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1
funcionar
de
acordo
com
o
que
está
estabelecido).
Estado
organizado,
limitado
juridicamente
para
garantir
os
direitos
fundamentais
das
pessoas.
Ao
olharmos
para
o
Estado
de
Direito
hoje,
as
diferenças
são
muito
significativas.
A
constituição
e
os
princípios
até
podem
ser
os
mesmos,
mas
o
entendimento
sobre
direitos
fundamentais
e
separação
de
poderes
foram
evoluindo
no
tempo.
Ex:
Constituição
e
princípios
dos
EUA
são
os
mesmos,
no
entanto,
até
aos
anos
80
em
muitos
os
estados
dos
EUA
a
homossexualidade
era
criminalizada
face
à
constituição
que
tinham.
Há
alguns
meses,
o
supremo
tribunal
dos
EUA
considerou
que
a
constituição
não
proíbe
a
discriminação
de
pessoas
do
mesmo
sexo,
com
base
no
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Mas
ainda
no
século
XIX
nos
EUA
dizia-‐se
que
os
cidadãos
afro-‐africanos
não
podiam
ser
cidadãos
americanos.
Já
no
século
XX
estabelecia-‐se
60h
semanais
para
trabalhar
na
industria
na
panificação,
por
isso
o
supremo
tribunal
de
justiça
veio
a
considerar
inconstitucional
à
luz
do
principio
da
liberdade
contratual.
-‐
a
constituição
num
Estado
de
Direito
começa
a
ter
uma
natureza
diferente
quando
começa
a
ser
aprovada
pelos
representantes
do
povo.
Que
povo
era
este
dos
finais
do
séc.
XVIII?
Era
só
uma
parte
da
população.
O
cidadão
titular
de
direitos
era
o
homem
e
não
a
mulher,
homem
branco,
homem
alfabeto,
homem
proprietário
(que
pague
impostos).
2,
3%
da
população.
Os
princípios
e
o
Estado
de
Direito
é
o
mesmo,
mas
há
uma
diferença
substancial.
Esta
diferença
de
base
influencia
a
concepção
que
se
tem
sobre
direitos
fundamentais.
Para
este
povo
o
direito
fundamental
mais
importante
era
o
direito
de
propriedade
(liberdade
e
segurança).
Tem
liberdade
quem
tem
propriedade,
o
papel
do
Estado
era
garantir
a
segurança.
Quem
não
fosse
proprietário,
não
tinha
interesse
na
segurança
social,
por
isso
não
tinha
direito
de
voto.
Quem
votava
era
uma
minoria.
O
direito
à
habitação
era
fundamental,
as
constituições
tinham
de
garantir?
Eles
tinham
propriedade,
não
tinham
que
ter
garantia
da
habitação,
porque
cada
um
deles
tinha
habitação
por
meios
próprios,
os
Estado
tinha
era
de
garantir
a
segurança
dessa
habitação.
A
mesma
coisa
com
a
saúde
e
educação.
Esta
concepção
começa
a
mudar
quando
os
cidadãos
deixam
de
ter
meios
próprios
para
aceder
a
estes
bens,
pelo
que
o
Estado
tinha
de
garantir
esses
mesmos
direitos
–
a
partir
do
século
XX.
O
corpo
do
cidadão
começa
a
ampliar-‐se
até
aos
dias
de
hoje,
onde
seria
inconcebível
não
poder
participar-‐se
na
vida
2
publica.
Até
ao
século
XX
era
só
2%,
a
partir
dali
a
população
começa
a
reivindicar
os
direitos.
Não
é
só
o
direito
de
propriedade
que
começa
a
ser
essencial.
Uma
pessoa
que
não
tenha
propriedade,
não
consegue
ter
acesso
à
saúde
e
à
educação
porque
não
tem
meios
próprios
para
aceder.
A
partir
de
certa
altura
começa
a
haver
uma
desvalorização
do
direito
de
propriedade
em
relação
a
outros
direitos
fundamentais.
Por
exemplo,
no
séc.
XIX,
se
os
trabalhadores
de
empresa
fizessem
greve
essa
actuação
era
crime
porque
aquela
actividade
punha
em
causa
o
direito
da
propriedade
que
era
o
mais
importante
(liberdade
de
iniciativa)
Hoje,
fazem-‐no
no
exercício
de
um
direito
que
as
constituições
consideram
fundamental
(direito
ao
trabalho).
O
direito
fundamental
era
algo
individual,
a
pessoa
actuava
isoladamente.
Agora
há
certo
tipo
de
direitos
que
só
podem
ser
actuados
colectivamente,
sob
pena
de
se
esvaziarem.
Aquilo
que
temos
é
esta
evolução
histórica:
por
um
lado
um
ED
com
direitos
fundamentais
e
separação
de
poderes,
mas
de
transição
de
estado
liberal
para
estado
social,
muda
o
elenco
e
o
entendimento
de
direitos
fundamentais.
Por
outro
lado,
a
constituição
que
até
ali
era
só
um
documento
político
e
retórico,
começa
a
ser
visto
como
norma
jurídica.
Então,
porque
é
que
americanos
(aprova-‐se
constituição
e
aplica-‐se
imediatamente)
e
europeus
(aprova-‐se
as
constituições
e
não
começam
a
ser
logo
aplicado
pelos
tribunais)
tinha
uma
concepção
diferente?
Em
ambos
os
continentes
houve
revoluções
liberais.
Mas
na
europa
era
impossível
pensar
que
um
juiz
pudesse
recusar
a
aplicação
da
lei.
Na
América
desconfiava-‐se
do
parlamento
e
confiava-‐se
nos
juízes,
na
europa
era
diferente.
Assim,
a
causa
está
no
diferente
entendimento
de
separação
e
poderes.
A
revolução
na
América
é
feita
contra
o
parlamento,
sem
desconfiança
aos
juízes,
que
muitas
vezes
eram
eleitos.
Na
europa,
os
juízes
eram
designados
pelo
rei
absoluto,
o
corpo
de
magistrados
estavam
ligados
ao
poder
absoluto,
confiava-‐se
absolutamente
nos
parlamentos.
Quando
mudou
isto?
A
lei
durante
muito
tempo
era
a
vontade
geral,
justa
por
natureza,
tinha
um
carácter
mítico
que
foi
desaparecendo
após
a
IIGM.
As
classes
começam
a
estar
representadas
no
parlamento,
e
a
lei
começa
a
ser
o
resultado
dos
interesses
conjugados
de
todos
os
cidadãos,
mesmo
das
minorias.
A
lei
começou
a
ser
desconfiava
porque
leis
aprovadas
por
parlamentos
democráticos
podem
ser
o
mais
injustas
possíveis,
que
poe
em
causa
todos
os
direitos
(exemplo
do
nazismo).
Então
é
seguro
que
3
um
poder
judicial
independente
comece
a
controlar
a
lei
e
aplique
os
direitos
fundamentais.
Os
titulares
dos
direitos
são
os
cidadãos.
E
estes
cidadãos
mudaram
muito
do
séc.
XIX
(2%
da
população)
para
o
séc.
XX
(praticamente
toda
a
população).
Há
uma
relação
entre
cidadãos
e
Estado.
O
estado
tem
um
dever
perante
o
cidadão.
É
na
parte
dos
deveres
que
as
coisas
alteram
significativamente.
A
questão
dos
deveres
é
essencial
em
direito,
porquê?
Do
ponto
de
vista
do
jurista
o
que
é
que
ele
procura
concluir?
Para
saber
se
os
direitos
estão
a
ser
assegurados.
Para
saber
se
há
inconstitucionalidade,
vamos
fazer
o
que?
Apurar
a
actuação
do
Estado,
para
saber
se
cumpriu
os
seus
deveres
em
face
do
cidadão.
Há
inconstitucionalidade
quando?
Quando
há
violação
dos
poderes
públicos
dos
deveres
que
a
constituição
impõe.
No
fundo,
é
saber
se
o
Estado
observa
ou
não
os
deveres
que
tem
para
com
os
cidadãos.
Que
deveres
tem
um
Estado
perante
a
Lei
Fundamental?
Deve
de
respeitar,
de
não
ofender
um
direito
fundamental.
É
este
o
primeiro
dever
perante
a
um
direito
fundamental.
Ex:
se
o
estado
não
agredir
o
direito
à
vida
está
tudo
bem?
Não,
há
outros
deveres
face
à
vida
das
pessoas.
Tem
de
respeitar
o
a
vida
das
pessoas
e
de
a
proteger.
Não
basta
o
Estado
não
andar
a
matar,
tem
que
garantir
que
as
pessoas
não
se
andem
a
matar
umas
as
outras
–
dever
de
protecção.
Isto
era
antes
visto,
no
séc.
XIX,
perante
o
direito
de
propriedade,
não
eram
tão
sensíveis
para
com
os
outros
direitos
fundamentais.
Hoje
em
dia
não,
o
Estado
tem
uma
preocupação
de
respeitar
e
de
proteger
os
direitos
das
pessoas
contra
as
outras
pessoas.
Para
proteger
os
direitos
de
pessoas
contra
agressões
de
outras
pessoas,
o
Estado
poderá
ter
de
limitar
os
direitos
das
pessoas.
Mas
há
outra
preocupação
do
Estado:
um
Estado
que
se
preocupe
que
os
direitos
de
educação
e
saúde
dos
cidadãos.
Se
o
Estado
não
ajudasse
as
pessoas,
a
generalidade
das
pessoas
não
teria
capacidade
de
pagar
tratamentos
etc
por
seus
próprios
meios
dever
de
ajuda,
dever
de
promover
o
acesso
aos
direitos
fundamentais.
Com
esta
diferente
amplitude
dos
deveres
do
Estado,
muda
o
papel
do
autor
dos
direitos
fundamentais
–
invade
toda
a
ordem
jurídica.
Quando
se
fala
do
direito
penal:
dever
de
respeitar,
mas
fundamentalmente
o
dever
de
proteger
os
bens
jurídicos.
E
é
assim
em
todos
os
ramos
de
direito.
Esta
é
uma
das
linhas
de
evolução.
4
2.
Direitos
fundamentais
e
o
novo
constitucionalismo
a)
A
viragem
para
um
novo
constitucionalismo
na
segunda
metade
do
séc.
XX
e
os
direitos
fundamentais
enquanto
garantias
jurídico-‐constitucionais
em
Estado
de
Direito
democrático.
Sua
natureza,
alcance
e
relevância
jurídica.
A
relação
entre
o
princípio
do
Estado
de
Direito
e
o
princípio
democrático.
O
novo
papel
do
poder
judicial
na
garantia
dos
direitos
fundamentais
em
Estado
democrático.
Mas
a
principal
evolução
do
séc.
XX
não
foi
esta,
foi
verdadeiramente:
os
cidadãos
britânicos
não
estavam
protegidos
por
uma
constituição
formal.
Qual
é
a
principal
revolução
da
IIGM:
após
os
acontecimentos
da
IIGM
–
proteção
dos
direitos
fundamentais.
Em
que
é
que
a
modificação
se
traduz?
Criação
dos
tribunais
constitucionais,
novas
constituições
impregnadas
com
um
novo
espírito
(dignidade
da
pessoa
humana,
princípios
jurídicos
relativamente
vagos
com
conotação
moral
muito
forte)
–
este
espírito
permaneceria
muito
vago
se
não
tivessem
criado
os
tribunais
constitucionais
e
se
as
nomas
constitucionais
não
fossem
aplicadas
como
normas
jurídicas
(até
então
era
apenas
um
documento
político).
Supremacia
desta
norma
jurídica
relativamente
as
restantes
–
quando
isto
se
passa
no
domínio
dos
direitos
fundamentais,
há
uma
revolução
porque
é
alterada
a
maneira
como
foram
concebidas
as
normas
jurídicas.
Antes
a
lei
era
a
ilustre
norma
jurídica
–
dizia-‐se
que
era
a
lei
que
garantia
os
direitos
fundamentais
(à
medida
da
lei).
Agora
dizemos:
tenho
uma
lei,
mas
o
juiz
diz
que
não
a
aplica
porque
há
outro
cidadão
com
outro
direito
fundamental
que
choca
com
aquele.
Uma
das
razões
porque
a
europa
alterou:
deixou
à
maioria
parlamentar
a
maior
amplitude
da
acção
aos
tribunais.
O
direito
fundamental
prevalece
sobre
a
maioria.
A
revolução
significa
que
a
lei
perde
a
natureza
de
ato
supremo
e
vai-‐se
moldar
à
CRP.
Revela-‐se
a
natureza
dos
direitos
fundamentais.
se
a
CRP
for
uma
folha
de
papel
e
não
for
aplicada
nos
tribunais,
os
direitos
fundamentais
não
significam
nada.
Quando
começa
a
ser
aplicada
como
norma,
tudo
muda.
ter
um
direito
fundamental
é
ter
um
trunfo
alto
–
o
cidadão
apresenta
o
seu
trunfo
contra
a
maioria.
Os
direitos
fundamentais
sempre
tiveram
esta
vocação
–
uma
vocação
contra
maioritária.
Quem
faz
parte
5
da
maioria,
quem
está
com
a
maioria,
não
precisa
de
direitos
fundamentais,
não
precisa
de
os
invocar
porque
se
está
com
a
maioria
governa
e
se
governa
vai
fazer
leis
com
aquelas
concepções.
Quem
precisa
de
invocar
os
direitos
fundamentais
é
quem
se
sente
intimidade
com
essa
maioria.
Ex:
um
católico
tem
de
invocar
a
sua
liberdade
de
religião?
Não,
porque
está
numa
sociedade
maioritariamente
católica,
a
liberdade
de
realizar
a
sua
liberdade
de
culto
não
tem
de
a
invocar.
Mas
se
o
cidadão
católico
estiver
numa
comunidade
islâmica,
careceria
de
invocar
o
seu
direito
fundamental
de
liberdade
de
culto.
A
mesma
coisa
para
a
liberdade
de
expressão
e
manifestação.
Por
vocação,
os
direitos
fundamentais
são
contra-‐maioritários
–
mas
é
uma
concepção
filosófica
–
é
traduzido
em
linguagem
jurídica
quando
os
direitos
fundamentais
passam
para
a
CRP
e
a
CRP
passa
a
ser
aplicada,
porque
a
partir
daqui
as
pessoas
que
são
minoritárias
podem
invocar
contra
as
pessoas
da
maioria.
Mas
os
direitos
fundamentais
não
são
os
direitos
da
minorita
contra
a
maioria,
traduz
simplesmente
a
força
dos
direitos
fundamentais
que
podem
ser
invocados
por
qualquer
cidadão.
Para
sabermos
que
o
direito
fundamental
foi
ou
não
violado
o
argumento
de
ter
sido
aprovado
pela
maioria
da
AR
é
indiferente.
O
juiz
que
decida
a
questão
não
tem
preocupação
com
esse
facto.
Se
considera
que
foi
aplicado,
não
aplica
a
lei,
mas
o
direito
fundamental.
O
direito
fundamental
prevalece
sobre
a
regra
da
maioria.
Ao
mesmo
tempo
que
reconhecemos
a
força
dos
direitos
fundamentais,
temos
de
reconhecer
que
os
direitos
fundamentais
não
são
absolutos.
Ex:
o
direito
à
vida
é
inviolável,
mas
imaginemos
a
seguinte
situação
–
acidente
e
pessoa
precisa
de
transfusão
de
sangue
–
a
única
forma
é
levar
uma
transfusão
de
sangue
–
pessoa
diz
que
de
acordo
com
a
sua
crença
religiosa
a
transfusão
seria
uma
violação
da
sua
dignidade
e
por
isso
recusa
a
transfusão
–
a
CRP
diz
que
a
vida
humana
é
inviolável…
mas
no
art.º.
41º
CRP,
diz
que
a
liberdade
de
culto
é
também
inviolável.
Os
enunciados
normativos
dizem
que
são
invioláveis,
mas
as
normas
não
são
invioláveis,
uma
vai
ter
de
ceder
perante
a
outra.
Na
europa
é
pacifico
que
é
a
liberdade
de
culto
que
prevalece.
E
se
fosse
uma
criança
filha
desse
adulto
e
os
pais
não
aceitam
que
o
filho
não
aceite
a
transfusão?
Aí
já
seria
dada
prevalência
da
vida
da
criança
contra
a
liberdade
de
crença.
Nem
um
nem
outro
são
absolutos.
6
Quem
limita
o
direito
fundamental?
Legislação.
Se
essa
lei
não
for
inconstitucional,
ela
limita
o
direito
fundamental
e
por
isso
ao
mesmo
tempo
o
direito
fundamental
prevalece
sobre
o
legislador,
mas
por
outro
lado
a
lei
pode
limitar
o
direito
fundamental
–
parece
estranho,
parece
ser
uma
contradição.
Porque
supostamente
há
uma
supremacia
da
CRP
em
relação
à
lei,
se
agora
dissermos
o
contrario,
inverte
toda
a
lição
que
aprendemos
em
DTO
constitucional.
Mas
não
é
assim.
As
questões
de
direitos
fundamentais
não
são
questões
fáceis.
Direitos
fundamentais
estão
na
CRP,
mas
se
ao
mesmo
tempo
dizemos
que
a
lei
pode
limitar
a
lei
da
CRP
a
lei
pode
prevalecer
sobre
a
CRP.
A
CRP
tem
um
núcleo
essencial.
Por
serem
problemas
complexos,
temos
de
saber
fazer
a
justificação.
Só
conseguimos
resolver
o
paradoxo
se
soubermos
nas
normas.
b)
Os
direitos
fundamentais
como
trunfos
contra
a
maioria.
A
complexidade,
as
vantagens
e
as
dificuldades
da
compreensão
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos.
A
necessária
compatibilização
entre
direitos
fundamentais
e
outros
bens
dignos
de
protecção
jurídica.
Direitos
fundamentais
como
garantias
jurídicas
fortes,
mas
simultaneamente
sujeitas
a
limitação.
A
necessidade
de
uma
dogmática
sólida
de
enquadramento
jurídico-‐constitucional
dos
direitos
fundamentais.
Um
Estado
de
direito
é
um
Estado
vinculado
à
observância
de
uma
paura
material
de
valores
entre
os
quais
o
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
os
direitos
fundamentais
desempenham
papel
essencial.
Consideramos
esses
direitos
fundamentais
na
qualidade
de
garantias
jurídico-‐
constitucionais,
logo
de
garantias
que
foram
elevadas
à
natureza
de
normas
constitucionais,
não
apenas
como
reflexo
simbólico
da
referida
vinculação
material
do
Estado,
mas
também,
para
vincar
e
conferir
uma
supremacia
de
natureza
jurídica,
formal,
vinculativo
dos
poderes
públicos
constituídos.
Dworkin
diz
que
ter
um
direito
fundamental
é
ser
titular
de
uma
garantia
jurídica
forte
equivalente
a
ter
um
trunfo
contra
o
Estado,
contra
o
Governo
democraticamente
legitimado,
o
que,
em
regime
político
baseado
no
principio
da
maioria,
deve
significar
em
ultima
analise
,
que
ter
um
direito
fundamental
é
ter
um
trunfo
contra
a
maioria
que
governa.
Isto
quer
dizer
que
remete
para
a
7
inevitabilidade
de
reconhecimento
de
uma
oposição
pelo
menos
potencial,
entre
o
Estado
de
Direito
e
Democracia.
1. Tese
da
integração
A
maioria
no
poder
pode
ameaçar
os
direitos
fundamentais.
Num
contexto
de
evolução
democrática
pode
ameaçá-‐los
de
forma
sistemática,
permanente
e
até
teorizar
essa
atitude
de
hostilidade,
ou,
no
mínimo,
de
funcionalização/instrumentalização
dos
direitos
fundamentais.
8
Ilustrando
a
potencial
oposição
entre
os
dois
princípios,
também
a
forca
de
resistência
dos
direitos
fundamentais
pode
inibir
um
livre
exercício
do
poder
democrático
e
faze-‐lo
tão
mais
efectivamente
quanto,
em
primeiro
lugar,
um
poder
não
eleito
–
o
poder
judicial
–
tenha
em
nome
da
salvaguarda
dos
direitos
fundamentais,
a
possibilidade
constitucionalmente
garantida
de
condicionar,
invalidar
ou
impedir
a
execução
das
medidas
decididas
pelos
órgãos
legitimamente
eleitos
para
governar.
Mesmo
que
a
prevalência
do
principio
do
Estado
de
direito
sobre
o
principio
democrático
não
se
manifeste
tão
ostensivamente,
há
sempre
uma
compressão
ou
privação
da
margem
de
livre
decisão
do
legislador
democrático,
logo,
da
maioria,
que
resulta,
por
definição
da
existência
de
uma
Constituição
rígida
que
lhe
coloca
limites
jurídicos
intransponíveis.
Neste
sentido,
os
direitos
fundamentais
enquanto
núcleo
substantivo,
não
pode
invadir,
ou
só
pode
invadir
condicionada
e
excepcionalmente,
assumem
uma
natural
vocação
contra
maioritária
ou
até
um
carácter
de
algum
modo
denegridor
da
democracia.
Dworkin
e
a
origem
da
metáfora
dos
direitos
como
trunfos
As
posições
jurídicas
individuais
assentes
no
direito
moral
a
igual
consideração
e
respeito,
que
o
Estado
deve
reconhecer
a
cada
individuo,
funcionam
como
trunfos
contra
preferências
externas,
designadamente
contra
pretensões
estatais
em
impor
ao
individuo.
Neste
sentido
fala-‐se
em
direitos
como
trunfos
que
entrincheiram
os
bens
de
liberdade
e
autonomia
individual,
contra
decisões
politicas
–
decisões
que
seriam
aceitáveis
num
contexto
que
não
envolvesse
direitos
fundamentais.
No
fundo,
a
ideia
dos
direitos
como
trunfos
não
é
mais
que
o
corolário
jurídico
natural
do
reconhecimento
da
subordinação
dos
poderes
constituídos
à
Constituição
e
aos
direitos
fundamentais.
A
concepção
dos
direitos
como
trunfos
não
se
resume
a
um
programa
de
proteção
privilegiada
dos
direitos
políticos
da
minoria
contra
as
pretensões
hegemónicas
da
maioria
política,
isto
é,
não
se
restringe
ao
objectivo
de
reforço
da
representação
democrática
e
da
desobstrução
dos
canais
da
participação
política.
Por
importante
ou
nuclear
que
esse
objectivo
seja
em
Estado
de
Direito
democrático,
a
concepção
dos
direitos
como
trunfos
é
mais
vasta
e
ambiciosa.
9
Assente
e
reinterpretada
à
luz
do
principio
da
igual
dignidade
da
pessoa
humana,
ela
não
se
confina
aos
direitos
políticos,
mas
é
extensiva
a
todos
os
direitos
fundamentais.
É
um
recurso
especialmente
adequado
à
proteção
dos
direitos
fundamentais
dos
indivíduos
ou
grupos
cuja
debilidade,
isolamento
ou
marginalidade
os
coloque,
mesmo
em
quadro
de
vida
democrático,
numa
posição
desfavorecida
quanto
à
possibilidade
de
influenciarem
as
escolhas
governamentais
através
dos
meios
comuns
da
participação
política
ou
luta
social
ou
sindical
e,
por
esse
facto,
sejam
mais
vulneráveis
à
discriminação
relativamente
aos
grupos
maioritários
e
à
potencial
violação
dos
direitos
fundamentais.
Ter
um
direito
fundamental
significa
várias
coisas:
1. No
que
respeita
às
relações
entre
individuo
e
Estado,
significa
ter
uma
posição
juridicamente
garantida,
forte,
contra
as
decisões
da
maioria
política.
Significa
que
há
na
constituição
direitos
fundamentais
definitivamente
estabelecidos
e
garantidos
contra
a
decisão
democrata
da
maioria,
pelo
que
em
circunstância
alguma,
podem
ser
legitimamente
afectados
ou
diminuídos.
2. No
que
respeita
às
relações
entre
particulares,
ter
um
direito
fundamental
significa
também,
ter
uma
particular
e
concretizada
posição
de
autonomia
e
liberdade
que
o
Estado
de
Direito
está
igualmente
vinculado
a
proteger
contra
ameaças
ou
lesões
provindas
de
terceiros,
mesmo
quando,
ou
sobretudo
quando,
esses
3ºs
constituem
uma
maioria
avassaladora
ou
intolerante
ou
quando
o
particular
está
sujeito,
nas
relações
que
é
forcado
a
estabelecer
com
outros
particulares
ao
desequilíbrio
de
uma
relação
de
poder
assimétrica.
10
3.
Conceito
e
normas
de
direitos
fundamentais
4.
Conteúdo,
bem
protegido
e
dimensões
dos
direitos
fundamentais
Conteúdo,
bem
protegido
e
dimensões
dos
direitos
fundamentais
51
ss
Interessa
distinguir
entre
direito
fundamental
e
norma
de
direito
fundamental.
São
normas
de
direitos
fundamentais
as
constantes
da
Parte
Primeira
da
CRP.
Enquanto
que
norma
de
direito
fundamental
em
sentido
lato
é
qualquer
norma
que
de
alguma
forma
respeite
a
direitos
fundamentais,
norma
de
direito
fundamental
em
sentido
próprio
é
norma
que
primariamente
cria
ou
reconhece
direitos
fundamentais.
Todas
as
normas
de
direitos
fundamentais
são
reconduzíveis
a
uma
estrutura
típica
cujo
conteúdo
consiste
na
imposição
ao
Estado
de
obrigações
ou
deveres
de
que,
directa
ou
indirectamente
resultam
para
os
particulares,
posições
de
vantagem
juridicamente
tuteladas,
ou
seja
os
direitos
fundamentais.
Tal
como
os
deveres
jurídicos
que
resultam
para
o
Estado
e
entidades
públicas
a
partir
de
uma
norma
de
direito
fundamental
pode
ser
deveres
de
fazer,
não
fazer,
deveres
de
suportar,
também
as
posições
jurídicas
dos
titulares
dos
direitos
fundamentais,
relativamente
ao
bem
jurídico
protegido
podem
assumir
uma
diferente
natureza:
faculdades
de
fazer,
de
não
fazer,
pretensões
a
prestações
ou
poderes
ou
competências
de
conformar
uma
dada
situação
jurídica.
O
direito
fundamental
como
um
todo,
perspectivado
do
ponto
de
vista
dos
titulares
do
direito,
é
esse
o
conjunto
ou
feixe
de
posições
de
vantagem
juridicamente
tuteladas
susceptíveis
de
referência
ao
mesmo
direito
fundamental.
Mas
é
também
quando
se
tem
em
conta
a
intervenção
do
Estado,
a
contrapartida
do
conjunto
de
deveres
e
obrigações
estatais
que
resultam
da
imposição
constitucional
da
norma
de
direito
fundamental.
Cada
uma
daquelas
diferentes
posições
é
susceptível
de
ser
considerada
como
constituindo
um
direito
fundamental.
Assim,
enquanto
posições
de
vantagem
dos
particulares
que
resultam
das
obrigações
que
a
norma
de
direito
fundamental
impõe
ao
Estado,
os
direitos
fundamentais
valem
juridicamente
para
âmbitos
diferenciados
e
delimitados
de
11
vida
onde
garantem
uma
protecção
variável
e
primariamente
definida
pelo
chamado
âmbito
de
protecção
do
direito
fundamental.
Os
direitos
fundamentais
oferecem
um
conteúdo
de
protecção
multifuncional
que
as
desenvolve
em
torno
de
duas
dimensões:
a
objectiva
e
a
subjectiva.
No
âmbito
da
dimensão
subjectiva,
os
direitos
fundamentais
permitem
aos
particulares
possibilidades
juridicamente
reforçadas
de
acção,
comportamento,
pretensão
ou
competência
que
se
podem
designar
por
uso
ou
exercício
de
direito
fundamental.
Segundo
uma
dimensão
objectiva,
em
caso
de
ameaça
ou
lesão
das
posições
de
vantagem
individual
que
os
constituem,
os
direitos
fundamentais
asseguram
aos
seus
titulares
formas
de
tutela
que
lhes
permitem,
com
intensidade
e
efectividade
variáveis,
exigir
juridicamente
ao
Estado
o
cumprimento
dos
deveres
que
lhe
são
impostos
pela
norma
de
direito
fundamental,
ou
seja,
fornecem
uma
garantia
subjectiva
do
direito
fundamental.
Há
duas
dimensões
que
cabe
relevar
na
garantia
jusfundamental:
uma
dimensão
objectiva
que
resulta
na
garantia
jurídica
de
um
bem
proporcionada
pela
imposição
de
deveres
jurídicos
objectivos
do
Estado
e
uma
dimensão
subjectiva
que
resulta
da
garantia
jurídica,
ainda
que
muito
diferenciada
de
uma
posição
de
vantagem
individual
na
fruição
dos
bens
protegidos
de
direitos
fundamentais,
constituindo
uma
e
outra
dimensão,
Direito
objectivamente
vinculante
de
todas
as
entidades
públicas.
Dimensão
objectiva
e
dimensão
subjectiva
dos
direitos
fundamentais
A
doutrina
acaba
por
partir
de
uma
dupla
dimensão
dos
direitos
fundamentais,
a
objectiva
e
a
subjectiva
no
sentido
de
que
para
além
do
seu
conteúdo
jurídico-‐
subjectivo,
é
possível
retirar
das
normas
de
direitos
fundamentais
conteúdos
jurídicos
des-‐subjectivados
que
se
subtraem
ao
quadro
da
estrita
relação
Estado/indivíduo
para
reclamarem
uma
validade
universal
e
que
são
próprios
da
qualidade
dos
direitos
fundamentais
enquanto
elementos
objectivo
fundamentais
da
ordem
de
Estado
de
direito
democrático.
Desta
dupla
dimensão
resultaria
uma
vinculação
abrangente
do
Estado
aos
direitos
fundamentais
que
se
traduziria
genericamente
não
apenas
na
necessidade
de
os
poderes
públicos
se
absterem
de
intervir
restritivamente
nos
âmbitos
da
liberdade
que
os
direitos
fundamentais
garantem
aos
particulares
12
mas
também
de
actuarem
positivamente
no
sentido
de
permitir
o
seu
exercício
efectivo,
bem
como
de
o
Estado
estruturar
todo
o
ordenamento
jurídico
em
conformidade
e
em
função
dos
direitos
fundamentais.
Dimensão
objectiva
dos
direitos
fundamentais
O
reconhecimento
da
dimensão
objectiva
dos
direitos
fundamentais
foi
estimulado,
nas
últimas
décadas,
pelo
acolhimento
de
teorias
dos
direitos
fundamentais,
como
por
exemplo
teoria
institucional,
teoria
dos
valores
e
a
teoria
social.
A
teoria
institucional
(Haberle)
chamou
pela
primeira
vez
a
atenção
para
o
duplo
carácter
dos
direitos
fundamentais.
Os
direitos
fundamentais
apresentam
um
lado
jurídico-‐individual,
enquanto
garantem
aos
seus
titulares
um
direito
subjectivo-‐público,
e
um
lado
institucional
objectivo,
enquanto
garantias
constitucionais
de
âmbitos
de
vida
de
liberdade
juridicamente
ordenados
e
conformados.
Não
haveria
entre
os
dois
qualquer
relação
de
dependência
ou
complementaridade,
mas
uma
relação
de
integração
essencial.
Na
teoria
dos
valores,
vem
implícita
uma
diferente
apreciação
dos
possíveis
usos
da
liberdade,
consoante
eles
favoreçam
ou
não
a
prossecução
do
valor
que
o
correspondente
direito
fundamental
expressa,
e
quando
ela
funcionaliza
a
liberdade
jusfundamentalmente
protegida
à
respectiva
conformidade
a
um
sistema
de
valores
entendido.
Com
esta
teoria
pode-‐se
defender
que
para
além
a
sua
função
como
direitos
individuais
de
defesa,
os
direitos
fundamentais
constituem
também
valores
objectivos,
bens
jurídicos
que
por
força
do
seu
reconhecimento
constitucional,
se
impõem
à
observância
de
todos.
Para
a
teoria
social
dos
direitos
fundamentais,
o
reforço
de
uma
protecção
intensiva
dos
direito
de
defesa,
também
visado
pelo
pensamento
institucional
e
pela
teoria
dos
valores,
é
acompanhado
por
uma
intenção
de
reforço
extensivo,
no
sentido
de
um
alargamento
qualitativo
do
objecto
e
âmbito
de
protecção
dos
direitos
fundamentais.
Comum
a
todas
as
teorias,
para
além
da
intenção
de
reforçar
e
complementar
a
tradicional
função
de
defesa
individual,
há
ainda
uma
objectivização,
uma
desvinculação
dos
direitos
fundamentais
da
sua
pura
13
titularidade
individual.
Os
direitos
fundamentais
passam
a
ser
considerados
enquanto
fundamentos
da
ordem
jurídica
da
comunidade
que
impregnam
todo
o
ordenamento
jurídico
e
a
ser
reconhecidos
enquanto
directivas
constitucionais
para
toda
a
actuação
do
poder
político.
Estas
novas
teorias
libertam-‐se
da
vinculação
à
noção
de
direito
subjectivo
e
promovem
a
necessidade
de
consideração
do
peso
e
valor
relativo
dos
direitos
fundamentais
comparados
com
o
peso
de
outros
bens
constitucionais.
Elas
renovam
o
apelo
ao
recurso
a
metodologias
de
concordância
prática
de
ponderação
e
de
valoração.
O
reconhecimento
da
dimensão
objectiva
dos
direitos
fundamentais
pôde
ser
assinalado,
conjuntamente
com
a
recepção
do
princípio
da
proporcionalidade.
O
que
há
aqui
de
novo
é
a
tentativa
de
lhe
atribuir
significado
prático
e
relevância
jurídica.
Tratar-‐se-‐á
de
analisar
as
eventuais
consequências
ou
efeitos
jurídicos
práticos
deste
lado
objectivo
dos
direitos
fundamentais,
em
ordem
a
poder
projectar
posteriormente
esta
relevância
jurídica
no
domínio
das
restrições
aos
direitos
fundamentais,
ou
seja,
verificando
em
que
medida
e
por
que
forma
por
um
lado,
é
esta
dimensão
susceptível
de
ser
afectada
em
termos
de
aí
detectarmos
a
existência
de
uma
restrição
a
um
direito
fundamental
e
por
outro
lado,
indagando
em
que
medida
pode
e
até
onde
a
dimensão
objectiva
dos
direitos
fundamentais
ser
ela
própria
fonte
legitimadora
de
restrições
a
direitos
fundamentais.
Dir-‐se-‐á
que
da
própria
existência
de
um
direito
subjectivo
e
de
um
direito
dirigido
ao
Estado,
resulta
sempre
uma
dimensão
objectiva,
uma
vez
que
na
relação
jurídica,
em
que
o
direito
se
integra
é
sempre
possível
abstrair
das
referências
subjectivas
e
relacionais.
A
dimensão
objectiva
pode
não
reduzir-‐se
apenas
a
essa
perspectivação
objectivista
das
obrigações
do
Estado
nas
relações
jurídicas
que
estabelece
com
os
cidadãos.
A
dimensão
objectiva
pode
resultar
da
própria
consagração
ou
reconhecimento
constitucional
de
determinados
valores
nas
normas
de
direitos
fundamentais,
independentemente
de
qualquer
referência
à
sua
subjectivização
14
e
independentemente
de
o
indivíduo
dispor
aí
de
qualquer
competência
de
invocação
própria.
Deparamos
com
a
existência
de
conteúdos
objectivos
nas
normas
constitucionais
de
direitos
fundamentais,
no
sentido
de
uma
dimensão
que
é
autónoma,
ou
não
coincide
ou
pelo
menos
é
susceptível
de
uma
consideração
independente
da
dimensão
subjectiva
que
de
alguma
forma
lhe
corresponda
ou
com
ela
esteja
relacionada.
Qualquer
norma
de
direito
fundamental
impõe
necessariamente
um
dever
jurídico
a
um
sujeito
de
direito.
Nem
sempre
da
mesma
norma
de
direito
fundamental
resulta
o
correspondente
direito
subjectivo.
O
direito
subjectivo
só
surge
quando
ao
particular
é
reconhecida
uma
pretensão
qualificada
ao
cumprimento
daquele
dever
normativamente
exigido
ao
Estado,
quando
através
da
actio,
se
coloca
a
ordem
jurídica
ao
dispor
do
titular
do
interesse,
dando-‐lhe
a
faculdade
de
participar
extraordinariamente
na
formação
da
vontade
estatal
mediante
o
acto
administrativo
ou
a
sentença
judicial.
A
função
de
defesa
que
decorre
da
existência
de
direitos
do
indivíduo
contra
o
Estado
-‐
associada
ao
lado
subjectivo
-‐
tem
simultaneamente
um
conteúdo
objectivo,
já
que
a
partir
dela
se
constitui
uma
esfera
de
autonomia
da
sociedade
relativamente
ao
Estado.
As
normas
de
direitos
fundamentais
,
mesmo
enquanto
atribuem
direitos
subjectivos
em
sentido
lato,
constituem
em
simultâneo
normas
negativas
de
competência
do
Estado,
porque
proíbem
objectivamente
uma
intervenção
do
Estado
nas
zonas
por
eles
protegidas.
Há
ainda
a
função
garantística
ou
de
defesa
que
se
manifesta
quando
uma
medida
estatal,
sem
afectar
qualquer
direito
de
um
particular
ou
sem
afectar
o
conteúdo
essencial
de
um
instituto,
afecta
a
relevância
de
um
valor
objectivo
de
direito
fundamental.
A
relevância
jurídica
dos
conteúdos
jurídico-‐objectivos
dos
direitos
fundamentais
manifesta-‐se
também,
para
além
da
função
clássica
de
defesa
que
vem
implicada
na
assinalada
dimensão
negativa
daqueles
conteúdos,
num
leque
de
funções
que
se
reflectem
numa
função
integradora,
numa
função
apelativa
e
num
impulso
legitimador
de
uma
actuação
positiva
dos
poderes
públicos,
orientada
pelos
conteúdos
objectivos
dos
direitos
fundamentais,
ou
seja,
funções
15
que
conferem
aos
direitos
fundamentais
um
carácter
constitutivo
dos
poderes
do
Estado.
Em
todo
o
caso,
da
dimensão
objectiva
dos
direitos
fundamentais
resultará
sempre,
não
apenas
uma
orientação
substancial
sobre
o
sentido
a
que
deve
obedecer
a
satisfação
dos
deveres
estatais,
como
a
garantia
de
um
padrão
mínimo
de
realização
que,
não
sendo
atingido,
significará
a
violação
de
uma
proibição
constitucional
de
défice
de
actuação
que
vincula
juridicamente
os
poderes
do
Estado,
inclusivamente
em
termos
de
poder
configurar
a
existência
definitiva
de
pretensões
ou
direitos
subjectivos
à
respectiva
actuação
sempre
que
esteja
em
causa
a
garantia
dos
pressupostos
mínimos
necessários
ao
exercício
da
liberdade.
O
efeito
de
irradiação
dos
direitos
fundamentais
As
normas
de
direitos
fundamentais
têm
uma
força
conformadora
que
dirige
ao
poder
político,
à
Administração,
ao
legislador
e
ao
poder
judicial
impulsos
e
directivas
de
actuação.
A
teoria
do
efeito
de
irradiação
dos
direitos
fundamentais
produz
resultados
mais
consistentes
relativamente
às
consequências
intersubjectivamente
partilhadas.
A
proibição
de
qualquer
disposição
de
qualquer
ramo
do
Direito
contrariar,
sob
pena
de
inconstitucionalidade,
aquele
sistema
de
valores.
Toda
a
norma
jurídica
deveria
ser
interpretada
em
conformidade
aos
direitos
fundamentais,
o
que
implicava
a
necessidade
de
uma
interpretação
restritiva
das
próprias
leis
gerais
que
legitimamente
os
restrinjam
ou
regulamentem.
A
produção
de
efeitos
irradiantes
dos
direitos
fundamentais
verificar-‐se-‐ia
não
apenas
nos
domínios
da
aplicação
e
interpretação
do
Direito
existente
mas
também
no
domínio
do
preenchimento
de
lacunas
e
na
criação
de
Direito
novo.
Os
direitos
fundamentais
relevam
aqui,
não
apenas
enquanto
máximas
de
interpretação
de
todo
o
direito
processual
em
conformidade
à
CRP
mas
também
constituindo
eles
próprios
garantias
constitucionais,
com
uma
dimensão
procedimental
intrínseca
que
pode
assumir
relevo
especial
em
alguns
deles.
Mas
os
direitos
fundamentais
funcionam
também
como
normas
de
organização,
enquanto
fundamento
orientador
da
criação
estatal
de
organizações
16
e
instituições
funcionalmente
adequadas
à
defesa
e
fomento
da
liberdade
individual.
O
dever
estatal
de
protecção
Para
além
das
funções
genéricas
de
apelo
e
legitimação
de
uma
actuação
positiva
do
Estado,
a
relevância
jurídica
da
dimensão
objectiva
positiva
dos
direitos
fundamentais
manifesta-‐se
ainda
na
dedução
de
deveres
concretos
de
actuação
estatal,
designadamente
por
força
do
encargo
constitucional
de
protecção
dos
direitos
fundamentais
contra
ameaças
ou
ataques
provindos
de
terceiros.
Da
inserção
comunitária
dos
direitos
fundamentais
decorre
a
obrigação
de
o
Estado
velar
pela
integridade
dos
bens
jurídicos
protegidos
pelos
direitos
fundamentais
e
pela
não
perturbação
do
exercício
das
actividades
por
eles
tipicamente
protegidas.
Há
duas
formas
de
integrar
juridicamente
esta
obrigação:
como
dever
ou
obrigação
correspectivos
de
um
eventual
direito
subjectivo,
em
sentido
lato,
dos
particulares
à
protecção
ou
à
segurança
ou,
e
é
nesta
dimensão
que
o
integramos,
como
consequência
jurídica
dos
conteúdos
objectivos
positivos
dos
direitos
fundamentais
ou
da
sua
natureza
de
decisões
objectivas
de
valor.
Considera-‐se
que
o
Estado
está
obrigado
a
uma
actuação
normativa,
judicial
ou
fáctica
tendente
a
garantir
os
bens
e
as
actividades
protegidas
de
direitos
fundamentais
também
contra
agressões
não
estatais,
ou
seja
contra
intervenções
e
terceiros
ou
contra
contingências
naturais
ou
riscos
sociais.
Esta
obrigação
geral
de
protecção
é
uma
consequência
primária
da
atribuição
ao
Estado
do
monopólio
da
utilização
da
força
que
garante
a
existência
da
sociedade
enquanto
ordem
de
paz,
onde
a
autodefesa
dos
particulares
é
vedada.
Discutível
já
é
fazer
decorrer
deste
dever
geral
de
protecção,
para
os
particulares
beneficiários,
alguma
pretensão
ou
direito
subjectivo
à
correspondente
acção
estatal.
A
resposta
ao
problema
da
existência
ou
não
de
um
direito
subjectivo
fundamental
à
protecção,
não
tem
tanto
a
ver
com
a
possibilidade
de
controlo
judicial
das
decisões
dos
poderes
públicos
neste
domínio
mas
com
o
grau
de
determinabilidade
constitucional
das
obrigações
estatais
e
consequentemente
com
a
densidade
do
seu
controlo
judicial.
17
Verifica-‐se
aqui
uma
relação
tripolar
cidadão-‐Estado-‐terceiro,
pelo
que
estaremos
perante
um
problema
pluridimensional
em
que
o
Estado
se
vê
forçado
a
considerar
diferentes
interesses
e
eventualmente
arbitrar
um
conflito
de
liberdades.
Por
outro
lado,
num
direito
a
protecção
contra
agressões
vindas
de
terceiros,
sobre
o
Estado
impende
um
dever
de
actuação
susceptível
de
concretização
numa
multiplicidade
de
intervenções,
dependendo
de
uma
avaliação
de
ponderação
e
concordância
prática
e
concreta
entre
valores
e
de
juízos
de
prognose
relativamente
às
medidas
a
tomar.
Assim,
pode
dizer-‐se
que
a
única
pretensão
subjectiva
geral
de
prima
facie
necessariamente
existente
é
a
de
que
a
margem
de
conformação
ou
de
discricionariedade
de
que
o
Estado
dispõe
neste
domínio
seja
correctamente
exercida,
no
sentido
de
que
as
medidas
tomadas
pelos
poderes
públicos
responsáveis
pelo
dever
de
protecção
não
sejam
completamente
inidóneas
ou
insuficientes.
É
assim
mais
adequado
fundamentar
o
dever
de
protecção
essencialmente
na
dimensão
jurídico-‐objectiva
dos
direitos
fundamentais.
Dimensão
subjectiva
dos
direitos
fundamentais
As
consequências
jurídicas
práticas
revelam-‐se
mais
problemáticas
quando
se
trata
de
apurar
a
medida
em
que
as
posições
individuais
de
vantagens
que
integram
são
ou
não
configuráveis
como
direitos
subjectivos,
enquanto
pretensões
individuais
juridicamente
reforçadas
com
a
correspondente
judiciabilidade,
dado
que
é
em
função
dessa
qualificação
que
a
dimensão
subjectiva
dos
direitos
fundamentais
parece
poder
adquirir
relevância
jurídica
prática
decisiva
e
autónoma.
Há
quem
defenda
que
se
deve
partir
de
uma
presunção
do
carácter
de
direito
subjectivo
das
posições
protegidas
pelas
normas
de
direitos
fundamentais
-‐
Alexy.
Porém,
esta
presunção
a
favor
da
existência
de
um
direito
subjectivo
justificada
no
reforço
de
protecção
dos
interesses
individuais
face
ao
Estado,
não
pode
merecer
uma
adesão
sem
reservas.
Ela
só
adquire
verdadeiramente
relevância
jurídica
prática
quando
perspectivada
em
termos
de
significar
igualmente
a
judiciabilidade
do
direito
em
questão.
Por
outro
lado,
as
relações
jurídicas
em
que
estão
em
causa
direitos
fundamentais
são
cada
vez
mais
concebidas
como
relações
multipolares
em
que,
18
do
lado
dos
cidadãos
pode
haver
diferentes
interesses
individuais
de
conteúdo
divergente
e
logo,
pretensões
subjectivas
a
actos
ou
omissões
do
Estado
de
sentido
contrário.
Nessas
circunstâncias,
a
presunção
em
favor
da
subjectivização,
em
vez
do
reforço
da
protecção
individual
face
ao
Estado,
significa
antes
o
reforço
da
protecção
jurídica
dos
interesses
individuais
contra
outros
interesses
individuais.
Ainda
que
a
dimensão
subjectiva
dos
direitos
fundamentais
não
nasça
nem
se
esgote
nesse
momento,
a
sua
relevância
jurídico-‐prática
autónoma
e
decisiva
só
obtém
plena
e
completa
satisfação
quando
e
na
medida
em
que
é
atribuída
ao
beneficiado,
e
em
função
da
tutela
dos
seus
interesses,
a
competência
para
invocar
judicialmente
a
observância
por
parte
do
Estado,
do
dever
que
lhe
foi
objectivamente
imposto
pela
norma
de
direito
fundamental.
E
se
o
dever
estatal
pode
ser
perspectivado
como
integrando
uma
dimensão
objectiva
dos
direitos
fundamentais,
já
o
impulso,
o
fundamento,
a
orientação
e
os
critérios
da
actuação
correspondentes
têm
a
sua
fonte
na
dimensão
subjectiva
dos
direitos
fundamentais.
Direito
fundamental,
judiciabilidade
e
direito
subjectivo
público
Sendo
certo
que
uma
norma
de
direito
fundamental
impõe
sempre
um
dever
jurídico
do
Estado,
nem
sempre
a
esse
dever
jurídico
corresponde
um
direito
de
um
particular.
101
ss
-‐
restrições
Tipos
de
direitos
fundamentais
-‐
125
ss
Uma
norma
de
direito
fundamental
impõe
sempre
ao
Estado
um
dever
jurídico
relativo
à
protecção
de
um
bem,
de
onde
resulta,
uma
garantia
efectiva
ou
potencial
de
acesso
ao
bem
protegido
pela
norma.
Podem
respeitar
a
liberdades
em
sentido
restrito,
jurídicas
ou
fácticas,
podem
respeitar
a
atributos,
valores
ou
situações
do
titular
do
direito,
podem
consistir
em
posições
jurídicas
garantidas
na
esfera
do
titular
ou
capacidades
jurídicas.
19
Desta
diversidade
resulta
a
possibilidade
de
múltiplas
tipologias
de
direitos
fundamentais
materialmente
orientadas,
baseadas
no
conteúdo,
nos
fins
prosseguidos
ou
na
posição
do
titular.
Assim,
serão
mais
adequadas
as
tipologias
funcionais
inspiradas
na
teoria
dos
status
de
Jellinek,
de
onde
decorrem
classificações
como
as
de
direitos
negativos,
positivos
e
activos,
direitos
de
defesa,
a
prestações,
a
participação,
direitos
de
primeira,
segunda
e
terceira
geração.
Todas
elas
pretendem
dar
conta
da
especificidade
da
relação
jurídica
que
se
estabelece
entre
o
indivíduo
e
o
Estado
consoante
a
diferente
natureza
e
função
do
direito
fundamental
em
causa
e
do
status
individual
em
que
se
integra.
Todavia,
não
permitem
apreender
toda
a
complexidade
da
situação
jurídica
em
que
se
encontra
o
titular
do
direito
face
ao
Estado
nem
a
especificidade
da
natureza
de
cada
uma
das
posições
jurídicas.
Alexy
propõe
uma
classificação
tripartida
entre
direitos
a
alguma
coisa,
liberdades
e
competências
-‐
orientada
por
critérios
estruturais
analíticos
no
quadro
de
uma
prévia
distinção
entre
direito
fundamental
como
um
todo
e
cada
uma
das
pretensões
especiais.
É
necessário
integrar
as
distinções
analítico-‐estruturais
num
enquadramento
tipológico
que,
atendendo
à
justificação
funcional
do
direito
fundamental
como
um
todo,
forneça
indicações
elementares
sobre
a
natureza
dos
interesses
em
disputa.
É
necessário
também
distinguir
entre
o
direito
principal
e
os
direitos
instrumentais,
ou
seja
os
direitos
que
se
destinam
a
proteger,
concretizar,
tornar
possível
ou
garantir
um
exercício.
Significa
isto
que
quando
procuramos
apurar
uma
classificação
constitucionalmente
adequada
não
podemos
ignorar
a
distinção
destes
vários
planos,
tendo
em
conta
que,
as
CRPs
limitam-‐se
a
consagrar
apenas
o
direito
principal
numa
formulação
abrangente.
Fazem-‐no
numa
sistematização
numa
perspectiva
do
direito
como
um
todo.
Neste
sentido,
consideramos
como
critérios
de
distinção,
não
apenas
a
estrutura
da
relação
jurídica
que
se
estabelece
entre
cidadão
e
Estado
relativamente
a
cada
uma
das
pretensões
e
deveres
que
nascem
como
também
a
natureza
da
relação
entre
o
titular
do
direito
e
o
bem
protegido
pela
norma,
e
20
sobretudo
a
natureza
dos
deveres
e
margem
de
acção
que
a
norma
constitucional
impõe
aos
órgãos
estatais.
-‐
adopta
um
misto
das
duas
posições.
Direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais
Nos
direitos
de
liberdade
a
norma
constitucional
de
direitos
fundamentais
cria
ela
própria
uma
área
juridicamente
delimitada
ou
delimitável
de
livre
acesso
ou
fruição
de
um
bem
ou
interesse,
impondo
aos
poderes
constituídos
a
obrigação
de
acatarem
e
garantirem
a
inviolabilidade.
Por
sua
vez,
nos
direitos
sociais
a
norma
de
direito
fundamental
impõe
ao
Estado
um
dever
de
prestar
cuja
realização,
por
estar
dependente
de
pressupostos
materiais,
não
se
encontra
na
inteira
disponibilidade
da
decisão
do
Estado,
e
por
isso
a
norma
não
pode
garantir
na
esfera
do
titular
uma
quantidade
juridicamente
determinável
de
acesso
ao
bem
protegido.
No
entanto,
o
direito
constitucional
fundamental
de
liberdade
pode
carecer
de
densificação,
regulamentação
ou
concretização
por
parte
do
legislador,
através
do
reenvio
expresso
ou
implícito
da
norma
para
complexos
legais
e
institucionais
ordinários
por
exemplo.
Pode
acontecer
que
direitos
fundamentais
de
liberdade
estejam
sujeitos
a
uma
reserva
do
politicamente
oportuno
ou
do
politicamente
adequado,
no
sentido
de
que
a
decisão
sobre
o
quando,
como
e
quanto
da
sua
satisfação
incubam
a
uma
decisão
essencialmente
política
dos
órgãos
do
Estado.
Neste
sentido,
a
determinabilidade
de
conteúdo
que
permite
configurar
a
existência
de
direitos
de
liberdade
não
é
tão
densa
quanto
a
determinabilidade
exigida
para
sustentar
a
existência
de
verdadeiros
direitos
subjectivos
públicos
fundamentais,
já
que
para
além
da
possibilidade
de
apuramento
do
conteúdo,
pressupõe
a
possibilidade
de
o
juiz
poder
apreciar
e
controlar
a
observância
dos
deveres
que
lhe
são
impostos.
Em
qualquer
caso,
nos
direitos
de
liberdade,
ao
contrário
dos
direitos
sociais,
os
deveres
que
incumbem
ao
Estado
são
independentes
de
quaisquer
disponibilidade
material.
Neste
sentido,
a
satisfação
desses
deveres
é
imediatamente
exigível.
Sendo
o
status
de
liberdade
juridicamente
determinado
pela
delimitação
de
uma
esfera
de
actuação
real
de
livre
acesso
a
bens
jurídicos
,
as
pretensões
e
21
direitos
que
o
integram
têm
também
uma
natureza
diferenciada.
São
essencialmente
direitos
a
acções
negativas
por
parte
do
Estado
-‐
não
violação
de
um
espaço
pré-‐delimitado
de
liberdade
e
autonomia
-‐
ou
direitos
positivos.
O
dever
jurídico
dos
direitos
de
liberdade
que
impende
sobre
o
Estado
traduz-‐se
num
conjunto
de
deveres
de
omissão,
mas
também
de
acção.
