Você está na página 1de 180

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação

Por uma pop’ escrita


acadêmica educacional

Tese apresentada ao programa


de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de
Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor
em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Tomaz
Tadeu

Carla Gonçalves Rodrigues


Porto Alegre
Verão de 2006
Tese defendida e aprovada, em 31 de março de 2006, pela banca
examinadora constituída pelos professores:

Prof. Dr. Tomaz Tadeu (orientador)

Profª. Drª. Paola Zordan

Profª. Drª. Silvia Belestreri Nunes

______________________________________________________________________
Profª. Drª. Simone Curi
AGRADECIMENTOS

Escrever o final.... A escritura já se escreve no final. Efeito de

um funcionamento que se esgota em si mesmo, retornando em devir.

Mais um escrever como final. Pensamento em movimento. Composição

de heterogêneos. Agenciamento de corpos e incorporais. Solidão

povoada se faz multidão. Muitas vidas aí se enredam. É potente. É

intenso. Coisas da experimentação. Por ora, sinto imensa gratidão.

Quero, então, destacar o trabalho dedicado dos professores

pesquisadores Tomaz Tadeu, Sandra Corazza e Paola Zordan do DIF-

UFRGS que vêm possibilitando variados modos de pensar, ler e

escrever. Algo se dá nos ensinamentos desse pequeno bando, algo que

contamina, produzindo uma vontade esquisita e inusitada de viver.

Agradeço ao meu orientador, às professoras examinadoras e aos

colegas do grupo de pesquisas em Filosofias da Diferença e Educação

pela leitura e revisão desta tese. Bons encontros com as amigas,

companheiras de trabalho e cúmplices neste trajeto, Cynthia Farina,

Maria Clara Salengue e Rosana Sardi, potencializaram esta escrita. Sou

grata às minhas filhas Carolina e Camila, ao meu companheiro Marcos,

bem como a minha irmã Maria pelo aconchego encontrado no território

familiar. Aos colegas Jarbas Vieira, Maria Manuela Garcia e Bernardo

Buchweitz (in memorian) da FaE-UFPel pela provocação inicial,

tornando possível esse trajeto. À Antonieta, Patrícia, Eulália e Aline pela


acolhida nas tantas saídas de casa em busca de algum território na

enigmática Porto Alegre.

Mais uma vez, é chegada a hora de debandar. É assim “que as

coisas progridem e os signos proliferam”, diz Deleuze com Guattari.

Outra viagem, nova morada. Invenção de caminhos. Por ora, sinto

imensa gratidão... Uma experimentação vivida nas condições e

circunstâncias desenhadas tanto nas possíveis práticas, como nas

novas pedagogias irruptoras de diferenças na educação, de infinitos

movimentos transformadores de sensações, percepções e intensidades

no entre de um vir-a-ser pensador e literário.


SUMÁRIO

Resumo 6

escrever, escrever, escrever 10

e 10
e, e 25
e, e, e 28

Troços e destroços de uma escritura 31

A escrita dança 57

Primeiro ato: coreografias do desmoronamento 57


Caixinha de música 57
Virgem de ferro 58
Segundo ato: coreografias de fuga 60
Contact 60
Ovo mortalha 61
O tigre e o dragão 62
Cenários 64

Um livro tomado 77

Casal mal dito: questão de estilo 92

Funciona? 106

ainda não... 134

Bibliografia 168
RESUMO

Trata da escrita acadêmica educacional como problema. Desde

então, de pensar e praticar tal escrita a partir de algumas aberturas

propostas por conceitos desenvolvidos pela Filosofia da Diferença de

Gilles Deleuze e Félix Guattari, bem como por procedimentos literários

contemporâneos. Aqui, filosofia e literatura em trama instigam a

invenção de um espaço para experimentação da escrita. Trata de uma

tentativa de lidar com a produção e a criação de uma escrita acadêmica

enquanto modo de problematizar e indagar com uma educação que se

ocupe do como referir-se aos estados intensivos que agem sobre o

linguageiro, incitadores de diferenças e de variações na própria escrita.

Trata, também, de um exercício acolhedor de múltiplas linguagens,

movendo-se naquilo que aí se agita desde agenciamentos entre formas

de conteúdo e formas de expressão potencializadores de irrupturas nos

efeitos de um curso regular, previsível, homogêneo e identitário do

regime dominante da língua. E trata de uma ação estético-política

comprometida com relações entre as formas que conjuga ao se abrirem

naquilo que vigora o heterogêneo, tornando visíveis múltiplos arranjos

de forças que a compõem. Menos um princípio moral e um juízo da

razão quando trata de um empreendimento de saúde enquanto crítica e

clínica de interposição no traçado de linhas de fuga como fluxos

liberadores do desejo. Busca, isto sim, fabricar com a literatura e a

filosofia um território de escritura com brechas, hospedeiro de atitudes

contingentes que coloquem a fugir o soberano no modo institucional.


7

Uma pop’escrita acadêmica educacional como uma aposta, um jogo ao

acaso potente para produzir novos códigos por meio de um movimento

de territorialização e desterritorialização com o vigor da experimentação

que contém a pura concepção afirmativa da vida em seus desejos.


RÉSUMÉ

Il s’agit de l’écriture académique educationnelle en tant que

problème. Dès lors, de penser et de pratiquer telle écriture à partir de

quelques ouvertures proposées par des concepts developpés par la

Philosophie de la Différence de Gilles Deleuze et Félix Guattari, aussi

bien par des procédés littéraires contemporains. Ici, la philosophie et la

littérature en trame incitent l’invention d’un espace pour

l’expérimentation de l’écriture. Il s’agit d’une tentative de travailler avec

la production et la création d’une écriture académique en tant qu’un

moyen de problématiser et s’enquérir avec une éducation qui s’occupe

de la manière de se rapporter aux états intensifs qu’agissent sur le

langagier, qu’incitent les différences et les variations dans l’écriture

même. Il s’agit aussi d’un exercice accueillant de langages multiples, en

se mouvant dans ce qu’y s’agite depuis des agencements entre des

formes de contenus et des formes d’expression que potentialisent des

non-ruptures aux effets d’un cours régulier, prévisible, homogène et

identitaire du régime dominant de la langue. Et il s’agit d’une action

esthétique et politique compromise dans les relations parmi les formes

qu’elle conjugue quand elles s’ouvrent à ce que l’hétérogène est en

vigueur, en rendant visibles des arrangements de forces multiples qui la

composent. Il est moins un principe moral et un jugement de la raison

quand il traite d’une entreprise de santé en tant que critique et clinique

d’interposition au tracement des lignes de fuite comme des fluxes

libérateurs du désir. Il cherche, c’est vrai, fabriquer avec la littérature et


9

la philosophie un territoire d’écriture avec des brèches, hôte des

attitudes contingentes qui mettent en fuite le souverain de façon

institutionnelle. Une pop’écriture éducationnelle comme un enjeu, un

jeu au hasard puissant pour produire des nouveaux codes au moyen

d’un mouvement de territorialisation et déterritorialisation avec le

vigueur de l’expérimentation qui contient la pure conception affirmative

de la vie dans ses désirs.


escrever, escrever, escrever

Conta que... caminhos existem vários. Incontáveis trajetos,

preferindo os voltados para o oeste. Suas peregrinações trouxeram-lhe

alegrias diversas alternadas com sofrimentos. Encontros com muita

gente: os homens da informação, os da Biblioteca também. Variados

dizeres trocados com as bailarinas, a Virgem, o tigre e o dragão, bem

como com Irene e seu irmão, sem deixar de fora o casal brigão. Ambos o

surpreendem pelo que colocam em movimento nas linhas percorridas.

Horas fartas em variadas percepções. Antes lá, onde mais pulula a vida.

Um movimento entre distintos meios visitados. Quanto mais aí

desliza, mais multiplica, transborda para outros campos. Percorre

caminhos diversos com calma e força. Quietude e determinação o levam

a tomar decisões, fazendo com que se expanda. Alimentado pela

paciência, vai recolhendo de tudo que entrecruza, de tudo que dele se

aproxima. Pega algo daqui e outro dali sem reagir àquilo que lhe impõe

obstáculos, para ver o que vai dar, para experimentar o que esse

cruzamento leva a pensar. Assim, vai abrindo passagem nos territórios

transitados.

Procura escrever de uma geografia, dos mapas de densidade e

de força constituídos por uma constelação afetiva. Tenta abdicar da

exuberância que carregaria se fosse uma biografia cultuadora das


11

histórias pessoais, das fases do seu desenvolvimento, destinando o

pensamento a venerar a progressão de princípio a conseqüência, o

avanço significativo calcado em um modelo arborescente ancorado no

solo do verdadeiro. Quis estar mais longe dos fatos, dos detalhes, das

descrições e interpretações quando apoiados em uma origem de caráter,

a priori, englobante.

Uma saída: estrangeirizar-se na própria língua surpreendendo

as palavras naquilo que já continham. De pronto, a palavra: tensioná-

la, levá-la ao limite, fazê-la estremecer em seus hábitos e costumes de

uso, ao invés de recair na afirmação de significações de um mundo

terminantemente interpretado. Palavras arranjadas para dizer da

experimentação com a própria palavra. Delírio. Assombramento.

Encontro com palavras que respiram o trágico, que escutam o gemido

gaguejante dos silêncios povoados. Segredos límpidos de uma sedutora

poética. Linguagem em formigamento naquilo que ouve e vê para dizer

daquilo que se passa na força da vida.

Carrega consigo sensação estranha ao tentar manejar tais

palavras para dizer daquilo que potencializa aquilo que vê. Visão do

invisível, do imperceptível. Diferentemente, re-emerge idêntico. Além da

aparência. Nada de oculto. Antes imóvel modo percebe objetos muda

percepção. Aquilo que vê sem ver o que vem de outra parte. Visto

invisível próprio visível extrai invisível próprio indivisível. Imagem

cravada na representação do visível. Jamais seria visto o invisível do

visível sem o visto fixado.


12

Por aí, inevitáveis foram seus resvalos, tropeços, atrapalhações

ao longo do percurso, mantendo-o demasiado discursivo, comunicativo

e informativo. Caminho cheio de desvios, paradas e recomeços. Hesitou

muitas vezes naquilo que podia contar. Um destino que se encarna

quando a razão não consegue apartar-se do explicar. Alimentando-se da

história, dela procura emancipar-se, concedendo vitalidade a seu

escrever circunstancial. Uma vitalidade vigorosa para fazer transbordar

nos seus efeitos, mas que é, por vezes, apenas rabiscada, pondo o lápis

a repousar.

Trabalha com achados e perdidos, com intensivos e extensivos,

com poesia e nota fiscal. É uma atividade de resgate, de reunir

apetrechos, diversos objetos tanto técnicos como estéticos, de fluxos

materias e energéticos, assim como de entidades incorporais. É um

exercício de deixar de lado aquilo que não apetece, selecionar o que lhe

convém e o que lhe desconvém, o que faz com que aumente ou diminua

a potência de afetar e ser afetado. Mesmo assim, recolhe-os, pois, de

tempo em tempo, agrada-lhe retornar a olhá-los de um modo

cuidadoso, operando por micropercepções e podendo, desse modo, criar

em potência naquilo que lhe chega; regozija-se com o tanto que se

oferece, alegra-se mesmo sem saber de sua utilidade.

Caderno, caderneta, agenda, lápis, caneta, marcador, borracha;

mesa, telefone, mouse, teclado, monitor e CPU; palavras, enunciados,

coisas e mais coisas; mas também intensidades, forças, linhas e

vetores; blocos de sensações, afectos, perceptos e conceptos; livros,


13

filmes, fotos, músicas, danças e rabiscos; arte, filosofia e ciência;

intensidades e signos; manuais e dicionários; trajetos, caminhos,

mapas, processos e procedimentos; pele, gestos e atitudes; onda, vento,

raios e trovões; sol e também chuva — seus insólitos apetrechos!

Aproxima de tudo um pouco. Elementos vão se imantando,

acabam ficando e se metamorfoseando segundo uma travessia

molecular. Engendram-se um no outro, selecionam-se, eliminam-se,

fazendo aparecer novas linhas de potencialidades. Mundos diversos se

encontram. Tensão e atração. Estranha atracação que tudo gruda no

traçado. Íntimos mas também desconhecidos. Povoações inéditas. Cabe

aí tanto do mais brejeiro como do mais sofisticado elemento. Conjunto

capaz para produzir um continuum. Um frenesi no entre daqueles que

se atraem. Alguns outros se repulsam, se expulsam da mistura. Tudo

isso. Ao mesmo tempo, outra coisa. E depois, algo de novo. Ou ainda

não.

Há vezes que parte em um passo sempre igual ao outro para

sua expedição. De um ponto definido, avista o lugar de chegada

encerrado no território habitado. Observa, nesse trajeto

predeterminado, o tanto esparramado, atentando prioritariamente para

os testemunhos comunicáveis. Dentre os vários achados, seleciona os

que lhe parecem de maior importância. Identifica seu tipo: sinais,

sintomas, ícones, índices, símbolos, nomes. Alguns são tidos como

simples e outros, carregados de complexidade. Para afrontrar tal

complexidade, do ponto de vista analítico, parte para a decomposição


14

dos seus elementos e para a análise destes, até alcançar rudimentos

bem elementares.

Do ponto de vista sintético, atenta primeiramente a esses

elementos simples, introduzindo a posteriori regras na síntese de signos

cada vez mais complexos. Logo após, classifica-os de acordo com seus

diferentes aspectos ou pelas funções que desempenham. Nessa

perspectiva, é possível definir significados determinados por códigos.

Basta desvendar a senha. Há sempre sinais de algo: algo que está por

algo para alguém, formando uma cadeia sígnica. Desse modo, move-se

em um eixo longitudinal, o que o põe imóvel em outro trajeto. Uma

vontade muito forte de algo encerrar e concluir ao relacionar os

achados, formular hipóteses e teorizar as coisas mais díspares

colocadas em analogia.

Há outras vezes que sai do seu curso territorial, mas apenas

provoca fissuras, rachaduras que marcam um início de diminuição de

exigência ou aumento de resistência em frente ao que já se faz

insuportável viver. Oscila constantemente entre a conjugação de fluxos

de desterritorialização e o empilhamento de reterritorializações, de

modo relativamente flexível. Há o risco desse arranjo encontrar-se

constituído apenas por referências excessivas, dando a ver uma espécie

de falsa desterritorialização, produzida por justaposição de padrões

consolidados de significação ao modo de uma radícula. A própria

abundância de elementos conjugados, essa maneira de juntar

excessiva, extensivamente referencial ou significante, pode levar o


15

conjunto ao desmoronamento, à queda, ao colapso, fazendo com que ele

recaia em um estado contido e estratificado.

Quando a raiz enfraquece, a árvore tomba. O radical dicotômico

que até então necessitava de um forte tronco unitário para alimentar o

mundo, deixa de existir como principal. Moléculas arvorejantes

espalham- se pelo cosmos encontrando novos agenciamentos. Por vezes,

mantém-se a incansável territorialidade. Figuras aglutinadoras de

variações na escrita acadêmica educacional apenas se confundem com

variáveis pragmáticas de enunciação do tipo palavras de ordem. A

máquina radícula (DELEUZE; GUATTARI, 2000) opera por múltiplos

enxertos de micro raízes, por fragmentos de escritas que se comportam

como subestratos. Tais fragmentos, utilizados na sua grande maioria

em formato de citações textuais, abastecem a escrita de uma

determinada solidez que conserva certa extensão linear.

Há aqui alguma multiplicidade, porém, uma multiplicidade falsa

que se mantém enlaçada a uma estrutura sujeitada às leis de

combinação. O círculo unificador parte-se em um determinado ponto

dando a dizer de seu comprimento de circunferência, através da

sobrecodificação dos fragmentos filiados, de citações vinculadas a partir

de um preestabelecimento. A simples aglomeração de pequenos

enxertos em uma escrita não garante a conexão entre cadeias

semióticas, manifestações artísticas, científicas e filosóficas; não

sustenta as misturas que juntam coisas de diferentes naturezas em um

movimento de transformação incorporal atribuído aos corpos. O


16

pensamento, ainda, segue um eixo genético filiado à comunicação de

informações coletadas e agrupadas para bem convencer o receptor da

exatidão da argumentação. Uma máquina radícula parece romper com

a unidade da raiz; entretanto, o rompimento é enganoso em função do

reestabelecimento de uma outra espécie de unidade — unidade

fasciculada.

Existe aí um processo de diferenciação, entretanto, uma

diferenciação orientada por um “diferenciador” externo que permite

colagens, agrupamento de fragmentos de múltiplas escritas. O cut-up

renova a raiz principal em um outro nível, em torno de uma suposta

placa que se mantém sob o domínio da imagem dogmática do

pensamento. O sistema fasciculado não rompe verdadeiramente com o

dualismo, com a complementaridade de um sujeito e de um objeto, de

uma realidade natural e de uma realidade espiritual — diz Deleuze com

Guattari (2000, p. 14): A unidade não pára de ser contrariada e impedida

no objeto, enquanto que um novo tipo de unidade triunfa no sujeito. Há

uma máquina abstrata em relação com o conjunto de citações no

agenciamento; porém, o uso radícula que é feito e produz, estratifica o

conjunto do agenciamento sobre linhas duras, fazendo a escrita

acadêmica educacional retornar ao estado de molarização e de

sedentaridade.

E, ainda, há vezes em que cata, cata, cata,

à cata de catarse

castra catão

catacego catálogo catalogar


17

catadura

cataclismo catadupa catástrofe

catafalco catacumba

catalepsia

catapulta à cata

desfaz o arranjo ininterruptamente nos seus territórios

originais, abrindo-se, engajando-se em linhas de fuga definidas por

descodificação e desterritorialização.

Desde então, tenta esboçar a experiência vivida e os problemas

que daí emergiram, numa tentativa de recomposição de um outro

território. Território este engajado em um processo desterritorializante,

de verdadeira ruptura, não apenas pela diversidade de temas que

conjuga, mas pela variação que verte ao perverter, desarticular, torcer e

distorcer a língua na sua sintaxe e gramática habitual — escrita

econômica, sóbria, empobrecida, saturada de cada átomo. É preciso

mais do que apenas elementos díspares e heterogêneos. Ele tenta e não

se contenta. Fica no aguardo do próximo movimento. Insiste sem nem

mesmo saber como se faz. Nunca..., talvez..., rasgos na escrita são

produzidos. E tenta. Nada de espetacular, nem de brilhantismos.

Simplesmente continua tentando, sabendo que era por aí que queria ir.

Nenhuma pergunta específica a ser respondida, algo que fosse

definido como condutor dos caminhos percorridos no estabelecimento

de uma significação. Antes uma tentativa de contar, fabular, mapear

esse movimento no trajeto, sem a implicação de ir de um ponto a outro,


18

de chegar a algum lugar previamente determinado, mas de habitar um

meio que se multiplica nessa narrativa de acontecimentos, abrindo um

horizonte de sentidos. Do mesmo modo, importa a questão dos ecos e

das ressonâncias entre os apetrechos reunidos.

Volta a catar e a experimentar em movimento constante no

viver. Uma atividade não elimina a manutenção da prática da outra,

uma está imbricada na outra, excluindo qualquer ordenação na ação.

Cata e experimenta utilizando referenciais conceituais e estéticos,

adquiridos ao longo do processo de ruptura dos equilíbrios

estabelecidos nas relações inventadas, como orientadores do percurso

ou vice-versa. Assim, vai inaugurando perspectivas inabituais diante do

mais familiar, conferindo interesse a indícios até então considerados

insignificantes. Fica impossível parar, estagnar o movimento na

velocidade que adquire.

Às vezes, o arranjo não gruda. Em outras vezes, parece

funcionar: Fragmentos atualizam-se em inéditas composições,

estabelecem conexões transversais sem que se possa centrá-los ou

cercá-los. Um alvoroço desejante que relaciona tudo que enlaça, tudo

que captura. Encontro com o que força pensar. Coisas de naturezas

diversas aglomeram-se através da experimentação, relacionam-se com o

mesmo plano tecendo consistência. Efeitos da reunião que acaba de

ocorrer.
19

Vozes sussurrantes, tribos diversas e idiomas secretos podem

vir a ser conciliados, tanto de forma polifônica, profusa e descontínua,

como de modo elíptico. Relacionam-se com o não-pensado, com aquilo

que o obriga a pensar enquanto exercício nômade, com aquilo que seria

dito por Gilles Deleuze, nas palavras de Zourabichvili (2004, p. 92), como

“critério que o pensamento se veja obrigado a pensar o que não

obstante ainda não pode pensar, não dispondo de esquema disponível

para reconhecê-lo, não dispondo da forma que lhe permitiria a priori

colocá-lo como um objeto”. Mas, às vezes, ele junta daqui e dali e nada

acontece. Ou pouco. O agenciamento é fraco, frágil, débil. Sem

consistência, esmorece. E assim se repete por infinitas vezes. Nada

passa nesse cruzamento. Linhas e parágrafos amortecidos. Se bem que,

quando atingem um estado profundo de esmorecimento, podem vir a

acontecer imprevisíveis transformações.

Agitação. É como um fluxo de corredeira veloz: espuma, saliva,

delira, grita. Também repousa na calmaria em que pouco parece se

mover em sua proliferação. Permanece em silêncio. E retorna exausto

cantarolando. Arrisca alguns passos de dança. Estado indiscernível de

ser isto e aquilo. Apenas sinais de fumaça no revezamento ininterrupto.

Processo vital, combatente e revolucionário; intensivo, instantâneo,

duradouro e mutante. Novos ares são fecundados. Respira com intensa

saúde. Destitui sintomas doentios naquilo que o esgota. Sua vitalidade

é capaz de explodir a linearidade, a homogeneidade, a unidade, a


20

previsibilidade do cotidiano habitual. Com isso, coexiste um campo de

forças que põe em xeque as formas constituídas.

Muito é envolvido e revolvido nessa potente contaminação

existente nos acoplamentos e nas germinações, que continuam a

trabalhar independentemente de quem cata e explora. Apenas um

Experimentador tateante. De outro modo, um Catador à espreita. Isso

já é o bastante! Assim, coexiste um deserdar da posição de Sujeito,

afirmador da potência criadora da vida em uma atividade coletiva,

conjunta, mas alternada nesse trabalho de composição.

O Catador escava, junta, colhe, guarda. À espreita captura

signos. O Experimentador tece, trama, enreda, entrelaça, compõe.

Pensamento guiado por relações. Reúnem isto com aquilo, compondo

dimensões que se articulam umas às outras, cada uma recapturando

todas as outras em um outro grau, de acordo com um rol de coisas e

idéias que podem ser acrescidas de novas dimensões. Coisas e idéias

prolongam-se no limite da vizinhança da outra, fazendo explodir “[...]

duas séries heterogêneas na linha de fuga composta de um rizoma

comum que não pode mais ser atribuído, nem submetido ao que quer

que seja de significante” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 19).

Há uma lucidez, por vezes insuportável, naquilo que corre à sua

sorte segundo velocidades e lentidões quando sequer Catador e

Experimentador podem prever qual será o elemento detonador da

criação, o elemento de passagem a outros agenciamentos. Fabricam


21

alguma disposição para suportar toda espécie de encontros por mais

que lhe pareçam espantosos, esdrúxulos. Coisas de naturezas

divergentes — podendo até mesmo ser inteiramente independentes e

indiferentes uma à outra — cruzam-se, agarram-se, conectam-se na

impetuosidade plástica do choque. Assim como no espaço riemanniano,

dito por Deleuze (2000, p. 154) como o espaço em que “as conexões de um

pedaço com outro se fazem de uma infinidade de maneiras possíveis e

não predeterminadas”. Ambos pesteando o pensamento em um

tubérculo rizomático que não alcança a cura pela certeza instituída na

relação entre um enunciado e sua realidade, revelada nas montagens e

desmontagens realizadas.

É assim. É através das ações de um e de outro, das velocidades

que promovem esse movimento que se imprimem diferentes tons de

vozes ligeiramente distintos. Esses tons de vozes articulam-se nas

maneiras de dizer, de sentir, de perceber, nos fragmentos que

constituem a atividade de catar e experimentar os mais variados temas.

Maneiras que, mesmo que sejam em pequenas porções, em alguns

momentos, tendem a se afastarem do movimento de uniformização

dessas tonalidades.

É esse exercício de contar da experiência, das sensações, da

circulação de intensidades e contar daquilo que passa coletivamente,

mesmo que seja de maneira nada especial, corriqueiro, cotidiano; é essa

prática que, embora fazendo-se às vezes fragmentária e divergente,

permite-lhe traçar arquiteturas, coreografias, cóleras, habitando lugares


22

de modo diferentemente. Diversidades habitam uma experimentação

naquilo que se passa, no que se conta, no que se escreve, entre o corpo

e o papel, tendo nas suas extremidades a constituição de uma dupla

face. Uma delas visível em suas formas predominantemente extensivas,

podendo ser apreendida como unidade. E, na outra face, um lado

preferencialmente intensivo em que se podem engendrar infinitas

formas de expressão, cujas direções, expansões e ritmos são

imprevisíveis.

Ora, trata-se menos de rechaçar um uso menos veloz da escrita,

tampouco de menosprezar seus efeitos disciplinadores quando há um

predomínio de funções institucionais e reguladoras. Trata-se de evitar a

oposição de duas lógicas de escrita. A simples deslegitimação de um

modo de escrita por outro faz com que a experimentação se instaure no

institucionalizado sob um acordo normativo, e a constituição de novos

espaços sobre o instituído se burocratize.

Trata-se, isto sim, de assumir a escrita como diferentes modos

potenciais de uso em seus territórios constituídos e de ativar

potencialidades como território instigador de experimentações estéticas

ao jogar com formas produtoras de um pensamento ativo através da

própria escrita. E tensionar essas formas e nelas provocar algum abalo

nas intensidades que as constituem. Sempre existe o possível e o risco

de uma prática experimental deslizando sobre um funcionamento

institucional ou que surge nos seus interstícios, capaz de produzir

espaços menos reguladores. A concretização desse possível pode ativar


23

jogos de forças no entrecruzamento do institucional e daquilo que o

abala, ocupando estrategicamente esse cenário para novas práticas,

novas composições que possam instigar a experimentação estética e

política em relação à abertura de brechas na escrita acadêmica

educacional.

Trata-se de um desejo violento, combativo de um regime

universal que habita a lingüística castradora de variações na escrita:

talvez uma escrita das potências, das intensidades, dos movimentos

agramaticais de inventividade, da instabilidade criativa, das

multiplicidades aí produzidas. Um movimento que se diz pop ao

agenciar prioritariamente a filosofia com a arte literária, favorecendo a

experimentação de estilos na construção de não-estilos — pop’escrita

acadêmica educacional como efeito do jogo e das práticas conjuntas do

Catador e do Experimentador.

Gilles Deleuze empregou a expressão “pop” tanto em Diferença e

Repetição (1988) como em Lógica do sentido (1998a). Nas duas passagens,

“pop” aparece estabelecendo relações com a arte. Na primeira, o texto

parece defender a arte como modo de produção de diferenças por

repetições, salientando a maneira como a pop arte, na pintura, cultiva a

cópia e a cópia da cópia, que se torna simulacro. Na segunda, localizada

em um dos apêndices denominado Platão e o simulacro, Deleuze afirma

que a arte pop é uma das manifestações relevantes da arte moderna no

que diz respeito à transformação do artificial do cotidiano em simulacro,

podendo, assim, abalar os modelos em que as cópias se apóiam.


24

Em Diálogos (DELEUZE; PARNET, 1998), o termo “pop” encontra-se

agrupado com o vocábulo filosofia, utilizando a composição

“pop’filosofia” ao final de uma construção frasal acerca de novas

maneiras de ler e escrever filosofia em que “[...] os conceitos são

exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que lhes

convêm ou não, que passam ou não passam. Pop’filosofia. Não há nada

a compreender, nada a interpretar” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 12),

apenas a experimentar.

Quando a escrita se encontra liberta do aprisionamento do

regime de verdade, ela pode vir a produzir algo impraticável de ser

encerrado na representação: modos de aparência do mundo,

exprimindo uma vitalidade dionisíaca, um estado de metamorfose, um

devir-animal em que não se distingue mais o homem do animal pela

palavra, fazendo, tanto do literato como do filósofo, um Catador à

espreita e um Experimentador tateador. Ambos conjugam

procedimentos expressos de visões e audições intensas que penetram o

texto pela palavra, fazendo a vida pulsar em uma realidade

dessubjetivada, de forças, de incorporais agindo nos corpos.

Paisagens desenhadas em fabulação envolvente do devir de seus

personagens. Composições de palavras que gemem, balbuciam, gritam,

gaguejam, procurando um tom agramatical arranjado em nova sintaxe

das sensações. Nada mais nada menos do que um estilo de escrita que

diz de um povo por vir no uso de uma língua estrangeira na própria


25

língua, arrancando afectos das afecções e perceptos das percepções

(DELEUZE; GUATTARI, 1996).

e, e

Vento agitado. Intempérie para vibração fundar. Corpo

movediço. Página depois de página tenta remover significações ao

produzir alguma agitação na sua aparência funerária. Literatura e

filosofia se fazem diferenças. Há aí um poder, menos de natureza

estratificadora e mais transgressor, profano, anárquico, marginalizador

do saber intelectualizado. Um agenciamento que convenha pelas

circunstâncias e tipos de enunciados que suscita, pelo território

habitado e modo de saída desse território (DELEUZE; PARNET, 2001)1,

sendo capaz de violar a cultura institucional erudita que parece, por

vezes, entupir qualquer tentativa de invenção e de criação.

livro de literatura idéias filosóficas em livro

saída científica encontro naturezas diversas

linhas linhas linhas sempre nunca sujeitos objetos

diferença potencial

nada pessoal

desejo construtivista

passa lá passa cá.

Conjugações singulares entre a literatura e a filosofia colocam o

pensamento que pensa mais em vigor criativo do que em função

1
D de Desejo.
26

recognitiva. A literatura como prática de linguagem na diferença deflora

o pensamento com intensa força na sua mesmice, na opinião, na lógica

do senso comum. Destituída da condição de afirmar e liberta da idéia

do juízo do gosto (KANT, 1974) como critério de apreciação e avaliação do

escrito, “o que a literatura produz na língua já aparece melhor: [...] uma

espécie de língua estrangeira, [...] um devir-outro da língua, uma

minoração dessa língua maior, um delírio que a arrasta, uma linha de

feitiçaria que foge ao sistema dominante” (DELEUZE, 1997, p. 15).

Quanto à filosofia... Quando não mais atada às perguntas e

respostas sobre o quê de uma coisa, o como e o porquê dessa coisa, da

idéia ou de um valor, a filosofia impõe outras condições sobre a

linguagem: ela é forçada até o limite, colocada em piruetas, em

movimento que dança, em mudanças que não exprimem somente ações,

relações e fatos, mas um limite que se pode exprimir de várias maneiras

sobre idéias que o escritor vê e ouve nos interstícios da própria

linguagem, lá onde a vida dança.

