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Um resgate conceitual e historico dos modelos de gestao de pessoas ANDRE LUIZ FISCHER 1. Introducgao Toda e qualquer organizagao depende, em maior ou menor grav, do desempenho humano pata seu sucesso. Por esse motivo, desenvol- ve e organiza uma forma de atuacio sobre o comportamento que st convencionoa chamar de modelo de gestio de pessoas. Tal modelo é determinado por fatores intemnos e extemos & propria organizag Assim, para diferentes contextos histéricos ou setoriais so encon. uradas diferentes modalicades de gestao. O que distingue um mode- lo de outto sto as caracteristicas dos elementos que os compoem ¢ sua capacidacle de interierir na vida organizacional dando-Ihe iden- tidade propria. O modelo deve assim, por definigao, diferenciar a empresa em seu mercado, ontribuindo para a fixaglo de sua ima- gem ¢ de sua competitividade Eniretanto, ao analisar @ histGria dos modelos de gestao, obser- va-se que, em geral, eles se articulam em torno de alguns conceites chave que determinam sua forma de operacao e a maneira pela que dlrecionam as relacies ongenizacionais nas empresas. A andlise des ses grandes elementos de articulacio possibilita entender as especi- ficidades e as complementaridades que se formaram entre diversos modelos ¢ épocas historicas ‘V2 |_As pessoas na organizac30 Neste capitulo define-se 0 que € um modelo de gestio de pessoas ¢ quais s8o 0s fatores que determinam sua configuragéo especifica em uma organizagdo ou um. setor de atividade. Tendo-se por referencia as perspectivas mais influentes da teo- ria organizacional, classificam-se as grandes correntes de gestao de pessoas em qua- tr categorias, que correspondem a periods histéricos e conceitos articuladores especificos, Sao elas: modelo de gest2o de pessoas articulado como departamento pessoal, como gesto do comportamento, como gestdo estratégica ¢, finalmente, como vantagem competitiva, As principais caracterfsticas de cada uma dessas esco- las so analisadas a seguir. 2. O que é um modelo de gestao de pessoas Entende-se por modelo de gestao de pessoas a maneira pela qual uma empresa se organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho. Para Isso, 4 empresa se estrutura definindo princtpios,estrategias, poiticas e praticas ou pro- cessos de gestio. Atraves desses mecanismos, implementa direinizes e orienta os estilos de atuagio dos gestores em sua relacio com aqueles que nela trabalham. Parece evidente que todo e qualquer negécio é dependente de formas particu- Jares de comportamento, sendo quase imposstvel dissociar determinadas marcas ¢ produtos da expectativa de descmpenho formada por scus clientes. EpisSdios de conhecimento publico, que marcam a histeria das organizag6es, demonstram como determinadas marcas podem softer consequencias desastrosas quando a acao humana interfere negativamente nos produtos e servicos prestados acs clientes. Tome-se o exemplo da Firestone e os pneus que provocaram uma sucessao de ac dentes com vitimas entre proprietérics de veiculos Ford nos Estados Unidos ou 0 da Coca-Cola, cujos refrigerantes contaminados foram distribuidos na Bélgica e em. parte da Europa, o que fez desabar o valor das ages da empresa durante varios meses em todo 0 mundo, ou es acidentes ecologicos que abalaram a Shell nos anos 1980. Sto situagdes-limite, carregadas de certa dose de imponderavel, que néo podem ser creditadas exclusivamente a falhas humanas, mas que, por sua dramati- cidade, ilustram bem como 0 comportamento das pessoas no trabalho pode inter ferir na preservacio e na agregacio de valor das empresas. Alguns poderiam acreditar que, no mundo da informagio, da eletronica, da intanghbilidade, do fast food ¢ da competitividade exacerbada, © comportamento humano perderia espaco ¢ relevancia. Mas 0 que se vé, ao contrério disso, € que os negécios mais préximos desse mundo so aqueles que se tomam mais dependen- tes do comportamento humano. Nao € objetivo deste capitulo analisar a charmada economia virtual ¢ seus impactos em RH, mas vale dizer que, quanto mais a empre- sa se concentra no chamado ativo intangivel (marcas, performance, inavacéo tec- nol6gica e de produto, atendimento diferenciado etc.), mais forte se torna a depen- dencia dos negécios ao desempenho humano, A maxima high tech, high touch pare- ce vir a confirmar-se. Um resgate conceitual e hist6rico dos modelos de gestio de pessoas | 13 forem as opcdes de aquisicdo de bens ¢ servigos, a transparéncia dos mercados ¢ 0 aacesso aos meios de comunicagdo, mais delinitivo sera o impacto do comportamen- to das pessoas nas decisGes do consumidor. Em empresas submetidas a tal regime de mercado, © comportamento humano passa a integrar o carater intrtseco dos negocios, tonando-se elemento de diferen- lacao e potencializando a vantagem competitiva, Vale ressaltar que no se preten- de repetiro velho jargio otimista e uiapico ce que “o elemento humano vem sendo cada vez mais valorizado pelas organizacoes”. A organizacio nao esta se tomando. mais humana por causa da nova onda competitiva, nao est sendo regida por prin- cipios que privilegiam o humano em detrimento de outros valores organizacionais, © que se quer dizer € que, quanto mais os negScins se sofisticam em qualquer de suas dimensSes — tecnologia, mercado, expansio ¢ abrangéncia ete. —, mais seu sucesso fica dependente de um padréo de comportamento coerente com esses negécios, E assim que nao se imagine, por exemplo, uma loja do McDonald’ que rndo esteja imersa em um clima de alegria¢ jovialidade nem numa forma particular de manter a agilidade de atendimente. Tais caracteristicas humanas, que fazem sucesso vendendo hamburguer em todo o mundo, diferem completamente daqui- lo que se espera de uma empresa aétea, cujos [uncionétios devem inspirar comesia cordialidade, seguranca ¢ confiabilidade. Confianga e solidez sfo também parte integrante do portlio de produtos das organizagées bancarias e somente se trad. zem em realidade com funcionstios respeitosos, cautelosos € preocupados em conhecer © que quezemos com a aplicagio de nosso dinheiro A importancia que o comportamento hurmano vera assumindo no ambito dos negocics fez com que a preocupacao com sua gestéo ganhasse espaco cada vez maior na teoria organizacional, E nesse contexte que surge © canceito de modelo de gesto de pessoas. Quando esse conceito ¢ estrategicamente orientado, sua mis- Sto priotitaria consiste em identificar padroes de comportamento coerentes com 0 negocio da organizacéo. A partir de entao, obte-los, manté-los, modifica-los e asso- id-los aos demais fatores organizacionais sera o objetivo principal. Analisado no contexio organizacional, 0 modelo caracteriza-se assim como ‘uma varifvel dependente das condigBes em que ocorrem os negocios. Somente com © entendimento adequado dos fatores que determinam essas condigdes ¢ que se toma possivel delincer um modelo coerente com as necessidades da empresa . Fatores condicionantes do modelo de gestao de pessoas desempenho que se espera das pessoas no traballto € 0 modelo de gestao corres- pondente sio determinados por fatores internos ¢ extemos a0 contexto organiza. cional. Dentre 08 fatores internos, destacam-se 0 produto ou servigo olerecido, a tecnologia adotada, a estratégia de organizag3o do trabalho, a cultura ¢ a estrutura organizacional. Quanto aos fatores externos, a cultura de trabalho de dada socieda de, sua legislacto wabalhista ¢ o papel conferido ao Estado e aos demais agentes que atuam nas telacdes de trabalho vio estabelecer os limites nos quais © modelo de gestao de pessoas poder atuat Vale detathar, ainda que sucintamente, 0 papel de cada lator 14 | As pessoas na organizacio 3.1 TECNOLOGIA ADOTADA Parece senso comum que o padrio de maquinas utilizado pela empresa determina fortemente o comportamento que se espera dos funcionarios. Operirios que traba- lham em linhas de produgdo acompanham o ritmo ditado pela velocidade da maquina, Deles néo se esperam iniciativa nem autocontrole, bastando que 0 cartao de ponto, na entrada da fabrica, registre sua presena. A automatizacéo ou robotizacao do processo transformaré esse trabalhador de provedor de forca e guia de ferramentas em monitor da atividade sob sua respon- sabilidade, Ele passara a atuar na trregularidade, e nao na regularidade, o que tor- nard o trabalho dependente de autonomia ¢ capacidade de antecipacao. No primeiro caso, o modelo de gestao