Ao
contrário
do
que
acontece
nos
direitos
de
liberdade,
o
conteúdo
dos
direitos
sociais
não
é
constitucionalmente
determinado/determinável;
a
norma
constitucional
de
direito
fundamental
não
cria,
ela
própria,
em
termos
definitivos
um
âmbito
delimitado
de
acesso
reconhecido.
O
condicionamento
material
dos
direitos
sociais,
faz
deles
direitos
sob
reserva
do
possível,
pelo
que
o
dever
que
impende
sobre
o
Estado
não
é
o
de
garantia
da
inviolabilidade
e
possibilidades
de
concretização
mas
antes
o
de,
tanto
quanto
possível,
promover
as
condições
óptimas
de
efectivação
da
prestação
e
preservar
os
níveis
de
realização
já
atingidos.
Em
ambos
é
a
norma
constitucional
de
direito
fundamental
que
cria
e
delimita
a
relação
de
acesso
do
titular
do
direito
ao
bem
jurídico
protegido.
A
diferença
reside
apenas
no
facto
de
num
caso
o
bem
protegido
é
em
sentido
estrito
uma
liberdade,
enquanto
nos
direitos
de
participação
o
bem
protegido
é
uma
competência.
Não
se
distingue
direitos
de
liberdade
entre
direitos
a
alguma
coisa,
liberdades
e
competências.
Considera-‐se
que
os
chamados
direitos
a
alguma
coisa
não
são
mais
que
direitos
destinados
a
garantir
ou
direitos
de
liberdade
ou
direitos
sociais.
A
CRP
e
a
distinção
marcante
entre
direitos,
liberdades
e
garantias
e
direitos
económicos,
sociais
e
culturais
Há
uma
clara
preocupação
na
CRP
com
a
sistematização
e
classificações
dos
direitos
fundamentais.
Interesse
a
distinção
entre
DLG
e
direitos
sociais,
económicos
e
culturais.
A
partir
do
momento
em
que
a
CRP
consagra
dentro
dos
direitos
fundamentais,
um
regime
especial
de
protecção
privilegiada
aos
DLG
e
alarga
esse
regime
aos
direitos
análogos,
ela
exige
a
delimitação
conceitual
em
ordem
a
22
definir
os
critérios
de
selecção
dos
direitos
que
reúnam
as
características
que
justifiquem
a
aplicação
do
regime.
A
doutrina
e
a
jurisprudência
têm
procurado
critérios
da
distinção
básica
através
de
inúmeros
factores:
elementos
da
vinculação
dos
DLG
ao
sentido
de
uma
genérica
personalidade
humana,
de
um
radical
subjectivo,
da
autodeterminação
pessoal
e
limitação
do
Poder,
da
determinabilidade
constitucional
do
seu
conteúdo,
da
sua
densidade
subjectiva
autónoma.
Entre
nós,
não
buscamos
a
diferenciação
essencialista
mas
sustentamo-‐
nos
em
dois
critérios:
critério
da
determinabilidade
e
critério
da
natureza
dos
condicionamentos
que
afectam
a
realização
dos
direitos
fundamentais
por
parte
dos
poderes
públicos.
Em
função
da
determinabilidade
do
conteúdo
do
direito
fundamental
e
do
grau
de
subjectivização,
serão
qualitativamente
diferentes
a
densidade
e
o
alcance
do
controlo
da
legitimidade
da
restrição
numa
situação
em
que
o
poder
judicial
esteja
funcionalmente
habilitado
a
sindicar
a
actuação
restritiva
efectuada
pelo
poder
público
ou
numa
situação
em
que
a
concretização
de
um
direito
esteja
sob
reserva
do
financeiramente
possível
ou
do
politicamente
adequado
ou
oportuno.
Assim,
os
direitos
de
liberdade
constituem
na
esfera
jurídica
do
titular
um
espaço
de
autodeterminação
através
da
garantia
constitucional
de
um
conteúdo
juridicamente
determinável
de
acesso
ou
fruição
de
um
bem
de
direito
fundamental.
Com
base
nessa
determinabilidade
do
conteúdo
do
direito
fundamental,
a
norma
constitucional
que
garante
o
direito
de
liberdade,
assume
uma
natureza
perceptiva.
Enquanto
tal,
essa
norma
é
directamente
aplicável,
inclusiva
por
parte
do
poder
judicial,
ainda
que
com
variações.
Diferentemente,
os
direitos
sociais
não
constituem
na
esfera
jurídica
do
titular
um
espaço
de
autodeterminação
no
acesso
ou
fruição
de
um
bem
jurídico,
mas
antes
uma
pretensão
sob
reserva
do
possível,
a
uma
prestação
estatal,
de
conteúdo
indeterminado
e
não
directamente
aplicável,
sendo
o
correspondente
dever
que
é
imposto
ao
Estado
de
realização
eventualmente
diferida
no
tempo.
Esses
critérios
são
os
únicos
que
correspondem
ao
regime
atribuído
pela
nossa
CRP
aos
DLG,
designadamente
à
regra
de
aplicabilidade
directa
consagrada
no
18º/1.
23
Assim,
uma
diferenciação
material
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais
é
imprescindível
para
apurar
quais
são
os
direitos
análogos
aos
DLG
fora
do
catálogo
e
também
para
distinguir
os
direitos
instrumentais
consoante
tenham
natureza
de
liberdade
ou
de
direitos
sociais.
5.
Classificações
e
tipos
de
direitos
fundamentais.
A
sistematização
da
consagração
dos
direitos
fundamentais
na
Constituição
Portuguesa.
Toda
a
vivência
dos
direitos
sociais
enquanto
direitos
fundamentais
foram
marcadas
por
duas
opções
do
legislador
constituinte
que
se
viriam
a
revelar
da
maior
complexidade
e
dificuldade
de
construção
dogmática.
Essas
opções
foram
uma
integração
extensivamente
discriminada
de
direitos
fundamentais
no
texto
da
CRP
baseada
numa
distinção
clara
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais;
e
a
de
se
ter
conferido
àquele
primeiro
tipo
de
direitos
(de
liberdade)
um
regime
jurídico-‐constitucional
de
protecção
privilegiada,
o
chamado
regime
específico
dos
direitos,
liberdades
e
garantias
de
que
falam
os
Autores.
A
opções
do
legislador
constituinte
revelavam
uma
indiscutível
e
consensual
assunção
dos
direitos
sociais
como
direitos
fundamentais
de
valor
constitucional,
mas
de
outro,
uma
clara
intenção
de
privilegiar
relativamente
os
direitos
de
liberdade
no
conjunto
dos
direitos
fundamentais.
Uns
e
outros
tendiam
a
colocar
a
tónica
mais
nos
direitos
de
liberdade
ou
mais
nos
direitos
sociais.
Desde
logo
se
comprovava
que
afinal,
no
título
III
havia
direitos
que
eram
verdadeiramente
direito
de
liberdade,
mas
que
também
no
título
II
estavam
implicitamente
direitos
que
apresentavam
parcialmente
a
natureza
e
estrutura
típicas
de
direitos
sociais.
Que
regime
aplicar
a
uns
e
a
outros?
Privilegia-‐se
a
inserção
sistemática
formal
ou
a
natureza
do
direito
em
causa?
O
legislador
estabeleceu
que
o
dito
regime
de
protecção
privilegiada
próprio
dos
direitos,
liberdades
e
garantias
passaria
a
aplicar-‐se,
não
apenas
aos
enunciados
no
título
II
mas
também
aos
direitos
fundamentais
de
natureza
análoga.
Ou
seja,
um
direito
beneficiaria
ou
não
do
referido
regime
de
protecção
privilegiada
consoante
fosse
ou
não
um
direito
de
liberdade
ou
análogo
a
um
24
direito
de
liberdade
e
independentemente
da
localização
da
sua
consagração
constitucional.
Às
dificuldades
de
inserção
sistemática
o
próprio
legislador
da
revisão
procurou
responder
com
sensatez
ao
procurar
combinar
preocupações
formais
e
materiais.
Assim
o
esforço,
orientou-‐se
num
e
noutro
sentido.
A
preocupação
formal,
de
sistematização
traduziu-‐se
na
transferência
de
lugar
de
alguns
direitos
de
liberdade
dos
trabalhadores
do
título
III
para
o
II.
Porém,
a
opção
de
distinção
material
entre
direitos,
liberdades
e
garantias
viria
a
revelar-‐se
complexa.
Faltava
saber
qual
era
verdadeiramente
o
critério
de
identificação
dos
direitos
elegíveis,
faltava
saber
o
que
significava
ser
um
direito,
liberdade
ou
garanta
ou
consequentemente
um
direito
análogo
a
direito,
liberdade
ou
garantia
e
ainda
ficava
em
aberto
a
questão
de
saber
quais
eram
os
direitos
que
não
beneficiariam
de
tal
regime
de
protecção
privilegiada
por
não
serem
direitos
de
liberdade
ou
análogos
a
direitos
de
liberdade,
ou
seja,
quais
seriam,
afinal,
por
exclusão
de
partes,
os
direitos
sociais.
Mesmo
que
fôssemos
capazes
de
identificar
os
direitos
de
liberdade
e
de
os
distinguir
dos
direitos
sociais,
faltaria
saber
que
regime
deveria
ser
aplicado
aos
direitos
sociais.
6.
Concepção
tradicional
portuguesa
da
distinção
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais
e
a
sua
crítica.
A
separação
estrita
entre
direitos,
liberdades
e
garantias
e
direitos
económicos,
sociais
e
culturais
na
CRP,
trata-‐se
de
uma
distinção
tradicional.
De
acordo
com
essa
sistematização,
encontramos
integrados
tendencialmente
nos
direitos,
liberdades
e
garantias
os
direitos
fundamentais
que
garantem
genericamente
o
acesso
individual
a
bens
de
liberdade
individual,
autonomia
pessoal,
participação
política,
e
nos
direitos
económicos,
sociais
e
culturais,
os
direitos
fundamentais
que
garantem
o
acesso
individual
a
bens
económicos,
sociais
e
culturais
relacionados
com
o
bem-‐estar
e
as
condições
materiais
de
vida.
A
sistematização
adoptada
pela
CRP
só
se
converte
em
problema
quando
dela
se
pretende
retirar
a
existência
de
um
regime
de
protecção
privilegiada
25
aplicado
exclusivamente
aos
direitos
de
liberdade
que
estiverem
consagrados
no
título
II
e
aos
que
tiverem
natureza
análoga
a
eles.
O
intérprete
vê-‐se
perante
a
necessidade
de
encontrar
o
critério
substancial
ou
estrutural
que
permita
identificar
a
situação
de
analogia,
em
ordem
a
permitir
e
fundamentar
a
aplicabilidade
daquele
regime
a
outros
direitos
fundamentais
não
constantes
do
título
II
e
que
justifique
uma
protecção
jurídica
diferenciada
entre
uns
e
outros
direitos
fundamentais.
Em
que
se
funda
tal
conclusão,
qual
o
critério,
material
ou
estrutural,
que
permite
distinguir
estes
direitos
dos
restantes
direitos
constantes
da
parte
dos
direitos
sociais?
As
tentativas
substancialistas
ou
essencialistas,
que
procuram
localizar
a
diferença
identificatória
numa
qualidade
ou
característica
material
do
direito
em
questão,
são
mal
sucedidas.
Eventuais
distinções
baseadas
em
pretensa
superioridade
hierárquica
dos
direitos
de
liberdade
chocam
com
duas
dificuldades:
em
Estado
social
e
democrático
de
Direito,
todos
os
direitos
fundamentais
apresentam
uma
comum
referência
a
esses
princípios
ou
valores,
designadamente
à
dignidade
da
pessoa
humana;
por
outro
lado,
mesmo
que
a
distinção
material
assentasse
na
inegável
diferente
natureza
material
dos
bens
jusfundamentalmente
protegidos,
faltaria
fundamentar
a
justificação
de
atribuição
de
um
regime
de
maior
protecção
constitucional
aos
primeiros.
Parecem
então
mais
produtivas
as
tentativas
de
distinção
formal,
orientadas
pela
diferença
estrutural
dos
dois
grandes
tipos
de
direitos.
A
atribuição
de
um
regime
de
protecção
privilegiada
e
distinto
não
se
fundaria
em
razões
de
importância,
de
fundamentalidade
ou
relevância
material
mas
antes
em
razões
estruturais,
de
natureza
formal
que
impediriam
um
tratamento
comum
dos
dois
tipos
de
direitos.
Características
formais
como
as
atinentes
à
natureza
negativa
ou
positiva
do
direito
em
questão,
à
maior
ou
menor
determinabilidade
do
seu
conteúdo
ou
à
natureza
dos
deveres
estatais
envolvidos
na
respectiva
realização
podem
fundamentais
mais
adequadamente
uma
possível
distinção
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais.
26
Haveria
alguns
direitos
cuja
estrutura
e
natureza
estariam
mais
adaptadas
à
aplicabilidade
do
referido
regime
que
outros.
Os
critérios
deste
tipo
só
serão
admissíveis
se
tiverem
em
conta
aquela
distinção
essencial
que
sempre
vimos
assinalando:
a
distinção
entre
direito
fundamental
como
um
todo
e
cada
um
dos
direitos,
pretensões,
garantias
ou
faculdades
particulares
que
o
integram.
De
nada
adianta
fundar
uma
pretensa
diferença
entre
os
dois
tipos
de
direitos
na
maior
determinabilidade
de
conteúdo
dos
direitos
de
liberdade
quando
considerados
e
comparados
com
os
direitos
sociais
no
plano
da
sua
positivação
constitucional,
quando
sabemos
que
após
conformação
legal,
uma
tal
diferença
desaparece.
Um
direito
social,
até
pela
natureza
das
prestações
estatais
em
causa,
adquire
muito
maior
determinabilidade
que
aquela
que
os
direitos
de
liberdade
recolhem.
Temos
vindo
a
considerar
que
a
diferença
acolhida
pela
Constituição
portuguesa
entre
direitos,
liberdades
e
garantias
e
direitos
económicos,
sociais
e
culturais,
para
efeitos
de
diferenciação
de
regimes
jurídicos
de
protecção
constitucional
aplicáveis,
assenta
na
combinação
ou
associação
integrada
de
dois
critérios:
a
diferente
determinabilidade
de
conteúdo
constitucional
dos
direitos
em
causa
e
a
diferente
natureza
dos
deveres
estatais
directamente
envolvidos,
com
a
consequente
diferença
de
natureza
das
reservas
que
os
afectam.
Dessa
determinabilidade
constitucional
típica
dos
direitos
de
liberdade
decorre,
para
os
poderes
constituídos,
a
obrigação
de
acatarem
e
garantirem
a
inviolabilidade
e
possibilidade
jurídicas
de
realização
e
concretização
da
capacidade
de
autodeterminação
individual
assim
reconhecida
e,
para
os
particulares,
a
possibilidade
de
reagirem
jurisdicionalmente
contra
eventuais
restrições
ou
violações
dessa
margem
de
autodeterminação
directamente
conferida
pela
norma
constitucional.
Por
sua
vez,
quanto
aos
direitos
sociais,
eles
são
afectados
na
sua
dimensão
principal
e
em
abstracto
por
uma
reserva
do
financeiramente
possível
que,
por
sua
vez,
reforça
e
potencia
uma
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
na
correspondente
realização
positiva.
Assim,
a
norma
constitucional
de
garantia
de
um
direito
social
traduz-‐se
essencialmente
na
imposição
ao
Estado
de
um
dever
de
prestar,
cuja
realização,
27
todavia,
por
estar
essencialmente
dependente
de
pressupostos
materiais,
designadamente
financeiros,
não
se
encontra
na
inteira
disponibilidade
da
decisão
do
Estado.
Nos
direitos
de
liberdade,
os
deveres
que
incumbem
ao
Estado
são
em
geral,
independentes
de
quaisquer
disponibilidades
financeiras
ou
materiais,
pelo
que,
dependendo
exclusivamente
da
vontade
de
os
poderes
constituídos
observarem
os
preceitos
constitucionais,
a
satisfação
desses
deveres
é
imediatamente
exigível
por
força
da
consagração
constitucional
do
direito.
Diferentemente
o
conteúdo
dos
direitos
sociais
não
é
em
geral
constitucionalmente
determinado
ou
determinável.
O
referido
condicionamento
material
dos
direitos
sociais
faz
deles
direitos
sob
reserva
do
possível,
pelo
que
o
dever
jusfundamental
que
impende
sobre
o
Estado
não
é,
como
nos
direitos
de
liberdade,
o
de
garantia
da
inviolabilidade
e
possibilidades
jurídicas
de
concretização
de
um
espaço
de
autodeterminação
individual,
mas
antes
o
de,
tanto
quanto
possível,
promover
as
condições
óptimas
de
efectivação
da
prestação
estadual
em
questão
e
preservar
os
níveis
de
realização
já
atingidos.
A
forma
adequada
de
construção
teórica
da
diferença
estabelecida
entre
direitos,
liberdades
e
garantias
e
direitos
económicos
sociais
e
culturais,
só
é
bem
entendida
se
tiverem
em
conta
três
notas:
1. Esta
construção
tem
de
ser
aplicada
em
função
do
direito,
faculdade
ou
garantia
particular
em
causa
na
situação
jurídica
concreta.
A
presença
das
características
referidas
de
determinabilidade
de
conteúdo
e
de
natureza
deve
ter
como
referência
o
direito
invocado
no
caso
concreto;
2. A
questão
da
determinabilidade
do
conteúdo
do
direito
deve
ser
apurada
em
função
da
aplicação
conjugada
da
norma
constitucional
de
garantia
e
da
norma
ordinária
que
a
conforma,
uma
vez
que
é
da
integração
desses
dois
planos
e
disposições
normativos
que
resulta
a
norma
de
direito
fundamental
aplicável
ao
caso.
3. Decisivo
acaba
por
ser
o
tipo
de
dever
estatal
imposto
pela
norma
de
direito
fundamental
aplicável
ao
caso
concreto
e
a
natureza
jurídica
das
especiais
reservas.
O
que
conta
é
a
natureza
estrutural
o
direito
especial
28
que
surge
na
situação
jurídica
controversa
e
não
a
natureza
do
direito
em
que
ele
se
integra.
O
problema
que
nos
tem
ocupado,
aquela
ideia
de
supremacia,
de
natureza
e
de
regime,
dos
direitos
de
liberdade
tende
a
reflectir-‐se
na
ideia
de
que,
a
contrario,
os
direitos
sociais
têm
uma
natureza
e
regime
materiais
de
menor
relevância
e
protecção.
A
ideia
de
hierarquização
dentro
dos
direitos
fundamentais
é
contrária
à
ideia
de
direitos
fundamentais
em
Estado
de
Direito
e
pressupõe
a
consideração
do
direito
na
sua
globalidade,
o
que
no
entanto
acontece
são
conflito,
colisões
e
limitações
não
do
direito
como
um
todo,
mas
de
modalidades
e
dimensões
particulares,
específicas.
Mesmo
admitindo
que
era
possível
uma
escala
de
preferências
constitucionais
para
cada
um
destes
direitos,
ela
não
serviria
de
nada
porque
na
prática
aquilo
que
colide
ou
está
em
causa
nunca
é
o
direito
como
um
todo
mas
modalidades
parcelares
concretas
e
específicas
do
direito.
O
que
é
determinante
são
as
circunstâncias
concretas
que
envolvem
o
caso
e
não
qualquer
preferência
abstracta
dos
direitos
considerados
como
um
todo
-‐
mudando
as
circunstâncias,
mudam
as
preferências.
De
facto,
é
sempre
possível
traduzir
um
direito
social
em
direito,
liberdade
ou
garantia.
Qualquer
lesão
a
um
direito
social
é
sempre
inevitavelmente
lesão
ao
direito
ao
desenvolvimento
da
personalidade
e
este
é
indiscutivelmente
um
direito,
liberdade
ou
garantia.
Se
o
único
critério
operativo
de
distinção
entre
direitos
fundamentais
no
plano
constitucional
é
o
da
determinabilidade
de
conteúdo,
na
maior
parte
dos
casos,
quando
a
justiça
administrativa
é
chamada
a
intervir,
esse
critério
já
não
é
utilizável,
uma
vez
que
em
regra,
as
diferenças
de
determinabilidade
de
conteúdo
dentro
dos
direitos
fundamentais
já
desapareceram
ou
foram
superadas
através
da
intervenção
conformadora
e
homogeneizadora
por
parte
do
legislador
ordinário.
Desde
que
o
conteúdo
do
direito
fundamental
esteja,
já
determinado,
a
distinção
entre
direitos
liberdades
e
garantias
e
outros
direitos
perde
o
sentido.
29
Regime
Constitucional
dos
direitos
sociais
e
a
pretensa
distinção
entre
um
regime
específico
de
protecção
dos
direitos,
liberdades
e
garantias
e
um
regime
próprio
dos
direitos
sociais.
Crítica
O
dito
regime
próprio
de
protecção
constitucional
privilegiada
dos
direitos,
liberdades
e
garantias
na
CRP
é
normalmente
caracterizado
como
estando
distribuído
por
três
planos:
um
regime
material,
um
regime
orgânico
e
um
regime
de
revisão
constitucional.
O
regime
da
revisão
constitucional
reside
no
facto
de
os
DLG
serem
tidos
em
conta
como
limites
materiais
de
revisão
constitucional
enquanto
que,
dos
direitos
sociais,
só
os
direitos
dos
trabalhadores
parecem
gozar
de
tal
regime.
O
regime
orgânico,
tem
que
ver
com
a
reserva
de
competência
legislativa
da
AR
que
parece
incluir
os
direitos,
liberdades
e
garantias
no
seu
todo
e
só
acolhe
os
aspectos
nucleares
de
algumas
matérias
conectadas
nos
direitos
sociais.
Considerando
o
plano
material
ou
o
regime
material,
a
protecção
privilegiada
dos
direitos
liberdades
e
garantias
no
18º,
19º,
20º/5,
21º,
22º
e
272º/3.
Houve
uma
nítida
intenção
de
proteger
os
DLG
de
forma
especial
e
reforçada
relativamente
à
protecção
concedida
aos
direitos
sociais.
A
questão
é:
os
direitos
sociais,
pelo
simples
facto
de
serem
direitos
fundamentais
e
serem
assim
qualificados
pela
Constituição,
gozam,
no
mínimo
de
uma
protecção
jurídica
qualificada,
qual
seja,
a
que
resulta
por
inerência
da
supremacia
das
normas
constitucionais
da
ordem
jurídica.
Uma
vez
obtida
essa
consagração,
existe
uma
vinculação
e
subordinação
jurídica
dos
poderes
constituídos
aos
respectivos
comandos,
sob
pena
de
inconstitucionalidade.
Não
apenas
por
se
moverem
no
âmbito
de
direitos
fundamentais,
mas
igualmente
por
estarem
sujeitas
aos
princípios
constitucionais
de
Estado
de
Direito,
todas
as
entidades
públicas
estão
juridicamente
vinculadas
à
observância
dos
chamados
princípios
constitucionais
estruturantes.
Ora,
a
intenção
constituinte
de
tratar
privilegiadamente
os
DLG
relativamente
aos
Direitos
sociais
é
uma
impossibilidade
lógica
porque
a
CRP
não
pode
dar
aos
DLG
mais
protecção
material
do
que
a
que
já
lhes
é
devida
pela
30
sua
natureza
constitucional,
tal
como
não
pode
dar
aos
direitos
sociais
menos
que
essa
mesma
protecção
constitucional.
A
protecção
material
devida,
a
direitos
de
liberdade
e
a
direitos
sociais
tem
que
ser,
no
fundo,
exactamente
a
mesma.
O
erro
original
foi
pretender
fazer
decorrer
consequências
jurídicas
precisas
de
um
modelo
necessariamente
artificial
de
sistematização
dos
direitos
fundamentais.
Em
Estado
de
direito
qualquer
norma
constitucional
se
impõe,
sempre,
aos
poderes
constituídos,
pelo
que
uma
qualquer
opção
artificial
de
classificação
e
sistematização
nada
pode
acrescentar
ao
que
já
decorre
do
princípio
da
supremacia
formal
e
material
da
CRP.
Pode
haver,
no
mundo
dos
direitos
fundamentais
diferenças
de
vinculatividade
e
de
efectividade,
mas
elas
decorrem
exclusivamente
das
consequências
imperativas
que
o
princípio
da
separação
de
poderes
projecta.
Essa
diferenciação
impõe-‐se
em
função
da
respectiva
diferente
densidade
normativa,
da
natureza
dos
deveres
estatais
envolvidos
e
da
estrutura
da
pretensão
subjectiva.
As
regras
e
princípios
do
18º
aplicam-‐se
indiferentemente
aos
direitos
sociais,
pelo
simples
facto
de
a
protecção
destes
direitos
estar
prevista
em
normas
constitucionais
e
de
existência
de
um
Estado
constitucional
de
Direito
de
onde
decorrem
limites
jurídicos
vinculativos
à
actuação
dos
poderes
públicos.
Assim,
uma
lei
não
pode
afectar
o
conteúdo
essencial
de
um
direito
social
exactamente
da
mesma
forma
e
com
o
mesmo
alcance
com
que
não
pode
afectar
o
conteúdo
essencial
de
um
direito
de
liberdade.
Em
nosso
entender,
todo
o
núcleo
do
regime
material
pretensamente
específico
dos
DLG
se
aplica,
em
toda
a
sua
extensão
e
com
o
mesmo
alcance
aos
direitos
sociais.
O
18º/2
não
pode
ter
o
sentido
que
resulta
do
seu
enunciado
literal,
não
devendo
o
seu
alcance
jurídico
ir
além
de
advertência
simbólica.
Da
parte
das
entidades
privadas
(18º/1
segunda
parte),
tal
como
relativamente
aos
DLG,
há
uma
obrigação
geral
de
respeito
para
com
os
direitos
sociais
dos
outros
particulares.
18º/1
primeira
parte:
aqui
há
uma
diferença
tendencial
sensível
entre
DLG
e
direitos
socais.
No
entanto,
essa
diferença
não
se
traduz
na
31
uma
protecção
especial
que
o
legislador
constituinte
pudesse
conferir
ou
deixar
de
conferir,
mas
é
algo
que
diz
respeito
à
descrição
da
própria
natureza
e
identidade
deste
tipo
de
direitos.
Só
pode
haver
diferenças
de
aplicabilidade
no
domínio
dos
direitos
fundamentais,
da
aplicabilidade
directa
em
sentido
estrito,
enquanto
possibilidade
de
invocação
judicial
de
um
direito,
no
interesse
do
seu
titular
e
directamente
a
partir
da
norma
constitucional.
A
aplicabilidade
directa
de
uma
qualquer
norma
constitucional,
que
em
Estado
de
Direito
com
Constituição
normativa
é
sempre
juridicamente
vinculativa,
decorre
da
natureza
dessa
norma,
da
determinabilidade
do
seu
conteúdo
e
da
sua
particular
densidade
normativa
e
não
de
qualquer
opção
que
o
legislador
constituinte
pudesse
livremente
tomar,
na
medida
em
que
o
legislador
não
tem
margem
de
criação.
A
aplicabilidade
directa
não
é
um
elemento,
como
qualquer
outro,
o
regime
dos
DLG.
O
legislador
pode
criar
uma
diferença
entre
os
DLG
e
direitos
sociais,
pode
definir
um
regime
mas
sobre
a
aplicabilidade
directa,
essa
característica
já
lá
está,
o
legislador
não
a
pode
criar,
não
a
pode
definir
constitutivamente
como
elemento
do
suposto
regime
especial
de
protecção
dos
DLG.
Atendendo
à
diferente
determinabilidade
de
conteúdo
de
uns
e
outros
direitos
no
plano
constitucional,
na
medida
em
que
os
direitos
sociais
se
traduzem
em
exigência
de
prestações
fácticas,
materiais,
com
custos
financeiros,
eles
são
direitos
sob
a
reserva
do
financeiramente
possível,
dependentes
das
disponibilidades
financeiras
do
Estado,
e
das
consequentes
opções
políticas
de
distribuição
orçamental
de
recursos.
Assim,
não
é
possível
que
o
legislador
os
possa
determinar
em
grau
suficiente
para
permitir
a
sua
aplicabilidade
directa.
Por
isso,
os
direitos
sociais
não
são
nesta
sua
dimensão
principal,
directamente
aplicáveis
a
partir
exclusivamente
da
norma
constitucional
de
guarda.
Porém,
encontramos
normas
de
aplicabilidade
directa
no
domínio
dos
direitos
sociais
e
normas
não
directamente
aplicáveis
no
âmbito
dos
direitos
de
liberdade.
Analisando
agora
as
diferenças
no
plano
da
revisão
constitucional,
este
problema
relativizou-‐se
à
medida
em
que
se
interiorizou
a
ideia
de
um
relevo
simbólico
dos
DLG
como
limites
materiais
de
revisão
constitucional.
32
No
plano
orgânico,
relativamente
à
reserva
de
competência
à
AR
este
é
de
facto
a
verdadeira
ou
única
diferença
significativa
de
regime
dos
DLG
relativamente
aos
Direitos
sociais.
Neste
sentido,
o
Governo
pode
legislar
sobre
direitos
sociais
mas
não
sobre
DLG.
Se
o
regime
fosse
levado
a
sério,
o
Governo
teria
de
pedir
autorização
legislativa
para
praticamente
todos
os
diplomas
ou
praticamente
todos
os
diplomas
por
ele
aprovados
seriam,
pelo
menos
parcialmente,
inconstitucionais,
pois
é
praticamente
impossível
encontrar
um
diploma
governamental
que
directa
ou
indirectamente
não
legisle
sobre
DLG
ou
pelos
menos
não
os
afecte.
O
Tribunal
Constitucional
tende
a
decidir
como
se
reservado
ao
Parlamento
estivesse
apenas
a
regulação
das
matéria
que
compõem
o
conteúdo
essencial
dos
DLG.
Do
problema
do
pretenso
regime
de
protecção
especial
dos
DLG
conclui-‐se
que
um
tal
regime
diferenciado
se
limita
à
questão
orgânica,
a
da
repartição
de
competências
entre
a
AR
e
o
Governo,
e
ainda
assim
com
inconsistência
e
inconvenientes.
O
único
critério
constitucional
operativo
para
distinguir
DLG
e
direitos
sociais,
não
é
um
critério
material,
atinente
à
relevância,
mas
um
critério
essencialmente
estrutural,
atinente
à
diferente
determinabilidade
de
conteúdo
e
natureza
dos
deveres
estatais
da
correspondente
realização.
7.
As
objecções
gerais
à
consideração
dos
direitos
sociais
como
direitos
fundamentais
Principais
objecções
ao
reconhecimento
dos
direitos
sociais
como
direitos
fundamentais;
objecções
com
base
na
pretensa
de
direitos
sociais
como
direitos
positivos;
objecções
com
base
na
reserva
do
financeiramente
possível.
-‐
87
ss,
123
ss,
141
ss
As
reservas
dogmáticas
que
se
aduzem
quanto
ao
reconhecimento
de
uma
natureza
jusfundamental
aos
direitos
sociais,
que
impediria
a
sua
equiparação
de
princípio
aos
direitos
de
liberdade,
fundam-‐se
nas
seguintes
pretensas:
1. Facto
de
os
direitos
sociais
valerem
sob
reserva
do
(financeiramente)
possível;
33
2. Facto
de
os
direitos
sociais
apresentarem
uma
estrutura
de
direitos
positivos;
3. Indeterminabilidade
do
conteúdo
constitucional
dos
direitos
sociais
Estas
características
determinariam
um
conjunto
de
dificuldades
que
impediriam
a
consideração
dos
direitos
sociais
como
verdadeiros
direitos
fundamentais.
1.
Facto
de
os
direitos
sociais
valerem
sob
reserva
do
(financeiramente)
possível:
Elemento
essencial
dos
direitos
sociais
é
o
facto
de
que
incluem
a
imposição
ao
Estado
da
obrigação
de
uma
prestação
fáctica
que
ou
consiste
numa
subvenção
financeira
ou
tem
custos
financeiros
directos
associados
à
criação
e
disponibilização
de
instituições,
serviços
ou
estruturas
que
permitem
o
referido
acesso
aos
bens
económicos,
sociais
ou
culturais.
A
prestação
estatal
que
constitui
o
objecto
de
quaisquer
direitos
sociais
é
sempre
fungível
em
prestação
financeira.
Numa
situação
de
escassez
moderada
de
recursos,
há
sempre
esse
condicionamento
inevitável:
a
obrigação
jurídica
é
um
dever
jurídico
facticamente
dependente
do
respectivo
custo,
pelo
que
a
exigibilidade
judicial
desse
direito
fica
intrinsecamente
condicionada
ao
que
o
Estado
pode
fornecer
em
função
das
suas
disponibilidades
económicas.
Era
essa
implícita
dimensão
económica
e
financeira
que
obrigaria
a
considerar
diferenciadamente
os
direitos
sociais
no
conjunto
dos
direitos
fundamentais.
Assim,
a
reserva
do
possível
passa
a
ser
essencialmente
entendida
constituindo
essa
limitação
imanente
a
este
tipo
de
direitos:
mesmo
quando
a
pretensão
é
razoável,
o
Estado
só
está
obrigado
a
realizá-‐la
se
dispuser
dos
necessários
recursos.
Uma
vez
que
nas
situações
típicas
de
Estado
social,
em
situação
de
normalidade,
a
escassez
nunca
é
absoluta,
a
reserva
do
possível
implica
uma
definição
de
prioridades,
implica
escolhas
e
opções
políticas
de
distribuição
de
recursos
e
consequentemente
conflitos
entre
as
opções.
A
situação
de
conflito
e
a
multiplicidade
de
possíveis
respostas
para
a
solucionar
são
inevitáveis
porque
a
34
escassez
moderada
de
recursos
significa
que
há
sempre
dinheiro
ou
algum
dinheiro
para
realizar
a
prestação
controversa,
mas,
simultaneamente,
que
há
várias
possibilidades
de
escolha
do
destino
a
que
se
afectem
os
recursos
disponíveis.
O
contra-‐argumento
da
existência
de
custos
análogos
nos
direitos
de
liberdade:
O
contra-‐argumento
apresentado
à
reserva
do
possível:
tal
condicionamento
económico
e
financeiro,
que
realmente
existe,
não
é
exclusivo
dos
direitos
sociais,
mas
é
algo
que
todos
os
direitos
fundamentais
incluindo
os
tradicionais
têm
que
viver.
Não
haveria
efectividade
dos
direitos
de
liberdade
negativos
sem
as
prestações
estatais
positivas
destinadas
a
garanti-‐los
institucionalmente.
Também
as
prestações
destinadas
a
garanti-‐los
exigem
do
erário
público
o
dispêndio
de
somas
avultadas.
Logo,
os
direitos
de
liberdade
não
envolveriam,
menos
que
os
direitos
sociais,
um
problema
orçamental;
a
reserva
financeira
seria
comum
aos
dois
tipos
de
direitos.
Nenhum
sistema
constitucional
pode
proteger
os
direitos
de
liberdade
negativos
contra
intervenções
ou
ameaças
do
Estado
ou
de
outros
particulares
sem
a
actuação
institucional
de
protecção
garantida
por
outros
funcionários,
por
aparelhos
administrativos
e
policiais
e,
designadamente
através
de
um
sistema
judicial.
Contesta-‐se,
desta
forma,
a
razão
de
ser
de
uma
distinção
forte
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais
no
plano
da
reserva
do
possível.
Como
dizem
Holmes/Sunstein:
qualquer
direito
negativo
só
é
efectivamente
protegido
se
tiver
um
remédio,
se
tiver
um
sistema
administrativo,
instituições
e
um
sistema
judicial
que
o
garantam,
e
estes
requisitos,
designadamente
o
sistema
judicial,
significam
encargos
financeiros;
logo,
os
direitos
negativos
também
custam,
os
direitos
de
liberdade
são
também,
tal
como
os
direitos
sociais,
bens
públicos
pagos
pelos
contribuintes.
Têm
de
se
relevar
a
natureza
dos
deveres
estatais
no
âmbito
dos
direitos
fundamentais.
Deveres
de
respeitar,
proteger
e
promover.
Assim,
no
que
se
refere
a
todos
os
direitos
fundamentais,
os
deveres
de
respeitar
o
acesso
individual
aos
bens
jusfundamentalmente
protegidos
não
35
envolvem
custos
financeiros.
Já,
ao
contrário,
os
deveres
de
proteger
e
de
promover
esse
acesso
envolvem
custos
financeiros
requeridos
pelas
prestações
fácticas
ou
pela
disponibilização
de
serviços
e
instituições
que
são
impostas
ao
Estado.
Logo,
não
há
diferenças
em
termos
de
afectação
pela
reserva
do
financeiramente
possível,
entre
os
dois
tipos
de
direitos
quando
se
perspectivam
como
um
todo,
na
medida
em
que
encontramos
deveres
estatais
com
custos
nos
direitos
de
liberdade
e
deveres
estatais
sem
custos
nos
direitos
sociais.
Por
último,
também
os
DLG
não
têm
efectividade
social
se
não
existirem,
ou
o
Estado
não
as
disponibilizar,
as
condições
fácticas
que
permitam
o
seu
exercício
real
por
parte
da
generalidade
dos
seus
titulares.
Então
é
correcto
dizermos
que
no
plano
da
realidade
fáctica,
os
direitos
de
liberdade
estão
tão
dependentes
das
disponibilidades
financeiras
do
Estado
quanto
a
realização
fáctica
dos
direitos
sociais.
Enquanto
os
bens
de
liberdade
e
de
autonomia
jusfundamentalmente
protegidos
pelos
direitos
de
liberdade
não
custam,
então
em
princípio
a
reserva
do
financeiramente
possível
não
os
afecta
intrinsecamente;
só
os
afecta
relativamente
aos
deveres
estatais
destinados
a
promover
o
acesso
individual
a
esses
bens
ou
a
garantir
a
sua
efectividade
prática
através
da
criação
de
institutos,
procedimentos,
serviços,
apoios
ou
compensações.
Diferentemente,
como
os
bens
jusfundamentalmente
protegidos
pelos
direitos
sociais
são
bens
escassos,
custosos,
então
a
reserva
do
financeiramente
possível
em
geral
afecta-‐
os
intrinsecamente;
só
não
os
afecta
relativamente
aos
deveres
estatais
de
respeito
e
não
impedimento
do
acesso
a
esses
bens
por
parte
dos
particulares
que
dispõem
por
si
mesmos
dos
correspondentes
recursos
próprio
para
garantir
o
acesso.
A
reserva
do
possível
como
normalidade
pretensamente
equivalente
à
reserva
de
ponderação
que
afecta
os
direitos
de
liberdade:
À
excepção
de
alguns
direitos
fundamentais
consagrados
a
título
definitivo,
a
generalidade
dos
direitos
fundamentais,
incluindo
designadamente
os
direitos
de
liberdade,
também
está
sujeita
a
uma
reserva
geral
de
compatibilização
com
outros
bens,
no
sentido
de
que,
apesar
da
sua
natureza
material
jusfundamental
36
e
da
sua
força
constitucional
em
sentido
formal,
os
direitos
fundamentais
podem
ceder
sempre
que,
através
de
uma
ponderação
de
bens,
direitos
e
interesses
que,
no
caso
concreto,
mereçam
por
parte
do
Estado
uma
protecção
jurídica
que
obrigue
àquela
cedência.
Esse
condicionamento
da
validade
e
eficácia
dos
direitos
fundamentais
como
chamados
de
reserva
geral
imanente
de
ponderação,
que
é
compatível
com
a
sua
natureza
constitucional
de
garantia
jurídica,
ou
seja,
que
se
impõem
de
forma
juridicamente
vinculante
aos
poderes
constituídos.
Portanto,
quando,
além
dessa
reserva,
os
direitos
sociais
forem
igualmente
condicionados
pela
reserva
do
possível,
tal
facto
não
será
suficiente
para
os
considerar
privados
de
uma
natureza
jusfundamental
posto
que
deles
se
possa
continuar
a
retirar
uma
vinculatividade
jurídica
própria
dos
direitos
fundamentais.
A
reserva
geral
imanente
de
ponderação
que
afecta
os
direitos
fundamentais,
incluindo
os
direitos
de
liberdade,
é
o
pressuposto
lógico
constitucional
implícito
que
justifica
a
admissibilidade
constitucional
de
ocorrência
de
restrições
aos
direitos
fundamentais
actuadas
pelos
poderes
constituídos,
mesmo
quando
tais
restrições
não
estão
expressamente
autorizadas
no
texto
da
CRP.
Há
porém
uma
diferença
sensível.
É
que
enquanto
o
poder
judicial
é
competencialmente
habilitado
para
proceder
no
controlo
e
verificação
de
constitucionalidade
das
restrições
dos
direitos
fundamentais
autorizadas
ao
abrigo
da
reserva
geral
imanente
que
obriga
à
ponderação
dos
direitos
fundamentais
com
outros
valores
igualmente
dignos
de
protecção
jurídica,
já
muito
dificilmente
se
pode
considerar
apto
a
proceder
a
idênticos
controlos
relativamente
aos
impedimentos
à
realização
dos
direitos
sociais
justificados
com
base
na
reserva
do
financeiramente
possível.
A
afectação
de
um
direito
de
liberdade,
se
vier
a
ser
justificada
pela
realização
de
um
valor
superior,
pode
ser
considerada
legítima,
pode
não
haver
violação
do
direito,
e,
esse
é
o
ponto
aqui
em
questão,
o
juiz
tem
capacidade
funcional
para
controlar
a
prevalência
e
a
justificação,
bem
como
o
modo
e
o
alcance
da
restrição.
No
caso
dos
direitos
sociais,
a
invocação
concreta
de
uma
dificuldade
financeira
pode
justificar
também
a
afectação
do
direito,
ou
seja,
a
37
sua
não
realização
positiva,
mas
o
juiz
muito
dificilmente
pode
controlar
essa
justificação
à
luz
da
separação
de
poderes
do
Estado
de
Direito.
Os
direitos
de
liberdade
estão
sujeitos
a
uma
reserva
geral
imanente
de
ponderação
(que
afecta
todos
os
direitos
fundamentais,
excepto
nas
situações
em
que
o
próprio
legislador
constituinte
fez
já
todas
as
ponderações
que
haveria
a
fazer
e
os
consagra
como
regras,
de
forma
absoluta)
mas,
para
além
dessa
reserva,
os
direitos
sociais
estão
ainda
sujeitos
a
uma
reserva
geral
imanente
do
financeiramente
possível.
A
mera
sujeição
a
reservas
da
validade
ou
de
eficácia
não
indiferencia
os
dois
tipos
de
direitos
desde
que
nelas
se
reconheça
uma
clara
distinção
competencial
de
controlo
dos
limites
concretos
actuados
ao
abrigo
de
uma
ou
outra
reserva.
A
diferença
é
que
quanto
à
reserva
geral
imanente
de
ponderação,
podendo
na
respectiva
concretização
participar
os
vários
ramos
do
poder
estatal,
a
última
palavra
é
do
juiz.
Quanto
à
reserva
geral
imanente
do
financeiramente
possível,
que
afecta
os
direitos
sociais,
a
última
palavra
é
dos
titulares
do
poder
político,
designadamente
o
legislador.
Se
a
CRP
considera
que
o
TC
deve
garantir
os
direitos
fundamentais
contra
o
legislador,
isso
é
porque
se
fez
uma
opção
competencial,
por
razões
de
princípio.
O
problema
é
poder
determinar
se
houve
ou
não
violação
das
imposições
constitucionais
no
domínio
dos
direitos
sociais,
quando
se
sabe
que
a
própria
CRP
consagrou
esse
direito
sob
reserva
do
possível
e
conferiu
ao
legislador
o
poder
de
fazer
as
correspondentes
escolhas
políticas
e
orçamentais
tendentes
à
sua
realização.
A
garantia
dos
direitos
sociais
como
pressuposto
da
garantia
dos
direitos
de
liberdade
A
partir
do
momento
em
que
reconhecemos
que
a
reserva
do
possível
invade
intrinsecamente
o
próprio
plano
jurídico
de
consagração
constitucional
dos
direitos
sociais,
então
teremos
uma
diferença
marcante
entre
os
dois
tipos
de
direitos.
A
diferença
entre
os
dois
tipos
de
direitos
também
se
esbate
quando
se
consideram
as
circunstâncias
fácticas,
que
contextualizam
o
exercício
dos
38
direitos
de
liberdade,
enquanto
pressupostos
indispensáveis
ao
seu
exercício
e,
logo,
também
enquanto
dimensão
que
invade
o
próprio
conteúdo
jurídico
normativo
principal
dos
direitos
de
liberdade.
Se
na
ausência
de
um
conjunto
mínimo
de
condições
materiais
o
exercício
dos
direitos
de
liberdade
fica
esvaziado,
então
a
garantia
de
tais
condições
materiais
constitui-‐se
em
dimensão
integrante
do
conteúdo
jurídico
dos
direitos
de
liberdade,
pelo
que,
estando
o
Estado
obrigado
a
assegurá-‐las
para
garantir
este
tipo
de
direitos,
a
invocação
da
reserva
do
financeiramente
possível
enquanto
factor
de
condicionamento
exclusivamente
aplicável
aos
direitos
sociais
perde
sentido,
na
medida
em
que
passa
a
vir
associada
também
aos
direitos
de
liberdade.
Se
no
direito
à
vida,
integramos
igualmente
uma
pretensão
ou
um
direito
a
obter
um
mínimo
material
para
assegurar
uma
existência,
um
mínimo
vital,
então
o
direito
de
liberdade
é
invadido
por
pretensões
a
prestações
que,
tendo
uma
clara
e
imediata
dimensão
financeira,
são
também
pretensões
sob
"reserva
do
possível",
mas
agora
consideradas
no
próprio
âmbito
de
protecção
dos
direitos
de
liberdade.
Aí
entramos
na
necessidade
de
compreender
uma
outra
distinção:
entre
por
um
lado
direito
fundamental
como
um
todo
e
cada
um
dos
direitos
individuais
e
por
outro
direito
a
título
principal
e
direitos
instrumentais.
Estas
distinções
não
são
meramente
conceptuais,
elas
têm
a
maior
relevância
prática
porque
quando
consideramos,
numa
situação
concreta
da
vida
prática,
um
conflito,
temos
de
nos
preocupar
em
identificar
qual
a
pretensão,
direito
ou
dever
que
estão
em
causa
no
caso
concreto
e,
só
então,
determinando
a
natureza
de
direito
em
causa
na
situação
concreta,
enquadrar
o
regime
jurídico
que
deve
presidir
à
resolução
do
caso.
Muitas
vezes
não
podemos
verificar
se
há
eventual
violação
do
direito
a
um
mínimo
vital
sem
considerarmos
se
o
Estado
em
causa
dispõe
dos
necessários
recursos,
enquanto
podemos
fazer
isso,
verificar
se
há
violação
relativamente
à
garantia
da
proibição
da
pena
de
morte.
E
isto
porque
um
direito,
direito
a
um
mínimo
vital,
está
sob
reserva
do
possível
e
o
outro
embora
possa
ter
custos
financeiros,
não
está.
39
Isto
não
significa
concluir
pela
ausência
de
custos
dos
direitos
de
liberdade
ou
que
a
realização
deles
seja
isenta
de
implicações
financeiras,
mas
o
importante
é
determinar
a
natureza
do
direito,
ou
garantia
que
está
especificamente
em
causa,
na
situação
concreta
e,
aí,
se
a
respectiva
validade
e
eficácia
não
estiverem
sob
reserva
do
possível,
então
a
sua
eventual
violação
pode
ser
judicialmente
determinada
com
total
abstracção
dos
custos
directos
ou
indirectos
envolvidos
na
realização
do
direito
como
um
todo.
Portanto,
o
que
importa
é
perceber
a
verdadeira
natureza
do
direito
ou
da
pretensão
concreta
que
vêm
invocados
no
caso.
Esta
conclusão
refere-‐se
exclusivamente
à
apreensão
da
natureza
de
cada
um
dos
dois
tipos
de
direitos
e
não
envolve
qualquer
juízo
sobre
valor
ou
maior
ou
menor
fundamentalidade
de
qualquer
deles.
Tão
fundamentais
são
os
direitos
de
liberdade
quanto
os
direitos
sociais.
Os
limites
de
separação
de
poderes
ao
argumento
do
financeiramente
possível
Última
e
legítima
objecção:
na
situação
comum
dos
actuais
Estados
sociais
de
Direito,
pode
dizer-‐se
que
nunca
há
dinheiro,
mas
também
que
há
sempre
dinheiro.
É
essa
relativização
que
caracteriza
a
situação
de
escassez
moderada.
Nunca
há
dinheiro
porque
há
sempre
múltiplas
necessidades
prementes
com
cuja
satisfação
o
Estado
se
debate,
há
sempre
outras
necessidades
básicas
para
onde
deslocar
os
recursos
requeridos
pela
prestação
em
causa,
em
contrapartida,
há
sempre
dinheiro
porque
é
sempre
possível
desviar
para
essa
prestação
disponibilidades
residuais
ou
inicialmente
afectadas
a
outros
fins.
Tratar-‐se-‐á
de
saber
se,
no
controlo
das
acções
ou
omissões
dos
poderes
públicos
referentes
à
realização
dos
direitos
sociais,
a
última
palavra
deve
caber
ao
legislador
e
à
administração
ou
ao
juiz.
O
problema
subjacente
ao
reconhecimento
da
reserva
do
possível
e
à
relação
entre
legislador
e
juiz
na
realização
dos
direitos
sociais
é
um
problema
de
competência
orçamental,
de
divisão
e
separação
de
poderes
em
Estado
democrático.
A
questão
de
saber
a
quem
cabe
o
ónus
de
provar
refere-‐se
a
quem
cabe
o
ónus
de
demonstrar
se
a
questão
é
financeiramente
tão
relevante,
e
até
que
40
ponto,
que
exija
uma
definição
política
de
prioridades
de
distribuição
de
recursos
que
eventualmente
redunde
na
impossibilidade
de
realização
de
determinado
dever
ou
pretensão
de
prestação.
Ao
juiz
nem
cabe
apurar
se
há
ou
não
recursos
disponíveis,
nem
lhe
cabe
proceder
à
definição
de
prioridades
de
distribuição
de
recursos.
No
entanto,
já
entra
na
sua
esfera
funcional
apreciar
se
a
dificuldade
financeira
alegada
pelo
poder
político
é
suficientemente
relevante
para
afastar
ou
fazer
ceder
a
pretensão
individual,
e
se
o
procedimento
seguido
pelo
poder
político
para
chegar
à
decisão
de
prioridades,
bem
como
a
fundamentação
não
merecem
censura
jurídico-‐constitucional.
Nesse
sentido,
há
uma
margem
de
apreciação
judicial
da
questão
financeira.
O
verdadeiro
problema
não
é
a
possibilidade
de
o
juiz
apreciar
as
considerações
financeiras
do
legislador
ou
da
administração,
mas
de
ter
de
o
fazer
no
respeito
da
separação
de
poderes
e
dos
seus
limites
funcionais.
A
verdadeira
questão
é
a
de
saber
em
que
medida
pode
um
juiz
substituir
a
anterior
decisão
do
poder
político
pela
sua
própria
decisão.
A
verificação
de
uma
violação
de
um
direito
de
liberdade
é
competência
do
juiz.
Uma
vez
que
compete
constitucionalmente
ao
poder
político,
definir
prioridades
e
fazer
escolhas
no
domínio
de
afectação
dos
recursos
disponíveis,
então
ao
juiz
só
é
reconhecida
a
última
palavra
se
ele
puder
apurar,
sem
infracção
do
princípio
da
separação
de
poderes,
que
apesar
da
reserva
do
possível
que
afecta
os
direitos
sociais,
o
poder
político
ou
a
administração
poderiam
e
deveriam
fornecer
a
prestação
social
controvertida
sob
pena
de
violação
do
direito
social.
Muitas
vezes,
a
invocação
da
reserva
do
possível
como
fundamento
de
rejeição
por
parte
da
Administração,
de
uma
pretensão
individual
baseada
num
direito
social,
refere-‐se
à
impossibilidade
de
satisfação
de
todas
as
potenciais
pretensões
de
todos
quantos
se
encontram
nas
mesmas
circunstâncias
do
peticionante.
Se
o
peticionante
coloca
a
mesma
reivindicação
social
perante
o
poder
judicial,
o
juiz
não
pode
ignorar
o
contexto
da
rejeição
da
pretensão
individual
41
por
parte
da
Administração.
Não
pode
abstrair
das
questões
de
igualdade
associadas:
a
invocação
da
reserva
do
possível
associada
ao
princípio
da
igualdade
vincula
e
condiciona
igualmente
a
decisão
judicial.
Ora,
este
condicionamento
da
decisão
judicial
raramente
ou
nunca
se
coloca
quando
o
direito
em
causa
e
um
direito
de
liberdade.
No
caso
do
direito
social,
como
a
própria
existência
de
violação
do
direito
não
pode
ser
apurada
sem
consideração
dos
problemas
financeiros
associados,
então,
nesse
esforço
de
apuramento
de
eventual
violação,
o
juiz
deve
relevar
o
facto
de
que
legislador
ou
administração,
quando
têm
de
avaliar
os
custos
financeiros.
Logo,
num
caso,
o
dos
direitos
de
liberdade,
para
o
juiz
que
decide
o
caso
individual
é
absolutamente
irrelevante
o
argumento
de
igualdade
sob
que
se
pretendia
escudar
a
Administração,
mas
já
tem
de
o
considerar
sempre
que
a
insuficiência
de
recursos
vem
sustentada
pela
Administração
em
razões
de
impossibilidade
material
de
generalização
igualitária
de
determinada
prestação
social.
É
que
a
diferença
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais
é
a
que
deriva
da
diferença
entre
direitos
negativos
e
direitos
positivos.
123
ss
2.
Facto
de
os
direitos
sociais
apresentarem
uma
estrutura
de
direitos
positivos
Desenvolve-‐se
uma
outra
objecção
atinente
à
estrutura
específico
que
os
direitos
sociais
apresentariam
relativamente
aos
DLG,
no
sentido
de
que
sendo
os
primeiros
direitos
positivos
e
os
DLG
negativos,
essa
diferença
implicaria
diferenças
decisivas
nas
respectivas
judiciabilidade
e
vinculatividade
jurídica.