Há uma lei de narração impregnada na escrita, alicerçada

prioritariamente na História. Nessa perspectiva, escrever é explicar,

explanar, elucidar, interpretar tanto cientificamente, como literária e

filosoficamente. A literatura relata em prosa e verso sobre o que se

passou. E a filosofia resigna-se a refletir sobre o quê, o como, o porquê.

Assim, o movimento ondulatório da criação que revigora tal escrita é

destituído por um regime de verdade entre duas e somente duas

possibilidades: aconteceu ou não aconteceu?


27

Contudo, existe a impossibilidade de retratar a vida tal como ela

é, de saber deterministicamente ao certo dos seus desfechos. Há sempre

vários desenlaces possíveis, como “na obra de Ts’ui Pen, todos os

desfechos ocorrem” (BORGES, 2001, p. 11), perturbando a progressividade,

a linearidade e a objetividade desse tipo de narrativa, dando a ver

muitas coisas pela linguagem: uma fabulação, um sonho, uma ficção

que está mais para a flutuação não-centrada na verdade do que para a

orientação em um eixo progressivo. Já não importa se os enunciados

são verdadeiros ou falsos, mas a potência que eles carregam de fazer

funcionar a própria escrita na ação inquietante com a vida (NIETZSCHE,

2000a).

E indefinida e indeterminada e infinitamente catar e

experimentar, atingido pela angústia que reside em toda incompreensão

das ações coexistentes. Suportar um arrebatamento, furor, ira diante

das lógicas ofuscadas, do pensamento retorcido, impedido de

interpretação no transbordamento de sentido. Tanto alegra como

entristece. Tanto liberta como identifica. Convite a se perder dos pontos

de apoio. Abertura de campos, pulsação vibrátil. Invenção possível.

Encontrar seu corpo sem órgãos. Catar e experimentar — eis a questão.

e, e, e
28

Foi isso, sim. O começo de uma história. É a história que eu já

contei e vou contar de outro modo. Contando e recontando. Não foi na

primeira vez que vi aquilo que vou contar. Não escutei,

instantaneamente, essa história. Senti quando a vi e a ouvi. Eram as

últimas frases a dizer. É possível, talvez o final.

Tinha de ser breve, concisa, reduzida. Durante o que dura

escolher palavra duramente durável na dureza do durar. A bailar. Como

já havia contado a história, alguns dos leitores rebateram-na. Re, re,

recontar. Foi difícil, precipitado, lento, acelerado. Outra vez contar.

Veloz, intenso, moroso, demoroso. Isso, sim. Sim, foi isso!

Num pequeno caderno que começa com um título ilegível, ela

registra, com a chegada da noite, seus mais leves pensamentos.

Durante um dia e uma noite, no quarto pequeno, todas as palavras

negaram significância. Elas tinham-me falado da belíssima viagem que

fizeram pelo cosmos, voando na vassoura da feiticeira, no cavalo alado,

nas flechas do filósofo, nos dragões e tigres enfeitados.

Aí, bem aqui — segundo dizem as próprias palavras — que ela (o

nome já não vale a pena revelar) prometeu, durante essa noite, uma

última noite em sua vida. Indagava em desfazimento sobre como faria o

feito de escrever como antigamente, se as palavras caíram na diversão?

E depois. Era prisioneira das palavras, antes. Antes, o

pensamento repousa na árvore da varanda. E depois. Ele não continua

lá. Partiu também nômade. Não ficou ninguém. Ninguém mais voltou

para aquele quarto pequeno. Ninguém. Jamais saberemos ao certo.


29

Mas o fato me fez querer contar de outra maneira esse

acontecimento nas redondezas da minha casa. Agora creio que é só

isso. E depois. Esse desejo de partir. Parto porque não posso ficar. É

algo que me diz respeito. Se te conto, é porque é verdade. Como dizer?

Só palavras fugidias para ti. É tudo e nada. O mais difícil de

suportar. Estamos perto da variação. Podemos ficar por aqui?! Já não

vale exatamente a significação. Talvez seja isso. Não-estilo. Escrevo

como vem vindo. E os fatos? Sempre foram tão suficientes! Nunca.

E depois. De repente, quis voltar. Ela chora perdida. E depois.

Houve barulho de máquinas trabalhando. Olhei pra lá, foi bem nas

costas que estavam. Vi, em toda a parte, possibilidades. E tudo aquilo

excedia a um rosto inchado com voz trêmula continuando a chorar.

Assinava enrubescida expressão correndo na biblioteca,

respirando o ar algébrico do laboratório, dançando nos telhados,

deslizando entre os platôs, mergulhando na cólera. Tudo ligado um ao

outro, vibrando, ganhando intensidade e fazendo vibrar no bloco que

forma. É uma ressonância muito forte. Até dá medo! Mas quis

experimentar. Não pôde mais voltar mesmo sem saber no que ia dar.

O quarto. Esqueci de contar. Pequenino, mas aconchegante. No

limite, admiravelmente organizado. Tudo em seu lugar. Tudo a ser

reconhecido. Os Livros, os Dicionários, a Santa Padroeira, o Autor e o

Tradutor. E, depois, o Manual e, finalmente, as palavras. Tudo pronto

mesmo antes de começar! Se quiseres, posso continuar escrevendo,


30

descrevendo. O quarto. Obrigatório lugar de passagem. “Passa, passará

quem de trás ficará, a porteira está aberta para quem quiser passar”.

Passa, passará... Um dia e uma noite contada.


Troços e destroços de uma escritura

De repente, deixa-se levar por uma sensação de que sua

atividade é mais do que apenas catar o que existe, mas de criar algo que

diga do que se passa nas relações experimentadas. Desde antes, a

linguagem foi matéria para suas experimentações. Linguagens diversas.

Mais do que apenas a coincidência com a língua. Mas também nessa

concordância que arranja palavras em uma criação, que faz variar com

as mesmas palavras a língua mesma:

e começo aqui este recomeço de começo aqui e arremesso e

remeço começo a escrever com a escritura teço escrever descrevo

sobrescrevo apago desconheço escrever sobre escrever por isso cessa e

pois começa e depois avança e se avança mascada e molhada descansa

avalancha e mais cansa e ademais cala e resvala e volta e revolta pois

na volta desconhece começo e reconhece e recomeça naquilo que me

consome e me come aqui mais aquém e menos além.

Gilles Deleuze, filósofo que estudou e pesquisou sobre

procedimentos de variação do pensamento, de produção de diferenças,

movimentou-se, em sua obra, às voltas com turbilhões, fluxos, forças,

intensidades, derivas que envolvem o problema da criação enquanto

afirmação da vida. Tratava-se de rondar a linguagem, “evidenciando

regimes que distribuem signos, maquinando concepções de enunciados,


32

pensando as formalizações científicas que a objetivam” (ALMEIDA, 2003, p.

131). Antes, muito antes de Crítica e clínica (1997), livro dedicado à

literatura, Deleuze, por vezes com Guattari, voltou-se à questão da

linguagem em suas diferentes formas de expressão, sem deixar de fora a

linguagem falada e escrita, manifestando seu interesse pelos estudos da

língua.

Deleuze desenvolveu sua Filosofia da diferença em diversos

momentos ao lado da literatura. Nos textos literários percorridos, ele

encontrou formas de expressão que congregam divergência de sentidos,

invenção da linguagem e da palavra, emancipação da língua quando

destinada a um regime de funcionamento atado à significação,

organização e subjetivação. Também encontrou, na linguagem, potência

para dizer de um corpo intenso, desfazendo-a de sentido, favorecendo a

liberação do pensamento e da própria linguagem, das normas e regras

de efeitos estratificadores.

Se em diversos momentos os estudos deleuzianos dedicam-se a

procedimentos de escrita capazes de desarticular a organização da

linguagem, tais como desarticulá-la na sua linearidade, nos

encadeamentos sintáticos e gramaticais, no seu justo sentido, em um

outro momento, tais estudos encontrar-se-ão mais voltados para as

forças que habitam o texto nas intensidades enunciáveis do vivido. Essa

fissura, esse abalo no interesse que cerca a problemática da linguagem

é manifestado por Deleuze em Lógica do sentido (1998a), no encontro de

Carrol com Artaud.


33

Há aí mudanças de elementos, indo da variação no enunciado,

tanto nas distribuições sintáticas e gramaticais, no uso e na formatação

das palavras componentes de enunciados, até o limite da escrita

convulsiva, tal como é realizada por Artaud, ao fazer uso da linguagem

em ação com suas palavras-sopro, palavras-grito de efeito incorporal no

corpo em acontecimento. Enlouquecem as probabilidades “linguageiras”

que sujeitam a fala à preexistência de uma língua homogênea, tendo no

ato ilocutório um acontecimento reconhecido pela instantaneidade do

que expressa, no mesmo lance em que produz um efeito, uma

transformação incorporal. Uma composição de enunciados em ação em

que o “agenciamento de enunciação não fala ‘das’ coisas, mas fala

diretamente os estados de coisas” (DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 28).

“Encontre seu corpo sem órgãos, saiba fazê-lo, é uma questão

de vida ou de morte, de juventude e de velhice, de tristeza e de alegria.

É aí que tudo se decide” (DELEUZE; GUATTARI, 1999, p. 11) — um exercício,

uma prática, um conjunto de práticas com a linguagem — “o CsO é o

que resta quando tudo foi retirado” (DELEUZE; GUATTARI, 1999, p. 12). Uma

verdadeira experimentação quando se retiram, quando se desfazem três

grandes estratos: o organismo, a significância e o sujeito, afirmam

Deleuze e Guattari (1999). Desde então, parece aí residir algo que

converge para a prática de escrita distante da organização, isto é, do

sistema de organização da língua, longe da instituição de significados

através do ato de comunicar e informar pela própria escrita e da posição

de enunciar e de ser enunciado através do sujeito.


34

Kleist, Woolf, Artaud, Kafka, Beckett, Proust, Nietzsche, entre

outros escritores preferidos de Deleuze, são tidos, pelo próprio filósofo,

como dotados de uma escrita que “não pára de desfazer o organismo, de

fazer passar e circular partículas a-significantes, intensidades puras, e

não pára de atribuir-se os sujeitos aos quais não se deixa senão um

nome como rastro de uma intensidade” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p.12).

Tais escritas, ao serem consideradas como agenciamento, como

multiplicidade, encontram-se em constante arranjo com outros

agenciamentos, com outros corpos sem órgãos, fazendo passar

intensidades no conjunto. Nessa perspectiva, que alude ao desfazimento

de estratos, o trabalho da escrita passa a ser o de movimentar matérias

diferentemente formadas na exterioridade de suas correlações.

A literatura e a filosofia desafiam a educação. Pois então... Que

se problematize, com tudo isso, uma escrita acadêmica educacional

com função comunicativa, na sua expressão instrumental de veiculação

de informações, na sua significação impregnada de verdade, na

operação remissível da escrita à representação. Que se interrogue

acerca da escrita acadêmica educacional na univocidade em seus

efeitos de sentido, na sua perspectiva objetiva, nos pontos ou posições

determinadas em uma estrutura, árvore ou raiz determinante de um

objeto ou de um sujeito. Haverá “um momento em que não se trata

mais de traduzir, de interpretar, traduzir em fantasmas, interpretar em

significados ou em significantes” (DELEUZE, 1985, p. 59-60). Que se

produza nesta escrita uma experimentação com o pensamento.


35

Com isso, há um outro funcionamento da linguagem que põe a

trepidar as leis que regulam a significação. A idéia de agenciamento

como conectividade de planos heterogêneos, enquanto conjugação de

pontos de vista distintos, parece possuir a potência para arrebentar

com os dualismos representacionais e a situação de oposição

significante-significado preponderantes de um mundo abstrato e

convencional. Quando uma maquínica dos agenciamentos (GUATTARI,

1988, p. 11) rompe com a oposição conteúdo-forma, tanto o conteúdo

como a expressão passam a ter forma independente, mas em

pressuposição recíproca, de passagem incessante de uma a outra.

O conteúdo deixa de confundir-se com o objeto referente e a

expressão interrompe sua existência como apenas palavra ou qualquer

unidade lingüística. Impõe-se uma lingüística dos fluxos, multiplicidade

linguageira de função rizomática. Uma pragmática da linguagem em

que a cada agenciamento articula-se tanto variáveis de organização e de

poder, como de desterritorialização e de criação, sendo tais variáveis

definidoras da efetuação das condições da linguagem e do uso dos

elementos da língua na escrita. Uma função conectiva, um co-

funcionamento afrouxando as amarras do essencialismo, entibiando a

rigidez das formalizações mais resistentes que oprimem a livre fluidez

da linguagem.

Deleuze e Guattari (2000) salientam, na lingüística hjemsleviana

(1975), um modelo baseado em dois planos distintos: o do conteúdo e o

da expressão, bem como em noções de substância, forma e matéria. Há,


36

aí, uma entidade de partes que se condicionam mutuamente, de modo

imanente, e não mais através das entidades multifacetadas nos signos

representativos. A relação de subordinação significante-significado é

substituída pela relação de pressuposição recíproca conteúdo-

expressão. Caberá à primazia do agenciamento, enquanto conectividade

dos planos heterogêneos, arranjar “forma nos funtivos (forma de

expressão e forma de conteúdo) e em razão delas surgem uma

substância de expressão e uma substância de conteúdo, que são

projeções da forma sobre a matéria (substância semioticamente não-

formada)” (ALMEIDA, 2003, p. 42).

No entre da filosofia deleuze-guattariana e da lingüística

hjemsleviana, dá-se alguma variação através do choque que coloca em

relação elementos diversos, combinando fluxos semióticos e não-

semióticos, em que o estrato linguageiro é somente uma das dimensões

complexas de tal conjugação. Desse modo, a escrita acadêmica

educacional pode também funcionar no entrecruzamento de linhas, de

fluxos, de forças e de dimensões múltiplas em detrimento da filiação

com a linguagem homogênea.

Uma linguagem heterogênea desterritorializa coisas, idéias,

objetos e sujeitos em devires num fluxo contínuo de invenção,

escapando da forma representativa e estabelecendo com o real uma

conexão que não é mais apenas de filiação e conformidade. Ela ou

qualquer outra formalização da expressão existe apenas enquanto

forma engajada em um agenciamento complexo que lhe dá consistência


37

— disse Almeida (2003, p. 46) — e que determina, de igual modo, a série

divergente dos estados de coisas.

Ora, não há mais como repartir a linguagem em vértices e

segmentos estanques tal como o hexágono perfeito que caracteriza a

geometria da Biblioteca de Babel de Borges (2001). É lá que Homens

procuram obstinadamente por um livro, talvez, o catálogo dos catálogos:

um livro que garanta a compreensão de tudo que aí está escrito, que

remeta a significados sempre contidos em outros significados, formando

uma cadeia linear infinita e representativa daquilo que é expresso por

meio de determinada ideologia. No conto de Borges (2001), os livros

existentes na Biblioteca, por mais diversos que sejam no conteúdo,

reúnem a generalidade do que é dado a expressar, mantendo-se em

acordo com determinada teoria. Nada escapa às leis totalitárias nesses

livros cogito (DESCARTES, 1979), fazendo a linguagem funcionar como um

ato de representação do pensamento lógico.

Como um recinto majestoso devido à sua exatidão na forma,

divino em seu corpo de galerias arquitetonicamente de acordo com

geometrias ideais, cujas superfícies têm os seis lados e os seis ângulos

iguais, bem como cantos repousando sobre uma esfera, retrata Borges

tal Biblioteca. Seu espaço absoluto foi desenhado no território da

Geometria Euclidiana Clássica, sustentado, predominantemente, por

normas fixas de concepção mecanicista, intimamente relacionada com

um rigoroso determinismo. Assim, quando a linguagem utilizada nos

livros coincide com a forma do espaço geométrico ideal, isto é, quando


38

seus elementos se equivalem como no espaço euclidiano, ela opera na

justaposição de elementos de mesma natureza, garantindo o seu

próprio funcionamento interno e prometendo, desse modo, exprimir

com precisão a exterioridade do mundo das coisas.

Quando a linguagem funciona como produtora de um efeito

generalista, o que a escrita prioritariamente expressa é algo para

preencher esse espaço ideal em que estão, alinhados com o presente,

instantes do passado e do futuro. Partes distintas e sobrepostas na

linguagem mantêm o desenho pontilhado pelo pensamento sob a forma

de um possível realizável antecipadamente, calculável e demonstrável

na própria escrita. Estratificada e imobilizada nos seus desejos, a ação

de escrever “seria o mesmo que dissertar sobre o invólucro donde sairá

a borboleta, e pretender que a borboleta voando, transformando-se,

vivendo, tenha sua razão de ser e sua perfeição na imutabilidade

daquela película” (BERGSON, 1979, p. 105).

Sendo assim, a estrutura da língua se atém a principia (NEWTON;

LEIBNIZ (I), 1979), baseando-se fortemente em regras de concordância, de

regência, de pontuação, no emprego exato das palavras segundo o

significado pretendido. Termos bem definidos, de significação

precisamente delineada, procuram evitar qualquer confusão

polissêmica, adquirindo valor universal mediante unificação

terminológica. No que diz respeito às características sintáticas, há um

movimento de redução e simplificação das combinações, recorrendo às


39

formas de construções gramaticais estabelecidas a priori, minimizando

qualquer desvio de linguagem.

Do ponto de vista lexical e semântico, o desenvolvimento de

uma terminologia própria faz-se necessário para o bem desenrolar da

escrita especializada. O rigor semântico, a precisão sintática, a

complexidade terminológica e exaustividade temática, normalmente,

apresentam-se como disciplinadores de tal escrita, desde esta

abordagem. Organização de orações e períodos concede coerência, bem

como coesão à escritura, dispersando repetições, redundâncias e

contradições. A língua é utilizada como um objetivo para o

estabelecimento de uma relação direta com a realidade pela associação

das palavras com imagens particulares, mantendo-se organizada para,

preferencialmente, antever e explicar o vivido, podendo reter, através da

escrita, um mundo mensurável, representativo daquilo que é designado,

excludente de qualquer indeterminação.

Uma estrutura geral em que línguas especializadas são

constituídas na tentativa de homogeneização, de depuração das

ambigüidades que escapam à regra, estão mais de acordo com certo

modelo dedutivo da Ciência do que em prol de inovações e variações.

Ora, variações na linguagem são aqui bem aceitas. Todavia, há sempre

a figura do Oficial (KAFKA, 2004), primeiro olhando com certa admiração,

para depois riscar com grande zelo o corpo das palavras fugidias ao

longo de qualquer imprevisível produzido nos hiatos, no entre, nas


40

brechas que se esgarçam à variação: um regramento que insiste em se

conservar, regramento que repisa a escrita do Explorador.

Mas a simples mutação da matéria estruturada, da forma

platônica estratificada e dos corpos geométricos ideais para outras

formas impede de avançar na questão. Leva apenas à invenção de

oposições: ângulos de noventa graus em oposição aos oblíquos;

segmentos retilíneos em contraste com linhas sinuosas. Além daqueles

limites impostos pela Geometria Euclidiana, existem outros espaços,

tais como o das Geometrias Curvilíneas e Oblíquas. Uma espécie de

espaço angular não-retilíneo, uma conexão não-antecipada como as

obtidas na arquitetura da Bibliothèque de France em que o uso de

painéis translúcidos põe a ver alguns volumes flutuar. Ou, como no

projeto da Jussieu Library, em que o conjunto fornece uma sensação de

leveza infinita, devido ao esquema das circulações por escadas e

elevadores. Contudo, a troca de um modelo geométrico por outro não

faz sair da constituição orgânica. Quando Spinoza (2002) disse de sua

Ética, enquanto Geometria dos Afectos, não abandonou o modelo

euclidiano; pelo contrário, recuperou o invólucro considerando sua

figura, sua estrutura e sua destinação para, assim, rasgá-lo (BERGSON,

1979).

Há um momento em que a linguagem deixa de servir a

universalidade. Tanto ela como qualquer formalização da expressão

passa a existir enquanto forma engajada em um agenciamento que lhe

concede consistência e que leva, de igual modo, à série divergente dos


41

estados de coisas. Existe sempre uma mobilidade potente do sujeito

fixado no real dominante, do ponto de subjetivação, do ângulo de

significância em que os estratos são fissurados, irrompendo o

acontecimento de uma experimentação. Conexão a-significante ligada a

um regime signo-partícula em que menos se trata de “saber o que tal

signo significa, mas a que outros signos remete, que outros signos a ele

se acrescentam, para formar uma rede sem começo nem fim” (DELEUZE;

GUATTARI, 1997a, p. 62).

E quanto ao Sujeito da escrita? Linguagem e língua colocam-se

no centro de manifestação do campo de problemas da expressão em que

é relevante a presença do Sujeito constituído em duas faces separadas e

independentes: o da mente, ou res cogitans, como sujeito da enunciação

e o da matéria, ou res extensa, enquanto sujeito do enunciado. O

primeiro vem a ser o Uno, o grande significante revelador da identidade

do pensamento no uso de um discurso direto: quem pensa?! E o

segundo representa as possibilidades múltiplas que podem ser

construídas através da verdade do pensamento expresso no enunciado

inscrito à razão dominante.

Quando o mundo deixa de ser apenas campo de verdades a se

reproduzir, o sujeito evade-se dos limites subjetivos e a linguagem-signo

abandona sua instância representativa para se tornar uma prática que

se exprime em um regime de linguagem, “uma prática discursiva que

não se define pelo que designam ou significam, que não se contentam


42

em descrever estados de coisas e que não cessam de cruzar seus

elementos com os de outra dimensão agenciada” (ALMEIDA, 2003, p. 51).

Assim, na perspectiva deleuzina, “[...] um sujeito nunca é

condição de linguagem nem causa de enunciado. Não existe sujeito,

mas somente agenciamentos coletivos de enunciação, sendo a

subjetivação apenas um dentre eles, e designando por isso uma

formalização da expressão ou um regime de signos, não uma condição

interior da linguagem” (DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 85). O Sujeito como

causa de enunciados perde seu poder soberano, imperial, deixa de ter

um Nome em prol de agenciamentos coletivos impessoais, em que todo

enunciado contém sempre um outro enunciado no curso de um

discurso indireto.

Diz Schérer (2000, p. 21) que há “uma substituição, desse sujeito

e mesmo de uma individualidade ainda por demais maciça, por demais

‘molar’ [...], ou mesmo puramente alegórica, por ‘singularidades’

moleculares, moventes ou ‘nômades’, que se destacam de um ‘campo

transcendental [...], também chamado plano de imanência”. Essas

singularidades não pertencem a um Sujeito de nome próprio Eu ou Tu.

E, sim, pertencem a verdadeiros acontecimentos que carregam o nome

de algo: uma planta, um trovão, uma doença, uma hora, uma estação ao

designar individuações por hecceidades. Nessa perspectiva, o

acontecimento é dito através de verbos no infinitivo, em um tempo

desprendido do tempo cronológico que sempre está em relação direta

com o espaço euclidiano.


43

Parece, portanto, haver linhas de fuga, movimentos de

desterritorialização e desestratificação na escrita acadêmica

educacional, ao mesmo tempo em que existem linhas de articulação ou

segmentaridade, estratos, territorialidades. Por toda parte, pólos

diversos coexistem nessa escrita. Eles mesmos inseparáveis em relações

constantes de transmutação. Apenas uma mistura de predominâncias.

Em um deles, podem as máquinas abstratas ser efetivamente

estratificadas; no outro, tal maquinaria põe incessantemente a fugir

algo no trabalho com os estratos. Presença primeira constante do

agenciamento. São os agenciamentos de desejo em um fluxo de

inventividade, imprevisibilidade, intensidades inéditas e instabilidade

criativa imanente que contaminam toda multiplicidade “linguageira”,

destituindo lugares assegurados, tolerados, bem como justificados. Não

se trata do “duelo” entre formas, mas da tensão na linguagem que os

agenciamentos entre essas formas podem produzir.

Por vezes, ela deixa-se levar por uma vontade danada de

comunicar e informar verbalmente, apreender todo sentido naquilo que

da forma se impõe ao conteúdo ou vice-versa. Infinitas combinações de

elementos finitos para indicarem exato significado na justaposição entre

palavras e coisas. Enunciados passíveis de apreenderem a verdade

representada, a imagem revelada daquilo que olho identifica no

cotidiano habitual. Tratamento da linguagem como um sistema

arranjado por meio de sinais devidamente organizados e


44

convencionados, por composições em acordo com processos que fazem

uso de códigos lingüísticos para dizer de coisas, seres, idéias. E

tratamento da língua constituída de regras denotadoras de senso e

entendimento comum. Desde então, existem:

Palavras íntegras,

tanto mais sólidas quanto menos intensas.

Palavras dogmas,

aguadas no devir.

Dívida com a forma.

Palavras cúmplices acamadas no divã,

embrenhadas num papai-mamãe.

Palavras ingênuas de vida.

Félix Guattari (1988, p. 21) disse que a posição de força que a

teoria da informação ocupava, então, no coração da lingüística,

conduzia à adoção de uma definição de língua unicamente como meio

de transmissão de mensagens, e o resto era só ruído e redundância.

Baseada em um positivismo científico exacerbado, tal teorização

restringe as interações sociais a meras taxas de informação,

constituídas por cadeias fonológicas sujeitadas a um sistema

combinatório binário. Muitas adaptações à comunicação humana

sofreu o modelo de Shannon e Waever, inicialmente desenvolvido para a

comunicação eletromagnética.

Variados percursos foram realizados na tentativa de dizer da

comunicação precisa em uma dada informação. Reforçando o princípio


45

aristotélico de que a comunicação requer sempre, pelo menos, três

elementos (fonte, mensagem e destinatário), os incrementos atribuídos

ao esquema em questão trouxeram novos componentes ditos como

codificador e decodificador. A cibernética acrescentou mais um fator à

descrição do processo comunicativo: a retroalimentação, que se refere

aos mecanismos de controle destinados a produzir nos receptores

reações indicativas no que diz respeito à eficácia e aos efeitos do

controle efetivo das mensagens. Com o paradigma clássico de

comunicação, os elementos fonte-codificador-mensagem-canal-

decodificador-receptor-efeito tornam-se essenciais para alcançar o

objetivo principal de persuasão do comportamento do receptor.

Comunicar informações, transmitir mensagens são estatutos

que definem previamente um tipo de receptores. Deleite na significância

da informação e na subjetividade da comunicação! Considerações

realizadas a partir da teoria da comunicação, baseadas em modelos

matemáticos, destinam para tal escrita a finalidade de projetar um

sistema com seus componentes, emissor e receptor conectados via um

elemento condutor, de forma que, para cada estado produzido no

emissor, um único estado gerado no receptor.

Arranjada com um modelo informacional hipotético designador,

uma escrita pretende, sobretudo, reter verdades por meio de um padrão

impositivo de uma lógica do pensar. Aqui, as questões não se colocam

tanto sobre a formação das mensagens, estrutura interna, adequação

ao que significam, relevância, mas muito mais sobre a exata


46

transmissão, partindo-se do pressuposto de que as mensagens sempre

estão determinadas no seu significado.

Sim, existe na linguagem uma legalidade gramatical, de mesma

natureza que na do rigor matemático. Há, então, a todo tempo, o

recurso de uma linguagem precisa que concede certa qualidade às

palavras para orientar a confusão da escrita e promover uma

transmissão de mensagens justas. Nessa perspectiva, há uma pretensa

universalidade que se impõe à língua, um conjunto sincrônico de

constantes, favorecendo a comunicação de informações através da

palavra utilizada como ferramenta para esse fim. As palavras tidas

como signo representam as coisas do mundo real. Estruturas

gramaticais, “estruturas verbais, todas as variantes que permitem os

vinte e cinco símbolos ortográficos, porém nem um único disparate

absoluto” (BORGES, 2001, p. 99), funcionam como uma espécie de cópia

das estruturas intelectuais.

Contudo, “não há nada menos lógico, menos matemático, que

uma língua” (GUATTARI, 1988, p. 24-25), visto que não se trata puramente

de estruturas universais, nem de exatos sistemas generalizáveis. É

preciso torcer o pescoço da eloqüência — disse Blanchot (1997, p. 51) —

rejeitar a técnica, desconfiar das palavras. Para Deleuze com Guattari

(1997a, p. 14), a linguagem é transmissão de palavra funcionando como

palavra de ordem e não comunicação de um signo como informação. Ao

agenciarem com a teoria proposta por Austin (1990) sobre os atos de

fala, as palavras e enunciados deixam de representar apenas as coisas


47

a serem comunicadas por meio de uma informação, eles também fazem

coisas. É nisso que reside a força ilocucional da língua na terminologia

de Austin.

Palavras de ordem não se deixam apreender independentemente

de uma ação que se realiza no ato da fala, que “não pode mais ser

definida pela simples utilização individual e extrínseca de uma

significação primeira, ou pela aplicação variável de uma sintaxe prévia”

(DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 15), de acordo com o modelo opositor

língua/fala. Como unidade elementar lingüística, como aquilo que é

abstraído e extraído do enunciado enquanto “ordem” e que produz efeito

nos corpos (tanto de morte, interdição, comando, como de fuga), as

palavras de ordem, no agenciamento que integram, são o real mínimo

de um enunciado em ação.

Existem atos imanentes à linguagem que não reduzem os

enunciados a meras explicações de ações, que tendem apenas a

descrever um ato locutório na medida em que se articulam ou

combinam sons, na medida, também, em que se evocam e se ligam

sintaticamente às noções representadas pelas palavras de modo

conotativo. Quando se recorre aos atos imanentes à linguagem,

efetuam-se especificidades antes redundantes nos enunciados, que se

realizam no próprio ato de “ordenar” uma ação, ao mesmo tempo em

que é realizada. Sempre os dois ao mesmo tempo, não é nem um nem

outro, mas seu efeito comum que importa pela potência de variação

conferida em relação aos corpos, aos quais se atribui a transformação.


48

Sendo assim, não se pode mais estabelecer a semântica, a

sintaxe dessas enunciações sem aí incluir sua pragmática. Uma nova

pragmática como política da língua deixa de priorizar a descrição lógica

probabilística das fórmulas lingüísticas. A pragmática deleuziana não

privilegia a coincidência dos arranjos em um enunciado com categorias

lingüísticas, visto que essas categorias têm como função restringir o uso

do signo lingüístico e do significante enquanto tradutores universais de

todo campo semiótico. Nela predomina a desuniversalização da

linguagem ao colocá-la em um campo de multiplicidade em que não é

mais possível localizar qualquer centro como manifestação dos

problemas de expressão da linguagem.

Uma escrita que visa, fundamentalmente, à interpretação reduz

o mundo a um universo de códigos previamente estabelecidos e

organizados de acordo com um discurso normativo no uso de uma

compreensão basicamente lógica. Reduz, também, a educação a um

lugar de refúgio em que se fomenta um pensamento de certezas,

alimentando uma escrita de modo maior no uso de procedimentos

excludentes do erro. Códigos representativos de qualquer realidade

uniformizam a linguagem educacional acadêmica, borrando suas

diferenças ao neutralizarem as palavras e regularem a língua.

