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Elizabeth Costa Dias! Raquel Maria Rigotto Satide ambiental e satide do trabalhador na atengao priméria a satide, no SUS: oportus Environmental and workers ides ¢ desafios “health, within the framework of primary health care in the Brazilian National Health System (SUS) opportunities and challenges Lia Giraldo da Silva Augusto® Jacira Cancio* Maria da Graca Luderitz Hoetel* "Departamento de Madina Prevetivae Soil LUPMG Ae Ald ale 104/87. Basto Suns génia. 01180-100 Belo landed ge "Departareode aie Conus, Contode ‘hee Sade da Universe Fedral do Ceart Centro de Pesquisas Ages Magalies, ou Viglanla Pretec da. Side Secretaria de Saude dota da ai Coonena Gerade Sed eatahad Departamento de xe Avena Tato Serra de Vaptaei em Smile Mien So Abstract. This paper has the purpose of contrib- tuting to the discussion ofthe crossing areas be ‘tween Eavironmental Health and Workers Health inthe Braztin context of Labor, Pro- duction, Environment and Health. This paper ‘emerges in the context of the current argantza- tional changes of the Brailian National Health Spstem (SUS), with @ major focus on Primary Health Care, having in mind, abo, the prepara tion of the P* National Environmental Health Conference (” CNSA) fo be held in December of 2009.0, historical and conceptual aspect of those elds are described in a summarized manner, as wel as sme shared features and expected actions af the Health Sytem, with emphasisto the ole of Primary Health Care and tothe importance of ‘he dialogue withthe social movement. inal, some topes for 2 common agenda were ideatfed dy the authors. Key words Primary heatth care, Environmental ‘ealth, Occupational health and workers” health Resumo O texto busca contribuir para a discus- sda dos emtrecruzamentos entre os campos da sad- ‘de ambiental e da saide do trabalhador,referen- ‘cinda no censtio brasileiro das relagies produ- ‘ia/trabatho, ambiente e saude e nas mudancas ‘na organtzacao do SUS, com destaque para o pa pl da vendo primiria a sauide (APS), ese destt- ‘na a coutribult para as diseussbes no processo de _preparacao da 1" Conferéncia Nacional de Saude Ambiental (1° CNSA), prevista para ser realizada ‘em dezembro de 2008. Sao descrtos, de modo sin Uético, aspectos hist6ricos ¢ conceituats desses ‘campos, algumas das caracteristicas compartilba- das eas aches esperadas do sistema de sauide, com destaque para o papel da APS e a importaneia do didloga com o movimento social. Finalizand, sto ‘demificados pontos para uma agenda de traba- ho comurn, Palavras-chave Ateneo primdria 3 saude, Aten- (lo bisica de side, Saude ambiental, Satie do trabalhador 2061 TOL OUI Introducao AN atencdo primaria a saide (APS) baseia-se em métodos e teenologias simplificadas,cientifica- mente fundamentadase socialmente aceitas, s- ponibilizadas ao alcance universal da populacko ‘como primelro nivel de contato com o sistema de sate, provendo culdades o mals préximo possivel aos lugares onde a pessoas vivem e tra- balham. Esta proposta ganhou dimensio inter- nacional na Conferéncta sobre Culdados Prims- ros de Sac realizada em Almma-Aa, em 1978 No Brasil, esse conceito foi internalizado no arcabougo jurdico-institucional da saide, ins: crito nos artigos 196 ¢ 200 da carta corstitucio- nal de 1988 ena regulamentagio do Sistema Uni «co de Sade (SUS), pela Lei Organica da Saide (Lein'8.080, de 19 de setembro de 1990). Ele ori ‘enka pravieas de sade que buscam religar 0 co- nhecimento ragmentado por meio de agGes in- terdisciplinares e intersetorais, contextualizan- do 0 processo saide-doenca nos ambientes de \ida e de trabalho, com a finalidade de conceeti- 2a 0 diteto a satide, em esteitodialogo com os movimentos sociais organizados (Os termos atencao primaria a satde (APS) € satengto basic de sate (ABS) tém sido empre- ‘dos para designaro primeiro nivel de argant- zacio da atencao no SUS. Apés muita discuss, ‘ermo ABS fol adotedo pelo Ministério da Sa- dde nos documentos ofieais¢ designa a politica ‘stabelecida para essa rea, Entretanto,o terma tengo primria& sade (APS) tem sido cres- centemente utilizado por técnicos, pelo Conse- tho Nacional de Secretario Estaduais de Saude (CONASS) ¢ em documentos ofcias do SUS, nos tésniveis de gestao!. Neste texto, optou-se por utilizar, preferencialmente.adesignagio aten- ‘io primaria A sade [Apesar dos avancos registrados no