Basicamente,
as
dificuldades
imediatas
que
uma
pretendida
judiciabilidade
efectiva
dos
direitos
sociais
colocava,
assentavam
na
diferença
estrutural
entre
os
tradicionais
direitos
negativos,
em
que
aquilo
a
que
o
particular
tem
direito
é
uma
omissão,
e
os
direitos
sociais
enquanto
direitos
a
uma
prestação
fáctica,
logo
uma
actuação
estatal
positiva.
Essa
diferença
projectar-‐se-‐ia
em
duas
consequências
desvalorizadoras
dos
direitos
sociais:
42
1. Haveria
uma
limitação
objectiva
que
impediria
uma
vinculatividade
plena
dos
direitos
positivos
quando
comparados
com
os
fundamentais
clássicos.
É
que
se
o
Estado
pode
observar
ao
mesmo
tempo
um
número
ilimitado
de
direitos
negativos,
já
que
não
tem
que
fazer
nada,
já
não
haverá
nenhum
Estado
que
consiga
fazer
o
mesmo
relativamente
aos
direitos
positivos.
Mesmo
que
o
Estado
disponha
do
objecto
da
prestação
em
causa,
a
capacidade
objectiva
de
prestar
é
sempre
finita,
limitada
pelo
menos
num
dado
tempo,
o
que
implica
estabelecer
prioridades
de
realização.
2. Quando
se
trata
de
determinar
a
existência
de
uma
violação
a
um
direito,
são
essencialmente
distintas
as
margens
de
objectividade
num
caso
e
no
outro.
Se
o
Estado
está
juridicamente
vinculado
a
abster-‐se
de
intervir,
então
há
inevitavelmente
violação
se
o
Estado
actua
restritivamente.
Assim,
no
caso
dos
direitos
negativos,
se
o
direito
é
reconhecido
e
se
a
violação
é
determinável,
não
há
dúvidas
sobre
a
adequação
de
uma
intervenção
judicial
de
controlo.
Já
no
caso
dos
direitos
positivos,
quando
se
pede
ao
Estado
que
actue,
só
podemos
determinar
objectivamente
uma
violação
se
o
acto
devido
for
indiscutivelmente
configurado
como
preciso,
único
e
de
realização
exigível.
Se
não
for
assim
e
na
maior
parte
das
situações
não
é,
ou
seja
não
é
possível
determinar
um
único
acto
constitucionalmente
devido,
então
já
dificilmente
conseguiremos
demonstrar
se
a
actuação
ou
não
actuação
do
Estado
é
inconstitucional.
Aí,
só
poderemos
determinar
a
existência
de
violação
se
o
Estado
nada
fizer.
Quando
o
Estado
está
obrigado
a
fazer
algo,
em
geral
é
duvidoso
saber
quando
está
ou
não
essa
obrigação
a
ser
incumprida,
qual
é
o
alcance
do
incumprimento
e
o
meio
adequado.
Enquanto
que
o
conteúdo
de
uma
omissão
devida
é
inequívoco,
já
se
estiverem
em
causa
prestações,
só
haverá
dúvidas
quanto
ao
respectivo
conteúdo
e
correspondentes
possibilidades
de
controlo
judicial
quando
o
conteúdo
da
prestação
devida
e
o
momento
da
realização
foram
já
anteriormente
delimitados
de
forma
precisa
e
concreta.
Mas
isso
é
tarefa
do
legislador
e
não
do
juiz.
43
Portanto,
há
uma
diferença
estrutural
entre
direitos
negativos
e
direitos
positivos,
que
determina
ou
uma
não
justiciabilidade
ou
uma
justiciabilidade
relativamente
enfraquecida
relativamente
aos
positivos.
De
facto,
a
generalidade
dos
tradicionais
direitos
civis
e
políticos
exige
igualmente,
tal
como
os
direitos
sociais,
a
realização
de
actuações
e
prestações
estatais
positivas,
sem
as
quais
ou
não
podem
exercer-‐se
ou
não
podem
ser
efectivamente
garantidos.
Não
há
portanto
uma
correspondência
linear
e
integral
entre
direito
social
e
direito
positivo,
tal
como
essa
correspondência
não
está
presente
na
relação
DLG/direito
negativo.
É
certo
que
há
indiferentemente
direitos
positivos
e
negativos
nos
dois
tipos
de
direitos,
mas
daí
não
decorre
que
não
haja
diferença
na
justiciabilidade
de
uns
e
outros
direitos.
Na
realidade
fática,
nunca
está
em
causa
um
direito
como
um
todo.
Aquilo
que
surge
é
sempre
um
direito,
uma
faculdade
particular.
Ora,
é
em
função
da
natureza
desse
direito
que
a
respectiva
justicialibilidade
apresenta
diferenças,
independentemente
de
se
integrar
num
direito
de
liberdade
ou
num
direito
social.
Assim,
também
um
direito
de
liberdade
terá
uma
justiciabilidade
enfraquecida
se
aquilo
que
estiver
em
causa
no
caso
concreto
for
uma
dimensão
positiva.
Independentemente
dos
custos
financeiros,
há
sempre
nos
deveres
de
protecção
correlativos
dos
direitos
fundamentais,
uma
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno,
de
avaliação
a
cargo
dos
decisores
políticos
e,
do
legislador,
que
o
juiz
não
deve
ignorar.
Ora,
parece
então
que,
de
acordo
com
os
parâmetros
gerais
da
separação
de
poderes
em
Estado
de
Direito,
tanto
nos
casos
de
direitos
positivos,
DLG
ou
direitos
sociais,
as
instâncias
competentes
para
proceder
a
este
tipo
de
escolhas
devem
ser
o
legislador
e
o
poder
político
democraticamente
legitimados,
sob
pena
de
violação
do
princípio
da
separação
de
poderes.
Logo,
para
efeitos
de
judiciabilidade,
a
questão
da
diferença
natural,
é
relevante
saber
se
o
direito
invocado
é
positivo
ou
negativo
mas
já
não
é
relevante
saber
se
esse
direito
é
DLG
ou
social.
Não
podemos
ignorar
ainda
outras
duas
distinções:
a
distinção
entre
direito
a
título
principal
e
os
direitos
acessórios
e
os
diferentes
tipos
de
reservas
que
afectam
DLG
e
direitos
sociais
na
sua
dimensão
principal.
44
Parece
indiscutível
que
a
dimensão
principal
dos
direitos
sociais
é
a
dimensão
de
prestação,
aos
quais
como
vimos,
existe
uma
judiciabilidade
enfraquecida.
Por
outro
lado,
relativamente
à
diferença
de
reservas,
no
caso
dos
direitos
sociais,
por
facto
de
lidarem
com
bens
jusfundamentais
que
custam,
a
sua
própria
função
de
defesa
não
é
independente
dos
recursos
financeiros,
e
nesse
sentido
a
judiciabilidade
pode
ver-‐se
enfraquecida.
Com
efeito,
quando
se
trata
de
dimensão
negativa
dos
direitos
sociais,
aí
não
há
quaisquer
diferenças
relativamente
ao
que
acontece
com
os
direitos
negativos
de
liberdade.
As
reservas
a
que
o
direito
está
sujeito,
seja
de
liberdade
ou
social,
são
as
mesmas,
a
densidade
do
dever
de
abstenção
é
a
mesma.
No
entanto,
na
dimensão
de
defesa
dos
direitos
sociais,
no
dever
estatal
de
promover
as
circunstâncias
da
judiciabilidade
alteram-‐se.
Neste
caso,
já
não
podemos
dizer
como
aconteceria
para
os
direitos
negativos
de
liberdade,
que
o
Estado
pode
observar
um
número
ilimitado
de
deveres
de
abstenção.
Com
o
dever
estatal
de
abstenção,
o
acesso
pressupõe
a
continuidade
das
prestações
e
estas
têm
um
custo,
assim
o
Estado
pode
ver-‐se
impedido
objectivamente
por
dificuldades
financeiras
de
continuar
a
prestar
tudo
aquilo
que
prestava
antes,
podendo
invocar
a
reserva
do
financeiramente
possível,
com
o
que
se
alteram
as
condições
de
justiciabilidade
e
as
respectivas
margens
de
legislador
e
juiz
na
decisão
do
caso.
O
que
é
determinante
é
o
tipo
de
reservas
que
afecta
a
realização
do
direito
fundamental,
pois
sendo
certo
que
enquanto
direito
fundamental
ele
se
impõe
à
observância
dos
poderes
constituídos,
o
tipo
e
densidade
do
controlo
é
variável
em
função
das
reservas
que
afectam
a
sua
validade
ou
a
sua
eficácia,
e
estas
podem
ser
uma
reserva
geral
imanente
de
ponderação,
uma
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
e
uma
reserva
do
financeiramente
possível,
que
condicionam
a
vinculatividade
jurídica
dos
deveres
estatais
correlativos
dos
direitos
fundamentais
e
respectiva
densidade
de
controlo
judicial.
Aquilo
que
acaba
por
ser
determinante
não
é
a
classificação
do
direito
(liberdade
ou
social),
não
é
também
a
natureza
estrutural
do
direito
em
causa
como
positivo
ou
negativo
(embora
de
grande
importância),
mas
a
natureza
do
dever
estatal
correlativo
do
direito
em
questão.
45
Tratando-‐se
de
um
dever
estatal
de
respeito
do
direito
fundamental,
as
possibilidades
de
controlo
judicial
são
plenas:
o
direito
estará
em
princípio
sujeito
a
uma
reserva
geral
de
ponderação,
o
juiz
é
plenamente
competente
para
fazer
o
respectivo
controlo.
Tratando-‐se
de
direito
que
exija
um
dever
de
protecção
ou
promoção
(na
dimensão
negativa
ou
positiva),
as
margens
de
controlo
judicial
reduzem-‐se
à
medida
das
possibilidades
de
activação
de
uma
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
que
dá
aos
poderes
públicos
uma
margem
de
escolha
entre
as
várias
legítimas
alternativas
possíveis
de
protecção.
141
ss
3.
Indeterminabilidade
do
conteúdo
constitucional
dos
direitos
sociais
Surge
frequentemente
a
objecção
segundo
a
qual
o
conteúdo
dos
direitos
sociais
enquanto
direitos
constitucionais
seria
caracterizado
por
uma
indeterminabilidade
que
tomada
conjuntamente
com
as
outras
objecções,
determinaria
a
impossibilidade
de
lhes
reconhecer
uma
vinculatividade
jurídica
plena.
Basicamente,
a
objecção
pretende
significar
que
não
é
possível
delimitar
a
partir
das
normas
constitucionais
de
direitos
sociais
um
conteúdo
suficientemente
preciso
que
permita
concluir
qual
a
prestação
ou
dever
a
que
o
Estado
está
juridicamente
obrigado,
e
nesse
sentido,
que
permita
a
concretização
do
respectivo
conteúdo
normativo.
Desta
impossibilidade
resultaria
a
inviabilidade
de
consideração
dos
direitos
sociais
como
direitos
fundamentais.
A
verdade
é
que
como
o
direito
social
não
é
suficientemente
determinado
no
plano
constitucional,
a
sua
realização
jurídica
na
forma
de
direito
exigível
pressupõe
que
a
determinação
das
prestações
juridicamente
devidas
venha
a
ser
feita
num
plano
infraconstitucional,
pelo
legislador
ordinário.
Isto
significaria
que
a
respectiva
vinculatividade
jurídica
é
uma
criação
infraconstitucional
da
responsabilidade
do
legislador
ordinário.
Porém,
essa
nunca
poderia
nem
deveria
ser
uma
opção
generalizável
num
domínio
tão
dependente
de
mutabilidade
das
circunstâncias
fácticas
como
é
o
dos
direitos
sociais.
A
falta
de
determinabilidade
não
é
uma
lacuna
ou
uma
opção
inadvertida
do
legislador
constituinte.
Está
estrita
e
directamente
relacionada
46
com
a
natureza
deste
tipo
de
direitos
e
com
a
sua
dependência
de
factores
mutáveis
que
o
Estado
não
controla
nem
pode
deixar
de
controlar.
A
dependência
das
disponibilidades
financeiras
e,
consequentemente
do
desenvolvimento
da
situação
económica
que
um
dado
Estado
experimenta,
aponta
tendencialmente
para
a
abertura
e
flexibilização
dos
conteúdos
dos
direitos
sociais
no
plano
constitucional.
Merece
outra
objecção
relativa
à
indeterminabilidade,
na
medida
em
que
se
é
certo
que
os
direitos
sociais
têm
um
conteúdo
constitucional
indeterminado,
sofre
da
mesma
debilidade
a
generalidade
dos
direitos
fundamentais,
incluindo
os
tradicionais
direitos
de
liberdade.
Assim,
tal
como
o
legislador
e
o
juiz
devem
concretizar
normativamente
o
conteúdo
preciso
dos
direitos
de
liberdade
que
apenas
de
forma
genérica
estão
positivados,
nada
distinto
seria
exigido
ao
legislador
e
ao
juiz
no
domínio
dos
direitos
sociais.
Aquilo
que
está
em
causa
é
o
próprio
conteúdo
do
direito.
Nos
direitos
sociais,
a
norma
impõe
ao
Estado
um
dever
de
prestação
cuja
realização
por
se
encontrar
dependente
de
pressupostos
materiais,
não
se
encontra
na
inteira
disponibilidade
do
Estado,
e
por
esse
facto,
ou
seja,
pelo
essencial
condicionamento
material
da
prestação,
a
norma
constitucional
não
pode
desde
logo
garantir,
na
esfera
jurídica
do
particular,
uma
quantidade
juridicamente
determinável
de
acesso
ao
bem
protegido.
Pode
acontecer
que
faculdades
ou
pretensões
particulares
de
direitos
fundamentais
de
liberdade,
estejam
sujeitos
a
uma
reserva
do
politicamente
oportuno
ou
do
politicamente
adequado,
no
sentido
de
as
decisões
de
quando,
como
e
quanto
incumbam
a
uma
decisão
essencialmente
política
dos
órgãos
do
Estado,
e
pode
acontecer
que
esses
deveres
exijam
prestações,
apoios,
criação
de
serviços.
Nessas
circunstâncias,
coloca-‐se
também
a
questão
da
relativa
indeterminabilidade
dos
deveres
constitucionalmente
impostos
ao
Estado,
e
consequentemente,
atenua-‐se
a
densidade
do
respectivo
controlo
judicial.
Em
qualquer
dos
casos,
nos
DLG,
ao
contrário
dos
direitos
sociais,
os
deveres
que
incumbem
ao
Estado
são
de
satisfação
imediatamente
exigível,
por
força
da
consagração
constitucional
do
direito.
Já
quanto
aos
direitos
sociais,
o
seu
conteúdo,
no
geral,
não
é
constitucionalmente
determinado/determinável,
e
nesse
sentido,
os
direitos
sociais,
não
são
directamente
aplicáveis
por
invocação
47
do
seu
titular
a
partir
da
norma
constitucional,
na
medida
em
que
carecem
de
concretização
ordinária.
Assim
por
força
da
sua
natureza,
existe
qualitativamente
uma
diferença
entre
direitos
sociais
e
direitos
de
liberdade
no
âmbito
da
determinabilidade.
No
fundo,
a
diferença
de
determinabilidade
entre
os
dois
tipos
de
direitos
está
associada
às
diferentes
reservas:
reserva
geral
imanente
de
ponderação
e
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
e,
no
caso
de
dever
estatal
de
promoção,
reserva
do
financeiramente
possível.
Mas
é
esta
a
diferença
que
permite
afirmar
a
inferioridade
dos
direitos
sociais?
Não.
É
verdade
que
os
direitos
sociais
são
indeterminados,
mas
essa
indeterminabilidade
advém
do
facto
de
os
direitos
sociais
serem
direitos
sob
a
reserva
do
possível,
o
que
carece
de
realização
do
direito
social
por
parte
do
legislador,
mas
isso
significa
também
que
a
indeterminação
do
conteúdo
é
superável
através
da
actuação
do
legislador
ordinário.
A
partir
do
momento
em
que
o
legislador
ordinário
fixa
o
conteúdo
do
direito
exigível,
o
direito
social
adquire
na
ordem
jurídica
um
grau
pleno
de
densidade,
até
bastante
superior
ao
que
apresenta
a
generalidade
dos
direitos
de
liberdade.
É
que
os
DLG
por
estarem
sujeitos
à
reserva
imanente
de
ponderação
com
os
bens
que
apresentem,
estão
sujeitos
permanentemente
susceptíveis
de
ceder
em
função
da
necessidade
de
realização
doutros
bens.
Assim
para
nós,
os
direitos
sociais
são
direitos
fundamentais,
de
conteúdo
em
grande
medida
indeterminado
no
plano
constitucional,
mas
determinável
através
de
actuação
do
legislador
ordinário.
Contradizem
autores,
referindo
que
à
falta
de
determinabilidade,
os
direitos
sociais,
não
seriam
na
Constituição,
subjectivizáveis.
Essas
características
só
as
adquiriram
através
de
uma
intervenção
do
legislador
ordinário,
mas
então,
não
seriam
já
direitos
constitucionais
porque
relevavam
apenas
no
plano
infraconstitucional.
Uma
tal
concepção
é
desajustada
do
mundo
dos
direitos
fundamentais,
não
tendo
em
conta
que
a
natureza
principal
da
maior
parte
das
normas
constitucionais
de
direitos
fundamentais,
não
só
admite,
como
exige
a
respectiva
abertura
à
integração
dinâmica
com
as
normas
ordinárias
que
procedem
à
acomodação
efectiva
dos
direitos
fundamentais
na
vida
jurídica
real.
Ou
seja,
em
grande
medida,
todos
os
direitos
fundamentais,
liberdade
ou
sociais,
estão
48
dependentes
de
alguma
conformação
legal,
sem
a
qual
têm
uma
efectividade
muito
mais
débil.
Os
direitos
fundamentais
dos
particulares
são
o
resultado
jurídico
integrado
e
indissociável
que
resulta
dos
enunciados
constitucionais
e
ordinários
que
compõem
conjuntamente,
ainda
que
numa
relação
de
supra
infra-‐
ordenação,
a
norma
de
direito
fundamental.
8.
Os
direitos
sociais
e
a
jurisprudência
constitucional
da
crise
Para
a
CRP
os
direitos
sociais
são
direitos
fundamentais.
Para
a
doutrina
constitucional
tradicional
portuguesa,
não.
A
posição
da
Conselheira
Maria
Lúcia
Amaral
é
a
ideia
da
doutrina
tradicional
portuguesa
e
jurisprudência
do
TC.
O
facto
de
a
CRP
qualificar
os
direitos
sociais
como
direitos
fundamentais
é
um
dado
reconhecido
e
que
não
foi
posto
em
causa.
No
entanto,
para
esta
posição,
os
direitos
sociais
seriam
direitos
fundamentais
mas
seriam
direitos
fundamentais
de
um
tipo
especial,
particular
não
resistentes
à
lei.
O
que
significa
isso
em
termos
práticos?
Parece
que
num
caso
a
lei
pode
limitar
os
direitos
restringindo-‐os,
mas
para
o
fazer
o
legislador
tem
que
invocar
um
motivo
forte
e
o
TC
controla
os
objectivos,
justificações,
medida
alcance
e
forma
da
actuação
do
legislador.
Noutro
caso,
dos
direitos
sociais,
eles
não
resistiriam
à
lei
e
portanto
nem
sequer
à
intervenção
do
legislador
e
portanto
o
TC
não
tem
que
controlar
de
forma
rigorosa
a
constitucionalidade
de
lei
restritiva,
limitar-‐se-‐ia
a
um
controlo
de
evidência.
É
verdade
que
nem
todos
os
críticos
acompanham
nestes
termos
da
Conselheira
do
TC
sobre
os
direitos
sociais,
mas
as
propostas
no
fundo
convergem.
O
problema
que
se
coloca
agora
é
o
de
saber
se
esta
concepção
tem
algum
apoio
na
CRP,
se
se
sustenta
em
teoria
constitucional
sólida
ou
se
é
mero
reflexo
de
uma
posição
política
ou
ideológica
de
reserva.
Em
nosso
ver,
estas
posições
são
indefensáveis
relativamente
à
CRP,
à
luz
da
teoria
da
Constituição,
à
luz
dos
princípios
próprios
de
Estado
de
Direito
com
a
Constituição
em
sentido
formal.
Porquê?
49
Porque
quando
há
CRP
em
sentido
formal,
isto
é,
Constituição
que
se
distingue
da
lei
comum
e
a
que
se
reconhece
valor
material
e
força
formal
superiores,
então
as
normas
constitucionais
todas
elas
prevalecem
sobre
a
lei,
são
resistentes
ao
legislador.
Logo,
os
direitos
sociais
protegidos
por
essas
normas
constitucionais
são
resistentes
ao
legislador.
Isto
não
significa
dizer
que
um
direito
social,
como
qualquer
outro
direito
fundamental,
não
possa
ser
restringido.
Pode,
dependendo
da
justificação
invocada
que
estará
sob
o
controlo
do
TC.
É
sobretudo
o
TC
que
controla
a
observância
da
constitucionalidade
da
restrição,
não
segundo
um
controlo
de
evidência
mas
com
intensidade,
exigência
e
rigor
próprios
do
controlo
das
restrições
dos
direitos
fundamentais.
Que
sentido
faria
não
reservar
essa
intensidade
máxima
de
controlo
para
a
protecção
dos
bens
que
a
própria
CRP
qualifica
de
fundamentais?
Nenhum.
É
simplesmente
contraditório
defender
que
um
direito
é
um
direito
fundamental
e
simultaneamente
sustentar
que
uma
sua
lesão
séria
e
significativa
actuada
pelo
legislador
deve
ser
sujeita
a
um
mero
controlo
de
evidência.
Há
com
efeito
Constituições
que
não
reconhecem
os
direitos
sociais
ou
não
os
reconhecem
na
qualidade
de
direitos
fundamentais,
por
exemplo
EUA,
Constituição
Alemã.
Qual
é
o
argumento
afinal
principal
em
que
se
baseiam
uma
posição
tão
singular?
A
referida
indeterminação
dos
direitos
sociais,
do
seu
pretenso
conteúdo
indeterminado
e
indeterminável
no
plano
constitucional.
Os
direitos
sociais
estão
na
CRP,
mas
como
dependem
de
disponibilidade
financeira
do
Estado,
a
própria
CRP
não
identifica
o
seu
conteúdo
concreto.
É
a
lei
que
vai
fixar
o
seu
conteúdo.
Mas
se
a
lei
fixa
também
pode
alterar
-‐
isso
significa
que
os
direitos
sociais
não
são
resistentes
à
lei.
Se
quem
manda
nos
direitos
sociais
é
o
legislador,
então
estes
direitos
não
podem
ser
simultaneamente
qualificados
de
direitos
fundamentais.
Os
direitos
sociais
ou
são
uma
coisa
ou
são
outra:
se
estão
na
disponibilidade
do
legislador
não
são
direito
fundamentais,
se
são
direitos
fundamentais
o
legislador
fica
vinculado
por
eles.
Portanto,
ou
a
CRP
não
devia
ter
elevado
os
direitos
sociais
à
categoria
de
direitos
fundamentais,
ou
os
críticos
não
deviam
propor
um
50
controlo
de
evidência
quando
o
TC
é
chamado
a
verificar
a
constitucionalidade
das
leis
que
os
restringem.
Mas
não
é
só
o
argumento
da
autoridade
(da
Constituição)
que
retira
plausibilidade
à
proposta
dos
críticos.
É
verdade
que
os
direitos
sociais
estão
sujeitos
a
uma
reserva
do
possível,
o
que
significa
que
a
sua
realização
está
dependente
das
disponibilidades
financeiras
do
Estado.
Enquanto
que
uns,
os
chamados
DLG
teriam
o
seu
conteúdo
determinado
no
nível
constitucional,
outros,
os
direitos
sociais
só
tinham
o
seu
conteúdo
determinado
pelo
próprio
legislador.
Todas
as
leis
infraconstitucionais,
não
são
normas
constante
da
CRP,
mas
são
normas
concretizadoras
de
um
direito
constitucional,
pelo
que
podemos
dizer
que
o
conteúdo
exacto
dum
direito
(tanto
de
liberdade
como
social)
decorre
do
conjunto,
do
complexo
formado
pelas
normas
da
Constituição
e
normas
legais,
exemplo:
casamento.
Todos
temos
direito
a
ter
opiniões
diferentes,
a
ser
preconceituosos,
a
alimentar
preconceitos
diferentes
mas
não
podemos
recusar
à
opção
que
a
Constituição
fez
um
valor
constitucional,
o
valor
de
uma
imposição
constitucional
que
os
tribunais
devem
seguir
independentemente
dos
preconceitos
pessoais.
Como
se
compreende
que
a
generalidade
dos
críticos
sustente
essa
posição?
A
nosso
ver
a
única
explicação
é
o
puro
preconceito
contra
os
direitos
sociais
e
contra
a
opção
feita
pela
CRP.
9.
Dogmática
unitária
no
tratamento
das
questões
de
direitos
fundamentais
e
necessidades
de
diferenciação
Natureza
constitucional
das
garantias
jusfundamentais
e
a
necessidade
de
uma
dogmática
de
direitos
fundamentais
unitária
e
abrangente.
Factores
de
diferenciação;
Diferente
natureza
dos
deveres
estatais
e
reservas
-‐
255
ss
dtos
sociais
51
Os
direitos
fundamentais
garantem
juridicamente
o
acesso
individual
a
bens
que,
pela
sua
importância
para
a
dignidade
da
pessoa
humana,
desenvolvimento
da
personalidade,
autonomia,
liberdade
e
bem-‐estar
das
pessoas,
a
CRP
entendeu
merecedores
de
protecção
máxima
forte
e
estável.
A
consagração
constitucional
dos
direitos
fundamentais
impõe
sempre
ao
Estado,
e
a
cada
um
dos
seus
poderes
constituídos,
deveres
de
subordinação
e
vinculação
jurídicas
de
que
resultam
para
os
particulares
correspondentes
pretensões
e
direitos
de
realização
cuja
consistência
pode,
tende
ou
aspira
a
traduzir-‐se
na
titularidade
de
direitos
subjectivos
públicos,
ou
seja,
direitos
a
exigir
judicialmente,
no
interesse
dos
próprios,
o
cumprimento
dos
respectivos
deveres
estatais.
O
Estado
social
não
se
basta
com
a
garantia
e
protecção
da
liberdade
e
da
propriedade
dos
cidadãos
que
possuíam
recursos
para
procurar
as
condições
de
uma
existência
digna,
mas
assume-‐se
como
provedor
de
todas
as
pessoas
sob
a
sua
jurisdição
seriam
incapazes
de
aceder
àquelas
condições
mínimas
de
existência,
e
consequentemente,
de
gozo
da
liberdade.
Para
tanto,
o
Estado
social
preocupa-‐se
activamente
com
as
condições
fácticas
da
liberdade
e
da
autonomia,
com
a
equalização
das
condições
de
participação,
assume
tarefas
de
redistribuição
da
riqueza,
de
prestação
generalizada
de
serviços
públicos
essenciais.
O
surgimento
dos
direitos
sociais
nas
Constituições
sinaliza
o
advento
do
novo
tipo
histórico
de
Estado,
e
uma
mudança
global
nas
concepções
que
se
reflecte,
no
plano
dos
direitos
fundamentais,
por
uma
reconfiguração
do
entendimento,
natureza
e
abrangência
dos
deveres
estatais
correlativos.
a)
Dever
estatal
de
respeito
dos
direitos
fundamentais
O
dever
de
respeitar
continua
a
traduzir-‐se
essencialmente
num
dever
de
abstenção,
de
não
interferência
nas
esferas
de
autonomia,
de
liberdade
e
de
bem-‐
estar
dos
particulares
garantidas
pelos
direitos
fundamentais.
Concebem-‐se
no
entanto
novos
direitos
fundamentais
cuja
complexidade
e
natureza
exigem
também
alguma
actuação
positiva.
Esta
complexificação
do
dever
estatal
de
respeito
se
traduz
na
manutenção,
como
dimensão
determinante,
do
dever
de
abstenção
do
Estado,
52
mas
combinado
com
deveres
de
actuação
positiva,
dando
origem
da
parte
do
particular,
à
existência
de
direitos
negativos,
mas
também
de
direitos
positivos,
ambos
orientados
à
exigência
simples
e
respeito
do
seu
direito
fundamental.
O
dever
estatal
de
respeito,
inclusive
na
sua
dimensão
principal
de
dever
de
abstenção,
tanto
se
aplica
aos
tradicionais
direitos
de
liberdade,
como
a
qualquer
direito
fundamental,
incluindo
os
direitos
sociais,
à
medida
que
eles
foram
integrando
o
elenco
constitucional
dos
direitos
fundamentais.
Também
relativamente
aos
direitos
sociais,
o
Estado
tem
uma
obrigação
de
respeitar
o
acesso
individual
aos
bens
protegidos,
uma
obrigação
de
não
interferir
com
esse
acesso,
de
não
o
afectar
negativamente.
b)
Dever
estatal
de
protecção
dos
direitos
fundamentais
Este
dever
deixa
de
estar
focado
na
estrita
protecção
e
segurança
da
propriedade
privada
e
da
liberdade
negativa
individual,
para
se
alargar
a
todos
os
direitos
fundamentais.
Todos
eles,
sejam
DLG
ou
sociais,
o
Estado
está
obrigado
a
proteger,
desde
logo
porque
fica
obrigado
à
protecção
geral
da
vida,
segurança,
bem-‐estar,
liberdade
e
propriedade
dos
particulares.
Em
Estado
social,
o
dever
de
protecção
não
significa
apenas
proteger
contra
as
ameaças
ou
agressões
de
outros
particulares,
dirige-‐se
também
contra
contingências
ou
eventualidades
naturais,
catástrofes,
que
ameacem
ou
afectem
o
acesso
individual
aos
bens
jusfundamentalmente
protegidos.
Numa
visão
mais
paternalista
e
discutível,
o
dever
de
protecção
respeita,
inclusivamente
a
protecção
contra
si
mesmo,
no
sentido
de
que,
para
garantir
o
acesso
individual
actual
ou
futuro
aos
bens
jusfundamentalmente
protegidos,
o
Estado
se
sente
obrigado
a
proteger
o
indivíduo
das
decisões
e
opções
que
o
próprio
indivíduo
assume
livre
e
conscientemente.
Estes
deveres
de
protecção
são
essencialmente
realizados
através
de
actuações
positivas,
normativas
ou
fácticas,
orientadas
à
protecção
efectiva
dos
bens
jusfundamentais.
Uma
vez
garantido/protegido,
ele
fica
naturalmente
sujeito
a
potenciais
variações,
num
sentido
vantajoso
ou
desvantajoso,
do
ponto
de
vista
do
acesso
individual
nos
bens
protegidos.
53
A
existência
de
um
certo
nível
de
protecção
desencadeia
simultaneamente
uma
pretensão
ou
direito
dos
particulares
interessados
em
não
ver
diminuída
a
protecção
já
existente.
O
dever
de
protecção
realiza-‐se
essencialmente
através
de
actuações
positivas,
mas
inclui
também
deveres
de
abstenção,
de
não
afectação
negativa,
projectando-‐se
na
perspectiva
dos
particulares,
em
direitos
positivos
de
protecção
mas
também
em
direitos
negativos.
c)
Dever
estatal
de
promoção
dos
direitos
fundamentais
O
Estado
deixa
de
ser
visto
como
agente
neutro,
separado
da
sociedade
civil,
que
apenas
respeita
e
garante
a
segurança
das
livres
trocas
individuais
para
passar
a
ser
visto
como
Estado
social,
um
Estado
preocupado
com
as
desigualdades
de
facto
que
distorciam
e
anulavam
as
condições
de
livre
desenvolvimento
das
autonomias
individuais.
Neste
sentido,
para
além
de
respeitar
o
acesso
individual
aos
bens,
para
além
de
proteger,
o
Estado
passa
agora
também
a
ser
obrigado
a
promover
esse
acesso,
a
ajudar
sobretudo
aqueles
que
por
si
sós,
não
dispõem
de
condições
para
um
acesso
igualitário
e
efectivo
a
tais
bens.
Este
dever
de
promoção
do
acesso
é
sobretudo
considerado
no
âmbito
da
garantia
dos
direitos
sociais.
Assim,
a
dimensão
principal
destes
direitos
é
justamente
associada
ao
dever
estatal
de
prestações
fácticas
de
promoção
de
acesso
a
bens
sociais.
No
entanto,
o
dever
de
promoção
é
aplicável
a
todos
os
direitos
fundamentais,
de
acordo
com
o
postulado
segundo
o
qual
o
Estado
social
se
deve
preocupar
com
as
questões
de
efectividade
da
igualdade
real,
fáctica,
com
as
condições
de
efectivo
acesso
aos
bens
jusfundamentalmente
protegidos,
e
não
apenas
com
a
sua
mera
garantia
jurídico-‐formal.
Também
o
dever
de
promoção
se
realiza
através
de
actuações
positivas
e
de
abstenções
estaduais,
reflectindo-‐se
na
perspectiva
dos
particulares,
tanto
em
direitos
positivos
como
em
direitos
negativos
à
promoção
estatal
de
acesso
a
bens
jusfundamentais.
54
Encontramos
direitos,
positivos
ou
negativos,
cuja
realização
envolve
custos
financeiros
directos
e
depende
portanto
da
disponibilidade
do
Estado
e
das
correspondentes
decisões
políticas
de
alocação
dos
recursos
disponíveis.
A
partir
do
momento
em
que
a
CRP
consagra
determinado
direito,
dever
ou
obrigação
como
fundamental,
ele
impõe-‐se
à
observância
dos
poderes
constituídos.
Então,
a
vinculatividade
da
respectiva
observância
não
dependerá
do
tipo
em
que
for
classificado
e
integrado,
mas
apenas
da
força
jurídica
diferenciada
que
a
CRP
lhe
atribuir,
da
natureza
material
e
estrutural
do
dever.
O
erro
da
doutrina
tradicional
foi
ter-‐se
centrado
numa
distinção
classificatória
-‐
direito
social
e
direito
de
liberdade
-‐
como
critério
de
diferenciação,
não
atendendo
àquilo
que,
de
facto
e
de
direito,
distingue
a
aplicabilidade
dos
direitos
fundamentais.
Aquela
classificação
só
faz
sentido
quando
concebemos
os
direitos
como
um
todo.
A
CRP
em
geral
só
pode
fazer
uma
classificação
baseada
nos
direitos
fundamentais
considerados
como
um
todo.
Mesmo
que
a
classificação
constitucional
fosse
decisiva,
que
não
é,
ela
não
seria
necessariamente
operativa
nos
casos
concretos
onde
aquilo
que
há
para
decidir
nunca
é
o
direito
como
um
todo,
mas
um
seu
aspecto
parcelar
e
individualizável.
A
própria
classificação
constitucional
é
artificialmente
construída
em
função
das
vicissitudes
próprias
da
aprovação
dos
textos
constitucionais
em
Estado
de
Direito
democrático.
Todavia,
a
doutrina
tradicional
insiste
na
tentativa
de
retirar
consequências
dogmáticas
de
uma
distinção
classificatória.
Não
há
que
fazer
diferenciações
dogmáticas
onde
tal
não
seja
necessário,
não
há
que
descobrir
ou
inventar
regimes
próprios
e
específicos
para
cada
tipo
de
direitos
fundamentais,
a
não
ser
que
se
demonstre
que
uma
dogmática
unitária
abrangente
não
é
possível.
Em
nosso
entender,
tudo
aquilo
que
é
dogmaticamente
aplicável
aos
direitos
de
liberdade
é
exactamente
aplicável
na
mesma
medida
às
correspondentes
modalidades
e
dimensões
dos
direitos
sociais.
Porém
tal
não
significa
que
não
haja
lugar
a
distinguir
no
mundo
dos
direitos
fundamentais.
Se
quisermos
forjar
uma
sistematização
simplificada,
há
três
grandes
diferenças
no
mundo
dos
direitos
fundamentais:
(1)
opção
normativa
do
legislador
constituinte,
(2)
natureza
do
dever
estatal
correlativo,
55
conforme
está
associado
ao
respeito,
protecção
ou
promoção
do
direito
fundamental
e
(3)
à
estrutura
negativa
ou
positiva
do
direito
fundamental.
(1)
Natureza
prima
facie
ou
natureza
definitiva
da
norma
constitucional
de
garantia
Em
primeiro
lugar,
há
que
relevar
a
opção
do
legislador.
Qual
a
natureza
e
força
vinculativa
da
norma
de
direito
fundamental,
seja
ela
atinente
a
direito
de
liberdade
ou
direito
social.
Trata-‐se
de
regra,
de
decisão
definitiva,
de
comando
absoluto,
de
conteúdo
plenamente
determinável
ou
trata-‐se
de
princípio,
de
decisão
prima
facie,
de
comando
relativamente
indeterminado
ou
de
aplicação
sujeita
a
mecanismos
de
conformação
ou
de
ponderação
concretizadores?
A
dogmática
não
deve
ignorar
estas
diferenças.
Se
a
norma
constitucional
contém
um
comando
normativo
preciso,
materialmente
determinado,
então
a
vinculatividade
jurídica
que
resulta
da
norma
constitucional
é
plena,
a
norma
é
directamente
aplicável
e
o
controlo
judicial
sobre
a
respectiva
aplicação
é
total.
Se
o
enunciado
normativo
não
for
suficientemente
denso,
então
depende
de
ponderações
de
caso
concreto
orientadas
por
prévias
decisões
do
legislador
ordinário,
sujeitas
a
um
controlo
judicial
mais
atenuado.
(2)
Natureza
do
dever
estatal
associado
ao
direito
fundamental
e
diferenciação
das
reservas
que
o
afectam
A
diferente
natureza
dos
deveres
estatais
correlativos
dos
direitos
fundamentais
assume
uma
importância
vital.
A
margem
de
que
o
juiz
dispõe
naquelas
diferentes
exigências
de
garantia
do
direito
varia
significativamente
devido
à
diferente
natureza
do
dever
estatal
que
está
em
causa
em
cada
uma
das
situações.
Quando
está
em
causa
um
dever
de
respeitar
por
parte
do
Estado,
tudo
o
que
se
pede
aos
poderes
públicos
é
que
não
invadam
a
área
de
autonomia
individual.
No
entanto,
o
Estado
pode
ver-‐se
obrigado
a
afectar
negativamente,
do
ponto
de
vista
do
titular
do
direito,
esse
espaço
se
necessitar
de
tal
para
garantir,
proteger
ou
promover
outro
direito
igualmente
digno.
Essa
possibilidade
de
restrição
legítima
dos
direitos
fundamentais
existe,
não
por
escolha
do
julgador
mas
porque
tal
corresponde
à
própria
natureza
dos
56
direitos
fundamentais
em
Estado
de
Direito:
a
não
ser
nos
casos,
excepcionais,
em
que
a
Constituição
fixe
a
respectiva
garantia
com
um
carácter
definitivo,
absoluto,
imponderável,
todos
os
direitos
fundamentais
são
direitos
sujeitos
a
uma
reserva
geral
imanente
de
ponderação
que
pode
conduzir
à
legitimação
de
uma
restrição
no
caso
concreto.
Uma
vez
que
se
trata
de
garantias
jurídicas
fundamentais
e
que
se
considera
estar
o
conteúdo
do
respectivo
dever
estatal
de
respeito
suficientemente
determinado
na
norma
jusfundamental,
daí
decorre
a
atribuição
ao
poder
judicial,
designadamente
à
justiça
constitucional,
de
uma
margem
plena
de
controlo
de
constitucionalidade
da
restrição
em
causa,
seja
de
controlo
sobre
a
própria
decisão
de
prevalência
eventual
do
outro
bem,
seja
sobre
a
verificação
da
medida
em
que
a
correspondente
e
consequente
restrição
do
direito
fundamental
observou
ou
não
os
chamados
limites
aos
limites.
Por
vezes,
a
própria
CRP
autoriza
expressamente
os
poderes
constituídos
a
restringir
o
direito
fundamental
em
causa.
Nessa
altura,
assente
uma
tal
autorização
constitucional,
o
poder
judicial
fica
dispensado
da
primeira
instância
de
controlo:
não
será
necessário
verificar
se
o
bem
ou
interesse
prosseguido
com
a
restrição
deve
ou
não
prevalecer
sobre
o
direito
fundamental
afectado.
Já
na
maior
parte
dos
casos,
a
CRP
não
decidiu
nem
tomou
previamente
posição
acerca
da
prevalência
relativa
de
bens
no
caso
concreto,
logo,
não
autorizou
prévia
e
expressamente
a
restrição.
Ora
é
precisamente
nessas
circunstâncias
que
faz
pleno
sentido
a
activação
da
reserva
geral
imanente
de
ponderação.
Resta
a
ideia
de
que
o
poder
judicial,
não
é
a
instância
mais
adequada,
num
Estado
de
Direito
democrático
para
se
embrenhar
nessas
situações.
Para
além
disso,
os
órgãos
políticos
têm
uma
competência
própria
que
lhes
advém
da
legitimidade
da
escolha
popular
democraticamente
feita,
para
a
tomada
de
decisões
políticas
deste
tipo.
Assim,
não
é
apenas
um
problema
de
adequação
formal
mas
associado
um
problema
de
separação
de
poderes.
Neste
sentido,
os
direitos
a
protecção
ou
o
cumprimento
dos
correlativos
deveres
estaduais
de
protecção
estão
sujeitos
a
uma
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno,
que
confere
aos
órgãos
do
poder
político
uma
prerrogativa
de
avaliação
só
controlável
pelo
poder
judicial
quando
há
lesão
do
57
direito
fundamental
protegido
ou
insuficientemente
protegido
por
facto
de
o
poder
público
em
omissão
ter
violado
o
princípio
da
proibição
do
défice.
Por
último,
há
que
atender
à
especificidade
que
o
terceiro
tipo
de
deveres
estatais,
os
de
promoção.
Os
deveres
estatais
de
promoção
que
constituem
a
dimensão
principal
dos
direitos
sociais
mas
também
se
aplicam
aos
direitos
de
liberdade,
estão
sujeitos
a
uma
nova
reserva.
É
que
os
deveres
de
promoção
traduzem
quase
sempre
na
necessidade
de
prestações
fácticas
que
representam
um
custo
financeiro
significativo
e
por
isso,
para
além
da
reserva
imanente
de
ponderação
e
da
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
-‐
aplicáveis,
se
e
quando
for
o
caso,
aos
deveres
de
promoção
-‐
a
estes
aplica-‐se
ainda
a
chamada
reserva
do
financeiramente
possível.
A
reserva
do
financeiramente
possível
é
um
condicionamento
real,
objectivo.
A
dificuldade
financeira
remete-‐nos
para
uma
questão
de
competência
de
decisão
de
alocação
dos
recursos
financeiros.
Não
é
ao
poder
judicial,
mas
ao
legislador
que
compete
a
correspondente
competência,
decisões
políticas
que
venham
justificadas
com
base
nessa
competência
de
decisão,
são
naturalmente
objecto
de
possibilidade
de
controlo
judicial,
muita
mais
débeis.
Assim,
o
poder
judicial
tem
a
possibilidade
e
a
obrigação
de
decidir
os
problemas
de
direitos
fundamentais,
mas
não
pode
usurpar
a
competência
parlamentar
para
aprovar
o
orçamento,
para
definir
politicamente
a
distribuição
e
alocação
dos
recursos
escassos.
(3)
Direito
negativo
ou
direito
positivo
Uma
norma
constitucional
pode
ter
a
natureza
de
regra
ou
de
princípio,
independentemente
de
consagrar
um
direito
negativo
ou
um
direito
positivo
e
também
não
há
relação
de
necessidade
entre
o
tipo
de
dever
estatal
e
a
natureza
negativa
ou
positiva
do
direito.
Há
uma
tendência
geral
para
identificar
dever
estatal
de
respeito
com
dever
de
abstenção,
logo,
com
direitos
negativos,
e
de
identificar
deveres
de
protecção
e
promoção
com
deveres
de
prestar
no
sentido
de
deveres
correlativos
de
direitos
positivos.
58
Normalmente
faz-‐se
uma
identificação
dos
deveres
de
protecção
e
dos
deveres
de
promoção
com
direitos
positivos
no
sentido
de
que
tais
deveres
se
consumariam
através
de
actuações
ou
prestações
positivas
do
Estado,
normativas
ou
fácticas.
Tal
identificação
não
é
rigorosa
já
que
tanto
um
dever
quanto
outro
se
realizam
também
através
de
acções
negativas.
Sempre
que
o
Estado
satisfaz
um
direito
positivo
à
protecção
ou
à
promoção
de
acesso
individual
ao
bem
jusfundamental,
surge
automaticamente
um
imediato
e
correspondente
direito
negativo
a
que
o
Estado
não
ponha
em
causa,
não
afecte
negativamente,
não
restrinja
as
medidas
de
protecção
ou
de
promoção
entretanto
realizadas.
Os
poderes
públicos,
podem
pretender,
por
diferente
posição
sobre
a
escolha
política
que
consideram
mais
adequada,
optar
por
uma
diversa
forma
de
garantia
dos
referidos
deveres.
Tão
importante
se
revela
a
dimensão
positiva
quanto
a
dimensão
negativa
destes
deveres
de
proteger
e
de
prestar,
como
dos
correspondentes
direitos
a
protecção
ou
a
prestação.
Quer
o
dever
de
respeitar
quer
o
dever
de
proteger
ou
promover
se
realizam
tanto
em
associação
e
na
satisfação
de
direitos
positivos
quanto
de
direitos
negativos
dos
particulares.
Cada
um
daqueles
deveres
estatais
tem
reservas
próprias
que
condicionam
as
respectivas
margens
de
decisão
e
de
controlo
dos
poderes
políticos
e
do
poder
judicial.
Se
identificamos
cada
um
daqueles
deveres,
com
dimensão
negativa
e
com
dimensão
positiva
então
estamos
a
transpor
também
cada
uma
daquelas
reservas
(ponderação,
politicamente
adequado
ou
oportuno
e
financeiramente
possível)
para
os
direitos
negativos
e
para
os
direitos
positivos.
Nessa
visão,
os
direitos
negativos
seriam
afectados
por
uma
reserva
de
ponderação
e
os
direitos
positivos
pelas
reservas
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
e
do
financeiramente
possível.
Da
nossa
parte,
há
uma
recusa
de
atribuição
de
um
carácter
decisivo
à
distinção
entre
direitos
sociais/liberdades,
e
reconhecendo
na
contraposição
direitos
negativos/positivos
factores
que
determinam
uma
diferenciação
significativa
da
dogmática.
As
diferentes
reservas
que
atrás
distinguimos
e
que
são
determinantes
porque
são
elas
que
marcam
e
definem
as
margens
correspondentes
de
59
legislador
e
juiz,
têm
que
ver
com
a
natureza
específica
e
própria
de
cada
um
daqueles
deveres
estatais.
O
regime
jurídico
deve
ser
exactamente
o
mesmo
quer
o
direito
seja
positivo
ou
negativo.
Para
efeitos
de
activação
de
reservas
que
condicionam
a
realização
efectiva
dos
direitos
fundamentais,
o
importante
não
é
a
natureza
positiva
ou
negativa
do
direito
em
causa
mas
a
natureza
do
dever
estatal
mobilizável
na
situação
em
apreciação.
Um
terceiro
plano:
o
da
estrutura
do
direito
ou
dever
que
se
retiram
da
norma
constitucional:
trata-‐se
de
direito
negativo
ou
direito
positivo,
dever
estatal
de
facere
ou
non
facere?
A
diferença
só
não
será
relevante
se
o
comando
constitucional
for
definido,
absoluto
ou
se
pudermos
deduzir
imediatamente
da
norma
constitucional
a
acção
ou
atitude
concreta
a
que
o
Estado
seja
precisamente
obrigado.
Se
o
direito
concretamente
consagrado
na
norma
constitucional
é
um
direito
definitivo,
como
regra,
então
qualquer
tipo
de
não
realização
do
comando
constitucional
deve
ser
dogmaticamente
configurado
como
violação
de
direito
fundamental.
Quando
da
norma
constitucional
pudermos
deduzir
imediatamente
obrigações
estatais
precisas,
ainda
que
com
carácter
não
definitivo
ou
absoluto,
então
o
não
cumprimento
de
tais
obrigações
deve
ser
dogmaticamente
configurado
como:
afectação
ou
restrição
de
direito
fundamental,
legítima
ou
ilegítima
consoante
a
justificação
que
os
poderes
públicos
puderem
apresentar
e
consoante
a
conformidade
da
restrição
aos
parâmetros
constitucionais
aplicáveis.
Quando
não
existe
tal
grau
de
indeterminabilidade
de
conteúdo,
então
há
uma
diferença
sensível
entre
direitos
negativos
e
direitos
positivos:
• Se
o
direito
é
negativo,
se
o
dever
correlativo
é
um
dever
de
abstenção,
então,
caso
haja
intervenção
estatal
e
dela
resulte
afectação
negativa
do
acesso
ao
bem
jusfundamentalmente
protegido,
a
intervenção
pode
ser
restrição
a
direito
fundamental
ou
intervenção
restritiva.
60
(Isto
não
significa
claro
que
tal
restrição
seja
imediatamente
identificável
como
violação
do
direito
fundamental.
Haverá
que
fazer
o
controlo
da
respectiva
constitucionalidade
para
concluir
da
legitimidade
ou
ilegitimidade
da
restrição.
Verificada
a
existência
de
uma
restrição,
há
que
apurar
em
primeiro
lugar,
da
autorização
expressa
ou
da
justificação
constitucional
para
restringir
com
base
no
que
temos
designado
pela
reserva
geral
imanente
de
ponderação.
Depois,
eventualmente
passado
o
primeiro
teste,
verificar
se
a
restrição
observou
os
chamados
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais,
designadamente
a
proibição
do
excesso.)
Este
é
o
factor
de
diferenciação
explicado
em
função
de
diferente
natureza
dos
deveres
estatais
em
presença
no
caso
dos
deveres
de
protecção
e
promoção.
que
é
potencialmente
activável
uma
reserva
o
politicamente
adequado
ou
oportuno
a
que
acresce
eventualmente
a
reserva
do
financeiramente
possível.
Nessa
altura,
a
restrição
do
direito
fundamental
actuada
por
acção
do
poder
público
pode
ter
uma
justificação
e
beneficia
da
atenuação
de
densidade
de
controlo
judicial
que
decorre
da
activação
daquelas
reservas.
• Situação
diferente
é
quando
estamos
perante
um
caso
de
direito
positivo,
quando
se
requer
do
Estado
uma
actuação
positiva.
Pensamos
não
haver
lugar
para
um
enquadramento
dogmático
da
protecção
dos
direitos
positivos
à
luz
do
padrão
de
controlo
da
constitucionalidade
das
restrições
atrás
enunciado.
Na
generalidade
dos
direitos
positivos
associados
aos
deveres
estatais
de
protecção
e
de
promoção
e
nos
direitos
positivos
que
resultam
de
norma
constitucional
com
natureza
de
princípio,
não
é
facilmente
aplicável
o
padrão
de
controlo
típico
das
restrições
aos
direitos
fundamentais.
Em
primeiro
lugar,
não
é
possível
identificar
um
momento
do
surgimento
da
restrição
ou
delimitar
precisamente
o
objecto
que
deva
ser
sujeito
a
controlo.
Enquanto
que
nos
direitos
negativos
que
exigiam
uma
omissão
do
Estado,
se
há
uma
acção
desvantajosa
no
âmbito
da
protecção
ela
é
a
restrição,
ficando
aí
o
objecto
de
controlo
perfeitamente
identificável,
e
logo
susceptível
de
escrutínio
típico,
nos
direitos
positivos
não
é
assim.
61
Num
direito
positivo,
aquilo
que
se
exige
do
Estado
é
uma
acção,
uma
actuação
positiva
de
prossecução
de
algo.
Há
duas
situações
a
considerar.
No
primeiro
caso,
se
a
norma
está
suficientemente
determinada,
se
é
regra,
não
há
diferenças
a
assinalar
relativamente
ao
tipo
de
controlo
que
verificámos
existir
nos
direitos
negativos.
Porém,
essa
situação
é
excepcional.
Quando
o
comando
da
acção
não
está
suficientemente
determinado,
nunca
há
uma
única
acção
que
seja
devida.
Como
num
direito
positivo
é
sempre
possível
prestar
mais,
proteger
mais,
então
há
sempre
alguma
omissão,
a
possibilidade
de
uma
realização
optimizada
do
direito
encontra-‐se
sob
afectação
permanente,
a
restrição
não
surge,
não
pode
previamente
ser
identificada,
ela
vive
com
o
direito
desde
a
sua
origem
e
continuará
colada
a
ele
independentemente
do
grau
de
realização
entretanto
atingido.
Se
o
juiz
considera
a
restrição
ou
a
intervenção
restritiva
inconstitucional,
reconhece-‐se-‐lhe
uma
possibilidade
inatacável
à
luz
do
princípio
da
separação
de
poderes,
e
que
é
a
decisão
de
inaplicabilidade
ou
invalidade
constitucionais
das
omissões.
Já
carece
de
aptidão,
competência
e
legitimidade
para
impor
aos
poderes
públicos
a
realização
da
medida
considerada
adequada.
É
no
domínio
do
controlo
directo
da
constitucionalidade
da
omissão
de
medidas
destinadas
a
realizar
direitos
fundamentais
positivos
quando
nos
preocupamos
em
identificar
a
insuficiência
de
prestação.
Concluindo,
há
uma
diferença
sensível
e
inevitável
no
confronto
entre
direitos
negativos
e
direitos
positivos,
que
exige
um
tratamento
dogmático
diferenciado
para
cada
um
deles
e
que
resulta
num
controlo
judicial
mais
atenuado
e
complexo
no
caso
de
afectação
dos
direitos
positivos
quando
comparado
com
os
mecanismos
de
controlo
das
restrições
aos
direitos
negativos.
Essa
conclusão
deve
vir
acompanhada
dos
outros
dois
tópicos
de
diferenciação,
o
da
natureza
da
norma
constitucional
de
garantia
e
o
da
natureza
do
dever
estatal.
I.