Uniformizando a linguagem acadêmica educacional, homogeneíza-se os

modos de pensar a vida mesma.

Lutas pelas palavras, por sua acepção, pelo manejo do seu uso,

acontecem a todo tempo e em qualquer espaço. Não são lutas apenas


49

pela busca de um perfeito beletrismo constituidor de um estilo de

escrita “politicamente correto”. Longe de qualquer inocência, visto que,

com as palavras em variação, é possível escrever sobre as sensações

que colocam um corpo a trepidar. As palavras agem no corpo que atua

na vida. Daí o forte desejo de fazer silenciar alguns ditos e escritos, bem

como impor outros numa trama em que algo mais do que simples

palavras está em jogo.

Formulações probabilísticas de variação na regra em harmonia

com o sistema lingüístico são minimizadas. “Ora, a esse respeito, o

problema é o de fazer bascular o agenciamento mais favorável”

(DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 90), fazendo valer qualquer impeditivo de

unificação em favor de um potencial revolucionário nas línguas

residentes nos procedimentos de minoração contínua. Há sempre

enunciados arranjados em um delírio desejado que vazam em muitas

direções ao trincar regras, potencializando a escrita acadêmica

educacional em uma mistura que não remete jamais a si mesma, mas

que pelo contrário, permanece aberta a variados outros modos de

semiotização, a outros agenciamentos.

A língua é tensionada, é arrastada para longe do equilíbrio,

passando por um tratamento especial, artificial, voluntário, deformador,

contorcionista, de criação de sintaxe, diz Deleuze — “É um tratamento

que mobiliza tudo: a vontade do autor, assim como seus desejos, suas

necessidades, etc” (DELEUZE, PARNET, 2001)1, cavando uma língua

estrangeira na própria língua. A linguagem é levada até um tipo de


1
S de Style [Estilo].
50

limite, uma espécie de limite que a separa da música. Gilles Deleuze

afirma que, quando se produzem essas duas coisas, ao mesmo tempo

em que existe necessidade para isso, tem-se aí uma escrita com estilo.

Para Deleuze, o estilo é uma composição sempre em variação,

que consiste em colocar variáveis em diferenciação, tais como se

exprime na gagueira de Ghérasim Luca em Passionnément e na de

Samuel Beckett em Como dizer. Tais composições voltam-se para a

desarticulação dos organismos que fazem da língua um sistema

homogêneo, produtoras de uma escrita que opera cortes ou assume

pontos de vista sobre um movimento de particularização, significação

do enunciado, desfazendo-se da busca de essências.

É pela experimentação com a língua, a qual pode levar às linhas

de fuga que uma escritura chega próximo do seu CsO, do seu grau 0 de

intensidade, no momento em que a impessoalidade pode vir a ser

construída no devir que nunca é dito como sendo isto ou aquilo, mas

estando sempre em vias de se fazer. Linhas de fuga criadoras traçam

desvios, constroem rasgos por onde uma língua escapa nos modos de

subjetivação codificados que impõem à matéria uma forma de expressão

dominante. Individual e subjetivo indeterminam-se nos enunciados

coletivos agenciados, bem como nas palavras despedaçadas em

elementos fonéticos experimentados nas suas qualidades sonoras,

agindo diretamente sobre o corpo. Mistura de corpo e palavra na ação

de explosão. Momento em que a linguagem menos se define pelo que


51

diz, tampouco pelo que a torna significante, mas por aquilo que a faz

escorrer e fluir.

Um uso intensivo da língua potente para desterritorializar a

sintaxe rígida da língua dissecada, servindo-se da própria sintaxe para

gritar: grito criador esquizofrênico, louco, lobo, “crianceiro”. Gritar como

mulheres que, ao parirem, vociferam uma língua na própria língua em

um devir mútuo, no seio de um agenciamento múltiplo e coletivo,

valendo como efeito daquilo que acontece. Isso equivale a entrar em um

devir-doido, inventando uma escrita esquizofrênica, da ação das

palavras sobre um CsO.

Há aí uma relação da linguagem com a vida — tanto mais

intensa quanto mais variável e vice-versa — colocando a variar os

elementos lingüísticos e os não-lingüísticos. Variação da variação em

que é impossível distinguir os elementos de conteúdo dos elementos da

expressão. O conjunto torna-se indiscernível, encontrando-se a serviço

de um continuum cósmico virtual. Formas estruturais da língua não

param de se desmanchar e se dissolver.

O pensamento torna-se um fluxo no CsO. Um movimento na

ação, prolongado ao extremo em experimentação de devires,

engendrando esse mesmo movimento que leva o pensamento a ser

vivido como vida, que mergulha na vida e deixa por ela se banhar. A

linguagem perde sua condição representativa, comunicativa,

informativa e interpretativa. Tudo passa a ser vida e vivido. Deixa o

pensamento de pensar da vida e, sim, na ação do pensamento e no


52

pensamento enquanto vivido. Nessa tendência, o movimento que

potencializa a escrita é o mesmo movimento de vida no CsO, nas

vibrações traçadas pelo desejo.

Tudo parecia pronto para enunciar, desde esta perspectiva, uma

prática de escrita acadêmica educacional. Antes, uma breve parada,

visto que tal experimentação pode vir a ser uma “experiência

esquizofrênica das quantidades intensivas no estado puro” (DELEUZE;

GUATTARI, 1972, p. 23), experiência, por vezes, insuportável pelo tanto que

desagrega, desregra, rompe, corrompe dos sistemas organizadores do

funcionamento mais estratificado da língua, da linguagem, da escrita e

do pensamento.

Dar a ver uma escrita desorganizada e desordenada nos

conteúdos que reúne, distante de um detalhado planejamento

hierárquico daquilo a expressar. Nenhuma estrutura definida

previamente a ser seguida. Nem procedimentos por divisões, nem em

itens e subitens. Um parágrafo tampouco constituinte de um bloco que

exprime a unidade do pensamento ali representado. Nada a representar.

Nada a unificar. Frases desencadeadas. Escrita fragmentária,

desarticulada naquilo que desata, desatenta ao geral como ao

particular. Palavras inexatas são bem-vindas, também bem repetidas. É

a repetição que faz a diferença. A-sintaxe, a-gramática, desequilibrando

a língua. O estilo é o não-estilo. Escrita fabulística, poética, teatral,

fílmica, televisiva.
53

Frases longas e frases curtas, afirmativas e interrogativas. Uma

única frase — Como é (2003) ao estilo beckettiano. Sem nexos,

desconexa, desfaz o significado original e freqüente das palavras e dos

seus feixes. Variados sentidos, sem significância. Escrita rompante que

dilacera com a fórmula sujeito+verbo+complemento. Quem escreve?

Quem descreve? Ninguém, todos juntos. Que ação indica? Impessoal e

no infinitivo. Dos complementos: pouco, muito pouco. Sobriedade,

economia. Uma escrita sem objetivo de comunicar informações precisas,

acolhedora de variações, sem notas de explicações.

Apresenta-se com uma forma: desorganizada, desestruturada,

na sua potência molecular. Forma desfeita no seu imperialismo e

atualizadora de virtuais na desrazão, na descerteza, no descentramento.

Tensão leva a linguagem ao seu limite. Move, corre, voa, vaza. Escrita

faz brotar linhas de desterritorialização. Maior declive coloca elementos

a dançar, cantar, pintar, colorir, poetizar nas intensas “artistagens”

inventoras da diferença. Nem por isso tem somente sabor adocicado.

Ácida e também indigesta. Imastigável quando escorrediça. Não se pode

reter.

Nada a explicar, elucidar, ensinar. Nem limitação às formas

tipificadas. Gagueira. Agramaticalidade. Substantivação. Privação de

nexos. Estrangeirismo. Economia. Sobriedade. Escrita acadêmica

educacional agindo no corpo, conduzindo-o a um estado de

intensidades enquanto receptáculo vulcânico. Inesperado. Furor

coletivo. Combate. Potência. Realização do irrealizável. Humor louco.


54

Estímulo ativo. Delírio orquestrado. Anunciação do caos. Vibração.

Afecção e afectos. Liberação de energia vital. Devir. Fluidez de emoções.

Ecos. Risadas. Limite da linguagem. Uso bastardo. Desvios do curso

natural. Perturbação. Composição. Escape. Vazamento. Fuga.

Indeterminação. Dúvida. Torção. Entropia da homogeneidade. Rizoma.

Com tudo o que essa perspectiva possa apresentar de

interessante, inovador, inventor e criador, ela carrega consigo o risco de

desmantelar a escritura, ultrapassando seu limite suportável e, ao invés

de produzir um movimento de reterritorialização a partir da

desterritorialização experimentada, passe a constituir-se em destroços

provenientes de uma overdose. “Não se faz a coisa com pancadas de

martelo, mas com uma lima muito fina”, sugerem Deleuze e Guattari

(1999, p. 22). Desfazer os estratos da língua nunca foi aniquilá-la, reduzi-

la a nada, destruí-la com furor, levá-la à morte por arrebentar com

pauladas críticas o seu academicismo, senão abrir a escrita à

“conexões, que supõem todo um agenciamento, circuitos, conjunções,

superposições e limiares, passagens e distribuições de intensidades,

territórios e desterritorializações medidas à maneira de um” (DELEUZE;

GUATTARI, 1999, p. 22) catador à espreita e um experimentador tateante.

Desfazer a organização da língua não é o mesmo que esvaziá-la.

Desorganizar o organismo não é o mesmo que aniquilá-lo, desorganizar

o pensamento não é o mesmo que catatonizá-lo. Quando o vazio é

atingido, nada mais por aí pode passar, nada mais é produzido no seu

CsO. Quando uma destruição é atingida, coisa nenhuma aí acontece.


55

“O pior não é permanecer estratificado — organizado, significado,

sujeitado — mas precipitar os estratos numa queda suicida ou

demente, que os faz recair sobre nós, mais pesados do que nunca”

(DELEUZE; GUATTARI, 1999, p.23-24). Como é fabricada tua escrita? O que

por ela passa? — Dor, ressentimento, ciúme, inveja, dominação,

competição, alegria, potência, humor, riso, encontros felizes, cores,

sons, intensidades... — Por quais procedimentos e meios? O que aí

acontece?

Não se desfaz qualquer segmento molar que tenha a escrita

acadêmica educacional, destruindo sua forma acadêmica

abruptamente. “É preciso diminuí-lo, estreitá-lo, limpá-lo, e isto ainda

somente em alguns momentos. É necessário preservá-lo para

sobreviver”, não deixando tal escrita transformar-se em um nada ou até

mesmo, reterritorializar-se em um modelo a priori de escrita, em uma

figura-padrão, submetendo-se a um movimento de homogeneização

generalizado e produtor de efeitos imperiais. Um tanto de prudência,

aventam Deleuze e Guattari (1999): É a prudência que faz com que os

estratos orientem-se nas fugas, favorecendo sua entrada nos fluxos

potentes que fazem variar a escrita. Do mesmo modo, é tal exercício de

prudência que faz com que as linhas de fuga que tensionam os estratos

atravessem o muro, saiam do buraco negro e conectem-se com outras

linhas, aumentando a potência para fazer fugir.

Escrever, escrever, escrever — pop’escrita acadêmica

educacional — insistente experimentação que transborda por muitos


56

lados. Nunca definitiva, mas um exercício prudente nos incansáveis

movimentos de conexões entre fluxos heterogêneos, na circunscrição do

plano onde se opera tal processo de produção, no encontro atlético dos

corpos envolvidos. Elementos de uma infinita variedade de universos

são agenciados. E, a partir do que se engendra nesse agenciamento, do

que aí se passa, do modo como as formas vigentes no atual são

tensionadas pelo plano virtual das intensidades, a partir dessa ética,

estética e política que se produz na própria escrita, aberturas na

linguagem, fendas na língua, potencializando maneiras de pensar e

diferenças nos modos de vida.


A escrita dança

Primeiro ato:
coreografias do desmoronamento

Caixinha de música

Guarda a caixinha em cima da cômoda de louro. Lugar do seu

ouro mais amarelado e das pedras mais bem lapidadas. Dispõe o móvel

de gavetas empilhadas na frente da espreguiçadeira. Recosta o rosto no

encosto e estende as pernas em confortável posição. Alegra seu final do

dia pondo a mulherzinha para dançar. Assiste à fêmea riscar o piso de

espelho do pequeno palco. Acompanha os giros cantando alegremente o

refrão da valsinha. Deliciosamente divertido. Ela rodopia. Primeiro

rapidamente. Rodopia ainda mas, aos poucos, ela vai perdendo

velocidade até ficar estaqueada. Por vezes, o que a sustenta bate nas

extremidades do palco. Fora daí, desaba.

No limite, ela pode despencar a qualquer momento. De quando

em quando, o corpinho enfeitado de filó cai lá de cima. Desaba de si

mesma quando não mais consegue se manter no plano homogêneo. E

ele assiste ao espetáculo em boa fanfarronada. Até dá fartas risadas.

Dançam, dançam até que a música acabe. E ressalta a imobilidade

amorfa e a inexpressividade do puro objeto. Girando a roseta de ferro,

volta a dar corda em um gesto uno e indivisível. Também, o silêncio.

Mais e mais corda, mesmo sabendo da ameaça do desabamento. O risco

é a graça. E retorna a rodopiar. Brinca de eternidade. Gira e rodopia,


58

constituindo um convite à vontade de destruição. Há um prazer

inexplicável em vê-la cair.

Virgem de ferro

Alejandra Pizarnik (s.d.), poeta argentina, escreve sobre a escrita

de Valentine Penrose, poeta francesa, que escreve acerca de uma

personagem real e insólita: a condessa húngara Erzébet Bárthory.

Contam que viveu a bela mulher em um castelo medieval. Como

apreciadora das artes, a condessa adquiriu uma réplica de um famoso

autômato denominado “A Virgem de Ferro”. O aparato constituía-se em

uma dama metálica de tamanho e de cor similar à criatura humana. A

olho nu, a “Virgem” de longos cabelos avermelhados, maquiada,

desnuda e dotada de um mecanismo que lhe possibilitava sorrir e

mexer os olhos, quase podia passar por uma mulher com vida. Sentada

em seu trono na sala preferida do castelo de Csejthe, a condessa

Báthory contemplava a peça adquirida.

Báthory, acompanhada por suas silenciosas serventes, vê a

“Virgem” entrar em ação no momento em que alguma das pedras

preciosas do seu colar é tocada. Responde imediatamente o aparato

metálico com um ritmo de sons mecanizados. Muito lentamente,

levantam seus pálidos braços para que o corpo se feche em um abraço

apertado sobre o que está próximo dela — neste caso, uma jovem. A

“Virgem” abraça de modo que nada pode separar o corpo vivo do corpo
59

de ferro. O abraço é a beleza do encontro. Tão logo, os seios da dama de

ferro se abrem neste gesto. Dela saem cinco punhais que atravessam

sua vivente companheira de cabelos longos e soltos como os seus.

Desliza o sangue pelo corpo sob a linguagem do grito. Acomodada na

sala de tortura do castelo, a condessa observa o suplício. Consumado o

ritual de mais uma das 650 meninas sacrificadas pela condessa, toca-

se outra pedra do colar da máquina autômata e seus braços caem, seu

sorriso se fecha e os olhos se cerram.

As velhas serventes da condessa participam como instrumental

desse ritual, inicialmente, escolhendo as belas, altas e resistentes

jovens — com idade variando entre os 12 e os 18 anos — e, depois,

arrastando-as à sala de tortura onde elas as esperava, vestida de

branco. Uma vez atadas, as serventes as flagelavam até que a pele do

corpo se desgarrava e as meninas se transformavam em chagas

inchadas punçadas pelos atiçadores aquecidos pelo fogo. Os dedos lhes

eram cortados e, com a mesma navalha, praticavam-lhes mais incisões.

Se a condessa se sentia fatigada de ouvir gritos, cosiam-lhes a boca.

Nem sempre, Bárthory permanecia ociosa durante o ritual.

Escapavam de seus lábios palavras profanas destinadas às supliciadas,

gritos de loba eram suas formas expressivas. Porém, nada era mais

impressionante que suas risadas. Às vezes, a condessa colaborava no

cerimonial e, então, arrancava com grande ímpeto a carne — nos

lugares mais sensíveis — utilizando pequenas pinças de prata; cortava

as peles entre os dedos e aplicava, às plantas dos pés, pedaços de ferro


60

aquecido. O sangue que jorrava era tanto, que a condessa dirigia-se até

seus aposentos para trocar o vestido branco que ficara roxo. Em que

pensaria durante essa breve interrupção?

Segundo ato:
coreografias de fuga

Contact

Corpos deslizam-se uns sobre os outros e sobre o chão. Parecem

desobedecer à gravidade de Newton. São pilotados por forças de

superfície. Movem o espaço indo um ao encontro do outro. Jogo de

proximidades e distâncias. No choque, selecionam menos as forças que

visam à destruição. Um outro tipo de intensidade. Uma dança a favor

de uma vontade de heterogeneização. Escuta entre os corpos no tocar-

se, roçar-se, esfregar-se, sustentar-se. Superfícies pressionadas entre si

e pelo solo em que se arrostam. Corpos se acolhem ao mesmo tempo em

que se entregam às relações, como em um bailado de confiança. Devêm

onda, base, plataforma, gancho, alavanca, espiral. Eles se tornam

matérias expressivas. Construção de arquiteturas vivas.

Conjunção de corpos em movimento. Constituição de um

coletivo em que o equilíbrio dinâmico da dança não está nem em um

nem em outro corpo, mas na troca de força e sensibilidade que ocorre

entre eles. Fluxos de movimento na experimentação. Corpo que se

oferece sendo também suporte para o corpo com quem dança.

Superfície intensiva para experimentação do outro. Dança como abrigo

das metamorfoses vividas pelos corpos ao mesmo tempo. Contact


61

Improvisation de Steve Paxton, experimentado por Farina (2005) como

modo de comunhão em uma relação de criação, de ação coletiva

inventiva de infinitas vias para uma Pedagogia das afecções.

Ovo mortalha

Material: um retângulo plástico de fartas dimensões;

vários sacos de nylon ou de juta;

linha e agulha;

corpos.

Procedimento: Costure firmemente os sacos de nylon ou de juta no

retângulo de plástico. Solicite que os corpos enfiem seus pés e/ou suas

mãos nos sacos. O número de participantes dependerá da quantidade

de sacos costurados no plástico. Os locais de costura não obedecem a

uma ordem. Tecer, habitar e experimentar o conjunto livremente. O

tempo de duração é o tempo da experimentação vivida, de modo que

estes corpos mantenham-se em troca, em relação, em interação nesse

“sistema biológico”.

Arquitetura biológica: o Ovo mortalha não é determinado pelos

sacos costurados no retângulo plástico. Ela se constrói na relação

estabelecida dos corpos e entre os corpos com o material. É uma

construção instável e mutante que se altera com o movimento dos

corpos envolvidos. Lygia Clark (1980, p. 36) a vê como “uma arquitetura


62

viva na qual o homem, através de sua expressão gesticular, constrói um

sistema biológico que é um verdadeiro tecido celular”.

O tigre e o dragão

Corpo alongado, coincidência com uma serpente gigante. Na

boca, ardem labaredas. Farpas na cauda. Garras na mão. Asas no

lombo. Do olhar, algo de penetrante: humano, demasiado humano, diria

Nietzsche (2000). No Ocidente, tende a uma conotação negativa; no

Oriente, conjugações com a felicidade. Pela astrologia chinesa, um

encontro como expressão de sorte e de bem-aventurança divina. O

destino lhe reserva a guarda dos templos sagrados, dos mosteiros

secretos e dos tesouros do paraíso. A lenda insiste, pelo horóscopo

Zenchi, em que o dragão põe-se como um animal ambicioso, desejoso

do trono do tigre (rei dos animais no Oriente). Após muitas e

barulhentas brigas pelo reinado, os demais animais pediram ao rei

Zenchi para intervir na disputa e fazer um julgamento dos dois. No dia

do julgamento, o governante desceu ao Monte Fuji no seu Cavalo Alado

e determinou, diante das variadas poses ferozes da dupla, que o tigre

seria o rei da terra e o dragão, da água.

A disputa entre O tigre e o dragão é retomada por Wang Du Lu

em uma novela de cinco capítulos, escrita em gênero literário popular

chinês. Fabulações desse tipo, denominadas wuxias, estão repletas de

ação e dramaticidade, sendo usadas freqüentemente nos folhetins.


63

Transformada em filme (2000), retrata os protagonistas como guerreiros

de espírito livre e bons executores de técnicas das artes marciais. A

adaptação cinematográfica levou para as telas um enredo que se passa

no século XIX: O guerreiro Li Um Bai, mestre de artes marciais, decide

aposentar sua espada e confiá-la a sua apaixonada Yu Shu Lien. No

passado, os dois viveram um romance que, devido à interferência de

familiares, acabou sendo reprimido. Próximo à passagem da arma

sagrada, dá-se o roubo desta. Como suspeita, aparece Jen Yu, uma

jovem aristocrata, seguidora dos ensinamentos marciais da malfeitora

Jade Fox, fugitiva do casamento arranjado por seu pai, devido ao seu

amor por um guerreiro nômade e sua dedicação ao treinamento de

giang hu.

Tigre curvado e dragão oculto se arrostam em meio à Dinastia

Ching. O primeiro enfrenta as durezas da tradição social impregnada de

juízos; o segundo busca afirmar seu trajeto em linhas de fuga, por fim

domiciliado em linha de morte de crimes e roubos. Não é uma simples

luta entre dois corpos, entre um tigre e um dragão. É todo um coletivo

que guerreia por um povo ainda por vir, no desejo criador de um outro

território social, de um novo código para esse território não-reprodutor

dos enunciados e conteúdos dominantes, de um juízo final em nome da

glória de uma pátria, de uma igualdade despótica ou em nome de uma

sociedade perversa.
64

Cenários

Há danças de variados tipos. Há as dotadas de uma coreografia,

de um nexo como um conjunto de movimentos previamente concebidos,

impregnado de uma lógica das seqüências, de um encadeamento de

gestos de acordo com um código que garanta o estatuto estético de ser

isto ou aquilo. E, mesmo naquelas danças que se valem do improviso,

mesmo nessas, diria José Gil (2001, p. 82), que estudou e escreveu sobre

a dança, “a exigência do nexo mantém-se, ainda que se abandone

parcialmente a idéia da pré-concepção e o caráter voluntário dos

movimentos”.

Também há danças que põem a variar os códigos e os estatutos

da própria dança. Elas favorecem a experimentação dos movimentos. A

experimentação e a improvisação dos gestos constituem o corpo como

uma dinâmica instável, diferindo de si mesmo. Ainda que sejam

pequenas, micro variações, sempre algo difere de si mesmo, desfazendo

a estrutura de uma lógica determinística mantenedora de um estilo fixo,

em prol de uma lógica do instável em que algo passa através dos

múltiplos movimentos.

Existe aí uma outra coreografia sendo realizada, podendo até

mesmo ser uma coreografia com grande abertura ao acaso na

experimentação do suportável e do insuportável. Os movimentos

heterogêneos de séries divergentes, inicialmente independentes e

indiferentes, convergem. Essa convergência compõe linhas intensivas


65

cuja atividade de ressonância sobre as diferentes séries, ressonância

que, mesmo antes do agenciamento, pertencia aos próprios movimentos

das séries.

Trata-se de atender aqui aos fluxos de movimentos através dos

quais a energia circula pelos corpos e entre os corpos envolvidos nos

gestos dançantes, tais como os praticados entre o tigre e o dragão.

Fluxos vigorosos e delicados para o desenvolvimento de outros

movimentos, além daqueles programados nos gestos da bailarina da

caixinha de música. Das formas, extrai-se algo mais do que a simples

obediência imposta pelas técnicas e códigos que constituem figuras a

ser repetidas. Formas podem compor-se e não se impor a um conteúdo.

Podem ser composições expressivas, que “pesam sem dúvida na escolha

das seqüências; mas não são determinantes, pelo contrário, dependem

do destino que o bailarino quer dar à energia, criando núcleos

intensivos ou atenuando o seu impulso, acelerando a velocidade,

modulando a força do movimento” (GIL, 2001, p. 83).

Nessa perspectiva, a dança da escrita faz-se em um movimento

quase invisível à sensibilidade justificativa que tudo quer explicar

através do uso de palavras encadeadas sustentadas por uma lógica

racional de correspondência representacional entre o visto e o dito. A

escrita que dança se instala entre o visível e o dizível, movendo-se com

eles. O pensamento trepida diante dos gestos divergentes produzidos

pelas séries dançadas, potencializando algum desequilíbrio tanto na

sintaxe e na gramática que orientam a língua, como na escrita que


66

surge desses abalos, desde as percepções produzidas e as sensações

experimentadas.

Impossível apreender o significado da lógica da energia e

expressá-lo por palavras, apenas, no uso da “boa língua”. Nem há aí um

significado a ser apreendido, “a dança, por si só, não significa nada. [...]

O gesto é gratuito, transporta e guarda para si o mistério do seu sentido

e da sua fruição” (GIL, 2001, p. 103). Dança a-significante, sem

engendramento de efeitos de significação no sentido lingüístico,

intraduzível por regras sustentadas em uma estrutura da língua que

garante o bem escrever organizado para comunicar e informar.

Contudo, existem limites com contornos indefinidos, limites

tanto no que diz respeito à dança como à escrita que a procura

expressar. O que pode uma escrita? Em réplica, perguntaria Spinoza —

“O que pode um corpo?”. Corpo anatômico, fragmentado, organizado,

equilibrado, funcional, mecanizado, codificável, perverso, edipianizado,

protetizado; corpo monstro, epidêmico, selvagem, violento, singular,

incodificável, intenso, plástico, sem órgãos.

Há movimentos que o corpo humano não consegue realizar,

limites que impedem gestos ou seqüências de gestos ao bailarino. Do

mesmo modo, há algum limite em que a linguagem verbal não consegue

dizer daquilo que se passa no corpo em sua correspondência unívoca

entre gestos e palavras; por isso, grita a jovem quando abraçada pela

“Virgem”. Existe um limite da razão, entranhado de verdadeiro e falso


67

no buraco negro (DELEUZE; GUATTARI, 2002), que é alcançado quando não

é possível dizer do que se passa no corpo intenso. Indizível pela unidade

lingüística dotada de uma realidade na linguagem falada, mesmo

quando se parte em unidades não-significativas de sílabas e letras.

Grita Artaud (1986, p. 26-27) suas palavras de ordem:

“Abandonem as cavernas do ser. [...] Cedam ao Todo-Pensamento.

Cuidado com suas lógicas. [...] Chega de jogos da linguagem, de

artifícios da sintaxe, de prestidigitações com fórmulas”. Também

balbucia, tartamudeia, murmura, sussurra uma fonética estrangeira,

uma espécie de convulsão própria da língua que não encontra mais sua

linearidade no clássico modelo de introdução, desenvolvimento e

conclusão acadêmica, convergentes para um fim.

Explode a organicidade enquanto estrutura fechada que

bloqueia os fluxos afirmativos das potências desejantes. Um corpo sem

órgãos triunfa! A palavra sai da relação de representar a ação e passa a

entrar na relação de produzir na própria ação como na proposição do

ovo mortalha. Transformações incorpóreas, “atributo incorpóreo: são

ditos, e só são ditos, acerca dos próprios corpos. São o expresso dos

enunciados, mas são atribuídos aos corpos” (DELEUZE; GUATTARI, 1997a,

p. 27). Nessa performance, já não importa a hierarquia do conteúdo em

relação à forma, nem os órgãos selecionados para o combate entre o

tigre e o dragão, muito menos que os movimentos sejam a expressão da

identidade dos sentimentos, tampouco a desenvoltura da apresentação

individual de cada mulher-bicho, visto que um corpo nunca está


68

definido pelo seu gênero, sua espécie e anatomia e, sim, por paradoxos

e intensidades (GIL, 2001).

Ao pensar o corpo, apenas, como um sistema funcional

essencialmente articulado de músculos e ossos que constituem o

esqueleto, tem-se a ação do corpo delimitada por macro gestos, isto é,

por gestos habituais originados de uma disciplina do corpo — como a

repetição mecânica infinita da mesma dança da bailarina — gestos

esses possíveis de serem determinados em sua significação,

funcionando em relação direta com a comunicação e informação verbal.

De outro modo, ao levar em conta o trabalho de José Gil (1980,

2001) sobre o corpo e sobre a dança, entende-se aquele diferentemente

do sistema articulado em que os membros encontram-se divididos e

conectados uns aos outros gerando movimentos. Aqui, o corpo é dotado

de uma quase-articulação (GIL, 2001, p. 90), de zonas inteiras de espaço

sem fronteiras precisas que interferem ou encaixam-se umas nas outras

de modo rizomático, garantindo sua mobilidade em gestos infinitos, sem

perímetros nítidos, acolhedores de variadas seqüências possíveis. Como

na perda de contornos e origem do movimento dos bailarinos de

Contact.

Contact Improvisation é uma dança que surgiu nos Estados

Unidos no começo dos anos setenta e que reúne experimentações das

artes visuais, música, performances, cultura de massa e dos discursos

filosóficos surgidos na Europa nessa época. É uma dança de contato


69

entre dois ou mais corpos, em que o movimento é gerado a partir da

escuta dos gestos surgidos entre os bailarinos, levando-os a um ritmo

conjunto em que cada um oferece o próprio corpo ao mesmo tempo em

que serve de sustentação ao outro (FARINA, 2005).

No Contact, acompanhar o ritmo de uma música não é

prioritário. Por vezes, dança e música compõem séries divergentes. O

que importa é o arranjo das energias que circulam entre os corpos

afectados de múltiplas formas e o modo como os bailarinos canalizam

essas energias em um continuum dançante coletivo, produtor da vida

nas suas intensidades. Como no Contact, a escrita que dança também

se faz da composição de variados elementos. Corpos e incorporais,

quando imantados, deslizam uns sobre os outros. Movem-se juntos,

entregando-se ao baile, desenhando um plano de consistência.

O tigre e o dragão em revoluções microscópicas. Um encontro

spinozista entre corpos formados de elementos duros, brandos e fluídos

em relação de velocidade, bem como de repouso dos movimentos

atravessados por mil correntes de tensões. Ora movimentos ritmados;

ora o desabamento brusco no plano de imanência, fazendo variar

gestos, deslizando sobre o espaço até o infinito e irrompendo com

qualquer dança de passos científicos presos à identidade. Muito menos

para técnica motriz do que para uma espécie de força vital em

combinação no risco da experimentação.


70

Conatus (SPINOZA, 2002), que não visa à derrota do oponente mas

que favorece a permanência na existência, conservando sua natureza.

Potência natural dos seres de autoconservação. Força interna positiva e

afirmativa de duração ilimitada, intrinsecamente indestrutível, pois

nenhum ser, aqui, busca a autodestruição. Corpos atravessam-se,

misturam-se em um novo conjunto molecular, variando nas

formulações e expressos em um estilo povoado, ao mesmo tempo que

desértico. Não que os corpos permutem, passando a ocupar um o lugar

do outro. Apenas devêm: devir-tigre, devir-dragão.

