibraltar até ao Cabo Guardafui e à
costa meridional da Ásia, abrangendo a Índia. este é o único dos roteiros
portugueses até 1700 que descreve a costa Africana até ao Cabo Bojador.
Outro vulto destes relatos é Jerónimo Corte-Real, poeta que viveu na segunda
metade do século XVI, escrevendo em excelente prosa O Segundo Cerco de
Diu em 1574 e Naufrágío de Sepúlveda em 1594. As narrações da batalha de
Segundo Cerco de Diu e da Tempestade do Naufrágio de Sepúlveda estão
escritos com tal vigor e naturalidade que reflectirão eventualmente aspectos da
sua própria vida.
Damião de Góis foi outra das personalidades que viajou por toda a Europa,
convivendo com os espíritos cultos da época entre os quais Erasmo, com o
qual mantinha correspondência e cuja companhia marca o seu espírito
humanista. Passou a adolescência na corte de D. Manuel e em 1523 esteve ao
serviço de D. João III, na feitoria de Antuérpia. Guarda-Mor da Torre do Tombo
em 1548, escreve em português a Crónica do Felicíssimo Rei Dom Emanuel e
a Crónica do Príncipe D. João. O seu espírito humanista manifesta-se ao referir
que nele o homem vale mais que o escritor. O seu sentimento patriota leva-o a
escrever em latim a maior parte dos seus opúsculos, dando a conhecer aos
espíritos cultos de toda a Europa a acção dos portugueses.
Trazendo até aos nossos dias uma imagem muito realista do mundo no séc.
XVI, constituindo uma inovação na literatura descritiva da vida e dos costumes
dos povos orientais, Fernão Mendes Pinto toma-se, por assim dizei, o
precursor, a quase quatrocentos anos de distância, de escritores, como
Wenceslau de Morais, que descreveram a vida e os costumes dos povos
orientais.
O mundo em que o leitor viaja de mãos dadas com Fernão Mendes Pinto é
psicologicamente verdadeiro. Reconhecido como herói, assume por vezes o
papel de anti-herói quando, dominado pelo instinto de sobrevivência, infringe as
leis da moral e caminha na artimanha, na crueldade, na mentira Este herói
pícaro, tão ao gosto do espírito português, acaba a sua peregrinação desiludido
com a vida de aventureiro, com os trabalhos e perigos por que passou.
Existe no entanto, patente nas suas cartas, uma certa coexistência entre as
críticas que Sá de Miranda tece à expansão marítima e os poucos elogios que
lhe merece este empreendimento nacional, como provam a Carta V, intitulada
«A Pêro de Carvalho», os laivos satíricos na Carta III,(«A seu irmão Mem de
Sá») e sobretudo na carta II. De igual forma, a «Carta a João Roiz de Sá
Meneses», constitui um lamento de quem vê o país a perder a sua orientação.
Estas suas composições têm manifestamente inspiração clássica, conforme
nos refere M. E. Tarracha Ferreira «... o poeta adaptou à redondilha o seu
ideário moral - exaltação da vida rústica, por contraste com a decadência da
sociedade, e elogio da pobreza como fundamento da liberdade e do bem
moral, de acordo com a lição de Horácio - , a condenação dos Descobrimentos
aparece justificada por se considerar a navegação uma violação da Natureza,
idêntica à da exploração das minas de metais e de pedras preciosas,
empreendida pela ambição: ». Estas críticas estão bem expressas na Carta V,
«A Pêro de Carvalho», quando afirma «ora revolvendo o mar, / ora revolvendo
a terra (...) porque vos vendeu a cobiça / a mar bravo e a ventos bravos».
Esta enorme euforia, que levou um povo a abandonar o seu país em troca por
perigos incertos, era de tal maneira grande que foi observada por outros
escritores que da mesma forma a sentiram e denunciaram. Tal foi o caso de
António Ferreira, cuja reacção perante a expansão é das mais contraditórias de
entre os vários escritores e cronistas da época.
Outro desses autores que reflectiu criticamente é Gil Vicente que, para além
das peças de componente religioso e carácter alegórico, próprios ainda da
Idade Média, enveredou pela crítica social em farsas e tragicomédias que
revelaram o homem do Renascimento.
Era o organizador das festas da corte, expressando nos seus autos a dualidade
da avaliação da expansão marítima portuguesa: visão crítica - expressa nas
sátiras, apologia da expansão - orgulho pelo alargamento do mundo e rasgar
dos Oceanos, e pelos feitos pelos portugueses cumprindo o ideal de Cruzada.