Natureza
diferenciada
das
normas
de
direitos
fundamentais
e
dos
deveres
estatais
envolvidos
e
os
procedimentos
de
controlo
judicial
nos
casos
difíceis
-‐
87
ss
dtos
fund
e
justiça
constitucional.
62
Quando
o
legislador
constituinte
consagra
um
direito
fundamental,
com
um
elevado
grau
de
indeterminação
não
pode
prever,
enumerar
e
regular
exaustivamente
todas
as
incontáveis
e
hipotéticas
situações
da
vida
real
em
que
o
bem
protegido
pelo
direito
fundamental
pode
vir
a
ser
desvantajosamente
afectado.
Há
todavia
situações
em
que
a
CRP
garante
uma
faculdade,
garantia,
pretensão
ou
uma
faceta
particular
do
direito,
mas
já
a
título
definitivo,
absoluto.
Quando
o
legislador
constituinte
decide
tratar
especificamente
de
faculdades
parcelares,
garantias,
pretensões
ou
direitos
autonomizáveis,
aqui,
em
quaisquer
destas
situações,
o
legislador
ordinário,
tribunais
e
Administração
não
têm
mais
que
ponderar
ou
que
considerar
a
hipótese
de
limitações
a
um
direito
assim
tão
clara
e
definitivamente
regulado
no
plano
constitucional.
Independentemente
da
opinião
que
tenham
sobre
a
matéria,
parece
inequívoco
que
o
legislador
constituinte
quis
tomar
uma
decisão
definitiva,
absoluta,
sem
excepções
possíveis.
Perante
formulações
constitucionais
desde
outro
tipo,
qualquer
interpretação
jurídica
da
referida
norma
conclui
pacificamente
que,
uma
vez
que
o
legislador
constituinte
já
realizou
todas
as
ponderações
de
interesse,
bens,
valores
ou
princípios
invocáveis
e
fixou
normativamente
o
respectivo
resultado,
o
direito
em
causa
resultou
jurídico-‐constitucionalmente
garantido
em
termos
definitivos,
absolutos,
sem
possibilidade
de
cedência
posterior,
quaisquer
que
sejam
as
circunstâncias
do
caso
concreto.
Os
operadores
jurídicos
só
têm
que
aplicar
a
norma.
Podemos
concluir
que
os
direitos
fundamentais
assentes
em
normas
constitucionais
com
essa
natureza,
sendo
trunfos
como
quaisquer
outros,
são
ainda
trunfos
imbatíveis
cuja
invocação
e
aplicação
judicial
é
independente
do
peso
ou
da
premência
de
realização
de
qualquer
interesse
comunitário
ou
governamental,
que
se
lhe
oponha
e
dispensa
qualquer
ponderação
posterior
que
reponha
em
causa
os
juízos
de
ponderação
a
que
o
legislador
constituinte
já
procedeu
e
cujo
resultado
já
fixou.
Nessas
condições,
a
vontade
da
maioria
não
quebra
o
direito
fundamental,
o
que
significa
que
a
particular
garantia
jusfundamental
destacável
não
está
sujeita
a
reserva
de
ponderação.
63
Mas,
no
mundo
dos
direitos
fundamentais,
estas
normas
são
a
excepção.
Em
geral,
os
direitos
fundamentais
estão
sujeitos
a
uma
reserva
geral
imanente
de
ponderação,
pois
apesar
da
sua
consagração
constitucional,
podem
ter
que
ceder
perante
outros
bens
e
interesses
que
apresentam
no
caso
concreto
um
peso
que
força
a
limitação
do
direito
fundamental.
Ora
são
esses
os
casos
mais
complexos:
para
além
de
ser
necessário
determinar
qual
o
bem
em
colisão
que
merece
preferência
e
qual
o
que
deve
ceder
e
em
que
medida,
suscita-‐se
um
problema
de
competência
e
separação
de
poderes:
qual
o
ramo
de
poder
a
quem
cabe
arbitrar
o
conflito,
a
quem
cabe
a
última
palavra.
Estão
sempre
em
causa
direitos
fundamentais,
o
princípio
da
separação
de
poderes
é
sempre
aplicável,
mas
as
margens
respectivas
do
juiz,
legislador
e
administração
são
variáveis.
Aquilo
que
determina
a
variação
é
a
diferente
natureza
do
dever
estatal
envolvido.
Ora,
para
além
da
referida
reserva
geral
imanente
de
ponderação
que
afecta
todos
os
direitos
fundamentais,
cada
um
daqueles
deveres
pode
ainda
apresentar
reservas
específicas
cuja
ocorrência
condiciona
a
margem
correspondente
de
controlo
judicial.
Ora,
quando
se
trata
de
saber
a
quem
deve
caber
a
decisão
sobre
a
melhor
forma
ou
modalidade
de
proteger
o
direito,
deve-‐se
reconhecer
aos
órgãos
políticos
uma
certa
margem
onde
o
controlo
judicial
deve
ser
mais
condescendente.
Devemos
dizer
que
o
dever
estatal
em
causa
(protecção)
estão
sob
uma
reserva
do
politicamente
oportuno
ou
do
politicamente
adequado
que
enfraquece
a
intensidade
do
controlo
judicial,
na
medida
em
que
o
juiz
deva
reconhecer
ao
órgão
político
uma
margem
de
escolha
e
decisão
sobre
o
meio,
modalidade,
tempo
que
considere
mais
adequado
ou
oportunos
para
promover
a
devida
protecção.
Por
outro
lado,
quando
consideramos
o
dever
que
o
Estado
tem
de
promover
o
acesso
aos
bens
jusfundamentais,
esta
última
reserva
pode
ainda
ser
potenciada
por
uma
nova
reserva,
a
reserva
do
possível
ou
do
financeiramente
possível.
Se
para
além
da
margem
já
referida
de
escolha
e
opção
política
que
cabe
ao
Governo
na
questão
de
direitos
fundamentais,
estiver
envolvida
uma
opção
de
natureza
orçamental
relacionada
com
a
alocação
de
recursos
64
financeiros
disponíveis
numa
dada
comunidade,
também
aí
a
margem
de
controlo
resulta
diminuída,
dada
a
competência
orçamental
que
é
atribuída
às
assembleias
representativas.
Qualquer
que
seja
o
dever
estatal
envolvido,
a
margem
respectiva
de
juiz
e
órgãos
políticos
é
ainda
influenciada
consoante
o
concreto
dever
estatal
em
causa
apresente
natureza
positiva
ou
negativa.
É
que,
por
natureza,
o
controlo
judicial
de
um
acto
é
sempre
mais
intenso
que
o
controlo
de
um
não-‐acto.
O
controlo
judicial
é
o
mais
intenso
quando,
estando
em
causa
um
dever
estatal
de
respeitar
um
direito,
esse
dever
foi
eventualmente
inobservado
através
da
prática
de
um
acto
que
é
sujeito
a
controlo
e
é
o
menos
intenso
quando
estando
em
causa
um
dever
estatal
de
promoção
de
um
direito,
esse
dever
foi
eventualmente
incumprido
por
causa
da
omissão
estatal
cuja
inconstitucionalidade
é
sujeita
a
controlo.
II.
Delimitação
interpretativa
do
conteúdo
do
direito
Quando
se
procura
apurar
aquilo
que
está
protegido
ou
não
pela
garantia
jurídica
proporcionada
pelo
direito
fundamental,
deparamo-‐nos
quase
sempre
com
uma
relativa
indeterminação
do
preceito
constitucional.
Implica
sempre
uma
dada
concepção
de
liberdade
que
vem
associada
a
uma
certa
forma
de
conceber
o
relacionamento
entre
Estado
e
indivíduo
em
Estado
de
Direito.
O
princípio
da
dignidade
da
pessoas
humana
quando
entendido
como
a
ideia
de
pessoa
como
sujeito,
assente
na
recusa
de
tratamento
degradantes
do
indivíduo
como
meio
para
a
prossecução
de
fins
alheios,
há
uma
ideia
dominante
de
reconhecimento
da
autonomia
individual
que
se
reflecte
numa
concepção
de
liberdade
negativa
contra
a
interferência
estatal.
Não
seria
compatível
com
a
concepção
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos
o
recurso
ao
conceito
de
dignidade
contra
os
direitos,
enquanto
meio
inserido
numa
estratégia
de
conformação
heterónoma
e
restritiva
do
conteúdo
dos
direitos
e
de
imposição
ao
seu
titular
de
concepções
alheias
que
o
recuperassem
para
uma
estratégia
dirigida
contra
a
autonomia
individual.
65
Tal
corresponderia
no
sentido
contrário
à
importação
do
conceito
de
dignidade
da
pessoa
humana
para
o
mundo
do
Direito.
Por
isso,
corresponderia
a
uma
frustração
e
inversão
dessa
lógica
humanizante
transformar
a
dignidade
da
pessoa
humana
em
nova
abstracção
utilizada
e
instrumentalizada
a
bel-‐prazer
pela
maioria
política,
social
ou
religiosa
contra
os
concretos
direitos
fundamentais
das
pessoas
reais.
Assim
sem
prejuízo
de
uma
obrigação
estatal
de
definição
do
conteúdo
juridicamente
protegido
da
liberdade,
essa
definição
não
pode
deixar
de
relevar
a
autonomia
e
auto-‐compreensão
do
próprio
titular
sobre
o
sentido,
conteúdo
e
escolha
das
modalidades
de
exercício,
não-‐exercício
ou
até
renúncia
da
sua
liberdade.
Há
que
fazer
uma
opção
entre
uma
estratégia
que
procure
resolver
as
dificuldades
colocadas
pelas
limitações
dos
direitos
fundamentais
através
de
uma
delimitação
restritiva
desse
conteúdo
e
uma
estratégia
que
remete
para
as
fases
seguintes
o
essencial
dos
esforços
de
controlo
e
se
satisfaz
com
uma
delimitação
o
mais
ampla
possível
do
conteúdo
protegido
do
direito
fundamental.
A
primeira
estratégia,
a
restritiva,
só
considera
como
exercício
do
direito
fundamental
aquilo
que
é
consensual
e
indiscutivelmente
aceite
como
tal.
A
segunda
estratégia,
a
ampliativa,
só
exclui
da
consideração
como
exercício
de
direito
fundamental
aquilo
que
consensual
e
indiscutivelmente
deva
ser
excluído.
Para
a
primeira
estratégia
não
existirá
exercício
de
direito
fundamental,
pelo
que,
na
eventualidade
de
aplicação
de
uma
sanção,
os
afectados
não
poderão
invocar
uma
protecção
jusfundamental.
Já
para
a
segunda
estratégia,
a
ampliativa,
todas
estas
situações
são
considerada,
à
partida
como
exercício
de
direito
fundamental.
Quando
forem
sancionados
deve
ser
tido
em
consideração
que
ali
existia
também
o
exercício
de
um
direito
fundamental
e
tal
deve
entrar
na
ponderação
de
quem
decide
a
aplicação
da
sanção.
Em
nosso
ver,
o
objectivo
central
é
o
de
privilegiar
as
necessidades
de
controlo
de
constitucionalidade
das
restrições,
fazer
incidir
sobre
todas
as
actuações
estatais
que
afectam
negativamente
a
autonomia,
a
liberdade
e
o
bem-‐
66
estar
individuais,
um
escrutínio
judicial
efectivo,
então
adoptados
a
segunda
estratégia.
Só
deve
ser
excluído
da
consideração
como
exercício
de
direito
fundamental,
aquilo
que
constitua
ilícito
penal
em
sentido
material
ou
que
seja
consensual
e
indiscutivelmente
rejeitado,
como
sendo
inadmissível
numa
sociedade
democrática.
A
construção
de
Alexy,
teoria
dos
direitos
fundamentais
como
princípios,
é
radicalmente
ampliativa,
pois
protegido
pelo
direito
fundamental
é
tudo
aquilo
que
possa
ter
alguma
relação
ou
ser
invocado
em
associação
ao
direito
fundamental.
Afastamo-‐nos
dessa
posição.
III.
Justificação
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
Após
a
delimitação
interpretativa
do
conteúdo
juridicamente
protegido
de
um
direito
fundamental,
é
verificada
a
existência
de
uma
restrição
ou
de
uma
intervenção
restritiva
sobre
ele
incida;
trata-‐se
de
apurar
se
há
uma
autorização
constitucional
expressa
para
restringir
ou
não
havendo,
se
há,
com
fundamento
na
reserva
geral
imanente
de
ponderação
que
afecta
em
geral
os
direitos
fundamentais,
uma
justificação
adequada
para
restringir,
devendo
ainda
esta
justificação
ser
suficientemente
forte
para
fazer
ceder
o
direito
fundamental.
Neste
plano
das
restrições
não
expressamente
autorizadas
pela
CRP,
cabe
distinguir
duas
linhas
de
desenvolvimento
dos
padrões
de
controlo:
adequação
da
justificação
e
natureza
dos
bens
cuja
prossecução
por
parte
do
Estado
é
susceptível
de
justificar
a
afectação
negativa
dos
direitos
fundamentais.
III.1
Razões
inadmissíveis
para
justificar
a
restrição
de
direitos
fundamentais
Uma
vez
que
os
direitos
fundamentais
estão
intrinsecamente
afectados
por
uma
reserva
geral
imanente
de
ponderação
que
justifica
a
cedência
de
um
direito
fundamental
perante
a
necessidade
de
prosseguir
outro
bem
que
apresente
um
maior
peso,
é
possível
e
necessário
fazer
a
tentativa
reversa,
ou
seja
procurar
determinar
um
conjunto
de
situações/razões
insusceptíveis
de
à
luz
da
67
observância
dos
princípios
do
Estado
de
Direito
e
da
concepção
dos
direitos
como
trunfos,
poderem
justificar
a
restrição.
Em
primeiro
lugar,
em
Estado
de
Direito
democrático,
designadamente
à
luz
da
concepção
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos
contra
a
maioria.
o
argumento
do
número,
da
existência
de
uma
maioria
política
ou
social
a
favor
da
restrição
não
é
fundamento
legítimo
de
restrição.
Não
seja
a
quantidade
das
pessoas
que
apoiam
a
restrição
mas
sim
o
conteúdo
da
justificação,
o
seu
peso
na
argumentação
e
ponderação.
Não
é
o
argumento
maioritário
mas
unicamente
os
argumentos
de
razão
pública,
atinentes
à
relevância
e
ao
peso
da
necessidade
de
prosseguir
determinado
bem
que
podem
fundamentar
a
imunidade
jurídica
da
eventual
cedência
do
direito
decidida
politicamente
pela
maioria.
Em
segundo
lugar
a
maioria
política
pode
decidir
a
limitação
de
direitos
fundamentais,
mas
essa
intervenção
vai
estar
sujeita
ao
escrutínio
da
justiça
constitucional
a
quem
cabe
verificar
se
a
pretendida
cedência
do
direito
se
deve
ao
peso
específico
que
apresenta
face
ao
direito
fundamental,
o
interesse
justificador
da
restrição
ou
se
o
que
está
em
causa
é,
no
fundo,
a
tentativa
de
sacrifício
da
liberdade
individual
ao
fim
de
imposição
da
particular
mundividência
da
maioria
a
toda
a
sociedade,
com
a
consequente
erradicação,
degradação
ou
desqualificação
das
concepções
alternativas.
Em
terceiro
lugar,
a
maioria
tem
no
reconhecimento
obrigatório
da
igual
dignidade
das
pessoas
humanas,
de
tratar
todos
com
igual
consideração
e
respeito.
Sempre
que
esteja
em
causa
a
utilização
de
meios
restritivos
em
si
mesmos
violadores
da
dignidade
da
pessoa
ou
esteja
em
causa
limitações
ou
restrições
a
direitos
fundamentais
com
presença
de
categorias
suspeitas,
de
não
atenderem
à
igual
dignidade
e
ao
direito
de
cada
um
ser
tratado
pelo
Estado
e
os
poderes
públicos
com
igual
consideração,
o
controlo
judicial
deva
ser
muito
mais
denso
e
exigente.
Na
presença
de
categorias
suspeitas
a
força
de
trunfo
do
direito
fundamental
determina
que
a
entidade
que
pretenda
actuar
a
restrição
seja
capaz
de
ilidir
a
presunção
da
sua
inconstitucionalidade
ou
no
mínimo
dissipar
as
dúvidas
quanto
à
real
intenção
que
lhe
subjaz.
68
Permanecerá
sempre
uma
zona
de
incerteza
quanto
à
correcção
das
soluções.
Racionalizar
e
objectivizar
a
utilização
do
método,
reduzir
de
forma
substancial
e
intersubjectivamente
comprovável,
aquelas
insuficiências,
sem
a
pretensão
irrealizável
de
as
eliminar
em
absoluto.
Caberá
à
jurisdição
constitucional
discernir
quando
se
está
de
facto
na
presença
de
valores
cujo
peso
significa
a
compressão
ou
até
a
completa
cedência
do
direito
fundamental
ou
quando
a
invocação
da
prevalência
desse
outro
interesse
pode
ocular
a
tentativa
de
aproveitar
a
ocupação
conjuntural
do
poder.
A
força
de
resistência
da
concreta
pretensão
ou
faculdade
do
direito
fundamental
que
está
em
causa
numa
concreta
situação
restritiva
não
é
indiferente
para
o
resultado
final
da
ponderação
em
curso.
Há
direitos
definitivamente
assegurados
e
direitos
ainda
sujeitos
a
ponderação,
limitáveis.
E
dentro
desta
última
categoria,
há
direitos
mais
resistentes
ou
menos
resistentes.
Neste
sentido
há
direitos
fundamentais
considerados
ou
como
um
todo
ou
em
algumas
das
suas
dimensões,
que
foram
constitucionalmente
consagrados
ou
adquiriram
um
lastro
de
resistência
especialmente
dirigido
contra
tipos
especiais
de
justificação
com
um
fundamento
remoto
na
protecção
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
na
concepção
dos
direitos
como
trunfos.
É
possível
distinguir
dentro
do
âmbito
de
protecção
de
direitos,
certas
categorias
ou
áreas
de
materiais
de
resistência
diferenciada
para
diferentes
tipos
de
justificações
invocadas.
É
possível
distinguir
as
justificações
de
conteúdo
das
justificações
neutrais.
Há
tipos
de
razões
justificativas
que
serão
inadmissíveis
quando
invocadas
para
restringir
certos
tipos
de
direitos
mas
não
já
outros.
Por
último,
a
ideia
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos,
é
particularmente
operativa
nas
situações
em
que
a
esfera
de
liberdade
e
autonomia
de
um
indivíduo
sofre
as
ameaças
ou
as
pressões
não
directamente
do
poder
público
mas
da
parte
de
um
meio
social
hostil
ou
de
maiorias
pouco
tolerantes.
A
natureza
de
trunfo
dos
direitos
fundamentais
coloca
aí
sobre
as
autoridades
públicas
especiais
exigências.
Então,
um
escrutínio
judicial
inspirado
na
ideia
dos
direitos
como
trunfos
deve
ser
ainda
mais
denso
relativamente
às
medidas
discriminatórias,
diferenciadoras
ou
restritivas
que
directa
ou
indirectamente
afectam
desvantajosamente
grupos
ou
indivíduos
mais
débeis.
69
III.2
Bens
susceptíveis
de
justificar
a
restrição
de
direitos
fundamentais
Em
geral,
por
força
da
sua
natureza
constitucional,
um
direito
fundamental
só
pode
ser
limitado
em
função
da
necessidade
de
protecção
ou
realização
de
um
bem
que,
pelo
menos
disponha
de
idêntica
natureza,
logo,
de
idêntica
força
constitucional.
Pode
suceder
que
o
candidato
a
prevalecer
sobre
o
interesse
jusfundamentalmente
protegido
seja
um
bem,
princípio
ou
interesse
que
não
possua
reconhecimento
constitucional
expresso,
mas
que
possa
reivindicar
nas
circunstâncias
do
caso
concreto,
não
obstante
a
sua
natureza
infraconstitucional,
um
peso
substancial.
Gomes
Canotilho
criticou
a
nossa
posição.
Em
seu
entender:
isso
dissolve
a
força
normativa
da
CRP
e
entrega
os
direitos
fundamentais
a
quem,
no
concreto,
tem
de
ponderar
a
respectiva
aplicação.
Em
nosso
entender
aquilo
que
dissolve
a
força
normativa
da
CRP
é
precisamente
esse
operação
ou
seja
essa
elevação
meramente
formal
e
completamente
manipulável.
À
segunda
crítica
dizemos
que
esta
erra
uma
vez
que
confunde
a
questão
de
quais
os
bens
que
podem
justificar
a
cedência
de
um
direito
fundamental
com
o
plano
competencial.
Qualquer
candidato
a
fundamento
de
restrição
de
direitos
fundamentais,
terá
de
passar
por
diferentes
e
apertados
crivos
constitucionais.
Terá
em
primeiro
lugar
que
se
conformar
com
a
concepção
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos,
o
que
exclui
as
justificações
de
restrição
exclusivamente
baseadas
na
força
do
número
ou
em
opções
políticas
mundividenciais
particulares.
Terá
igualmente
de
ser
capaz
de
ilidir
a
presunção
de
inconstitucionalidade,
no
caso
de
se
tratar
de
um
fundamento
à
partida
suspeito.
Por
outro
lado,
a
força
de
trunfo
que
os
direitos
fundamentais
apresentam,
obriga
o
candidato
a
fundamento
de
restrição
a
exibir
uma
força
capaz
de
vencer
a
força
de
resistência
qualificada
do
direito
fundamental,
envolvendo
a
necessidade
de
o
próprio
bem
que
se
apresenta
como
candidato
a
70
fundamentar
a
restrição
ser
também
ele
passível
de
evidenciar
a
presença
de
outras
qualidades
relevantes
numa
sociedade
democrática.
O
fundamento
invocado
para
a
restrição
tem
ainda
que
visar
exclusivamente
o
reconhecimento
e
o
respeito
dos
direitos
liberdades
dos
outros
e
destinar-‐se
a
satisfazer
as
justas
exigências
da
moral,
ordem
pública
e
bem-‐
estar
numa
sociedade
democrática.
As
normas
internacionais
de
protecção
dos
direitos
humanos
devem
ser
entendidas,
não
enquanto
fundamentos
autónomos
de
limitações
à
liberdade
individual,
mas
enquanto
standars
mínimos
gerais
de
protecção
que
funcionam
como
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais.
Só
são
admitidos
À
ponderação
os
que
para
além
dos
outros
requisitos,
se
destinarem
a
prosseguir
um
daqueles
fins.
A
respectiva
realização
tem
que
se
conformar
com
as
exigências
positivas
e
negativas
impostas
pela
observância
dos
princípios
constitucionais
estruturantes
do
Estado
de
Direito
democrático,
os
chamados
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
que
derivam
directamente
de
uma
concepção
adequada
e
juridicamente
operativa
do
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Finalmente,
as
qualidades
atinentes
ao
peso
ou
à
premência
de
realização
do
bem
justificador
da
restrição
não
operam
em
abstracto
nem
em
absoluto.
A
sua
prevalência
dependerá
do
maior
ou
menos
peso
da
faculdade,
pretensão
ou
situação,
sempre
parcelar,
relativa
ao
bem
jusfundamentalmente
sujeito
à
restrição.
Mesmo
tendo
em
conta
a
sua
natureza
de
bem
constitucional,
a
sua
força
de
resistência
variará
significativamente
em
função
do
peso
e
alcance
da
particular
dimensão
afectada
nas
circunstâncias
da
situação
concreta,
real
ou
antecipada,
normativamente
pelo
legislador.
IV.
Controlo
da
observância
dos
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
Quando
a
justificação
para
restringir
não
seja
considerada
inadmissível,
e
um
juízo
de
ponderação
conclua
pela
prevalência
do
interesse
fundamentador
da
restrição
do
direito
fundamental,
entramos
numa
última
instância
de
controlo,
a
71
verificação
de
constitucionalidade
da
medida
restritiva
que
foi
concretamente
adoptada.
É
ainda
o
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana
que
inspira
os
procedimentos
de
controlo.
Mesmo
se
expressamente
autorizada
pela
CRP
ou
justificada
pela
necessidade
de
prossecução
de
outros
bens
igualmente
dignos
de
protecção,
a
restrição
a
direitos
fundamentais
será
inconstitucional
se
violar
as
exigências
de
Estado
de
Direito
que
se
impõem
a
todas
as
medidas
restritivas
da
liberdade,
os
chamados
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais,
designadamente
a
igualdade,
proibição
do
excesso,
segurança
jurídica
e
protecção
da
confiança.
Salientamos
a
importância
do
princípio
da
igualdade
quando
se
procuram
identificar
razões
estatais
insusceptíveis
de
ser
alegadas
a
favor
da
restrição
a
direitos
fundamentais.
Também
os
princípios
de
segurança
jurídica
e
da
protecção
da
confiança
legítima,
intimamente
associados
ao
princípio
de
Estado
de
Direito.
É
sobretudo
o
princípio
da
proibição
do
excesso
que
ocupa
hoje
um
lugar
central
enquanto
instrumento
de
controlo
judicial
das
restrições
a
direitos
fundamentais
nas
várias
dimensões
ou
testes
de
controlo
em
que
se
decompõem
(aptidão,
indispensabilidade,
proporcionalidade,
razoabilidade
e
determinabilidade).
O
princípio
da
proibição
do
excesso
surge
como
o
mais
poderoso
instrumento
jurídico
de
racionalização
e
objectivização
das
ponderações
realizadas
neste
domínio.
Apesar
das
tentativas
para
racionalizar
e
objectivizar
os
procedimentos
de
ponderação
de
bens
nessa
fase,
um
elevado
grau
de
subjectivismo
é
ineliminável
pelo
que
a
ponderação
verdadeiramente
profícua
no
mundo
dos
direitos
fundamentais
não
é
a
que
se
faz
numa
lógica
de
resolução
da
colisão
de
bens
de
princípios
ou
de
direitos
de
sentido
contrário,
mas
a
que
ocorre
no
plano
consequente
do
controlo
da
constitucionalidade
das
medidas
restritivas
concretamente
actuadas
no
seguimento
daquela
primeira
ponderação.
A
simples
ponderação
de
bens
não
permite
em
princípio
qualquer
conclusão
intersubjectivamente
comprovável,
porque
qualquer
dos
bens
tem
em
72
abstracto
uma
relevância
que
permite
justificar
a
preferência
por
um
ou
outro
resultado.
É
sobretudo
a
verificação
da
constitucionalidade
dessa
concreta
medida
restritiva
que
está
em
causa
e
constitui
o
objecto
nuclear
de
escrutínio
e
não
uma
qualquer
ponderação
entre
os
bens
que
se
encontravam
na
situação
de
colisão.
IV.1
Ponderação
e
proporcionalidade
As
ponderações
decisivas
que
podem
e
devem
ser
levadas
a
cabo
são
esta
fase,
o
plano
do
controlo
judicial
das
concretas
medidas
restritivas
em
apreciação
e
designadamente
o
controlo
da
observância
do
princípio
constitucional
da
proibição
do
excesso.
Em
primeiro
lugar,
o
controlo
de
proibição
do
excesso,
não
é
a
ponderação
entre
bens
que
está
em
análise,
mas
antes
a
medida
restritiva
que
foi
concretamente
adoptada
no
seguimento
daquela
ponderação
e,
mais
precisamente,
o
controlo
da
proporcionalidade
dessa
medida
restritiva.
Neste
controlo
de
proporcionalidade
aquilo
que
se
avalia
são
os
sacrifícios
impostos
ao
direito
fundamental
contrapostos
aos
benefícios
produzidos
na
obtenção
do
fim
visado
com
a
restrição.
Haverá
numa
primeira
fase
que
ponderar,
que
verificar
qual
dos
bens
deve
ter,
nas
circunstâncias
do
caso,
preferência.
Aqui
avalia-‐se
a
importância
relativa
dos
dois
bens
em
confronto.
Decidida
a
prevalência
de
um
deles,
determina-‐se
então
a
cedência
parcial
ou
total.
É
esta
medida
restritiva
que
agora
vamos
sujeitar
ao
controlo
de
proporcionalidade
e
é
a
referida
análise
de
custos/benefícios
que
vamos
fazer
para
verificar
se
a
medida
concretamente
adoptada
é
ou
não
desproporcionada
no
dito
terceiro
elemento
da
proporcionalidade.
O
que
se
faz
é
verificar
a
proporcionalidade
da
medida
que
proibiu
a
publicação.
Ponderação
e
proporcionalidade
incidem
sobre
objectos
distintos,
constituem
fases
e
processos
de
controlo
diferentes
e
produzem
resultados
autónomos.
E
aqui,
na
fase
de
controlo
de
proporcionalidade
aquilo
que
devemos
pôr
em
comparação
são
medidas
alternativas.
73
Em
segundo
lugar,
o
controlo
de
proporcionalidade
não
deve
resumir-‐se
a
uma
prática
de
controlo
sucessivo
da
observância
dos
vários
subprincípios
ou
máximas
da
proibição
do
excesso.
Nesta
última
fase
o
subjectivismo
é
significativamente
reduzido
quando
a
ponderação
passar
a
estruturar-‐se
em
termos
de
uma
comparação
de
medidas
alternativas
concretamente:
a
medida
restritiva
que
interveio
restritivamente
num
direito
fundamental
com
uma
medida
alternativa.
Aquilo
que
pode
ressaltar
objectivamente
excessivo,
desproporcionado,
e,
logo
inconstitucional,
não
é
a
medida
restritiva
em
si
mesma
isoladamente
considerada,
até
porque
normalmente
o
Estado
de
Direito/legislador,
não
produz
medidas
em
si
mesmas
arbitrárias
ou
claramente
desproporcionadas.
Aquilo
que
pode
revelar-‐se
excessivo
é
a
relação
que
se
revela
entre
o
benefício
marginal
que
a
medida
restritiva
em
apreciação
acrescenta
relativamente
à
alternativa
com
que
intelectivamente
se
confronta
quando
esse
incremento
marginal
é
comparado
com
o
acréscimo
marginal
de
restrição
na
liberdade
que
a
medida
em
apreciação
também
produz
relativamente
àquela
outra
alternativa.
Quando
se
comparam
incrementos
marginais
de
benefício
e
sacrifício
de
duas
medidas
alternativas
em
comparação.
Se
a
adopção
de
uma
nova
medida
restritiva
adoptada
introduz
na
ordem
jurídica
um
benefício
marginal
mínimo
para
o
fim
visado,
mas
simultaneamente
um
acréscimo
significativo
de
sacrifício
na
liberdade,
na
autonomia
ou
no
bem-‐
estar,
então
a
ponderação
dessas
grandezas
com
as
que
resultam
das
medidas
alternativas
actualmente
em
vigor
pode
revelar
uma
relação
claramente
desproporcionada
e
daí
inconstitucionalidade
da
nova
medida.
Se
a
restrição
da
liberdade
que
actualmente
vigora
só
garante
um
benefício
marginal
mínimo
face
a
um
sacrifício
de
liberdade
significativo,
quando
comparada
com
uma
hipotética
medida
restritiva
alternativa,
então
à
medida
actualmente
em
vigor
pode
vir
a
ser
considerada
inconstitucional
por
violação
do
princípio
da
proibição
do
excesso.
Natureza
negativa
ou
positiva
do
direito
fundamental.
282
ss
dtos
sociais
74
Há
uma
tendência
geral
para
identificar
dever
estatal
de
respeito
com
dever
de
abstenção,
logo,
com
direitos
negativos
e
de
identificar
deveres
de
protecção
e
de
promoção
com
deveres
de
prestar
no
sentido
de
deveres
correlativos
de
direitos
positivos.
Normalmente
faz-‐se
uma
identificação
dos
deveres
de
protecção
e
dos
deveres
de
promoção
com
direitos
positivos,
no
sentido
de
que
tais
deveres
se
consumariam
através
de
actuações
ou
prestações
positivas
do
Estado.
Tal
identificação
não
é
rigorosa
pois
tanto
um
como
outro
também
se
realizam
através
de
acções
negativas.
Sempre
que
o
Estado
satisfaz
um
direito
positivo
à
protecção
ou
à
promoção
de
acesso
individual
ao
bem
jusfundamental,
surge
automaticamente
um
imediato
e
correspondente
direito
negativo
a
que
o
Estado
não
ponha
em
causa,
não
afecte
negativamente,
não
restrinja
as
medidas
de
protecção
ou
de
promoção
entretanto
realizadas.
Os
poderes
públicos
podem
pretender,
por
diferente
posição
sobre
a
escolha
política
que
consideram
mais
adequada,
optar
por
uma
diversa
forma
de
garantia
dos
referidos
deveres.
Tão
importante
se
revela
a
dimensão
positiva
quanto
a
dimensão
negativa
destes
deveres
de
proteger
e
de
prestar,
como
dos
correspondentes
direitos
a
protecção
ou
a
prestação.
Quer
o
dever
de
respeitar,
quer
os
deveres
de
proteger
e
promover
se
realizam
tanto
em
associação
e
na
satisfação
de
direitos
positivos
quanto
de
direitos
negativos
dos
particulares.
Cada
um
daqueles
deveres
estatais
tem
reservas
próprias
que
condicionam
as
respectivas
margens
de
decisão
e
de
controlo
dos
poderes
políticos
e
judicial.
Se
identificamos
cada
um
daqueles
deveres
com
dimensão
negativa
e
com
dimensão
positiva,
então
estamos
a
transpor
também
cada
uma
daquelas
reservas
para
os
direitos
negativos
e
positivos.
Nessa
visão,
os
direitos
negativos
seriam
afectado
por
uma
reserva
de
ponderação
e
os
direitos
positivos
pelas
reservas
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
e
do
financeiramente
possível.
Da
nossa
parte,
concordamos
com
a
doutrina
com
a
recusa
da
atribuição
de
um
carácter
decisivo
à
distinção
entre
direitos
de
liberdade/direitos
sociais,
e
reconhecendo
na
contraposição
direitos
positivos/negativos
um
factor
que
75
determina
uma
diferenciação
significativa
no
interior
dogmático
dos
direitos
fundamentais.
As
diferentes
reservas
são
determinantes
porque
são
elas
que
marcam
e
definem
as
margens
correspondentes
de
legislador
e
juiz,
têm
que
ver
com
a
natureza
específica
e
própria
de
cada
um
daqueles
deveres
estatais.
O
regime
jurídico
deve
ser
exactamente
o
mesmo
quer
o
direito
em
causa
na
situação
concreta
se
apresente
como
positivo
ou
como
negativo.
Para
efeitos
da
activação
de
reservas
que
condicionam
a
realização
efectiva
dos
direitos
fundamentais,
o
importante
não
é
a
natureza
positiva
ou
negativa
do
direito
em
causa,
mas
a
natureza
do
dever
estatal
mobilizável
na
situação
em
apreciação.
A
densidade
do
correspondente
controlo
judicial
é
intrinsecamente
determinada
por
essa
natureza
e
pelas
reservas
consequentes,
qualquer
que
seja
a
estrutura
-‐
positiva
ou
negativa
-‐
do
direito
respectivo.
Um
terceiro
plano
relevante
é
o
da
estrutura
do
direito
ou
do
dever
que
se
retiram
da
norma
constitucional:
trata-‐se
de
direito
negativo
ou
positivo?
de
um
dever
estatal
facere
ou
non
facere?
A
diferença
só
é
relevante
se
o
comando
constitucional
for
definitivo,
absoluto
ou
se
pudermos
deduzir
imediatamente
da
norma
constitucional
a
acção
ou
atitude
concreta
a
que
o
Estado
esteja
precisamente
obrigado.
Se
o
direito
concretamente
consagrado
na
norma
constitucional
é
um
direito
definitivo,
absoluto,
então
qualquer
tipo
de
não
realização
do
comando
constitucional
(por
acção
ou
omissão)
deve
ser
dogmaticamente
configurado
por
aquilo
que
é:
violação
do
direito
constitucional.
Quando
da
norma
constitucional
de
garantia
do
direito
fundamental
pudermos
deduzir
imediatamente
obrigações
estatais
precisas,
ainda
que
com
carácter
não
definitivo,
fechado
ou
absoluto,
então
o
não
cumprimento
e
tais
obrigações,
deve
ser
dogmaticamente
configurado
como:
afectação
ou
restrição
de
direito
fundamental,
legítima
ou
ilegítima
consoante
a
justificação
que
os
poderes
públicos
puderem
apresentar
e
consoante
a
conformidade
da
restrição
aos
parâmetros
constitucionais
aplicáveis.
Quando
o
direito
fundamental
constitucionalmente
garantido
é
legislativamente
conformado
ou
desenvolvido,
ou
quando
dela
se
pode
retirar
76
um
comando
preciso,
nessa
altura
o
não
cumprimento
da
norma
jusfundamental
por
parte
dos
poderes
públicos
configura-‐se
como
violação
de
direito
fundamental
ou
restrição
respectivamente.
Mas
quando
não
existe
um
tal
grau
de
determinabilidade
de
conteúdo,
então
há
uma
diferença
sensível
entre
direitos
negativos
e
direitos
positivos:
• Se
o
direito
é
negativo,
se
o
dever
correlativo
é
um
dever
de
abstenção,
então,
caso
haja
uma
intervenção
estatal
e
dela
resulte
afectação
negativa
do
acesso
ao
bem
jusfundamentalmente
protegido,
a
intervenção
pode
ser
restrição
a
direito
fundamental
ou
intervenção
restritiva.
Não
há
necessidade
de
distinguir
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais.
Trata-‐se
de
uma
norma
de
direito
fundamental,
logo,
uma
norma
que
garante
o
acesso
a
um
bem
jusfundamentalmente
protegido,
através
da
imposição
ao
Estado
de
um
dever
de
abstenção.
Se
o
Estado
infringe
esse
dever
e
afecta
o
acesso
individual
garantido,
há
uma
restrição
do
direito
fundamental.
Isto
não
significa
que
tal
restrição
seja
imediatamente
vista
como
violação
do
direito
fundamental.
Haverá
que
fazer
o
controlo
da
respectiva
constitucionalidade
para
concluir
da
legitimidade
ou
ilegitimidade
da
restrição.
Há
que
apurar
em
primeiro
lugar,
da
autorização
constitucional
expressa
ou
da
justificação
constitucional
para
restringir
com
base
no
que
temos
designado
por
reserva
geral
imanente
de
ponderação
e
em
segundo
lugar,
eventualmente
passado
o
primeiro
teste,
verificar
se
a
restrição
observou
os
chamados
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais,
designadamente
o
princípio
da
proibição
do
excesso.
Portanto,
tratando-‐se
de
direitos
negativos,
toda
a
efectividade
dos
direitos
fundamentais
se
garante
através
de
um
padrão
de
controlo
judicial
que
se
desenvolve
em
três
fases:
delimitação
do
âmbito
de
protecção
do
direito,
identificação
da
restrição
e
controlo
da
constitucionalidade.
Havendo
uma
acção
estatal
que
afecte
desvantajosamente
o
âmbito
protegido
do
direito
fundamental
quando
a
respectiva
norma
de
garantia
exigia
abstenção,
há
lugar
para
desencadear
o
controlo
da
constitucionalidade
da
restrição.
77
Logo,
quando
o
Estado
de
alguma
forma,
afecta
negativamente
por
acção
o
conteúdo
já
garantido
de
acesso
aos
direitos
sociais,
mesmo
quando
esse
acesso
foi
assegurado
através
da
ajuda
estatal
prevista
em
lei
ordinária
concretizadora
ou
conformadora
do
direito,
essa
acção
estatal
restritiva
é
também
dogmaticamente
identificável
como
restrição
desses
direitos,
podendo
e
devendo
ser
sujeita
ao
respectivo
controlo
de
constitucionalidade.
Não
há
razões
para
fazer
qualquer
distinção
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais.
Este
é
o
factor
de
diferenciação
explicado
em
função
da
diferente
natureza
dos
deveres
estatais
em
presença,
no
caso
dos
deveres
de
protecção
e
de
promoção
é
potencialmente
activável
uma
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno,
a
que
acresce,
eventualmente
a
reserva
do
financeiramente
possível.
A
restrição
de
direito
fundamental
actuada
por
acção
do
poder
público
pode
ter
uma
justificação
especial
-‐
essas
reservas
-‐
e
beneficia
da
atenuação
da
densidade
de
controlo
judicial
que
decorre
da
activação
daquelas
reservas-‐
No
entanto,
o
padrão
de
controlo
e
a
sua
estrutura
mantêm-‐se
as
mesmas
haja
ou
não
reserva
do
financeiramente
possível
ou
politicamente
adequado.
Tratando-‐se
de
um
direito
negativo,
continuamos
a
ter
uma
restrição.
Aquilo
que
muda
com
a
eventual
activação
das
reservas
do
financeiramente
possível
e
do
politicamente
adequado/oportuno
é
a
justificação
para
a
restrição,
na
medida
em
que
essa
justificação
para
a
restrição
nos
casos
destas
reservas
é
alargada.
Estas
reservas
não
invalidam
nem
impedem
a
possibilidade
e
necessidade
de
um
controlo
de
legitimidade
constitucional
da
restrição,
pois
esta
pode
ter
sido
arbitrária,
desproporcional,
excessiva
etc.
• Nos
direitos
positivos:
ou
seja,
quando
se
requer
do
Estado
uma
actuação
positiva,
a
opinião
é
controversa
na
doutrina,
mas
pensamos
não
haver
lugar
para
um
enquadramento
dogmático
de
protecção
dos
direitos
78
positivos
à
luz
do
padrão
de
controlo
da
constitucionalidade
das
restrições
atrás
enunciado.
Na
generalidade
dos
direitos
positivos
associados
aos
deveres
estatais
de
protecção
e
promoção,
não
é
facilmente
aplicável
o
padrão
de
controlo
típico
das
restrições
aos
direitos
fundamentais.
Porquê?
Em
primeiro
lugar,
não
é
possível
identificar
um
momento
do
surgimento
da
restrição
ou
delimitar
precisamente
o
objecto
que
deva
ser
sujeito
a
controlo.
Num
direito
positivo,
aquilo
que
se
exige
do
Estado
é
uma
acção,
uma
actuação
positiva
de
prossecução
de
algo.
Aqui
há
duas
situações
a
considerar:
ou
o
comando
que
impõe
uma
acção
ao
Estado
está
suficientemente
determinado
(1)
ou
impõe
um
caminho,
um
fim,
um
objectivo,
mas
não
fixa
de
forma
densa
a
acção
que
se
impõe
(2).
No
caso
do
(1)
a
norma
está
suficientemente
determinada
e
portanto
o
tipo
de
controlo
é
igual
aos
direitos
negativos,
porém
essa
situação
é
excepcional.
No
(2),
quando
o
comando
da
acção
não
está
suficientemente
determinado,
nunca
há
só
uma
única
acção
que
seja
devida.
É
sempre
possível
prestar
algo
mais,
ou
proteger
mais,
ou
fazer
diferente,
e
portanto
o
Estado
encontra-‐se
sempre
em
omissão.
A
omissão
identifica-‐
se
nos
direitos
positivos,
com
o
estado
natural
do
direito,
com
o
seu
conteúdo,
não
é
possível
distinguir
âmbito
de
protecção
do
direito
e
restrição
que
sobre
ela
incide.
Não
é
possível
aplicar
aos
direitos
positivos
uma
lógica
de
teoria
externa
das
restrições
que
é
construída
em
primeiro
lugar,
a
delimitação
do
âmbito
de
protecção
do
direito,
em
segundo
a
identificação
de
uma
restrição
ou
intervenção
restritiva
e
por
último
a
verificação
da
justificação
e
da
constitucionalidade
de
tal
acção
restritiva.
Como
num
direito
positivo,
em
princípio,
é
sempre
possível
prestar
mais,
proteger
mais,
então
há
sempre
alguma
omissão,
a
possibilidade
de
uma
realização
optimizada
do
direito
encontra-‐se
sob
afectação
permanente,
a
restrição
não
surge,
não
pode
ser
previamente
identificada,
ela
vive
com
o
direito
desde
a
sua
origem
e
continuará
colada
a
ele
independentemente
do
grau
de
realização
entretanto
atingido.
79
Uma
vez
que
há
e
haverá
sempre
alguma
omissão
das
medidas
devidas,
aquilo
que
se
sujeita
a
controlo
de
constitucionalidade
é
um
determinado
nível
de
omissão,
ficando
o
tribunal
obrigado
a
determinar
o
nível
preciso
a
partir
do
qual
em
cada
momento,
se
distingue
a
inconstitucionalidade
da
não
inconstitucionalidade.
Enquanto
que
nos
direitos
negativos
é
sempre
possível
determinar
um
oposto
da
restrição
cuja
constitucionalidade
está
a
ser
judicialmente
verificada,
no
caso
de
uma
omissão
(direito
positivo)
esse
oposto
não
é
facilmente
determinável,
uma
vez
que
há
sempre
um
conjunto
alargado
de
possíveis
medidas
que
poderiam
ser
tomadas
para
suprir
a
omissão.
Se
o
juiz
considera
a
restrição
ou
a
intervenção
restritiva
inconstitucional,
reconhece-‐se-‐lhe
uma
possibilidade
inatacável
à
luz
do
princípio
da
separação
de
poderes
e
que
é
da
decisão
de
inaplicabilidade
ou
invalidade
constitucionais
da
medida
em
causa.
Já
no
âmbito
do
controlo
de
inconstitucionalidade
das
omissões,
o
juiz
carece
de
aptidão,
competência
e
legitimidade
para
impor
aos
poderes
públicos
a
realização
dam
medida
considerada
adequada
para
suprir
tal
omissão.
Por
último,
enquanto
nos
direito
negativos
está
relativamente
estabilizado
um
conjunto
operativo
e
comprovado
de
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
que
as
restrições
têm
que
observar,
no
caso
do
controlo
das
omissões
esse
conjunto
é
muito
mais
dificilmente
aplicável
ou
mesmo,
como
acontece
com
o
princípio
da
proibição
do
excesso,
é
inaplicável
ao
controlo
das
omissões.
De
facto,
quando
temos
uma
acção
sob
controlo,
podemos
avaliar
os
danos
que
produziu,
as
consequências
que
gerou
na
ordem
jurídica.
É
em
função
desses
efeitos
produzidos
que
um
controlo
judicial
a
posteriori
é
operativo.
E
mesmo
quando
a
acção
ainda
não
entrou
a
produzir
efeitos,
o
juiz
pode
e
deve
antecipá-‐los.
Já
quando
se
controlam
omissões,
como
se
avaliam
ou
antecipam
vantagens
e
prejuízos
provocados
por
um
não-‐acto
por
algo
que
não
chegou
a
existir
quando
há
uma
multiplicidade
de
actos
e
opções
que
podem
de
algum
modo
suprir
a
omissão?
De
facto,
o
controlo
da
proibição
do
excesso
é
particularmente
racional
quando
objecto
de
uma
aplicação
dos
seus
vários
princípios
80
(aptidão,
indispensabilidade,
proporcionalidade).
Esse
tipo
de
controlo
não
pode
ser
aplicado
às
omissões.
No
controlo
das
omissões
não
se
apura
um
excesso
inconstitucional,
mas
um
défice
inconstitucional.
No
entanto,
as
tentativas
de
construir
um
princípio
constitucional
de
proibição
do
défice
pelo
reverso
dos
mesmos
subprincípios
que
formam
o
princípio
da
proibição
do
excesso
apresentam
uma
grande
fragilidade.
Essa
conclusão
não
invalida
que
o
princípio
da
proibição
do
excesso
seja
utilizável
com
autonomia
no
controlo
jurisdicional
da
administração
prestadora.
Mas
é
no
domínio
do
controlo
directo
da
constitucionalidade
da
omissão
de
medidas
destinadas
a
realizar
os
direitos
fundamentais
positivos
quando
nos
preocupamos
em
identificar
a
insuficiência
da
prestação.
Se
uma
acção
estatal
afectadora
de
direitos
fundamentais
for
excessiva,
não
importa
quais
os
fins
prosseguidos,
ela
será
inconstitucional,
à
luz
do
princípio
da
proibição
do
excesso.
Este
princípio
foca-‐se
num
acto
e,
concluindo
que
ele
é
excessivo,
a
consequência
é
a
da
inconstitucionalidade.
Já
no
princípio
da
proibição
do
défice,
de
nada
adiante
focar-‐se
na
omissão.
Não
basta
concluir
que
as
consequências
da
omissão
são
graves,
para
daí
resultar
a
inconstitucionalidade.
Como
só
há
inconstitucionalidade
se
concluirmos
que
o
Estado
está
constitucionalmente
obrigado
à
prática
do
acto,
o
princípio
da
proibição
do
défice
será
útil
se
nos
ajudar
a
descobrir
quando
um
acto
é
constitucionalmente
devido.
Concluindo,
há
uma
diferença
sensível
e
inevitável
no
confronto
entre
direitos
negativos
e
direitos
positivos,
que
exige
um
tratamento
dogmático
diferenciado
para
cada
um
deles
e
que
resulta
num
controlo
judicial
mais
atenuado
no
caso
da
não
realização
dos
direitos
positivos
quando
comparado
com
os
mecanismos
de
controlo
das
restrições
aos
direitos
negativos.
Esta
conclusão
deve
vir
acompanhada
dos
outros
dois
tópicos
de
diferenciação:
natureza
da
norma
constitucional
de
garantia
e
natureza
do
dever
estatal.
É
esta
última
distinção
(que
tipo
de
norma,
que
tipo
de
dever
estatal)
que
é
dogmaticamente
relevante.
81
82
10.
As
restrições
aos
direitos
fundamentais
e
controvérsia
em
torno
da
fundamentação
da
sua
legitimidade
Figura
e
conceito
de
restrição.
Restrições
expressamente
autorizadas
e
não
expressamente
autorizadas.
Restrições
≠
Intervenções
restritivas
192
ss,
279
ss
Restrições
aos
direitos
fundamentais
considerados
em
sentido
lado
enquanto
comportamentos
estatais
que
afectam
desvantajosamente
a
garantia
de
um
bem
jusfundamentalmente
protegido.
Concentraremo-‐nos
nas
restrições
incidentes
sobre
os
direitos
fundamentais
de
liberdade,
o
que
limitará
o
objecto
do
nosso
estudo
às
restrições
enquanto
acções
estatais
que
se
traduzem
num
prejuízo
da
liberdade,
é
ainda
possível
distinguir
duas
modalidades:
(1)
restrições
em
sentido
estrito
e
(2)
intervenções
restritivas
em
direitos
fundamentais.
(1)
o
prejuízo
da
liberdade
produzido
se
identifica
com
uma
alteração
da
própria
norma
jusfundamental,
verifica-‐se
uma
redução/amputação/eliminação
do
conteúdo
objectivo
do
direito
fundamental
constituído.
(2)
afecta-‐se
negativamente
o
conteúdo
da
posição
individual,
que
resulta
da
titularidade
de
um
direito
fundamental,
permanecendo
em
princípio
inalterada
a
norma
de
direito
fundamental
e
o
correspondente
objectivo
do
direito.
Enquanto
uma
norma
que
regula
a
possibilidade
de
expropriações
em
determinadas
circunstâncias
poderá
ser
eventualmente
considerada
uma
restrição
ao
direito
de
propriedade,
o
acto
de
expropriação
será
uma
intervenção
restritiva
no
bem
protegido
por
esse
direito.
A
CRP
prevê
que
em
certas
condições
se
possa
ser
total
ou
parcialmente
privado
o
que
significa
que
a
própria
CRP
legitima
de
acordo
com
a
conformação
do
conteúdo
objectivo
daquele
direito,
intervenções
restritivas
com
um
carácter
individual
e
concreto.
Tanto
as
restrições
em
sentido
estrito
como
as
intervenções
restritivas
são
efectuadas
com
vista
a
uma
composição
dos
interesses
individuais
e
comunitários.
As
intervenções
restritivas
são
legítimas
se
e
na
medida
em
que
forem
autorizadas
pelas
normas
constitucionais
ou
pelas
restrições
dos
direitos
fundamentais
entretanto
verificadas
ou
reconhecidas.
83
A
CRP
trata
especificamente
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
operadas
através
de
lei
(18º/2)
ou
seja,
as
leis
restritivas
que
têm
de
revestir
um
carácter
geral
e
abstracto
(18º/3)
-‐
restrição
em
sentido
estrito.
Regula
as
circunstâncias
em
que
tais
restrições
podem
ocorrer,
como
fixa
os
requisitos
ou
limites
que
devem
observar.
Nada
diz
quanto
à
admissibilidade,
requisitos
e
limites
das
intervenções
restritivas.
É
aquando
das
intervenções
restritivas
que
os
particulares
têm
um
interesse
directo,
actual
e
imediato
em
reagir.
Não
está
de
todo
assegurada
a
protecção
plena
contra
lesões
ou
ameaças
aos
direitos
fundamentais
actuadas
pelos
poderes
judicial
ou
legislativo
ou
decorrentes
da
prática
dos
chamados
actos
políticos
que
não
sejam
configuráveis
como
actos
administrativos.
O
actual
sistema
de
fiscalização
concreta
não
contempla
o
acesso
pleno
ao
Tribunal
Constitucional
por
parte
dos
particulares
para
a
tutela
dos
seus
direitos
fundamentais
lesados
ou
ameaçados
pelo
poder
público.
A
ausência
ou
insuficiência
do
tratamento
constitucional
das
intervenções
restritivas
encontra
correspondência
no
assinalado
défice
de
tutela
jurisdicional
dos
direitos
fundamentais
por
elas
eventualmente
violados
e
uma
e
outro
serão
simultaneamente
causa
e
efeito
da
pouca
ou
nula
atenção
que
a
doutrina
lhes
têm
prestado.
Conceito
de
intervenção
restrita
A
existência
de
uma
ameaça
de
um
direito
fundamental
do
particular
faz
nascer
na
sua
esfera
a
possibilidade
de
accionar
a
ordem
judicial
com
vista
à
obtenção
da
parte
do
Estado,
do
cumprimento
de
deveres
que
lhe
são
impostos
pela
norma
jusfundamental
e/ou
reparação
ou
compensação
dos
danos
sofridos.
As
definições
conceptuais
têm
importância
pois
delas
depende
a
identificação
das
situações
configuráveis
como
potenciais
violações
dos
direitos
fundamentais
para
efeitos
de
acesso
ao
direito.