É fato que o cineasta chinês Ang Lee e o coreógrafo Yuen Wo-

Ping utilizam recursos computadorizados para fazer, em O tigre e o

dragão, os atores voarem e andarem sobre a água. Ajudados por uma

equipe de vinte técnicos, os artistas fazem seus gestos e até lutam em

pleno ar. “É no cume que o percurso começa” (SERRES, 2004, p. 22).

Depois, os cabos são apagados do filme com ajuda de técnicas

computadorizadas, conseguindo, assim, justificar manobras anti-

gravitacionais executadas por seus protagonistas.

Quando as cenas fílmicas se atêm à decomposição de gestos

predominantemente orgânicos, tigre e dragão entram em variação,

executando uma dança acrobática que desprende o pensamento do

ritmo lógico previsível. Diz Carvalho (2002) que, no momento em que

ultrapassamos a mera construção técnica de um filme, fomos capazes

de gerar uma fabulação, um sonho, com tamanha força de contaminar

o escuro do cinema como uma peste. Há, então, a construção de uma


71

outra linguagem coreográfica, um agramatical do acaso, do inesperado

na multiplicidade dos corpos virtualmente dados em um espaço de

coexistências, onde tudo pode acontecer. Corpos transportados pelo

movimento planam no espaço. O peso do Sujeito não mais embaraça os

limites do que se põe a deslizar. É ele, na sua leveza de não-peso

impessoal, que produz movimento quando transformado em impulso

gravitacional. Invenção de um outro território para o corpo desejante em

liberdade.

Forças interagem: dos corpos físicos, dos não-físicos, dos cabos,

do cosmos transportando a dança em um continuum dinâmico. Quando

os cabos suspendem o corpo, é necessário suportar o inesperado.

Quando o corpo não pesa o mesmo que um organismo, os rastros de

seus movimentos compõem uma escrita singular. Mediante

estiramentos e flexões, a escrita se desnuda daquilo que é tido e

incorporado como o mais habitual no ato de escrever. A memória é

colocada em esquecimento na ação de escrever, tensionando a

consciência. Produz-se uma mudança de velocidade, uma oscilação de

intensidade, de modo que formas de perceber são alteradas.

Quando a escrita dança, diz mais do que apenas da sua forma

perceptiva de uma dada realidade. Situações experimentais favorecem

as sensações estéticas ou expressivas de modo que “o corpo todo

inventa” (SERRES, 2004, p. 17). Como no vôo sobre os telhados chineses:

“posso percepcionar os telhados [...] à noite e não ver neles mais do que

telhados, telhas, coisas cujo sentido não ultrapassa o estritamente


72

percebido [...]; mas posso também olhar [...] esses mesmos telhados e

ver neles toda uma série de outras coisas, de outros sentidos que me

fazem sonhar” (GIL, s/d, p. 23).

Existe alguma explosão na linguagem da significação quando o

movimento se equilibra sobre o desequilíbrio dançante. Corpo-bicho

(CLARK, 1980) pulula em um atletismo afetivo (ARTAUD, 1986)

desprendendo-se dos organismos segundo exercício de

desestratificação. O que nele se move não é da ordem do voluntário.

Algo o põe a vibrar. Agitação com as intensidades cósmicas em que

cada guerreira constrói o seu próprio estilo de ligação à Terra: gagueira

dos pés, estrangeirismos das mãos, sopro do ventre, delírio muscular

em espasmos de expressão.

Há uma dimensão educativa que reside no exercício de escrita,

pela sua capacidade de alterar o pensamento tanto daquele que escreve

como do seu leitor. Conjugações de práticas oriundas de afecções, tanto

artísticas como filosóficas, intervêm no âmbito institucional deslizando

sobre a escrita acadêmica, metamorfoseando-a ao servir-se de suas

estruturas lingüísticas de modo a alcançar outros propósitos, diferentes

da instrução e da regulação do vivido na experimentação do escrever.

Dependendo do tipo de agenciamento realizado, alterações perceptivas

são favorecidas, assim como tais alterações auxiliam no arranjo potente

de variadas coisas e idéias. Esse movimento incessante possibilita a

perda do eixo de equilíbrio do corpo experimentador. Novas imagens são

produzidas e articuladas através da escrita, que é convidada a dançar.


73

Diversos elementos são capturados do cotidiano e reunidos em

uma escrita. Menos um exercício voluntário que de violação da vontade.

É através da reunião dessas diversas coisas e idéias que povoam o

cotidiano, do modo como afectam e da maneira como essa afecção é

tratada, que a escrita dança. Os modos como se percebe algo é matéria

e meio através do qual as novas paisagens são construídas. Coisas e

idéias são capturadas em um agenciamento. Diante da impossibilidade

de representação da realidade, o exercício que arranca perceptos da

percepção distancia-se da abstração e passa a exigir mais da ação

cognitivo-sensível, atentando, em conjugação com os estados de devir

suscitados pela experimentação, para aquilo que se passa nos corpos e

entre eles.

Levando em conta a Filosofia da diferença de Gilles Deleuze e

Félix Guattari, os perceptos produzem visões ou vidências, intensidades

do sentido como contemplação pura. São como paisagens sem sujeito,

desprendidas de qualquer determinação espacial e temporal de modo

que possibilitem ao artista ou escritor, a exemplo de Melville (2003) com

perceptos oceânicos e Virgínia Woolf (s.d.) com perceptos urbanos,

fazerem parte dessa paisagem ao se converterem em pura

contemplação, devindo ao mesmo tempo com o mundo, devindo

contemplação.

O percepto envolve coisas, objetos, caras, perfis, trocas

incessantes entrevistas mediante uma paisagem. Não é mera percepção,

captação daquilo que o olho vê e fabrica como ordem de convenções e


74

opiniões resguardando-o das forças do caos. Mais da intensidade do

tempo em estado puro que faz circular uma corrente de ar ao dar

entrada a um pouco de caos livre, colocando a arte em relação com a

não-arte e a escritura com a não-escritura. Uma arte ou escritura que

se compõe de sensações, é habitada por perceptos e afectos em

constante relação.

Quanto aos afectos, eles já não são sentimentos ou afecções,

são os componentes de um atletismo afetivo não-humano, senão clínico,

de velocidades e trajetos, de um devir impessoal: um devir não-humano

do artista ou do escritor em que não se distingue o capitão Ahab da

baleia Moby Dick (MELVILLE, 2003). Da mesma maneira que Gregor, na

metamorfose de Kafka (2003a), devém inseto não por imitação, senão

arrastando a zona de indeterminação que escapa à diferenciação de

gêneros, ordens e reinos. Sendo assim, o afecto remete a velocidades

que arrombam o fechamento determinado previamente para as

identidades.

Algo se produz na reunião de coisas e idéias, com efeitos sobre

os modos de escrever e de viver. Por vezes, tais efeitos fazem desabar o

conjunto e, por outras, traçam uma fuga em movimento na dança.

Tendências não-excludentes uma à outra, mas que se imbricam na sua

proliferação, em um movimento de vai-e-vem: desabamentos extraem

fugas como no contact e fugas extraem desabamentos como a bailarina

da caixinha de música. Os rastros destas linhas de movimentos

escrevem diversas e infinitas coreografias: Experiência estética


75

desterritorializante que move a vida no abalo dos órgãos, sem um eixo

definido sobre o qual o corpo mantém seu equilíbrio, produzindo

alterações sensíveis.

Como é impossível viver em estado de desequilíbrio permanente,

a experiência estética, além de desabamentos, vem prenhe de vontade

de forma, geradora de um novo equilíbrio diante da desestabilização,

reterritorializando modos de viver. Contudo, os movimentos produzidos

no corpo, oriundos das afecções de elementos diversos reunidos em um

agenciamento, não correspondem apenas a uma dimensão estética. Eles

são também éticos e políticos, visto que atuam sobre princípios de ação

e critérios de referências daquele corpo que vivencia a experimentação.

Deleuze com Guattari (1999) diz que inventar um corpo

intensivo, um corpo sem órgãos, é um exercício, uma experimentação

inevitável diante da impotência da palavra pesada que fixa movimentos.

Um criador estético, seja ele dançarino, músico, cineasta, artista

plástico ou escritor, sempre compõe a obra através das forças que o

convocam. Um trabalho da sensação em que a obra é um plano de

composição de matérias que penetram na sensação, que se deixam

habitar por ela, fazendo-se expressão da experiência intensiva. Uma

obra de arte se define como um bloco de sensações (DELEUZE; GUATTARI,

1996), um ser de sensações, um composto de perceptos e afectos que

encontram expressão nas mais diversas matérias, a partir da ação

criadora de um corpo.
76

Todo esse deslocamento, essa mudança de perspectiva é fruto

do pensamento sensível como experimentação, favorecendo o encontro

da arte com o saber científico em um bailar de forças. Forças ativas e

potentes movem-se por contágio do corpo de uma na outra.

Individuações por hecceidades no poder das afecções, na capacidade de

afectar e ser afectado, na manutenção da vida produzindo diferentes

arquiteturas biológicas: ovo mortalha, em que o corpo não mais se

encontra preso aos sinais na couraça camuflada, aos códigos das garras

estiradas, ao símbolo do fogo saindo pela boca, ao ícone da cauda

embalada pelo ar.


Um livro tomado

Não voltou para conferir. Um som indefinido e surdo foi o

bastante. Mais tarde, outro. Algo se confundindo com murmúrio de

conversação. Quem fala? Ninguém fala. No entanto, algo se conserva em

tudo o que é falado. Já não importa conhecer os elementos ao certo.

Apenas saber que a casa tinha sido tomada e novamente tomada e

outra vez tomada e, e, e ... Parece que o movimento começou pelos

fundos. Antes mesmo, viviam protegidos dois irmãos por lá. Diziam que

eram felizes entre a lida diária, o tricotear e a leitura. Agradava-lhes

olhar tudo arrumado, asseado e organizado. Nem o pó sobre os móveis

se mantinha. Apenas as recordações num cheiro de naftalina pairando

no ar. Bem mais naquelas de família. Todavia, estamos em casa

(DELEUZE; GUATTARI, 2002, p. 116) — garantia o narrador-irmão (CORTÁZAR,

1986). É certo que já não era a mesma casa ampla e satisfatoriamente

dividida como no início. A porta de carvalho havia sido lacrada,

impedindo o acesso aos fundos. Mesmo assim, nada impedia que fosse

tomada novamente. Sempre em um outro lugar. Depois mais outro,

ainda. Pensavam ter eliminado forças vindas não se sabe de que

natureza: do caos, terrestres, cósmicas?! Há sempre algo que invade,

que arromba, que faz proliferar. Linhas de todos os tipos que até podem

sair do útil tricô de lã feito por Irene. Um tecido, um traçado, um

trajeto. Componentes de passagem e também de fuga.


78

Um livro de Deleuze com Guattari1. Antes O Anti-Édipo. Tratado

de filosofia, só depois da ruptura. Grande nômade deserta dos códigos,

dos territórios e dos estrados (EWALD, 1991). A escrita é tomada. Algo

brota de muitas direções. Encontros. Corpos e incorpóreos. A casa da

filosofia tradicional é arrombada violentamente pelo meio: um , dois e

outros. Mil, milhares, muitos. Onde começa? Onde termina?

Apenas um corte territorial que faz parar conservando a

instabilidade e provisoriedade. Quinze platôs2: minimizar efeitos

produzidos pela organização em capítulos. Capítulos: deter pontos

culminantes e conclusivos no texto de modelo arborescente.

Hierárquico. Árvore presa à metafísica e à teologia. Tronco sustentado

pela lógica. Ramificar sobre o mundo das coisas. Ética e política do

juízo. Vida eterna, Deus, dogmas e alma pecadora.

Platô: zonas de variação contínua. Torres. Vigiar. Sobrevoar

regiões. Emitir signos. Comunicar uns com os outros. Construir.

Repisar linhas duras tradicionais na filosofia. Conjugação. Retomar e

repetir. Busca de ressonâncias entre planos distintos. Há sempre uma

região conceitual sendo desenvolvida. Repertório temático orienta o

1
Mil platôs foi a terceira publicação realizada juntamente com Guattari em 1980. Anteriormente, em
1972, havia sido concluída a escrita conjunta de O anti-Édipo e, em 1975, Kafka: por uma literatura
menor. O primeiro e o terceiro livro formam uma dupla de tomos acerca da temática Capitalismo e
Esquizofrenia.
2
Gregory Bateson serve-se dessa palavra “para designar algo muito especial: uma região contínua de
intensidades, vibrando sobre ela mesma, e que se desenvolve evitando toda orientação sobre um ponto
culminante ou em direção a uma finalidade exterior” (DELEUZE; GUATTARI, 200, p. 33). De outra
maneira: “Bateson denomina platôs as regiões de intensidade contínua, que são constituídas de tal
maneira que não se deixam interromper por uma terminação exterior, como também não se deixam ir em
direção a um ponto culminante” (DELEUZE; GUATTARI, 1999, p. 20).
79

desenvolvimento do platô. Não organiza. Produz conceptos (DELEUZE;

GUATTARI, 1996).

Imagem dogmática do pensamento é colocada em suspensão.

Não existe oposição de contrários. Nem respostas verdadeiras. Um tanto

não é mais suportável dizer. Inventar língua estrangeira na própria

língua. Nada que se prenda à homogeneidade semântica, sintática ou a

qualquer outra “ática” científica. Outras linguagens para a filosofia.

Diferença. Filosofia da diferença. Apropriar idéias existentes. Reutilizar

termos de variados campos de conhecimento, deslocando-os de

acepções fixas. Desarraigar procedimentos filosóficos de seus territórios.

Reterritorializar nos vários platôs.

Estilo: “Não escrevo nunca deixando de pensar no estilo”

(DELEUZE; PARNET, 2001)3. Não mais ater-se à análise e à argumentação.

Menos fluidez e coerência. Elas vêm sempre depois. Nunca igual. Outra.

Língua balbucia, abala sintaxe. Livro de muitos estilos. Um: mais

manifesto — Introdução, Rizoma. Dois: prioritariamente feroz e irônico

— 1914, Um só ou vários lobos? Três: preferencialmente satírico —

10.000 a.C., A Geologia da Moral (Quem a terra pensa que é?).

Mas não é somente isso! Heterogêneos agenciados dizem da

ciência, assim como da arte e da própria filosofia. Conjugação inventa

um estilo de escrita da diferença. Levar ao limite. Cria em seu idioma

uma língua estrangeira. Por vezes, uma espécie de música. Por outras,

uma fabulação. Escrita provocativa dos julgamentos de todo tipo.

3
S de Style [Estilo].
80

Literatura bastarda rotula a Crítica sem clínica. Que mal carrega o

menor quando em relação com o maior? Falem o que quiserem.

Carreirinhas de blá, blá, blá. Bem mais vigoroso é gritar, murmurar,

gemer. Orgasmo que nunca finda na gagueira do desejo. Uma longa

preparação até o agramatical.

Livro filosófico feito de múltiplos estratos que se deslocam, se

mexem, indo de um platô a outro. Desconjutar o conjunto estruturado

em partículas delirantes. Correria para todos os lados. Algo se solta.

Voltam para se juntarem em um ponto imperceptível. Nenhuma

predileção por unidades de sentido. Tampouco precedência na

construção de universo autônomo de significação. Constantes

cruzamentos. Linhas entrecruzadas precipitando o sobrepujamento das

fronteiras.

Fios são trançados. O trabalho de Irene: tece e destece, destece

e tece. Segmentos enredados em teia como na partitura de Bussoti

(DELEUZE; GUATTARI, 2000). Há um devir que se desenvolve no meio, entre

os diversos níveis relacionados, fazendo brotar e proliferar a escrita:

psicanálise com tratados taoístas chineses (DELEUZE; GUATTARI, 1999)4;

literatura com pedagogia para crianças autistas (DELEUZE; GUATTARI,

1999)5, geologia com modelo carcerário (DELEUZE; GUATTARI, 2000)6. É

4
Platô 6: 28 de novembro de 1947 – Como criar para si um corpo sem órgãos.
5
Platô 8: 1874 – Três novelas ou “O que se passou?”.
6
Platô 3: 10.000 A.C – A geologia da moral (Quem a Terra pensa que é?).
81

assim que o evento cintila, fulgurando como um raio (DELEUZE; PARNET,

2001)7.

Máquinas e enunciados são conectados. Funciona? Não mais

um jogo de opinião ou leviano acompanhamento da “onda” das obras-

primas da contemporaneidade. É o modo de conexão que “proporciona a

maneira de eliminar os corpos vazios e cancerosos que rivalizam com os

corpos sem órgãos; de rejeitar as superfícies homogêneas que recobrem

o espaço liso; de neutralizar as linhas de morte e de destruição que

desviam a linha de fuga” (DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 223).

Fazer ressoar com aquilo que encontra. Composição com outros

escritores, músicos, pintores, filósofos, sociólogos. Quiasma de vetores.

Nunca cópia ou imitação. Uma invenção em que os conceitos

desenvolvidos não se referem às palavras exclusivas, nem possuem

relações únicas e diretas com elementos aos quais se relaciona.

Também não são passíveis de serem decifrados por representações

mentais. Delimitação. Descapacitar a abstração. Desobediência às

regras. Reencantar o concreto.

Existe alguma necessidade, uma estranheza que se impõe na

medida em que cada conceito responde a variados problemas, em que

“um conceito é uma heterogênese, isto é, uma ordenação de seus

componentes por zonas de vizinhança. É ordinal, é uma intensão

presente em todos os traços que o compõem” (DELEUZE; GUATTARI, 1996,

7
Z de Ziguezague.
82

p. 32-33). Nada de idéias gerais. Inútil perguntar pelo seu significado. O

que importa é o uso que dele é feito.

Nos platôs, existe o traçado de um mapa de circunstâncias. O

que é dito é sempre referente a algum acontecimento: “É por isso que

cada um tem uma data, uma data fictícia, e também uma ilustração,

uma imagem” (DELEUZE, 1991, p. 116): 1914 é ano de guerra e também o

término do tratamento do Homem dos lobos com Freud; 1947 é o ano

em que Artaud desenvolve o corpo sem órgãos; 1874, o momento em

que Barbey d’Aurevily teoriza a novela. Em 1927, dá-se a morte de

Genghis Khan e, em 1923, foi emitido o decreto da nova moeda na

Alemanha.

Datas relacionadas a eventos. Conjunto de situações. Não estão

dispostas em ordem cronológica. Não remetem a um calendário linear e

homogêneo. Quanto às ilustrações: fotos, desenhos, pinturas. Elas

encontram-se localizadas logo abaixo do título concedido a cada platô,

seguidas de uma legenda. Legendas: Suscitam a composição realizada

entre a ilustração e o texto. Mil platôs “é um livro ilustrado” (DELEUZE,

1991, p. 116) não como os livros clássicos de História da Filosofia, mas

enquanto uma pop’filosofia, que reúne sons, cores e imagens.

Em Mil platôs, existe uma longa lista de dualismos. Vai do

individual/coletivo, sedentário/nômade, centralizado/segmentário,

rosto/cabeça, macro/micro, árvore/rizoma, identidade/multiplicidade,

paranóico/esquizofrênico, uno/múltiplo, organização/corpo sem

órgãos, massa/matilha, estriado/liso, molar/molecular, entre tantos


83

outros. No uso de um pensamento filosófico tradicional, o par

conceitual pode ser visto como um dueto de rivais em que um lado se

veste com roupagem de bom e o outro se apresenta como ruim. Bem ao

modo de um exercício hierárquico que coloca o melhor e o pior em

patamares diferentes, operando na ordem da superioridade e da

inferioridade.

Entretanto, sob efeito de um pensamento fugidio, o que tinha

pose de contrário, adquire movimentos de entrecruzamentos, de deslize,

de intercomunicabilidade. Com essa estratégia, Deleuze e Guattari

escapam ao formalismo binário, rompem com o par Uno-múltiplo,

somente assegurando o que lhes é preferido, sem excluir a existência

daquilo que contém e do que está contido em um conjunto e no outro.

Pontos privilegiados são anulados em prol de linhas contínuas a serem

percorridas em movimento de vai-e-vem, sem ocasionar paradas em

alguma posição. Agitação de travestismo entre duas faces

intercomunicáveis e inseparáveis, em que, “não basta um espaço liso

para vencer as estrias e os constrangimentos, nem um corpo sem

órgãos para vencer as organizações” (DELEUZE, 1991, p. 123).

No livro tomado, diferentes porções conceituais adquirem outro

arranjo. Opostos tradicionais não são mais do que tendências que se

interpenetram. Elementos constituidores de um dualismo não são

elementos separados por fronteiras, não formam termos isolados que

competem entre si, nem se opõem como dois modelos. Eles estão
84

sempre propensos a se transformarem um no outro. Ou, ainda, em uma

derivação no seu encontro.

Entranha. Penetra. Embrenha. Mete. Qualquer máquina molar

abarca molecularidades. Em toda palavra de ordem, existem senhas e

vice-versa. Não há opostos nos dualismos do livro tomado, “mas um

único e mesmo agenciamento maquínico que produz e distribui o todo”

(DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 48). Permanece um combate entre os

elementos duais, não como uma batalha sangrenta que determina

vencedores e vencidos, mas como um jogo de forças que envolve vetores

que se cruzam, se anulam, se somam na afirmação territorializante,

desterritorializante e reterritorializante de modos de estar no mundo. “É

o imenso dualismo desse texto que permitiu [...] reunir os pedaços

desconexos, o corpo despedaçado das ciências atuais, em uma atividade

teórica coerente, mas propriamente interminável” (JAMESON, 2000, p. 383).

Interminável pelo fato de os elementos de um dualismo não se

esgotarem em si próprios. Eles se multiplicam, formam rastros,

promovem ecos a partir da junção dos heterogêneos que antes pareciam

apenas partes de um conjunto disjunto e incoerente.

Em toda a obra deleuziana, há um trabalho filosófico que

consiste em instigar a produção de um outro pensador, diferentemente

do que tradicionalmente se havia instituído como um Sujeito racional

que, por direito, busca a verdade, que aposta no pensamento dogmático

da razão e nos seus instrumentos reguladores da representação e da

identidade. O pensador que, desde Kant (1974), era definido por um


85

sujeito proprietário que persegue por direito a verdade, é dito como

pertencente a uma imagem dogmática e racionalista de pensamento.

Pretendendo combater tal idéia, Deleuze e Guattari, em Mil

platôs, praticam um pensamento sem imagem em que o pensador passa

a ser aquele que capta as determinações essenciais da matéria e da vida

no encontro com os signos daquilo que o força a pensar, desviando-se

de um modelo de juízo. Há aí um esforço incondicionado de transpor as

fronteiras daquilo que é repisado no pensamento, arrastando-o até

novos horizontes que não podem remeter o próprio pensamento ao mero

campo de experimentação calcado em um desenho transcendental

apriorístico.

O livro tomado de Deleuze com Guattari tem, na experiência real

e circunstancial, no plano imanente que põe o pensamento a pensar, na

diferença produzida nos arranjos realizados, a potência de um

pensamento sem modelo, nômade, singular, sem base na totalidade

nem nas aspirações à universalidade. Pensamento que deixa

prioritarimente de elencar, classificar e ordenar o conhecimento.

Pensamento que não se vincula à convencionalidade, aos clichês, às

opiniões pessoais, às perguntas que contêm suas próprias respostas

implícitas, às fórmulas repetidas e irrelevantes; senão que se vincula

aos processos, às diferenças, às multiplicidades, às variações,

promovendo, assim, relações entre o pensamento e o devir,

transformando o próprio pensamento em um devir, em uma máquina

produtiva. E ainda a inversa que dota o devir, saturado de afectos


86

intensivos e de percepções agudas, de um pensamento filosófico,

político e estético, de modo que possa criar acontecimentos para as

novas condições de vida.

Diz Deleuze com Guattari (2000, p. 33) que “escrevemos este livro

como um rizoma.”. Nessa perspectiva, a escrita está fortemente

relacionada com o exercício do pensamento, sendo o pensamento

sempre rizomático. O rizoma é o pensar imanente das multiplicidades,

dos processos que as cercam, das conexões e dos blocos que aí se

produzem em uma busca nômade que se traça sobre o deserto a ser

povoado sem ser ocupado nem fragmentado. Quando se trata de uma

escrita rizomática que torna imperceptível aquilo no qual faz agir,

experimentar e pensar, tem-se aí um programa construtivista que

envolve singularidades, devires, acontecimentos, circunstâncias, zonas

de intensidade contínua, forças e vetores tanto territorializantes, como

desterritorializantes.

Diferenças são produzidas nas determinações habituais, nas

práticas de recognição e identificação em que estamos encarcerados,

estreando novas possibilidades vitais por meio da ação de escrever.

Expressão não mais descreve ou representa conteúdo. Intervenção de

um no outro com suas respectivas formas não-fixas em um

agenciamento maquínico, de corpos, de ações e de paixões (DELEUZE;

GUATTARI, 1997a). Nunca há garantias de um bom encontro. Pelo

contrário, existe também o risco de produzir um efeito de estagnação,

vedante do movimento de abertura coletiva e de consistência do


87

conjunto. E “pode acontecer que processos inovadores, para se

desencadearem, precisem cair num buraco negro que faz catástrofe”

(DELEUZE; GUATTARI, 2002, p. 148).

Com tudo isso, coexiste algo potente para a pop’escrita

acadêmica educacional, capaz de desenraizar os enunciados do verbo

ser, destituir a essência no pensamento, estremecer a interpretação,

abalar qualquer necessidade de pontos explicativos localizáveis.

Estranha inquietude na escrita acadêmica educacional com função

agenciada, compondo ela mesma novos agenciamentos: movimento de

engastes e desengastes. Não mais na utilização de um modelo árvore em

que sempre folhas estão caindo e novos galhos nascendo, “não há uma

boa forma ou uma boa estrutura que se impõe, nem de fora nem de

cima, mas antes uma articulação de dentro” (DELEUZE; GUATTARI, 2002, p.

139) que intensifica a agregação de elementos naquilo que faz motivo e

contraponto para a constituição da consistência, para a reunião das

forças do conjunto.

Não se trata de uma simples junção de heterogêneos ou de um

ato de convivência tolerante. Elementos agenciados em uma pop’escrita

acadêmica educacional são tomados enquanto uma verdadeira ópera

maquínica, em que o território nunca é separável de certos coeficientes

de desterritorialização e vice-versa. Quando uma escrita é tomada por

encontros e conjunções imprevisíveis, um tanto se põe a vazar:

identidade, reconhecimento, representação, racionalidades puras,

arremedação de algo anterior, leis de funcionamento, idéias


88

centralizadoras, opiniões. Adeus às verdades prévias, adeus à realidade

objetiva! Outras relações se fazem possíveis. Já não se trata de buscar

as raízes de uma existência, nem as origens de um pensamento.

Tomada foi a casa. D. “Você teve tempo de trazer alguma coisa?”

(CORTÁZAR, 1986, p. 18) Onde estamos, onde estamos? Viagem imóvel.

Geografia. Mapa remanejável da vida. Cartografia.

Nessa perspectiva, escrever também é contar do que se passa no

percurso: das linhas que se cruzam, das forças que se conjugam.

Viagens por meio das quais arranjos são constituídos pondo em relação

os lugares, as coisas, os personagens. Língua distendendo-se em uma

ilimitada paisagem. Curva do rio. Chuva. Trilhos de trem. Buracos.

Pisadas dos pés. Desgrudar da paisagem representativa. Expandir.

Agudizar outros sentidos. Pensamento movente.

Embale o dorso em um único enrosco. Levante a cabeça como

boa cobra. Arregale as vistas de lagarto. Abra o peito de macaco

esticando os braços. Bom suspiro melhor respira. Tímpanos

esbugalhados capturam vozes difusas. Modo em variação de habitar a

casa. Estilos de existência. Novamente a casa. Nunca reconhecida e

nem reconhecível. Indo sempre para casa, mesmo sabendo que não

existe ponto fixo de chegada. Retornar sem voltar. Quando se parte,

também se regressa. Eterno retorno. O que volta, volta alterado.

Estrangeirismo. Terra de um povo por vir.

Algo inédito impõe-se na invenção, expressando possibilidades

imanentes de uma vida. Experimentar na ação. Nada de certezas sobre


89

qual caminho ainda seguir. Você ainda quer ser guiado? Que te avise

dos perigos por vir? Que faço aqui?! Confiança... Uma intensa solidão

povoada. Caminho acompanhado com... Deslocar. Relançar. Montar.

Produzir. Colar, não funciona. Estéril. “É uma questão de consistência”

(DELEUZE; GUATTARI, 2002, p. 133). O pensamento remetendo à vida. Não

pensado. Signos fecundos. Selecionar. Juntar. Reunir. Crescer.

Proliferar. Menos evolucionismo. Rizoma.

“Ratos são rizomas” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 15). Não há

lugar onde não se consiga enfiar. Percorre formas de expressão.

Múltiplas cores, cheiros, sons e gestos. Agenciamentos musicais em

torno da fogueira. Tricolejar extraído das cordas dos corás e das teclas

dos balafons. Dança sob a luz das estrelas de mãos dadas com os

pigmeus. Louva aos muitos deuses da natureza. Para o rato, nenhum

lugar é inacessível. Sem roteiro, passa entre as coisas em

multiplicidades transformacionais. Em Ifé: imperceptível presença nos

rituais secretos em homenagem aos orixás. Cruza desertos. Explora

tumbas onde repousam múmias. Percorre aldeias espalhadas pelas

savanas. Salta de árvore em árvore, desenhando inúmeras conexões.

Oscila entre estratificações e rupturas. Por vezes, cai em algum buraco

negro distribuído no rizoma. Bem aí mora a morte.

“Viajante incansável, o rato segue as caravanas de camelos dos

povos nômades. Espreme-se embaixo das tendas e ouve atentamente os

segredos murmurados por homens e mulheres” (BARBOSA, 2002, p. 24).

Realiza distinta escrita sobre a fome, guerras e doenças. Para isso, não
90

lhe basta justa gramática. Em movimento, uma outra política.

Ajoelhado, reza em direção a Meca. Pede proteção a todos aqueles que

aprendeu a amar. Coloca em jogo suas crenças, sua língua, seu

pensamento. Intenso repertório das sensações. Há de todo modo

tensões. Faz soar a realidade, a verdade e o saber de outra forma.

Incompreensível às normas. Rói as ordens despotencializadoras. Cava

brechas. Destitui o lugar das certezas.

Sem lei, sem rei. Curioso e aventureiro, bem como embaraçado

e atordoado. De orelha em pé, captura signos e slogans. Incansável

explorador de tesouros ocultos e de símbolos indecifráveis. Um rato.

Percorre roteiro inventado no movimento contínuo de encadeamento do

diverso. Penetra em mesquitas suntuosas. Clandestino de ritmo ágil.