pal, ain- 4a id muito por fazer, a0 se considera o lugar ‘onde as pessoas viver, cireulam e trabalham ‘como locus privilegiado para a dfinigao das pi ‘oridades de saide, na perspectivada complexida- de envolvida no processo satide-doonga, a escas- sez de recursos inancelros 0 aumento do poder ‘téenico politico das comunidades, paraoexerct- cia do controle social do SUS, A verticalidede ea centralzacio continuam desaflando a organiza- ‘a de agoes de satde de cariter transformador 1a atengao primariae, apesar do aumento da co- bertura, predominam atividadesassstencais em detriment da vigilinela e da promocio da sa de, As questdes de saide decorrentes de proces- s08 soctoambientals, objeto dos campos da sa ‘deambiental ($A) eda satide do trabalhados (ST) tem sido tratadas superficialmente e reduzidas & ddimensao médico-assistencil 'A1°Conferenela Nacional de Satce Ambien: tal (1* CNSA), a ser realizada em dezembro de 2009", opartuniza a reflexao e a construcao de propostas no fazer em satide que contemplem essas questdes, Este texto busca contribulr para a discussio dos entrecruzamentos entre os cam- pos da sate ambiental e da satide do trabalha dor, referenciacos no cenario brasileiro das rela- 8es producao/trabalho, ambiente e satide, que conformam os modelos de desenvolvimento adotados no pais e nas mudangas na organiza- ‘ao do SUS. Nessa perspectiva, sio descritos, de ‘modo sintético, aspectos histaricos e eanceituais dosses campos, caracteristicas compartithadas © acoes esperadas do sistema de satide, com desta que para 0 papel da atengio priméria & sade, em didlogo permanente com o movimento so cial, ¢ identificados pontos para uma agenda de trabalho comum, Base conceitual: as relacoes producio/trabatho-ambiente e satide AAs inter-relagdes producao/trabalho, ambiente © sate, determinadas pelo modo de producao & consumo hegeménico em uma dada sociedade, so a principal reeréncia parase entender as con- digdes de vida, 0 perfil de adoecimento e morte das pessoas, a vulnerabilidade diferenciada de certos grupos sociais ea degradacao ambiental e, assim, para construir alternativas de mudanca capazes de garantir vida esaide para o ambiente ea populagao, Para a producho de bens e riquezas, sto re queridos matérias-primas, trabalho e teenolo ‘a. Ao longo da historia humana, particular ‘mentea partie do século XVI, no mundo ociden tal, @ natureza tem sido vista como uma fonte {inesgotdvel de recursos para os empreendimen tos humanos, provendo 0 processo produtive de insumos e energia, permitindo a acumulagdo de capital. O avanco cientifico-tecnoldgico mo bilizado para a producao, guiado pelo mito da Inesgotabilidade dos recursos naturals, induz a exploragao sem limites. A éticainstituida da su- premacia dos humanos sobre os outros seres do planeta reforca esse comportamento, Entretanto, para que a producao aconteca, 0 trabalho humano é,e sempre ser, indispensivel, :mesmo em situagdes de extrema automagio, As sim, o crculo virtuaso e perverso da econornia se ‘sustenta pela exploracdo da natureza e do traba- Thador, gerando a degradagio ambiental eas ca- ‘Bas blologicas, socials, psiquicas, econdmicas, politcas, culturais que afetam a saide dos traba- Thadores ede suas familias, produzindo desigual- ‘dades socials e ambientaisem uma cultura legiti- madora desse processo cle desenvolvimento, esse contexto, tem sido observaclo, de modo mais visivel a partir dos anos setenta, umn “acor- {dar coletivo" para os riscos decorrentes das for- mas de apropriacio dos recursos naturals © de etacio e disposigao dos residuos resultantes! Ascriticas a0 modelo de desenvolvimento pura- ‘mente econdmico e seus impactos sobre as con igdes de vida, a sade e doenca e sobre o ambi- fente tém aproximada os campos da satide do trabalhador e da satide ambientaP*. O encontro esses campos diseiplinares articula-se, no pla no te6rico, pela visio sistémica da relacdo socie ‘dade-natureza e pela centralidade do modo de producio definide pelo modelo de desenvolvi ‘mento adotado e se concretiza no processo sai de-doenca, Os territérios abrigam diferentes pro ‘eessos produtivos, que ndo mais se restringem ‘0 interior das fabrieas industrias, determinan- do a distribuicao diferenciada da exposicao dos Individuos e coletvos, aos agentes, cargas e ris- ‘cos de dano para a sade, ¢ assim 0 perfil de adoecimenta’. Minayo e Lacae* destacam essa ‘questo entre os