poderia limitar-se ao simples registro da presenca e propiciar uma recompensa satisfatéria a0 trabelhador. No segundo, toma-se obrigatério garantir seu envolvimento com que faz e estirnular a inicia- tiva individual desse trabalhador. A tecnologia passa a demandar um comportz- mento e, por decorréncia, um modelo diferenciado, 3.2 ESTRATEGIA DE ORGANIZACAO DO TRABALHO Diferentes formas de organizacao do trabalho sao, na verdade, diferentes maneiras de buscar 0 comportamento exigido pelo processo de trabalho adatado. Desse modo, pode-se dizer que trazem o mesmo impacto da tecnologia para o modelo de gestio. AAs priticas de TQM (total quality management), a adogio das varias formas de GSA (grupos semi-auténomos), os operadores muliifuncionais e as células de tra- balho sero totalmente indcuos se nao estiverem acompanhados de politicas e pré- ticas de gestio de pessoas que estimulem e orientem o padrdo de desempenho desejado pela técnica de gestéo do trabalho utilizada. Na verdade, pode-se mesmo dizer que & quase impossivel separar o modelo de gestio de pessoas do modelo de gestio do trabalho. Trata-se de dois conjuntos de riticas que incidem sobre as mesmas instancias organizacionais — as relacbes ‘humans na empresa — e que pretendem alcancar 05 mesmos objetivos: determi- nado padrao de desempenho no trabalho. 3.3 CULTURA ORGANIZACIONAL Parece evidente também quanto a cultura organizacional interfere €, ao mesmo tempo, recebe a influencia do modelo de gestdo de pessoas de uma onganizacio. Edgard Schein, um dos autores mais citados nessa area, define a concepeao de tra- balho e o valor conterido ao ser humano coino os pressupostos nucleares e funda- mentais da cultura de um grupo. Um das principais papéts do modelo de gestao € reforcar e reproduzit esses pressupostos na cultura organizacional vigente, diferen- ciando e moldando padries de comportamento. Um resgate conceitual e istérico dos modelos de gosto de pesioas | 15: seres humanos diferentes dos outros. E assim que engenheiros sdo mais valorizados que profissionais de escritorio em empresas metaltrgicas e de mineragao — como demonstrou Fleury (1986) em seu estudo sobre a cultura organizacional de uma das maiotes empresas brasileitas desse setor de atividade. Espectalistas em marke- ting so mais considerades que funcionaries de produgio em empresas de bens de consumo nio-duraveis, Financeitos sto verdadeiras releréncias de comportamento nos grandes hancos. E notério que as priticas de recursos humanos ao mesmo tempo relletem, reproduzem e legitimam tais caracteristicas culturais das organiza- bes (Eboli, 1990; Fleury, 1986). 3.4 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL A estrutura ou modelo organizacional delineia também as caracteristicas do mode- lo de gestto de pessoas dominante na empress. Uma estrutura departamental, explicitamente orientada para a cadeia de comando e controle, implica um mode- lo igualmente segmentado ¢ restrtivo, A iniciativa limiteda, a ordem superior, a0 manual de procedimentos, a acio veltada para os objetivos sctoriais sem perspec- tiva sistémica nem do conjunto da empresa corresponde determinada forma de remunerar, capacitar e recrutar pessoas Por outro lado, uma estrutura matricial, por unidades de negocios ou em rede, demanda praticas de recursos humanos através das quais se perceba a empresa como uma totalidade. A temuneracio néo pode estar vinculada exclusivamente a0 cargo ocupado, 0 processo de treinamento deve incentivar a visto sistémica da organizagio e o recrutamento deve ser feito dentro de um perfil de competencias que atendam ao conjunto da corporagéo, e nic s6 as demandas da unidade em que a pessoa ird atuar. 3.5 FATORES EXTERNOS Os fatores externos a organizagdo devem ser classificades, segundo sua origem, em duas categorias: os advindos da sociedade ¢ os que tm origem no mercado. Os fatores sociais correspondem a forma pela qual a sociedade regula o trabalho ¢ as relagdes de trabalho que ocorrem em seu Ambito. Prevalecem a cultura de trabalho dessa sociedade, a legislacdo e a intervencdo dos diferentes agentes, dente as quais se destacam o Estado ¢ as insttuicoes sindicats. Por fugir muito ao escopo deste capitulo, esses fatores naa serao analisacos em detalhe. E importante ressaltar que as variéveis sociais, na maior parce das vezes, exercem mais um papel de restrigdo que de definicao das caracieristicas do mode- lo, ou seja, definem os limites até cs quais a orgenizagéo e seus gestores podem decidir e agir na configuragdo de suas politicas ¢ praticas de gestio O mercado, por seu lado, deve ser considerado o fator preponderante na cons- tituigao do modelo, pois define o perfil de competéncias organizacionais exigido pelo negécio do setor de auividade em que atua. Como afirmam autores reconheci- dos na area de estrategia empresarial, no mundo competitivo a empresa € vista 16 |_ As pessoas na organizacio. ‘como “um portfolio de competéncias’, vencendo aquela que melhor dominar a competéncia essencial de determinado setor de atividade (Prahalad e Hamel, 1995). E facil perceber quanto a legitimidade de um modelo de gestao de pessoas esta relacionada a sua capacidade de ser tributério do modelo de competéncias de uma organizacio. A determinado padrio de competéncias organizacionzis corres- pondem competéncias humanas particulares — comportamentos organizacionais que lhes sio especificos ¢ contributivos. reconhecimento do cardter dependente do modelo de gestao de pessoas € a identificacao de seus fatores condicionantes permitem perceber as variagdes que ocorrem em seus diversos niveis de manifestacao: a empresa (nivel micro), o setor de atividade (nivel meso) e a naga ou outra unidade demografica (nivel macro). A ‘medida que ocorrem alteragbes nas variaveis bésicas que atuam em uma das dimen- sbes desses niveis, 0 modelo sofre mudangas de configuracio. cardter contingencial e dependente da administragao de recursos humanos € que explica por que o modelo de gestio pode manifestar-se de forma heterogénea dentro de contextos de anélise aparentemente semelhantes. O senso comum, a observacéo empirica nao sistematizada e pesquisas recentes indicam que € possivel, € até muito provavel, encontrar mais de um tipo de modelo de gestao convivendo harmoniosamente dentro da mesma empresa. & razodvel pressupor também que, a medida que as empresas passam a competir pela competéncia que sio capazes de agregar, as diferencas se intensificam no plano meso e no macro. “Tudo isso dificulta sobremaneira a delimitacdo e a identificacto do modelo em situagSes empfricas, dado o fato de que se manifesta de forma cada vez mais diver- ‘sa quanto mais competitivo for o ambiente. Entretanto, algumas de suas caracterts- ticas s4o mais genéricas ¢ estruturais e podem ser mais bem especificadas como ele- mentos componentes do modelo, 4, Elementos componentes do modelo de gestao de pessoas A rigor, tudo aquilo que interfere de alguma maneira nas relacoes organizacionais pode ser considerado um componente do modelo de gestio de pessoas. O compor- tamento organizacional nio € produto direto de um processo de gest#o, mas © resultado das relagdes pessoais, interpescoais e sociais que ocorrem na empresa Gestdo de pessoas significa orientagdo e direcionamento desse agregado de intera- «es humana. [esse sentido, a definicao de uma estratégia, a implementacao de uma diretriz com impactos no comportamento dos empregados, a fusto ou transferéncia de uma unidade organizacional ou a busca de nova postura de atendimento ao cliente sic intervencoes de gestdo de pessoas. A concordncia com tal perspectiva implica 0 reconhecimento de que os limites entre 0 que é especialidade de recursos humanos € 0 que esté na area de atuacdo dos planejadores estratégicos ou dos gestores de produgio ou de marketing sdo muito ténues € de dificil determinacao. Temalar farmn ainda mise cain wars Rine diditinae a de dalimitnnan de cam Um resgate conceituale historico dos modelos de gestao de pessoas | 17 modelo de gestao de pessoas, Eles estio presentes em praticamente todas as orga nnizagdes, mas nio sao identificados de imediao porque se marilestatn de diferen= tes maneiras: mais ou menos formalizados, consolidados em uma estrutu‘a organi- zacional propria ou ainda dispersos ¢ pouco tangiveis, o que depende, fundamen- tlmente, da maior ou menor vonsciéncia que a propria empresa tem da importan- a de agic organizaclamente sobre o camportamento