Vagueia. Espia. Tateia. Perambula. Rasteja. E depois... Parte em direção

às novas aventuras nas águas barrentas do gigantesco rio Níger. Os

trajetos se multiplicam. Aumenta o número de conexões. Há muito para

contar do que viu e ouviu. Não há demarcação daquele que enuncia.

Múltiplas vozes dizendo do indizível.

Já não importa o conhecimento adquirido na viagem, mas o

desconhecido experimentado. Coleciona as linhas percorridas. Infinitas

linhas. De todas as cores. É o vento, quando sopra, quem revira e

arrasta os fios. Empreendimentos de desestratificação. Fabulações são

espalhadas pelo cosmos em devir-rato. Por aqui e por ali, “o

agenciamento já não apresenta expressão nem conteúdo distintos,

porém apenas matérias não-formadas, forças e funções


91

desestratificadas” (DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 220). Uma outra escrita

não habitante da mesma forma. Inesgotável na sua pop errância vital.

Prolonga contínuos de intensidade ao mesmo tempo em que é

inseparável dos vetores de reterritorialização.

Há algo de qualquer metamorfoseando-se em palavras

Quando não é possível ficar calado

Também naquilo que não quer escrever

Retruca um incômodo

Turbilhão confuso

Goza tipo de coceira nas mil poéticas nômades.


Casal mal dito: questão de estilo

Tim-Tim: Copos em estalidos brindam a cólera do casal. Breve

festejo de delírios espasmódicos. Há muito pano pra manga entre

quatro paredes conjugais. Por vezes, a ladrilhar o caminho com

pedrinhas de brilhantes para o meu, para o meu amor passar. Nos

descaminhos, as pedrinhas de brilhante servem para cutucar, até

cansar, o bicho antes amarrado nas virilhas. Corcoveia até não mais

parar em pé. Jogado ao chão, ainda o cachorro enfurecido vem para

morder por todo lado. O programa se sucede no tilintar dos copos, no

maneio racional da modernidade ao DR1. Doma quem enuncia, é

domado quem é enunciado.

Glut, glut, glut: bebe um pouco mais o casal; contudo, “não

procura o último copo, procura o penúltimo copo. Não o último, pois o

último o poria fora de seu arranjo, e o penúltimo é o último antes do

recomeço no dia seguinte” 2. Jorge Lima (apud NASSAR, 1996, p.24) diz

que, “há sempre um copo de mar/para um homem navegar”. Em

paralelo: Um copo de cólera (2002) — escreve Raduan Nassar sobre um

casal desejando formas ondulantes durante a navegação no copo-

campo de forças. É sempre no último gole bebido que a cólera explode,

quando não mais suportam aquilo que acreditam ter visto, escutado,

sentido, pensado. A força da cólera em um copo: “Vamos pôr grito


1
DR: discutir a relação.
2
B de Beber.
93

nesse rito” (NASSAR, 2003, p. 68)?! — Sempre uma questão de estilo na

literatura que perpassa a vida!

Em uma aula que trata da produção de estratos sobre o corpo

sem órgãos, disse Gilles Deleuze (2005)3 que: “Na relação conjugal, tem

esta máquina de interpretação [...], esta máquina onde tudo quer dizer

algo [...], se exclui todo direito à a-significância, tudo tem uma

significação e nada a-significante se pode fazer”. Ora, sempre aparece

aquela perguntinha clichê que quer saber, quer revelar, bem como, quer

traduzir. Primeiro do tipinho “que que você tem?” (NASSAR, 2002, p.10),

pergunta ela, quebrando o silêncio de quando o sol se põe no cotidiano

sendo empurrado ao seu limite. Bola de fogo deslizando no céu perde

sua obviedade; astro rei movente em efeito de estranheza no ardente

cenário. Há beleza e também assombro: E se aquela bolota lá em cima

incendiar o cosmos?

Uma espécie de pesadelo toma conta do “pensamento solto na

vermelhidão lá do poente” (NASSAR, 2002, p.10), pensamento que vê o que

o olho não alcança. Percepção em devir, em que a “‘percepção’ não é

mais um estado de coisas, mas um estado do corpo enquanto induzido

por um outro corpo” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 199). Nada relacionado

à maneira como se define um objeto pela representação do sensível no

encontro definido em forma de juízo e por princípios hierarquizados em

valores com a matéria, mas ao modo de ver enquanto potência da vista,

em uma nova mirada que envolve o até então invisível no visível, pondo

3
Aula de 14/05/1973.
94

o pensamento a pensar. A visão é alterada, interpelada, desconcertada

na acolhida do desconhecido que não cabe na vista pela intensidade

com que afeta. Nietzsche (2000, 2001, 2002) e seu perspectivismo!

Vedado o resfolegar, já se pode sentir a pergunta chegando

outra vez: “que que você tem?”. Máquina significante entupindo o corpo

sem órgãos no seu estado experimental, suprimindo todas as

possibilidades do delírio, de qualquer alucinação visual e auditiva.

Livres conexões maquínicas, fluxos e multiplicidades intensivas são

estancados, reforçando a constituição do organismo, demarcando os

limites do território existencial. Do Sujeito é esperado um único

enunciado habitante da fonte do dualismo: estou bem ou estou mal,

resignado ao real dominante do “ser”, sempre compenetrado pela

soberania de quem enuncia para, enfim, conceder clareza à verdadeira

compreensão sobre o pensar. Imputa a máquina cogito ao nível do

pensamento qualquer nomadismo (DELEUZE, 1985). Mas isso não é tudo!

Não conforme, a dona perguntinha porfia com o meloso e

espichado “o que foi?”, “mas o que foi?” (NASSAR, 2002, p.30). Desta vez,

diante do verde “bonito toda vida” (NASSAR, 2002, p. 10) das folhas das

amoreiras. Se antes coube à máquina significante suprimir todas as

possibilidades do corpo sem órgãos, repisando na determinação de um

significado, por ora, tal máquina arranjada com seu contingente, não

mais reconhece, confirma, averigua os signos emitidos pelas “malditas

saúvas filhas-da-puta” (NASSAR, 2002, p. 31). Há sempre signos que,

quando encontrados, produzem alguma violência.


95

Ora, já não era a Saúva e sua representação de inseto

formicídeo predador de plantas. Nem apenas a Puta, na sua

característica reputação duvidosa enquanto mulher da vida,

formalizada pelo regime significante. Mas um agenciamento: saúva-

puta-cerca rompida-“o que foi?”, ativando um traçado do desconhecido,

do imprevisível, do intempestivo. Esta linha de fuga está, desde

sempre, presente na potência da experimentação. Um plano de

consistência ou de imanência (DELEUZE; GUATTARI, 1996) é o que com ela

se traça, arrancando, das formas, partículas que se encontram em

estado de velocidade ou lentidão e, dos sujeitos, afectos que lhes

colocam em posição de individuação por hecceidade, favorecendo

desterritorializações.

Um copo de cólera (2002): Uma história do dia-a-dia, uma novela

familiar em narrativa relativamente curta e bastante densa,

expressando um fluxo ininterrupto da vida. Alguém espera outro

alguém chegar ao final do dia e hora de relaxar e transa e banho e café

e cólera e, e, e. De fato, há uma organicidade em encadeamento que

reúne o casal em uma totalidade previsível na coerência dos fatos.

Inclusive a cólera, também ela pertence ao campo do provável na

relação conjugal. Todavia, nessa mesma organicidade que repisa o

corpo sem órgãos em um estrato, existe alguma variação que não está

situada, predominantemente, nas ações desenroladas pelos

personagens, isto é, existe uma variação da linguagem utilizada na

escrita literária.
96

Dois estados de um mesmo procedimento literário. Um misto

do molar, na seqüência corriqueira das atividades de um casal, com

linhas moleculares de escrita, conectando, refletindo, desajuntando,

incluindo, “segundo um andamento irregular que concerne ao processo

da língua e não mais ao curso da fala” (DELEUZE, 1997, p. 125). A língua

gagueja nas proposições que compõem diferentes capítulos,

distanciando-se cada vez mais do equilíbrio linguageiro de efeitos

imperiais. Outras formas são produzidas na sintaxe, colocando-a no

limite da musicalidade, fazendo-a deslizar pelos enunciados

conectados.

Sintaxe diversa daquela que se atém à estabilidade da língua,

“uma sintaxe em devir, uma criação de sintaxe que faz nascer a língua

estrangeira na língua, uma gramática do desequilíbrio” (DELEUZE, 1997,

p. 127). A linguagem incha pelo sopro de uma única frase, de um único

parágrafo compositor de um mesmo capítulo. De capítulo em capítulo,

a escrita tumefada vai sendo levada à tão esperada cólera:

Transbordam as palavras, pura intensidade no esporro — “essas coisas

quando acontecem a gente nem sabe bem qual o demônio” (NASSAR,

2002, p. 30).

No entre da chegada e do banho, a cama. Ato político na

“geometria passional, tão bem elaborada por mim e que a levava

invariavelmente a dizer em franca perdição ‘magnífico, magnífico, você

é especial’” (NASSAR, 2002, p. 16). De enfiada, parece haver um certo

poder (DELEUZE; PARNET, 2001) agindo sobre os corpos, separando-os


97

daquilo que eles podem inventar. Mesmo no gesto aparentemente

harmônico das “mãos em palma se colando, os braços se abrindo num

exercício quase cristão” (NASSAR, 2002, p. 15), há restrição das efetuações

de potência pelo juízo do crucificado.

Se, no romance Lavoura arcaica (NASSAR, 2003), o patriarca

exerce domínio sobre a família, em Um copo de cólera (NASSAR, 2002), é a

vez do marido sobre a mulher durante o coito. Que se deixe embalar a

imaginação pela linguagem utilizada para dizer do envolvimento

ardente entre os corpos territorializados na cama, porém, não há como

negar a existência de “uma espécie de organização dos corpos que tem

toda uma jurisdição”, diz Deleuze (2005, p. 8)4. Quem é o ativo? Quem é

passivo? A quem pertence determinado corpo? Quem é pertencido?

Quem come e quem é comido? Na hora da picada, já não importa

responder a tais questões, visto que o interesse se volta para as

mutações qualitativas que operam na área da jurisprudência, aquelas

que passam sobre corpos.

Se, durante o sexo, o casal se arranjava em seqüências de ação

e reação, se engalfinhava de modo orgânico e a agitação dos corpos

obedecia aos clichês sensório-motores, agora, é na cólera que os

personagens estão mais entregues à linguagem que altera a situação de

diálogo conjugal. “Atrelado à cólera — eu cavalo só precisava naquele

instante de um tiro de partida” (NASSAR, 2002, p. 36) para desembestar a

unidade e o encadeamento, colocando a linguagem em corcoveio. Com

4
Aula de 14/05/1973.
98

isso, dá-se um desfazimento do romantismo e da cumplicidade como

qualidades essenciais de uma parceria. Há um devir-animal que excede

a capacidade de qualquer compreensão lógica racional pela DR.

Ora, “tornar-se animal é precisamente fazer o movimento, traçar

a linha de fuga em toda sua positividade, ultrapassar um limiar, atingir

um continuum de intensidades que não valem mais do que por elas

mesmas” (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 20-21). Já não lhes cabe qualquer

resposta e até mesmo perguntas no curso da discussão. Fluxos

movimentam-se, velocidades e lentidões modificam- se, pondo o traçado

de linhas em declive e obliqüidade. Jorram palavras desfeitas da sua

função de clareza comunicativa. Nenhuma forma impondo-se a um

conteúdo. Variadas orientações e conexões; movimento imprevisível e

intempestivo. Fluidez sem pontos fixos. Sonho no pesadelo mobilizando

outras forças no vivido, “onde todas as formas se desfazem, todas as

significações também, significantes e significados, em proveito de uma

matéria não formada, de fluxos desterritorializados, de signos

assignificantes” (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 20-21).

Na orientação teórica adotada, a escrita nunca se separa do

devir. Se, no pensamento filosófico da antiguidade, a operação de

“deixar de ser”, passando pelo “não ser”, era considerada inadmissível

pela necessidade de existência de uma ontologia das essências, aqui, na

ontologia deleuziana, a operação está voltada para “deixar o estado de

ser uma coisa para voltar para o estado de ainda não ser uma” (TADEU;

CORAZZA, ZORDAN, 2004, p. 152). Não se imita, nem se age como aquilo no
99

qual se devém. Não há transformação de A em B, nem existe um

produto final a ser alcançado, ao qual se deva ajuste. Não é possível

estabelecer correspondência de relações, analogia de proporcionalidade,

tampouco racionalidade para comparar uma estrutura à outra segundo

graus de semelhanças. O que se faz presente na escrita é simplesmente

um movimento de dupla captura, de evolução não-paralela, que designa

efeitos ao deixar passar algo entre dois ou mais entes, constituindo uma

diferença de potencial.

Em nenhum momento, esse tipo de escrita pode ser confundido

com o da escrita sobre os animais, sobre animais preferidos, sobre

qualidades, habilidades, gostos e costumes. Não é isso! “Há devires-

animais na escritura, que não consistem em falar de seu cachorro ou de

seu gato. É, antes, um encontro entre dois reinos, um curto-circuito,

uma captura de código onde cada um se desterritorializa” (DELEUZE;

PARNET, 1998, p. 57). Uma escritura não denota voz comunicativa para

algum animal. Nessa perspectiva, a escrita está mais voltada para os

modos como “um rato traça uma linha, ou como ele torce seu rabo,

como um pássaro lança um som, como um felino se move, ou dorme

pesadamente” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 89), inaugurando possibilidades

de vida em estado de conjugação. Sujeitos se esvaecem, não se

desfazem na sua materialidade, mas se dissolvem na organização

humana ao adquirir potência de animal. Um encontro não de

comunhão, de coisas em comum, mas daquilo que está entre os dois.

Muito mais uma “zona de indeterminação, de indiscernibilidade, como


100

se coisas, animais e pessoas (Ahab e Moby Dick, Pentesiléia e a cadela)

tivessem atingido, em cada caso, este ponto (todavia no infinito) que

precede imediatamente sua diferenciação natural” (DELEUZE; GUATTARI,

1996, p. 225). Movimentos de devir que nunca se esgotam, nem se

transformam nisso ou naquilo. Há, isto sim, o encontro entre sensações

em que algo passa de um corpo no outro em um indistinguível limite.

“Estava na cara que a coisa deslizava” (NASSAR, 2002, p. 48),

cólera agindo sobre o corpo, pondo-o em situação vibrátil de grau zero

na ação de afetar e ser afetado. Palavras perversas, inapreensíveis,

ininteligíveis. Nada que se aproxime de uma exigência que procura

decifrar. É de outra ordem a desordem: ela escapa de qualquer

apropriação, de qualquer captação apropriadora. Cólera em que o

corpo adota uma postura acrobática enquanto campo de

experimentação de uma outra razão, colocando em relação variados

incorporais, bem como afrouxando as funções orgânicas designativas

da percepção e do reconhecimento.

Escorre, perverte, seduz, corrompe a escrita. Diz Artaud (1986)

que as palavras que não afetam o corpo, não são consideradas mais

palavras, elas entram em fracasso quando deixam de dizer o indizível

do próprio corpo: “Eu já disse (e que tumulto!), estava era às voltas c’o

imbróglio, co’as cólicas, co’as contorções terríveis duma virulenta

congestão, co’as coisas fermentadas na panela do meu estômago, as

coisas todas que existiam fora” (NASSAR, 2002, p. 43). É quando a palavra

diz do indizível do corpo que ela sai da relação da representação e


101

passa a entrar em relação de produção de intensidades. Estado

vulcânico de traição das significações dominantes, espasmos de vozes e

de sons deslocam a vida da mesmice, efetuando diferenças sem

fórmulas, sem modelos, sem clichês. Pura sobriedade infame, ínfimo

ornamental, virgindade experimental.

Artaud (1986) escreve contra um sistema fechado de

organização, bloqueador dos fluxos afirmativos das potências

desejantes. Humor louco, devir-criança, delírio orquestrado, palavras-

sopros, palavras-gritos minam o uso ordinário da linguagem, fazendo da

escrita uma espécie de convulsão arrasadora dos preceitos normativos e

extensivos, em prol de um estrangeirismo na própria língua (DELEUZE,

1997). Esse outro corpo não tem necessidade de órgãos. Os organismos

são seus inimigos. Uma escrita contrária à interpretação da árvore

identitária, à imposição de um sujeito, de uma identidade, de uma

estrutura, de uma pátria, de um Estado, de uma família, de uma

conjugalidade.

Trata-se, antes, de pôr a vibrar o corpo das palavras,

construindo uma subjetividade sem sujeito, sem substância para,

assim, tocar a imanência. Artaud escreve e fala no uso de um

agramatical em Para acabar com o julgamento de deus (1986),

descolando a escrita de uma sintaxe e gramática regulativas. Raduan

Nassar também. Escritas passam por uma espécie de convulsão,

subvertendo aquela linguagem que precisa ter começo, meio e fim. Na

transmissão radiofônica da peça artauniana, há momentos em que ele


102

emite voz de criança; em outros, ele começa a inventar as próprias

palavras. Balbucios, gagueiras, gritos contra, contra a morte da vida

potente. Quando as palavras não podem mais dizer o que se passa no

corpo, inventam-se outras palavras para dizer do indizível que “eu mal

consegui dizer” (NASSAR, 2002, p. 49).

Com o propósito de desorganizar o sujeito uno, centrado, o

sujeito objetivo, da comunicação, da informação e da interpretação,

Deleuze e Guattari (1999) agitam potencialmente o corpo sem órgãos

artauniano. Desfazer o sujeito organizado nunca foi levá-lo até pulsões

de morte na sua vida, apenas, arrancá-lo dos seus pontos de

subjetivação fixadores de modos de viver numa realidade dominante.

Tais autores encontram no corpo sem órgãos aquilo que mantém o

homem vivo: desejo desejando desejar.

Nos fluxos de desejo, filósofo e psicanalista descobrem forças

potencialmente revolucionárias. Revolucionárias, não porque elas sejam

aquilo que a lei proíbe, senão porque, ao afirmarem-se, liberam

processos desarticuladores que levam por diante qualquer forma de

organização através de uma outra jurisdição. Desse modo, a cólera

deixa de estar em relação direta com uma forma imobilizadora. O que

lhe pertence é mais da ordem da variação e da mutação, do que de um

ato em que circulam palavras impositivas de uma única ordem. Pura

diferenciação! Muito mais do que apenas violência entre dominador e

dominado. Forças violentam o pensamento, fazendo passar uma

corrente de ar.
103

Mas toda potência pode ser potente demais para um corpo e ele

acabar não agüentando. É no platô seis, de Mil platôs, que Deleuze e

Guattari indicam que “um CsO é feito de tal maneira que ele só pode

ser ocupado, povoado por intensidades” (1999, p. 21). Todavia, é nesse

mesmo platô que os autores alertam para a necessidade de se guardar

o suficiente do organismo para que ele se recomponha a cada aurora,

sem deixar-se esvaziar em corpos puros, culposos, drogados,

paranóicos, reacionários e fascistas. Resíduos de órgãos auxiliarão no

combate a ser travado contra a organização, significância e

subjetivação que não cessam de se precipitarem pelo poder pastoral,

pelo poder político, poder educacional e pela própria cultura midiática,

entre tantos outros tipos de poderes.

É sobre o corpo sem órgãos que pesam e se exercem tais

movimentos duros. É sobre ele que, também, se exerce o juízo de Deus,

arrancando-o de sua imanência, identificando-o como um organismo.

O corpo sem órgãos oscila entre dois pólos: “sinto as mãos agora

poderosamente livres para agir, evidentemente c’um olho no policial da

esquina, o outro nas orgias da clandestinidade” (NASSAR, 2002, p. 56). De

um lado, as superfícies de estratificação sobre as quais ele é rebaixado

e submetido ao juízo; por outro lado, o plano de consistência no qual

ele se desenrola e se abre à experimentação. Sob um regime de signos

em composição com significantes supremos, o corpo pode vir a ser

regido, punido, adestrado pela escrita. Corpos condenados a repetirem

o ritual da conformidade atribuído pelo julgamento lingüístico. É o


104

deslocamento do corpo de um estado orgânico para um estado de

delírio vidente que permite uma experimentação da sensação,

adensando o desejo como atividade corporal.

Casal mal dito! Então, como dizer? — pergunta Samuel Beckett

(2004a). Como proferir, exprimir, explicar, relatar, referir, revelar,

demonstrar, denotar, prescrever, aconselhar, determinar, ordenar,

julgar, significar para ser compreendido e, talvez assim, afastar a cólera

restituindo o equilíbrio conjugal? Mas... Quem há de querer afastá-la?:

Sempre uma questão de estilo se impõe à literatura. Mas “não é

compondo palavras, combinando frases, utilizando idéias que se faz um

estilo. É preciso abrir as palavras, rachar as coisas para que se liberem”

(DELEUZE, 2000, p. 167) intensidades que habitam os acontecimentos

cotidianos que são de todo mundo, bem como não pertencem a alguém.

Para tal, há que exercitar um outro regime em que as palavras

não mais se relacionam apenas por encadeamento orgânico: matéria

imantar textos labaredas combustivas escapar sistema escrever.

Literatura roubar rigidez formalizações estratificar. Compor. Alquimia.

Desfazer estratos. Formas desestabilizar. Violentar pensamento

experimentar intensidades germinar diferenças. Reinventar linguagem

dizer sensações acontecimentos em seus interstícios. Nada de

representar a vida pela palavra, tampouco, de relatar emoções

subjetivas e articular uma língua organizada na boa gramática para

interpretar a realidade. Mais do que isso!


105

Agenciar com matéria-prima de escrita enquanto uma pura

matéria expressiva articuladora de heterogêneos. Há um movimento,

predominante, de vazamento de um território, em uma operação de

transversalidade em abertura para o fora da linguagem. Atos de criação,

invenção e improvisação — Nas tuas tragadas pensantes, acreditas que

existirá alguma fórmula com a qual poderás dizer dessa intensidade que

te revolve? Acreditas que são dadas palavras sagradas para nomear o

que te arrebenta? Bem sabes, isto sim, que não se trata apenas de dizer

de ti. Há, também, uma minoria criadora de um povo ainda por vir...
Funciona?

Conjugue, junte, conecte, anexe! Faça roçar, ranger, até rosnar

vale. Pode ser por violência, mas nem sempre é assim. Um apalpamento

com leveza, uma carícia, um afago, um toque sedutor também faz

passar entre. Misture uma pitada disso com um tico daquilo. E não se

esqueça de indagar: Funciona? Vá com calma para não botar tudo a

perder. Não se precipite. Não é de primeira que o arranjo se movimenta,

se bem que às vezes dá mesmo um clic que tira tudo de uma vez só do

lugar familiar. Com isso, o espanto. Terá de suportá-lo. É hora para

prudência. Um pavor bate naquele momento em que não mais

reconhecerá o filho de rosto redondo, de bochechas fartas e rosadas,

naquele retrato que agora é melhorado no uso do photoshop. Calma!

Não se imobilize quando descobrir que seu filho nem sequer tem

um rosto. Ele não é um boneco organizado como teimam em ensinar

por aí. Então, está mais para um monstro de várias cabeças? Isso

também não. Nada que se possa dizer: é isso ou aquilo, com precisão.

Lembra-se da Pentesiléia de Kleist (2003)? Do devir-cadela (DELEUZE;

GUATTARI, 1998, p.55)? Ela não virou uma cadela, não adquiriu rabo e

orelhas de canino, mas lutou até esfarrapar Aquiles como... Em estado

de cadela feroz, animalesca, em devir-animal.

Escrever é um caso de devir, insistiu Deleuze com Guattari

(1997, 1998), sempre se fazendo, mas nunca chegando a ser. Devir que
107

não cessa de repetir ou de retornar a diferença, de atualizar o empírico

como diferença. Com isso, não basta substituir um modelo de escrita

por outro, plagiar, copiar um estilo. Bem diferente é “achar, encontrar,

roubar, ao invés de regular, reconhecer e julgar” (DELEUZE; PARNET, 1998,

p. 3), tendo na arte do simulacro aquilo que manifesta esteticamente a

fabulação criadora da variação. Modelos fixos cedem diante do devir que

já não é do Eu, nem do Mesmo, nem da Identidade, senão do ser que se

desprega em mutações através do eterno retorno.

Sim, creio entender o que você está a dizer: que, por um outro

caminho, há um bocado de gente querendo incendiar a escrita

acadêmica educacional. É isso?! Cada um toma a trajetória que mais

lhe agrada. Mas... Ai, ai, ai, pode parar! Já não nos cabe agir pela má

consciência ou como disciplinador do outro. Pode botar fogo, falar mal,

até pregar na cruz. Deixa estar. Contudo, funciona? Como funciona? Há

gente dizendo que... Uma das justificativas da substituição de um

modelo por outro é de que a escrita acadêmica educacional anda

destoando do vivido na contemporaneidade.

Há um modo de escrever de efeitos impregnados de um querer

dizer da verdade, próximo da fala dialogada, ao jeito de uma conversa

que busca o entendimento, alicerçada na compreensão racional, bem

como no senso comum em que as palavras são utilizadas enquanto

ferramentas para exprimir os fatos. Elas são empregadas seguindo uma

ordem baseada em uma previsibilidade do que vai ser dito antes e

depois, de acordo com a cadeia linear da fala. É dito que tal escrita
108

esgotou-se no seu desejo de explicar, de organizar raciocínios, de

pensar ordenadamente, de representar idéias, de transmitir o

aprendido; cansou da ocupação de escrever sobre a causa, o motivo e a

razão das idéias em questão, de usar argumentos de peso para ajustar

os pensamentos e, assim, alcançar determinado objetivo com exata

desenvoltura. Por isso, a necessidade de uma outra maneira de

escrever.

Contudo, não se trata de uma operação de substituição, de

trocar um modelo por outro. Não se trata de aniquilar uma forma para

reeditar outra como salvacionista. Nem de regulamentar um novo

regime de escrita. A permuta das formas na manutenção de uma

educação dominante parece não funcionar em sua potência de invenção

de novos territórios. Quando o pensamento indica a existência de um

dualismo, por oposição, caracteriza dois modos distintos de escrever

academicamente, sendo através do juízo um dito como melhor e o outro

como pior. Nenhum dos pólos trabalha potencialmente, visto que os

dois se instauram na sua assepsia como poder de verdade. Há, tanto

em uma tendência como na outra, uma sedimentação das formas de ver

e dizer.

E, mesmo quando uma maneira de escrever assimila novas

práticas e engendra distintas performances, o movimento de variação

não é potente porque a assimilação e o engendramento aspiram à

constituição de modos de dominância, a formação de um visível e dizível

adequados ao funcionamento de regras instituídas. Tanto de um lado


109

como do outro, dá-se a identificação da diferença reincidindo como

clichê amparado por palavras determinantes de ordem, reduzindo a

experimentação vital às prescritas organizações na língua.

Diga lá... Uma saída, apenas uma saída: nem isso, nem aquilo.

Parece mais acenar para a articulação de variados tipos de escrita.

Composição favorecendo a abertura de brechas nos modos duros de

funcionamento, fazendo uso enquanto relação, não por oposição, senão

na implicação de uma na outra, desde estratégias de deslizamento

sobre o institucionalizado, desde o que irrompe no seu trajeto regular.

Uma escrita inventora de procedimentos que escorrem sobre o

segmentarizado, o molarizado na educação. Para tal, é relevante a

atenção concedida ao funcionamento dos estratos aí presentes, podendo

mover-se através e sobre os segmentos dos aparatos

predominantemente molares, vigorando o heterogêneo ao fazer visíveis

os múltiplos regimes de força que a compõem. Como dizia: Nenhum

juízo a fazer, apenas, a necessidade de um movimento “além do bem e

do mal” (NIETZSCHE, 1992), que estremeça as linhas duras da escrita

acadêmica educacional na sua potência de variação.

E agora? O quê e quem se deve atacar? Contra quais idéias e

quais autores? Deixe estar os debates, as discussões, as objeções, as

comunicações. Perca-as de vista por um instante: “O combate não é de

modo algum a guerra” (DELEUZE, 1997, p. 151). Para ir um pouco mais

adiante, retomemos uma idéia filosófica repisada, mas não para fazer

dela o mesmo uso cartesiano: máquinas (DELEUZE; GUATTARI, 1997,


110

1997a), máquinas fazem trabalhar a linguagem. Funciona? Estamos

longe das certezas. O interesse não está mais em dar respostas prontas.

De modo algum. Mas... Funciona?

A insistência na busca por respostas já soa com desconforto.

Nunca se sabe ao certo. Nunca se saberá o que se passou exatamente.

Diga lá, diga lá... Uma outra tentativa, uma nova saída. Quando

sitiados no problema da linguagem e aqui, da linguagem acadêmica

educacional, encontram-se ao longo do tempo diversidades na

distribuição dos dualismos aí presentes. E depois?! Antes

cronologicamente... O mundo representativo das palavras e das coisas.

As palavras existindo naquilo que dizem das coisas. Um uso da

linguagem para representar a coisa na sua ausência, tendo no signo a

presença diante do reconhecimento dessa falta. O pensamento aí

servindo para estabelecer a revelação, a correspondência com a

realidade filiada com o verdadeiro e, por isso, refutando o falso

(CORAZZA, 2000).

Com o modelo lingüístico estruturalista de Saussure, que

considera “a língua como um sistema de signos formados pela ‘união do

sentido e da imagem’” (CARVALHO, 1982, p. 31), tem-se um novo dualismo,

“uma entidade psíquica de duas faces” (SAUSSURE, 2000, p. 80), dois

elementos constituidores do signo, o significado e o significante. Ora,

não há como negar que, quando queremos demonstrar essa distribuição

dual, nunca estamos livres de recair na imposição de um pólo sobre o

outro. Por vezes, do conteúdo à expressão. Os estratos da escrita


111

acadêmica educacional bem sabem operar com essa imputação. Por

outras, o risco de cair em um buraco negro, existente no distinto lado

da vara: uma expressão definidora do tratamento do conteúdo levada

pela imitação, cópia de um estilo de onde se parte, ao qual se quer

chegar custe o que custar de vida.

Com efeito, parece existir uma mistura que não pode ser

reconstituída em seus elementos, uma mescla não-asseguradora de

alguma dominância relativa deste ou daquele regime de escrita, em que

suas “semióticas e seu caráter misto podem aparecer [...] em linguagens

onde várias funções concorrem” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 71).

Reunião de heterogêneos, que ocorre em uma contínua mobilidade

entre tendências de fluxos constantemente transformacionistas e

mutantes. Primazia do agenciamento: formas se estabelecem compondo

quadros, segmentos e blocos, do mesmo modo que metamorfoses se

realizam na medida em que há conexão, em que pontos se conjugam em

um sistema aberto a um plano de consistência.