Também
o
esclarecimento
do
conceito
de
intervenção
restritiva
é
susceptível
de
ser
investido
na
decisão
prévia
sobre
a
possibilidade
de
acesso
à
via
judicial
para
tutela
dos
direitos
fundamentais.
Só
pode
activar
a
protecção
típica
de
direitos
fundamentais
por
invocada
violação
do
seu
direito
quem
tiver
sofrido
uma
intervenção
restritiva
no
bem
jusfundamental
protegido.
A
84
intervenção
restritiva
tem
como
função
capital
de
fornecer
critérios
estáveis
para
decidir
se
ou
quando
há
lugar
à
tutela
jurisdicional,
quem
tem
legitimidade
para
recorrer
e
quando
pode
o
Estado
ser
civilmente
responsabilizado
por
prejuízos
culposos
em
direitos
fundamentais.
Na
evolução
doutrinária
e
jurisprudencial
são
perceptíveis
duas
correntes:
1. Tradicional:
os
direitos
fundamentais
encontrar-‐se-‐iam
sob
uma
espécie
de
reserva
imanente
segundo
a
qual
independentemente
da
gravidade,
intensidade
ou
natureza
do
prejuízo,
eles
só
protegeriam
contra
actos
estatais
com
determinadas
características
formais
2. Material:
existência
de
efeitos
restritivos
da
liberdade,
independentemente
da
natureza
ou
estrutura
da
medida
estatal.
A
utilização
do
conceito
clássico
de
intervenção
restritiva
correspondia
à
visão
tradicional
dos
direitos
fundamentais
como
direitos
de
defesa
essencial
ou
exclusivamente
dirigidos
contra
a
Administração
e
que
era
o
conceito
de
acto
administrativo
recorrível
que
delimitava
as
possibilidades
de
reacção
jurídica
do
particular
contra
o
Estado.
A
intervenção
restritiva
deveria
necessariamente
apresentar
algumas
precisas
características
entre
o
indivíduo
e
o
Estado
Essa
relação
teria
de
ser
uma
relação
jurídica
e
não
meramente
fáctica,
assentando
necessariamente
num
acto
jurídico
a
que
pudessem
apoiar-‐se
as
garantias
típicas
de
Estado
de
Direito.
As
novas
concepções
materiais
viriam
a
privilegiar
os
efeitos
restritivos
efectivamente
produzidos
na
esfera
do
afectado.
Valoriza
qualquer
influência
desvantajosa
na
esfera
de
autodeterminação
individual
como
prejuízo
da
liberdade,
independentemente
da
natureza
do
meio.
Será
que
qualquer
prejuízo
verificado
no
âmbito
da
protecção
do
direito
fundamental
deve
ser
considerado
fundamento
bastante
para
conferir
e
desencadear
protecção
jusfundamental
típica
por
parte
do
particular
afectado?
Uma
protecção
irrestrita
dos
cidadãos
contra
quaisquer
actos
que
de
alguma
forma,
por
mais
indirecta
ou
remota
que
fosse,
afectassem
os
seus
direitos
fundamentais,
poderia
reverter
em
prejuízo
da
própria
liberdade,
já
que
acabaria
por
inibir
o
Estado
na
criação
e
disponibilização
das
condições
ambientais,
de
um
exercício
optimizado
dos
direitos
fundamentais
por
parte
de
85
todos.
Uma
intervenção
estatal
amiga
dos
direitos
fundamentais
de
alguns
reflecte-‐se
negativamente
nas
condições
de
exercício
de
direitos
fundamentais
de
outros.
Uma
intenção
de
plenitude
e
efectividade
de
tutela
jurisdicional
dos
direitos
fundamentais
entre
numa
relação
problemática
de
tensão
com
a
multifuncionalidade
e
pluridimensionalidade
dos
próprios
direitos
fundamentais
em
Estado
social.
As
restrições
suscitam
assim
um
problema
de
delimitação
entre
o
que
é
responsabilidade
estatal
e
o
que
devem
ser
riscos
normais
da
vida
em
sociedade.
Perante
a
consequente
necessidade
de
distinguir,
de
entre
os
prejuízos
efectivamente
sofridos
no
bem
protegido
de
direito
fundamental
os
danos
juridicamente
relevantes
dos
irrelevantes,
a
doutrina
tem
desenvolvido
várias
propostas
que
no
fundo
orientam
a
busca
de
critérios
de
distinção
de
duas
estratégias:
(1)
ou
através
de
um
esforço
de
delimitação
do
âmbito
da
protecção
do
direito
fundamental
ou
(2)
através
de
uma
reelaboração
dos
elementos
que
devam
integrar
o
conceito
de
intervenção
restritiva.
Em
termos
práticos,
a
solução
é
idêntica.
(2)
esta
consiste
na
necessidade
de
reformulação
do
conceito
de
intervenção
restritiva
partindo
da
existência
de
um
efeito
restritivo
produzido
no
bem
jusfundamentalmente
protegido
e
incidindo
no
problema
da
delimitação
adequada
da
relevância
jurídica
a
atribuir
a
essa
prejuízo.
Agora
parte-‐se
da
qualidade
do
prejuízo
verificado
no
bem
protegido,
na
relevância
do
seu
efeito
restritivo.
Recorre-‐se
em
primeiro
lugar
a
uma
reavaliação
da
aplicabilidade
das
características
formais
da
intervenção
restritiva
clássica
à
luz
do
relevo
que
agora
se
concede
às
condições
fácticas
do
exercício
da
liberdade,
o
que
pressupõe
uma
diferenciação
primária
consoante
a
intervenção
restritiva
apresenta
uma
natureza
clássica
ou
fáctica.
Assim,
enquanto
que,
no
caso
da
restrição
clássica
bastaria
a
presença
das
suas
características
identificadoras,
designadamente
o
seu
carácter
imperativo,
a
finalidade
da
restrição
e
o
efeito
directo
na
esfera
do
particular,
para
lhe
permitir
desencadear
a
protecção
jusfundamental,
no
caso
das
restrições
fácticas,
mais
que
a
presença
daquelas
características
formais,
explora-‐se
e
releva-‐as
a
afinidade
relativamente
a
essas
características,
a
equiparação
ou
equivalência
de
86
capacidade
para
produzir
efeitos
restritivos
idênticos
aos
provocados
por
uma
intervenção
clássica
e
nessa
medida
a
semelhança
ou
proximidade
de
natureza.
O
conceito
de
intervenção
restritiva
pressupõe
uma
perspectiva
relacional
global
que
atenda
ao
prejuízo
verificado
na
liberdade
e
também
à
sua
imputabilidade
ao
Estado.
A
medida
estatal
só
será
qualificada
de
intervenção
restritiva
em
função
da
possibilidade
de
o
Estado
ser
adequadamente
responsabilizado
pelo
prejuízo.
Têm
então
que
se
considerar
novos
factos
e
critérios
fundados
numa
apreciação
valorativa
da
relação
de
causalidade
entre
medida
estatal
e
resultado
restritivo
produzido.
Para
Ramsauer
por
influência
de
Caemmerer:
deveria
ser
com
base
no
fim
da
norma
que
criou
a
relação
jurídica
entre
os
sujeitos
de
direito
que
se
deveriam
determinar
as
relações
de
imputabilidade
e
consequente
responsabilidade.
A
norma
de
direito
fundamental
visaria
uma
protecção
apenas
contra
danos
especificamente
determináveis
a
partir
do
fim
que
lhe
é
próprio.
A
resposta
ao
problema
da
determinação
dos
danos
relevantes
para
efeitos
de
protecção
de
direito
fundamental
não
poderia
ser
obtida
através
de
critérios
gerais
e
abstractos
de
imputabilidade
exclusivamente
relacionados
com
o
autor
da
medida
ou
relação
entre
esta
e
o
efeito
produzido
mas
dependeria
do
fim
de
protecção
da
norma
do
seu
âmbito
funcional
de
protecção.
Logo
haverá
intervenção
restritiva
relevante
sempre
que
no
caso
concreto
o
prejuízo
verificado
for
expressão
do
perigo
contra
o
que
o
direito
fundamental
pretende
proteger.
Conceito
de
restrição
em
sentido
estrito
São
actuações
normativas
do
poder
público
modificativas
no
conteúdo
dos
direitos
fundamentais
e
que
são
desvantajosas
ou
negativas
para
os
titulares
reais
ou
potenciais
dos
respectivos
direitos.
Estas
restrições
são
normas
que
suprimem,
impedem,
diminuem
o
acesso
dos
titulares
ao
bem
jusfundamentalmente
protegido
e
nessa
medida
afectam
a
prossecução
autónoma
de
fins
pessoais
garantida
objectivamente
pela
titularidade
daqueles
direitos
fundamentais.
Esta
afectação
desvantajosa
pode
ocorrer
através
de
uma
diminuição
directa
das
situações
ou
posições
jurídicas,
como
através
da
atenuação
dos
deveres
objectivos
que
a
norma
jusfundamental
87
impõe
ao
Estado.
Diferentemente
das
intervenções
restritivas,
que
afectando
desvantajosamente
o
bem
protegido
de
um
direito
fundamental
deixam
intocada
a
norma
de
direito
fundamental,
as
restrições
em
sentido
estrito
alteram
a
própria
norma
jusfundamental.
Também
aqui
é
preciso
que
haja
um
nexo
entre
a
disposição
normativa
e
o
efeito
restritivo
provocado
no
direito
fundamental
e
que
o
prejuízo
verificado
na
liberdade
possa
ser
imputado
à
decisão
normativa
do
Estado.
O
que
está
aqui
em
causa
é
uma
relação
objectiva
de
conformidade
entre
duas
normas:
a
constitucional
e
a
ordinária.
Quando
se
considerasse
a
proporcionalidade,
razoabilidade
ou
justificação
dos
meios
ou
a
legitimidade
dos
fins
prosseguidos,
a
dimensão
restritiva
presente
na
intenção
do
legislador
teria
de
ser
igualmente
considerada
na
avaliação
global
a
que
se
procedesse
quanto
à
constitucionalidade
da
lei.
A
necessidade
de
um
controlo
deste
tipo
parece
óbvia
quando
no
momento
da
aprovação
da
lei,
a
própria
entidade
pública
assume
uma
intenção
restritiva
da
liberdade,
mas
deve
também
considerar-‐se
nas
situações
em
que
uma
intenção
restritiva
vem
camuflada
sob
uma
intenção
mais
"nobre".
Tribe:
o
motivo
que
preside
à
aprovação
de
uma
lei
restritiva
não
deve
nunca
ser
irrelevante,
cabendo
em
caso
de
dúvida,
ao
poder
público
o
ónus
de
demonstração
da
existência
de
outro
verdadeiro
motivo.
Uma
lei
à
partida
legítima,
pode
ela
própria
ser
considerada
inconstitucional,
quando
as
possibilidades
de
exercício
de
algumas
liberdades
são
tão
intensamente
constrangidas
que
a
dimensão
restritiva
não
pode
deixar
e
ser
considerada
para
efeitos
de
um
controlo
de
constitucionalidade
relacionado
com
a
observância
do
princípio
da
proibição
do
excesso,
mas
também
quando
uma
regulação
aparentemente
neural
repercute
de
forma
particularmente
gravosa
na
possibilidade
de
acesso
igualitário
ao
exercício
da
liberdade
fundamentais
por
parte
de
sectores
sociais
desfavorecidos,
marginalizados
ou
minoritários.
A
natureza
do
prejuízo
a
considerar
é
diferente
nos
dois
tipos
de
restrição.
Enquanto
que
nas
intervenções
restritivas
o
prejuízo
juridicamente
relevante
é
o
verificado
de
forma
actual,
individual
e
concreta
na
esfera
pessoal
do
afectado,
no
caso
das
restrições,
trata-‐se
de
um
prejuízo
objectivo
da
88
liberdade,
ou
seja,
de
um
prejuízo
que
resulta
da
própria
alteração
da
norma
jusfundamental
a
que
se
traduz,
primariamente
na
diminuição
objectiva,
imediata
ou
potencial
das
possibilidades
de
acção
garantidas
no
âmbito
da
protecção
de
um
direito
fundamental,
ainda
que
simultânea
ou
sucessivamente,
se
traduz,
na
afectação
da
liberdade
individual
de
cada
um
dos
seus
titulares.
Diferentemente
do
que
acontecia
nas
intervenções
restritivas,
em
que
o
controlo
era
desencadeado
no
interesse
e
por
iniciativa
dos
particulares
afectados
por
um
prejuízo
concreto
e
actual,
nas
restrições
lidamos
na
maior
parte
dos
casos
com
prejuízos
que,
na
perspectiva
das
esferas
jurídicas
dos
titulares
do
direitos
fundamentais,
são
em
grande
medida
potenciais
ameaças
de
efectivação
provável
ou
segura
mas
ainda
em
desenvolvimento.
Conceito
de
restrição
adoptado
para
fins
de
delimitação
do
objecto
da
investigação
Partimos
de
um
conceito
abrangente
de
restrição,
entendida
como
acção
ou
omissão
estatal
que
eliminando,
reduzindo,
comprimindo
ou
dificultando
as
possibilidades
de
acesso
ao
bem
jusfundamentalmente
protegido
e
a
sua
fruição
por
parte
dos
titulares
reais
ou
potenciais
do
direito
fundamental
ou
enfraquecendo
os
deveres
e
obrigações
em
sentido
lato,
que
dele
resultam
para
o
Estado,
afecta
desvantajosamente
o
conteúdo
de
um
direito
fundamental.
As
suas
manifestações
mais
contundentes
em
termos
de
relevância
jurídica
e
prática,
as
mais
problemáticas,
são
as
restrições
que
se
verificam
no
âmbito
dos
direitos
negativos
de
liberdade
e
quando
elas
afectam
posições
de
vantagem
dos
particulares.
As
restrições
também
ocorrem
nos
âmbitos
dos
direitos
sociais
e
dos
direitos
liberdade
positivos.
Só
que
pelas
reservas
que
afectam
à
partida
a
consagração
constitucional
destes
direitos
-‐
reserva
do
financeiramente
possível
e
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
-‐
e
pela
consequente
indeterminabilidade
do
seu
conteúdo,
quer
os
efeitos
quer
as
próprias
possibilidades
de
controlo
das
restrições
são
praticamente
enfraquecidos
já
que
as
limitações
da
margem
de
actuação
dos
poderes
públicos
podem
ver
sempre
a
sua
efectividade
neutralizada
e
a
sua
inteligibilidade
confundida
mediante
a
invocação
daquelas
reservas.
89
Por
outro
lado,
é
quando
se
considera
a
contraposição
Estado/indivíduo,
interesses
públicos/interesses
particulares,
que
a
admissibilidade
e
a
justificação
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
são
mais
problemáticas.
Consideramos
preferível
centrarmo-‐nos
nas
restrições
aos
direitos
de
liberdade
negativos,
ainda
que
as
conclusões
sejam
extensíveis
com
as
devidas
adaptações
aos
outros
tipos
de
direitos.
As
fronteiras
entre
restrições
aos
direitos
fundamentais
actuadas
por
acção
do
Estado
e
restrições
que
consistam
na
omissão
de
um
dever
estatal,
são
muitas
vezes
impossíveis
de
determinar.
Por
vezes,
a
dimensão
objectiva
dos
direitos
fundamentais,
designadamente
na
modalidade
de
existência
de
deveres
de
protecção,
tem
de
ser
tida
em
conta
e
funcionar
como
parâmetro
de
aferição
da
legitimidade
de
restrições
actuadas,
não
apenas
por
omissões
mas
também
por
actuações
do
Estado.
A
restrição
como
uma
acção
do
poder
público
caracterizável
como
prejuízo
na
liberdade
ou
num
interesse
de
liberdade,
relevando
esse
prejuízo,
directo
ou
mediato
do
bem
jusfundamentalmente
protegido,
na
sua
dimensão
de
afectação
das
posições
de
vantagem
dos
particulares
traduzidas
na
capacidade
individual
jurídica
ou
fáctica
de
prossecução
autónoma
de
fins
individuais,
garantida
no
âmbito
de
protecção
de
um
direito
fundamental.
O
prejuízo
na
liberdade
ocorre
porque
se
eliminam
ou
reduzem
ou
impede
as
vias
e
possibilidades
de
acesso
individual
ao
bem
protegido
ou
porque
se
suprimem
ou
enfraquecem
os
deveres
estatais
que
decorrem
das
normas
de
direitos
fundamentais
ou
que
são
correspectivos
das
pretensões
individuais
nelas
sustentadas.
O
sentido
de
afectação
desvantajosa
ou
de
prejuízo
na
liberdade
é
objectivamente
apurável
através
da
existência
dessa
diminuição
de
livre
arbítrio,
liberdade
de
escolha
ou
de
autonomia,
de
possibilidade
de
determinar
e
controlar
as
condições
de
prossecução
dos
próprios
fins.
Pibroth/Schlink:
há
restrição
sempre
que
uma
imposição
estatal
impossibilita
o
particular
de
desenvolver
um
comportamento
abrangido
pelo
âmbito
de
protecção
de
um
direito
fundamental
ou
quando
esse
comportamento
é
tomado
como
referência
para
a
imposição
de
um
dever
ou
de
uma
sanção
estatal.
90
"Problema
da
fundamentação
da
ocorrência
de
restrições
a
direitos
fundamentais.
Teoria
externa,
interna,
direitos
fundamentais
como
princípios."
289
ss
restrições
O
primeiro
obstáculo
à
admissibilidade
de
restrições:
compatibilização
entre
o
carácter
formalmente
constitucional
da
garantia
de
direitos
fundamentais
e
o
carácter
infra-‐constitucional?
1. Teoria
externa
dos
limites
aos
direitos
fundamentais
Centra-‐se
na
função
de
defesa
dos
direitos
fundamentais
e
constitui
um
modelo
essencialmente
orientado
para
o
controlo
da
legitimidade
constitucional
das
intervenções
estatais
restritivas.
A
liberdade
individual
é
um
dado
anterior
ao
Estado
e
como
tal
é
em
princípio
ilimitada,
enquanto
que
a
faculdade
de
o
Estado
a
invadir
é
em
princípio
limitada,
e
se
o
fizer
faz
com
carácter
de
excepcionalidade
e
desde
que
o
faça
em
quantidade
mensurável
e
de
acordo
com
procedimentos
pré-‐estabelecidos.
(?)
Os
direitos
fundamentais
seriam
aqui
concebidos
essencialmente
na
sua
função
de
direitos
de
defesa
face
ao
Estado
e
as
suas
restrições
seriam
excepções
fundamentais
e
cuja
validade
dependeria
da
conformidade
aos
requisitos
constitucionais
exigidos
para
a
sua
verificação.
O
esquema
clássico
de
controlo
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
gira
em
torno
de
dois
momentos:
certifica-‐se
a
existência
de
uma
restrição
no
âmbito
de
protecção
de
um
direito
fundamental
para,
em
seguida,
se
indagar
da
justificação
constitucional
dessa
intervenção
restritiva.
2. Teoria
interna
dos
limites
dos
direitos
fundamentais
Esta
concepção
fuda-‐se
numa
relação
de
imanência
ou
de
unidade
entre
o
conteúdo
e
limites
de
um
direito
fundamental
e
na
consequente
inseparabilidade
entre
lei
conformadora
de
conteúdo
e
lei
delimitadora
do
âmbito
de
protecção
de
um
direito
fundamental.
Enquanto
direitos
individuais
e
direitos
subjectivos
públicos,
os
direitos
fundamentais
só
podem
ir
até
onde
não
lesem
outros
bens
jurídicos
de
valor
igual
ou
superior.
91
Os
limites
não
são
elementos
externos
legitimadores
de
intervenções
no
conteúdo
dos
direitos
fundamentais
mas
sim
concretizações
da
sua
substância
jurídica,
fronteiras
do
seu
âmbito
de
garantia
constitucional,
ou
seja
limites
imanentes
aos
direitos
fundamentais
cuja
eventual
positivação
na
qualidade
de
direitos
negativos
tem
um
carácter
meramente
declarativo.
Enquanto
a
teoria
externa
assenta
na
distinção
entre
conteúdo
do
direito
fundamental
e
limites
(restrições)
que
lhe
são
colocados
do
exterior,
para
a
teoria
interna
esta
distinção
não
faz
sentido:
tudo
o
que
existe
é
o
direito
fundamental
imanentemente
limitado
por
força
da
sua
necessária
compatibilização
e
consequente
compressão
pelos
outros
bens
de
valor
constitucional
igual
ou
superior.
O
direito
e
os
seus
limites
são
uma
única
e
mesma
coisa,
pois
tudo
o
que
existe
é
o
direito
com
um
conteúdo
necessária
e
imediatamente
limitado.
Neste
sentido,
o
problema
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
é
eliminado,
à
partida,
mas
apenas
no
plano
da
lógica
formal.
Ideia
de
limitação
intrínseca
ou
imanente
dos
direitos
fundamentais,
derivada
seja
da
própria
qualidade
jurídica
das
normas
de
direitos
fundamentais
seja
da
internalização
das
necessidades
de
compatibilização
social
dos
direitos
fundamentais
com
outros
valores.
Quando
a
CRP
consagra
os
direitos
fundamentais,
procede
a
uma
delimitação
do
seu
âmbito
de
protecção
e
acolhe
os
resultados
de
uma
delimitação
prévia
do
seu
conteúdo
em
função
da
necessária
protecção
de
outros
valores
ou
interesses
igualmente
dignos
de
protecção
constitucional.
3. Direitos
fundamentais
enquanto
princípios
Globalmente
desenvolvida
por
Alexy,
faz
decorrer
a
sua
concepção
de
limites
de
uma
elaboração
sobre
a
natureza
das
normas
de
direitos
fundamentais.
Orienta-‐
se
para
a
caracterização
da
especificidade
de
validade
material
ético-‐jurídica
autónoma,
dos
princípios,
enquanto
fonte
de
direitos
e
obrigações
que
constituem
Direito
aplicável
pelos
juízes
e
para
a
necessidade
de
uma
estrita
distinção
lógica
com
base
na
diferente
estrutura
que
apresentam,
entre
princípios
e
regras.
A
distinção
lógica
entre
regras
e
princípios
manifesta-‐se
na
diferente
forma
de
aplicação
e
de
colisão
que
se
funda
na
seguinte
diferença
92
essencial:
enquanto
que
a
dimensão
fundamental
das
regras
é
a
sua
validade,
a
dos
princípios
é
a
do
peso.
Os
critérios
de
distinção
lógica
entre
regras
e
princípios
haviam
conduzido
Dworkin
à
conclusão
de
que
as
regras
fixam
antecipadamente
uma
solução
para
o
caso
concreto,
enquanto
que
os
princípios
apenas
fornecem
uma
orientação
sem
determinarem
previamente
um
resultado
conhecido.
A
consideração
dos
direitos
fundamentais
como
princípios
seria
o
novo
paradigma
através
do
qual
o
problema
dos
limites
e
da
delimitação
dos
direitos
fundamentais
se
converteria
em
problema
de
optimização
orientada
pelo
conceito-‐chave
da
ponderação.
Os
direitos
fundamentais
seriam
sobretudo
direitos
com
natureza
de
princípios
aplicáveis
segundo
o
paradigma
da
ponderação.
O
modelo
dos
direitos
fundamentais
enquanto
princípios
funda-‐se
na
necessidade
de
uma
ponderação
derivada
da
dimensão
relevante
de
peso
que
apresentam
os
princípios.
O
modelo
dos
princípios,
recorrendo
à
distinção
entre
direito
de
prima
facie
e
direito
definitivo,
supera
essa
debilidade
na
medida
em
que
não
pode
já
haver
contradição
lógica
entre
normas
que
se
situam
em
níveis
diferentes:
o
nível
de
dever-‐ser
ideal
dos
princípios
,
onde
as
faculdades
ínsitas
num
direito
fundamental
constitucionalmente
consagrado
são
reconhecidas
de
prima
facie
e
o
nível
do
dever-‐ser
real
das
regras,
onde,
após
as
necessárias
ponderações
com
outros
princípios
que
no
caso
concreto
apontam
num
sentido
contrário,
aquelas
faculdades
cristalizam
em
direito
ou
não-‐direito
definitivos
com
as
correspondentes
regras.
Decorre
que
a
distinção
capital
no
que
se
refere
à
susceptibilidade
de
restrição
dos
diferentes
direitos
fundamentais
não
é
a
distinção
entre
direitos
com
ou
sem
reservas
ou
a
distinção
entre
direitos
de
liberdade
e
direitos
sociais
mas
antes
a
distinção
entre
direitos
fundamentais
garantidos
constitucionalmente
por
normas
que
são
regras
ou
por
normas
que
são
princípios.
Realça
a
qualidade
dos
direitos
fundamentais
enquanto
valores
ou
princípios
geradores
de
um
impulso
permanente
e
expansivo
de
realização
cuja
93
medida
e
alcance
se
podem
ver
impedidos
pela
necessidade
de
simultânea
realização
de
princípios
e
valores
opostos.
Conclusão
Não
adesão
plena
a
nenhuma
das
propostas.
Reconhecemos
que
a
ponderação
como
metodologia
(Alexy)
necessariamente
presente
em
qualquer
dogmática
constitucionalmente
adequada
dos
direitos
fundamentais
nos
nossos
dias.
Especialmente
no
domínio
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
não
expressamente
autorizadas
pela
Constituição
-‐
o
recurso
a
tal
metodologia
é
inevitável.
Se
quisermos
as
normas
de
direitos
fundamentais
apresentam
a
natureza
de
princípios
no
sentido
de
normas
que
não
fixam
um
resultado
necessário,
clara
e
imediatamente
dedutível,
já
que
a
solução
do
caso
depende
ainda
de
uma
indispensável
ponderação
de
razões
e
princípios
de
sentido
contrário
que
do
ponto
de
vista
da
CRP
devem
ser
igualmente
atendíveis.
A
admissão
da
imanência
daquela
reserva
geral
de
ponderação
significa
que
o
reconhecimento
que
nos
parece
irrecusável
de
que
os
efeitos
jurídicos
produzidos
pelas
normas
de
direitos
fundamentais
são,
independentemente
das
modalidades
concretas
de
consagração
constitucional,
condicionados
pela
necessidade
e
inevitabilidade
da
ponderação
dos
valores
e
interesses
que
os
direitos
fundamentais
visam
proteger
com
outros
valores,
interesses
ou
princípios
igualmente
atendíveis
no
caso
a
que
até
podem
ser
e
são
frequentemente
interesses
jusfundamentalmente
protegidos.
Tanto
a
teoria
interna
como
o
modelo
dos
princípios
dão
inteiramente
conta
desta
indiferenciação
quando
reconhecem
a
aplicabilidade
dos
direitos
fundamentais
condicionada
à
necessidade
de
compatibilização
e
consequente
possibilidade
de
cedência
face
a
outros
valores
igualmente
dignos
de
protecção
em
Estado
de
Direito.
O
modelo
da
teoria
externa
vê-‐se
obrigado
a
compensar
a
aparente
inflexibilidade
através
do
recurso
a
fundamentações
ou
metodologias
inspiradas
nos
outros
modelos,
acaba
por
chegar
a
análogas
conclusões
práticas,
quando
recorre
a
mecanismos
de
controlo
como
os
princípios
da
proporcionalidade,
igualdade
e
até
reserva
de
lei.
94
A
teoria
interna
dos
limites
aos
direitos
fundamentais
é
a
única
que
permite
fornecer
uma
fundamentação
de
coerência
inatacável
à
possibilidade
dos
limites.
Porém,
como
a
nossa
preocupação
é
uma
preocupação
de
controlo
e
exigência
de
justificação
racional
da
actividade
dos
poderes
constituídos
neste
domínio,
não
nos
podemos
satisfazer
com
o
modelo
da
teoria
interna.
11.
Proposta
de
fundamentação
da
legitimidade
de
ocorrência
de
restrições:
direitos
fundamentais
como
trunfos
com
reserva
geral
imanente
de
ponderação
A
ideia
de
direitos
como
trunfos
traduz
a
ideia
de
indisponibilidade
dos
direitos
fundamentais.
Há
um
primeiro
momento
em
que
se
teve
de
definir
quais
são
os
direitos
fundamentais,
quais
são,
afinal
os
limites
considerados,
em
princípio,
como
intransponíveis
pela
maioria.
Em
Estado
de
Direito
democrático,
quem
fixa
esses
limites
só
pode
ser
a
própria
maioria,
directa
ou
indirectamente,
que
no
momento
constituinte
se
autolimita
em
função
da
protecção
dos
direitos
fundamentais
ou
que
aceita
a
limitação
que
os
direitos
fundamentais
lhe
impõem.
Significa
que
a
decisão
constituinte
da
maioria
priva
essa
mesma
maioria
da
livre
disponibilidade
sobre
os
direitos
fundamentais.
Assim,
o
primeiro
acto
em
que
a
maioria
eleva
os
direitos
fundamentais,
a
garantia
constitucional
é
simultaneamente
o
último
acto
de
disposição
livre
dos
direitos
fundamentais.
Tendo
começado
por
atribuir
aos
direitos
fundamentais
a
natureza
de
trunfos
contra
a
maioria,
acabámos
a
concluir
que
na
sua
generalidade,
os
direitos
fundamentais
são
limitáveis,
podem
ser
restringidos.
Cabe
ao
legislador
ordinário
proceder
primariamente
a
essa
limitação,
seja
quando
a
CRP
expressamente
o
autoriza
a
limitar
o
direito
fundamental
seja
no
silêncio
da
CRP
quando
o
legislador
ordinário
antecipa
conflitos
ou
colisões
entre
os
direitos
fundamentais
e
outros
bens.
Nessa
ponderação
admite
ou
prevê
a
limitação/cedência
do
direito
fundamental
em
questão.
Porém,
o
legislador
ordinário
é
a
expressão
da
maioria
política,
logo
dissemos
que
os
direitos
fundamentais
eram
trunfos
contra
a
maioria,
mas
95
admitidos
e
defendemos
agora
que
essa
mesma
maioria
possa
limitar
os
direitos
fundamentais.
E
agora?
A
regra
geral
é
que
todos
os
direitos
fundamentais
considerados
como
um
todo
são
limitáveis.
Não
há
direitos
absolutos,
no
sentido
em
que
todos
os
direitos
dependendo
das
circunstâncias
concretas
do
caso
e
dos
valores
e
bens
dignos
de
protecção
que
se
lhes
oponham,
podem
ter
que
ceder.
Essa
limitabilidade
decorre
da
própria
natureza
dos
direitos
fundamentais.
Se
não
se
admitisse
essa
qualidade
intrínseca
de
limitabilidade,
o
legislador
constituinte
não
poderia
ter
sequer
consagrado
os
direitos
fundamentais
da
forma
abrangente
e
teria
de
prever
todas
as
circunstâncias,
modalidades
e
possibilidades
de
futuras
limitações
o
que
seria
impossível
e
inconveniente.
Os
direito
fundamentais
quando
são
constitucionalmente
consagrados
são
por
natureza,
imanentemente
dotados
de
uma
reserva
geral
de
ponderação.
Caberá
à
jurisdição
constitucional
assegurar
a
força
de
resistência
dos
direitos
fundamentais,
verificando
quando
o
peso
de
um
interesse
digno
de
protecção
é
suficientemente
forte
para
justificar,
à
luz
dos
princípios
constitucionais,
a
cedência
do
direito
fundamental,
ou
quando
a
invocação
de
uma
razão
de
interesse
público
apenas
esconde
o
desígnio
de
imposição
da
mundividência
particular
dos
detentores
conjunturais
do
poder.
Para
alguns,
o
princípio
in
dubio
pro
libertatis,
que
apontava
para
uma
prevalência
dos
interesses
de
liberdade
nos
casos
difíceis,
foi
visto
como
princípio
basilar
do
Estado
de
Direito
capaz
de
arbitrar
casos
duvidosos.
Num
Estado
que
assume
como
seus
fins
essenciais
a
garantia
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
da
autonomia
individual
e
a
promoção
dos
direitos
fundamentais
dos
cidadãos,
praticamente
todos
os
interesses
potencialmente
conflituantes
com
os
direitos
fundamentais
são
interesses
que
directa
ou
indirectamente
possuem
também
uma
referência
a
direitos
fundamentais,
pelo
que
a
prevalência
indiscriminada
de
um
qualquer
direito
fundamental
redundaria
na
restrição
de
outro
direito
fundamental.
Da
mesma
forma
são
insuficientes
as
tentativas
para
resolver
objectivamente
as
inevitáveis
colisões
de
interesses
no
mundo
dos
direitos
fundamentais
através
da
criação
abstracta
de
uma
ordem
constitucional
escalonada
de
valores
hierarquicamente
alinháveis.
Nem
o
estabelecimento
96
daquela
hierarquia
escalonada
de
valores
é
realizável
sem
o
recurso
a
pautas
não
consensualmente
partilháveis,
e
mesmo
que
o
fosse,
não
adiantaria
algo
no
domínio
da
resolução
concreta
das
colisões,
já
que
na
vida
real
nunca
é
o
direito
como
um
todo
que
conflitua
com
outro
bem.
Na
prática,
aquilo
que
ocorre
são
sempre
colisões
de
aspectos
parcelares
dos
interesses
em
causa
cuja
prevalência
não
é
possível
determinar
a
não
ser
tendo
em
conta
as
circunstâncias
da
situação
concreta.
Em
todos
os
casos
verdadeiramente
difíceis,
a
verificação
judicial
da
admissibilidade
constitucional
da
limitação
de
um
direito
fundamental
não
pode
prescindir
de
juízos
de
ponderação
e
valoração
de
bens
em
colisão,
com
o
que
se
entra
no
domínio
mais
delicado
do
exercício
da
função
jurisdicional
de
controlo
de
legitimidade
das
restrições
aos
direitos
fundamentais.
A
eventual
decisão
judicial
da
invalidação
da
decisão
política
dos
titulares
do
poder
político
só
é
legítima
quando
se
baseia
nos
valores
substantivos
constitucionais
e
pode
ser
fundamentada
segundo
parâmetros
jurídicos
objectivos
e
não
enquanto
formulação
e
concretização
de
uma
política
alternativa
à
do
legislador
democrático.
Considerando
que
no
domínio
dos
direitos
fundamentais,
e
sempre
que
esteja
em
causa
a
decisão
de
um
caso
difícil,
o
recursos
sistemático
à
ponderação
de
bens
é
com
todos
os
seus
riscos
e
insuficiências
inevitável,
há
que
desenvolver
uma
estratégia
de
redução
dos
perigos
de
subjectivismo
que
ameaçam
estruturalmente
essa
metodologia.
Reserva
imanente
de
ponderação
VS
teoria
dos
limites
imanentes
dos
direitos
fundamentais
A
nossa
proposta
de
compatibilização
da
ideia
dos
direitos
como
trunfos
com
a
ideia
de
existência
de
uma
reserva
geral
imanente
de
ponderação
que
afecta
intrinsecamente
a
realização
dos
direitos
fundamentais,
está
estreitamente
associada
ao
modelo
tradicionalmente
identificado
com
a
teoria
externa.
Relação
entre
a
proposta
que
fazemos
e
a
chamada
teoria
dos
limites
imanentes
dos
direitos
fundamentais
(teoria
interna)
-‐
a
ideia
de
reserva
geral
imanente
de
ponderação
não
deve
ser
confundida
com
a
teoria
dos
limites
imanentes
dos
direitos
fundamentais.
A
reserva
de
ponderação
de
que
falamos
é
97
o
pressuposto
lógico
ou
o
fundamento
constitucional
implícito
que
justifica
a
limitabilidade
dos
direitos
fundamentais,
enquanto
direitos
garantidos
por
normas
formalmente
constitucionais.
Garante
o
equilíbrio
entre
princípio
democrático
e
princípio
do
Estado
de
Direito,
conferindo
proporção
e
medida
ao
simultâneo
reconhecimento
da
indisponibilidade
dos
direitos
fundamentais,
isto
é,
da
ideia
de
direitos
como
trunfos,
mas
também
da
simultânea
necessidade
de
admitir
a
possibilidade
da
sua
limitação.
A
teoria
dos
limites
imanentes
dos
direitos
fundamentais
constitui
a
expressão
de
uma
estratégia
de
ocultação
que
tem
exactamente
o
sentido
e
efeito
contrário
e
que
se
afigura
totalmente
inadequada.
A
simples
invocação
de
existência
de
um
pretenso
limite
imanente
do
direito
fundamental
em
questão,
que
pode
ser
sempre
alegada
atendendo
à
generalidade
e
indeterminação
do
conceito,
serve
para
dispensar
o
controlo,
na
medida
em
que
oculta
o
conflito,
na
medida
em
que
nega
ou
disfarça
a
existência
de
uma
restrição
cuja
constitucionalidade
importaria
controlar.
A
concepção
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos
contra
a
maioria
apoia-‐se
numa
estratégia
de
evidenciação
do
conflito,
de
exposição
aberta
dos
interesses
em
colisão
no
caso
concreto,
e
por
isso
mesmo
parte
da
construção
do
Estado
de
Direito
democrático
em
termos
de
um
reconhecimento
prima
facie
de
uma
tensão
natural,
entre
princípio
da
maioria
e
direitos
fundamentais.
Sendo
esse
o
reconhecimento
assumido
enquanto
requisito
metodológico
necessário
a
uma
correcta
solução
jurídico-‐constitucional
dos
problemas
das
inevitáveis
colisões
entre
direitos
fundamentais
e
outros
bens
igualmente
dignos
de
protecção.
Desta
forma
incrementa-‐se
a
previsibilidade
e
igualdade
na
aplicação
do
Direito
e
reduz-‐se
o
subjectivismo
através
da
construção
de
uma
rede
de
juízos
de
precedência
traduzidos
em
regras
progressivamente
densificadas
e
estabilizadas
de
decisão
dos
casos
concretos.
Depois
de
verificada
a
existência
de
uma
restrição
a
direito
fundamental,
cabe
apurar:
1. se
há
uma
autorização
constitucional
expressa
ou
uma
justificação
adequada
para
restringir,
devendo
ainda
esta
justificação
ser
suficientemente
forte
para
fazer
ceder
o
direito
fundamental;
98
2. se
a
restrição
respeitou
todos
os
princípios
constitucionais
que
regulam
a
afectação
desvantajosa
dos
direitos
fundamentais
e,
designadamente
se
a
medida
da
restrição
não
é
excessiva.
A
força
do
trunfo
serve
de
pauta
inspiradora
da
densidade
do
controlo
judicial
sobre
a
verificação
dos
requisitos
que
tornem
constitucionalmente
admissível
a
restrição.
São
as
ponderações
que
se
revelam
determinantes,
aquelas
que
permitem
avançar
de
forma
mais
evidente
e
objectiva
possível
numa
decisão
intersubjectivamente
reconhecível
como
sendo
sustentada
na
Constituição.
99
12.
Primeira
fase
do
processo
de
controlo
da
constitucionalidade
das
restrições
aos
direitos
fundamentais:
a
delimitação
do
conteúdo
protegido
pelo
direito
fundamental
afectado
pela
restrição
(I)
Momento
em
que
se
delimita
interpretativamente
o
conteúdo
do
direito
fundamental
afectado:
Quando
se
procura
apurar
aquilo
que
está
à
partida
protegido
ou
não
pela
garantia
jurídica
proporcionada
pelo
direito
fundamental,
deparamo-‐nos
com
uma
relativa
indeterminação
do
preceito
constitucional;
tal
é
próprio
das
normas
de
direitos
fundamentais.
O
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana
entendido
como
ideia
de
pessoa
como
sujeito
assente
na
recusa
de
tratamento
degradante
do
indivíduo
como
meio
para
a
prossecução
de
fins
alheios.
Ideia
dominante
de
reconhecimento
da
autonomia
individual,
reflecte-‐se
numa
concepção
de
liberdade
negativa
contra
a
interferência
estatal.
Não
seria
compatível
com
a
concepção
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos
o
recurso
ao
conceito
de
dignidade
contra
os
direitos,
enquanto
meio
inserido
numa
estratégia
de
conformação
heterónoma
e
restritiva
do
conteúdo
dos
direitos
e
de
imposição
ao
seu
titular
de
concepções
alheias
que
o
recuperassem
para
uma
estratégia
dirigida
contra
a
autonomia
individual.
Tal
corresponderia
a
um
sentido
contrário
à
importação
do
conceito
de
dignidade
da
pessoa
humana
para
o
mundo
do
Direito.
Corresponderia
a
uma
frustração
e
inversão
dessa
lógica
humanizante
transformar
agora
a
dignidade
da
pessoa
humana
em
nova
abstracção
utilizada
e
instrumentalizada
a
bel-‐prazer
pela
maioria
política,
social
ou
religiosa
contra
os
concretos
direitos
fundamentais
das
pessoas
reais.
Uma
obrigação
estatal
de
definição
do
conteúdo
juridicamente
protegido
da
liberdade.
Essa
definição
não
pode
deixar
de
relevar
a
autonomia
e
auto-‐
compreensão
do
próprio
titular
sobre
o
sentido,
conteúdo
e
escolha
das
modalidades
de
exercício,
não
exercício
ou
até
renúncia
da
sua
liberdade.
Há
que
fazer
uma
opção
entre
uma
estratégia
que
procure
resolver
as
dificuldades
colocadas
pelas
limitações
dos
direitos
fundamentais
através
de
uma
delimitação
restritiva
desse
conteúdo,
e
uma
estratégia
que
remete
para
as
fases
seguintes
o
essencial
dos
esforços
de
controlo
e
se
satisfaz
com
uma
100
delimitação
o
mais
ampla
possível
do
conteúdo
protegido
do
direito
fundamental.
A
primeira
estratégia,
a
restritiva,
só
considera
como
exercício
de
direito
fundamental
aquilo
que
é
consensual
e
indiscutivelmente
aceite
como
tal.
A
segunda
estratégia,
a
ampliativa,
só
exclui
da
consideração
como
exercício
de
direito
fundamental
aquilo
que
consensual
e
indiscutivelmente
deva
ser
excluído.
Para
a
primeira
estratégia,
restritiva,
não
existirá
em
qualquer
destes
casos,
exercício
de
direito
fundamental,
pelo
que
na
eventualidade
de
aplicação
de
uma
sanção,
os
afectados
não
poderão
invocar
uma
protecção
jusfundamental.
Para
a
segunda
estratégia,
a
ampliativa,
todas
estas
situações
são
consideradas,
à
partida
como
exercício
de
direito
fundamental
e
quando
forem
sancionados
os
sujeitos,
deve
ser
tido
em
consideração
que
ali
existia
também
o
exercício
de
um
direito
fundamental
e
deve
entrar
na
ponderação
de
quem
decide
a
aplicação
da
sanção.
Se
o
objectivo
central
é
o
de
privilegiar
as
necessidades
de
controlo
de
constitucionalidade
das
restrições,
isto
é,
fazer
incidir
sobre
todas
as
actuações
estatais
que
afectam
negativamente
a
autonomia,
a
liberdade
e
o
bem-‐estar
individuais
um
escrutínio
judicial
efectivo,
a
segunda
estratégia
será
a
mais
adequada.
Só
deve
ser
excluído
da
consideração
como
exercício
de
direito
fundamental,
aquilo
que
constitua
ilícito
penal
em
sentido
material
ou
que
seja
consensual
e
indiscutivelmente
rejeitado
como
sendo
inadmissível
numa
sociedade
democrática.
A
teoria
dos
direitos
fundamentais
como
princípios
de
Alexy
considera
como
sendo
protegido
pelo
direito
fundamental
praticamente
tudo
aquilo
que
possa
ter
alguma
relação
ou
ser
invocado
em
associação
ao
direito
fundamental
-‐
afastamo-‐nos
dessa
posição.
13.
Segunda
fase
do
processo
de
controlo
de
constitucionalidade
das
restrições
aos
direitos
fundamentais:
a
justificação
exigível
para
a
admissibilidade
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
101
(II)
Momento
em
que
se
avalia
o
cabimento
constitucional
da
justificação/autorização
para
restringir:
Razões
inadmissíveis
para
justificar
a
restrição
de
direitos
fundamentais
Após
a
delimitação
interpretativa
do
conteúdo
juridicamente
protegido
de
um
direito
fundamental
e
verificada
a
existência
de
uma
restrição
ou
de
uma
intervenção
restritiva
que
sobre
ele
incida,
trata-‐se
de
apurar
se
há
uma
autorização
constitucional
expressa
para
restringir
ou,
não
havendo,
se
há
com
fundamento
na
reserva
geral
imanente
de
ponderação
que
afecta
em
geral
os
direitos
fundamentais,
uma
justificação
adequada
para
restringir
devendo
ainda
esta
justificação
ser
suficientemente
forte
para
fazer
ceder
o
direito
fundamental.
Cabe
distinguir
duas
linhas
de
desenvolvimento
dos
padrões
de
controlo:
adequação
da
justificação
(1)
e
a
natureza
dos
bens
cuja
prossecução
por
parte
do
Estado
é
susceptível
de
justificar
a
afectação
negativa
dos
direitos
fundamentais
(2).
Os
direitos
fundamentais
estão
intrinsecamente
afectados
por
uma
reserva
geral
de
ponderação
que
justifica
a
cedência
de
um
direito
fundamental
perante
a
necessidade
de
prosseguir
outro
que
apresente
um
maior
peso.
É
possível
e
necessário
fazer
a
tentativa
reversa,
ou
seja,
procurar
determinar
um
conjunto
de
situações
insusceptível
de
à
luz
da
observância
dos
princípios
do
Estado
de
Direito
e
da
concepção
dos
direitos
como
trunfos,
poderem
justificar
a
restrição.
O
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana
como
o
da
igualdade
determinam
que
haja
razões
insusceptíveis
de
serem
admitidas
como
justificação
aceitável
para
restrições
a
direitos
fundamentais,
pelo
menos
de
o
serem
em
Estado
de
Direito
que
assente
na
autonomia
e
dignidade
da
pessoa
humana.
Em
primeiro
lugar,
em
Estado
de
Direito
democrático,
e
à
luz
da
concepção
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos
contra
a
maioria,
o
argumento
do
número,
da
existência
de
uma
maioria
política
ou
social
a
favor
da
restrição,
não
é
fundamento
legítimo
de
restrições.
A
dignidade
de
todos
determina
que
não
seja
a
quantidade
das
pessoas
que
apoiam
a
restrição
mas
sim
o
conteúdo
da
justificação,
o
seu
peso
na
argumentação
e
ponderação.
Em
segundo
lugar,
a
maioria
não
pode
socorrer-‐se
do
argumento
maioritário
para
calar
a
voz
da
minoria,
para
a
forçar
a
aderir
a
visões,
102
concepções
e
formas
e
planos
de
vida
alheios.
A
maioria
política
pode
decidir
a
limitação
de
direitos
fundamentais,
mas
essa
intenção
vai
estar
sujeita
ao
escrutínio
da
justiça
constitucional,
a
quem
cabe
verificar
se
a
pretendida
cedência
do
direito
se
deve
ao
peso
específico
que
apresenta,
face
ao
direito
fundamental,
o
interesse
justificador
da
restrição
ou
se
o
que
está
em
causa,
é
a
tentativa
de
sacrifício
da
liberdade
individual
ao
fim
de
imposição
da
particular
mundividência
da
maioria
a
toda
a
sociedade,
com
a
consequente
erradicação
das
concepções
alternativas.
Em
terceiro
lugar,
mesmo
quando
há
razões
para
justificar
a
restrição,
a
maioria
tem
no
reconhecimento
obrigatório
da
igual
dignidade
das
pessoas
humanas,
de
tratar
todos
com
igual
consideração
e
respeito.
Sempre
que
esteja
em
causa
a
utilização
de
meios
restritivos,
em
si
mesmos
violadores
da
dignidade
da
pessoa,
ou
estejam
em
causa
limitações
ou
restrições
a
direitos
fundamentais
com
presença
de
categorias
ou
factores
suspeitos,
de
não
atender
à
igual
dignidade
e
ao
direito
de
cada
um
ser
tratado
pelo
Estado
e
os
poderes
públicos
com
igual
consideração,
o
controlo
judicial
deva
ser
muito
mais
denso
e
exigente.
Na
presença
de
uma
categoria
suspeita,
a
força
de
trunfo
do
direito
fundamental
determina
que
a
entidade
que
pretenda
actuar
a
restrição
seja
capaz
de
ilidir
a
presunção
da
sua
inconstitucionalidade
ou
no
mínimo
dissipar
as
dúvidas
quanto
à
real
intenção
que
lhe
subjaz,
suportando
o
ónus
de
demonstrar
que
a
afectação
do
direito
fundamental
é
independente
do
factor
de
suspeição.
Permanecerá
sempre
uma
zona
de
incerteza
quanto
à
correcção
das
soluções.
Importa
objectivizar
e
racionalizar
a
utilização
do
método,
reduzir
de
forma
substancial
e
intersubjectivamente
comprovável,
aquelas
insuficiências,
sem
a
pretenção
irrealizável
de
as
eliminar
em
absoluto.
Caberá
à
jurisdição
constitucional
discernir
quando
se
está
de
facto,
na
presença
de
valor
cujo
peso
justifica
a
compressão
ou
até
a
completa
cedência
do
direito
fundamental,
ou
quando
a
invocação
da
prevalência
desse
outro
interesse
pode
ocultar
a
tentativa
de
aproveitar
a
ocupação
conjuntural
do
Poder.
A
força
de
resistência
da
concreta
pretensão
ou
faculdade
de
direito
fundamental
que
está
em
causa
numa
concreta
situação
restritiva
não
é
indiferente
para
o
resultado
final
da
ponderação
em
curso.
Há
direitos
definitivamente
assegurados
103
e
direitos
ainda
sujeitos
a
ponderação,
limitáveis.
Dentro
desta
última
categoria,
há
direitos
mais
resistentes
ou
menos
resistentes.
Há
direitos
considerados
ou
como
um
todo
ou
em
algumas
das
suas
dimensões,
que
foram
constitucionalmente
consagrados
ou
adquiriram
um
lastro
de
resistência
especialmente
dirigido
contra
tipos
especiais
de
justificação
com
um
fundamento
remoto
na
protecção
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
na
concepção
dos
direitos
como
trunfos.
É
possível
distinguir
dentro
do
âmbito
de
protecção
de
direitos,
certas
categorias
ou
áreas
materiais
de
resistência
diferenciada
para
diferentes
tipos
de
justificações
invocadas.
Há
tipos
de
razões
justificativas
que
serão
inadmissíveis
quando
invocadas
para
restringir
certos
direitos
mas
não
já
outros.
A
ideia
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos
é
particularmente
operativa
nas
situações
em
que
a
esfera
de
liberdade
e
autonomia
de
um
indivíduo
sofre
as
ameaças
ou
as
pressões
eventualmente
avassaladoras,
provindas
não
directamente
do
poder
público,
mas
da
parte
de
um
meio
social
hostil
ou
de
maiorias
pouco
tolerantes.
A
natureza
de
trunfo
dos
direitos
fundamentais
coloca
sobre
as
autoridades
públicas,
especiais
exigências.
Um
escrutínio
judicial
inspirado
na
ideia
dos
direitos
como
trunfos
deve
ser
ainda
mais
denso
relativamente
às
medidas
discriminatórias,
diferenciadoras
ou
restritivas,
que
directa
ou
indirectamente
afectem
desvantajosamente
grupos
ou
indivíduos
mais
débeis.
Bens
susceptíveis
de
justificar
a
restrição
de
direitos
fundamentais
Em
geral,
por
força
da
sua
natureza
constitucional,
um
direito
fundamental
só
pode
ser
limitado
em
função
da
necessidade
de
protecção
ou
realização
de
um
bem
que
pelo
menos
disponha
de
idêntica
natureza
jurídica,
logo,
de
idêntica
força
constitucional.
Pode
acontecer
que
o
candidato
a
prevalecer
sobre
o
interesse
jusfundamentalmente
protegido
seja
um
bem
princípio
ou
interesse
que
não
possua
reconhecimento
constitucional
expresso,
mas
que
possa
reivindicar
nas
circunstâncias
do
caso
concreto,
não
obstante
a
sua
natureza
infraconstitucional,
em
peso
substancial.
Um
interesse
infraconstitucional
pode
justificar
uma
restrição
ao
exercício
de
um
direito
fundamental.
104
Gomes
Canotilho
critica
essa
posição
dizendo:
dissolve
a
força
normativa
da
Constituição;
entrega
os
direitos
fundamentais
a
quem
no
concreto
tem
de
ponderar
a
respectiva
aplicação.
Aquilo
que
dissolve
a
força
normativa
da
Constituição
é
precisamente
essa
elevação
meramente
formal
e
completamente
manipulável,
a
"bem
constitucional"
de
tudo
quanto
na
realidade
de
alguma
forma
possa
conflituar
com
os
direitos
fundamentais.
E
segundo:
o
critério
que
deve
inspirar
o
controlo
judicial
é
um
critério
material.
O
realismo
que
nos
é
imputado
não
deve
ser
confundido
com
a
admissibilidade
indiferenciada
e
irrestrita
de
qualquer
bem
ou
interesse
-‐
qualquer
candidato
a
fundamento
de
restrição
de
direitos
fundamentais
terá
que
passar
por
diferentes
e
apertados
crivos
constitucionais.
1. Terá
que
se
conformar
com
a
concepção
dos
direitos
fundamentais
como
trunfos,
o
que
desde
logo
exclui
as
jurisdições
de
restrição
exclusivamente
baseadas
na
força
do
número
ou
em
opções
políticas
ou
mundividenciais
particulares;
2. Terá
que
ser
capaz
de
ilidir
a
presunção
de
inconstitucionalidade
no
caso
de
se
tratar
de
um
fundamento
à
partida
suspeito;
3. A
força
de
trunfo
que
os
direitos
fundamentais
apresentam
obriga
o
candidato
a
fundamento
de
restrição
a
exibir
uma
força
ou
capaz
de
vencer
a
força
de
resistência
qualificada
do
direito
fundamental,
envolvendo
a
necessidade
de
o
próprio
bem
que
se
apresenta
como
candidato
a
fundamentar
a
restrição
ser
também
ele
passível
de
evidenciar
a
presença
de
outras
qualidades
relevantes
numa
sociedade
democrática;
4. O
fundamento
invocado
para
a
restrição
tem
que
visar
exclusivamente
o
reconhecimento
e
o
respeito
dos
direitos
e
liberdades
dos
outros
e
destinar-‐se
a
satisfazer
as
justas
exigências
da
moral,
da
ordem
pública
e
do
bem-‐estar
numa
sociedade
democrática;
5. As
normas
internacionais
de
protecção
dos
direitos
humanos
devem
ser
entendidas
não
enquanto
fundamentos
autónomos
de
limitações
à
liberdade
individual
mas
enquanto
standars
mínimos
gerais
de
protecção
que
funcionam
como
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
-‐
só
são
105
admitidos
à
ponderação,
os
que
para
além
dos
outros
requisitos
se
destinarem
a
prosseguir
um
daqueles
fins.