humano aplicado go trabalho Emboraa gestao de pessoas abranja, acima de tuto, determinada padrao dle ati- tudes e posturas observaveis pelo analista exteno que caracterizam o convivio huma- nona otganizacio, € possivel decompd-Ia em elementos menos abstratos. Os compo- nentes formais ce um modelo de gestto de pessoas se delinem por principios, politi- cas.e processos que interlerem nas relagdes humanas no interior das organizagdes, Por principios entendem-se as orientagies de valor ¢ as erencas basicas que determina o modelo ¢ sto adotadas pela empresa. Especial destaque deve ser dado para as jt referidas anteriormente como fundamentals nx definicao da cultue ra de uma organizago: o significado do homem ¢ do trabalho, Observe-se o exem- plo de uma das matores organizacoes bancatias brasiletas. © Unibanco, ao defimir sua estratégia de negicio no inicio da decada de 1990, opto pela seguinte forrmu- lagio: “E nossa diretriz estratégica atender de forma equilibrada aos interesses de chentes, cionistas e funcionanios”. Com isso a empresa quer tornar puiblico que defende uma culura na qual esses tr@s agentes orgmizacionais t&m igual valor. Trata-ce sem divide de uma definigio de principios de gestdo de pessoas que orien- lara as coracteristicas estruturais do modelo de gestio adetado. Qutro exemplo conhecido é 0 da Disney. Ao definir como valores honestidade, integridade, respeito, determinasao e diversidade, a conhecida corporagio americana estabelece parame- tros de selacionamento entre as pessoas e das pessoas com a organizacao. Q mode- lo de gestao devera nao so segui-lose respeita-los como tambem reforcar esses valo- res na cultura da organizacio ‘As polticas, por sua vez, estabelecem diretrizes de atuacio que buscam obje- tivos de médio e de longo prazo para as relagdes organizacionais. Em geral, sfio orientadoras e integradoras dos processes especificamente voltades pata gestdo de pessoas. A Xerox do Brasil, por exemple, definia: “A Xerox deve scr capaz de atrair ¢ reter profissionais qualificados pata diversas funges do negocio. Para isso, 0 mer~ cado (ouiras empresas) € acompanhado continuamente, visando alinhar nossa estrutura de salarios e conjunto de beneficios as empresas mais moderas do mer- cado". Nese caso, mais uma vez se estabelecem publicamente paramettos que orientam as praticas de gestao, elementos balizadores das praticas de gesiao de sali- Tios que deveriam ser conhecidlos e vélidos para toda a corporagao Os processos so 0s elementos mais visiveis do medelo, e boa parte da litera- tura sobre recurses humanos tem-se dedicado exclusivamente a cles. Processos so curses de agio previamente determinados, ndo podem ultrapassar os limites dos principios de gestéo ¢ visam alcangar os objetivos tragaclos, orientades por politi cas especifices. Sao instrumentalizados por urna ou mais ferrameentas de gestio que pressupdem procedimentas espectficos Caracterizam-se como processos de gestao os planos de cargos e salarios, de capacitacao e de sucessao, a administracao de carreiras e as avaliacdes de desempe- 18 | As pessoas na organizagso ho, de performance € de pessoal. Pesquisas salariais, de clima organizacional e diagnésticos de cultura sao exemplos de processos ¢ ferramentas componentes do modelo. © importante, quando se fala em processos, ¢ que somente ganham senti- do efetivo num contexto dado, ou seja, 0 processo depende de um principio ou ctenca que the dé contetido e directo e de sua capacidade de interferir nas relacoes organizacionais. Somente assim um processo podera cumprir seu papel de orientar ou estimular 0 comportamento humano na empresa Integra ainda o modelo de gestio de uma arganizacao o estilo de gestdo dos gerentes direios das equipes de trabalho, ou seja, a manceira pela qual o gestor atua a0 estabelecer limites ou estimular determinades padrées de comportamento. Pela orientacao das processos de capacitacao gerencial cu mesmo da simples divulgagéo dos perfis de comportamento desejados a empresa procura intervir no estilo geren- cial praticado por suas chefias dando coeréncia ao modelo, Assim, a Rhodia, um dos mais importantes exemplos de processo de mudanca organizacional da década de 1980, para consolidar o novo perfil funcional desejaclo, comecava por definir 0 estilo gerencial perseguido pela empresa. Os gerentes da Rhodia deveriam adotar os seguintes principios: PRHOEX — Principios gerenciais ++ Visio sistémica + Foco nos processos * Organizagao que aprende + Valorizagao das pessoas * Gerenciamento interfuncional Acexperiéncia prética tem demonstrado que, dentre todos os componentes do modelo de gestdo de pessoas, esse talvez venha a ser o mais crtico. Conflui para 0 gerente todo o processo de gestdo, as ferramentas tomam vida quando so por ele utilizadas e sua inadequacéo poe em risco toda a composigzo do modelo. deseriho organizacional, ow seja, a maneira pela qual o modelo opera, a estrutura espectiica de organizacao do trabalho dos profissionais especializados ¢ a forma pela qual eles prestam servicos a seus clientes também sao elementos cons- tituintes do modelo. Tais caracteristicas, embora de extrema relevancia, nao sao tra- tadas detalhadamente neste capitulo por fugir de seu objetivo central 5. Um resgate histérico dos modelos de gestao de pessoas Observa-se ate aqui quanto as organizacoes dependem de uma atvaczo estruturada Um resgate conceitual ¢ histérico dos modelos de gestao de pessoas | 19 a propria onganizagio, send razodvel supor que, para diferentes contextos histéri- 05 ou setoriais, encontram-se diferentes modalidades de gestao. O que diferencia ua modelo de outro sio as caracteristicas de seus elementos, que, como se estuda- va seguir, se articulam em torno de alguns conceitos-chave, que por sua vez deter- minam a forma de operagio Buscando explicitar e entender esses conceitos articuladores, clasificam-se as grandes correntes sobre gestan de pessoas em quatro cetegorias principals, gue cor- respondem a periods historicas distintos, coma ja foi mencionado anteriormente Sao elas: modelo de gestio de pessoas articulado como depariamento pessoal, como gestio do comportamento, como gestio estratégica e, finalmente, como van- tagem competitiva. Analisam-ce a seguir as principais caracteristicas de cada uma dessas vertentes. 6. Modelo de gestao de pessoas como departamento pessoal A.adininistracao de recursos humanos, no sentido mais especifico do termo (human resource management), € resultada do desenvolvimento empresarial e da evolugao da teoria organizacional nos Estados Unidos. Trata-se de producto tipicamente ameri- cana, que procura suplantar a visio de departamento pessoal, Um conceito que rellete a imagem de uma fea de trabalho voltada prioritartamente para as transa- ges processus € os tramites buroeraticos A historia da human resource management (HRM) nos Estados Unidos, segun- do Beverly Springer, inicia-se com 0 surgimento dos departamentos pessoais. Em 1990, a autora celebrou o centendrio da historia da gestdo de recursos humanos nos Estados Unides, cuja origem poderia ser datada de 1890, quando a NCR Corporation cricu seu personnel afice, © objetivo dos gerentes de pessoal, que atua- riam nessa nova area, seria “estabelecer um metodo pelo qual pudessem discernit melhor, entre a extensa e diversificada massa de candidatos a emaprego, que indivi- duos poderiam tomar-se empregados eficientes ao melhor custo possivel’ (Springer ¢ Springer, 1990). Ela define os fatores de ordem cultural, econdmica e organiza- ional que determinaram 0 sargimento da fungio “gestdo de pessoal” nessa epoca, Dentre cles destacam-se > a NCR havia assumido porte ¢ especializagdo que recomendavam uma fungio especilica voltada para a administtacao de pessoal; > allivre empresa e o individualismo tomaram-se valores sedimentados na cultu- ra americana, 0 que permitia as empresas escolher livremente com quem € como trabelhar; > alforca de trabalho do pais ganhara maior mobilidade, e era grande o contin- gente de migrantes que deveriam ser adaptados ao trabalho; > os sindicatos ndo se haviam disseminado dentro do novo tipo de corporagio que surgia como modelo empresarial, Isso significa que o aparecimento do departamento pessoal ocorreu quando “os empregacos se tornaram um fator de producto cuyos custos deveriam ser admi- 20 |_As pessoas na organizagio nistrados tio racionalmente quanto os custos dos outros fatores de producao”. A raiz do que