Para além do pretensiosismo de uma sociedade que quer aparentar aquilo que
não é, o desenlace final do auto motiva a interrogação dos espectadores
perante o valor moral de uma fé que era necessário manter viva. Por outro
lado, no campo crítico da expansão existem duas obras representativas - uma
farsa, Auto da Índia, e a tragicomédia, Triunfo do Inverno - representadas com
vinte anos de intervalo.
Gil Vicente refere a ignorância do piloto ( «piloto de Alcochete / para o rio das
enguias»), responsável pela viagem para a Índia por estar a coberto de
«aderentes» (ou seja, protectores que servem para conseguir a colocação e
que são recompensados pecuniariamente) e apontando pilotos que são
tratados por «vossa mercê» por terem ascendência nobre e a quem os
marinheiros têm de se submeter, apesar da sua experiência.
Mais ainda, podemos recordar Jacinto Prado Coelho quando refere que «...
quem viaja, vive mais intensamente, condensa num breve espaço de tempo um
número excepcional de experiências de toda a ordem, obedecendo a dois
móbeis fortíssimos: fome de conhecimento e fome de emoção. Nós, os
Portugueses, fomos grandes viajantes: múltiplos factores - pressão económica,
ambição política, zelo missionário, gosto de aventura - levaram-nos a
transformar as demandas cavalheirescas medievais em expedições e
vagabundagens pelas cinco partes do mundo...»(5).
Contrastando com o retrato vivo dos estratos sociais mais baixos, denuncia
pela revelação compadecida das suas condições de vida, uma profunda revolta
moral. Esta visão concretiza-se na invasão das varinas, «o cardume negro das
varinas entra na cidade» (Estrofe 9-10).
Mas os portugueses, com a sua coragem e ousadia, não hesitam, nem mesmo
perante figuras marítimas colossais como o Mostrengo. E o homem do leme,
num recobrar de ânimo, enfrenta o Mostrengo num discurso que representa a
voz de um povo, que em obediência ao rei, anseia pelo domínio do mais
recôndito dos mares.
Mais do que uma coincidência, podemos referir que um dos modos como a
poetisa olha o mar é iluminado pelo mesmo sentido de distância e apelo ao
infinito que encontramos na Mensagem. Embora seja o mar que aproxima os
dois poetas, em Sophia a poesia atinge o real resgatando-o à sua ausência
enquanto que em Pessoa e na leitura que faz dele, ela se remeta à evocação
da presença perdida.
Em «Dia do Mar», é ainda o mar amplo, ilimitado. O «mar sonoro, mar sem
fundo, mar sem fim», a assumir uma presença genesíaca e purificadora. Em
«Mar Novo», é a busca do absoluto, do «tempo indiviso » da unidade que o
mar simboliza. Em Livro Sexto e Dual, ainda o mar, a «obsessão do mar», e os
seus símbolos a nortearem já uma analogia com o mundo humano, em defesa
de valores éticos como em « Camões e a tença». Este grande tema é
retomado em Navegações, onde aborda «a temática do mar nas perspectivas
de aventura do ser e de aventura de um povo ».
Em Sophia, renasce, como Mar, uma visão do mundo aberta aos valores e
aberta à mundividência interior do homem. A autora aponta-nos o caminho do
auto-conhecimento.
CONCLUSÃO
Sobre Portugal
BIBLIOGRAFIA
NOTAS:
4 Idem, ibidem.
7 Idem, ibidem.
Celene Fonseca
Naus à vista ou Terra à vista? Quem primeiro viu uns aos outros, os portugueses ou os
índios? Os dois momentos existiram e não foram certamente simultâneos. O certo é que os
índios já estavam na praia quando os portugueses conseguiram divisá-la.Talvez já estivessem
ali desde a véspera, a costa era bem povoada e vigiada. Porém, é secundário saber quem teve
a primazia do golpe de vista sobre a nova realidade que se apresentava diante de seus olhos;
neste caso, a diferença de minutos ou de algumas horas não muda a realidade.
Fundamental é ver o acontecimento na sua forma mais completa, conhecer o outro lado da
História. Tanto mais quando se está em presença de visões antagônicas, cristalizadas hoje na
fratura sociorracial do país. Ou seja, quando se sabe que os "vencidos" de ontem são os
excluídos de hoje e que essa maioria, minorizada, não tem direito a voz.