Há vezes em que preponderam imagens, histórias, atividades,

movimentos inseridos dentro de uma organização mais vasta que lhes

precede e lhes sobrevive: Um fluxo de interpretação, uma direção reta

que torna tudo igual ao que o pensamento já sabe de si próprio,

impotente para oscilar. Outras vezes, prevalecem movimentos favoráveis

para ruptura de qualquer organização desse tipo, corroborando

deslocamentos por caminhos inesperados, bem como arranjamentos de

modos indeterminados. Algo se solta, se liberta, irrompendo pelas


112

fissuras de alguma estratificação. Uma torrente que não é expressa pela

restituição da ordem puramente racional. É pelo acaso das fendas no

abandono das palavras mais competentes que a linguagem silencia na

explosão do indizível, do insensato, do inefável.

“Por um instante, tudo ondulou e curvou-se em incerteza e

ambigüidade, como se uma imensa” (WOOLF, 2004, p. 137) borboleta,

piruetando, “tivesse assombrado com as asas frementes a enorme

solidez” (ibidem) da linguagem e do pensamento. No entre, uma

intervenção deleuze-guattariana no uso da lingüística de Hjelmslev

(1975), capaz de tensionar os dualismos citados e operar com a

linguagem enquanto uma entidade de partes distintas que se

relacionam reciprocamente. Não de entidades prévias, mas imanentes,

ao modo de arranjamentos de diversos corpos e incorporais.

Não se trata de inserir algumas modificações em uma disposição

dominante de escrever e, sim, de como fazer com que no uso da língua

maior, a própria língua sofra abalos, desestabilize-se no seu

funcionamento soberano; fazê-la delirar no seu modo maior para

romper seus modelos explicativos e interpretativos, para irromper o

não-sistematizado. Uma pop’escrita sempre enuncia no uso do sistema

de códigos da língua maior, no entanto, procura não manuseá-lo em

sua total assepsia, pois nele tenta manifestar o não-codificado, aquilo

que desarma os códigos estabelecidos.

Uma pop’escrita não se propõe a curar as doenças causadas

pelos modos maiores de escrita acadêmica educacional, constituindo-se


113

como um outro modo maior. Uma escrita menor sempre está em relação

com a maior, operando como fabulação em um misto entre os códigos

da linguagem e o ainda não codificado. Procura, isto sim, produzir

desvios no interior da língua estabelecida, criar vibrações com as forças

aí presentes, tanto com aquelas das quais se compõe, como com as que

possibilitam passagem.

A coisa é assim mesmo. É por experimentação. Juntamos isso

com aquilo e fica mais duro ou mais fluído, veloz ou lento — um

movimento oscilatório, pendular: ora um isso, ora um mais aquilo. Não

se trata de repetir o que foi dito, senão de construir relações entre

coisas e idéias díspares. Uma vivência de função articuladora tendo “o

agenciamento como conectividade de planos heterogêneos que nos tira

do dualismo e livra o campo da linguagem das figuras transcendentes

que o povoam” (ALMEIDA, 2003, p. 40), como as do tipo significado-

significante, palavra-coisa, conteúdo-expressão.

Ora, mesmo quando a linguagem se constitui,

predominantemente, pela articulação de códigos, do controle de

significados; mesmo quando se estabelece por regimes de significação

expressos em forma interpretativa, ela admite o instável, o não-

normalizado, o não-regulamentado. Sempre há algo de potente na

linguagem capaz de acolher o que não é confirmado em suas regras, de

hospedar aquilo que não se acomoda aos significados. A associação de

elementos díspares não acontece, necessariamente, pela suavização de

suas arestas, tampouco por princípios de semelhança que permitam tal


114

agregação. É por meio de ressonâncias entre tais elementos díspares

quando aproximados que consistência e coesão são concedidas ao

conjunto.

Eis a tetravalência do agenciamento (DELEUZE, 1998; DELEUZE;

GUATTARI, 1977, 1997), vigorosa para tentar afrouxar regras constantes

incidentes na escrita acadêmica educacional: forma de expressão e

forma de conteúdo conjugadas em movimentos contínuos de

territorialização e desterritorialização. Uma experimentação como

acontecimento relacionando corpos e incorporais, potente para

desarticular significados localizados e colocar sentidos em sobrevôo

naquilo que produz, estando o próprio sentido em consonância com o

uso que dele é realizado mediante as relações estabelecidas.

Nessa perspectiva, o que se abre através da experimentação é

um campo de potências capaz de irromper com modelos de escrita

consolidados, fazendo com que as relações entre heterogêneos variem

no seu encontro e se recomponham de diferentes modos. Há com isso

um outro tratamento da linguagem, das múltiplas linguagens que aí

colidem. Diferentemente daquele efetuado pelas máquinas cogito, de

significação, de interpretação, de subjetivação, de comunicação em que

funções, primordialmente, objetivas e subjetivas da linguagem são

reafirmadas em uma configuração de funcionamento positivista,

instauradores de uma lógica discursiva legitimadora de certos modos de

relacionar ações, idéias e objetos.


115

Uma pop’escrita procura articular diferentes campos de saber,

prioritariamente, o literário e o filosófico. Uma composição estética e

política em que há ressonâncias da escrita literária e da filosófica, de

modo a arrastar a escrita educacional para outros lugares, levando-a ao

limite do apenas institucionalizado academicamente, pois tanto a

literatura como a filosofia possuem vigor para colocar em vibração os

componentes não-significantes que as compõem. Isto é, para produzir e

pôr em movimento seus componentes assignificantes com os quais se

criam múltiplos sentidos através das infinitas linguagens que

aproximam.

Na pop’escrita acadêmica educacional, reside o desejo de tentar

associar intimamente a literatura e filosofia de modo a produzir

diferenças, criar novas formas de vida por meio da escrita mesma. Com

isso, a invenção de uma escrita dançante não apenas embalada pela

narrativa legitimada pelo saber científico, mas com outros campos

referenciais no qual a linguagem acadêmica educacional é colocada no

limite de si mesma, abalando ordens reguladoras de fluxos de

experimentação. Há na pop’escrita um desejo produtor das relações das

quais participa. Contudo, o conjunto faz-se mais potente quando a

literatura e a filosofia agenciadas são capazes de propor novidades, de

manufaturar diferenças vitais e novos sentidos para a vida através da

escrita.

Uma escrita que menos se orienta pelo caráter narrativo

alinhando coisas ou idéias, descrevendo meras situações amorosas,


116

familiares e aventureiras, ambas constituidoras de um regime

significante e subjetivo passional em que os signos se precipitam

através dos sujeitos. Ela mais está para experimentar e buscar

composições artísticas literárias e filosóficas que suponham o traçado

de linhas de fuga ativas, combativas da opinião majoritária e dos

regimes culturais que conformam a identidade da obra literária e as

certezas filosóficas nos códigos de significância e subjetividade.

Escrita que carrega a pretensão da invenção de um não-estilo

(DELEUZE, 2003) na sua singularidade, na sua esquisitice, nas linhas de

escape que desenha, nas mutações das formas dominantes,

reinventando uma geografia de enunciação habitada por linhas e forças

das intensidades que o habitam. Uma escrita acadêmica educacional a

serviço da vida, conforme indicam Deleuze e Guatarri (1996), potente na

sua invenção para criar e arrastar a própria vida para novos devires

inauditos e não-humanos.

Uma tentativa de composição entre literatura e filosofia na

atividade estética e no exercício ético que favorece uma experimentação.

A estética deleuziana (2002) no campo da arte funciona como um campo

de práticas com as forças que povoam a realidade, na medida em que a

arte faz variar aquilo que é capturado da realidade, alterando a

compreensão da experiência vivida. Sendo assim, a literatura serve para

a pop’escrita como um campo de experimentação com as intensidades

que problematizam os modos de ver, ouvir e maneiras de sentir.


117

Perceptos e afectos são matéria para a criação através das

variações e dos efeitos suscitados em uma ação estética que mais deseja

expressar do que explicar as intensidades constituintes da lógica das

sensações (DELEUZE, 2002). Uma possibilidade de escrita fecundada por

intensidades naquilo que passa entre a mão e o papel, dando passagem

ao desejo, aos fluxos nos quais transita, fazendo deles a própria matéria

vital para o escrever.

Para tal, uma pop’escrita acadêmica educacional bem mais se

ampara no pensamento filosófico da diferença de Gilles Deleuze e Félix

Guattari, bem como no de seus intercessores, constituindo um território

político, combativo às ordens de saberes e aos modos de ser dominantes

na sociedade. As ordens de saber dominantes carregam como propósito

ditar funcionamentos rígidos entre formas de conteúdo e formas de

expressão, funcionamentos estes decalcadores de tipos identitários de

estar no mundo. São esses modos de funcionar que, quando em

variação nas relações estabelecidas, também se tornam capazes de

abalar o significado da experiência do ser em prol da invenção de

infinitos sentidos para o vivido.

Estudos sobre a literatura espalhados no transcorrer da obra de

Deleuze, e dele com Guattari, fomentam conceitos filosóficos tais como

o de impessoal, individuação, corpo sem órgãos e devir. Ambos

procuram destituir a idéia de centralidade do Sujeito no discurso, da

língua atribuída pela pessoa que fala e da instância de discurso como

“constituída de todas as coordenadas que definem o sujeito”


118

(BENVENISTE, 1976, p. 54). Há um abalo no que diz respeito à crença no

caráter centralizador subjetivo da linguagem (BENVENISTE, 1976;

DESCARTES, 1979; SAUSSURE, 2000), na constituição do homem como

Sujeito por meio do uso da linguagem como expressão subjetiva. Isto é,

existe alguma agitação na idéia de que “não se concebe uma língua sem

expressão da pessoa” (BENVENISTE, 1976, p. 52). Uma tensão na língua

designadora de um Eu que se refere “ao acto de discurso individual em

que é pronunciado, e designa aí o locutor” (BENVENISTE, 1976, p. 52), o

construtor de sua própria identidade através da realidade do discurso

para a qual ele remete, revelando-se a si mesmo.

Sendo assim problematizada a idéia de produção de sujeitos por

meio da linguagem, a literatura aqui se instala “descobrindo sob as

aparentes pessoas a potência de um impessoal, que de modo algum é

uma generalidade, mas uma singularidade no mais alto grau” (DELEUZE,

1997, p. 13). Os pronomes eu e tu não são mais tomados como formas

lingüísticas que indicam o sujeito, em que o indivíduo é pensado como

realidade estabelecida e a partir dela. Há operações pré-individuais

constituidoras não do indivíduo, mas de uma individuação (SIMONDON,

2003), que leva a pensar o ser a partir dos fluxos em infinitos devires, de

acontecimentos sem sujeito, de singularidades intensivas impessoais,

bem como de uma operação de individuação conjunta ao considerar a

existência de uma rede coletiva de relações pré-individuais, potentes

para fugir tanto da generalidade como da individualidade.


119

Mas... O que isso tem de novo? Nessa perspectiva, é assinalado

um “ouvir dizer” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 13) impessoal, uma

composição de enunciações que remete ao agenciamento coletivo de

enunciação expresso no uso do discurso indireto, assim como no

discurso indireto livre. Exercício ativo de despersonalização para a

pop’escrita quando se deixa embalar pela multiplicidade. De um dito a

outro, não mais comunicando informações sobre o que é visto por um

Sujeito, mas o que é transmitido daquilo que ouviram dizer na emissão

de palavras de ordem (AUSTIN, 1990; DELEUZE; GUATTARI, 1997).

Contudo, a palavra de ordem enquanto unidade elementar da

linguagem, como variável pragmática da enunciação, possui dois tons

definidores do uso dos elementos que reúne: um de morte e outro de

fuga (DELEUZE; GUATTARI, 1997), ambos designando transformações

incorporais. O primeiro aspecto, como expresso do enunciado, remete

às formas, aos limites, aos contornos nas suas misturas, à

reterritorialização dos elementos agenciados. “A morte, com efeito, está

em toda parte como essa fronteira intransponível, ideal, que separa os

corpos, suas formas e seus estados, e como condição, mesmo iniciática,

mesmo simbólica, pela qual um sujeito deve passar para mudar de

forma ou de estado” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 55). Em um novo

estado, a fuga e não mais a morte: as palavras de ordem potencializam

a variação. Um processo capaz de produzir um continuum.

Conjugações entre escritor e personagens também são

possibilidades na enunciação literária de um movimento produtor de


120

individuações coletivas. Há um devir coletivo no escritor que o coloca a

escrever por um povo por vir (DELEUZE; GUATTARI, 1977), no encontro com

uma minoria por meio de uma atividade revolucionária. E há também,

na literatura menor (DELEUZE; GUATTARI, 1977, 1997; DELEUZE, 1997;

DELEUZE; PARNET, 1998), sempre em relação com uma outra dita maior, o

expresso desses devires no exercício de um estilo. Não mais um estilo

defensor do beletrismo, nem a defesa de uma escrita das curiosas

histórias de vida deste e daquele, dando conta das vivências pessoais do

escritor ou que apresentam seus personagens como meros tipos

psicossociais representantes da realidade circundante. Tampouco pela

mistura de dois ou mais estilos, como exemplo, o estilo jornalístico

mesclado com o histórico. A idéia desenvolvida, tanto por Nietzsche

(1995) como por Deleuze (1997), de que literatura e vida estão

permanentemente em estreita relação, reforça a necessidade de

invenção na escrita de algo mais proveitoso do que a interpretação e

relato das vivências cotidianas, visto que tais registros não se

distanciam da ação de representar estados psicológicos dos

personagens inseridos na organização social em questão.

Quanto ao caráter subjetivo do escritor ou dos personagens

criados por ele, a crítica e clínica literária deleuziana não propõe

nenhuma interpretação, nem exige o estabelecimento estrutural da

forma ou do conteúdo de uma escritura. Nesse aspecto, a obra

deleuziana apresenta um plano de variação contínua, composto por

variados estudos dos regimes de signos de diferentes escritores em que


121

a teoria literária se explica ao mesmo tempo em que se desenvolve. É

dada atenção à criação literária como crítica da sociedade, do mundo e

como clínica enquanto processo de saúde, como melhoramento das

condições políticas e sociais do indivíduo para atuar no desejo

circulante no corpo afectado.

Por um lado, uma crítica que atua como espaço combativo do

pensamento estético dominante e dos seus enunciados que identificam

tais práticas com o subjetivo e a identidade. Crítica dos fluxos ou

regime de signos de cada escritor. Uma composição de plano ou mapa

da obra em que se mostram as partículas captadas ou emitidas dos

signos culturais, políticos e sociais que entram em relação com o

próprio fluxo da escritura, com os devires que estão em jogo como

proposta de saúde. Por outro lado, a clínica que traça linhas de fuga

desses fluxos, os caminhos como saúde que cada escritura implica,

propõe ou vê frustrado. Atua sobre a opinião, sobre o subjetivo e sobre

o significado, liberando a potência vital lá onde ela se encontra

submetida ao controle dos modos maiores de expressão. Tal clínica faz

da experiência, dos encontros e da criação algo mais que uma ação

pessoal ao pôr em jogo a forma de expressão mesma da

experimentação.

A crítica deleuziana cria um plano de consistência ou uma

cartografia própria da escritura, um regime de signos utilizado pelo

escritor em que se desenham caminhos majoritários, bem como todo

um mapa de encruzilhadas e emboscadas. Plano que deixa passar


122

partículas e vai tramando com elas o que se sucede. Mapa atual de

linhas do espaço social e cultural em que se desenrola a própria escrita.

Uma cartografia cuja tarefa consiste em marcar caminhos, assinalar os

muros que impedem o movimento e obstruem a saída, de modo a

encontrar suas linhas de fuga.

Diferentes procedimentos de escrita enumerados no decorrer da

obra de Deleuze ressoam na pop’escrita acadêmica educacional pelo

tanto que souberam encontrar um empreendimento de saúde no

traçado de tais linhas: Beckett e sua escrita em uma língua estrangeira;

Kafka arrastando o alemão maior em uma espécie de outra língua

dentro da própria língua e, com isso, dando conta de um povo ainda por

vir. Artaud em sua escrita molecular, polívoca, delirante e o estudante

Wolfson que abala a língua materna mesclando-a com outras através de

regras fonéticas e fonológicas por ele inventadas. Entre outros, a

gagueira da língua em Luca como procedimento de fuga, arrastando os

códigos lingüísticos fora de seus limites. Todos vão mais além do

fechamento no marco normativo da língua, pondo em tensão o

enunciado, até romper-se ou fraturar-se em silêncio, música ou

cromática em uma pintura.

Aí está: “não fui muito longe, mas já era um começo” (DELEUZE,

2000, p. 15-16). Talvez um movimento inicial que tenta movimentar a

escrita acadêmica educacional de algum modo diverso das concepções

que lhe amarram fortemente à clareza, à coerência, à concisão, à

atividade científica denotativa e à representação do aprendido. Uma


123

ação que não pretende apenas dizer sobre maneiras de escrever,

tampouco enunciar os significados da escritura, nem oficializar seus

procedimentos e determinar seus processos.

Algum desprendimento do exercício testemunhador do

reconhecimento da forma, de uma identidade formal, atento ao como se

configura, desconfigura, reconfigura, transforma, deforma e

metamorfoseia a escrita, não possuindo garantias de funcionamento.

Uma transmutação quase incomunicável através da comunicação por

meio das linhas de segmentaridade dura, saturada de explicações

intermináveis e conversações inacabáveis. Na pop’escrita, não há

intenção de formular um método de escrita. O que aí importa é como

fazer emergir as linhas de fuga das quais se compõe o novo na própria

escritura.

Trata-se de uma disposição de escrita, uma alteração de registro

que se interessa pensar para fora das significações das coisas e das

idéias, por múltiplas visões para aquilo que é da ordem do habitual.

Uma pop’escrita não deixa de proceder, de algum modo, por um

conjunto de formas, através do qual atua com o que lhe passa. Mas ela

também é suscetível à desorganização dessas formas de percepção e de

saber, visto que não se define como algo preexistente à experimentação.

Ela demanda um trabalho infinito com a multiplicidade que a povoa e

procura trabalhar com procedimentos instigantes de rupturas de

significados, de formas homogeneizadoras.


124

Uma pop’escrita acadêmica educacional busca atender aos

efeitos de variação daquilo que conjuga, às fissuras que abre nos

territórios, de modo que a própria escrita não reincida nos modelos

dominantes de produção de sentido. Ocupa-se de uma violência que

rouba a suposta paz da escrita naquilo que captura dos signos, de

maneira que “os signos remetem a modos de vida, a possibilidades de

existência, são sintomas de uma vida transbordante ou esgotada”

(DELEUZE, 2000, p. 179). Um estranhamento, inicialmente pouco habitável

pela diferença produzida, um enfrentamento das certezas.

E isso funciona? Deixe que lhe conte um pouco mais. Voltemos

às máquinas e, junto com elas, os agenciamentos coletivos de

enunciação. Com Deleuze e Guattari (1972), uma máquina é produtora e

não representativa, ela produz novos códigos e territórios, produz

justamente desejos. Ao desmontarem a concepção freudiana de

inconsciente do sujeito como teatro e representação, filósofo e

psicanalista inserem o conceito de máquina como produtora de desejos

livres, também denominanda corpo sem órgãos. O inconsciente do

sujeito passa a ser pensado como uma máquina desejante em um corpo

sem órgãos, que atua como uma fábrica produtora de desejos polívocos,

operando, através de conexões transversais, conjunções não-

específicas, nem acumulativas. A transversalidade (DELEUZE, 2003) é

uma operação que conecta termos independentes, sendo tida como uma

prática maquínica. Nessa perspectiva, a literatura e a filosofia podem

ser concebidas como máquina produtora, como espaço nômade no qual


125

o que importa é que tal máquina funcione, produza coisas, algum efeito

quando submetida a este ou àquele uso, que seja capaz de conectar-se

com outras máquinas, com os fluxos produzidos por outras máquinas.

Aqui, a maior tarefa da literatura e da filosofia é de mais ativar a escrita

em um estilo capaz de desenhar essa linha transversal articuladora de

entes diferentes, conjugadora através de suas diferenças, do que apenas

o exercício de “bem escrever” em acordo com a totalidade, a harmonia, a

organização da qual se nutria a literatura, prioritariamente, do tipo

narrativa.

Uma pop’escrita não reivindica a totalidade nem a unificação

dos fragmentos que conecta. É uma outra totalidade que o conjunto dos

seus elementos compõe. Ela empreende, no maquinismo transversal

(maquinismo potente para desfazer a unidade), a identidade na escrita

em benefício das relações e devires, das multiplicidades e diferenças

suscitadas no encontro de tais elementos. A produção literária

destacada na obra de Deleuze e Guattari, funcionando como uma

máquina que abre brechas de disjunções microfísicas no molar e

conectando fragmentos dispersos, ressoa na pop’escrita ao ter nas

disjunções e nas conexões um movimento de fluxos em troca, fazendo

do cosmos um universo vivo e do ser da linguagem um agente coletivo

de liberação de variações.

Máquinas literárias rompem com as formas de expressão dos

significantes e com as formas de conteúdos familiares e edipianos no

traçado de linhas de fuga que são os fluxos do desejo livre de


126

imposições dos códigos maiores e dos territórios impostos. Há uma

convergência do desejo que move as linhas de fuga na concepção

maquínica deleuziana de literatura através da liberação de fluxos que

entram em relação na máquina literária com diversos outros fluxos,

criando, assim, novas linhas de fuga. Um movimento que, quando não

interrompido por algum estrato, se faz contínuo, mesclando partes,

decompondo entidades molares e conectando fragmentos em

associações inéditas: regiões desconhecidas, terras por conquistar!

Gregárias fórmulas de representação, de detenção das

máquinas desejantes e de domesticação da escrita acadêmica

educacional são combatidas por uma pop’escrita. Por isso, a forte

tentativa de agenciamento com a literatura e a filosofia na busca de

novos códigos e territórios, da descodificação e da desterritorialização

dos axiomas vigentes, bem como das disposições maiores tanto dos

corpos como dos incorporais. Desde o estudo do que realiza uma crítica

e clínica na perspectiva deleuziana, uma pop’escrita busca atentar para

seus pontos frágeis, para as forças que remetem a escrita aos centros

de poder, aproveitando-se das fissuras também aí existentes como uma

saída desses territórios.

Com isso, destaca-se a máquina literária da Biblioteca de Babel

de Borges (2001) e seus arranjos, dando a ver um regime de

funcionamento da linguagem predominantemente normativo, das regras

e das exceções, de base puramente lógica, colocando-a em movimento

de acordo com as postulações geométricas de Euclides. Impõem-se aí


127

uma ordem de exatidão, de um padrão lingüístico racional, de perfeição

no funcionamento da linguagem, isto é, de uma linguagem unívoca.

Com uma arquitetura hexagonal, de identidade permanente, tanto nas

medidas dos lados como na dos ângulos, constituidora de uma Figura e

inserida em um círculo representante da ordenação matemática do

cosmos, a Biblioteca pode abarcar somente livros consoantes com a

própria ordenação que impõe. Essa estrutura exige organização da

diversidade ali depositada, “ela pede algum princípio que reúna o

aparentemente diverso e diferente em classes, categorias, tipos, mais

gerais, mais universais, mais abrangentes” (TADEU, 2004, p. 131-132). Não

há como negar a existência de multiplicidade; todavia, nessa

circunstância, reside uma multiplicidade prioritariamente de ordem

extensiva, numérica, espacial, homogênea, métrica. Cabe, então, aos

Homens de Biblioteca subsumirem toda e qualquer incompatibilidade

na escrita em prol de uma purificação, também defendida no regime de

Shannon e Weaver.

Se, em determinados momentos, estudos sobre a linguagem dão

mais atenção a aspectos lógicos, isto é, a conceber a linguagem como

sendo exclusivamente um sistema formal, em outros, o foco é voltado

para aspectos da comunicação quando a linguagem é considerada como

um sistema para uso comunicativo de informações. Ao estimá-la

enquanto um fenômeno comunicativo, a atenção se centra na

interpretação: sempre haverá um Sujeito para interpretar

constantemente signos, bem ao modo significante-sherlockiano, que


128

busca revelar os significados nos signos com que se depara em suas

investigações para o encontro com a Verdade.

Com Contact, Ovo mortalha e O Tigre e o dragão, tem-se

encontro de corpos em estado animal potencializando a linguagem

estratificada, colocando-a em dança. Atletismo afetivo entre corpos-

bicho põe em jogo a escrita. Ínfimo grau de variações perceptivas no

bailar dos corpos, altera a realidade mesma, inaugurando algum

deslizamento do molecular sobre o molar, fazendo vibrar os modos

dominantes de escrever. Com os platôs filosóficos de Deleuze e Guattari,

dá-se a impossibilidade de continuar impondo o Eu para as

enunciações e significantes para enunciados, fortalecendo uma escrita

impregnada da concepção de agenciamento coletivo de enunciação

(DELEUZE; GUATTARI, 19977, 1997) em conjugação com agenciamentos

maquínicos de desejo. Amarras lingüísticas são afrouxadas,

possibilitando aos enunciados (os não-ditantes de ordenações fixas)

seguirem por uma linha de variação contínua e, nesse mesmo

movimento contínuo, destituir formas fixas no conteúdo.

E, com Um copo de cólera, co-existe uma tentativa de trabalho

crítico e clínico na busca de novas formas de expressão que arrastam a

linguagem acadêmica educacional para fora de seus limites, tendo a

literatura como potente para criar novos devires fora das estreitas

margens habilitadas pelo sistema político e social. Uma experimentação

de estados inéditos, efetuando intensidades na individuação-cólera.

Produção de corpo sem órgãos rompendo com sua condição previsível


129

de Sujeito, supondo a necessidade de busca de vias de criação e de

combate como processo que não tem outro fundamento, nem outro

suporte, que a pura concepção afirmativa de vida.

Nesse arranjo, dá-se um funcionamento que não deve ser

confundido com um alvoroço do tipo vale-tudo no uso de elementos da

língua. Na pragmática que concebem Deleuze e Guattari, existem,

especialmente na literatura, mas também na filosofia, exemplos de

procedimentos variáveis dessa deslocação. Tais procedimentos

distribuem viveza à linguagem, em consonância com movimentos de

conjugação de diversidades, de heterogeneidades que sustentam o não-

equilíbrio natural da vida, ultrapassando o extrair de formas

estratificadas, constantes e regras rígidas da própria variável, redutoras

de qualquer invenção. Assim, uma pop’escrita acadêmica educacional

pode ser tida como um potencial de uso intensivo e menor, de criação e

revolução: uma escrita atenta às invenções contínuas em um fluxo de

possibilidades inexploradas, pondo ininterruptamente elementos

lingüísticos em variação.

Não há por que duvidar: tem-se a atenção voltada à

problemática da linguagem. Não para a língua falada e em

conseqüência à escrita de acordo com o sistema oral, mas conforme se

oferece na obra deleuzo-guattariana. Um interesse para as múltiplas

linguagens: conjugações que botam a linguagem para dançar. É fato, a

existência de maior afabilidade para a linguagem literária e para a

filosófica. Possibilidade de rachar os particulares de um pensamento


130

filosófico-dedutivo do geral quando tramado com os recursos literários.

Condição operativa experimental que permite à escrita acadêmica, na

trama com a literatura e a filosofia, fazer outras coisas, afectar de

outros modos, ultrapassando as dimensões do que é tido tal como

aparece em uma representação.

Uma vontade de potência (NIETZSCHE, 2001) que põe o

pensamento a pensar diferentemente do já pensado, que deslegitima o

já sabido, movimento indispensável para continuar a viver. E funciona?

Não há como responder ao certo se tais conjugações funcionam ou não.

Logo, dir-se-á, com Deleuze e Guattari (1977), que, se em uma ponta do

agenciamento elementos de conteúdo e elementos de expressão

possuem graus de reterritorialização, esses mesmos elementos podem

vir a ter, na outra ponta do mesmo segmento da tetravalência, graus de

desterritorialização ao considerar o aspecto da palavra de ordem

enquanto fuga.

Há aí “uma dissolução das formas, passagem ao limite ou fuga

dos contornos, do ar, da luz, da matéria, que fazem com que um corpo

ou uma palavra não se detenham em qualquer ponto preciso” (DELEUZE;

GUATTARI, 1997a, p. 57), abrindo-se para uma corporeidade sem limites e

para uma potência incorpórea, favoráveis à criação. Uma tendência em

que a criação tem menos que ver com o excepcional e, sim, com ações

de composição, de improvisação, de rearticulação e associações

produtoras de alguma variação na forma estratificada. Assim, o

processo de criação concerne à produção de um campo de


131

experimentação tanto do que afeta quanto do que se atribui ao

cotidiano.

Olhos rondam com um sorriso desconfiado a pergunta que

parece silenciar por instantes. Riso que elimina qualquer dúvida na

certeza da maluquice. “Que se há-de-fazer? É um maluco...” (SARRAUTE,

1987, p. 83). O que mais assusta nisso? As mudanças estruturais, os

desvios, a falta de regra fixa, as variações? Que se chegue a produzir

um continuum? Um inseto que gagueja, uma cantora que não canta, um

andarilho que profetiza sem ser Filho de Deus, um professor partindo

para um mundo misterioso durante uma conferência? Um atletismo

afetivo na dança entre corpos-bicho, estado potente na cólera conjugal?

Desculpa não-senso, desculpa estado animal, desculpa

velocidade, desculpa anormalidade orgânica, desculpa delírio —

esquizo, contudo, revolucionário — por isso pede... Obrigada: uma

tentativa de fabulação criadora, vivência de um momento absurdo em

que “pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos com sensações.

Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos sensações” (DELEUZE;

GUATTARI, 1996, p. 216), friccionando as percepções e afecções vividas,

tratando de “liberar a vida lá onde ela é prisioneira” (DELEUZE; GUATTARI,

1996, p. 222).

Responda, responda pelo menos ao certo, de que lugar partiu?

De um conteúdo ou de uma expressão em sobreposição? De uma forma

de conteúdo ou de uma forma de expressão em pressuposição

recíproca? Ou de uma desterritorialização absoluta? Não existe a defesa


132

de um modo de funcionamento de escrita maior, seguidora de “um vetor

que vai do conteúdo à expressão: dado um conteúdo, em uma

determinada forma, encontrar, descobrir ou ver a forma de expressão

que lhe convém” (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 43). Ao contrário, existe

sempre um encontro: que seja do tipo casual ou fruto de longa

preparação, mas um encontro quase ou totalmente indescritível,

indefinido em um ponto de partida, mas potente para pôr a funcionar

uma pop’escrita acadêmica educacional no seu modo menor em relação

com o modo maior de escrever.

Por tentativa: corpos e incorporais vão-se aproximando. Isso

funciona, isso não funciona... Isso não funciona, isso funciona. Parece

que chegamos perto. Que nada! Parece que estamos mais longe ainda.

Um tanto se esvaece. Onde foram parar aquelas regras protetoras do

caos? Agita. Levanta. Estica. Agacha. Mija. Dá voltas. Consome. Torna a

voltar. Masturba. Entope. Brocha. Esporra. Não dá mais para segurar...