viria a ser chamado posteriormente de administracto de recursos humanos e que neste capitulo se denomina modelo de gestao de pessoas estaria na necessidade da grande corporacao de getenciar os funciondrios como custos, 0 ele- mento diferenciador de competitividade da época. Isso levou a NCR a investir em ‘uma area especificamente voltada para tal finalidade. Tal constatagao reforga a pre- ‘missa de que 05 recursos humanos sio resultado de um conjunto de necessidades ‘empresariais delimitadas pelas caracteristicas sociais e culturais da época — uma fungio organizacional que surge como conseqiiéncia, nao causa, dos processos de mudanga que ocorriam na empresa € fora dela. No caso da grande empresa ameri- cana do inicio do século XX, 0 modelo de gesiao deveria preocupar-se com as tran sages, 05 procedimentos ¢ os processos que fizessem o homem trabalhar da manet- a mais efetiva possivel: produtividade, recompensa e eficiéncia de custos com 0 trabalho eram os conceitos articuladores do modelo de gestio de pessoas do tipo departamento pessoal fato de que condigdes sociais, econdmicas e organizacionais so determi- nantes das praticas de gestio de recursos humanos nao constitui novidede. Tal conceito ¢ observado ou um pressuposto intrinseco para praticamente todos 08 autores da area (Cave, 1994), O que surpreende € a freqiténcia com que, mesmo assim, alguns analistas generalizam suas recomendagdes de étimos modelos, que deveriam ser praticados pelas organizacoes sem levar em consideracao os ambien les espectficos em que estao inseridas. A producao teorica nacional e internacio- ral apresenta-se recheada de prescricoes genericas, que buscam antever aquilo que todas as organizacées precisariam fazer com seus recursos humanos para se tornat elicazes, estratégicas ou competitivas', Em contrapartida, essa producio & absolu- tamente pobre em estudos especificos que reconhegam por meio da pesquisa aqui- Jo que eletivamente as organizacées adotam na gestéo de suas relagdes com 05 cempregados. ‘A busca permanente de um padrio étimo gera outra marca caracteristica da gestdo de recursos humanos: conviveré permanentemente com a tensio entre 0 modelo idealizado — concebido pelos tedricos como adequado — ¢ o modelo pra- ticado — efetivamente implementado pelas organizacces. divorcio entre teoria e pratica comeca a ser percebido com o advento das escolas marcadas pela influéncia da psicologia humanista. A ideologia organizacio- nal dominante no infcio do século XX, a administracdo cientifica, era bastante com- pativel com um departamento pessoal voltado para a eficiéncia de custos e para a ‘busca de trabalhadores adequados as tarefas cientificamente ordenadas. Mas, a jul gar pela obra de Springer, ja a partir dos anos 1920 esse descompasso comeca a aparecer. Em sua reconstituigao historica, a autora afirma que, nesse perfodo, os pressupostos taylorisias continuam sendo adotados por praticamente todas as empresas, enquanto a teoria avanca em outra direcao. Elton Mayo e seus seguide- "hierar internacional, nese nha, vj especialmente a coletinea “Special ce on the fatare of human resource management’ In: Human Resource Management Spring 1997, vol. 36, unter 1; ¢ LAABS, ener “Todays promtes Um resgate conceltual ehistérco dos modelos de gestao de pessoas | 21 res estariam promavendo as primeiras experiéncias de contato mais intenso entre a administracdo e a psicologia, determinando uma nova fase na historia da adminis. tragdo de recursos humanos, 7. Modelo de gestao de pessoas como gestao do comportamento humano A uuilizacao da psicologia como cténcia capaz de apoiar a compreensao e a inter- verc2o ne vida organizacional provocou nova orientagao do foco de ago da gestio de recursos humanos. Fla deixou de concentrar-se exclusivamente ma tatela, nos custos ¢ no resultaclo procutive imediato para atuar sobre o comportamento das pessoas. Isso aconteceu por meio de duas escolas de psicclogia, cuja influencia se deu em diferentes epocas. Nas décadas de 1930 ¢ 40, predominaria a linha beha- viorista do Instituto de Relagées Humanas da Universidade Yale. Sua principal con- tribuigdo seria a criagdo dos instrumentos e métodos de avaliagao e desenvolvimen- to de pessoas que, nas empresas, formariam o arsenal da psicologia e da psicome- ria aplicadas aos procedimentos de gestao de recursos humanos, Janos anos 1930, Abraham Maslow romperia com a escola behaviorista para iniciar 0 periodo em que a psicologia humanista passaria a interferir decisivamen. te na teotia organizacional. Todos os demais autores de projecio da area, como Herzberg, Argyris e McGregor, podem ser, de alguma forma, vineulados a essa comente. Accxpressio human resource management ¢ o foco prioritatio no comportamen- to humano podem ser considerados os principais resultados da alirmacdo definiti- va da psicologia humanisia na teoria organizacional, Tal expressao comecaria a ser uutlizada 2 partir de 1950 nos Estacios Unidos “para designar uma expansio da tra- dictonal administracao de pessoal”, criada em 1890 pela NCR Corporation (Springer e Springer, 1990), Nos anos 1960 e 70, 2 escola de relagées humanas, nome pelo qual ficou conhecida essa linha de pensamtento, predominou como matriz de conhecimento em gestéo de pessoas. Uma de suas principais contribuigbes foi descobrir que a rela gfo entre a empresa e as pessoas ¢ intermediada pelos gerentes de linha, Reconhecer a importiacia ¢ levar o gerente de linha a exerver adequadamente seu papel consti- tuiu a principal preocupagao da gestao de recursos humanos, 0 foco de atuacao se concentiaria no treinamento gerencial, nas relagbes interpessoxis, nos processos de avaliagao de desempenho e de estimulo ao desenvolvimento de perfis gerenciais coe- Tentes com o processo de gestio de pessoas desejado pela empresa. Motivagaie lide- ranga passariam a constituir os coneeitos-chave do modelo humanista Em um artigo da Harvard Business Review, Millesi tentaria estabelecer uma dis- tingao entre 05 conceitos de relagdes humanas € de recursos humanos. Até hoje tal distingie née foi devidamente incorporada pelo senso comum € pela teotia, uma vez que, em geral, os dois conceites sio uiilizados como sincnimos. De qualquer maneita, para Millesi o modelo de recursos humanos corresponderia a uma nova fase do processo de gerenciamento de pessoas, na qual a diferena fundamental 22 |_As pessoas na organizacao estaria na postura do gerente na conducgo das equipes de trabalho (Conrad e Pieper, 1990). © mesmo autor publicaria, em 1975, Theories of management, propondo uma classificacdo composta de trés modelos de gerenciamento: o tradicional, o modelo de relagdes humanas ¢ 0 modelo de recursos humanos. No primeiro, o papel do geren- te consiste em dar ordens monitorar seus subordinados. No segundo, o de relagoes humanas, os gerentes devem reconhecer as expectativas dos funcionarios, levando-os a sentirse tteise importantes naquilo que fazem. No terceira e mais avancado mode- lo, 0 de recursos humanos, o papel do gerente seria promover atitudes de zutodeter- minaclo e autogerenciamento entre 0s subordinados (Staehle, 1990). Ainda nos anos 1960, desenvolveram-se as teorias que buscavam valorizar 0 papel do elemento humano no sucesso das empresas, Em termos genéricos, incluem-se aqui autores como Likert, Schultz ¢ Schuster, que desenvolveram os conceitos de human capital accounting ou human asset accounting (apud Conrad e Fieper, 1990). O objetivo basico era inverter a visio predominante de gestéo de recursos humanos, segundo a qual a meta prioritaria estaria centrada na otimizacao dos custos, para uma perspectiva de valorizacao de atives. Dessa linha de pensa- mento surgiu 0 jargao, bastante conhecido e ja desgastado, de que “o trabalho humano constitu o principal ativo de uma organizacio" A persistencia do jargo na cultura dos especialistas demonstra a importéncia dessa linha tedrica na construcao do conceito de administragao de recursos huma- nos e na reorientacZo de sua prética no interior das organizagées. Entre suas con- tribuigdes estio a introdugdo da questdo da mensuragdo econdmica dos resultados da fungdo de recursos humanos, uma embriondria valorizacéo dos processos de desenvolvimento de pessoas em detrimento das atividades técnicas de gestéo de salirios € de cargos ¢ a promogao de pesquisas emptricas que buscam comprovar a correlacdo entre o sucesso das organizacdes € o investimento em desenvolvimento de recursos