6. A
respectiva
realização
tem
que
se
conformar
com
as
exigências
positivas
e
negativas
impostas
pela
observância
dos
princípios
constitucionais
estruturantes
do
Estado
de
Direito
democrático,
os
chamados
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
que
derivam
directamente
de
uma
concepção
adequada
e
juridicamente
operativa
do
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana.
7. As
qualidades
atinentes
ao
peso
ou
à
premência
de
realização
do
bem
justificador
da
restrição
não
operam
em
abstracto
nem
em
absoluto.
A
sua
prevalência
dependerá
do
maior
ou
menor
peso
da
faculdade
de
pretensão
ou
situação
sempre
parcelar
relativa
ao
bem
jusfundamental
sujeito
à
eventual
restrição.
A
sua
força
de
resistência
variará
significativamente
em
função
do
peso
e
alcance
da
particular
dimensão
afectada
nas
circunstâncias
da
situação
concreta,
real
ou
antecipada
normativamente
pelo
legislador.
14.
Terceira
e
última
fase
do
processo
de
controlo
de
constitucionalidade
das
restrições
aos
direitos
fundamentais:
os
limites
aos
limites
(III)
Momento
em
que
se
procede
ao
controlo
da
constitucionalidade
da
medida
restritiva
concretamente
actuada:
Quando
a
justificação
para
restringir
não
seja
considerada
excluída,
inadmissível,
e
um
primeiro
juízo
de
ponderação
conclua
pela
prevalência
do
interesse
fundamentador
da
restrição
do
direito
fundamental,
quando
consideramos
que
o
direito
fundamental
deve
ser
limitado,
entramos
numa
última
instância
de
controlo,
a
verificação
de
constitucionalidade
da
medida
restritiva
que
foi
concretamente
adoptada.
É
ainda
o
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana
que
inspira
os
procedimentos
de
controlo.
Mesmo
se
expressamente
autorizada
pela
Constituição
ou
justificada
pela
necessidade
de
prossecução
de
outros
bens
igualmente
dignos
de
protecção,
a
restrição
a
direitos
fundamentais
será
inconstitucional
se
violar
exigências
de
106
Estado
de
Direito
que
se
impõem
a
todas
as
medidas
restritivas
da
liberdade,
os
chamados
limites
aos
limites,
dos
direitos
fundamentais
designadamente,
a
igualdade,
a
proibição
do
excesso,
a
segurança
jurídica
e
protecção
da
confiança.
É
de
salientar
a
importância
do
princípio
da
igualdade,
quando
se
procuraram
identificar
razões
estatais
insusceptíveis
de
ser
alegadas
a
favor
da
restrição
a
direitos
fundamentais.
Também
os
princípios
da
segurança
jurídica
e
da
protecção
da
confiança
legítima,
intimamente
associados
ao
princípio
de
Estado
de
Direito,
apresentam
uma
importância
de
relevo.
É
sobretudo
o
princípio
da
proibição
do
excesso
que
ocupa
hoje
um
lugar
central
enquanto
instrumento
de
controlo
judicial
das
restrições
a
direitos
fundamentais,
nas
várias
dimensões
ou
testes
de
controlo
em
que
se
decompõe
(aptidão,
indispensabilidade,
proporcionalidade,
razoabilidade,
determinabilidade).
O
princípio
da
proibição
do
excesso
surge
como
o
mais
poderoso
instrumento
jurídico
de
racionalização
e
objectivização
das
ponderações
realizadas
neste
domínio.
Apesar
das
tentativas
para
racionalizar
e
objectivizar
os
procedimentos
de
ponderação
de
bens
nessa
fase,
um
elevado
grau
de
subjectivismo
é
ineliminável
pelo
que
a
ponderação
verdadeiramente
profícua
no
mundo
dos
direitos
fundamentais
é
a
que
ocorre
no
plano
consequente
do
controlo
da
constitucionalidade
das
medidas
restritivas
concretamente
actuadas
no
seguimento
daquela
primeira
ponderação.
A
simples
ponderação
de
bens
não
permite
em
princípio,
qualquer
conclusão
intersubjectivamente
comprovável
-‐
qualquer
dos
bens
tem
em
abstracto,
uma
relevância
que
permite
justificar
a
preferência
por
um
ou
outro
resultado.
É
sobretudo
a
verificação
da
constitucionalidade
dessa
concreta
medida
restritiva
que
está
em
causa
e
constitui
o
objecto
nuclear
de
escrutínio
e
não
uma
qualquer
ponderação
entre
os
bens
que
se
encontravam
na
situação
de
colisão.
Assim,
as
ponderações
decisivas
que
podem
e
devem
ser
levadas
a
cabo
são
remetidas
para
esta
fase,
para
o
plano
do
controlo
judicial
das
concretas
medidas
107
restritivas
em
apreciação
e
designadamente
o
controlo
da
observância
do
princípio
constitucional
da
proibição
do
excesso.
Há
duas
precisões
a
fazer
neste
domínio:
1. Controlo
de
proporcionalidade
(proibição
do
excesso).
Não
é
a
ponderação
entre
os
bens
que
está
em
análise
mas
antes
a
medida
restritiva
que
foi
concretamente
adoptada
no
seguimento
daquela
ponderação,
e
mais
precisamente
o
controlo
de
proporcionalidade
dessa
medida
restritiva.
Neste
controlo
de
proporcionalidade
aquilo
que
se
avalia
são
os
sacrifícios
impostos
ao
direito
fundamental
contrapostos
aos
benefícios
produzidos
na
obtenção
do
fim
visado
com
a
restrição.
Aqui
na
fase
de
controlo
da
proporcionalidade,
aquilo
que
devemos
pôr
em
comparação
são
medidas
alternativas.
2. O
controlo
da
proporcionalidade
não
deve
resumir-‐se
a
uma
prática
de
controlo
sucessivo
da
observância
dos
vários
subprincípios
ou
máximas
de
proibição
do
excesso.
O
panorama
muda
quando
nos
orientamos
alternativamente
para
uma
lógica
de
comparação
de
medidas
restritivas
alternativas
que
tenha
globalmente
em
conta
as
respectivas
eficácia
e
grau
de
sacrifício
produzidos.
O
subjectivismo
é
significativamente
reduzido
quando
a
ponderação
passa
a
estruturar-‐se
em
termos
de
uma
comparação
de
medidas
alternativas,
concretamente
a
medida
restritiva
que
interveio
restritivamente
num
direito
fundamental
com
uma
medida
alternativa.
Aquilo
que
pode
ressaltar
objectivamente
excessivo,
desproporcionado
e
logo
inconstitucional,
não
é
a
medida
restritiva
em
si
mesma
e
isoladamente
considerada,
até
porque
normalmente
o
Estado
de
Direito,
designadamente
o
legislador
democrático
não
produz
medidas
em
si
mesmas
arbitrárias
ou
claramente
desproporcionadas.
Aquilo
que
pode
revelar-‐se
excessivo
é
a
relação
que
se
revela
entre
o
benefício
ou
vantagem
marginal
que
a
medida
restritiva
em
apreciação
acrescenta
relativamente
à
alternativa
com
que
intelectivamente
se
confronta,
quando
esse
incremento
marginal,
é
comparado
com
o
acréscimo
marginal
de
restrição
ou
sacrifício
na
liberdade
que
a
medida
em
apreciação
também
produz
relativamente
àquela
outra
alternativa.
Se
a
adopção
de
uma
nova
medida
restritiva
adoptada
introduz
na
ordem
108
jurídica
um
benefício
marginal
mínimo
para
o
fim
visado,
mas
simultaneamente
um
acréscimo
significativo
de
sacrifício
na
liberdade,
na
autonomia
ou
no
bem-‐estar,
então
a
ponderação
essas
grandezas
com
as
que
resultam
das
medidas
alternativas
actualmente
em
vigor,
pode
revelar
uma
relação
claramente
desproporcionada,
e
daí
a
inconstitucionalidade
da
nova
medida.
Se
a
restrição
da
liberdade
que
actualmente
vigora
só
garante
um
benefício
marginal
mínimo
face
a
um
sacrifício
de
liberdade
significativo,
quando
comparada
com
uma
hipotética
medida
restritiva
alternativa,
então
a
medida
actualmente
em
vigor
pode
vir
a
ser
considerada
inconstitucional
por
violação
do
princípio
da
proibição
do
excesso.
109
15.
Dignidade
da
pessoa
humana
1.
Estratégia
de
apuramento
de
um
conteúdo
normativo
para
o
princípio
constitucional
dignidade
da
pessoa
humana
Está
em
causa
não
apenas
a
questão
da
necessidade
mas
também
a
da
possibilidade
de
apuramento
e
de
delimitação
de
um
conteúdo
normativo
autónomo
que
permita
à
dignidade
da
pessoa
humana
funcionar
com
efectividade
e
utilidade,
como
princípio
supremo
da
ordem
jurídica.
Quanto
à
igualdade,
proporcionalidade
ou
segurança
jurídica,
a
doutrina
e
jurisprudência
foram
capazes
de
chegar
a
critérios
compartilhados
que
permitem
uma
definição
tendencialmente
consensual.
A
primeira
opção
estratégica
no
sentido
de
uma
aplicação
constitucionalmente
adequada
da
dignidade
da
pessoa
humana
enquanto
princípio
funda-‐se
na
ideia
elementar
de
que
o
princípio
só
pode
escapar
a
um
modelo
de
aplicação
puramente
retórico
e
redundante
se
puder
desenvolver
um
conteúdo
normativo
autónomo.
Ele
só
fará
jus
ao
lugar
de
princípio
supremo
que
a
CRP
atribui
à
dignidade
da
pessoa
humana
se
a
sua
aplicação
for
reservada,
excepcional
e
contida.
Bem
protegido
e
modalidades
de
aplicação
A
primeira
grande
dificuldade
que
se
nos
coloca
é
a
de
que
não
podemos
partir
da
identificação
e
consequente
delimitação
de
um
bem
de
protecção
que
possa
ser
representado
como
sendo
exclusivamente
garantido
pela
dignidade.
Em
primeiro
lugar
não
deve
ignorar-‐se
a
referência
material
dominante
do
conceito
de
dignidade
humana.
Há
invariavelmente
um
sentido
irredutível
e
positivamente
valorado
de
exigência
de
humanidade
e
de
respeito
da
humanidade
que
se
espera
dever
permear
todo
o
relacionamento
entre
Estado
e
indivíduos.
Em
segundo
lugar,
a
garantia
traduz-‐se
na
atribuição
de
uma
relevância
jurídica
prioritária
absoluta
a
determinadas
dimensões
de
bens
e
interesses
individuais,
que
sendo
igualmente
protegidos
por
outros
direitos
fundamentais,
encontram
na
garantia
proporcionada
pela
dignidade
da
pessoa
humana
a
sua
protecção
última.
110
Com
essa
especificidade
a
possibilidade
de
invocação
da
dignidade
da
pessoa
humana
desenvolve-‐se
por
aplicação
subsidiária
e
por
aplicação
incremental.
A
aplicação
subsidiária
verifica-‐se
quando
há
situações
objectivas
ou
posições
individuais
carentes
de
protecção
jurídica,
mas
para
cuja
defesa,
só
dispomos
da
dignidade
da
pessoa
humana
no
sentido
em
que
não
há
outros
princípios
aplicáveis.
Nas
situações
de
aplicação
incremental,
o
bem
ou
a
posição
jurídica
em
causa
são
funcionalmente
protegidos
por
outro
princípio
ou
por
um
direito
fundamental,
mas
a
garantia
por
estes
conferida
não
é
suficientemente
apta
ou
não
é
adequada
a
fornecer
a
protecção
qualificada
exigida
para
a
situação.
Reserva
de
aplicação
a
situações
excepcionais
e
extremas
É
para
o
tipo
de
situações,
normalmente
caracterizadas
pela
sua
gravidade,
por
constituírem
violações
extremas
da
dimensão
de
humanidade
intrínseca
ou
de
interesses
vitais
das
pessoas,
e
em
que
a
força
de
resistência
dos
direitos
fundamentais
específicos
ou
não
existe
ou
não
se
mostra
suficiente
ou
adequada,
que
se
deve
reservar
a
invocação
do
princípio
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Concepção
ampliativa
ou
concepção
restritiva
do
âmbito
de
protecção
da
dignidade
da
pessoa
humana
Segundo
uma
concepção
ampliativa,
a
estratégia
será
a
de
incluir
no
âmbito
de
protecção
tudo
o
que,
de
alguma
forma,
tenha
relação
com
a
dignidade
da
pessoa
humana,
lhe
possa
ser
associado
ou
que
o
princípio
da
dignidade
humana
possa
em
alguma
medida
pretender
proteger.
Segundo
a
concepção
restritiva,
devemos
orientar-‐nos
por
uma
delimitação
de
conteúdo
de
protecção
menos
ambiciosa
em
extensão
mas
susceptível
de
proporcionar
uma
garantia
mais
resistente
ou
até
incontestável
ao
âmbito
de
protecção
que
se
considera
abrangido
pela
dignidade
da
pessoa
humana.
Em
nosso
entender,
acaba
por
ser
uma
concepção
restritiva
que
reforça
a
respectiva
normatividade.
111
Uma
delimitação
tendencialmente
consensual
do
conteúdo
da
dignidade
da
pessoa
humana
no
espaço
de
um
pluralismo
razoável
Quando
vamos
procurar
uma
determinação
tendencialmente
consensual
do
conteúdo
normativo
da
dignidade
da
pessoa
humana,
a
tentativa
e
a
estratégia
que
desenvolvemos
visam
uma
definição
adequada
de
quais
são
os
parâmetros
normativos
decorrentes
do
princípio
constitucional,
e
não
visam
alcançar
consensos
em
torno
de
resoluções
judiciais
nos
casos
difíceis.
O
princípio
terá
departir
de
uma
base
consensual.
Só
poderá
desenvolver
uma
função
consentânea
quando
nele
possa
ser
reconhecido
um
conteúdo
normativo
acolhido
por
todas
as
correntes
e
concepções
próprias
de
um
pluralismo
razoável.
Interessa-‐nos
chegar
a
um
consenso
sobre
o
que
constitui
ou
não
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Mesmo
dentro
de
um
pluralismo
razoável,
cada
pessoa,
em
função
da
doutrina
que
perfilha,
tem
uma
ideia
própria
do
que
entende
por
vida
digna.
Interessa
saber
qual
a
melhor
estratégia
para
chegar
a
um
conteúdo
autónomo
tendencialmente
consensual
da
dignidade
da
pessoa
humana:
que
para
nós
será
a
delimitação
negativa.
Delimitação
negativa
do
conteúdo
normativo
autónomo
da
dignidade
da
pessoa
humana
Como
cada
um
tem
a
sua
posição
própria
e
diferente
sobre
o
que
é
ser
digno,
já
teremos
mais
possibilidades
em
concordar
na
identificação
do
que
seja
uma
atitude
indigna,
uma
violação
da
dignidade.
Logo,
o
apuramento
do
sentido
autónomo
do
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana
deve
ser
estratégica
e
preferencialmente
orientado
para
um
preenchimento
negativo
do
conceito.
Procuraremos
identificar
quais
as
violações-‐tipo
da
dignidade
da
pessoa
humana,
em
ordem
a
permitir
ao
princípio
o
desenvolvimento
de
um
sentido
normativo
tendencialmente
consensual
nas
situações
em
que
a
argumentação
jusfundamental
padronizada
é
inadequada
ou
não
é
suficientemente
efectiva,
portanto,
o
problema
de
saber
quando
a
dignidade
da
pessoa
humana
é
112
considerada
afectada/violada,
independentemente
da
violação
dos
direitos
fundamentais
particulares
2.
A
dignidade
da
pessoa
humana
na
história
A
dignidade
humana
só
chegou
ao
Direito
Constitucional
muito
tempo
depois
de
ser
correntemente
usada
na
linguagem
comum.
Durante
o
século
XIX
a
dignidade
permanece
ausente
dos
textos
jurídicos
e
constitucionais
e
mesmo
durante
a
primeira
metade
do
século
XX,
o
surgimento
é
muito
tímido.
A
primeira
manifestação
é
a
Constituição
finlandesa
de
1919,
onde
se
incumbe
a
lei
de
proteger
a
vida,
a
dignidade,
a
liberdade
pessoal
e
a
propriedade
dos
cidadãos.
Também
no
mesmo
ano
de
1919,
a
Constituição
de
Weimar
acolheu
indirectamente
o
conceito,
ao
dar
expressão
ao
projecto
oriundo
do
movimento
republicano
e
socialista
que
desenvolvera
uma
lita
política
em
torno
da
reivindicação
da
vida
digna
para
as
classes
trabalhadoras.
Posteriormente,
só
nos
últimos
da
década
de
trinta
a
ideia
de
dignidade
humana
surgiu
em
algumas
Constituições
e
textos
constitucionais,
combinadas
com
a
doutrina
social
da
igreja.
A
dignidade
humana
chegou
à
Constituição
salazarista,
não
em
1933,
mas
apenas
em
1951
já
depois
do
fim
da
Segunda
Guerra
e
após
o
início
da
difusão
dos
documentos
jurídicos
da
metade
do
século
XX.
A
dignidade
da
pessoa
humana
adquiriu
uma
vocação
de
referência
e
princípio
universal
da
comunidade
internacional
e
das
sociedades
democráticas
posteriormente
na
sucessiva
reprodução
nos
vários
textos
de
Direito
Internacional
dos
Direitos
Humanos
e
particularmente
nas
convenções
internacionais.
Neste
sentido,
os
textos
oficiais
de
Direito
Internacional
dos
direitos
humanos
tiveram
uma
influência
decisiva
e
precursora
do
acolhimento
jurídico-‐
constitucional.
A
novidade
jurídico-‐constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana
no
segundo
pós-‐guerra
e
a
influência
dúplice
do
cristianismo
113
A
dignidade
é
sobretudo
o
resultado
de
uma
luta
pelo
que
é
justo,
pelos
ideias
utópicos
ou
revolucionários
da
igualdade
e
da
liberdade.
De
facto,
quando
se
reconhece
a
dignidade
de
cada
pessoa
como
fim
em
si
mesma,
então
a
consequência
lógica
é
a
da
não
comparação
de
dignidades.
Por
isso,
hoje
quando
o
conceito
de
dignidade
se
deve
emancipar
da
inspiração
teológica,
o
que
fica
como
essencial
fundamentação
da
ideia,
é
sobretudo
o
sentido
de
justiça
e
não
essa
eventual
aspiração
utilitarista
a
uma
nivelação
por
cima
na
atribuição
de
honrarias
e
privilégios.
Por
isso
discordamos
da
interpretação
proposta
pelos
autores
que
defendem
que
a
dignidade
humana
agora
acolhida
não
seria
mais
do
que
a
reivindicação
de
alargamento
da
antiga
dignidade/status
ou
dignidade/privilégio,
não
descurando
a
sua
inegável
influência.
Por
isso
se
pode
dizer
que
a
dignidade
da
pessoa
humana
consagrada
como
princípio
jurídico
supremo
tanto
no
plano
Direito
Internacional,
como
de
Direito
Constitucional,
na
segunda
metade
do
século
XX,
é
algo
de
radicalmente
novo,
sem
prejuízo
das
inevitáveis
influências
de
um
legado
ocidental
com
múltiplas
origens
no
domínio
da
religião,
filosofia
e
ideias
políticas.
Sentido
normativo
geral
do
princípio
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana
em
Estado
de
Direito
No
contexto
do
actual
Estado
de
direitos
fundamentais,
a
dignidade
da
pessoa
humana
tem
como
núcleo
essencial
caracterizador,
todo
o
mesmo
conjunto
de
princípios
ou
de
elementos
que
também
fundamentam
a
existência
de
um
catálogo
típico
de
direitos
fundamentais.
Assim,
apesar
da
inevitável
relativização
que
vem
desenvolvida,
a
dignidade
da
pessoa
humana
não
pode
ser
considerada
ilegitimamente
afectada
só
pelo
facto
de
os
direitos
fundamentais
em
que
se
desenvolve
e
concretiza
poderem
ou
deverem
ser
restringidos
com
vista
à
garantia
de
outros
valores
igualmente
dignos
de
protecção.
O
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana
funciona
como
referência
e
critério
último
da
solução
da
questão
da
composição
equilibrada
entre
valores
igualmente
dignos
de
tutela
jurídica
e
que
entram
em
tensão
ou
em
colisão.
114
Ideia
de
um
valor
próprio
e
supremo
da
pessoa
pelo
simples
facto
de
o
ser;
ideia
de
igual
consideração
e
respeito;
ideia
da
pessoa
como
um
fim
em
si
mesma;
ideia
de
que
é
a
pessoa
individualmente
considerada
que
justifica
a
existência
do
Estado
e
não
o
inverso.
Independentemente
da
complexidade
do
estabelecimento
de
uma
composição
adequada
entre
direitos
e
valores,
da
ideia
de
igual
dignidade
decorre
a
proscrição
absoluta
de
um
tratamento
discriminatório,
estigmatizante
ou
humilhante
da
pessoa.
A
ideia
de
autonomia
no
sentido
do
reconhecimento
da
pessoa
como
sujeito
independente
e
responsável
pela
sua
própria
vida,
na
proibição
da
coisificação
e
da
instrumentalização
da
pessoa
e
na
necessidade
de
garantia
razoável
de
condições
materiais.
O
reconhecimento
da
autonomia
implica
a
proscrição
da
coisificação
da
pessoa,
a
rejeição
de
um
tratamento
que
faça
do
indivíduo
um
simples
objecto
da
intervenção
estatal
ou
que
o
reduz
tão
só
à
condição
de
mero
instrumento
para
a
realização
de
fins
alheios.
Na
relevância
da
autonomia
pessoal
como
valor
e
fim
em
si
vem,
também
implicado
o
reconhecimento
da
pessoa
como
sujeito
capaz
de
produzir
o
sentido
da
sua
própria
dignidade,
o
que
remete
para
as
ideias
de
autodeterminação,
livre
desenvolvimento
da
personalidade,
livre
e
autónoma
eleição
e
adopção
de
planos
e
forma
de
vida.
A
assunção
da
dignidade
da
pessoa
humana
como
valor
supremo
por
parte
do
Estado
de
Direito
dos
nossos
dias
garante
aos
indivíduos
uma
posição
absoluta
de
igualdade
na
definição
e
prossecução
autónomas
de
fins
e
modos
de
vida,
o
que,
na
relação
entre
os
indivíduos
e
o
Estado
se
traduz
no
reconhecimento
constitucional
expresso
ou
implícito
de
uma
margem
de
liberdade
incomprimível
que
conforma
um
núcleo
ou
conteúdo
essencial
em
cada
direito
fundamental.
Esta
é
uma
dignidade
da
pessoa
em
si,
uma
dignidade
que
o
sentido
de
justiça
do
nosso
tempo
funda
numa
capacidade
abstracta
e
potencial
de
autodeterminação,
mas
alarga
a
todas
as
pessoas
independentemente
da
capacidade
ou
vontade
concreta
da
sua
realização.
115
Assim,
do
reconhecimento
da
dignidade
da
pessoa
humana
decorre
o
reconhecimento
do
poder
de
a
pessoa
dispor
livremente
das
possibilidades
de
autoconformação
da
sua
vida.
3.
O
conteúdo
normativo
autónomo
da
dignidade
da
pessoa
humana
Sentido
de
justiça
e
dimensões
da
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
Também
para
nós,
a
dignidade
da
pessoa
humana,
assente
no
reconhecimento
da
sua
humanidade
e,
logo,
no
necessário
respeito
do
estatuto
qualificado
como
pessoa,
é
uma
construção
cultural,
racional
e
civilizacional
que,
no
plano
jurídico,
se
traduz
normativamente
na
garantia
da
capacidade
humana
de
autodeterminação
e
de
programação
da
própria
vida
por
parte
de
cada
pessoa
vista
na
sua
qualidade
de
sujeito
responsável.
Mas
o
estatuto
próprio
de
pessoa
humana
não
se
esgota
nessa
associação
à
capacidade
de
autonomia
da
pessoa.
Para
além
da
associação
íntima
à
autonomia
pessoal
e
ao
reconhecimento
da
pessoa
como
sujeito,
a
dignidade
da
pessoa
humana
desenvolve-‐se
também
no
comando
de
respeito
da
igual
dignidade
e
da
igual
consideração
dos
interesses
de
cada
pessoa
e
na
garantia
das
condições
mínimas
da
possibilidade
de
desenvolvimento
das
potencialidades
próprias,
independentemente
de
capacidades,
particularidades
e
diferenças
individuais.
Obrigações
de
respeito
da
integridade
humana
e
da
igual
dignidade
são
as
dimensões
normativas
essenciais
da
consagração
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
têm
a
sua
justificação
sustentada
no
sentido
de
justiça
do
nosso
tempo.
Assim,
se
é
certo
que
a
presença
das
características
únicas
da
espécie
humana
nos
permitem
reconhecer
o
estatuto
de
pessoa
moral
a
quem
quer
que
as
possua,
a
quem
tenha
a
capacidade
para
se
assumir
como
sujeito
responsável
pela
própria
vida,
reconhecemos
idêntico
estatuto
às
pessoas
que
momentânea,
transitória
ou
definitivamente
não
possuem
ou
já
não
possuem
tal
capacidade.
Fazêmo-‐lo
por
força
do
sentido
de
justiça.
O
sentido
de
justiça
permite
valorar
na
vida
de
cada
pessoa
um
conjunto
de
capacidades
e
de
sensibilidade
que,
mesmo
quando
não
acompanhadas
pela
capacidade
de
consciencialização
e
de
racionalidade
que
distinguem
a
espécie
116
humana,
merecem
uma
tão
igual
atenção,
respeito
e
consideração
de
interesses,
bem
como
das
respectivas
oportunidades
de
exercício
ou
de
desenvolvimento.
Na
perspectiva
da
dimensão
jurídico-‐constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana,
o
valor
intrínseco
não
é
algo
que
exista
na
natureza,
mas
sobretudo
algo
de
cultural,
racional
e
civilizacionalmente
construído,
no
sentido
de
algo
a
que
atribuímos
um
valor
próprio,
dito
inato
porque
não
depende
nem
se
orienta
por
quaisquer
juízos
de
utilidade
extrema,
mas
que
existe
pelo
simples
facto
da
humanidade
da
pessoa.
Só
com
esse
alcance
podemos
recorrer
normativamente
a
noções
como
as
de
valor
intrínseco
da
pessoa
humana,
humanidade
intrínseca
ou
integridade
humana.
Tal
não
significa
que
ela
possua
algo
que
seja
sagrado,
mas
significa
que
o
nosso
sentido
de
justiça
atribui
à
pessoa
humana,
em
si
mesma,
um
estatuto,
um
valor
extraordinariamente
elevado,
incondicional
e
independente
de
considerações
de
utilidade,
uma
dignidade
própria.
Há
assim,
em
cada
pessoa
individualmente
considerada,
mas
independentemente
dos
seus
atributos
e
estatutos
particulares,
uma
dimensão
irredutível
de
humanidade
que
apela
ao
respeito.
Portanto,
há
inconstitucionalidade
quando
se
desrespeita
o
estatuto
das
pessoas
na
sua
integridade
humana
e
quando
não
se
reconhece
a
igual
dignidade
de
todas
as
pessoas.
Dignidade
como
integridade:
há
violação
da
dignidade
humana
quando
a
pessoa
é
desrespeitada
na
sua
humanidade,
quando
não
lhe
é
reconhecida
a
sua
natureza
de
sujeito
e
quando
é
colocada
ou
é
abandonada
numa
situação
ou
num
estado
em
que
não
dispõe
de
condições
mínimas
para
desenvolver
as
suas
capacidades
de
realização
humana
Há
situações
em
que
pela
sua
gravidade
ou
pela
intensidade
da
afectação
de
dimensões
de
humanidade
intrínseca
da
pessoa,
seria
inadequado
invocar
exclusivamente
a
violação
de
direitos
fundamentais
específicos
sem
primariamente
ser
assinalada
a
ofensa
à
dignidade.
Nessas
situações,
a
inconstitucionalidade
primariamente
relevante
é
a
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana.
117
Dignidade
como
respeito
da
humanidade
intrínseca
da
pessoa
A
dignidade
primariamente
protegida
pelo
princípio
jurídico-‐
constitucional
é
a
da
pessoa
humana
individualmente
considerada.
Haverá
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
quando
alguém,
independentemente
das
suas
capacidades
intrínsecas,
das
suas
opções
ou
dos
seus
actos,
é
desrespeitado
na
sua
humanidade,
ou
seja,
é
tratado
em
termos
que,
de
acordo
com
o
sentido
de
justiça
próprio
do
nosso
tempo,
evidenciam
um
não
reconhecimento
ou
um
desrespeito
que
denigrem
a
sua
qualidade
especificamente
humana
ou
o
seu
valor
de
pessoa,
ou
lhe
infligem
uma
humilhação
potencialmente
destrutiva
do
seu
auto-‐respeito.
Trata-‐se
daquele
tipo
de
desrespeito
extremo
consensualmente
identificado
como
violador
da
dignidade
humana
à
luz
de
qualquer
perspectiva
razoável.
Dignidade
da
pessoa
como
sujeito
A
cada
pessoa
tem
que
ser
reconhecida
e
materialmente
garantida
a
autonomia,
a
liberdade
e
as
condições
materiais
mínimas
que
lhe
assegurem
a
possibilidade
de
se
assumir
como
sujeito
da
própria
vida.
A
dignidade
da
pessoa
como
sujeito
desenvolve-‐se
nos
principais
planos:
proscrição
de
subjugação
e
de
exclusão,
com
garantia
da
essencial
autonomia
da
pessoa;
inadmissibilidade
correlativa
de
degradação
da
pessoa
como
objecto
ou
como
coisa;
proibição
de
alienação
identitária
e
de
devasse
humilhante,
com
a
garantia
do
controlo
do
próprio
sobre
a
sua
identidade,
o
seu
reino
interior
e
a
sua
apresentação
pública;
inaceitabilidade
da
incapacitação
da
pessoa,
a
quem
devem
ser
garantidas
as
condições
materiais
e
a
educação
que
lhe
permitam
afirmar-‐se,
ou
desenvolver-‐se
na
medida
das
suas
capacidades,
como
sujeito
da
própria
vida.
Dignidade
como
igualdade:
há
violação
da
dignidade
humana
quando
a
pessoa
é
humilhada
ou
é
estigmatizada
como
ser
pretensamente
inferior
Há
outro
conjunto
de
situações
em
que
é
posta
em
causa
a
segunda
dimensão
do
estatuto
da
pessoa
que
o
nosso
sentido
de
justiça
considera
intocável:
as
situações-‐tipo
em
que
é
essencialmente
afectado
o
estatuto
de
igual
118
dignidade
de
cada
pessoa,
em
que
alguém
se
vê
desrespeitado
na
sua
igual
condição
humana.
A
eventual
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
neste
domínio
irrompa
quando
o
tratamento
inigualitário
é
especialmente
desqualificador,
no
sentido
de
colocar
decisiva
e
drasticamente
em
causa
a
imagem
e
o
reconhecimento
da
pessoa
como
igual.
Dignidade
e
discriminação
estigmatizante
em
função
da
natureza
da
pessoa,
das
suas
escolhas
constitucionalmente
protegidas
ou
de
critérios
arbitrários
Haverá
sempre
afectação
indirecta
da
dignidade
da
pessoa
humana
quando
a
pessoa
é
injustificadamente
discriminada
ou
tratada
desigualmente.
Há
violação
específica
e
directa
da
dignidade
de
ser
humano
quando
a
pessoa
é
publicamente
humilhada
ou
é
discriminada
de
forma
estigmatizante,
aviltante,
tratada
como
inferior
ou
como
intrinsecamente
digna
de
menor
consideração
e
respeito,
e
designadamente
quando
esse
tratamento
se
fundamenta
simplesmente
naquilo
que
a
vítima
é,
no
que
pensa
ou
como
vive.
Há
violação
quando
o
tratamento
inigualitário
visa
ou
tem
como
efeito
o
desrespeito
da
humanidade
intrínseca,
a
discriminação
desqualificante
ou
humilhante
e
é
justificado
em
função
do
ser,
da
natureza
da
pessoa
ou
da
presença
de
características
independentes
da
vontade
e
da
responsabilidade
do
próprio.
Há
igualmente
violação
do
estatuto
de
igual
dignidade
quando
a
discriminação
estigmatizante
é
motivada
por
uma
intenção
desqualificadora
das
escolhas
íntimas,
nucleares
e
constitucionalmente
protegidas
da
pessoa.
Garantia
de
igual
dignidade
e
obrigações
positivas
do
Estado
Como
é
realçado
na
teoria
do
reconhecimento,
a
igual
dignidade
implica,
não
apenas
a
tolerância,
mas
também
a
aceitação
da
diferença
e
o
reconhecimento
público,
o
que
exige
um
reconhecimento
assente
no
respeito,
mas
também
uma
actuação
positiva
inclusiva
e
tendencialmente
contramaioritária
dos
poderes
públicos
orientada
para
a
garantia
da
respectiva
aceitação
social.
A
igual
dignidade
impõe
o
reconhecimento
tanto
da
identidade
e
da
igualdade
abstractas
do
indivíduo
na
sua
qualidade
de
pessoa
humana,
119
como
também
das
concretas
características
particulares
que
identificam
e
que
diferenciam
o
grupo,
a
comunidade
ou
a
categoria
minoritária.
Aceitação
e
reconhecimento
público
da
diferença
significam,
não
apenas
a
atribuição
de
iguais
direitos
e
aplicação
de
iguais
formas
de
tratamento,
mas
também
a
erradicação
de
quaisquer
simbologias
ou
atitudes
que
incutam
ou
admitam
a
ideia
de
há
numa
comunidade,
cidadãos
de
primeira
e
de
segunda,
numa
lógica
que
seria
incompatível
com
a
igual
dignidade
enquanto
direito
a
igual
respeito
e
consideração
de
interesses.
Assim,
haverá
ainda
violação
da
dignidade
por
parte
das
entidades
públicas
quando
omitam
intervenções
que
previnam
e
reprimam
os
comportamentos
sociais
denegridores
do
estatuto
de
igual
dignidade
de
todas
as
pessoas,
compactuando
com
eles
ou
admitindo
passivamente
a
reprodução
social
desses
comportamentos.
Conteúdo
normativo
autónomo
da
dignidade
da
pessoa
humana:
síntese
conclusiva
e
remissão
O
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana
projecta
efeitos
jurídicos
em
vários
sentidos
e
com
diferentes
dimensões:
• como
critério
de
conformação
do
sentido
do
relacionamento
entre
indivíduo
e
poderes
públicos
num
Estado
de
Direito;
• como
fundamento
material
dos
direitos
fundamentais
especificamente
elencados
e
como
critério
de
interpretação
e
integração
das
normas
constitucionais
• como
critério
de
delimitação
interpretativa
do
conteúdo
protegido
dos
direitos
fundamentais
e
como
critério
de
invalidação
constitucional
de
eventuais
justificações
que
os
poderes
públicos
invocam
para
restringir
• como
fundamento
e
referência
dos
princípios
constitucionais
que
vinculam
toda
a
actuação
do
Estado
e
são
aplicáveis
enquanto
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
• como
critério
de
preenchimento
e
conformação
do
conteúdo
essencial
dos
direitos
fundamentais
• como
limite
autónomo
e
parâmetro
de
controlo
de
constitucionalidade
das
restrições
120
A
dignidade
da
pessoa
humana
pode
ser
invocada
como
fundamento
de
verificação
de
julgamento
ou
declaração
de
inconstitucionalidade
quando:
• os
poderes
públicos
violam
directamente
por
acção
ou
omissão
os
deveres
de
respeito,
protecção,
promoção
da
dignidade
da
pessoa
humana
• os
poderes
públicos
restringem
ou
intervêm
restritivamente
com
violação
das
exigências
da
dignidade
da
pessoa
humana
• os
poderes
públicos
não
cumprem
os
comandos
de
actuação
a
que
estão
juridicamente
obrigados
pelas
normas
• os
particulares
ou
entidades
violam
o
dever
de
respeito
da
dignidade
da
pessoa
humana
que
recai
sobre
todos
os
membros
da
comunidade
Há
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
nas
situações
especialmente
qualificadas
ou
de
extrema
gravidade
de:
• desrespeito:
alguém
ou
vida
humana
são
desrespeitados
na
sua
humanidade
intrínseca
• subjugação
ou
de
exclusão:
alguém,
com
condições
subjectivas
e
objectivas
de
genuína
autodeterminação
e
sem
responsabilidade
sua,
é
activa
e
decisivamente
impedido
de
prosseguir
os
seus
próprios
desígnios
e
as
suas
escolhas
ou
planos
de
vida
em
domínios
essenciais
para
a
sua
independência
ética
ou
é
impedido
de
participar,
directa
ou
indirectamente
na
tomada
das
decisões
da
colectividade
• degradação:
alguém
que
é
substancialmente
coisificado
de
forma
denegridora
ou
é
degradado,
em
situações
relevantes
da
sua
vida,
à
condição
de
mero
objecto
ou
instrumento
de
realização
de
fins
que
lhe
são
estranhos
• alienação
identitária:
alguém
que
é
impedido
de
ter
e
de
se
apresentar
com
uma
identidade
pessoal
ou
é
privado
do
acesso
ao
conhecimento
das
suas
origens
e
da
sua
história
ou
é
desapossado
do
controlo
sobre
a
sua
identidade
• devasse
e
de
humilhação:
alguém
que
é
devassado
na
esfera
de
intimidade
que
pretende
preservar
do
conhecimento
dos
outros
ou
é
121
humilhado
com
desconsideração
da
imagem
de
si
que
o
próprio
pretende
construir
e
apresentar
publicamente
• incapacitação:
alguém
que
é
privado
de
recursos
mínimos
para
uma
existência
condigna
ou
é
involuntariamente
colocado,
mantido
ou
abandonado
numa
situação
de
penúria
material
ou
num
estado
de
falta
de
oportunidade
de
educação
• estigmatização:
alguém
é
discriminado
de
forma
estigmatizante
ou
é
tratado
com
desigual
respeito
e
consideração
de
interesses
e
de
forma
a
sugerir
socialmente
dever
ser-‐lhe
atribuída
uma
natureza
ou
um
estatuto
de
inferior
ou
de
digno
de
menor
consideração
e
respeito.
4.
Dignidade,
autonomia
e
consentimento
I
108
ss,
Dignidade
objectiva
contra
autonomia
individual
-‐
o
caso
do
lançamento
do
anão
Numa
primeira
impressão,
é
difícil
encontrar
melhor
exemplo
de
utilização
da
dignidade
da
pessoa
humana
já
que
a
coisificação
e
a
degradação
do
anão
parecem
aqui
evidentes.
No
entanto,
a
dignidade
da
pessoa
humana
foi
invocada
pelos
dois
lados:
pelos
poderes
públicos
que
consideravam
o
espectáculo
em
si
mesmo
degradante
e
violador
do
princípio
mas
também
pelo
interessando,
o
anão,
que
imputava
ao
Estado
a
violação
da
sua
dignidade
na
medida
em
que,
em
nome
de
concepções
morais
de
dignidade
que
ele
não
partilhava
e
que
supostamente
se
destinavam
a
protegê-‐lo,
os
poderes
públicos
o
privavam
do
único
emprego
ao
seu
alcance
e
impediam-‐no
de
viver
uma
vida
honesta,
em
autodeterminação
e
liberdade
individual.
A
degradação
e
ofensa
à
dignidade
da
pessoa
humana
não
resulta
a
coisificação
em
si,
uma
vez
que
não
haveria
nada
de
errado
no
acto
de
lançamento
de
uma
pessoa,
pressupondo
obviamente
que
há
consentimento,
que
há
protecção
da
integridade
física
e
que
o
arremessado
tem
o
controlo
da
situação.
Aquilo
que,
de
facto,
repugna
na
situação
em
causa
não
é
a
coisificação
em
abstracto,
mas
sim
a
coisificação
específica
de
um
anão,
o
facto
de
o
arremessado
ser
um
anão.
122
Pode
o
dever
estatal
de
protecção
da
dimensão
objectiva
da
dignidade
de
um
grupo
prevalecer
sobre
a
autonomia
individual?
No
caso
do
anão
há
outras
razões
que
podem
aconselhar
a
proibição:
espectáculos
deste
tipo
degrada
objectivamente
a
imagem
social
dos
anões,
diminui
a
sua
auto-‐estime
e
estimula
a
criação
ou
manutenção
de
preconceitos
sociais
contra
o
grupo.
Dir-‐se-‐ia
que
não
seria
sequer
um
problema
específico
dos
anões,
mas
de
todos
os
que
integrassem
outro
qualquer
grupo
social
ou
culturalmente
discriminado.
Deve
reconhecer-‐se
ao
legislador
uma
margem
de
prognose
e
decisão
sobre
qual
a
melhor
forma
ou
mais
adequada
para
protecção
das
pessoas.
A
ausência
de
lei
não
determina
a
impossibilidade
de
o
juiz
assumir
directamente
a
protecção
dos
interesses
jusfundamentais
e,
por
maioria
de
razão,
da
dignidade
da
pessoa
humana
à
luz
da
teoria
dos
deveres
de
protecção.
A
limitação
das
liberdades
individuais
não
pode
deixar
de
ser
tida
em
conta
e
poderia
ser
justificada
no
caso
concreto
com
base
na
obrigação
jurídica
que
o
Estado
tem
de
proteger
essas
pessoas,
esse
grupo.
Não
era
um
argumento
de
defesa
da
dignidade
da
pessoa
humana
que
poderia
ser
invocado
mas
a
necessidade
de
protecção
daquele
grupo
particular
contra
discriminações
injustificadas.
II
68
ss
Reserva
de
aplicação
a
situações
excepcionais
e
extremas
É
para
o
tipo
de
situações,
normalmente
caracterizadas
pela
sua
gravidade,
por
constituírem
violações
extremas
da
dimensão
de
humanidade
intrínseca
ou
de
interesses
vitais
das
pessoas,
e
em
que
a
força
de
resistência
dos
direitos
fundamentais
específicos
ou
não
existe
ou
não
se
mostra
suficiente
ou
adequada,
que
se
deve
reservar
a
invocação
do
princípio
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana.
II
104
ss
123
Em
primeiro
lugar,
haverá
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
quando
alguém,
independentemente
das
suas
capacidades
intrínsecas,
das
suas
opções
ou
dos
seus
actos,
é
desrespeitado
na
sua
humanidade,
é
tratado
em
termos
que,
de
acordo
com
o
sentido
de
justiça
próprio
do
nosso
tempo,
evidenciam
um
não
reconhecimento
ou
um
desrespeito
que
denigrem
a
sua
qualidade
especificamente
humana
ou
o
seu
valor
de
pessoa,
ou
lhe
infligem
uma
humilhação
potencialmente
destrutiva
do
seu
auto-‐respeito.
Porém,
atendendo
à
indeterminação
deste
critério,
ele
só
pode
adequar-‐
se,
tanto
às
exigências
de
adesão
consensual,
como
a
uma
concepção
restritiva
do
âmbito
protegido
pela
dignidade
da
pessoa
humana,
se
respeitar
a
lesões
tão
intoleráveis
que
sejam
imediatamente
reconhecíveis
como
atentatórias
dos
valores
de
humanidade
comummente
reconhecidos.
Nessas
situações
extremas
e
graves,
pode
dizer-‐se
que,
para
além
da
violação
da
dignidade
da
pessoa
há
ainda
violação
de
uma
dimensão
objectiva
da
dignidade
humana,
como
aquela
que
globalmente
se
evidenciou
nos
exemplos
históricos
mais
extremos
dos
crimes
contra
a
humanidade.
Tratamos
aqui
daquele
tipo
de
desrespeito
extremo
consensualmente
identificado
como
violador
da
dignidade
humana
à
luz
de
qualquer
perspectiva
razoável.
II
140
ss
Importa
analisar
as
situações
consideradas
inconstitucionais
por
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana,
mas
que
mereceram
a
concordância,
o
assentimento
ou
o
consentimento,
livres,
informados
e
esclarecidos
das
vítimas.
Consideramos
haver
limites
a
um
tal
consentimento,
sustentamos
que
o
consentimento
pessoal,
ainda
que
fundamentado
na
qualidade
de
sujeito
responsável
pela
própria
vida
que
constitui
dimensão
essencial
protegida
pela
dignidade
da
pessoa
humana,
nem
sempre
salva
de
invalidade
jurídica
a
correspondente
acção
ou
omissão.
Haverá
situações
em
que
o
próprio
consente,
no
sentido
de
que
aceita
ou
promove
agressões
em
bens
e
direitos
vitais
da
sua
esfera
pessoal
e
ainda
assim
esse
consentimento
livremente
estabelecido
não
deve
ser
juridicamente
124
reconhecido
por
força
do
necessário
respeito
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Há
situações
excepcionais
em
que
a
gravidade
do
que
está
em
causa
obriga
a
colocar
limites
à
autonomia
individual,
desde
que
esses
limites
sejam
derivados
da
necessidade
de
respeito
ou
de
protecção
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Haverá
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
quando,
independentemente
de
haver
ou
não
consentimento:
• alguém
aceita
ser
colocado
ou
se
coloca
numa
situação
ultrajante,
objectivamente
denegridora
da
humanidade
intrínseca
da
pessoa;
• quando,
sem
razão
objectiva
atendível
do
ponto
de
vista
do
interesse
próprio,
fica
significativa
ou
irreversivelmente
afectada
a
sua
capacidade
de
autodeterminação
actual
ou
futura.
5.
A
natureza
absoluta
ou
relativa
do
princípio
jurídico-‐constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana
II
157
ss
5.1.
A
proposta
da
concepção
da
dignidade
da
pessoa
humana
como
princípio
absoluto,
mas
cuja
violação
não
pode
ser
apurada
nos
casos
complexos
a
não
ser
em
função
da
valoração
das
circunstâncias
do
caso
concreto
e
da
eventual
ponderação
dos
interesses
aí
relevantes.
Dignidade
da
pessoa
humana
enquanto
valor
supremo
e
principio
constitucional
de
vinculatividade
absoluta,
mas
de
conteúdo
aberto
e
de
aplicação
relativizante
(1º
CRP)
A
posição
que
sustentamos
é
a
de
que
a
dignidade
da
pessoa
humana,
enquanto
principio
jurídico-‐constitucional,
é
um
comando
de
vinculatividade
absoluta,
o
que
tem
dois
significados
imediatos.
Por
um
lado,
carácter
absoluto
significa
a
adopção
da
ideia
de
impossibilidade
de
cedência
da
dignidade
perante
um
outro
qualquer
bem
jurídico,
pelo
que,
nessa
lógica,
a
dignidade
da
pessoa
humana
não
e
constitucionalmente
susceptível
de
ser
chamada
a
um
processo
de
ponderação
com
outros
bens
ou
valores
no
sentido
de
apurar
qual
deva
prevalecer
no
caso
concreto,
se
a
dignidade
ou
o
valor
contraposto.
A
dignidade
prevalece
sempre.
125
Em
segundo
lugar,
carácter
absoluto
significa
que
não
pode
haver
justificação
admissível
para
restringir
a
realização
do
comando
normativo
de
respeito
da
dignidade
ou,
se
se
quiser,
não
pode
haver
um
outro
bem,
valor,
interesse,
principio
ou
direito
que
justifique
uma
restrição
da
dignidade
da
pessoa
humana,
ou
seja,
que
legitime
juridicamente
uma
agressão
à
dignidade.
Finalmente,
tendo
sido
a
Constituição
a
garantir
um
tal
tipo
de
prevalência
à
dignidade
da
pessoa
humana,
a
concretização
ou
a
realização
do
principio
não
ficam
dependentes
de
quaisquer
juízos
de
ponderação
posterior
a
realizar
por
outra
entidade,
incluindo
o
Tribunal
Constitucional.
Portanto,
quando
nos
colocamos
na
perspectiva
da
fundamentação
de
uma
decisão
judicial,
nunca
se
poderá
dizer
que,
num
dado
caso,
se
chegou
a
uma
determinada
decisão
porque
houve
um
outro
valor
–
ou
um
outro
principio
ou
direito
–
que,
por
ser
aí
considerado
prevalecente,
determinou
a
cedência
ou
a
afetação/restrição
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Uma
fundamentação
desse
tipo,
que
reconheceria
ter
existido
uma
afectação
negativa
da
dignidade,
mas
simultaneamente,
admitiria
a
respectiva
legitimidade
por
forca
do
maior
peso
do
bem
que
a
justificava,
seria
incompatível
com
a
norma
constitucional
que
eleva
a
dignidade
da
pessoa
humana
a
base
em
que
assenta
a
República.
Contudo,
assente
esse
carácter
de
absoluto
como
ponto
de
partida,
sustentamos,
simultaneamente,
que
o
apuramento
da
eventual
violação
do
principio,
isto
é,
a
verificação
de
existência
de
inconstitucionalidade
por
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana,
é
insusceptível
de
realização
adequada
sem
a
apreciação
e
a
valoração
das
circunstância
do
caso,
do
contexto
e
das
intenções
subjacentes,
e
sem
ter
em
conta
eventuais
alternativas
de
acção
para
a
realização
do
fim
que
se
tinha
em
vista.
Nesse
sentido,
a
vinculatividade
absoluta
da
dignidade
da
pessoa
humana
combina-‐se
necessariamente
com
abertura
e
com
a
relativização,
implicando,
numa
e
noutra,
a
eventual
necessidade
ou
conveniência
em
realizar
juízos
de
ponderação.
A
vinculatividade
jurídica
absoluta
do
comando
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana
O
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana,
só
pela
sua
qualidade
de
principio
constitucional
estruturante,
portanto,
só
pela
sua
qualidade
de
126
principio
que
vincula
directamente
toda
a
actuação
dos
poderes
públicos,
já
deveria
ser
considerado
como
principio
absoluta,
ou
seja,
princípio
que
vincula
sempre,
que
não
cede
perante
a
pretensa
maior
força
de
outros
princípios,
valores
ou
interesses.
Nessa
qualidade,
o
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana
em
nada
difere
de
princípios
constitucionais
estruturantes
como,
entre
outros,
os
princípios
da
igualdade
ou
da
proporcionalidade.
Ou
seja,
qualquer
que
seja
a
situação
e
quaisquer
que
sejam
as
circunstâncias,
o
principio
constitucional
da
igualdade
aplica-‐se
sempre,
prevalece,
não
cede,
sendo
dotado,
portanto,
de
uma
vinculatividade
absoluta;
se
foi
preterido,
então,
há
inconstitucionalidade.
A
mesma
coisa
ocorrerá
com
eventual
análoga
violação
do
principio
da
proporcionalidade
ou
de
qualquer
outro
principio
constitucional
estruturante.
Se
o
Estado
destrata
desnecessariamente
ou
desrazoavelmente
alguém,
se
lhe
impõe
um
excesso
de
sacrifício
face
ao
que
era
exigível,
há
inconstitucionalidade,
quaisquer
que
sejam
as
razões
invocadas
para
o
ato
e
as
consequências
em
termos
de
reparação
de
correspondente
ilicitude.
A
mesma
coisa
deve
valer,
naturalmente
para
o
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
deveria
ser
assim
por
maioria
de
razão.
Desde
logo
deveria
sê-‐
lo
porque
também
o
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana
é
constitucional
estruturante,
mas
também
porque
é,
para
além
disso,
um
principio
constituinte.
E
reveste
essa
qualidade
singular
quer
porque
a
Constituição
de
Estado
de
Direito
só
se
legitima
se
toda
a
ordem
constitucional
assentar
na
dignidade
da
pessoa
humana,
enquanto
principio
supremo
e
fundacional
de
todo
o
edifício
do
Estado,
quer
porque,
nesse
sentido,
os
dois
outros
princípios
constitucionais
referidos,
a
igualdade
e
a
proporcionalidade,
tal
como
os
restantes
princípios
estruturantes
do
Estado
de
Direito,
devem
a
sua
existência
a
uma
exigência
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Logo,
esta
não
deveria
beneficiar
de
menor
vinculatividade
do
que
a
dos
princípios
que
ela
própria
gerou.
Não
faria
sentido
que
um
principio
com
essa
natureza
pudesse
ceder
perante
outros
valores,
princípios
ou
interesses.
Um
Estado
de
Direito
que
à
partida,
proclamasse
que,
em
determinadas
circunstâncias
concretas,
não
respeitaria
a
dignidade
da
pessoa
humana,
a
faria
ceder
perante
outros
valores,
seria
uma
contradição
nos
127
termos,
uma
impossibilidade
lógica
,
na
medida
em
que
um
Estado
de
Direito
assenta
na
dignidade
da
pessoa
humana.
Numa
ou
noutra
circunstância
ocorrerá
inevitavelmente,
que
um
Estado
de
Direito
viole,
de
forma
pontual,
a
dignidade
da
pessoa
humana,
devendo,
no
entanto
a
respectiva
inconstitucionalidade
ser
reconhecida,
atalhada
e
eliminada
e
responsabilizando-‐se
o
Estado
e
os
concretos
agentes
pela
violação
em
causa.
A
concepção
da
dignidade
enquanto
consubstanciação
material
do
núcleo
essencial
de
cada
direito
fundamental
tem
o
sentido
de
contrapor
a
um
conteúdo
aureolar
ou
periférico
do
direito
–
esse,
sim,
sujeito
a
ponderações,
a
restrições
–
um
conteúdo
nuclear
já
absolutamente
imune
a
qualquer
cedência,
em
que
qualquer
afetação
é
identificada
como
violação
do
direito
pelo
facto
de
constituir
concomitante
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Nesse
sentido,
enquanto
principio
constitucional,
enquanto
direito
fundamental,
a
dignidade
da
pessoa
humana
apresenta
sempre
um
padrão
de
aplicação
substancialmente
distinto
do
que
caracteriza
a
aplicação
comum
das
normas
de
direitos
fundamentais.
