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Três filmes, mais que quaisquer outros, marcaram sua época, pelo sucesso
comercial e pelo impacto causado sobre o imaginário, embora não tenham sido,
nem de longe, os melhores filmes da história do cinema. A história “E o Vento
Levou”, “Ben Hur” e “Titanic” contavam todos a mesma história, a de um amor
impossível na transição de uma sociedade em decadência para outra. (na fase
final de uma sociedade em decadência). O fim do Sul, do Império Romano e do
Titanic. “Amanhã será outro dia”, diz Rett Butler. Ben Hur retoma como um eco: “
“Ele a salvará”. E o herói do Titanic aduz: “Você terá que viver após minha morte”.
O sucesso desses três filmes nos revela muito sobre o clima da época em que
foram produzidos, todas elas incertas: o primeiro, pouco antes da entrada dos
Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o segundo no início da
descolonização e o terceiro, na atualidade, quando todos sentem a presença de
uma ameaça num mundo excessivamente seguro de si.
O iceberg nuclear, com a proliferação anunciada pelo sangue frio com que a Índia
e o Paquistão negligenciaram as ameaças de sanções americanas. E o caráter
derrisório de tais sanções. Como proibir alguém de fazer o mesmo atualmente,
quando se demonstrou que só se consegue ser forte diante dos francos? Daqui a
vinte anos, mais de trinta países terão armas nucleares ou estarão em condições
de tê-las em poucos meses após a decisão de adquiri-las. Embora todos os
responsáveis tenham do conhecimento disso, recusam-se a reconhecê-lo, a fim
de não admitirem sua impotência.
O iceberg ecológico, com o fracasso de todas as tentativas de reduzir ou mesmo
de estabilizar a produção mundial de gás carbônico e o conseqüente aumento da
temperatura da atmosfera. E com a presença monstruosa de dezenas de centrais
nucleares na Rússia e na Europa do Leste que, nenhum especialista sério ousa
duvidar, em menos de dez anos provocarão um acidente de proporções
planetárias.
O Titanic poderia ter sido salvo se sua tripulação não tivesse sido orgulhosa. Se
ela tivesse sido vigilante e previdente, se tivesse se lembrado que o destino a
atingir é mais importante que a velocidade com que dele nos aproximamos, que o
marinheiro deve privilegiar o objetivo visado em detrimento dos meios para atingi-
lo, que a linha reta é inimiga do navegador. E. sobretudo, se antes da partida, o
tivesse dotado dos meios de vigilância e de alerta.
Hoje, diante da mesma aposta, talvez não se fizesse nada, como de hábito. Até
que, sem tempo e tomado pelo pânico, não reste outra solução, como na Marinha,
senão destituir o capitão, isto é, o mercado.
Ousaremos fazê-lo ?
Jacques Attali
In “LE MONDE”, edição de 03/07/1998