humanos. Como se vé, embora por vezes sejam utilizadas como sindnimos, nota-se entre os estudiosos da questio a forte preocupacio de distinguir 2 gestéo de recursos humanos de administracdo de pessoal. Este segundo termo estaria vinculado a um passado marcado pelo cariter processual e burocrético da atividade, caracteristico do modelo anteriormente analisado. Brewster ¢ Hegewisch (1994), fazendo uma retrospectiva de varios estudos que estabelecem tal diferenca, demonstram que, embora todos partam do mesmo principio, o parametro de diferenciacio varia bas- tante entre eles. Diferentemente da administracao de pessoal, a gestao de recursos humanos estaria voltada para a integracao, 0 comprometimento dos empregados, a flexibilidade, a adaptabilidade ¢ a qualidade. Mais especificos, Mahoney e Deckop estabelecem seis aspectos que diferenciam ARH de administracéo de pessoal. Eles argumentam que ARH envolve uma visio ampla e profunda das seguintes areas de atuagio (apud Brewster e Hegewisch, 1994): > Plancjamento da alocacao das pessoas no trabalho: uso de técnicas que esta- belegam um elo entre a estratégia de negocios da empresa € as pessoes. Um resgate conceitual ¢historico dos modelos de gesao de pessoas | 23 > Sentimentos dos funcionarios: a gesido deveria concentrar-se na satisfagao das pessoas e em tudo aquilo que possa interferir na cultura orgenizacional da empresa > Gestiio dos empregados: ocorreria por meio dos mecanismos tradicionais de recursos humanes, na seleg40, no treinamento e na compensasdo dos funcionatios > Gestiio de custos ¢ beneficios: contemplaria os esforcos orientados para a reduyao des custos com mao-de-obra, tais come reducao da woiatividade, do absentefsmo ¢ outros fatores que interferem na eletividede organizacional > Gestio do desenvolvimento; corresponde a preocupacao com a criacao de competéncias necessérias para o futuro da empresa Nas propostas de Mahoney e Dleckop comeca a surgir, de forma mais comple- tae abrangente, o modelo de gestio de recursos humanos em sua concepcio mais moderna: constituido de um conjumto de processos que a empresa concebe & implementa com o objetivo de administrar suas relagbes com as pessoas buscando concretizar seus interesses. Tais interesses podem ser resumidos em trés eixos prin- cipais: a efetividade econdmica, a efetividade técnica e a cfeividade comportamental. Por efetividade econémica entende-se o alcance dos resuliados de redugfo de custos o maximizagio de lucros através das praticas de gestdo de pessoal, o que resgata 05 objetivos da escola anterior, porque pressupde a mensuraczo do impacto efetivo co trabalho nos-resultados da empresa. A efetividade técnica refere-se & mnanutengio da agao do homem em consonancia com os padroes de qualidade requeridos pelos produtos, equipamentos € negécies realizados pela empresa. A efetividade comportamental corresponde a busca da motivacto e da satisfacao dos nteresses dos functonarios, atendendo aclequadamente suas necessidades, Observe-se que nesse ponto se recorihece implicitamente a subjetividade, ou seja, para obter 0s resultados, os processos geridos pela empresa devem incidir, proritariamente, sobre as relagdes que ela estabelece com as pessoas. Tais resulta. dos serao sempre solugées de consenso, negociadas entre as duas partes envolvi- das: pessoas e organizacao, Reconhecer essa caracteristica basica da gestio de recur- 06 humans significa reconhecer também quanto é limitedo o grau de previsibili- dade da empresa com relagio aos produtos finais resultantes das praticas que adoxa Como & possivel observar, o modelo que reconhece o compertamento humia- no como foco principal da gesido se articula em torno dos binémios envolvimen- to-motivacao,fidelidade-estabilidade e assistencia-submissao. Cabe & empresa pro- mover a motivagdo das pessoas, ¢ as pessoas, manter-se permanentemente envolvi- das com 0s projetos da organizacao num contrato de submissao de longo prazo — “vestir a camisa da empresa constituia o slogan para empregar e manter as pessoas nas empresas. F em tarno desses elementos hasicos que se estrutura o mais influen- te e conhecido modelo de gestio de pessoas da historia da teoria organizacional 8. Modelo estratégico de gestao de pessoas ‘Nas décadas de 1970 e 80, um novo critério de efetividade foi introduzido na modelagern dos sistemas de gestio de recursos humanos: seu carter estratégico. A 24 | As pessoas na organizacio necessidade de vincular a gestao de pessoas as esiratégias da organizacao foi apon- tada inicialmente pelos pesquisadores da Universidade de Michigan, dentre os quais se destacam Tichy, Fombrum e Devanna. Segundo Staehle (1990), a visio desses autores era de que a gestio de recursos humanos deveria buscar 0 melhor encaixe possivel com as politicas empresariais e os fatores ambientais, Para isso, os planos estratégicos dos varios processos de gestdo de recursos humanos seriam. derivades das estratégias corporativas da empresa Hi nesse aspecto um indicio de ruptura com as escolas comportamentais. Nao € mais 2 motivacdo genérica que © modelo deve buscar. Individuos motivados, satisfeiios e bem atendidos em suas necessidades estao prontos para atuar, mas isso pode nao significar absolutamente nada para as diretrizes estratégicas da empresa Staehle reconhece 0 avanco proporcionado pelo grupo de Michigan a0 demonstrar a importincia do cariter estratégico no modelo de gesto de pessoas, mas ressalta os limites dessa concepedo. Para ele, tal perspectiva assume 0 pressu- posto da adaptagao ¢ implernentagdo, ou seja, © papel de recursos humanos se resu- miria a adaptar-se a estratégia de negocio ¢ a implementar sua direttiz espectlica. Nao € levada em considetacao a possibilidade de a ARH intervir na estratégia cor- porativa introduzindo nas decisdes tomadas uma visio estratégica das pessoas e sua contribuicdo para a empresa. - Nos anos 1980, caberia a Harvard Business School desenvolver nova perspec- tiva da gestio estratégica de pessoas. Stachle utiliza os t6picos abordados pelo curso de Administragéo de Recursos Humanos introduzido no MBA dessa escola para demonstrar como a abordagem de Harvard se mostra mais ampla ¢ integradora do que as anteriores. Lancado em 1981, 0 curso estava estruturado nas seguintes dreas de poiticas de recursos humanos: > influéncia sobre os funcionstios (Filosofia de participagio); > processos de recursos humanos (recrutamento, desenvolvimento e demissio); > sistemas de recompensa (incentives, compensagao ¢ participagao); > sistemas de trabalho (organizacao do trabalho) A abordagem de Harvard aponta a necessidade de 0 modelo de gestao de pes- soas corresponder a fatores internos e extemnos & organizacao. As Areas de politicas ‘mencionadas seriam afetadas pelos interesses dos stakeholders (acionistas, gerentes, grupos de empregados, sindicatos, comunidade ¢ governo) de um lado e por pres- s6es situacionais de outro, As decisdes de ARH deveriam estar pautadas pela gestio desses dois conjuntos de fatores, conciliandlo os interesses envolvidos. Como afir- ma Siaehle, na visao de Harvard “a principal responsabilidade da gestao de recur- sos humanos ¢ integrar harmoniosamente as quatro areas entre si € com 2 estraté- {gia corporativa da empresa’ (Staehle, 1990). No Brasil, a perspectiva estratégica de gesto de recursos humanos influenciou as organizacées mais bem estruturadas nessa érea na década de 1980. Em 1987, Albuquerque realizou uma pesquisa abrangente e elucidativa a esse respeito em um Um resgate conceitual¢ historico dos modelos de gestio de pessoas | 25 implementagio pritica no pais. Dentze outras conclusdes, 0 autor destaca que, “muito embora os resultados da pesquisa nao evidenciem uma ligacao forte entre planejamento estratégico de recursos humarios ¢ planejamento estratégico, jd se con figura uma tendencia cle aceitacdo do planejamento estratégico de recursos humanes por parte da alta administracao das empresas da amostra” (Albuquerque, 1987). Com referencia a participacao de recursos humanos nas estrategias de negé- cio, Albuquerque constata que o executive de recursos humanos, na épaca da pes- quisa, era “envolvido, de uma forma ou de outra, na formulagdo das estratégias organizacionais na maioria das empresas pesquisadas” (Albuquerque, 1987) Fischer (1998) demonstrou que os formadores de opiniao do setor perceber, que as grandes organizag6es brasileiras enfrentam grandes diliculdades para adotar uma