Isto
manifesta-‐se
em
dois
níveis:
impossibilidade
de
sujeição
da
dignidade
a
ponderação
com
outros
bens,
e
também,
de
acordo
com
a
estratégia
de
determinação
do
conteúdo
normativo
da
dignidade
da
pessoa
humana,
na
necessidade
de
uma
delimitação
restritiva
do
conteúdo
normativo
da
dignidade
da
pessoa
humana.
A
aplicação
do
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana
é
imune
a
necessidade
de
ponderação
Na
resolução
de
problemas
complexos
de
direitos
fundamentais,
normalmente
envolvendo
colisões,
conflitos,
aplicação
de
comandos
normativos
de
sentido
divergente
no
caso
concreto
raramente
podemos
escapar
à
necessidade
de
ponderação
de
bens.
Ora,
tal
não
é
o
mesmo
nem
tem
equivalência
com
aquilo
que
se
passa
com
a
dignidade
da
pessoa
humana.
Não
ponderamos
dignidade
da
pessoa
humana
com
outros
valores
para
concluir
que
deve
prevalecer
no
caso
concreto,
ou
seja,
num
hipotético
conflito
entre
segurança
do
Estado
e
dignidade
da
pessoa
humana,
não
fazemos
ceder
neste
caso
a
dignidade
e
naquele
outro
a
segurança
do
Estado.
Não,
enquanto
comando
128
de
vinculatividade
absoluta,
enquanto
principio
supremo
em
que
assenta
o
Estado
de
Direito,
a
dignidade
da
pessoa
humana
deve
sempre
prevalecer.
Qualquer
cedência
da
dignidade
em
favor
de
um
outro
bem,
qualquer
intervenção
restritiva
ou
qualquer
restrição
da
dignidade
em
função
da
alegada
necessidade
de
protecção
de
outros
valores
constituem
violações
da
dignidade,
são
inadmissíveis,
inconstitucionais.
Do
outro
lado
do
conflito
pode
estar,
contraposto
à
dignidade,
o
interesse
da
segurança
do
Estado,
a
luta
contra
o
terrorismo,
a
necessidade
de
salvar
vidas,
mas
é
juridicamente
indiferente.
Valor
absoluto
significa
isso
esmo:
a
dignidade
da
pessoa
humana,
enquanto
princípio
jurídico-‐constitucional
que
dá
expressão
normativa
a
tal
valor,
prevalece
sobre
qualquer
outro
bem,
interesse
ou
valor,
não
está
sujeita
a
ponderação,
não
é
susceptível
de
ceder,
de
ser
preterida,
mesmo
que
só
pontualmente.
Se
por
exemplo
um
acto
de
tortura
é
inconstitucional
por
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana,
então
tal
consequência
não
fica
sujeita
nem
é
dependente
de
qualquer
ponderação
de
caso
concreto.
Toda
a
ponderação
já
foi
feita
quando
decidimos
consagrar
a
dignidade
como
principio
constitucional
supremo,
estruturante,
e
nesse
qualidade
lhe
reconhecemos
um
valor
absoluto
de
onde,
a
seguir,
deduzimos
uma
natureza
também
absoluta
de
consequência
proibição
de
tortura.
A
relativização
do
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana
na
sua
aplicação
ao
caso
concreto
A
consideração
do
principio
constitucional
de
dignidade
humana
como
sendo
dotado
de
uma
natureza
de
vinculatividade
absoluta,
com
a
inerente
delimitação
restritiva
do
seu
conteúdo
normativo,
não
é,
só
por
si,
decisiva
quanto
ao
alcance
da
aplicação
do
principio
nas
situações
concretas
em
que
surge
invocado
como
argumento
ou
como
fundamento
de
decisão
de
um
controvérsia
jurídica.
Se
convergimos
com
a
tese
absolutista
na
atribuição
de
um
carácter
de
valor
incomprimível
à
dignidade
de
pessoa
humana,
já
dela
divergimos
quando
aí
se
sustenta,
como
fazem
alguns
dos
defensores
dessa
tese,
a
pretensa
existência
de
um
conteúdo
normativo
evidente,
objecto
e
imediatamente
129
reconhecível
no
principio
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Se
assim
fosse,
a
dignidade
da
pessoa
humana
só
poderia
desempenhar
adequadamente
o
seu
papel
de
base
em
que
assenta
o
edifício
de
Estado
de
Direito,
de
fundamento
da
ordem
jurídica,
se
o
seu
conteúdo
normativo
puder
ser
consensualmente
partilhado
no
espectro
reconhecido
de
um
pluralismo
razoável.
E
não
acompanhamos
esse
modelo
porque
nele
rejeitamos
a
tentativa
de
imposição
tirânica
de
valores
particulares
ao
resto
da
sociedade
em
nome
do
pretenso
carácter
absoluto
de
uma
concepção
de
dignidade
sectária,
não
compartilhada
e,
por
isso,
constitucionalmente
inapropriada
em
contexto
de
Estado
de
Direito.
Uma
concepção
adequada
de
dignidade
humana
enquanto
principio
constitucional
deve
atender,
a
cada
momento,
a
essa
preocupação
com
o
reconhecimento
intersubjetivo,
tendencialmente
consensual,
das
exigências
que
se
fazem
decorrer
do
respectivo
comando.
Mais,
mesmo
quando
essa
preocupação
foi
já
tida
em
conta
e
foi
observada
no
estabelecimento
dos
critérios,
dos
parâmetros
ou
das
situações-‐tipo
configuráveis
como
violações
da
dignidade,
nem
ainda
assim
a
pretensão
de
absoluto
pode,
sem
mais,
ser
mecanicamente
transferida
para
a
instancia
de
aplicação
concreta,
como
se
aquilo
que
aí
estivesse
em
causa
fosse,
simplesmente,
um
mero
procedimento
de
subsunção
da
factualidade
àqueles
critérios
normativos.
Quando
entramos
a
verificar
se
houve
ou
não
preenchimento
do
tipo
que
identifica
o
tratamento
denegridor
da
pessoa
com
violação
da
dignidade,
as
apreciações
subjectivas,
as
valorações
particulares,
a
relativização,
invadem
inevitavelmente
o
raciocínio
jurídico.
Quando
procuramos
responder
a
certas
questões,
começamos
a
afastar-‐nos
dos
pressupostos
e
da
ambição
de
absoluto
que
animavam
aquela
primeira
tese.
Com
efeito
a
elevação
da
dignidade
da
pessoa
humana
a
valor
supremo
e
absoluto
das
nossas
sociedades
pressupõe
a
hipótese
de
formação
de
um
consenso
social
em
torno
desse
pilar
fundador
e
esse
consenso
é
incompatível
com
uma
qualquer
entrega
da
competência
da
revelação
do
respectivo
conteúdo
aos
oráculos
pretensamente
iluminados
pela
verdade
da
dignidade
construída
sobre
dogmas
de
uma
religião,
de
uma
filosofia
ou
de
uma
ideologia
particulares.
A
referida
crítica
de
BOCKENFORDE
aos
que
se
teriam
afastado
da
ideia
de
intangibilidade
da
dignidade
humana
(a
dignidade
humana
teria
deixado
de
130
ser
intangível
nas
mãos
dos
adeptos
da
relativização
do
seu
sentido)
e
a
sua
insistência
no
carácter
absoluto
do
conceito
são
de
proveitos
jurídicos
muito
débeis
sempre
que
não
há,
ou
ainda
não
há,
um
consenso
entre
os
vários
participantes
racionais
da
comunidade
política
nos
domínios
mais
controversos.
Quando
observamos
a
evolução
das
concepções
que
as
nossas
sociedades
experimentam
quanto
a
estes
temas,
mesmo
quando
lidam
com
conceitos
como
a
igualdade,
autonomia
e
a
personalidade,
a
impressão
que
resulta
não
é
a
de
absoluto,
no
sentido
de
definitivo,
de
imutável,
de
objectivamente
apreensível,
mas
sim
a
de
mudança,
de
relativização,
de
subjectivismo
de
apreciação.
Pretender
resolver
questões
de
dignidade,
tão
intimamente
associadas
àquelas
conceitos,
sem
atender
ao
contexto
e
às
circunstâncias
concretas,
conduz
necessariamente
ao
decisionismo
irracional,
e
pior,
ao
autoritarismo
sectário
e
ao
moralismo
fracturante.
Não
são
adequadas
as
concepções
que,
partindo
de
um
conceito
absoluto
de
dignidade,
pretender
preencher
normativamente
esse
conceito
com
visões
morais
ou
religiosas
particulares
pretensamente
eternas
e
impô-‐lo
a
toda
a
sociedade,
aparentemente
em
nome
desse
carácter
absoluto
e
atemporal,
designadamente
em
domínios
onde,
nas
nossas
sociedades
plurais,
reina
a
diferença
e
a
multiplicidade
de
concepções.
O
TC
pode
e
deve
invalidar
por
inconstitucional
qualquer
decisão
do
legislador
democrático
que
considere
violador
dos
princípios
constitucionais
e,
designadamente
do
principio
a
dignidade
da
pessoa
humana.
O
problema
é
o
da
determinação
que,
a
cada
momento,
o
TC
é
obrigado
a
fazer
do
conteúdo
normativo
dos
princípios
constitucionais.
E,
nesse
plano
as
concepções
evoluem.
Por
isso,
também,
se
reconhecemos,
por
óbvias,
a
relativização
circunstancial,
histórica,
civilizacional
e
até
geográfica
do
conteúdo
normativo
que
uma
dada
comunidade
atribui
à
dignidade
da
pessoa
humana,
tal
significa
um
relativismo
moral
ou
uma
indiferença
presentemente
tolerante
às
violações
à
dignidade
perpetradas
no
seio
de
grupos
sociais
ou
de
comunidades
religiosas,
étnicas,
filosóficas
que
vivem
sob
a
jurisdição
do
Estado
de
Direito.
Dignidade
da
pessoa
humana
e
relações
multipolares
envolvendo
diferentes
deveres
estatais
131
Pergunta:
quando
a
dignidade
choca
contra
dignidade?
Não
é
necessário
ponderar?
Não
temos
de
admitir
a
cedência
de
uma
das
dignidades
em
colisão?
É
uma
dificuldade
colocada
quando
se
faz
intervir
na
equação
de
um
terceiro
elemento,
ou
seja,
o
poder
ou
os
poderes
públicos
que
têm
de
lidar
com
o
problema.
Nessa
altura,
diz-‐se,
alguma
das
dignidades
terá
que
ceder,
pelo
menos
quando
o
conflito
ocorra
em
circunstâncias
que
não
permitam
escapar
ao
choque,
por
exemplo,
que
não
permitam
evitá-‐lo
através
de
um
processo
de
concordância
pratica
das
duas
pretensões.
Portanto
se
há
situações
de
ponderação
e
de
cedência
de
dignidades,
a
dignidade
não
poderia
continuar
a
ser
juridicamente
configurada
como
principio
de
valor
absoluto.
Mas
o
problema
não
está,
a
nosso
ver,
bem
colocado.
Mesmo
se
aceitássemos
que
há
conflitos
de
dignidade
contra
dignidade
e
que,
por
conseguinte,
também
a
dignidade
é
aí
forçada
a
ceder,
tal
não
colocaria
em
causa
a
vinculatividade
absoluta
do
principio
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana,
já
que,
em
ultimo
caso,
seria
sempre
o
valor
dignidade
a
prevalecer,
ou
seja,
não
haveria,
em
caso
algum,
cedência
da
dignidade
prante
um
outro
qualquer
valor
de
forma
que
pusesse
decisivamente
em
causa
a
natureza
de
principio
supremo.
Em
grande
parte
dos
casos,
a
existência
de
conflitos
de
dignidade
é
meramente
aparente
e
só
surge
ou
porque
se
verifica
uma
utilização
menos
rigorosa
do
conceito
ou
porque
se
adere
implicitamente
à
referida
concepção
ampliativa
do
âmbito
de
proteção/conteúdo
normativo
da
dignidade.
Em
inúmeros
casos
judiciais
envolvendo
direitos
fundamentais
cabe
apelar
a
argumentos
de
igualdade,
de
autonomia
individual,
de
bem
estar
social,
e
o
conflito
só
pode
ser
adequadamente
resolvido
recorrendo
também
a
juízos
de
ponderação
de
bens,
mas,
como
se
disse,
independentemente
de
o
conceito
vir
ou
não
invocando
retoricamente,
ponderar
argumentos
de
autonomia
ou
de
bem-‐estar
de
um
e
do
outro
lado
não
significa
necessariamente
ponderar
dignidade
contra
dignidade.
Se
por
dignidade
entendermos
a
possibilidade
de
desenvolvimento
e
capacidade
de
realização
de
uma
autonomia
que
realize
a
pessoa
na
sua
integridade,
então
essa
exigência,
que
faço
para
mim,
nem
significa
nem
obriga
qualquer
outro
a
não
poder
realizar-‐se
integralmente
132
Adoptando
uma
concepção
constitucionalmente
adequada
de
dignidade
humana,
não
há
verdadeiramente,
em
geral,
dignidade
de
um
contra
a
dignidade
do
outro,
isto
é,
a
minha
dignidade
como
pessoa
humana
não
conflitua,
porque
não
pode
nem
precisa,
com
a
dignidade
de
outra
qualquer
pessoa
humana.
O
dever
de
respeito
da
minha
dignidade
não
colide
com
o
dever
de
respeito
da
dignidade
de
qualquer
outra
pessoa.
Se
por
dignidade
entendermos
a
possibilidade
de
desenvolvimento
e
capacidade
de
realização
de
uma
autonomia
que
realize
a
pessoa
na
sua
integridade,
então
essa
exigência,
que
faço
para
mim,
nem
significa
nem
obriga
qualquer
outro
a
não
poder
realizar-‐se
integralmente
como
pessoa.
Pode
eventualmente
implicar
restrições
na
liberdade
geral
de
acção
e,
consequentemente,
na
autonomia
de
outras
pessoas,
mas
essa
restrição
não
equivale
a
afectação
da
respectiva
dignidade.
No
entanto,
e
ainda
que
a
titulo
excepcional,
podem
ocorrer
situações
em
que,
mesmo
fazendo
uma
utilização
rigorosa
e
adequada
dos
conceitos,
haja,
aparentemente,
dignidade
contra
dignidade,
no
sentido
de
algo
que
poderia
ser
designado
por
dilema
de
dignidade,
ou
seja,
a
situação
em
que
a
dignidade
de
alguém
só
é
salva
ou
a
exigências
que
dela
decorrem
só
são
efectivamente
satisfeitas
se
for
deixada
desprotegida
ou
se
for
desrespeitada
a
dignidade
outro.
Lidando
com
diferentes
deveres
estatais
relativamente
à
dignidade,
podemos
encontrar
situações
de
conflito,
mais
especificamente
situações
em
que
as
exigências
de
protecção
da
dignidade
de
alguém
entram
em
tensão
ou
em
colisão
com
o
dever
estatal
de
respeito
ou
com
o
dever
estatal
de
promoção
da
dignidade
de
outros
ou
até,
eventualmente
do
mesmo
titular.
A
diferente
natureza
de
vinculatividade
do
dever
de
respeito
da
dignidade
e
dos
deveres
de
protecção/promoção
da
dignidade
Numa
relação
de
tipo
multipolar,
em
que
os
poderes
públicos
tem
obrigações
diversas
e,
eventualmente
divergentes
relativamente
às
diferentes
partes
na
relação,
podemos
dizer
que,
na
perspectiva
de
uma
pessoa,
uma
certa
decisão
pode
ser
inadmissível,
por
ser
violadora
da
sua
dignidade,
mas
o
Estado
pode
pretender
justifica-‐la,
ou
até
defendê-‐la
como
exigível,
tendo
em
conta
133
argumentos
de
dignidade
esgrimidos
do
ponto
de
vista
das
outras
pessoas
individualmente
consideradas.
Em
sentido
objectivamente
afim,
mesmo
quando
não
há
particulares
concretos
de
um
e
outro
lado,
o
Estado
tem
por
vezes
de
relevar
os
comandos
da
dignidade,
não
apenas
de
um
ponto
de
vista
individual,
mas
de
um
ponto
de
vista
do
grupo
onde
essas
pessoas
estão
socialmente
inseridas,
da
humanidade
no
seu
conjunto
ou
da
dimensão
objectiva
da
dignidade
da
pessoa
humana
e,
eventualmente,
não
sendo
possível
fazer
ceder
uma
posição
sustentada
na
dignidade
em
favor
de
um
resultado
ou
de
um
objectivo
que
também
se
apoia
no
mesmo
principio.
Nesse
sentido,
parece
ser
uma
das
diferentes
dignidades
que
tem
de
ceder,
o
que,
aparentemente
colocaria
em
causa
a
posição
que
temos
vindo
a
sustentar.
Relativamente
a
outros
deveres
que,
do
ponto
de
vista
jurídico-‐
constitucional,
podem
igualmente
estar
em
causa
perante
uma
invocação
normativa
da
dignidade
da
pessoa
humana
–
o
dever
de
protecção
e
o
dever
de
promoção
da
dignidade
humana
–
eles
são,
por
natureza,
deveres
de
eficácia
intrinsecamente
condicionada,
são
deveres
não
absolutos.
Fática
e
juridicamente,
são
condicionados,
no
caso
do
dever
de
protecção,
por
uma
margem
de
apreciação
e
de
prognose,
que
deve
ser
deixada
aos
poderes
democraticamente
legitimados,
quanto
às
formas
ou
modalidades
mais
adequadas
ou
mais
oportunas
para
levar
a
cabo
a
protecção
da
dignidade,
bem
como,
e
especialmente
no
caso
do
dever
de
promoção
da
dignidade
humana,
são
condicionados
ainda
pelas
disponibilidade
de
natureza
material
ou
financeira
que
podem
ser
mobilizados
para
a
promover.
Os
poderes
públicos
não
podem
realizar
esta
direcção
especial,
independentemente
dos
correspondentes
juízos
de
ponderação,
da
apreciação
política,
de
valoração
das
circunstâncias
mutáveis
dos
casos
concretos
e
dos
correspondentes
juízos
de
prognose
acerca
dos
prováveis
efeitos
das
medidas
de
protecção
e
de
promoção
da
dignidade
que
se
lhes
coloquem
alternativamente.
Portanto,
enquanto
que
o
dever
de
respeitar
a
dignidade,
de
não
a
ofender,
de
não
a
agredir,
é
um
dever
incondicional,
absoluto,
já
não
tanto
o
dever
de
protecção
da
dignidade
quanto
o
dever
de
a
promover
são
deveres,
por
134
natureza,
sujeitos
a
algumas
reservas
e,
nesse
sentido,
menos
incondicionais
ou
menos
absolutos,
se
é
que
se
pode
recorrer,
neste
caso,
ao
brocado
orwelliano.
Para
além
de
serem
ambos
afectados
por
uma
reserva
de
apreciação
que
tenha
em
conta
prognósticos,
alternativas,
oportunidade
e
adequação
politicas,
eventualmente
custos
financeiros,
os
deveres
de
protecção
e
de
promoção
da
dignidade
são
normalmente
dotados
de
uma
outra
característica
que
flexibiliza
a
sua
imperatividade:
é
possível
realizá-‐los
em
maior
ou
em
menor
medida.
Se
o
Estado
pode
proteger
faticamente
a
dignidade
em
maior
ou
menor
medida
sem
incorrer
em
inconstitucionalidade,
então
fica
impedido
de
optar
por
uma
forma
de
protecção
que
implique
o
desrespeito
da
dignidade
de
outro.
Ora,
essa
realização
do
dever
de
protecção
segundo
uma
medida
mais
contida,
posto
que
a
contenção
se
deva
a
razão
justificada,
que
no
caso
existia
e
que
era
a
necessidade
de
respeito
da
dignidade,
não
deve
ser
configurada
como
uma
lesão
inconstitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana
carente
de
protecção.
Se
o
dever
de
respeitar
a
dignidade
é
absoluto,
incondicional,
então
o
apuramento
de
eventual
inconstitucionalidade
por
pretensa
lesão
dos
deveres
de
protecção
e
de
promoção
da
dignidade
da
pessoa
humana
tem
de
relevar
o
facto
de,
na
respectiva
prossecução,
o
Estado
ter
de
observar
aqueles
limites
incondicionais
de
respeito.
Então,
aquilo
que
abstractamente
poderia
ser
visto
como
violação
do
dever
de
protecção
da
dignidade
deixa,
eventualmente,
de
significar
inconstitucionalidade
se
uma
realização
menos
abrangente
desse
dever
for
justificada
pela
necessidade
de
observância
absolutamente
vinculativa
do
respeito
da
dignidade
de
outrem.
II
201
ss,
Dignidade
da
pessoa
humana
e
recurso
à
tortura
em
situações
de
escolha
trágica
Interessam-‐nos
as
situações
em
que
as
autoridades
públicas,
com
domínio
total
e
controlo
fáctico
sobre
alguém,
lhe
infligem
deliberadamente
dor
física
e/ou
sofrimento
psíquico
intensos
como
meio
para
quebrar
a
sua
vontade
e
eliminar
a
sua
capacidade
de
autonomia,
a
fim
de
o
forçar
a
revelar
informações
que
de
outra
forma
não
conseguiriam
obter.
135
Trata-‐se
de
situações
de
tortura
forçadas
pelo
dilema
moral
ou
pela
escolha
trágica
em
que
se
vê
colocada
a
autoridade
pública
que,
para
evitar
um
mal
maior
recorre
à
tortura
altruísta.
Uma
vez
que
os
poderes
públicos
estão,
de
uma
parte,
obrigados
ao
dever
de
respeito
da
dignidade
de
um
detido,
e
de
outra,
ao
dever
de
protecção
de
interesses
de
dignidade
de
outras
pessoas
ou
de
interesses
superlativos
da
comunidade,
há,
para
além
de
um
dilema
moral,
a
necessidade
de
consideração
e
de
resolução
do
problema
jurídico
que
emerge
dessa
colisão
de
deveres.
Reconhece-‐se
à
partida
a
tortura
como
tipo
de
acto
considerado
como
violador
da
dignidade
e
por
essa
razão
concorda-‐se
com
a
sua
proibição
genérica.
Para
começar,
construir
casos
extraordinários
e
artificiais
para
deles
extrair
regras
a
aplicar
a
casos
reais
e
de
ocorrência
comum
conduz
a
má
ética
e
a
mau
Direito
-‐
a
partir
de
intuições
formadas
perante
uma
situação
de
emergência
absolutamente
excepcional,
se
pretendem
extrair
ilações
para
as
situações
comuns.
Relativamente
ao
caso
Daschner.
Quando
se
ponderam
os
acréscimos
marginais
de
benefício
e
de
sacrifício
proporcionados
pelas
alternativas
em
questão
-‐
coagir
um
criminoso
através
da
ameaça
de
o
sujeitar
a
tortura,
e
com
isso
permitir
salvar
uma
vida
humana,
ou
não
ameaçar
e
deixar
morrer
uma
criança
inocente
-‐
a
balança
inclina-‐se
para
a
primeira
opção.
O
ressurgimento
do
debate
jurídico
em
torno
da
admissibilidade
excepcional
da
tortura
No
intenso
debate
doutrinário
desencadeado
por
este
caso,
o
maior
interesse
acabou
por
incidir
sobre
a
questão
da
controversa
admissibilidade
de
tortura
em
situações
excepcionais.
Nessa
discussão,
a
maioria
da
doutrina
perfilou-‐se
na
continuidade
da
lógica,
própria
de
Estado
de
Direito,
da
proscrição
absoluta
da
tortura:
em
nenhum
caso
a
prática
pode
ser
considerada
admissível.
Vem
sido
proposto
a
possibilidade
condicionada
de
uso
de
tortura
preventiva
para
salvamento.
A
legitimação
jurídica
da
tortura
exercida
pelos
agentes
do
poder
público
tanto
surge,
configurada
enquanto
exercício
não
desproporcionado
de
legítima
defesa
de
terceiro,
como
justificada
através
do
recurso
à
teoria
geral
dos
deveres
estatais
de
protecção.
136
Propugnam
outros
autores
uma
flexibilização
da
proibição
da
tortura
através
da
admissibilidade
excepcional,
condicionada
e
controlada
de
medidas
de
coacção
estatal
a
serem
aplicadas
em
estados
de
emergência
para
cuja
ocorrência
o
Estado
se
deveria
precaver
em
todos
os
planos,
incluindo
legal.
Com
um
enquadramento
inspirado
na
teoria
dos
deveres
estatais
de
protecção,
Brugger
sustenta
que
a
proibição
constitucional
da
tortura,
que
decorre
da
dignidade
da
pessoa
humana,
deve
ser
confrontada
com
a
imposição
da
obrigação
de
protecção
da
dignidade
das
vítimas
do
terrorista.
Sem
necessidade
de
nova
norma
constitucional,
tudo
se
pode
resolver
no
plano
de
interpretação
do
Direito
em
vigor.
Deve-‐se
operar
uma
redução
teleológica
da
proibição
legal
de
tortura
que
transforme
a
anterior
proibição
absoluta
em
proibição
forte,
na
medida
em
que
a
admissibilidade
dessa
excepção
surja,
nas
circunstâncias
do
caso,
como
único
meio
capaz
de
proporcionar
a
defesa
efectiva
da
vida
humana
a
que
o
Estado
também
está
obrigado
pela
Constituição.
Tortura,
ameaça
de
tortura
e
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
Pode-‐se,
desde
logo,
questionar
se
a
ameaça
de
prática
de
tortura
é
ou
não
já
configurável
como
forma
ou
modalidade
de
tortura.
Tanto
é
possível
concluir
num
sentido
negativo,
como
caracterizar
a
referida
ameaça
como
modalidade
de
tortura.
Independentemente
da
resposta,
o
que
importa
é
se
houve
ou
não
atentado
à
dignidade
da
pessoa
humana
do
detido,
e
quanto
a
essa
questão
não
parece
que
possamos
reconhecer
na
pressão
policial
exercida
sobre
um
detido
naquelas
circunstâncias
a
gravidade
e
a
inadmissibilidade
que
associamos
ao
desrespeito
relevante
da
humanidade
intrínseca.
A
questão
surge
também
se
saber
se
todo
o
acto
de
tortura
é
acto
violador
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Tudo
depende
da
concepção
de
tortura
defendida.
Não
nos
parece
defensável
considerar
essa
interpelação
uma
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana.
A
nosso
ver,
a
existência
de
violação
da
dignidade
nos
casos
de
prática
indiscutível
de
tortura
decorre
da
combinação
entre
a
coisificação
degradante
e
humilhante,
a
desumanização
envolvida
na
imposição
deliberada
de
sofrimento
137
intenso
e
a
despersonalização
em
que
fica
o
sujeito
torturado
quando
abandonado
à
inteira
discricionariedade
do
torturador.
A
dignidade
da
pessoa
humana
exige
a
manutenção
da
proibição
estrita
de
tortura
e
de
tratamentos
degradantes
em
quaisquer
circunstâncias
Sustentámos
ser
o
sentido
de
justiça
o
fundamento
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
portanto
foi
o
sentido
de
justiça,
mediado
pela
ideia
e
pelo
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana,
que
levou
os
poderes
constituintes
de
Estado
de
Direito
a
instituir
proibições
absolutas
de
tortura
e
de
tratamentos
degradantes
sobre
os
detidos.
Enquanto
que
um
criminoso
pode
evitar
ou
suspender
a
tortura
confessando
o
crime
e
revelando
aquilo
que
a
polícia
procura
saber,
já
um
suspeito
que
esteja
inocente
é
uma
vítima
completamente
indefesa
que
acabará
a
sofrer
a
tortura
indefinidamente,
sem
a
mínima
possibilidade
de
remissão
e
sem
a
mínima
possibilidade
de
fazer
cessar
ou
de
evitar
o
sofrimento.
Um
mínimo
sinal
de
compreensão
relativamente
a
uma
tortura
dita
virtuosa,
constituiria
brecha
de
corrosão
da
muralha
laboriosamente
construída
contra
a
barbárie
nas
últimas
décadas.
É
finalmente
ilusória
a
ideia
de
que
seria
possível
domesticar
ou
civilizar
o
exercício
excepcional
da
tortura
para
salvamento,
submetendo-‐a
a
autorização
judicial
prévia,
sujeitando-‐a
à
observância
da
lei
e
dos
princípios
jurídicos,
como
o
princípio
da
proporcionalidade
e
princípio
da
necessidade.
Por
outro
lado,
não
podendo
perceber
se
a
recusa
em
falar
se
deve
a
desconhecimento
do
torturado
ou
a
ocultação
da
verdade,
a
observância
do
princípio
da
necessidade
legitimaria
ou
até
exigiria,
em
nome
do
dever
de
protecção,
a
aplicação
de
medidas
de
tortura
cada
vez
mais
intensas
até
à
morte
da
vítima
que
não
fornecesse
a
informação
pretendida,
porque
a
desconhecia.
A
proibição
de
tratamentos
cruéis,
desumanos
ou
degradantes
é
uma
proibição
absoluta
O
legislador
constituinte
quis
deixar
claro
que
não
há
lugar,
neste
domínio,
para
quaisquer
futuras
ponderações
de
caso
concreto,
para
quaisquer
excepções,
flexibilização
ou
atenuações
pontuais
do
rigor
da
proibição
pela
138
necessidade
de
proporcionar
e
garantir
uma
protecção
efectiva
à
dignidade
da
pessoa
humana.
Foi
para
não
abrir
a
possibilidade
de
qualquer
condescendência
para
com
as
práticas
que
se
desejam
ver
definitivamente
erradicadas
que
não
se
abre
a
mínima
possibilidade
de
exceptuar
ou
atenuar
o
rigor
da
proibição
da
tortura.
Eticamente
aceitável,
juridicamente
condenável?
Na
nossa
perspectiva,
do
ponto
de
vista
ético,
filosófico
ou
político,
a
opção
do
envolvimento
pessoal
num
acto
de
tortura
ou
de
ameaça
de
tortura,
poderia
até
ser,
eventualmente,
a
decisão
mais
adequada
numa
situação
extrema
de
dilema
moral,
se
ela
pudesse
ser
simultaneamente
justificada
tanto
pela
nobreza
do
fim
visado
como
pela
comprovada
responsabilidade
do
detido
na
produção
do
mal
que
se
procurava
evitar
com
o
acto
de
coacção.
Mas,
o
nosso
problema
não
é
o
de
saber
o
que
cada
um
faria
ou
como
cada
um
deveria
proceder
em
termos
morais,
mas
que
tipo
de
normas
jurídicas
devem
regular
a
questão
em
termos
da
sua
compatibilidade
com
a
dignidade
da
pessoa
humana,
como
se
deve
organizar
juridicamente
a
esse
propósito
uma
comunidade
que
assenta
na
dignidade
da
pessoa
humana.
Na
resolução
deste
tipo
de
situações,
há
que
distinguir
entre
a
observância
do
comando
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana
e
o
respeito
da
dignidade
enquanto
bem
social,
enquanto
virtude
ou
enquanto
valor
moral.
Do
ponto
de
vista
pessoal,
moral,
há
para
cada
um
de
nós,
diferentes
valorações
das
exigências
da
dignidade.
Mas
tal
diferença
de
valoração
pessoal
em
função
de
diferentes
concepções
morais
individuais,
não
altera
nem
afecta
o
carácter
supremo
do
princípio
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana,
cuja
normatividade
continua
a
ser
absoluta.
Logo,
a
rigidez
da
proibição
fundamentada
na
garantia
absoluta
da
dignidade
da
pessoa
humana
não
deve
ser
atenuada
ou
flexibilizada,
pois
toda
a
flexibilização
reconverte-‐se
inevitavelmente
em
esvaziamento
da
natureza
absoluta
da
proibição.
II
241
ss
139
Caso
do
abate
de
avião:
a
inconstitucionalidade
da
lei
que
permitia
o
abate
de
aeronave
utilizada
como
arma
terrorista
A
decisão
do
TC
alemão
teve
um
enorme
impacto
e
a
sua
nota
mais
impressiva
é
o
sentido
como
nela
se
assume
a
vinculatividade
e
a
natureza
do
comando
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana,
entendido
como
princípio
de
vinculatividade
absoluta,
incondicionada
com
prevalência
radical
relativamente
a
quaisquer
outras
razões.
O
TC
chamou
ainda
a
atenção
para
a
incerteza
e
insegurança
que
afectariam
sempre
uma
decisão
governamental
de
abate
da
aeronave.
Para
o
TC
alemão
há
violação
de
dignidade
da
pessoa
humana
dos
passageiros
e
da
tripulação
e
por
isso
uma
tal
norma
legal
habilitadora
é
inconstitucional.
Prevalência
absoluta
e
incondicionada
da
dignidade
da
pessoa
humana
na
decisão
do
TC
alemão
A
decisão
do
TC
alemão
gera
efeitos
positivos
e
negativos
de
importância
considerável.
Os
efeitos
positivos:
supremacia
da
Constituição
e
o
valor
supremo
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Na
fundamentação
da
sua
decisão,
o
TC
ignora
a
necessidade
de
proteger
a
vida
das
pessoas
no
solo,
o
que
é
intrinsecamente
incompatível
com
a
relevância
da
chamada
teoria
dos
deveres
de
protecção
de
origem
germânica.
No
fundo,
a
lógica
que
fundamenta
a
decisão
de
inconstitucionalidade
é
a
de
que
não
é
admissível
o
sacrifício
de
vidas
inocentes
para
salvar
outras
vidas
e
que
uma
tal
dita
instrumentalização
de
pessoas
violaria
a
dignidade
da
pessoa
humana.
Ou
seja,
segundo
o
TC,
se
fossem
abatidos,
os
passageiros
estariam
simplesmente
a
ser
tratados
como
objectos
numa
operação
de
salvamento
de
outras
pessoas,
e
por
isso
existiria
violação
do
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Porém,
um
aspecto
de
máxima
importância
reside
no
facto
de
que
os
passageiros
e
a
tripulação
da
aeronave,
mesmo
que
não
ocorresse
qualquer
intervenção
de
salvamento
das
pessoas
no
solo
por
parte
do
Estado,
iriam
inevitavelmente
morrer
no
atentado
terrorista.
A
morte
dos
passageiros
não
era
140
previsível
mas
uma
consequência
inevitável.
Em
seu
entender,
a
dignidade
exige
que
a
pessoa
seja
sempre
tratada
com
o
mesmo
grau
de
respeito,
independentemente
do
muito
ou
pouco
tempo
de
vida
que
lhe
reste,
pelo
que
a
inevitabilidade
da
morte
dos
passageiros
no
atentado
terrorista
acaba
por
ser
indiferente
para
a
resolução
do
caso.
Logo,
aparentemente,
para
o
TC
é
absolutamente
equivalente
abater
um
avião
de
passageiros
que
de
outra
forma
não
cairia,
ou
abater
um
avião
que
se
despenhará
inevitavelmente
dentro
de
segundos;
abater
um
avião
de
passageiros
por
razões
políticas
ou
abatê-‐los
para
salvar
a
vida
de
muitas
outras
pessoas.
Desde
que
estivessem
pessoas
inocentes
no
avião,
qualquer
abate
se
traduziria
sempre
em
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana.
É
o
factor
morte
de
inocentes
às
mãos
do
Estado
que
é
absolutamente
decisivo.
Por
isso,
a
decisão
de
inconstitucionalidade
já
seria
diferente,
segundo
o
TC
se
se
tratasse
de
uma
aeronave
não
pilotada
ou
se
apenas
estivessem
a
bordo
os
terroristas
responsáveis
pelo
ataque.
Nessa
altura,
o
comportamento
intencionalmente
culposo
dos
terroristas
determinaria
não
haver
qualquer
tratamento
coisificador
e
logo
violação
do
direito
à
vida
e
dignidade
uma
vez
que,
quando
os
abatia
o
Estado
tratava-‐os
como
sujeitos
responsáveis
pelas
consequências
dos
seus
actos.
O
abate
do
avião
com
passageiros
inocentes
viola
a
dignidade
da
pessoa
humana?
O
TC
não
confunde
e
bem
direito
à
vida
com
dignidade
da
pessoa
humana.
Para
o
TC,
a
inconstitucionalidade
por
violação
da
dignidade
só
irrompe
pelo
facto
de
os
passageiros
e
a
tripulação
serem,
não
apenas
vítimas,
mas
vítimas
inocentes.
A
fundamentação
do
TC
baseia-‐se
em
ideias
fundamentais:
abater
a
aeronave
significa
sacrificar
vidas
inocentes
e
não
é
legítimo
fazê-‐lo,
mesmo
que
o
objectivo
seja
o
de
salvar
outras
vidas
humanas,
pois
que,
quando
sacrifica
pessoas
inocentes,
tal
significa
uma
coisificação
e
uma
instrumentalização
inadmissíveis
das
vidas
dos
passageiros
e
da
tripulação.
Comummente
aceite
está
subjacente
a
ideia
de
que
à
luz
da
igual
dignidade
de
todas
as
pessoas,
não
é
legítimo
sacrificar
algumas
para
salvar
outras.
141
No
entanto,
o
TC
não
tem
em
conta
que
já
nada
podia
fazer
para
salvar
os
passageiros
e
a
tripulação
no
avião
mas
ainda
podia
fazer
alguma
coisa
para
salvar
as
pessoas
do
solo;
segundo,
mesmo
que
o
Estado
nada
faça,
os
passageiros
e
a
tripulação
vão
inevitavelmente
morrer
no
atentado.
Quando
o
Estado
desiste
de
salvar
as
vítimas
inocentes
na
aeronave,
não
está
a
tratá-‐las
desrespeitosamente
como
meios.
Simplesmente
fez
tudo
o
que
havia
a
fazer
para
as
salvar
e
não
pode
fazer
mais
nada
a
não
ser
assistir
à
sua
morte
iminente.
Portanto,
do
ponto
de
vista
dos
deveres
estatais
de
protecção,
a
única
questão
que
há
ali
a
discutir
é
se
relativamente
às
potenciais
e
iminentes
vítimas
no
solo,
os
poderes
públicos
ainda
podem
fazer
alguma
coisa
e
se
estão
obrigados
a
fazer
alguma
coisa.
Erro
decisivo
na
argumentação
do
TC
respeita
ao
juízo
de
que
,
quando
abate
a
aeronave
naquelas
circunstâncias,
o
Estado
está
a
sacrificar
a
vida
das
pessoas
inocentes
para
salvar
outras
e
portanto
a
tratá-‐las
como
meios
para
salvamento
de
outros.
A
nosso
ver,
esse
juízo
está
errado.
Com
efeito,
nas
circunstâncias
do
caso,
o
Estado
nem
está
a
tratar
pessoas
como
meios
nem
está
a
sacrificar
vidas
de
pessoas
inocentes,
porque
na
realidade
aquelas
pessoas
vão
inevitavelmente
morrer
dentro
de
segundos.
O
verdadeiro
dilema
com
que
se
confrontam
as
autoridades
públicas
em
circunstâncias
como
esta
é:
deve
ou
não
antecipar-‐se
a
morte
de
pessoas
que,
de
qualquer
forma,
vão
inevitavelmente
morrer
dentro
de
segundos,
se,
com
essa
antecipação
insignificante,
se
salvam
muitas
vidas
de
outras
pessoas?
O
sacrifício
podia
até
nem
ser
desrazoável
ou
excessivo
mas
seria
deontologicamente
inaceitável
por
tratar
pessoas
humanas
como
coisas,
como
meios
ou
instrumentos
de
realização
de
fins
alheios
e
por
constituir
violação
do
princípio
constitucional
da
dignidade
da
pessoa
humana.
Dignidade,
morte
de
inocentes
e
utilização
das
pessoas
como
meio
-‐
abate
do
avião
e
caso
do
trolley
A
instrumentalização
ou
a
utilização
como
meio
só
constitui
violação
da
dignidade
quando
a
pessoa
em
causa
é
vista
só
e
exclusivamente
como
meio,
142
como
coisa
e
com
desprezo
da
sua
condição
de
pessoa
e
quando
há
uma
instrumentalização
degradante,
humilhante
ou
denegridora
da
pessoa.
Em
geral,
podemos
distinguir
dois
grandes
tipos
distintos
de
situações
em
que
ocorre
instrumentalização
violadora
da
dignidade
da
pessoa
humana:
ou
quando
o
meio
em
si
mesmo
é
absoluto
reprovável
por
envolver
a
referida
degradação
ou
quando
a
intenção
que
lhe
subjaz
num
dado
contexto
é
merecedora
de
censura
qualificada
à
luz
daqueles
critérios.
No
caso
do
avião,
não
sucede
nenhuma
dessas
situações
pela
simples
razão
de
que
a
intenção
que
preside
ao
abate
de
aeronave
está
longe
de
ser
censurável
e
nem
sequer
as
pessoas
na
aeronave
estão
a
ser
utilizadas
como
meio.
Interessa-‐nos
saber
se
a
morte
das
pessoas
inocentes
foi
um
meio
para
produzir
um
efeito
desejado,
para
salvar
as
pessoas
no
solo,
ou
se
foi
simplesmente
um
efeito
da
operação
de
salvamento.
A
questão
é
tratada
a
propósito
do
chamado
princípio
do
duplo
efeito.
Na
base
está
a
ideia
de
que
uma
acção
pode
produzir
dois
efeitos:
um
desejado,
o
que
levou
à
prática
da
acção,
e
um
outro
não
desejado,
mas
previsto
como
susceptível
de
ocorrer
ou
até
de
ocorrência
inevitável.
Segundo
a
doutrina
do
duplo
efeito,
uma
consequência,
ainda
que
fosse
moralmente
inadmissível
num
contexto
em
que
constituísse
o
efeito
pretendido
de
uma
acção,
pode
em
certas
circunstâncias
ser
moralmente
aceitável
na
qualidade
de
efeito
colateral.
Cabe
então
perceber
se
é
ou
não
moral
e
juridicamente
relevante
fazer
uma
distinção
entre
utilizar
verdadeiramente
a
morte
de
um
inocente
como
meio
para
atingir
um
fim
e
simplesmente
ter
a
consciência
de
que
a
morte
de
um
inocente
é
uma
consequência,
eventualmente
necessário,
de
uma
acção
que
visa
atingir
um
fim
legítimo
e
suficientemente
importante
que
só
pode
ser
alcançado
com
a
produção
do
efeito
não
desejado.
O
caso
do
trolley
e
a
dificuldade
de
fundamentação
A
situação
imaginada
naquela
situação
hipotética
respeita
ao
dilema
moral
em
que
fica
colocado
um
responsável
pela
regulação
do
tráfego
ferroviário
quando
se
apercebe
que
um
trem
desgovernado
vai
matar
cinco
pessoas
que
se
encontram
inadvertidamente
na
linha
férrea,
e
tem
possibilidade
técnica
de
o
143
desviar
para
uma
outra
linha
onde,
por
sua
vez,
se
encontra
uma
pessoa
cuja
vida
não
estava
ameaçada,
mas
que
será
agora
mortalmente
atingida
se
o
trem
for
desviado.
A
generalidade
das
pessoas
considera
lícito
provocar
a
morte
a
uma
pessoa
como
efeito
da
acção
de
salvamento
das
cinco
pessoas
que
morreriam
caso
não
houvesse
essa
intervenção.
Imaginamos
um
cirurgião
de
um
hospital
que
está
a
braços
com
a
necessidade
de
salvar
a
vida
a
cinco
doentes
que
necessitam
de
um
transplante
de
órgãos
vitais
sob
pena
de
morte
inevitável.
Não
havendo
a
mínima
hipótese
de
ainda
encontrar
dadores
disponíveis.
Sem
que
o
um
jovem
se
aperceba
e
sem
infligir
qualquer
dor
física,
o
cirurgião
anestesia-‐o,
mata-‐o,
extrai
os
órgãos
e
salva
efectivamente
a
vida
aos
cinco
pacientes.
Outra
situação:
no
caso
do
trolley,
em
que
o
regulador
do
tráfego
ferroviário
se
encontra
numa
ponte
de
travessia
pedestre
que
se
situa
sobre
a
linha
férrea
onde
continuam
as
cinco
pessoas
que
vão
ser
atingidas
pelo
trem
desgovernado.
Apercebe-‐se
mas
não
tem
possibilidades
de
aceder
a
tempo
ao
mecanismo;
porém,
vendo
junto
a
si,
na
ponte
uma
pessoa
muito
pesada
e
que
está
inadvertidamente
debruçada,
empurra-‐a,
fá-‐la
cair
à
frente
do
trem
desgovernado
e
com
isso
interrompe
a
marcha.
A
acção
permitiu
portanto
o
salvamento
das
cinco
vidas,
embora
com
o
sacrifício
da
vida
da
pessoa
que
estava
na
ponte
e
foi
empurrada.
Outra
situação
parecida
análoga
à
do
trolley
mas
apenas
existe
uma
única
linha
férrea
que,
no
seu
termo,
dá
uma
volta
(loop)
para
permitir
ao
trem
retomar
a
marcha
no
sentido
contrário
na
mesma
linha.
As
cinco
pessoas
encontram-‐se
nesse
termo
da
linha
e
serão
inevitavelmente
mortas
a
não
ser
que
o
agulheiro,
antes
de
elas
serem
atingidas,
coloque
o
trem
a
fazer
o
troço
do
percurso
de
inversão
de
marcha
em
sentido
contrário.
Esta
acção
faz
com
que,
com
uma
pessoa
bastante
pesada
no
sentido
contrário,
o
trem
interrompe
a
marcha
e
salva
as
cinco
pessoas.
Enquanto
que
no
trolley,
este
era
desviado
para
uma
linha
autónoma,
aqui
era
a
mesma
linha.
144
Dignidade
da
pessoa
humana
como
chave
de
explicação
do
caso
do
trolley
A
dignidade
da
pessoa
humana
está
em
causa
porque
subjacente
às
várias
situações
está
sempre
a
susceptibilidade
de
as
pessoas
estarem
eventualmente
a
ser
tratadas
de
forma
incompatível
com
a
sua
humanidade
intrínseca.
Em
todos
aqueles
casos,
há
perda
de
uma
vida
humana
enquanto
custo,
sacrifício
ou
consequência
de
uma
acção
de
salvamento.
As
pessoas
tendem
a
reagir
da
mesma
maneira
perante
as
diferentes
situações
porque
convergem
num
sentido
de
justiça
comum.
À
alteração
da
apreciação
e
da
valoração
que
as
pessoas
experimentam
perante
aquelas
várias
situações
está
subjacente
uma
percepção
moral
ou
um
sentido
de
justiça
que
valor
diferentemente
as
várias
situações
em
função
da
diferente
forma
como
as
vítimas
são
ou
não
instrumentalizadas
como
meio
e
essa
instrumentalização
é
mais
ou
menos
degradante.
No
caso
do
trolley,
a
pessoa
que
morre
não
é
utilizada
como
meio
para
produzir
um
resultado
e
por
isso,
o
sentido
intuitivo
de
justiça
aponta
para
a
admissibilidade
da
acção.
A
morte
da
pessoa
que
se
encontrava
na
linha
para
onde
o
trem
foi
desviado
ocorre
como
efeito
colateral
e
acidental,
não
é
uma
condição
necessária
para
o
sucesso
da
acção
de
salvamento;
a
presença
da
pessoa
na
linha
é
meramente
acidental.
Se
a
pessoa
não
estivesse
na
linha,
o
salvamento
ocorreria
exactamente
da
mesma
maneira,
logo
a
sua
presença
não
era
necessária
para
o
salvamento,
a
sua
morte
não
desempenhou
qualquer
papel
instrumental
na
operação
de
salvamento.
Já
no
caso
da
ponte
e
no
caso
loop,
a
presença
e
a
participação
bloqueante
da
pessoa
foi
o
meio
requerido
e
utilizado
para
interromper
a
marcha
do
trem.
A
sua
presença
e
a
sua
morte,
inevitáveis
para
interromper
a
marcha
do
trem,
foram
condição
necessária
para
o
sucesso
da
operação
de
salvamento,
constituíram
o
meio
para
atingir
o
fim.
Tal
qual
como
acontecera
no
caso
do
cirurgião:
a
pessoa
e
os
seus
órgãos
foram
utilizados
como
simples
meio
para
salvar
a
vida
dos
cinco
pacientes.
Entre
o
cirurgião,
a
ponte
e
o
loop,
sendo
certo
que
todos
eles
há
uma
utilização
da
pessoa
como
meio,
a
morte
da
pessoa
é
condição
necessária
para
o
sucesso
da
operação
de
salvamento.
145
As
lições
do
caso
do
trolley
para
a
apreciação
da
decisão
do
Tribunal
Constitucional
alemão
no
caso
do
abate
de
avião
Fica
agora
mais
evidente
a
inadequação
da
decisão
judicial
de
inconstitucionalidade
da
lei
na
parte
em
que
foi
tomada
com
fundamento
na
pretensa
violação
do
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana.
De
facto,
não
há
no
abate
da
aeronave,
utilização
ou
sacrifício
de
pessoas
inocentes
como
meio
para
salvar
outras.
A
presença
das
pessoas
inocentes
não
é
condição
necessária
da
operação
de
salvamento.
Os
juízos
de
ponderação,
de
avaliação
de
consequências,
de
valoração
de
alternativas
são
inevitáveis
e
são
necessários,
mas
em
termos
jurídico-‐
constitucionais,
os
seus
resultados
ou
as
acções
decididas
em
consequência
só
são
válidos
e
juridicamente
admissíveis
se
não
constituírem
violação
dos
princípios
constitucionais
e
no
caso,
violação
do
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana.
A
apreciação
da
eventual
violação
deste
princípio
é
necessariamente
feita
tendo
em
conta
o
contexto
e
todos
os
dados
relevantes.
146
16.
Princípio
da
igualdade
O
princípio
da
igualdade
é
dos
princípios
estruturantes
do
Estado
de
Direito,
o
de
presença
mais
constante
e
tem
experimentado
uma
evolução
mais
pronunciada
e
multifacetada.
Conservando
no
essencial
a
mesma
ligação
à
ideia
de
justiça,
à
luta
contra
os
privilégios
e
à
dignidade
da
pessoa
humana,
abre-‐se
a
novas
e
discutíveis
utilizações
que
fazem
dele
um
princípio
sempre
aberto,
controverso
e
de
compreensão
não
tão
linear.
Historicamente,
com
o
advento
do
Estado
de
Direito
liberal,
o
princípio
da
igualdade
significava
a
igualdade
na
aplicação
da
lei.
Garantidas
estavam
pelo
menos
na
visão
do
optimismo
liberal
oitocentista,
a
justiça
e
a
liberdade
imanentes
à
lei
emanada
da
vontade
geral
representada
pelo
Parlamento,
tudo
o
que
havia
a
assegurar
era
em
primeiro
lugar
que
os
restantes
órgãos
do
Estado,
particularmente
a
Administração,
se
submetessem
a
ta
lei
e
que
ela
fosse
aplicada
a
todos
os
seus
destinatários
por
igual,
sem
olhar
a
quem,
sem
distinguir
em
função
da
posição
social,
títulos
ou
convicções.
A
lei
é
igual
para
todos,
todos
são
iguais
perante
a
lei.
Esta
dimensão
da
igualdade
perdeu
razão
de
ser.
Se
bem
que
os
dados
particulares
das
pessoas
e
da
situação
concreta
a
que
a
lei
vai
ser
aplicada
se
imponham,
hoje
com
maior
premência
e
complexidade,
a
igualdade
perante
a
lei
continua
a
ser
um
mínimo
que
se
impõe
à
observância
de
qualquer
Estado
de
Direito
enquanto
exigência
decorrente
da
igual
dignidade
de
todos.
Aquilo
que
se
alterou
profundamente
foi
a
atitude
para
com
o
momento
anterior,
o
de
criação
da
lei.
Se
no
Estado
de
Direito
liberal
as
exigências
de
igualdade
se
satisfaziam
nesse
plano,
com
a
participação
igual
de
todos
os
cidadãos,
na
formação
da
vontade
geral,
no
Estado
social
o
optimismo
e
confiança
nesse
tipo
de
garantias
desvaneceu-‐se.
Mesmo
quando
a
lei
conferia
os
mesmos
direitos
e
deveres
a
todos,
a
generalidade
da
lei,
era
ela
própria
fonte
das
maiores
injustiças,
tratando
da
mesma
forma
aquilo
que
era
substancialmente
diferente.
A
lei
geral
e
abstracta
legitimava,
mantinha
e
aprofundava
situações
de
injustiça
e
desigualdade.
147
Foi
assim
que,
à
medida
que
se
foi
tomando
consciência
das
falsas
expectativas
sobre
a
justiça
imanente
da
lei
geral
e
se
foram
reconhecendo
os
abusos
cometidos
pelo
próprio
legislador
democrático,
as
preocupações
e
anseios
de
igualdade
foram-‐se
transferindo
para
o
próprio
plano
da
criação
da
lei
e
do
seu
conteúdo.
O
legislador
democrático
do
Estado
social
sente-‐se
obrigado
a
atender
às
diferenças
reais
entre
as
pessoas,
a
preocupar-‐se
não
tanto
com
a
forma
mas
com
os
resultados.
A
igualdade
do
Estado
social
não
é
mais
tratar
tudo
e
todos
da
mesma
forma
mas
tratamento
igual
daquilo
que
é
igual
e
tratamento
desigual
daquilo
que
é
desigual.
A
generalidade
nem
é
condição
suficiente
nem
necessária
da
igualdade.
Uma
lei
geral
pode
ser
tão
profundamente
inigualitária
quanto
uma
lei
individual
e
concreta
pode
ser
uma
verdadeira
exigência
de
igualdade.
O
Estado
actual
adquire
uma
consciência
aguda
da
importância
da
igual
participação
democrática
na
produção
de
resultados
de
igualdade.
Com
a
representatividade
das
assembleias
parlamentares,
com
a
inclusão
e
protecção
das
minorias,
a
igualdade
de
oportunidades
na
competência
eleitoral
interpartidária,
a
igualdade
de
sufrágio
e
a
generalização
dos
direitos
políticos
são
hoje
uma
dimensão
basilar
da
igualdade
em
Estado
de
Direito
democrático.