Come. Espirra. Goza? Nenhuma garantia, certeza, nem ensaio geral

quando de uma experimentação: uma colisão em que heterogêneos são

manejados de vários modos. Por vezes, a impressão de um desenho

realizado com retas paralelas que não possuem intersecção, em que

nada se toca e, mesmo assim, continuam os riscos e rabiscos. Pois bem,

não estamos mais imersos em uma arquitetura definida por retas

harmônicas como as determinadas por Euclides. Há, isto sim, linhas.

Linhas de vários tipos que se chocam, se cruzam, se repelem, se

aproximam em uma invenção da vida. É um maluco! — retruca com


133

espanto... “num momento assim, digam o que disseram. De qualquer

forma, acho que vou parar” (BECKETT, 2004, p. 99).


ainda não...

Lentamente, folheias as páginas do livro. Vagarosamente, o lápis

colorido percorre em sentinela as linhas. Os vazios na folha, deixados

para respiro, vão sendo cobertos de anotações. Talvez nem o ar consiga

correr por aí. Deixas pender a mão na prateleira procurando um gole de

qualquer coisa. Saliva grossa e gosmenta se aloja nas estrias que fazem

secura no gargalo do corpo. Ainda não te cansas diante da procura?

Mesmo assim, puxas mais um livro da estante. Flertas com aqueles dois

ou três que te provocam. Reparas na mesa cheia, porém aceitas o

convite. Arredas em um só murro os pertences. Esparramação pra lá e

pra cá, deixando o leito arrumado. O tic-tac precipta-se na troca dos

dígitos.

Voltas a folhear as páginas do livro, agora, em sobressaltos.

Alternas os pulos com rabiscos que nem sabes onde colocar. Nesse

movimento, acabas por te perder no labor intus adentrado. Não

suportas aí permanecer. Gritas para que atirem o fio condutor de modo

que possas voltar. Com o fio atado à cintura, deixas-te arrastar até o

vão de entrada. O cansaço conferido pelo inesperado é motivo suficiente

para adiar tua ação de escrever. Por que não contas do que viste ou

ouviste durante o trajeto? Por qual motivo insistes em voltar à

segurança toda vez que encontras um lugar para te perder? Acreditas

que ainda não tens o conhecimento suficiente para dizer do percurso?


135

Ainda não... Ainda não... Um pouco mais, só mais um pouco de

certezas. Novamente diante da mesa, agarras-te com saudosa ternura

aos escritos mais queridos. Agradeces pela perfeita disposição com que

eles aguardam teu retorno. Todos perfeitamente disponíveis para o uso:

empilhados, enfileirados, ordenados, avaliados. Cada um

convenientemente disposto em seu lugar. Estão ali, íntegros e firmes,

sempre a tua espera para novos inventários. Crês que, com uma nova

incursão pelas páginas separadas, te darás por pronta?! Retesada nas

proposições, ficas entupida. Destacas palavras, delas partes para os

enunciados. Sabes que não é por acúmulo. Também não sabes por onde

sair. Os órgãos padecem na insistência de funções determinadas. Boca

quer mais do que falar, rins não podem só filtrar, dedos desejam para

além do teclar. Algum delírio é permitido quando escutas que estás

enferma. Mas bem percebes que não é a febre o que faz uma multidão

de sensações se apoderarem de ti.

Uma inquietude te envolve mesmo quando a prescrição aponta

para o repouso. Desarrumar a disposição conferida aos livros não

diminui tua aflição. Não é essa organização que entope tua escrita, mas

a constante reconciliação com a ordem das certezas alinhadas em

palavras sábias. Insistentemente, revisas as anotações daquilo que

estudaste. Um tanto de cópia. O livro do livro. Com a cabeça inclinada,

ombros em concha e pernas a sacudidelas, persistes em ser fiel. Pedes

acréscimo de créditos à razão. Se bem que querias mesmo era escrever

nos vão das linhas. Mais leve, mais solta, menos comprometida com
136

fixações. É por isso que, antes de ir adiante na gotejante escritura,

voltas os olhos ao que te colocou a escrever daquilo que foi estudado.

Surpreendentemente te convences: achaste tuas palavras! Contudo,

elas nunca serão só tuas. Nunca escreves com palavras próprias. Uma

espécie de todo mundo, de ninguém, de qualquer um. Tuas palavras

nessa impessoalidade em que nada do que existe tem existência em si

mesmo. Tua escrita ligada com toda uma multidão, desse modo, para

poder durar. Uma junção de elementos que não é propriedade deste ou

daquele.

Lê e relê a escritura, encontrando ditos e contraditos. Nas

farpas, abres brechas para ressoarem com outros escritos. Estás

saboreando deixar-te habitar pela estranheza?! Não somente

apropriações, por vezes, sensações. Assim, o conjunto parece proliferar.

Escreves, escreves e escreves sem tanto juízo, ainda que tuas palavras

te pareçam alheias. Voltas às anotações. Há murmúrios que escutas

como confusão. Tropeças nos detalhes. Motivo para continuares

deslizando nas frases atônitas, parágrafos truncados, fragmentos

rasurados. Tentas desenhar alguma forma nessa miscelânea.

Recortas, colas até conseguir algum tom que te pareça

adequado para começar a bailar. Atentas à vibração do ritmo. Outras

composições são experimentadas. Para não ficares esparramada de

quatro no vazio, aproveitas-te de emissões capturadas da prosa, da

poesia, dos aforismos, dos diálogos literários. Encontras uma zona de

escritura vizinha. Com cautela, procuras não fazer dessas ressonâncias


137

um outro gênero restaurador de uma identidade. Apenas um

tratamento dado à escrita que serve para introduzir entre seus

elementos novas relações de velocidade e lentidão, fazendo-a mudar de

agenciamento na co-presença de partículas participantes dessa zona de

vizinhança. Assim, demarcas tua intenção de rachar com a Forma,

sabendo com isso que variação e forma coexistem em qualquer

escritura, de modo que uma seja extraída da outra, movimento

necessário à consistência do texto.

Por ora, uma satisfação quase demoníaca toma conta do teu

sorriso. Risadas silenciosas são alternadas com cantorias mudas. Uma

denguice diabólica embala o corpo em espreguiço. Arrepios escorrem em

tua mais profunda superfície. Algo de novo no parágrafo escrito te põe

perplexa. Comemoras a força, a textura e a multiplicidade. É feito e

efeito da tua viagem por lugares de experimentação. O medo do

nebuloso, do fugidio, do instável e do indeterminado são deixados um

tanto de lado. Desse modo, entregas-te ao ato de escrever. Àquele

instante incontrolável em que dizes do comum azeitada pelo desejo.

Vida lateja e pulsa na matéria mais viva. Fende kits de estratificações

que perseveram em mostrar aquilo em que nada se vê.

Buscas o traçado de linhas de fuga, a passagem das “percepções

vividas ao percepto, de afecções vividas ao afecto” (DELEUZE; GUATTARI,

1996, p. 221). Acreditas em uma escrita que usa a linguagem não se

atendo somente a convenções, modelos, representações; em uma

prática de escrever cujo estilo possa arrotear variações na língua, sendo


138

possível qualquer coisa passar no seu entre. Corpos e incorpóreos

fazendo ver e pensar naquilo que estava na mais discreta obscuridade.

É por isso que ainda não cessas tuas tentativas de escrever, embora

enfatizes que não sabes responder a perguntas desse tipo. A favor da

produção de diferenças, seduz-te tensionar o já sabido, os dogmas que

colocam o pensamento em movimentos circulares em torno de um

centro, os segmentos molarizados da escrita preferencialmente

estruturada.

Travas um combate-contra o juízo. Buscas destituir o poder de

julgar, visto que “o juízo impede a chegada de qualquer novo modo de

existência” (DELEUZE, 1997, p. 153). Também aspiras a um combate-entre

que prefere, enquanto roubo, apossar-se de essências, significações,

metalinguagens, estruturas e origem de todas as coisas, passando a

somar tais forças em um outro conjunto predileto. Tua atração recai no

trabalho com as estratificações, na formação de figuras, nos órgãos

específicos e nas funções determinadas. Nesse trabalho que “não pára

de se extrair do plano de organização, de levar partículas a fugirem para

fora dos estratos, de embaralhar as formas a golpe de velocidades ou

lentidão, de quebrar as funções à força de agenciamentos” (DELEUZE;

GUATTARI, 2002, p. 60).

Todavia, é evidente que tua escrita não flui evolutivamente

nessa direção. As alterações que, freqüentemente, ocorrem no processo

não são somente ocasionadas pelo teu desejo de permutação, mas

também pelo desejo de permanência. Uma desaceleração da


139

diversificação no fluído, coexistindo com uma mudança de outro tipo.

Agitação voltada para a conservação. Rupturas vedadas,

desterritorializações interrompidas, identidades restituídas. Uma defesa

contra o desassossego, quando não suportas o estranhamento

provocado pelo acontecimento. Queres proteção de toda essa

trepidação. Desse modo, tua escrita se agarra a exercícios lógicos,

perambulando de conceitos em conceitos recheados de pura explicação,

sustentando seus significados e suas interpretações. Vivente em zigue-

zague. Um movimento contínuo em que nunca conseguirás parar de

mudar. Algumas vezes, sem saber no que se metamorfoseia; outras,

sabendo somente depois de efetuada a ação. Vai e volta, vai e volta.

Encontras-te em um estado tão atraente quando usufruis a

ventania vinda da janela frestada que, ao te propor bailado, desarruma

teus papéis. Um jeito primitivo de quem quase se oferece como fruto da

Terra. Nas entranhas, cheiras muito próximo a barro fresco nutrido pela

água da chuva. Os pêlos claros que se distribuem ao longo do corpo se

avermelham quando silenciosamente uivas diante da lua cheia. Sob

diferentes graus de intensidade, estremeces nas cócegas feitas pelos

afectos que circulam em ti, desestabilizando as formas que tu assumes.

Desobstruem-se as saídas que estavam sendo barradas para chegar

mais perto daquilo que estás em vias de te tornar.

Mas logo quebras este estado, extraindo-lhe segmentos,

abstraindo-lhe um momento. Passas a remoer pensamentos de que

talvez ainda não existam procedimentos de escrita voltados para a


140

potência criadora da vida, pois há sempre uma sensação de malogro

que faz da escrita uma máquina de moer palha seca. Assim, refugias-te

na rigidez de uma língua áspera. Obrigas-te ao abrigo, agarrando com

mãos trêmulas o essencialismo, os saberes consolidados, o conhecer

que reconhece, a diferença determinada pelo mesmo ou pelo oposto, o

erro como infortúnio do pensamento, o sentido como possibilitador de

verdades. Cultuas a escrita como uma materialidade identificável e

analisável objetivamente. E tuas mãos novamente tremem quando

manuseias teu discurso de um modo retórico, mantenedor de algum

mecanismo de poder com o objetivo de levar à compreensão e à

aceitação de idéias, de explicações, de demonstrações de fatos. Queres

te ver livre desse modo de escrita e ainda não sabes como.

Nova era esta tua. Conta um pouco do teu percurso

experimental: uma história narrada percorrendo paisagens conceituais

e procedimentos literários — Curupira solitário e assombroso vaga onde

alguns poucos homens ousam entrar. Perfura o silêncio da floresta com

sua língua estrangeira, afastando caçadores e malfeitores. Gritos, uivos,

gemidos guiados pela força de Vayu1. Força selvagem na voz da Terra

incluindo devir animal no viver. Estatura próxima de menino, quase

lobo em corpo peludo e cabelos em brasa incendiados pelo fogo. Cuida

ferozmente dos animais e da vegetação da floresta usando de mil

artimanhas. Procura confundir os exploradores que lá adentram com

suas pisadas às avessas.

1
Senhor do ar e dos ventos. Brisa em sânscrito.
141

Cena, singularidades, acontecimentos, experimentação: trazem

algo mais para a escrita do que apenas comunicações, informações e

opiniões. Não seria isso uma forma de abandonar o rigor na escrita? ...

Lá tudo flutua, fabula, escapa avançando às cegas. De que rigor estás

falando? Não se trata de fazer juízo moral através do cumprimento de

regras determinantes de qualquer invenção, tampouco de tomar

verdades como valor em si. Não é um rigor de ordem exclusivamente

lógica. É um outro tratamento, não excludente de métodos e de um

campo de saber predeterminado, mas que, juntamente com eles, age

segundo um rigor de ordem ética (SPINOZA, 2002) afirmador dos devires

suscitados a partir das diferenças atuantes.

Um tratamento mais exploratório, mais pedagógico pelo traçado

de linhas de fuga desprendidas das amarras instaladas nas promessas

de salvação tecnocientíficas e de uma prática utilitária agindo sobre o

viver. Uma outra escrita, pop’escrita, na qual existe um maquinismo no

encalço de concepções identitárias, prioritariamente objetivadoras de

formalizações estruturais, doutrinadoras de proposições verdadeiras e

falsas: sujeito que enuncia e sujeito de quem são realizadas as

enunciações. Quando tensionas modos de saber voltados basicamente

para a recognição, o reconhecimento e a representação, múltiplas

linguagens convergem em uma criação vivificante da tua língua, mais

interrogando do que respondendo na direção inventiva de um não-

estilo.
142

É de hoje, é de quando refletes abstratamente, que pensas na

escrita como produtora de variações. E, talvez mais intensamente,

orientas-te circunstancialmente para a prática. O que é dito é sempre

dito sobre algo. Não somente abstração, ao mesmo tempo concretização.

Não requer exatidão ou uma verdade plena sobre aquilo ao qual faz

referência. Múltiplas visões e audições não-linguageiras. Por aí, também

interessa alguma sutileza, um pormenor, ínfimo, incomensurável,

invisível ao olho que tudo quer explicar, um quase despercebido

liberador de matizes.

Examinas procedimentos efetivos de agramaticalidade

radicalmente exercidas, irrupturante de diferenças na escrita e

reveladores de uma outra gramática. Língua em desequilíbrio levada ao

limite em algumas escrituras tais como na literária, filosófica,

esquizofrênica, “crianceira”, desmanchando com sintaxes previsíveis

calcadas em determinações normativas, em prol de um renovador

engendramento possível. Há algo pensado para aquém das organizações

constituídas como unidade de categoria. Existe um campo de forças,

realizando-se em graus, correspondentes a aumentos e diminuições de

potência, desalojando a linguagem do lugar de atribuir contorno às

coisas. Uma espécie de polimorfismo que favorece expressão a outras

formas. Nessa perspectiva, a escrita tem potência para

desterritorializar. Contudo, isso não é garantia de realização, visto que

ela é, ao mesmo tempo, reterritorializada.


143

Um funcionamento maquínico em que há “um conjunto de

elementos que varia de acordo com suas conexões, suas relações de

movimento e repouso” (DELEUZE; GUATTARI, 2002, p. 41). Por vezes, pondo

a escrita em vibração, em uma relação que arranca os órgãos do seu

uso particular, colocando-o em devir no próprio agenciamento; por

outras, ao enfraquecer suas vibrações, chegando ao limite impotente

das partes relacionadas, entupindo o funcionamento do conjunto.

Joga dados com Gilles Deleuze

Faces da semelhança e da representação

Rolam outros procedimentos linguageiros

Roussel discerne sentidos

Repetição por diferenciação

Falha “p” e “b” sem “m” escrever

Sombra produzida anuncia chegada da variação

Aparece palavra poética dando corpo à ressonância

Efeitos da diferença

Divergem séries na junção dos elementos

Duas, três, outras palavras ocupam a valise de Carroll

Escrita esotérica com Joyce

Algo vai se diferindo

Ainda não é isso

Ainda não é aquilo

Coexistência de pontos de vista em Proust

Obra inacabada de Kafka

Lados dissimétricos

Nietzsche quebra direções com suas marteladas


144

Arranjos de uma nova espécie

Nada de totalidades

Nem conciliação, tampouco significação

Despreocupado encadeamento

Sem promessas naquilo que está por vir

Pedaços, nacos, porções

Fragmentos relacionados na sua própria diferença

Frase abandona sintaxe

Linguagem como matéria poética

Descompasso nos intervalos espaço-temporais

Vale enumerar e catalogar

Provisório arranjo inventado

Registro protocolar de acontecimentos.

Queres pôr em palavras a vida que teces e ainda não sabes

como manifestar os processos que operam algum n-1 nas

multiplicidades linguageiras. Não sabes como fazer o enunciado passar

por estados diversos da significação, dessemelhantes da comunicação e

opinião, como possibilitar a produção de infinitos sentidos. Não mais te

basta a coisa designada ou as imagens figuradas sujeitas ao

reconhecimento. Desejas experimentar um estado de devir escavado na

própria língua, fazendo-a mudar de dimensão, indo em direção à perda

do território: uma passagem, uma travessia, um deslocamento. Não

apenas um desvio da ordem lógica impregnada na sintaxe. Mais um

exercício de procedimentos criadores de tensões no uso habitualmente

determinado da língua.
145

Como escrever fazendo com que a forma varie sobre uma linha?

Elegias alergia no agora com alegoria e alegria: Compões a frase

crescendo pelo meio, nos buracos potentes para a proliferação da

escrita. Pode ser por acaso das combinações infinitas ou em uma

simples brincadeira de arranjar palavras do tipo valise. Talvez seja em

um estudo rigoroso e dedicado aos detalhes da língua que explodem

séries gaguejantes, constituidoras de diferenças nas diversas

construções possíveis. É da novidade na linguagem, de recursos

inesgotáveis, de novos possíveis, de vigorosos gramaticais divergentes,

que tentas te aproximar.

Tens a fórmula inquietante de Bartleby (MELVILLE, 2003a) como

exemplo. Preferiria não soa com um tom de indeterminação naquilo que

nem repele, tampouco escolhe. Uma zona de indiscernibilidade entre as

atividades não-preferidas e as preferíveis. Um homem esguio e pálido

faz calar ou executa estranhas condutas diante do arranjo que priva a

linguagem de qualquer referência. Exclui a dualidade de alternativas

entre o copiar e o não copiar. O diálogo concordante encadeado por

palavras previsíveis em torno de qualquer preferência e referência é

desarticulado, produzindo efeitos imprevisíveis. Uma linha de

agramaticalidade como estilo em que nada de superior é enunciado.

Uma espécie de função-limite que não supõe coisa nenhuma mais do

que aquilo que diz literalmente. Algo se impõe a um conjunto de frases

que buscam todo o tempo fazer falar, determinando preferências ou

rechaçando escolhas.
146

Com isso, habitas um regime contemporâneo de escrita: uma

outra lógica de tratamento da linguagem que não se obstina em pensar

segundo uma imagem dogmática, que não remete apenas à razão, nem

busca respostas exatas para suas indagações. Um regime,

preferencialmente, focalizador de procedimentos da diferença em um

universo habitado pela falta de linearidade, pelo fragmentário, pelo

equívoco, disperso, pelo lapso, contradição, impessoalidade. Tal regime

não exclui, mas procura pôr em fuga os ditames identitários, de

semelhança e de gramaticalidade em todo e qualquer regime lingüístico

imperial, extraindo deles próprios procedimentos de variação. Ora um

mais isso, ora um tanto mais daquilo e sempre um enredo produtor em

que se enovela a escrita que corre em múltiplas direções.

Chegas a ter medo de ti quando algo de irreverente trepida em

tuas práticas. Quando essas práticas se calcam em métodos que te

conduzem a quimeras da ignorância ao saber. Por instantes, tens

coragem para borrar contornos e descerrar sulcos nos teus modos de

escrever. Fissuras se abrem entre enunciações e vida quando

desaproprias da Ciência um único parâmetro para conhecer. Concedes

algum descrédito aos diálogos, às objeções, às interpelações no trato

com alguma certeza. Desejas desprender qualquer narrativa puramente

especializada daquilo que queres contar. Tens para dizer das

proliferações, do contágio, do povoamento, das muitas dimensões que

não param de crescer nas conexões que realizas. Por vezes, é preciso
147

começar pelo meio, como uma onda, para não se ater às características

e prioridades definidas.

Teus gritos, tuas gagueiras, teus tartamudeios pedem saída da

condição de sujeito soberano, autoconsciente, dominante e dominado.

Em viagem sem itinerário prefixado, procuras chegar a algum lugar: um

território desvinculado das transmissões de universos já interpretados;

um mundo em que o visto, ouvido e o dito não estão predeterminados.

Às vezes, voltas a recorrer a eles. Deixas-te arrancar das certezas

enquanto pretensão universalizante, das normas e dos modelos aceitos

como aquilo que há de correto. Movimento da vida transborda nas mais

diversas linguagens: música, poesia, literatura, pintura, dança, cinema.

Isso te surpreende. Leva-te a outras narrativas. Vale muito mais do que

qualquer ilusão cientificista como exclusiva versão da verdade. A teu

gosto, tomas variados caminhos e por diversos modos chegas às tuas

realidades. Que sejam até mais ou menos eficientes nos resultados

alcançados, mas é o teu estilo como fruto das contradições, dos

antagonismos, das tensões e, também, dos encontros vivificados. Ainda

te sentes mais a salvo nos momentos em que entregas tua vida a um

pensamento instrumental?

Tentas contar teu próprio conto. Algo concreto é produzido

nessa criação de vida. Mesmo quando voltas à linguagem “crianceira”,

não é para demonstrar o progresso alcançado da tua infância até a

maturidade. É com tal linguagem que também consegues captar

sensações, algo sentido além das palavras. Uma poética-criança potente


148

que busca jogar com as fugacidades da vida. Nada a ser apropriado com

fins comunicativos, nem verdades a serem transmitidas. Não procuras

regularidades, tampouco homogeneidades. Quando elas te chegam,

tentas daí desprender forças que potencializem tua escrita.

Venho de longe para brincar com o menino. A mãe dele sempre

me recebe com biscoitos redondos e suco colorido. Mergulho as

bolachinhas uma a uma no líquido do copo quadrado, fazendo-as

parecer estranhas. À minha frente, passo a ver um lago artificial com

peixinhos-migalhas andando de lá para cá. Deixo-me impregnar pelo

brilho dourado que eles emanam, dirigindo-se nem sei para onde. O

menino sempre animado, transbordante, diante da possibilidade de

brincar com outra criança. Penso em pular, correr, virar cambota no

pátio grande da casa. Lá existe uma árvore com frutas coloridas.

Respiro forte do seu cheiro. Sinto o estômago tocar minha garganta.

Parece que vou vomitar. Que vergonha se passar das náuseas. Se bem

que é permitido. Algumas coisas são admitidas a uma criança. Eu teria

apenas feito o que fazem muitos outros amigos. Mas... sujaria meu

vestido. Ao contrário do que minha mãe pediu. Respiro aos

pouquinhos. Volto a ver o menino de cabelos ensebados. Boquiaberto,

plantado no banco de madeira, aguarda minha melhora. Fora desse

jardim, tudo mais parece uma vasta caverna familiar, como uma furna

pintada em tons de cinza. Lugar um tanto sombrio e triste para se

desfrutar uma infância. Deixo fora disso os peixinhos no lago. Para

eles, construí uma casa de papelão. Vou colocá-los bem ao ladinho da


149

casa. Uso tesoura e cola quente para arranjar o conjunto. Ficou muito

bonita essa graminha toda à volta! O menino não consegue programar

sua casa. Por isso, usa de brusca violência sapateando do telhado até

as fundações da minha morada. Berro, esperneio e não consigo fazê-lo

parar. O que aconteceu? Sinto as mãos pesadas da mãe me levantando

do chão. Insiste em me chamar de querida. Quero me mexer. Apertam-

me, agito-me mais ainda. A mulher tenta distrair- me com mais um

copo de suco. Não engulo. Tenho os nervos latejando mais do que posso

agüentar. E se meu coração resolver pular do meu peito? Minhas

lágrimas não quero deixar escorrer. É bem isso um jeito de morrer. Não

pela falência do corpo, mas na confiança do amigo. Se encostar nele,

acho que também o farei sofrer. Tenho vontade nem sei do quê,

moleque maldito. Pronto, pronto... Aconteceu algo que nem sequer

podia pensar. Diante do inesperado, vejo novamente a luz do dia na

fresta da porta se abrindo. Aquela mesma bondosa mulher me põe

erguida e diz que em outra tarde poso voltar para comer e beber de

novo. Mamãe tinha-me avisado... Cubro os olhos com minhas pequenas

mãos aflitas. Parto com firmes passadas em tralálá.

Narras aquilo que pinga e jorra em curso ativo. Também do

incerto e indeterminado nos trajetos escolhidos. Há um grau de

intensidade na escrita que faz com que a vida se afirme em sua

existência. Uma e outra vez. O mesmo conto com diferente sabor.

Irrepetível e intransferível na sua singularidade; atuante em alguma

liberdade no que tange às temáticas e suas formalizações. Pões em


150

xeque as fronteiras e os territórios do saber atento prioritariamente às

sistematizações. Quiçá essa escrita se mantenha em um gênero menor

em relação à escrita maior. Se bem que aquilo que deseja, não se atém

à definição de gêneros. Mais uma mescla, uma mistura de coisas

pertencentes ao plano visível. Também uma trama de fluxos, forças,

vetores, energias que, ao se conectarem, desenham outras composições,

potencializam outros corpos em variados modos de viver.

Tua estratificação é abalada pela diferença assim constituída.

Diferença produtora de diferenças como efeito das composições que

podem vir a romper tua atual figura. Aí coexistem pré-individuais, corpo

sem órgãos na condição de vir-a-ser nunca premeditado ou planejado,

mas em um estado inédito no qual o corpo adquire alguma forma

através das suas n possibilidades virtuais. Produz, assim, uma nova

existência, um outro modo de agir, de sentir, de ver, cada vez que

reages em conformidade às exigências desses movimentos, fabricando

sentidos para esse estado em que te tornas outro de ti. E, mesmo

quando não ocorre nenhuma variação, o produto do encontro de tais

conjugações continua a existir até que encontre ressonâncias nisso ou

naquilo e passe a emitir signos a serem capturados pelo corpo

atualizado.

Visão percorre o processo quando buscas experimentar a ti

mesmo. Não uma formação como sujeito de identidades locais fixas ou

identidades globalizadas flexíveis, mas como possibilidades de vir-a-ser.

Pressentes que tais práticas não abandonam referências identitárias.


151

Extraem delas, isto sim, forças proliferantes que esvaziam tais figuras

de sentidos-padrão, que tensionam seus contornos habituais,

favorecendo novos estados de subjetivação. Quando a tensão é levada a

um ponto exagerado, em que o corpo-escrita não suporta suas

desestabilizações, quando é dilacerado pelo furor energético, teu tecido

volta a ser neutralizado, brecado, domesticado como modo de

resistência ao novo, despotencializando o poder rupturante e criativo

dessa vibração.

Existe um medo de não conseguires delinear-te de acordo com

uma ordem imposta como normal. Existe, também, o receio de

mergulhar nessa experiência de desestabilização e vivê-la como um ato

de fragilidade, fazendo com que te percas totalmente de ti, sem

conseguir conquistar alguma configuração. Por isso, retesas tua escrita,

fortalecendo teu “em casa”, alimentando teu ego neurotizado do sujeito

moderno. Com sólidas defesas diante da perigosa sensação de virar um

nada, buscas um certo equilíbrio que te conduza à consciência e suas

representações. Obstinas-te por garantir tua identidade, tua

individualidade lacrada em si mesma, debilitada para os murmúrios da

vida em seu construtivismo.

Tens medo de desmoronar. E desmoronas. Queres garantias de

que haverá algum tipo de volta dessa experiência que te chega como

arriscada demais. E não há garantias. Fantasmas insistem em

assombrar tuas tentativas de experimentação. Deixas-te por eles

comandar, mantendo tua escrita entorpecida, mais neutra e indiferente.


152

Insuportável vácuo que leva à exaustão teu estilo alusivo de escrita

acadêmica, em que se processa o esvaziamento de tua cartografia. São

tensos, intensos, intensivos os momentos em que se processa tal

esgotamento, podendo levar-te a um desfecho patológico interruptor dos

processos de reinvenção da existência. Todavia, é também nessa tensão

que podes vir a operar a silenciosa incubação de uma nova realidade

sensível, capaz de manifestar a plenitude da vida em sua potência de

diferenciação através da escrita.

Viagem insólita. Insuportável desestabilização exacerbada como

efeito da falta de referências. As forças, em vez de serem produtivas,

afectam-te de modo perverso, tornam-se traumáticas. Por isso, ofereces

teu corpo-escrita atordoado ao poder que insiste no teu enrijecimento.

Como o soldado de Kafka (2004), no instante em que a agulha de vidro

da máquina de tortura passa a deslizar sobre o corpo. Tens um outro

tipo de tormento, provocado pelo descontrole diante das forças

moventes. Sem saber qual crime foi cometido, durante “doze horas”,

algo de ilegível é desenhado como sentença. Arabescos são prolongados

na superfície da tua pele, rasgando carnes. Por receio de perderes tua

sustentabilidade organizacional ou, até mesmo, por temor de

enlouquecer ao perder o manejo dos teus atos, entregas-te a essa

máquina que age a favor das relações institucionalizadas na Colônia,

aos modos de viver enunciados como normalidade, como padrão

codificado de convivência.
153

Uma engenhoca a favor de estratificações, sedimentações,

coagulações. Todavia, a sedimentação arrebatada no corpo-estrato

também carrega em si linhas que sempre te colocam em fuga. Mesmo

sob a sensação de tortura, retorna o desejo de experimentar a partir de

linhas irruptoras. Pouco a pouco, tua construção defensiva vai-se

desfazendo. Teu corpo-escrita é tirado de seu torpor ao inventar novas

circunstâncias em que a fantasmática é expelida. Um estado de

plasticidade põe-te novamente a vibrar nas intensidades. Desejo de uma

indocilidade para além de corpos de raça pura, de indivíduos culposos,

paranóicos, reacionários e fascistas.

De fato, há um delírio pujante em toda essa composição. Porém,

um delírio de vida que diferencia o corpo-escrita do corpo-orgânico.

Ainda que permaneçam em relação. Gemidos, sussurros, grunhidos

compõem tua nova linguagem sob a ação da máquina. Inventas novos

ritmos para dizer o que te passa. Repetes diferentemente combatendo o

programa de suplício quanto à imposição de modos homogeneizadores

de se exprimir. Experimentas outras maneiras de pôr a escrita na vida e

a vida na escrita. Reages ao peso da estratificação que gradativamante

visa atingir fluxos despotencializadores da diferença.

O novo... Quando ele aparece, não tem relação com coisa

alguma. Diferentemente daquilo que está sendo destituído. Por isso, é

dito novo. Assusta quando te chega tudo novo de novo. Exatamente

porque é novo. Parece até perseguição. E te apavoras quando ele te

convida para brincar de perde-ganha e cada vez que ele começa a


154

aparecer, esfumaça-se o antes adquirido. É preciso morrer na tua

organicidade para deixar a novidade nascer, esvaziar-te da realidade já

adquirida para agenciar com as percepções em bruto que te fazem

crescer para fora do já sabido. Nem tanto. Existe o risco do

esvaziamento ao invés da plenitude. “Você agiu com prudência

necessária?” — interrogam Deleuze e Guattari (1999, p. 11).