perspectiva estrategica de gestzo de pessoas, embora a pesquisa tambem tenha constatado que praticamente todas se orientavam por esse ideal De qualquer manetra, essa linha de pensamento tronxe novo conceito articula- dor do modelo de gestic: a basca de orientacio estratégica para as politicas e prati- cas de RH, Seria preciso, a partir de entéo, intensilicar os esforgos de adaptagio do modelo as necessidades da empresa, tornando-se insuficientes as solueBes padroni- zadas capazes de atender a qualquer organizacio em qualquer tempo. As verdades sobre a gestio do comportamento hnumano deixaram de ser gerais para se tornar um problema do negocio e de sua estratégia. O modelo tormava-se assimn cada vez menos prescritivel e generico para ocupar a funcao de elemento de diferenciacao 9. Modelo de gestao de pessoas articulado por competéncias © adverto da era da competitividade exigiu novo papel da gestio de recursos humanos. A intengao de estabelecer vinculos cada vez mais estcitos entre o desem- penho hamano os resultados do negécio da empresa, ja presente na fase anterior, se intensifica a ponto de requerer nova definigdo conceitual do modelo. A enfase na competicao, presente nas obras de autores como Porter, Hammer e Prahalad, dire- ciona de forma decisiva toda a teona organizacional e cria as bases da surgimento de um madelo de gestio de pessoas baseado em competéncias Essa producio te6rica tem origem nas mudancas ocorridas nos mereados internacionais a partir da década de 1980. Nessa época, a chamada ofensiva japo- nesa desestabilizou a hegemonia das grandes corporagées americanas, tornando a busca de competitividade um tpico recorrente na literacura sobre gestao empresa~ nial, Nela passam a predominar temas camo estratégia competitiva, vantagem com petitiva, reengenharia e reestruturacio, competencias essenciais e reinvencao do setor. Para entender a emergincia do novo modelo ¢ preciso resgatar a influencia de tal visio de gestao de negécios na administragio de recursos humanos, 9.1 GESTAO DE PESSOAS E VANTAGEM COMPETITIVA, ‘A nogio de vantagem competitiva aparece no titulo do segundo livo de Porter (1989), no qual o autor analisa o problema da incapacidade de as empresas tradu- 26 | As pessoas na organizagio irem suas estratégias em acOes praticas. © foco é a sustentacao da vantagem com- petitiva, que introduz a nocéo de valor agregado ao produto e de cadeia de valor como elementos fundamentais na manutencio do posicionamento da empresa: “A vantagem competitiva surge do valor que uma empresa consegue criar para seus compradores e que ultrapassa 0 custo de fabrica¢io pela empresa’. A cadeia de valor deve ser analisada nas diferentes atividades internas da organizacio e suas interagdes, uma vez que a vantage competitiva “tem sua origem nas intimeras ati- vvidades distintas que uma empresa executa no projeto, producéo, marketing, entre- gacsuporte do produto. Cada uma dessas distintas atividades pode contribuir para a posigio dos custos relativos de uma empresa, além de criar uma base para a dife- renciacao” (Porter, 1989). A partir de entdo se tomaria muito dificil falar de gestdo de recursos humanos sem fazer referencia a questao da competitividade e da agregacao de valor para 0 negocio e os clientes. Embora néo se alongue no tema, no mesmo livro Porter (1989) diz que “a geréncia de recursos humanos afeta a vantage competitiva em. qualquer empresa”, chegando “em algumas indhistrias a ser a chave para a vanta- gem competitiva’. Apesar de a obra constituir, na esséncia, um debate sobre como as pessoas translormam a estratégia em agbes priticas, as referéncias do autor a recursos humanos limitam-se no mais de duas paginas, Nelas, Porter recomen- da algumas préticas de recursos humanos que levariam 4 melhor interagéo entre unidades organizacionais, tais como rotacdo de cargos — fun¢do comum a toda a empresa para contratar ¢ treinar funciondrios —, reunides e féruns cruzados ¢ ini- Giativas de promogdo interna, Nao ha, portanto, nenhuma preocupagio especifica de aprofundar os vinculos entre comportamento humano no trabalho e obtencao de vantagens competitivas. 9.2 GESTAO DE PESSOAS E REENGENHARIA Famosa por ser considerada a principal responsive! pelas conseqittncias perversas das reestruturagdes empresariais nas décadas de 1980 ¢ 90, a reengenharia, de Hammer e Champy (1994), propde a mudanca radical de todos os principios que orientaram a administracao de empresas nos ltimos dois séculos. Os autores s20 enfaticos e radicais ao demonstrar-se absolutamente convencidos de que dominam a Unica solucto verdadeira para as grandes questoes organizacionais da época. Essa postura, retratada no carater quase doutrinario do texto, talvez justifique o estigma incorporado ao conceito: “Neste livro, dizemos que chegou a hora de aposentar esses princfpios e de adotar um novo conjunto. A alternativa é as empresas fecharem as portas e encerrarem as atividades”. Em outra passagem, 0s autores afirmam catego- ricamente a supremacia de suas descobertas comparando-as as de Adam Smith: Demonsiramos como 2s atuais empresas podem se reinventa’ a si proprias. Chamamos as téenicas que podem se valer para isso de reengenaria empresaial, as quaisestio para a préxima revolugto dos negécios como a especializacho do trabelho esteve para a ultima ‘As grandes empresas, inclusive as mais bem-sucedides e promissoras, precisam abragar © Um resgate conceitual e histérica das modelos de gestio de pessoas | 27 Para tais autores, a hist6ria da teoria organizecional comecou com sua obra. O passado € desconsiderado, assim come a hist6ria das empresas, que em nada deve pesar em seu presemte € futuro, Antes de tudo € preciso esquect-lo: “A reengenha- ria nao € mais uma idéla importada do Japao. Nao outra solugao répida que os gerentes possam aplicar as suas organizagoes. [| A reengenharia empresarial nao trata de consertar nada, L.A reengenhatia empresarial significa comecar de nov comecar do zero” (Hammer e Champy, 1994). Utilizando exemplos concretos de mudancas provocadas por iniciativas empre- sariais em determinados setores — “A Wal-Mart reinventou 0 comeéreio vargjista” —, 9s autores demonstram que altemativas convencionais ndo sfo suficientes para fazer frente as tes forgas que pressionam as organizagSes na atualidade: 0 acirramento inusiiado da concorréncia,o controk da relagio com a empresa assumido pelo clien- te ea mudanca transformada em paradigma basico da gestdo empresatial. A reengenbarla tornou-se uma das estrategias organizacionais de competitivi- dace mais divulgadas ¢ polemicas dos anos 1990. Foi largamente difundida e im- plementada, no exterior e no Brasil, segutindo-se ou nao os preceitos de Hammer e Champy Ao contrario das demais propostas, a reengenharia nao utiliza os concei- tos de estratégia, vantagem competitiva e competitividade. Tais conceitos estdo implicitos, ¢ 0 foco de atengio dessa linha teérica fica circunscrito 2 reformulagdo dos processos empresariais, 0 que, por vezes, parece confundir suas propostas com ay antigas praticas de organizagao ¢ métodos, com uma roupagem radicalizada ¢ adapiada aos novos tempos A questio da gestae de recursos humanos, como seria de prever, aparece pouco ou quase naca na perspectiva de Hammer e Champy. Quando isso acontece, o obje- tivo é racionalizar e diminnir 0 custo fixo com mao-de-obra, como se observa no exemplo da Ford transcrito a seguir: “O navo processo de contas a pagar da Ford € bem diferente. O pedido de compra, fatura e a documento de recebimento nao si0 mais cotejados entre si basicamente porque 0 novo processo eliminou inteiramente a fatura, Os resultados revelaram-se drasticos. Em vez de quinhentos funcionatios, a Ford conta agora com apenas 125 para o pagamento de fornecedores” ‘A reengenharia de processes proveca impactos fundamentais na gestdo de recursos humanos, ¢ sua introducto nas organizagées sem duvida significow um dios motivaclores principais da emergencia do modelo de gestao competitive. Com base na leitura da principal obra dos autores que lancaram essa proposta, relacto- nase 4 seguir ums sintese das mudancas decortentes da pratica da reengenharia diretamente ligadas a recursos kumanos: > as unidades de trabalho mudam de departamentes funcionais para equipes de processo, os servicos mudam de tarefus simples para trabalhos multidimensionais; 0s papeis das pessoas mudam de controlados para autorizados, a preparagio para os servicos