As
exigências
de
igualdade
no
Estado
social
não
se
limitam
à
igualdade
jurídica,
na
lei
e
na
sua
aplicação,
mas
projectam-‐se
igualmente
enquanto
igualdade
fáctica,
no
plano
da
igualdade
de
oportunidades
e
da
disponibilização
das
condições
materiais
que,
atenuem
as
desigualdades
de
partida.
Assim
sendo,
em
nome
da
justiça
distributiva,
e
da
igualdade
material,
o
legislador
do
Estado
social
deve
compensar
as
situações
de
desigualdade
fáctica
e
repor
ou
criar
condições
de
uma
verdadeira
igualdade.
A
nossa
Constituição
acolhe
expressa
e
eloquentemente
todas
as
dimensões
da
igualdade
e
procura
determinar
normativamente
a
solução
dos
problemas
de
igualdade
inevitavelmente
suscitados
por
facto
da
complexidade
que
o
princípio
adquiriu
no
Estado
social.
A
Constituição
consagra
genericamente
o
princípio
(13º)
como
proíbe
modalidades
de
discriminação.
Por
outro
lado
o
princípio
impregna
largamente
a
regulação
do
exercício
dos
direitos
políticos
e
sindicais
e
encontra
uma
refracção
específica
em
particulares
148
autorizações
ou
comandos
de
diferenciação
material
em
favor
de
categorias
particulares.
A
solução
restritiva
individual
ou
concreta
pode
eventualmente
não
ser
arbitrária,
pode
até
justificar-‐se
por
razões
de
igualdade,
mas
por
força
da
rigidez
da
proibição
do
18º/3
o
carácter
não
geral
e
não
abstracto
da
restrição
é
razão
suficiente
da
sua
inviabilização
constitucional:
essas
leis
são
à
partida
constitucionalmente
inadmissíveis,
mesmo
quando
se
possam
fundar
em
razões
ponderosas.
No
domínio
dos
direitos
fundamentais,
há
factores
e
natureza
diferenciada
que
relativizam
a
aparente
rigidez
da
proibição
contida
no
primeiro
segmento
do
18º/3.
Assim,
nos
casos
verdadeiramente
difíceis
em
que
uma
intervenção
restritiva
e/ou
concreta
justificada
por
razões
ponderosas
e
excepcionais,
seja
feita
por
lei
e
independentemente
da
forma
sob
que
essa
intenção
restritiva
individualizada
se
dissimula,
ela
deve
ser
sujeita
a
um
controlo
agravado
e
especialmente
atento
às
questões
de
igualdade,
discriminação
e
arbítrio.
Não
sendo
possível
objectivamente
determinar
os
critérios
de
diferenciações
admissíveis,
tudo
residiria
em
saber
até
onde
poderiam
as
decisões
do
legislador
democrático
neste
domínio
ser
sindicáveis
pelo
juiz
constitucional.
Só
em
casos
extremos
a
diferenciação
é
puramente
arbitrária
e
normalmente,
nessas
alturas,
ela
também
poderia
ser
invalidade
com
recurso
a
outros
princípios.
Os
factores
suspeitos
relativamente
aos
quais
se
deve
partir
de
uma
presunção
de
arbitrariedade
não
devem
limitar-‐se
a
uma
categoria
fechada
resultante
de
uma
qualquer
enumeração
constitucional,
mas
a
suspeição
deve
poder
ser
activada,
para
além
das
discriminações
tradicionalmente
tidas
como
injustificadas
(13º/2),
sempre
que:
a
diferenciação
resultar
em
afectação
séria
de
direitos
fundamentais.
Mesmo
quando
a
diferenciação
não
caia
dentro
de
categoria
suspeita,
ainda
assim
o
controlo
deve
ir
mais
além
do
que
o
mero
controlo
do
arbítrio,
deve
ser
sujeita
pelo
menos
a
um
tipo
de
controlo
tão
rigoroso
quanto
o
aplicável
às
restrições
dos
direitos
fundamentais.
17.
Princípio
da
proibição
do
excesso
149
Este
princípio
é
hoje
a
referência
fundamental
do
controlo
da
actuação
dos
poderes
públicos
em
Estado
de
Direito,
assumindo
o
papel
de
principal
instrumento
de
controlo
de
actuação
restritiva
da
liberdade
individual.
O
princípio
apresenta
uma
latitude
suficientemente
ampla
para
por
vezes
surgir
identificado
com
cada
um
dos
subprincípios
e
conceitos
afins
e
por
outras,
se
considerar
como
princípio
geral
abrangendo
essas
várias
dimensões.
Os
subprincípios,
elementos
ou
máximas
contidos
no
princípio
da
proibição
do
excesso
Procede-‐se
a
uma
subdivisão
do
princípio
da
proporcionalidade
em
sentido
lato
por
três
subprincípios:
idoneidade,
necessidade
e
proporcionalidade
em
sentido
restrito
Ao
princípio
da
idoneidade
é
atribuído
o
sentido
de
exigir
que
as
medidas
restritivas
em
causa
sejam
aptas
a
realizar
o
fim
visado
com
a
restrição
ou
contribuam
para
o
alcançar;
ao
princípio
da
indispensabilidade
ou
da
necessidade
o
sentido
de
que,
de
todos
os
meios
idóneos
disponíveis
e
igualmente
aptos
a
prosseguir
o
fim
visado
com
a
restrição,
se
deve
escolher
o
meio
que
produz
efeitos
menos
restritivos;
o
princípio
da
proporcionalidade
em
sentido
restrito
respeitaria
à
justa
medida
ou
relação
de
adequação
entre
os
bens
e
interesses
em
colisão,
entre
o
sacrifício
imposto
pela
restrição
e
o
benefício
por
ela
prosseguido.
Da
nossa
parte
pensamos
ser
mais
feliz
a
proposta
de
tomar
o
princípio
da
proibição
do
excesso
como
o
princípio
mais
abrangente
onde
se
integram
diferentes
elementos
constitutivos,
entre
os
quais
a
proporcionalidade.
A
dignidade
da
pessoa
humana
e
o
direito
fundamental
ao
desenvolvimento
da
personalidade,
conferem
aos
cidadãos
uma
pretensão
jurídico-‐constitucionalmente
protegida
de
não
terem
a
sua
liberdade
individual
negativamente
afectada
a
não
ser
quando
tal
seja
estrita
e
impreterivelmente
exigido
pela
prossecução,
por
parte
dos
poderes
públicos.
Nestes
termos
é
constitucionalmente
ilegítima
qualquer
ingerência
estatal
na
esfera
de
autonomia
dos
particulares.
Logo,
a
ideia
mais
abrangente
no
sentido
da
conformidade
ou
adequação
constitucional
da
medida
restritiva
é
a
de
150
proibição
do
excesso
de
restrição,
sendo
a
ideia
de
relação
proporcional,
um
de
entre
vários
elementos
em
que
se
desdobra.
A
exigência
da
sua
aplicação
no
controlo
da
constitucionalidade
das
restrições
decorre
da
configuração
que
os
direitos
fundamentais
e
as
relações
entre
Estado
e
indivíduos
cobram
em
Estado
de
Direito.
Esta
decomposição
do
princípio
da
proibição
do
excesso
pelos
seus
vários
elementos
constitutivos,
permite
um
escalonamento
dos
controlos
num
processo
de
filtragem
sucessiva
que
vai
eliminando
os
candidatos
relativamente
aos
quais
o
apuramento
do
eventual
excesso
ou
desproporcionalidade
é
mais
imediata
e
objectivamente
determinável,
seleccionando
para
a
última
fase
só
os
candidatos
que
já
passaram
os
testes
da
idoneidade
e
indispensabilidade.
Os
controlos
de
idoneidade
e
indispensabilidade
são
de
natureza
tendencialmente
objectiva,
enquanto
os
controlos
respeitantes
à
fase
de
proporcionalidade
dependem
vitalmente
de
procedimentos
de
ponderação
de
bens,
de
avaliação
essencialmente
subjectiva.
Nesses
termos,
a
utilização
do
tópico
proibição
do
excesso
facilita
a
diversificação
das
exigências
e
das
margens
de
densidade
ou
intensidade
do
controlo
para
cada
um
dos
elementos
sindicados.
Princípio
da
idoneidade
ou
da
aptidão
O
princípio
da
idoneidade
significa
que
as
medidas
restritivas
da
liberdade
individual
devem
ser
aptas
a
realizar
o
fim
prosseguido
com
a
restrição
ou
mais
rigorosamente,
significa
que
aquelas
medidas
devem,
de
forma
sensível
contribuir
para
o
alcançar.
Refere-‐se
exclusivamente
à
aptidão
objectiva
de
um
meio
para
realizar
um
fim
e
não
a
qualquer
avaliação
substancial:
uma
medida
idónea
quando
é
útil
para
a
consecução
de
um
fim,
quando
permite
a
aproximação
do
resultado
pretendido,
quaisquer
que
sejam
a
medida
e
o
fim
e
independentemente
dos
méritos
correspondentes.
Trata-‐se
portanto
de
um
sub-‐princípio
e
um
controlo
essencialmente
baseados
numa
relação
objectiva
e
empiricamente
comprovável
entre
um
meio
e
um
fim.
Há
pressuposto
lógico
da
idoneidade:
a
legitimidade
constitucional
dos
fins
prosseguidos
com
a
restrição
e
da
legitimidade
dos
meios
utilizados.
151
Está
naturalmente
excluída
a
utilização
de
meios
e
a
prossecução
de
fins
constitucionalmente
ilegítimos,
como
também
só
podem
ser
prosseguidos
fins
jurídica
e
materialmente
possível
e
que
se
limitem
a
salvaguardar
outros
direitos
ou
interesses
constitucionalmente
protegidos.
Concluiremos
que
só
são
legítimas
as
restrições
aos
direitos
fundamentais
que,
para
além
de
observarem
os
restantes
limites
aos
limites,
se
destinem
exclusivamente
a
promover
o
reconhecimento
e
o
respeito
dos
direitos
e
liberdades
dos
outros,
e
a
satisfazer
as
justas
exigências
da
moral,
da
ordem
pública
e
do
bem-‐estar
numa
sociedade
democrática.
A
exigência
da
legitimidade
dos
fins
já
pode
constituir
um
parâmetro
adequado
enquanto
fase
preliminar
do
controlo
de
idoneidade.
É
que,
em
rigor,
a
idoneidade
respeita
exclusivamente
à
relação
de
causa-‐efeito
entre
meio
e
fim,
à
aptidão
de
um
meio
para
atingir
um
fim.
Esta
aptidão
deve
ser
aferida
com
uma
aproximação
sensível,
ainda
que
parcelar
do
fim
pretendido.
Esta
aparente
contenção
de
exigências
no
controlo
de
idoneidade
desvaloriza
a
importância
do
princípio
da
idoneidade
enquanto
instância
autónoma.
Princípio
da
indispensabilidade
ou
do
meio
menos
restritivo
Há
que
distinguir
entre
o
princípio
da
proibição
do
excesso
e
o
princípio
da
necessidade
ou
indispensabilidade.
O
primeiro
proíbe
que
a
restrição
vá
mais
além
do
que
o
estritamente
necessário.
O
princípio
da
necessidade,
enquanto
subprincípio
impõe
que
se
recorra,
para
atingir
esse
fim,
ao
meio
mais
necessário,
exigível
ou
indispensável,
no
sentido
do
meio
mais
suave
ou
menos
restritivo
que
precise
de
ser
utilizado
para
atingir
o
fim
em
vista.
Determinada
a
legitimidade,
apurada
a
idoneidade
do
meio,
trata-‐se
agora
no
controlo
de
indispensabilidade
de
verificar
se
não
haverá
um
outro
meio
que
sendo
tão
eficaz,
seja
sensivelmente
menos
agressivo.
A
desnecessidade
afere-‐se
em
relação
aos
prejuízos
provocados
pelas
medidas
restritivas
avaliados
em
função
dos
seus
efeitos.
152
Se
existir
um
meio
alternativo
menos
restritivo
que
o
utilizado,
então
o
meio
efectivamente
escolhido
será
excessivo
e
como
tal,
inconstitucional
por
violação
do
princípio
da
proibição
do
excesso.
O
controlo
da
indispensabilidade
acaba
por
se
traduzir
numa
comparação
entre
diferentes
complexos
de
relações
meio/fim.
Pressupõe-‐se
a
possibilidade
de
determinar
rigorosa
e
precisamente
o
fim
prosseguidos
com
a
restrição;
pressupõe-‐se
a
idoneidade
dos
meios
em
comparação;
pressupõe-‐se
a
igual
aptidão
desses
meios
na
realização
do
fim.
Se
o
controlo
da
idoneidade
dos
meios
disponíveis
se
pode
efectivar
de
forma
objectiva,
a
avaliação
do
grau
de
aptidão
ou
idoneidade
de
cada
um
desses
meios
no
âmbito
de
um
controlo
de
indispensabilidade
revela-‐se
muito
mais
complexa.
Na
prática,
acaba
por
remeter
inevitavelmente
para
juízos
decisivos
de
valoração
e
de
ponderação.
Na
apreciação
de
cada
um
destes
vectores
tem
de
se
atender
à
sensibilidade
subjectiva
dos
próprios
interessados.
Assim,
aquilo
que
normal
e
objectivamente,
pode
ser
considerado
um
meio
menos
restritivo
pode,
do
ponto
de
vista
do
afectado
ser
sentido
como
meio
mais
gravoso.
A
medida
mais
suava
para
algum
pode
constituir
a
solução
mais
agressiva
para
outro.
Nestes
casos,
a
opção
só
pode
basear-‐se
em
avaliações
complexas
em
que
se
comparam
utilidades,
se
elegem
os
interesses
de
liberdade
que
se
consideram
determinantes,
mas
sempre
em
termos
de
escolhas
de
intersubjectividade
dificilmente
demonstrável.
É
quase
sempre
possível
invocar
a
possibilidade
de
utilização
de
um
meio
menos
restritivo
desde
que
o
Estado
condescenda
em
perder
alguma
eficácia
na
realização
do
fim.
Trata-‐se
de
ponderar
alternativas
de
restrição
em
que
variam
quer
o
grau
de
eficiência
na
realização
do
fim
quer
a
dimensão
do
prejuízo
infligido
à
liberdade
individual.
Assim,
perante
a
complexificação
das
variáveis
a
considerar
na
determinação
do
meio
menos
restritivo,
parte
da
doutrina
tende
a
reduzir
a
aplicabilidade
do
controlo
de
indispensabilidade
aos
casos
reconduzíveis
a
uma
153
comparação
objectiva
entre
meios
igualmente
idóneos
e
a
graduação
dos
efeitos
restritivos
é
empiricamente
realizável
com
base
nos
dados
fácticos
em
presença.
Com
tal
redução
se
garante
a
objectividade
do
controlo
mas
acaba
por
ter
um
préstimo
residual
e
muito
limitado.
Esta
doutrina
acaba
por
remeter
para
o
controlo
da
proporcionalidade
em
sentido
restrito,
a
avaliação
praticamente
todos
os
casos
difíceis,
com
o
que
não
resolve
o
problema,
apenas
o
adia
com
a
desvantagem
de
obscurecimento
do
posterior
controlo
de
proporcionalidade.
Do
nosso
ponto
de
vista
há
todo
um
conjunto
mais
vaso
de
situações
em
que
o
critério
da
indispensabilidade
pode
ser
utilizado
com
proveito.
Nessa
situações
a
verificação
da
indispensabilidade
deve
processar-‐se
de
forma
integrada
com
considerações
referentes
à
aptidão
das
medidas
restritivas
em
comparação
e
com
avaliações
comparativas
da
respectiva
proporcionalidade.
Enquanto
que
o
critério
de
indispensabilidade
se
baseia
numa
comparação
e
opção
entre
meios
condicionada
pela
comparação
dos
respectivos
efeitos
restritivos,
o
controlo
de
proporcionalidade
baseia-‐se
numa
relação
entre
meio-‐fim
ou,
mais
precisamente,
numa
relação
de
adequação
ou
inadequação
entre
o
agravo
produzido
na
esfera
do
particular
afectado
com
a
restrição
e
o
fim
que
justifica
essa
restrição
ou
o
benefício
que
ela
pretende
proporcionar.
Na
prática,
e
na
generalidade
dos
chamados
casos
difíceis,
quer
um
quer
outro
princípio
só
desenvolvem
todas
as
suas
virtualidades
enquanto
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
mediante
uma
aplicação
combinada
e
integrada.
Princípio
da
proporcionalidade
Com
o
princípio
da
proporcionalidade
em
sentido
próprio,
trata-‐se
de
indagar
acerca
da
adequação
de
uma
relação
entre
dois
termos
ou
entre
duas
grandezas
variáveis
e
comparáveis.
Quando
se
aprecia
a
proporcionalidade
de
uma
restrição
a
um
direito
fundamental,
avalia-‐se
a
relação
entre
o
bem
que
se
pretende
proteger
ou
prosseguir
com
a
restrição
e
o
bem
jusfundamentalmente
protegido
que
resulta,
desvantajosamente
afectado.
A
observância
ou
a
violação
do
princípio
da
proporcionalidade
dependerão
da
verificação
da
medida
em
que
essa
relação
é
avaliada
como
sendo
154
justa,
adequada,
razoável,
proporcionada
ou
noutra
perspectiva,
desproporcionada,
desrazoável.
Os
critérios
de
avaliação
revelam
alguma
imprecisão
e
fungibilidade.
O
permanente
apelo
que
eles
fazem
a
uma
referência
axiológica
que
funcione
como
terceiro
termo
na
relação
e
onde
está
sempre
presente
um
sentido
de
justa
medida,
de
adequação
material
e
a
importância
que
assumem
as
questões
competenciais.
Compreende-‐se
que,
no
domínio
das
restrições
aos
direitos
fundamentais
a
proporcionalidade
seja
frequentemente
identificada
com
a
ponderação
de
bens.
Há
que
ter
a
noção
da
diferença
entre
a
metodologia
da
ponderação
a
que
se
recorre
quando
se
verifica
a
justificação
ou
fundamento
de
uma
restrição
da
liberdade
e
os
juízos
valorativos
a
que
se
procede
quando
se
analisa
a
proporcionalidade
da
medida
restritiva.
Trata-‐se
de
apurar
a
adequação
material
de
um
meio
restritivo
quando
avaliado
em
função
de
um
ponto
de
referência
fixo
constituído
pelo
fim
visado
com
a
restrição.
Aquilo
que
vai
ser
sujeito
a
um
controlo
de
proporcionalidade
não
é
a
relação
entre
os
dois
bens
em
questão,
mas
antes
a
medida
restritiva
concreta
que
escolheram
para
concretizar
a
relação
de
preferência
previamente
estabelecida.
Trata-‐se,
na
proporcionalidade,
de
apreciar
o
desvalor
do
sacrifício
imposto
à
liberdade
quando
comparado
com
o
valor
do
bem
que
se
pretende
atingir.
Na
proporcionalidade
faz-‐se
necessariamente
uma
valoração
das
duas
grandezas
ou
termos
da
relação
em
causa,
apreciando-‐se
a
gravidade
da
restrição
em
associação
à
importância
e
imperatividade
das
razões
que
a
justificam.
Sendo
o
controlo
de
proporcionalidade
logicamente
precedido
do
controlo
de
indispensabilidade
que
concluiu
ser
o
meio
em
apreço
a
medida
menos
restritiva,
há
que
apurar
quais
as
margens
relativas
de
que
dispõem
o
poder
constituído
autor
da
restrição
e
poder
jurisdicional
de
controlo.
A
doutrina
tende
a
seleccionar
como
critérios
orientadores
da
intensidade
do
controlo
de
proporcionalidade:
a
gravidade
da
restrição
e
a
importância
e
a
155
premência
dos
interesses
que
justificam
a
restrição,
bem
como
a
relevância
dos
interesses
de
liberdade
protegidos
pelo
direito
fundamental
restringido.
Sustenta-‐se
a
adequação
de
um
mero
controlo
de
evidência,
sobretudo
no
domínio
da
regulamentação
económica,
quando
há
apenas
uma
afectação
marginal
das
liberdades
económicas
e
se
considera
que
só
há
violação
da
proporcionalidade
quando
a
restrição
parte
de
pressupostos
claramente
incorrectos.
Um
controlo
de
defensabilidade,
quando
há
afectação
directa
de
direitos
económicos
e
se
exige
a
apresentação
de
uma
fundamentação
racional
para
a
restrição.
Um
controlo
substancial
intensivo,
quando
estão
em
causa
direitos
e
liberdades
de
natureza
pessoal.
Na
generalidade
dos
casos
mais
simples,
o
princípio
da
proporcionalidade
pode
desenvolver
virtualidades
importantes
de
limitação
do
excesso
das
medidas
restritivas,
mas
nos
verdadeiros
casos
difíceis,
a
limitação
do
controlo
de
proporcionalidade
à
eliminação
das
desproporções
grosseiras
priva
o
princípio
da
proporcionalidade
da
efectividade
que
lhe
caberia
enquanto
limite
aos
limites
dos
direitos
fundamentais.
Na
prática,
a
verificação
de
proporcionalidade
raramente
se
centra
exclusivamente
no
meio
e
fim
concretos,
surgindo,
antes,
combinada
com
o
controlo
de
indispensabilidade
no
quadro
de
uma
ponderação
mais
global
de
vantagens
e
desvantagens.
O
que
acaba
por
ser
ponderado
no
quadro
do
controlo
de
proporcionalidade
são
vantagens
e
desvantagens
recíprocas
de
alternativas
legítimas
e
disponíveis.
Princípio
da
razoabilidade
Haveria
desproporcionalidade
sempre
que
a
relação
apurada
entre
a
gravidade
do
sacrifício
imposto
e
a
relevância
das
razões
que
o
justificavam
fosse
desrazoável.
Há
um
outro
sentido:
orienta-‐se
para
a
avaliação
da
razoabilidade
da
imposição,
dever
ou
obrigação
restritiva
da
liberdade
na
exclusiva
perspectiva
das
suas
consequências
na
esfera
pessoal
daquele
que
é
desvantajosamente
afectado.
156
Uma
restrição
da
liberdade
pode
ser
adequada
quando
se
tem
em
conta
a
gravidade
do
sacrifício
imposto
relacionada
com
a
importância
ou
a
premência
de
realização
dos
fins
prosseguidos.
Há
também
assim,
no
controlo
de
razoabilidade
um
modo
individualizador
de
apreciação:
uma
norma
que,
em
abstracto,
pode
ser
tida
como
razoável,
é
susceptível
de
uma
aplicação
excessiva,
desrazoável
na
medida
em
que
a
exigência
ou
o
encargo
que
se
impõe
a
alguém
surja,
nesse
específico
contexto,
como
excessivo.
A
razoabilidade
assume
uma
dimensão
valorativa
essencialmente
referida
à
situação
em
que
a
medida
em
apreciação
coloca
pessoas
individualmente
consideradas
e
que
é
funcionalmente
orientada
à
garantia
da
quantidade
e
qualidade
de
um
espaço
de
liberdade
individual
remanescente
que
as
intervenções
restritivas
num
Estado
de
Direito
devem
observar.
O
juízo
de
razoabilidade
nunca
é
completamente
alheio
a
valorações
relacionadas
com
a
importância
ou
a
premência
das
razões
que
justificam
a
medida
restritiva,
pelo
que
não
dispensa
a
necessidade
de
eventuais
ponderações
dos
interesses
relevantes
no
caso
concreto.
Princípio
da
determinabilidade
A
exigência
de
determinabilidade,
clareza
e
suficiente
densidade
das
normas
legais
e,
das
normas
restritivas
é
um
factor
de
garantia
da
protecção
da
confiança
e
da
segurança
jurídica,
uma
vez
que
o
cidadão
só
pode
conformar
autonomamente
os
próprios
planos
de
vida
se
souber
com
o
que
pode
contar.
Tem
uma
dimensão
competencial
ligada
à
reserva
de
lei
e
ao
princípio
democrático,
já
que
uma
limitação
não
suficientemente
determinada
transfere
do
legislador
para
outras
instâncias,
a
fixação
concreta
do
essencial
do
sentido,
grau,
e
alcance
reconhecidos
às
possibilidades
de
intervenção
na
liberdade
individual
dos
cidadãos.
A
determinabilidade
é
também
um
elemento
da
proibição
do
excesso,
na
medida
em
que
uma
restrição
de
contornos
não
antecipadamente
bem
firmados
alarga
potencialmente
a
margem
de
actuação
restritiva
dos
poderes
constituídos
a
um
plano
não
consentâneo
com
o
princípio
de
repartição
de
Estado
de
Direito
e
157
de
proibição
do
excesso
e
gera
efeitos
inibitórios
no
lado
do
exercício
das
liberdades.
Se
o
destinatário
da
lei
receia
não
haver
sinalizado
com
suficiente
rigor
o
objectivo
ou
o
sentido
da
proibição,
a
tendência
natural
será
a
de
se
auto-‐
restringir
nos
comportamentos
que
possam
ter
alguns
pontos
de
contacto
com
as
actividades
proibidas.
Assim,
a
lei
em
causa,
na
medida
em
que
acaba
por
afectar
a
liberdade
individual
muito
para
além
do
que
seria
uma
restrição
justificada,
é
excessiva
e
como
tal
inconstitucional.
18.
Princípio
da
segurança
jurídica
e
da
protecção
de
confiança
O
princípio
é
imprescindível
aos
particulares,
para
a
necessária
estabilidade,
autonomia
e
segurança
na
organização
dos
seus
próprios
planos
de
vida.
Este
princípio
projecta
exigências
diferenciadas
dirigidas
ao
Estado,
que
vão
desde
as
mais
genéricas
de
previsibilidade
e
calculabilidade
da
actuação
estatal,
de
clareza
e
densidade
normativa
das
regras
jurídicas
e
de
publicidade
e
transparência
dos
actos
dos
poderes
públicos,
até
às
mais
específicas
de
observância
dos
seus
direitos,
expectativas
e
interesses
legítimos
e
dignos
de
protecção.
É
um
elemento
essencial
da
própria
estruturação
do
relacionamento
entre
Estado
e
cidadãos
em
Estado
de
Direito.
Essa
protecção
da
confiança
dos
particulares
relativamente
à
continuidade
na
ordem
jurídica
é
o
lado
subjectivo
da
garantia
mais
geral
de
segurança
jurídica
inerente
ao
Estado
de
Direito.
Enquanto
garantia
objectiva,
o
princípio
vale
em
todas
as
áreas
da
actuação
estatal,
seja
relativamente
à
Administração
ou
ao
judicial.
Assim,
relativamente
ao
legislador,
a
garantia
objectiva
de
segurança
jurídica
requer:
a
transparência
e
publicidade
do
processo
de
elaboração
das
leis
e
necessária
publicação
antes
da
entrada
em
vigor;
clareza
das
normas
jurídicas
e
a
sua
suficiente
determinabilidade
sem
prejuízo
da
possibilidade
do
legislador
recorrer
a
cláusulas
gerais
e
conceitos
indeterminados;
autolimitação
e
autovinculação
do
Estado
relativamente
às
normas
vigentes,
ele
próprio
submetido
e
obrigado
à
respectiva
observância
enquanto
elas
vigorarem.
158
É
no
seu
lado
subjectivo
-‐
protecção
da
confiança
dos
particulares
na
continuidade
do
quadro
legislativo
vigente
-‐
que
a
invocação
deste
princípio
gera
dificuldades.
Os
particulares
têm
o
direito
a
saber
com
o
que
podem
legitimamente
contar
por
parte
do
Estado,
como
o
direito
a
não
ver
frustradas
as
expectativas
que
legitimamente
formaram,
desde
que,
essas
expectativas
legítimas,
tenham
sido
estimuladas
geradas
ou
toleradas
por
comportamentos
do
próprio
Estado
e
os
particulares
não
possam
ou
devam,
razoavelmente,
esperar
alterações
radicais
no
curso
de
desenvolvimento
legislativo
normal.
Há
que
ter
em
conta
que
o
legislador
de
Estado
de
Direito
democrático
está
igualmente
vinculado
à
prossecução
do
interesse
público,
e
que
aí,
tem
de
dispor
de
uma
ampla
margem
de
conformação
da
ordem
jurídica
ordinária.
Assim,
perante
a
igual
dignidade
constitucional
dos
valores
em
confronto,
o
alcance
prático
não
é
delimitável
independentemente
de
uma
avaliação
que
tenha
em
conta
as
circunstâncias
do
caso
concreto
e
permita
concluir
qual
dos
princípios
deve
merecer
a
prevalência.
Nesta
avaliação
devem
ser
tidos
em
conta
o
peso
relativo
do
interesse
público
que
conduziu
à
alteração
legislativa,
a
relevância
dos
interesses
dos
particulares
e
a
intensidade
da
sua
afectação
e
a
própria
margem
de
livre
conformação
que
deve
ser
deixada
ao
legislador
democrático
em
Estado
de
Direito.
Há
pontos
que
podem
reduzir
incerteza
de
resultados
exclusivamente
firmados,
e
assim,
ao
lado
da
margem
de
conformação,
há
que
distinguir
três
hipóteses:
leis
retroactivas,
leis
retrospectivas
e
leis
aplicáveis
só
a
situações
jurídicas
que
se
venham
constituir
no
futuro.
Raramente
as
expectativas,
quando
se
trata
de
legislação
que
apenas
conforma
relações
a
desenvolver
no
futuro,
podem
adquirir
relevância
jurídica
a
ponto
de
determinarem
a
invalidação
da
lei.
Ao
invés,
uma
lei
retroactiva
restritiva
de
direitos
é,
em
princípio,
constitucionalmente
ilegítima,
ela
afecta
desvantajosamente
posições
dos
particulares
já
estabilizadas
no
passado
de
uma
forma
com
que
estes
não
podiam
razoavelmente
contar.
A
CRP
determina
desde
logo
a
proibição
de
leis
retroactivas
naqueles
domínios
em
que
ela
será
mais
contundentemente
ofensiva
das
expectativas
dos
particulares
-‐
18º/3,
29º
e
103º/3.
159
Há
no
entanto
que
atender
aos
possíveis
diferentes
graus
de
retroactividade,
pois
dessa
gradação
pode
depender
a
eventual
admissibilidade
de
leis
que
não
valem
exclusivamente
para
o
futuro.
Autores
e
jurisprudência
distinguem
basicamente
entre
retroactividade,
quando
a
lei
nova
pretende
afectar
situações
já
esgotadas
ou
estabilizadas
no
passado
e
retrospectividade,
quando
a
lei
nova
só
reclama
uma
vigência
ex
nunc,
para
situações
que
embora
constituídos
no
passado
por
força
ou
com
cobertura
de
lei
anterior,
prolongam
os
seus
efeitos
no
presente.
A
lei
restritiva
com
retroactividade
autêntica
é
expressamente
considerada
inconstitucional.
Mesmo
nas
outras
situações,
uma
lei
retroactiva
será
à
partida
inconstitucional
por
violação
do
princípio
da
protecção
da
confiança
dos
cidadãos.
Todavia,
tudo
dependerá
da
ponderação
entre
os
interesses
de
segurança
jurídica
de
previsibilidade
e
de
protecção
da
confiança
dos
cidadãos
e
os
interesses
prementes
que
pretendem
justificar
a
excepção,
do
outro.
Problemas
difíceis
surgem
nas
situações
da
chamada
retrospectividade.
O
peso
das
posições
dos
particulares
a
relevar
a
referida
ponderação
de
valores
pode
ser
determinado
por
inúmeros
factos.
As
expectativas
têm
de
ser
legítimas.
Por
outro
lado,
terão
peso
diferente
as
expectativas
quanto
a
manutenção
de
posições
relacionadas
com
comportamentos
dos
particulares
instigados
pelo
Estado
ou
por
ele
tolerados
relativamente
a
comportamentos
que
o
Estado
pura
e
simplesmente
ignorava.
Serão
diversamente
avaliadas
as
expectativas
dos
particulares
na
continuidade
de
um
dado
quadro
jurídico
que
os
havia
levado
a
fazer
alterações
significativas
dos
seus
planos
de
vida
de
alguma
forma
estimuladas
por
anteriores
impulsos
provindos
do
Estado
ou
meras
expectativas
de
particulares
que
apenas
esperaram
que
a
inércia
do
Estado
ou
a
manutenção
de
um
status
os
venha
a
beneficiar
no
futuro.
Terão
diferente
consistência
expectativas
solidificadas
ao
longo
dos
anos
e
estabilizadas
por
força
de
uma
aceitação
reiterada
no
tempo
ou
meras
esperanças
de
que
benefícios
recentes
não
venham
a
ser
retirados.
Com
base
em
ponderação
de
caso
concreto,
a
prevalência
dos
interesses
relacionados
com
a
protecção
da
confiança
dos
particulares,
o
princípio
projecta-‐
160
se,
relativamente
ao
Estado,
em
exigências
diferenciadas
que
vão
desde
uma
pretensão
de
garantia
absoluta
de
estabilidade
das
normas
jurídicas
até
exigências
mais
atenuadas
no
sentido
da
protecção
das
situações
dos
particulares
através
da
emissão
de
disposições
transitórias
que
salvaguardem
as
esferas
dos
particulares
de
bruscas
alterações.
A
ponderação
de
valores
a
que
procedem
não
deve
ser
independente
da
consideração
das
potenciais
alternativas
de
que
dispunha
o
legislador
para
prosseguir
o
interesse
público.
O
controlo
da
observância
do
princípio
da
protecção
da
confiança
combina
duas
dimensões:
(1)
o
interesse
público
prosseguido
pelo
legislador
tem
de
superar
o
peso
das
expectativas
dos
particulares
e
(2)
assente
que
seja,
a
prevalência
da
realização
do
interesse
público
sobre
as
expectativas
dos
particulares,
ainda
será
necessário
verificar
se
a
afectação
correspondente
observou
as
diferentes
exigências
do
princípio
da
proibição
do
excesso.
19.
O
controlo
da
afectação
dos
direitos
fundamentais
por
omissões
estatais
e
o
princípio
da
proibição
do
défice
293
ss
dtos
sociais
• Nos
direitos
positivos:
ou
seja,
quando
se
requer
do
Estado
uma
actuação
positiva,
a
opinião
é
controversa
na
doutrina,
mas
pensamos
não
haver
lugar
para
um
enquadramento
dogmático
de
protecção
dos
direitos
positivos
à
luz
do
padrão
de
controlo
da
constitucionalidade
das
restrições
atrás
enunciado.
Na
generalidade
dos
direitos
positivos
associados
aos
deveres
estatais
de
protecção
e
promoção,
não
é
facilmente
aplicável
o
padrão
de
controlo
típico
das
restrições
aos
direitos
fundamentais.
Porquê?
Em
primeiro
lugar,
não
é
possível
identificar
um
momento
do
surgimento
da
restrição
ou
delimitar
precisamente
o
objecto
que
deva
ser
sujeito
a
controlo.
Num
direito
positivo,
aquilo
que
se
exige
do
Estado
é
uma
acção,
uma
actuação
positiva
de
prossecução
de
algo.
Aqui
há
duas
situações
a
considerar:
ou
o
comando
que
impõe
uma
acção
ao
Estado
está
suficientemente
determinado
(1)
ou
impõe
um
caminho,
um
fim,
um
161
objectivo,
mas
não
fixa
de
forma
densa
a
acção
que
se
impõe
(2).
No
caso
do
(1)
a
norma
está
suficientemente
determinada
e
portanto
o
tipo
de
controlo
é
igual
aos
direitos
negativos,
porém
essa
situação
é
excepcional.
No
(2),
quando
o
comando
da
acção
não
está
suficientemente
determinado,
nunca
há
só
uma
única
acção
que
seja
devida.
É
sempre
possível
prestar
algo
mais,
ou
proteger
mais,
ou
fazer
diferente,
e
portanto
o
Estado
encontra-‐se
sempre
em
omissão.
A
omissão
identifica-‐
se
nos
direitos
positivos,
com
o
estado
natural
do
direito,
com
o
seu
conteúdo,
não
é
possível
distinguir
âmbito
de
protecção
do
direito
e
restrição
que
sobre
ela
incide.
Não
é
possível
aplicar
aos
direitos
positivos
uma
lógica
de
teoria
externa
das
restrições
que
é
construída
em
primeiro
lugar,
a
delimitação
do
âmbito
de
protecção
do
direito,
em
segundo
a
identificação
de
uma
restrição
ou
intervenção
restritiva
e
por
último
a
verificação
da
justificação
e
da
constitucionalidade
de
tal
acção
restritiva.
Como
num
direito
positivo,
em
princípio,
é
sempre
possível
prestar
mais,
proteger
mais,
então
há
sempre
alguma
omissão,
a
possibilidade
de
uma
realização
optimizada
do
direito
encontra-‐se
sob
afectação
permanente,
a
restrição
não
surge,
não
pode
ser
previamente
identificada,
ela
vive
com
o
direito
desde
a
sua
origem
e
continuará
colada
a
ele
independentemente
do
grau
de
realização
entretanto
atingido.
Uma
vez
que
há
e
haverá
sempre
alguma
omissão
das
medidas
devidas,
aquilo
que
se
sujeita
a
controlo
de
constitucionalidade
é
um
determinado
nível
de
omissão,
ficando
o
tribunal
obrigado
a
determinar
o
nível
preciso
a
partir
do
qual
em
cada
momento,
se
distingue
a
inconstitucionalidade
da
não
inconstitucionalidade.
Enquanto
que
nos
direitos
negativos
é
sempre
possível
determinar
um
oposto
da
restrição
cuja
constitucionalidade
está
a
ser
judicialmente
verificada,
no
caso
de
uma
omissão
(direito
positivo)
esse
oposto
não
é
facilmente
determinável,
uma
vez
que
há
sempre
um
conjunto
alargado
de
possíveis
medidas
que
poderiam
ser
tomadas
para
suprir
a
omissão.
Se
o
juiz
considera
a
restrição
ou
a
intervenção
restritiva
inconstitucional,
reconhece-‐se-‐lhe
uma
possibilidade
inatacável
à
luz
do
princípio
da
162
separação
de
poderes
e
que
é
da
decisão
de
inaplicabilidade
ou
invalidade
constitucionais
da
medida
em
causa.
Já
no
âmbito
do
controlo
de
inconstitucionalidade
das
omissões,
o
juiz
carece
de
aptidão,
competência
e
legitimidade
para
impor
aos
poderes
públicos
a
realização
dam
medida
considerada
adequada
para
suprir
tal
omissão.
Por
último,
enquanto
nos
direito
negativos
está
relativamente
estabilizado
um
conjunto
operativo
e
comprovado
de
limites
aos
limites
dos
direitos
fundamentais
que
as
restrições
têm
que
observar,
no
caso
do
controlo
das
omissões
esse
conjunto
é
muito
mais
dificilmente
aplicável
ou
mesmo,
como
acontece
com
o
princípio
da
proibição
do
excesso,
é
inaplicável
ao
controlo
das
omissões.
De
facto,
quando
temos
uma
acção
sob
controlo,
podemos
avaliar
os
danos
que
produziu,
as
consequências
que
gerou
na
ordem
jurídica.
É
em
função
desses
efeitos
produzidos
que
um
controlo
judicial
a
posteriori
é
operativo.
E
mesmo
quando
a
acção
ainda
não
entrou
a
produzir
efeitos,
o
juiz
pode
e
deve
antecipá-‐los.
Já
quando
se
controlam
omissões,
como
se
avaliam
ou
antecipam
vantagens
e
prejuízos
provocados
por
um
não-‐acto
por
algo
que
não
chegou
a
existir
quando
há
uma
multiplicidade
de
actos
e
opções
que
podem
de
algum
modo
suprir
a
omissão?
De
facto,
o
controlo
da
proibição
do
excesso
é
particularmente
racional
quando
objecto
de
uma
aplicação
dos
seus
vários
princípios
(aptidão,
indispensabilidade,
proporcionalidade).
Esse
tipo
de
controlo
não
pode
ser
aplicado
às
omissões.
No
controlo
das
omissões
não
se
apura
um
excesso
inconstitucional,
mas
um
défice
inconstitucional.
No
entanto,
as
tentativas
de
construir
um
princípio
constitucional
de
proibição
do
défice
pelo
reverso
dos
mesmos
subprincípios
que
formam
o
princípio
da
proibição
do
excesso
apresentam
uma
grande
fragilidade.
Essa
conclusão
não
invalida
que
o
princípio
da
proibição
do
excesso
seja
utilizável
com
autonomia
no
controlo
jurisdicional
da
administração
prestadora.
Mas
é
no
domínio
do
controlo
directo
da
constitucionalidade
da
omissão
de
medidas
destinadas
a
realizar
os
direitos
fundamentais
positivos
quando
nos
preocupamos
em
identificar
a
insuficiência
da
prestação.
163
Se
uma
acção
estatal
afectadora
de
direitos
fundamentais
for
excessiva,
não
importa
quais
os
fins
prosseguidos,
ela
será
inconstitucional,
à
luz
do
princípio
da
proibição
do
excesso.
Este
princípio
foca-‐se
num
acto
e,
concluindo
que
ele
é
excessivo,
a
consequência
é
a
da
inconstitucionalidade.
Já
no
princípio
da
proibição
do
défice,
de
nada
adiante
focar-‐se
na
omissão.
Não
basta
concluir
que
as
consequências
da
omissão
são
graves,
para
daí
resultar
a
inconstitucionalidade.
Como
só
há
inconstitucionalidade
se
concluirmos
que
o
Estado
está
constitucionalmente
obrigado
à
prática
do
acto,
o
princípio
da
proibição
do
défice
será
útil
se
nos
ajudar
a
descobrir
quando
um
acto
é
constitucionalmente
devido.
302
ss
-‐
dtos
sociais
Abordaremos
os
tipos
de
efeitos
jurídicos
que
devem
ser
reconhecidos
aos
direitos
sociais,
nas
dimensões
positiva
e
negativa,
mas
concentrando-‐nos
no
domínio
dos
deveres
estatais
de
promoção
do
acesso
aos
bens
jusfundamentalmente
protegidos
pelos
direitos
sociais.
Quando
um
direito
social
obteve
já
conformação
legislativa
ordinária
em
termos
de
atribuição
de
correspondentes
pretensões
ou
direitos
aos
particulares,
essa
conformação
tem
em
regra,
o
suficiente
grau
de
densidade
normativa
e
de
subjectivização
que
lhe
retiram
qualquer
espécie
de
controvérsia
em
termos
de
vinculatividade.
Nesta
dimensão
positiva,
os
direitos
sociais
apresentam
as
dificuldades
de
vinculatividade
jurídica
que
afectam
idêntica
dimensão
de
qualquer
outro
direito
fundamental
dificuldades
atinentes
à
insuficiente
determinabilidade
do
conteúdo
normativo
da
respectiva
imposição
constitucional
ou
à
existência
de
uma
multiplicidade
de
meios
para
atingir
o
fim
visado,
com
a
consequente
sujeição
dos
correspondentes
deveres
estatais
a
uma
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
que
confere
aos
titulares
do
poder
público
uma
margem
de
escolha
política
dos
meios,
formas,
ritmos
e
prioridades
de
realização
positiva
dos
direitos
fundamentais.
Parece
inevitável
que
essas
reservas
sejam
aqui
acrescidas
pela
reserva
do
financeiramente
possível
que
afecta
a
generalidade
dos
deveres
de
promoção
dos
direitos
sociais.
164
O
problema
é
o
do
reforço
e
potenciação
da
margem
de
decisão
política
que
a
possibilidade
objectiva
de
invocação
dessa
reserva
geral,
à
luz
da
necessária
observância
do
princípio
da
separação
de
poderes.
Na
generalidade
das
situações,
a
já
referida
reserva
do
politicamente
adequado
ou
oportuno
é,
no
caso
dos
direitos
sociais,
reforçada
pelo
argumento
financeiro,
com
a
consequência
reflexa
de
diminuição
significativa
das
possibilidades
de
controlo
judicial
daquelas
opções
políticas
sempre
que
a
reserva
do
financeiramente
possível
for
objectivamente
invocável.
Há
portanto,
neste
domínio,
uma
diminuição
sensível
das
possibilidades
de
controlo
judicial
da
eventual
omissão
dos
deveres
estatais
positivos
de
promoção
dos
direitos
sociais.
Como
a
jurisprudência
constitucional
demonstra,
há
ainda
assim
possibilidades
de
estruturar
algumas
instâncias
de
controlo
judicial
da
observância
dos
deveres
estatais
de
promoção
positiva
dos
direitos
sociais.
Desde
logo,
a
margem
de
decisão
política
dos
poderes
públicos
pode
ser
reduzida
através
da
intervenção
dos
chamados
guardas
de
flanco
dos
direitos
sociais,
como
o
princípio
da
proibição
do
excesso,
o
princípio
da
protecção
da
confiança
e
o
princípio
da
igualdade.
No
entanto,
somos
remetidos
para
a
dificuldade
de
base
referente
às
situações
em
que
se
coloque
a
questão
de
saber
quando
a
omissão
de
prestação
social
é
inconstitucional
por
violação
directa
dos
comandos
normativos
inscritos
na
dimensão
principal
dos
direitos
sociais,
enquanto
direitos
constitucionais
a
prestações
fácticas.
A
doutrina
iniciou
há
alguns
anos
a
reflexão
sobre
a
eventual
construção
de
um
princípio
constitucional
igualmente
decorrente
do
princípio
de
Estado
de
Direito,
mas
agora
enquanto
Estado
Social,
o
princípio
da
proibição
do
défice
ou
proibição
da
prestação
insuficiente.
O
alcance
jurídico
do
princípio
do
défice
seria
em
duas
máximas:
(1)
princípio
de
realização
do
mínimo
e
(2)
princípio
da
razoabilidade.
A
determinação
do
alcance
jurídico
do
mínimo
social
remete-‐nos
para
dificuldades.
Em
nosso
entender,
o
mais
longe
que
se
pode
ir
na
delimitação
abstracta
e
definitiva
de
um
mínimo
de
realização
obrigatória
é
o
resultado
da
associação
deste
princípio
com
o
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana,
165
segundo
a
qual
há
violação
da
dignidade
da
pessoa
humana
quando
tendo
condições
para
o
evitar,
o
Estado
deixa
que
alguém
seja
involuntariamente
colocado
ou
mantido
numa
situação
de
penúria
material
que
não
lhe
permite
as
condições
mínimas
de
autodeterminação
pessoal.
Um
tal
entendimento
do
mínimo
exigível
é
simultaneamente
absoluto
(no
sentido
de
que
se
entende
que
estas
exigências
de
dignidade
da
pessoa
humana
não
cedem
perante
quaisquer
outros
valores)
mas
também
condicionado
e
relativizado
pelos
níveis
de
desenvolvimento
económico
e
moral
de
determinada
sociedade.
Assim,
dir-‐se-‐ia
que
se
incluem
no
mínimo
social
que
o
Estado
deve
garantir
as
condições
materiais
de
subsistência
e
a
satisfação
das
condições
materiais
que
segundo
a
ideia
de
justiça
prevalecente
na
sociedade,
são
indispensáveis
a
uma
vida
condigna.
O
segundo
subprincípio
integrador
da
ideia
de
proibição
do
défice,
que
designamos
como
subprincípio
da
razoabilidade,
proporcionará
um
outro
critério
para
avaliar
a
constitucionalidade
da
omissão
de
prestação
estatal.
Assim,
o
controlo
da
razoabilidade
desloca-‐se
para
o
terreno
de
uma
avaliação
das
consequências
da
omissão
estatal
na
esfera
dos
afectados.
Sabendo-‐se
como
esses
padrões
não
são
fixáveis
de
forma
definitiva,
absoluta
e
abstracta,
lidamos
com
um
critério
aberto,
mas
com
uma
abertura
susceptível
e
carente
de
ser
preenchida
através
da
intervenção
legítima
do
poder
judicial.
Recorremos
a
uma
ideia
de
razoabilidade
integrada
no
princípio
mais
geral
da
proibição
do
excesso,
mas
adaptando-‐a
agora
às
circunstâncias
objectivas
de
aplicação
do
princípio
da
proibição
do
défice,
lidando
com
omissões
e
não
com
acções
estatais.
No
domínio
da
proibição
do
défice,
o
que
se
verifica,
o
que
se
compara
são
os
efeitos
e
as
consequências
em
que
se
encontra
alguém
que
não
beneficiou
de
um
actuar
estatal
ou
que
beneficiou
de
um
actuar
com
um
certo
alcance,
comparados
com
os
efeitos
e
as
consequências
que
ocorreriam
provavelmente
com
adopção
de
uma
outra
constelação
possível.
20.
A
garantia
do
conteúdo
essencial
dos
direitos
fundamentais
166
779
ss
restrições
A
garantia
do
conteúdo
essencial
dos
direitos
fundamentais,
enquanto
limite
aos
limites
encontrou
uma
recepção
constitucional
expressa
no
18º/3.
O
surgimento
da
garantia
está
estreitamente
ligado
à
história
constitucional
de
Weimar,
onde
às
normas
constitucionais
de
direitos
fundamentais
se
atribuía
um
carácter
meramente
programático,
não
se
reconhecendo
à
garantia
por
eles
proporcionada
mais
que
aquilo
que
já
decorria
do
princípio
geral
da
legalidade
e
da
reserva
e
preferência
de
lei.
O
apelo
à
preservação
do
núcleo
essencial
dos
direitos
fundamentais
constituía
uma
tentativa
de
limitar,
de
algum
modo,
a
margem
que
dispunha
o
legislador
democrático.
Desenvolveu-‐se
uma
controvérsia
em
torno
do
alcance
e
da
natureza
a
atribuir
à
garantia
do
conteúdo
essencial,
formando-‐se
quadro
teorias
explicativas:
absoluta,
relativa,
objectiva
e
subjectiva.
Quanto
ao
alcance
da
protecção:
• Teoria
relativa:
considera
que
há
violação
do
conteúdo
essencial
dos
direitos
fundamentais
quando
a
afectação
destes
vai
para
além
do
que
é
estrita
e
incondicionalmente
exigido
pela
necessidade
de
prossecução
do
bem
que
fundamenta
a
restrição.
O
que
está
em
causa
é
a
natureza
da
relação
que
se
estabelece
entre
os
bens
em
confronto
e
entre
o
fim
prosseguido
com
a
restrição
e
o
meio
utilizado.
considerando-‐se
que
há
violação
do
conteúdo
essencial
quando
se
verifica
um
excesso,
uma
desproporcionalidade,
uma
desnecessidade,
independentemente
do
muito
ou
pouco
que
reste
do
direito
fundamental,
após
a
incidência
da
restrição.
A
garantia
do
conteúdo
essencial
identifica-‐se
com
o
princípio
da
proibição
do
excesso
num
quadro
de
ponderação
de
bens,
na
medida
em
que
os
direitos
fundamentais
só
podem
ser
restringidos
quando
tal
seja
exigido
pela
prossecução
de
um
outro
bem
mais
valioso
e
sempre
de
forma
não
excessiva.
167
• Teoria
absoluta:
entende
o
conteúdo
essencial
como
grandeza
estática
e
intemporal,
independentemente
do
interesse
ou
bem
que
justifique
a
restrição.
Considera
que
há
em
cada
direito
fundamental
uma
zona,
esfera
ou
âmbito
nuclear
intocável
que,
sob
pena
de
desnaturação
ou
perda
do
seu
sentido
útil,
em
caso
algum
poderá
ser
afectada.
Trata-‐se
de
distinguir
se
a
garantia
do
conteúdo
essencial
se
refere
e
destina
a
proteger
a
posição
subjectiva
do
titular
do
direito
fundamental
afectado
-‐
pelo
que
o
critério
seria,
para
a
teoria
subjectiva,
o
de
avaliar
o
que
é
que,
segundo
um
método
de
subtracção,
resta
do
direito
em
causa
na
perspectiva
da
utilização
que
dele
ainda
pode
fazer
o
seu
titular
-‐
ou
como
pretende
a
teoria
objectiva,
se,
independentemente
dos
reflexos,
que
a
restrição
ou
a
intervenção
restritiva
provocam
neste
ou
naquele
titular
concreto,
o
que
importa,
para
a
garantia
do
conteúdo
essencial,
é
a
preservação
do
sentido
útil
do
direito
fundamental
na
ordem
jurídica
e
na
perspectiva
da
generalidade
dos
cidadãos.
A
teoria
subjectiva
tem
a
seu
favor
o
facto
de
corresponder
à
vocação
última
dos
direitos
fundamentais
em
Estado
de
Direito,
a
protecção
da
esfera
de
autonomia
e
autodeterminação
pessoal
dos
cidadãos
face
ao
Estado.
A
garantia
do
conteúdo
essencial
não
desempenha,
hoje,
qualquer
papel
autónomo
significativo
nem
desenvolve
qualquer
efeito
jurídico
efectivo
enquanto
limite
aos
limites
dos
direitos
fundamentais.
A
garantia
do
conteúdo
essencial
é
plausível,
consistente
e
de
relevância
decisiva,
mas
em
rigor,
nada
acrescente
aos
limites
e
controlos
em
que
se
traduzem
aqueles
princípios;
trata-‐se
de
uma
mesma
coisa.
Quando
estes
princípios,
em
conjunção
com
o
da
ponderação
e
bens,
se
converterem
na
principal
chave
de
decifração
do
tema
dos
limites
e
no
principal
controlo
jurídico
das
restrições
aos
direitos
fundamentais,
o
carácter
supérfluo
ou
meramente
declarativo
da
garantia
do
conteúdo
essencial
surge
em
toda
a
sua
evidência.
Em
nosso
entender,
a
garantia
do
conteúdo
essencial
cobra
algum
sentido
na
sua
acepção
relativa,
e
daí
o
facto
de
fazermos
a
sua
inserção
sistemática
no
princípio
da
proibição
do
excesso,
esta
garantia
pode
constituir
um
elemento
de
sinalização
da
necessidade
de
preservar
no
direito
fundamental.
Pode
constituir
168
um
factor
complementar
de
limitação
da
restrição
actuada
e
justificada
com
base
numa
ponderação
de
bens,
através
dessa
exigência
de
preservação
de
uma
posição
jusfundamental
mínima.
169