A perplexidade permeia a história escrita do Brasil desde o início. Essa é a palavra que melhor
resume a sensação experimentada pelos índios quando os portugueses aqui chegaram: aquela
costa foi tomada pela perplexidade. Quem houvera visto antes homens tão diferentes? Tão
peludos, tão narigudos, pálidos, tão cobertos de vestimentas, alguns com adereços, homens
sem mulheres, falando uma língua ininteligível, pilotando "casas flutuantes"... Quem são eles?
De onde vieram? Onde estão suas mulheres? Escondidas no ventre de suas enormes
"canoas"?!
Essas foram algumas das perguntas que os índios provavelmente fizeram (a unidade básica da
humanidade e as fontes históricas e etnográficas nos permitem afirmar isto). Durante toda a
semana o clima foi eletrizante: os índios se aproximavam e 'se esquivavam', como disse
Caminha. Era o espaço da novidade por excelência: a ausência de normas comuns limitava a
comunicação, dando lugar a "paradas militares" e a uma certa agitação, como se todos
quisessem "se mostrar", "se experimentar", buscando superar o estranhamento do Outro; o
perigo, latente, foi intermediado pelo febril comércio de trocas (prefiguração do mercantilismo).
Escravidão e violação
A onda de perplexidade deve ter varrido o litoral em todas as direções, mas não foi capaz de
cobrir todo ele de um só golpe. O mesmo espanto possivelmente se repetiu em pontos
diferentes da costa mesmo antes de abril de 1500, tendo em vista que a terra foi visitada por
outros navegadores, antes de Cabral. Outras perplexidades vieram logo se juntar à inicial. De
imediato, a escravidão: de si e dos homens negros trazidos à força do outro lado do mar; o
sequestro e estupro das mulheres e a agregação de novos seres à massa escrava (os
mestiços de mil faces, às vezes três continentes estampados num só rosto!).
Apesar da aparente placidez todos estavam à espreita. O importante era durar, se fazer legião.
Remeteram para o futuro a reintegração da posse de si. Foram quinhentos anos de (matutada)
paciência, entremeada de revoltas, quando a ocasião se apresentava. O V Centenário de
História do Brasil é uma dessas oportunidades. Habituado ao menosprezo pelo povo, o
governo se traiu.
Ao pretender celebrar a lusitanidade, e não a brasilidade, ele agiu abertamente como secular
representante dos colonizadores e de seus herdeiros, colocando em jogo a própria razão de
ser do país: afinal, faz sentido um país que se toma por um outro? Para caracterizar a
impostura, chegou-se a criar um "museu aberto", cuja definição técnica, é, no contexto, risível.
São os paroxismos do Brasil arcaico, fim de reino.
A ruptura não se fez tardar. E ela gerou uma nova perplexidade capaz de explicar a primeira. O
ataque se portou sobre a raiz e emblema do lusocentrismo. Constata-se que mesmo do ponto
de vista europeu não houve o descobrimento português: Colombo precedeu Cabral em 1492 e
em 1498, quando localizou o continente americano; qualquer outra "descoberta" ao longo da
costa desse continente está evidentemente subordinada à descoberta espanhola (note-se que
os EUA não têm descobridor e que o Brasil foi, por assim dizer, dividido - em Tordesilhas -
antes de ser 'achado').
Preconceito fica nu
Sem sustentação empírica, o "descobrimento" ficou nú: é um conceito racista, pois coloca os
índios no mesmo plano que os objetos, a fauna, a flora e os acidentes geográficos - o Monte
Pascoal, por exemplo; ou seja, coisifica e desumaniza os índios ("eles não contam") e, por
extensão, os africanos e seus descendentes.
O povo brasileiro descobre, perplexo, que 500 anos de sua história estão assentados sobre
uma farsa! Quem melhor resume isso é o Centro de Cultura Negra do Maranhão: 'A História do
Brasil começa com um descobrimento que não houve', sentencia (na cartilha divulgada no
13/05/99). No melhor estilo do espírito quilombola, de uma só tacada são também resumidos
500 anos de desgoverno: afinal, como dar rumo a um país que traz embutido no seu evento
fundador a exclusão da maioria da população? Como fazer progredir um país cuja História tem
por base uma "irracionalidade"?
De fato, como nos locais das antigas batalhas, algo de extraordinário aconteceu ali; mas é
preciso ultrapassar o culto ao "caos original" e fazer a síntese. Só assim, no novo milênio, o
Brasil deixará de ser a eterna nau desgovernada à cata de um porto seguro. Só assim o Brasil
tomará posse de si mesmo, sairá da perplexidade para entrar na História.