muda de trenamento para educagio: © enfoque das medidas de desempenho e remuneracao se altera da atividade pars os resultados 60s critérios das promogdes madam do desempenho pars a habilidade: vvVY v 2B | As pessoas na organizacio > os valores mudam de protetores para produtives; > 0s gerentes mudam de supervisotes para instrutores, > as estruturas organizacionais mudam de hietarquicas para niveladas; > os executivos mudam de controladores do resultado para lideres. Mesmo que nos limites deste capitulo nao seja possivel aprofundar a andlise das propostas de Hammer e Champy, é importante assinalar que ocorreram diferentes tipos de intervencio nas organizagées brasileiras, e provavelmente também no exte- rior, com o nome de reengenharia. Em geral,tratava-se de um processo de downsiing — que os autores insistem em diferenciar explicitamente da reengenharia — ou de iniciativas circunseritas de racionalizacao de processos de trabalho visando reduzir ccustos ¢ pessoal. Isso terminou por dar uma conotacio negativa a palavra, transfor mando-a, na linguagem habitual das empresas, em sindnimo de demisséo em massa Por outro ledo, vale dizer que a grande contribuicao da reengenharta foi aler- tar dirigentes e executivos para a necessidade de focalizar os processos em resulta dos. Empresas paquidérmicas e burocratizadas, paradas no tempo e acossadas pelo mercado sem visiumbrar caminhos de teagao, encontraram nessa proposta uma for- mula para eliminar gorduras e atividades que nio agregavam valor a elas nem a seus lentes. A reengenharia tornou-se, nesse caso, uma solugio necesséria e importan- te, Entretanto, quando o objetivo permaneceu exclusivamente na reducio de cus- tos, ou seja, ndo foi articulado a urna estratégia mais ampla, a reengenharia, como proposta em si, trouxe para as empresas apenas resultados ¢ sobrevivencia de cur- tissimo prazo. 9.3 GESTAO DE PESSOAS E COMPETENCIAS Embora a emergencia de um modelo competitivo de gestio de pessoas esteja rela- cionada com todas as escolas que predominaram entre as décadas de 1980 e 90, a obra de Prahalad e Hamel € a que demonstra maior grau de interacdo com suas principats caractersticas. Por forca da visio desses autores, 2s questoes da estraté- gia e da competitividade retomam seus devidos lugares, readquirindo importancia como dimensoes essenciais da gestéo empresarial. Implicitamente, eles polemizam com Porter e criticam abertamente a mudanca centrada nos processos de Hammer. Defendem a perspectiva de que a competitividade esti relacionada com a capacida- de da empresa de reinventar seu selor. A empresa competitiva seria aquela que, além da reengeriharia e da simples reestruturacao operacional, tem condigdes de criar um novo espaco competitivo ern vez de esforcar-se por se posicionar melhor no espaco compettivo atual Por acreditar que 2s empresas que se empenham na reengenharia estao se esforcando para alcancar seus concorrentes, € nao para supera-los, os autores pro- poem regenerar a estratégia dando-lhe uma nova configuracéo: F intetramente neve! mera sina amram nalarer am nitive a draimeivine o 4 wnennenha Um resgate conceitual ¢ histérico dos modelos de gestao de pessoas | 29 tes desejando nos préximes dez anes ¢ sem nunca ter de redefinir fundamentalmente 0 “mercado servido". Contudo, sem esse reavaiagio fundamental, a empresa sera surpreen- lida a caminho do futuro. A defesa da posicio atual de lideranca nfo substitu a criagdo da fatura lideranga (Prahalad ¢ Hame!, 1995) itando uma pesquisa de The Wall Strect Journal, os autores afirmam que 0 processo de reestruturacde nao garante necessariamente maior valor & empresa, podendo ocorrer até mesmo 0 contrario A reestruturagio raramente resulta em melhoria fundamental da empresa, Na melhor das hipsteses, consome tempo. Um estudo realizado com 16 grandes empresas norte-america- rnascom pelo menos trés anos de experiéncia em reestruturacio revelon que, emboraarees- tnituragio normalmente tena methorado 0 prego das acdes da empresa, a melhor foi cqse sempre temporaria Apés trés anos da reestruturacio, esse preco era, em média, bem inferior 4s taxas de crescimento anteriores, reistradas na época em qque foi iniciada a rees- tnuturagéoO estudo conchait que um investidar astuto deve interpretar um antincio de reestruturacio como wm sinal para venda, ¢ nao para compra (Prahalad e Hamel, 1995) A abordagem de Prahalad e Hamel difere da de Porter em alguns aspectos que merecem ser ressaltados. O primeiro deles refere-se ao foco da transformagdo orga- nizacional, dirigido predominantemente para fora. Isso deve acontecer nao sé do ponto de vista da busca de informagées sobre 0 ambiente, como o planejamento estrategico tradicional recomenda e Porter reafirma, mas também como objetivo ortentador do proprio processo de mudanca que se quer implementar. Isso signifi- ca que, quando advogam a reinvencao do setor, Prahalad e Hamel afirmam que a competitividade empresarial esta condicionada & possibilidade de a empresa trans- formar nao sé a si propria mas também seu setor, estabelecendo, com isso, uma referencia nova para todos os que nele atuam: concorrentes, fornecedores, clientes ctc. E interessante observar como essa posigdo reitera 0 carater sistémico dos dife- rentes niveis de manifestagao da competitividade, demonstrando que os vinculos de dependencia entre os diferentes niveis se estreitam no mundo modemo. A pas- sagem a seguit ilustra essa afirmacao: Muitos gerentes encarregados da tarefa de gerenciar a transformacio organizacional se esquecem de perguntar: “Transformar.nos em qué?” O ponto é que a agenda da transfor- mayo organizacional precisa ser direcionada por uma visio da agenda de transformacao do setor: como desejames moldar 0 setor nos proximos cinco ou dez anos? O que preci- ‘amos fazer para garantr que o setorevohua da forma mais vantajosa para n5s? Que habi- lidades e recursos precisimos comecar a desenvolver agora para ocupar uma posic20 de lideranga no setor no futuro? (Prahalad e Hamel, 1995,) Para Prahalad e Hamel, a diferenga entre empresas competitivas e nfo compe- titivas €a diferenga entre empresas lideres ¢ empresas seguidoras dentro do mesmo setor. As primeiras, ao se reinventar, reestruturam © setor, enquanto as segundas beneficiam-se das descobertas das Iideres e da velocidade com que hoje € posstvel copiar e implementar as melhores solucoes 30 |_ As pessoas na organizagio Competencias essenciais e arena de oportunidades so também conceites que conferem especificidade a obra de Prahalad e Hamel. Para eles, as “portas das opor- tunidades futuras" se abrem apenas para as empresas que desenvolvem compet cias para isso. Trata-se de uma espécie de decifra-me ou te devoro da competitivida- de empresarial, para o qual as empresas devem preparar-se. Os exemplos aparecem em grande quantidade: ‘Uma competéncia essencial ¢ um conjunto de habilidades ¢ tecnologias que permite a ‘uma empresa oferecer um determinado beneficio ans clientes. Na Sony, esse beneficio € 0 “tamanho de bolso” de seus produtos e a competéncia essencial é a miniaturizacio, Na Federal Express, o beneficio € a entregs rapida e a competéncia essencial, em nivel bas tante macro, & gestdo logistca (Prahalad e Hamel, 1995). A importincia da competicdo pela lideranga em competéncias est na prece- dencia da competicao pela lideranca em produtos. © desenvolvimento de uma competéncia nao esté vinculado diretamente a um produto, mas a varios deles, uma vez que o objetivo desse desenvolvimento é 0 beneficio que trara ao cliente, e nao © produto em si: “A busca incansivel da Sony pela lideranca em miniaturizagio permitiu & empresa acesso a uma ampla gama de produtos de audio pessoais. As competencias especificas da 3M em adesivos, substratos e materiais avancados geraram dezenas de produtos" A busca ¢ @ internalizagdo das competéncias essenciais definirao as empresas que estardo competindo pela arena de oportunidades do futuro. Entretanto, tal com- peticto nao ocorrera exclusivamente entre empresas, mas tambem entre coalizoes de empresas. Isso porque determinadas oportunidades somente paderio ser apro- veitadas com a integracdo de competéncias que uma tinica empresa nao teria con- digdes de desenvolver isoladamente. Surgem assim as redes de empresas que carac- terizam o ambiente de negdcios da atualidade, normalmente aplicadas a setores complexos e de alta intensidade tecnologica, como a TV interativa, os conversores