novos-velhos desafios para 0 ‘campo da satide do trabalhador, Lacaz! retoma ‘0 tema, enfatizando a importaneia de se resgatar ‘conhecimentos epréticas do campo da saide do trabalhador para a redefinicio das pautas de acto. ‘A desigualdade na distribuigao da exposicao aos fatores de risco para a sate tem sido de- nnunciada pelo movimento da justiga ambiental, também denominado ambientalismo popular ou ‘dos pobres", ao afirmar que a maior carga de ‘exposicao ads riseos tecnoldgicas e ambientais ‘gerados pelos pracessos de producto e consumo recal sobre os trabalhadores de baixa rend, gru pos socials discriminados, povos éinicos tradici- ‘onais, populacdes marginallzadas nas periferias ‘das grandes cidades" Segundo Firpo,o conceito de justia ambi- ‘ental éestratégico para compreender e integrar a teoria e as intervengdes técnicas ¢ politcas nas ‘reas de sade do trabalhador e da satide ambi- ‘ental, por considerar os problemas ambientals ~ Incluindo a sade dos trabalhadores e os ambi- tentes de trabalho ~ como resultantes do modelo ‘de desenvolvimento econdmica e social que con- ‘entra renda e poder. Além de considerar a tems- tlcaambiental como um desafloclilizatrlo, que necessita ser integrado & agenda politica das na- Ges, 0 autor chama atencdo para a necessidade dese romper-com a falsa dicotomla entre a defe- sa da sauide © co emprego e evitar fragmentar, artficlaimente,acefesa da natureza, das necessi- dlades dos trabalhacores e das comunidades em geral que habitam os lugares. Nessa perspectiva adiscussio dasustentabilidade deve incluiraexis- téncla ea qualidade do trabalho, as condigces de vida e sate das trabalhadores, de modo artieu- lado coma luta pela democracia ea justia socal Foge aos objetivos deste texto o aprofunda- mento dessas questées; porém, a qualidade do ambiente e da vida e satide dos trabalhadores © da populacao podem ser considerados como denominador comum que alicerga os entreeru ‘amentos das reas de sauce ambiental eda sat de do trabathador. [Na perspectiva da satide, o ambiente deve ser entendido como territério vivo, dint Lituido por processos politicos, histéricos, eco: nOmicos, sociais e culturais, no qual se materia liza a vida humana, por meio de politicas publi cas formuladas utilizanda o conhecimento dis ponivel, com a participacéo e controle social" Assim, as apdes de satide ambiental e saude do trabalhador devem estar articuladas nos servi- ‘osde sate, uma ver que os riscos gerados dire- ta e indiretamente pelos processos produtivos aferam o melo ambiente e a satide das popula- ‘es e dos trahalhadores de modo particular, Os {rabalhadores podem ser considerados como ‘canirios sentinelas” levados a0 subsolo pelos mineiros do século passado, para avaliar a qua- lidade do ar no interior das minas, avisando-os do perigo, quando o ar se tornava rarefeito. Agaes de satide ambiental ede satide do trabalhador no SUS 0 papel da atenco primariaa sade \corporagdo do papel das relagdes producdo/ ‘wabalho-ambiente e sauide na determinagio do pprocesso satide-doenca da populacdo pode ser identificada no sistema piiblico de saude brast Ieiro, desce sua criacao, em praticas de controle de vetores de doencas ¢ de saneamento basico. ‘Também, os trabalhadores tém sido atendidos pela rede de servicos de satide,apesar desse ater «dimento nao contemplara centralidade dos pro- cessas produtivos na determinacio da saide- doenga, nem a perspectiva do direito a satide. com universalidade de acesso ao culdado inte- gral. Por muitos anos, apenas os trabalhiadores q registrados no regime da Consolidacao das Leis do Trabalho (CLT) e seus dependentes conta: ram com assisténcia& slide provida pela Previ- dencia Social (0 campo da side do trabathador ¢ defini, no artigo 6° da Lei n° 8.080/90 como eonjunto de vidas que destin, atraves ce ages devin tla epidemialégicaesanitvia, 8 promocioe proe- ‘0 dos trabalhadores, assim como visa reeupera- 0 ¢ reabilitagio da satie dos tabaladores sub Inetidos aos rcoragravosadvindos das conics de trabalho consideradas como atribuigbes do SUS, Deacordo como principio da universalidade, trae balhadoressio todos os homens e mulheres que ‘exercem atividedes para seu proprio sustento © ‘ou de seus dependentes, qualquer que sea for- rma de insercdo no mercado de trabalho, nos se- tores formal e informal da economia! ‘A organizagao das agoes de saide do traba- thador na ede de servigos de sade do