a cabo e os dispositivos de comunicagio pessoal e de geracéo de imagens. Prahalad e Hamel valorizam a historia das organizacdes e suas experiéncias acumuladas ao longo do tempo. Apesar de recomendar um proceso de destruigio criadora do conhecimento por meio do “desaprendizado”, eles consideram que a empresa “é um reservatorio de experiéncias” vivenciadas por seus funcionarios. O que as diferencia, em grande parte, é a “capacidade relativa” desses funcionarios de extrair conhecimento dessas experiéncias. AAs pessoas aparecem no texio de Prahalad e Hamel com maior freqaencia do que no dos demais autores analisados neste capitulo. Ocupam papel importante como agentes do processo de mudanga estratégica, uma vez que “nao € dinheiro © combustivel da viagem para o futuro, e sim a energia emocional e intelectual de cada funcionério”. Isso tem impacto na formulagdo da “intengio estratégica”, que ‘nao deve ser exclusivamente uma formulacdo corteta € bem elaborada, mas preci- Um rescate concetual ehistérico dos models de gestio de pasioas | 31 A principal tarela do modelo competitivo de gestto de pessoas seria mobilizar essa energia emocional, ou seja, desenvolver e estimular as competéncias humanas necessities para que as competéncias organizacionais da empresa se viabilizem, E assim que, no final dos anos 1980 ¢ inicio des 90, a gestdo de recursos humanos deixaria ce ser esiratégica devido a uma condicao genérica, como o fato de as pes- soas serem o principal ativo da organizacao ou porque pessoas motivadas seriam, por definicto, mais produtivas e enggjadas ou ainda por estar zlinhada a uma esira- tégia global. Pessoas passam a ser esirategicas somente nas situagoes em que o ser humano *é visto e tratado como uma fonte de vantagem competitiva” (Kochan ¢ Dyer, 1992) Essa tendéncia jf podia ser identificada em 1986, quando Hendry e Pettigrew (aud Brewster e Hegewisch, 1994) demonstravam que a parspectiva estratégica da gestdo de pessoas ndo podia resumir-se a uma énfase maior das agdes planejadas, integradas € coerentemente alinhadas A estratégia de negocios da empresa Reinterpretando o conceito ¢ introduzindo nele a nogdo de competitividede, os autores afirmam que € preciso ir além e fazer com que “as pessoas sejam vistas pela organizagao como um recurso estratégico", ou seja, competéncias necessirias para atingir um posicionamento diferenciado. Recenhecido como um dos principais autores da area, Lawler apresenta alguns indicios importantes quando demonstra que sto quatro as exigencias que pesam sobre a functo nas empress pressionadas pelos tempos de globelizacto: devem ser estrate- gicas, competitivas, facadas nos processos de mudanca organizacional ¢ tesponsaveis pelo envolvimento do funcionario com elas, seus negocies, processos e produtos. Os aspectos destacados por Lawler de certa forma sintetizam o que o modelo competitive de gestao de pessoas agregou das escolas anteriores. Continua tendo como niicleo de atuagao o comportzmento humano, como queria a escola de tela- ges humanas; deve alinhar esse comportamento as estratégias da organizacZo, semt © que sua ago seria absclutamente desarticulada e improdutiva; terd de lidar com ‘um ambiente de permanente transformacao, caracteristico destes tempos de turbu- lencia e mudanga, ¢ sobretudo tera de demonstrar sua capacidade de gerat, por meio das pessoas, maior competitividade para a empresa. Esse sera o elemento basi- co de crientacdo do modelo competitive de gestao de pessoas. Ele € qualificade como competiivo por dois motivos principais: porque deve ser condizente com 0 ambiente de competitividade que caracteriza as organizacdes contemporaneas € por que privilegia e se articala em toro de competencias 10, Consideracées finais Como ficou demonstrado, a histéria da administragio de recursos humanos revela ue, mais que a adogéo de politicas ou instrumentes padronizados, o que caracte- riza uma nova fase é a intemnalizacdo € a operacionalizagao de um novo conceit. Um novo modelo se caracteriza por uma nova logica que dé coeréncia dlreciona mento para as praticas de gestao. As organizagdes mais pressionadas pelo mercado e que (em acesso a técnicas e conceitos inovadores com maior facilidade chegam primeito e passam a ser consideradas benchmarks da atea, Elas estabelecem referén- 32 |_As pessoas na organizagio cias que passam a ser seguidas por aquelas que se espelham no que ocorre com chamado mercado, Consultores indica novos caminhos e profissionais se reciclam ppor meio das mais variadas formas de aprendizagem, e assim se institui o novo con- ceito de realidad organizacional A reduzida distincia hist6rica nfo permite ainda visuslizar o resultado final desse processo de mudanga, mas hA alguns sinais consistentes de como as organi- zagoes vem tentando reposicionar-se. Em primeiro lugar, ao usar o termo modelo cem substituigao a idéia de sistema, érea ou setor, busca-se ampliar o Ambito das ages de RH dando-Ihes nova dimensao e abrangéncia, Assim, torna-se mais fluida e Mexivel a linha divisoria que separa o que faz parte do que nao faz parte da ges- tao de pessoas nas organizacoes. sso leva a considerar nao somente a estrutura, os instrumentos e as praticas normatizadas como elementos componentes do modelo, ras também tudo aquilo que interfere signficativamente nas relacées entre os indi- viduos e a organizacao. O modelo pode abranger, por exemplo, os procedimentos que a empresa uti- liza para envolver os funcionarios com suas definicées estratégicas, a maneira pela qual estimula determinado tipo de relacio com os clientes ou a imagem que passa internamente de seus produtos, dos equipamentos wtilizados, do desenvolvimento tecnolégico € outros temas organizacionais de relevancia. Os profissionais especia- lizados passam a recorihecer tacitamente que a area de recursos humanos perde © poder de monopdlio sobre o comportamento organizacional para compartilha-lo com outras instancias da empresa, em particular as proprias chefias diretas. A expressio gestdo de pessoas também nao significa 2 simples tentativa de encontrar um substituto tenovador da nocao, ja desgastada, de administragao de recursos humanos. Seu uso procura ressaltar o cardter da aco — a gestdo e seu foco de atencio: as pessoas. Embora os conceitos de administracio e de gestio sejam uti- lizados como sinénimos, em geral considera-se gesido uma acio na qual hé menor agrau de previsibilidade do resultado do processo a ser gerido. Um navio € dirigido, ‘uma empresa administrada, uma relagéo humana pode, no maximo, ser orientada «aso se acimita que os dois agentes tenham consciéncia e vontade proprias. ‘A op¢do por utilizar pessoas no lugar de recursos humanas € ainda mais diferen- iadora do novo conceito. A administracao tradicional foi construida em torno da ideia de otimizacao de recursos. Otimizar maquinas, equipamentos, materials, recursos financeiros e pessoas sempre foi seu principal objetivo. Na fase das gran- des maquinas mecanizadas, na fase da segunda onda de producio fabril massifica- da, como a denomina Toffler (1994), a “maximizacio" dos recursos era o paradig- ma bisico, As pessoas foram transformadas em recursos para que se justilicasse 0 investimento nelas ¢ houvesse um parametro comum de como administré-las. Essa foi uma maneira eficiente de demonstrar a preocupacao especifica da administra ‘cao com o chamado fator humana na empresa. Nessa fase da teoria organizacional, administrar recursos humanos significava otimizar sua produtividade, sua compe- tencta e seu entusiasmo. Hoje, quando o papel do homem no trabalho vem-se transformando € suas caracteristicas mais especificamente humanas, como 0 saber, a intuigao e a criativi- Um resgate conceitual¢ histérica dos modelos de gestio de pessoas | 33 Referéncias bibliograficas ALBUQUERQUE, LG. © pul exrategco de recursos humanos, Sto Paulo: FEA-USR, 1987, Tese de vee docenca, BREWSTER, C; HEGEWISCH, A. Human rseuree manogement in Europe: issues and opportunities in po licy and practice in european human resource management, The Price Watethouse Cranfield survey London and New Yor: Routledge, 1694, CAVE, A. Employee relations: a new framework, In: ARMSTRONG, M. ed, States (07 umn resources ‘management: 1 toil business approach, London Kogan Page, 1994, p. 132-149. ‘CONRAD, ?; PIEPER, R, Hurnan resource mansgement in the Federal Republic of Germany. In: PIEPER, R. 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