SUS cons- titi um processosociopoliic tenico emcons truco, inelado nos ans oltenta, a parti deal ancassolidrias entre sindicatos de trabalhado- tes etéenicos dos servos piblicos de sade, de hospitals universiaris, da fiscalizacao do Tra- baho e da Previdéneia Social, conformando as Programas de Saude da Trabathador (PST). En- ‘retanto, apesar da prescri¢to consttuclonal, e- gulamentada pela Lei Orginica da Satie, esta beleceraresponsabilidadedo SUS de prover aten- ho Integral saide dos trabalhadores hi mals ddevinte anos, pode-sedlzer que oSUS afnda nto incorporou, de fora efetiva, ent suas concepeies, paradigniase aries, lugar que 0 “trabalho” acu (pa na vida dos individuos e sua relat com © spaco socioambiental, Estxe x dificuldades en frentadas pelos servicos de sade para cuidar dos trabalhadores, considerando sua inserga0 no processo produtivo, destaca-se a snvisibilidade ‘dosdanos decorrente das politica de ocultamen- to desenvolvidas pelos empregadores e do des- preparo dos profissionais de saude para lidar com essas questoes". ‘Acriagdo da Rede Nacional de Atengdo Inte- ‘ral Saude do Trabalhador (RENAST) em 2002 apoiada pelos Centros de Referéncia em Saide do Trabathador (Cerest)abriu possiblidades de avangos. Em 2005, a Portaria MS n® 2.437 reort- ‘entou a organizacao da RENAST, reforcando papel dos Cereste definindo a atencho bisica de sade como porta de entrada do sistema”. Conceitualmente, a sade ambiental” com- preende prtcas intra e intersetoriaisetransts- ciplinares sobre as relagdes dos seres humanos ‘com oambiente, com vistas ao bem-estar, uae lidade de vida e a sustentabilidade. A vigilancia emsatide ambiental resultado conjunto de gives ¢ servicos prestados por érgins e entidades pt blicas ¢ privadas, visando ao conhecimento ¢ & deteccao ou prevencio dos determinantes€con- dicionantes do meio ambiente que interferem na satide humana, Tem a finalidade de recomendar e addotar medidas de promogao da sate amb ental, prevencéo e controle dos fatores de riscos relacionados as doencas e outros agravos a sat de, em espectal: gua para consumo human; ar; solo; contaminantes ambientais e substancias quimicas; desastresnaturais;acidentes com pro- dutos perigosos; fatores fisicos; © ambiente de trabalho. O tema ganhou destaque internacional partir da Conferéncta das Nacdes Unidas sobre Meio Ambiente realizada em Estocolmo, em 1972. Na atualidade, abrange discussbes e iniciativas, de governo e da sociedad civil, sobre a divers dade biologica: biosseguranca: consentimento prévio informado (PIC); os poluentes organicos persistentes (POPS); os movimentos transfron: teitigas de residuos perigosos: as mudaneas cl _matias; as armas bacterioldgicas e quimicas; protecao da camada de oz6nio ¢ 0 Protocolo de Montreal: questionamento sobre os modelos de desenvolvimento econémico € socal, entre ou: tras questoes No plano institucional, em 1974, foi criada no Ministério da Satie a Divisio de Ecologia Humana e Meto Ambiente, na Secretaria Nacio- nal de Aces Bsicas de Sade (SNABS). Em 1987, essa divisio fol transformada na Subseeretaria de Ecologia Humana e Satide Ambiental, com atribuicées nas areas de saide do trabalhador, de saneamento e sate ambiental, de ecologia humana, eeotoxicologia, emergéncias, desasres e acidentes de transit, Apesar da fragmentacao, chamam atencao o spectro ampliado de respon. sabilidades e a opca0 pela atencao prima de satide como base de aga. Entretanto, foram poucos os avancos conseguidos, em decorréncia da escassez de recursos humanos e orcamentati- (0s compativeis com a miso e da falta de pres sa socal efetiva Em mato de 1991, aSNABS ot extinta. Asa de ambiental fol incorporada a Secretaria Nacio- nal de Vigilancia Sanitaria (SNVS), na Divisio de Ecologia Humana eSatiée Ambiental (DIEHSA), com a atribulcao de “participar na formulagao & Jmplementacio das politcas de controle dasagres- ses ao meio ambiente, de ecologia humana, de produciode insumos ¢equlpamentos para. sa dee deambentesecondigdes de trabalho” Poste- rlormente, a Coordenacao-Geral de Vigilancia Ambiental em Satide (CGVAM), vinculada a0 Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI),na Fundacao Nacional de Satide (FUNASA), assu- rita prevencio e controle dos fatores de risco fisicos, quimicos e bioldgicos presentes no melo “ambiente, relacionados doencase agravosa sai-

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