Escuta, escuta os desejos que circulam em teu corpo sem

órgãos e te deixa levar pelas metamorfoses suscitadas. Desassossegado

pelo conflito entre as referências de que até então dispunhas para

orientar-te na existência e a nova realidade sensível, sentes-te

empurrado a criar uma geografia para a escrita que se anuncia. Se

antes teu processo de escrita se constituía na manutenção de uma

confortável familiaridade no mundo, agora, estás mais voltado a

constituir abrigos habitáveis temporariamente, guarida que tem tua

permanência relacionada com aquilo que aí se passa, com os encontros

vivificados e com os devires que tal morada mobiliza, tanto coletiva

como singularmente. Desse modo, a tua vida afirma-se em sua potência

criadora, desenhando inéditas paisagens existenciais. Mais além de ti.

Necessitas de um tempo para digerir rupturas, tempo para uma

ressignificação da tua trajetória, para reunir tuas energias na

construção de um outro tipo de “em casa” na própria

desterritorialização, e não por meio de um ilusório esquivar-se dos

abalos causados por ela. Sentir-se “em casa” de acordo com algum
155

modo de ser é imprescindível para viver. Resta ficar atento aos modos

como são construídos tais princípios constituídos desse “em casa”.

Encanta-te o desconhecido. Antes de mais nada, saiste de casa

para dar um passeio. E começaste a andar. Paravas e olhavas.

Olhavam-te do outro lado. Roça, roça de invisíveis e de inaudíveis.

Estranhos se entreolham. Inspira desconfiança aos demais. Abriste o

guarda-chuva. Ao sol extraordinariamente forte, racha a árvore. Não

podias deixar de ver toda aquela vibração ao redor daquele tronco

central. Também te via a multidão. Fechaste o guarda-sol. Expõe-te

caminhando pela erva. Deixa-te afectar pelo outro. Cruza, cruza. Um

tumulto cujos ecos ressoam insolitamente. Mapa de sensações que se

traça em função dos pedaços de mundo que engoles. Ato de devoração.

Somente dos pedaços mais saborosos. Banqueteia-te sem linear filiação.

Lenta e silenciosamente, segues tua caminhada no tempo que vai e sem

saber onde vai dar. Alguma coisa havia acontecido, por mais

insignificante que pareça.

É no próprio nomadismo do desejo que constróis teu “em casa”.

Com teus inesperados acasalamentos, sempre circunstanciais, fabricas

variados modos de ser que engendram um escrever dessencializado e

inseparável de tuas múltiplas hibridizações. Outros modos, e assim

infinitamente outros. Uma escrita que nunca se encerra em si mesma,

que vaza por muitos lados ao desejar a diversidade. Dinamismo

experimental. E passas, então, a improvisar com os signos que antes te


156

pareciam mudos e que, agora, estão ao teu alcance. Vertiginosa sintonia

com o atual e o virtual.

Uma intensa alegria emana dessa instauração de paisagens.

Deixas as palavras se dizerem, ligarem-se umas às outras imantadas

pela escrita. Que baixe o santo. Que a musa cante. Que derrame o

bálsamo fazendo a escrita, escrever o escrever. Essa entrega à Terra,

essa abertura para o fora enquanto devoção, colocam-te próximo do

“receptivo”, no hexagrama número dois do I Ching, formado por linhas

abertas. Mas é ilusão acreditar que algo perdure eternamente, que

algum estado permaneça perpetuamente e,...

... ,e guardas contigo a idéia de estar vivendo um colapso.

Queres brecar qualquer mudança que se opera insistentemente em tua

existência. Passas a orientar-te em função de cartografias gerais. Elas te

parecem ser mais imunes aos efeitos de alguma turbulência. Por isso,

agarras-te a algum princípio identitário da mesma maneira que se

segura uma bússola quando se está perdido. Tens contigo uma entidade

fechada em si mesma mantenedora de uma imagem vivida

substancialmente.

Outra vez, tentas impedir a ação das forças que te colocam em

devir. Como é impossível emudecer o estranhamento que a instabilidade

produz na tua escrita, então, passas a viver os efeitos colaterais desse

colapso de maneira patológica, reforçando tuas histerias, tuas

neuroses, processos edipianizadores e personalísticos que te atam em

um mesmo lugar. Quando o princípio de individuação que orienta tua


157

produção é identitário, tens teus estados de devir reduzidos a uma

imagem pronta. Mesmo que essa imagem permute, tal troca se mantém

coibida por uma determinada essência que garante um sempre igual a

ti mesmo. Dá-se como resultado um “em casa” fortemente submetido ao

regime da representação.

Trata-se de reinventar-te através dos processos vividos, de

incorporar a experimentação na ação de escrever, de modo que tua

existência possa ser vivida e produzida artisticamente. Queres deixar de

expressar a vida em suas formas constituídas, reforçada pela idéia de

necessidade e finalidade, para encarnar, na escrita, a vida como

impulso criador. Tens aqui uma aproximação com a noção de vida

enunciada por Gilles Deleuze (2002a), ao agenciar com Spinoza,

Nietzsche e Bérgson, que diz da própria vida como gênese permanente

do mundo, produtividade, criacionismo que impulsiona o enfrentamento

dos obstáculos que se opõem à sua expansão em devir. Daí para a

frente, buscas, cada vez mais, integrar escrita e vida, passando a ter a

escrita que se distancia da experiência daqueles que a vivem com

limitada existência.

O cansaço faz-te levantar abruptamente da cadeira buscando

um vazio branco ao modo clariceano. Queres pausa antes do próximo

instante. Teus princípios identitários já não se sustentam. Precisas um

pouco de ar solto para escutar o estranhamento. O disco arranhado põe

a repetir o refrão: Ando tão à flor da pele, ando tão à flor da pele, ando

tão à flor da pele... Dia ventoso faz parada incompreensível.


158
159

Acorda, acorda! Tu não querias acordar. Ainda não... Viras o

corpo de lado para continuar a dormir. Puxas a coberta até os ombros.

Abraças o travesseiro menor com uma das mãos e, com a outra,

acomodas o maior entre as pernas. Pele branca de defunto. Enterras-te

viva. Fora daqui! Vai embora! É assim que as coisas acontecem em

noite de lua minguante. Tua mente está enfraquecendo. Perdes

densidade. Se bem que assim, mais leve, ficas mais porosa. Acorda,

acorda! Quando armas essas arapucas para ti mesma... E reages

puxando o lápis envolvido no caderno, largados na mesa de cabeceira.

Tapeada pelo sono, teus olhos entreabertos auxiliam no confuso

significado daquilo que, mal acordada, escreves na beira da cama:

Odeio escrever: Faz graça em outra freguesia: Odeio escrever.

Tua escrita cuidadosa, especulativa naquilo que deve ser

cortado, substituído, ampliado, faz com que passes a maior parte do

tempo revisando. Escreves aos pingos. E, no fim do dia, uma frase sem

emoção, um parágrafo bastante técnico. Mas, caso não revises o que

acabas de escrever, corres o risco de cometer erros lógicos, deslizes

gramaticais, impertinências conceituais, deixando o texto com farpas.

Que se dane... Paradas em demasia. Voltar muitas vezes em uma

mesma frase também ocasiona a diminuição de sua vitalidade. Ficas

atolada, atrapalhada em um mesmo local e resistes em ir adiante. Por

que não pulas essa parte bruta e voltas a ela outro dia, outro momento

em que estejas mais forte? Que se dane... O que mais vale é a excitação

e a experimentação do ato de criação, a visceralidade que faz escrever


160

rápida, louca, freneticamente. Escreve, escreve de qualquer jeito.

Depois, deixa a vida que se agita na escritura descansar por algum

tempo. Volta à escrita e te diverte com os estímulos que o trecho confere

às tuas modificações.

Odeias escrever?! Não há graça nenhuma nisso quando não se

consegue o apaziguamento necessário para tal tarefa, para escutar o

audível e ver o visível dos encontros vividos. É necessário um tipo de

silêncio, um modo de isolamento que ponha o pensamento a pular, que

o deixe solto das miúdas preocupações do cotidiano: guerra, greve,

grave CPI. Intrigas do dia-a-dia. Amor frio. Quantos te interrompem

nesse quarto de hora? Rolam acumuladas novas mensagens por

responder. Toleras esse suicídio. Rezar não tem adiantado. Um estado

neurastênico faz cerrar a porta e colar cartaz do lado de fora dizendo:

Interditado, estou trabalhando.

Perdes tempo com muitas outras coisas que não dizem respeito

ao escrever. Queres a cabeça sossegada de qualquer picuinha.

Circunstâncias... Tua vida nunca foi assim. Tudo está relacionado, é

parte da mesma coisa. Tuas neuroses só te enfraquecem. Paras e tentas

sobreviver, por uns minutos que sejam. Finges estar presente naquele

vazio momentâneo. Recuperas o fôlego. Nestes tempos, nunca tiras tua

escrita do pensamento, mesmo estando longe do teu refúgio. Algumas

pausas mais atrapalham do que ajudam. Voltas ao texto. Ficas tentada

à releitura. Aí surgem as chances para reescrever. Tens boas intenções.

Algumas não dão em nada. Sofres de frustração. Também costumas rir


161

desses lapsos. Não tens conseguido relaxar. Ocupas-te das tuas tarefas,

ficas obcecada por resultados. Nem o sono te reconforta.

Escrever... Um pouco como o samurai. Ele passa por uma longa

preparação de disciplina, medita com paciência e, depois, um

apaziguamento. Começa o combate, fulgurando como um raio. Depois

do silêncio povoado, de caminhar no teu entorno, das conversas

destituídas de sentido, de experiências estéticas, do ensaio teatral, da

leitura instigante de um livro, tuas palavras escorrem em um fluxo.

Escrita líquida com algumas viscosidades. Fruto de uma pedagogia que

maquina o problema que te acompanha por todo o lado. Quando chegas

diante do teclado, é uma questão de dar a ver a linguagem para a

escrita daquilo por que te deixaste capturar, fisgar da atmosfera, do

cosmos, por assim dizer. Mas quem consegue utilizar na escrita o que

está no ar?

Gostas de escrever à luz da manhã. Começas com o dia. Muita

claridade. Menos solidão. Luminosidade variável que brinca nos reflexos

que desenha. Na tela do computador, enxergas a cidade ao fundo em

composição com os parágrafos que teces. Também há nuvens gordas e

pássaros riscando o céu. Um cachorro late correndo atrás do afiador de

facas, que assobia o hino do Corinthians. Quase todos os dias, uma

repetição diferente extrai do fato um acontecimento. Quando chove, os

sons se alternam com os estalidos na calha. À tarde, a cortina do

cenário se pendura em um fio de sol. Sentas e levantas. Entras e sais de


162

cena. Nos dias frios, a cabeça pende para trás, busca os raios quentes

para aquecer tuas idéias. Só o sol é testemunha. Paz!

Devias estar preparando um texto... Tens a confusão como

companhia. Chega de tudo, de todos os lados, das coisas, das relações e

das palavras que te afectam. Dizes que sofres, que estás em crise.

Demasiado esforço envolvido na escrita. Como medida de saúde, mais

leituras. Argumentam que é melhor que prozac. Toda ajuda é

proveitosa. Nem todas! Com tanta colaboração, acabas influenciando- te

por todo mundo. Preocupas-te excessivamente com a forma e o modo de

atingi-la. Tentas assumir os matizes dos escritores que estudas. Queres

escrever como teus interlocutores. Ficas atento ao movimento dos

outros. Tentas colar pedaços do teu cordão umbilical em alguém para

conquistar uma imagem e semelhança. Ao invés de copiar um estilo,

por que não aproveitas essa companhia intelectual para tua própria

escrita?

Quando escreves, ficas limitado ao que já foi bem feito.

Trabalhas bastante e não sabes o que estás produzindo, tampouco em

que lugar irás aportar. Devias estar preparando um texto... Nem sabes

como chegar a parte alguma. Há momentos em que escreves somente

quatro ou cinco linhas. É difícil escrever. E todo dia escutas a mesma

pergunta: Como vai indo tua escrita? Obrigas-te a um planejamento.

Compras cadernos bonitos para novos apontamentos. Fazes listas de

tópicos, imprimes palavras em folhas coloridas e revestes paredes

vazias com esquemas. Anotar aquilo que já sabes não te tem levado a
163

parte alguma. Qualquer um é capaz de fazer isso. Quando as idéias te

saltam, escreves mesmo é na mesa de trabalho. Tudo está ali, na

fórmica branca.

Por mera inabilidade, escreves com excesso de ornamentação.

Quando notas o óbvio naquilo que te dedicas a escrever, tentas ocultá-

lo rebuscando os enunciados. O peso dos rococós faz com que sintas

vergonha do teu texto. Idéias fracas tornam-se mais débeis quando

emolduradas por palavras estridentes. Não funciona. Citações pesam no

texto. Tens receio de parafrasear. Ficas inibido tentando dizer o que já

foi dito de maneira excelente. Não te entusiasma plagiar pensamentos.

Dás crédito aos teus autores preferidos. Aos teus olhos, parecem

geniais. Queres compartilhar essa admiração.

Descobriste um curso sobre técnicas de escrita. Com as

técnicas, vieram também novos intercessores. O que podes mais aspirar

tendo interlocução em torno do desejo de escrever? Sentes que estás a

salvo. Ainda não... A primeira aula começa pela escolha do personagem,

coisas do tipo: nome, sexo, idade, situação social. Depois, são definidos

sua personalidade, seus gostos e preferências. E, ainda, o delineamento

do cenário. Tudo próximo da realidade. Se bem que a mais pura

realidade pode ser inventada com a fabulação mais desvairada. Basta

acreditar naquilo que é criado. Inventar um povo através do devir da

personagem real ressoando no teu próprio tornar-se outro e vice-versa.

Finalmente, as técnicas de escrita. Várias delas ao mesmo

tempo. Experimentas algumas e descobres que a melhor delas é


164

absolutamente nenhuma quando a poesia perde lugar para a escrita

mecânica. Acreditavas piamente que seria necessária e suficiente uma

filiação, uma escolha do modo de escrever. Presumes que não podes

conformar-te com uma única abordagem, ao mesmo tempo que tens,

nessas mesmas abordagens, o lugar em que encontras derivações, teus

meios para formar expressões. Resta permaneceres aberto e flexível,

sem ser inteligível, sem deixar de lado a ponderação que te leva a

escrever sobre os variados pontos de vista que as sensações provocam,

usando aquilo que te mantém vibrante naquele instante.

Tua escrita se desenvolve problematizando o acadêmico. É

atividade com o pensamento produzindo sentido em um conceitual

desenhado. Não consegues determinar se antes escolhes conceitos e, a

partir deles, criam-se tuas figuras de devir ou se é por meio de tais

figuras que agencias com este ou aquele conceito. Talvez o processo de

escrita acadêmica se faça e desfaça nesses como em outros caminhos,

nos traçados que determinam uma sucessão de reencadeamentos

parciais. Escrita enquanto um encontro dos diversos universos

expressos em sensações que mobilizam um acometimento de desejo

circulante no plano virtual, nas “n” possibilidades de vir a ser.

É preciso ir além. O momento favorece esta atitude criando uma

paisagem acadêmica que autoriza e encoraja a escrita experimental:

Composições vão-se tecendo ao mesmo tempo em que tensionam, em

grau maior ou menor, teu corpo atualizado. Agenciamentos realizados

estão mais para atender aos abalos causados pelos vetores que afectam
165

tuas estratificações, desde então, constituindo um plano que corta

estados de turbulência e produz consistência às intensidades aí

existentes. Descobrir, revelar, desvendar não são ações prioritárias

desse modo de pensar. O que muda é que não se trata mais de manter

o mundo em equilíbrio através de métodos de conhecimento que dizem

desse próprio mundo em nome da verdade a ser alcançada, reproduzida

e encontrada. A idéia de equilíbrio enquanto estabilidade permanente e

central passa a ser inoperante, visto que o equilíbrio é provisório, faz- se

e refaz- se por meio de rupturas de sentido provocadas pelas tensões

das forças que se arranjam, que produzem entre si combinações,

misturando-se às já existentes em uma dinâmica contínua de soma e

subtração de vetores.

Ora, “a lógica de um pensamento não é um sistema racional em

equilíbrio. [...] A lógica de um pensamento é como o vento que nos bate

nas costas, uma série de rajadas e choques” (DELEUZE, 1996b, p. 69) que

te força a partir de uma determinada direção, bem como te força a

delinear um caminho inusitado. Sendo assim, escrever como ato de

pensamento te alegra. Exercício nada fácil, pois se trata de uma escrita

artista e filosófica, contituindo-se em modos de existência, de invenção

de novas possibilidades de vida — “artistagens” viventes, criadoras de

estilos como em uma obra de arte.

Ainda não... Pouco a pouco, uma aproximação em que

expressas vivências das tuas formas. Importam os percursos, os

trajetos, os encontros, os acontecimentos, os agenciamentos que


166

alteram teus pensamentos. Possibilidade de inventar maneiras de viver.

Escreves daquilo que te compõe como este ou aquele: dos objetos

visíveis, dos enunciados dizíveis, das forças que se conjugam, do

indivíduo que se forma e deforma. Procuras misturar isso com aquilo,

mesmo que seja uma miscelânea de corpos extraídos do cotidiano com

incorporais acadêmicos supostamente da mais pura nobreza. Ela

funciona quando põe a fugir a escrita acadêmica educacional de sua

inércia formalista instaurada por seu elitismo mundano e sua lógica

mecanicista e o escritor vaza de sua indolência anestesiadora que o

coloca em confinamento em seu território especializado.

Pessoalidades deixam de ser relevantes quando pensas por

linhas que se movimentam percorrendo terras desconhecidas. Uma

escrita de todos e de qualquer um, contaminada de mundos diversos.

Mapas são desenhados no entrecruzamento de figuras variáveis e de

posições diferenciais. Linhas de fuga reúnem forças potentes para

rupturarem o estabelecido. Que varie pouco ou muito... Não é uma

questão de quantidade. É a vida em ato constituindo-se nas relações

inventadas, multiplicadas, moduladas. É aí que voltas para extrair

novas formas. Repetição produtora da diferença.

Colocara em funcionamento todo dia seu dia

Continuum da noite em acontecimento

Encarregado dos astros e dos animais

Vegetações não te ficavam esquecidas

Trono superior abandonou pela vida


167

Deixou de ser sublime Deus

Apenas maquinista: Homo natura


BIBLIOGRAFIA

ALLIEZ, Eric. A assinatura do mundo: o que é a filosofia de Deleuze e


Guattari? Tradução de Maria Helena Rouanet; Bluma Villar. São Paulo: Ed.
34, 1995.

______. Deleuze, filosofia prática. Cadernos de subjetividade, São Paulo,


num. esp, p. 71-76, jun. 1996a.

______. Deleuze: filosofia virtual. Tradução de Heloisa B. S. Rocha. São


Paulo: Ed. 34, 1996b.

______. (org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. Tradução de Ana Lúcia de
Oliveira (Coord.). São Paulo: Ed. 34, 2000.

ALMEIDA, Júlia. Estudos deleuzianos da linguagem. Campinas: Editora da


UNICAMP, 2003.

ALMEIDA, Maria Inês de (org.). Para que serve a escrita? São Paulo: EDUC,
1997.

ANDRADE, Fábio de Souza. Samuel Beckett: o silêncio possível. Cotia: Ateliê


Editorial, 2001.

ARTAUD, Antonin. Escritos de Antonin Artaud. Tradução de Cláudio Willer.


Porto Alegre: L&PM Editores Ltda, 1986.

AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Tradução de Danilo


Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

BARBOSA, Rogério Andrade. Como as histórias se espalharam pelo mundo.


São Paulo: Editora Difusão Cultural do Livro, 2002.

BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. Tradução de Maria Margarida


Barahona. Lisboa: Edições 70, 1997.

______. Aula. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Editora


Pensamento-Cultix, 2001.

______. O prazer do texto. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva,


2002.

______. Inéditos: vol.1 – teoria. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São


Paulo: Martins Fontes, 2004.
169

BECKETT, Samuel. Como é. Tradução de Ana Helena Souza. São Paulo:


Editora Iluminuras, 2003.
______. Como dizer. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Porto Alegre:
Faculdade de Educação, 2004a. Digitado.

______. Malone morre. Tradução de Paulo Leminski. São Paulo: Códex,


2004b.

BENE, Carmelo; DELEUZE, Gilles. Superposiciones. Buenos Aires: Ediciones


Artes Del Sur, 2003.

BENVENISTE, Emile. O homem na linguagem. Lisboa: Editora Universidade,


1976.

BERGSON, Henri. A Evolução Criadora. Tradução de Adolfo Casais


Monteiro. Rio de Janeiro: Delta, 1964.

______. O pensamento e o movente. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva;


Nathanael Caxeiro. In: ______ Cartas, conferências e outros escritos. São
Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 101-151. (Os Pensadores.)

______. Duração e espaço. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Magazine


Littéraire, Paris, n. 386, p. 50-51, abril 2002.

BIANCHETTO, Lucídio. Trama & Texto: leitura crítica, escrita criativa. São
Paulo: Plexus Editora, 1996.

______. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2002.

BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de


Janeiro: Rocco, 1987.

______. La escritura del desastre. Tradução de Pierre de Place. Caracas:


Editorial Torino, 1990.

______. A parte do fogo. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro:


Rocco, 1997.

______. A conversa infinita – 1: a palavra plural (Palavra de escrita).


Tradução de Aurélio Guerra Neto. São Paulo: Escuta, 2001.

BORGES, Jorge Luis. Ficções. Tradução de Carlos Nejar. São Paulo: Globo,
2001.

CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA: Raduan Nassar. São Paulo:


Instituto Moreira Salles, 1996. Semestral.
170

CARDOSO Jr., Hélio Rebello. Teoria das multiplicidades no pensamento de


Gilles Deleuze. 1996. 340 f. Tese - Departamento de Filosofia do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São
Paulo, 1996.

CARNEIRO, Agostinho Dias. Redação em construção: a escrita do texto. São


Paulo: Moderna, 2001.

CARVALHO, Luiz Fernando. Nossa Família. Pelotas: Folder de lançamento do


filme Lavoura Arcaica, 11 mar. 2002, Cine Arte.

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro:


Editora Rio, 1982.

CHAUI, Marilena. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Editora


Moderna, 1995.

______. Convite à Filosofia.. São Paulo: Editora Ática, 2001.

CLARK, Lygia. Os bichos. In: ______. Textos de Lygia Clark, Ferreira Gullar e
Mario Pedrosa. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980.

CORAZZA, S.M. O que faz gaguejar a linguagem na escola. In: ENDIPE,


2000. Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000. p. 89-103.

______. Manual infame..., mas útil para escrever uma boa proposta de tese
ou dissertação. In: BIANCHETTI, L; MACHADO, A M. N. A bússola do
escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações.
Florianópolis: Editora da UFSC; São Paulo: Cortez, 2002. p. 355-370.

______. Infancionática: dois exercícios de ficção e algumas práticas de


artifícios. In: CORRAZA, Sandra; TADEU, Tomaz. Composições. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003a. p. 89-129.

______; TADEU, Tomaz. Composições. Belo Horizonte: Autêntica Editora,


2003b.

______. Nós as belas almas. Porto Alegre: Faculdade de Educação da


UFRGS, 2004a. 4 f. Digitado.

______. Pesquisar o Acontecimento: estudo em XII exemplos. In: TADEU,


Tomaz; CORAZZA, Sandra; ZORDAN, Paola. Linhas de escrita. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2004b. cap. 1, p. 7-78.

______. Por que somos tão tristes? Pátio – Revista Pedagógica, Porto Alegre,
ano VIII, n. 30, p. 51-53, maio/julho 2004c.
171

______. Como um cão. Porto Alegre: Faculdade de Educação da UFRGS,


2005. 4 f. Digitado.

CORTÁZAR, Júlio. Bestiário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

COSSUTTA, Frédéric. Elementos para a leitura dos textos filosóficos.


Tradução de Angela de Noronha Begnami; Milton Arruda; Clemente Jouet-
Pastré; Neide Sette. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

CURI, Simone. A escritura nômade em Clarice Lispector. Chapecó: Argos


Editora Universitária, 2001.

DELEUZE, Gilles. Espinoza e os signos. Tradução de Abílio Ferreira. Porto:


Rés Editora, 1970.

______. Pensamento Nômade. Tradução de Milton Nascimento. In: MARTON,


Scarlett (org.). Nietzsche hoje? São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 56-76.

______. Diferença e Repetição. Tradução de Luiz B. L. Orlandi; Roberto


Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

______. A dobra: Leibniz e o barroco. Tradução de Luis B. L. Orlandi. São


Paulo: Papirus, 1991.

______. Meu próximo livro vai chamar-se grandeza de Marx. Cadernos de


subjetividade, São Paulo, num. esp, p. 82-89, jun. 1996a.

______. O mistério de Ariana. Tradução de Edmundo Cordeiro. Lisboa:


Passagens, 1996b.

______. Crítica e Clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro:


Editora 34, 1997. (TRANS.)

______. Foucault. Tradução de José Carlos Rodrigues. Lisboa: Vega, 1998.

______. Lógica do sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São


Paulo: Perspectiva, 1998a. (Estudos.)

______. Bergsonismo. Tradução de Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34,


1999a. (TRANS.)

______. O ato de criação. Tradução de José Marcos Macedo. Folha de São


Paulo, São Paulo, 27 jun. 1999b. Caderno Mais, p. 4.

______. Conversações (1972-1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo:


Ed.34, 2000. (TRANS.)
172

______. Espinosa: filosofia prática. Tradução de Daniel Lins; Fabien Pascal


Lins. São Paulo: Escuta, 2002.

______. A imanência: uma vida... Tradução de Tomaz Tadeu. In: Educação &
Realidade, Dossiê Gilles Deleuze, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Faculdade de Educação, v. 27, n. 2, p. 10-18, jul./dez.
2002a.

______. Em quê a filosofia pode servir a matemáticos ou mesmo a músicos –


mesmo e sobretudo quando ela não fala de música ou de matemática.
Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Realidade, Dossiê Gilles Deleuze, Porto
Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação,
v. 27, n. 2, p. 225-226, jul./dez. 2002b.

______. Proust e os signos. Tradução de Antonio Carlos Piquet; Roberto


Machado. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2003.

______. Prefácio: uma nova estilística. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva.


Porto Alegre: Faculdade de Educação, 2004. Digitado.

______. Deleuze/ Anti Oedipe et Mille Plateaux. In: ______. Les Cours de
Gilles Deleuze. Courrs Vincennes – 14/05/1973. Disponível em:
www.webdeleuze.com Acesso em : 25 abril 2005.

DELEUZE, Gilles et al. Mil platôs não formam uma montanha, eles abrem
mil caminhos filosóficos. In: ESCOBAR, Carlos Henrique de. Dossier
Deleuze. (org.). Rio de Janeiro, Hólon Editorial, 1991. p. 115-126.

DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. O anti-édipo: capitalismo e


esquizofrenia. Tradução de Joana Moraes Varela; Manuel Maria Carrilho.
Lisboa: Assírio & Alvim, 1972.

______. Kafka por uma literatura menor. Tradução de Júlio Castañon


Guimarães. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

______. O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Jr.; Alberto Alonso


Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996. (TRANS.)

______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Ana Lúcia de


Oliveira; Lúcia Claudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997a. v.2. (TRANS.)

______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Peter Pál


Pelbart; Janice Caiafa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997b. v.5. (TRANS.)

______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Aurélio Guerra


Neto; Ana Lúcia de Oliveira; Lúcia Cláudia Leão; Suely Rolnik. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1999. v.3. (TRANS.)
173

______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Aurélio Guerra


Neto; Celia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000. v.1 (TRANS.)

______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rolnik.


Rio de Janeiro: Ed. 34, 2002. v.4. (TRANS.)

DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Tradução de Eloísa Araújo


Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998.

______. L’ Abécédaire de Gilles Dekeuze. Entrevista com Gilles Deleuze.


Editoração: Brasil, Ministério de Educação, “TV Escola”, 2001. Paris:
Editions Montparnasse, 1997. 1 videocassete, VHS, son., color.

DELIUS, Christoph et al. História da Filosofia: da antiguidade aos dias de


hoje. Colónia: Könemann Verlagsgesellschaft mbH, 2001.

DESCARTES, René. Os Pensadores. Tradução de J. Guisburg; Bento Prado


Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores.)

DIAS, Sousa. Lógica do acontecimento: Deleuze e a filosofia. Porto: Edições


Afrontamento, 1995.

DOYLE, Arthur Conan. O signo dos quatro. Porto Alegre: Editora Ática,
1998.

DUCROT, Oswald; TODOROV, Tzvetan. Dicionário enciclopédico das ciências


da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2001.

DURAS, Marguerite. Escrever. Tradução de Vanda Anastácio. Lisboa:


Difusão Editorial, 2001.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1983.

EWALD, François. A Esquizoanálize. Dossier Deleuze. In: Carlos Henrique


de Escobar (org.). Rio de Janeiro, Hólon Editorial, 1991. p. 89-92.

FARINA, Cynthia. A vida como obra de arte: a arte como obra de vida: por
uma pedagogia das afecções. 1999. 145f. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Faculdade de Educação. Universidade Federal de Pelotas.
Pelotas, 1999.

______. Arte, cuerpo y subjetividad: Estética de la formación y Pedagogía de


las afecciones. 2005. 406 f. Teese – Departament de Teoria i Història de
l’Educació, Universitat de Barcelona, Barcelona, 2005.

FARACO, Carlos Alberto, TEZZA, Cristóvão. Prática de texto para estudantes


universitários. Petrópolis: Vozes, 1992.
174

FEITOSA, Charles. O que é isto – filosofia pop? In: LINS, Daniel (org.).
Nietzsche e Deleuze: pensamento nômade. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2001. cap. 6, p. 95-104.

FIGUEIREDO, Luiz Carlos. A redação pelo parágrafo. Brasília: Editora


Universidade de Brasília, 1999.

FIDALGO, António. A semiótica e os modelos de comunicação. Disponível


em: <http://ubista.ubi.pt/~comum/fidalgo-semiotica-modelos.html>.
Acesso em: 25 abril 2005.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

______. Theatrum philosophicum. In: Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994.


p.75-99.

______. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema/ Michel Foucault.


Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001.

______. Linguagem e literatura. In: MACHADO, Roberto. Foucault: a filosofia


e a literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. cap. 6, p. 135-174.

GABILONDO, Angel. Trazos Del Eros: Del leer, hablar y escribir. Madrid:
Editorial Tecnos, 1997.

GALLO, Silvio. Deleuze & a educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora,


2003.

GARCIA, Raul. La anarquia coronada: la filosofia de Gilles Deleuze. Buenos


Aires: Ediciones Colihue S.R.L., 1999.

GARCIA, Regina Leite et al. Para quem pesquisamos, para quem escrevemos:
o impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

GIL, José. Metamorfoses do corpo. Tradução de Maria Cristina Meneses.


Lisboa: A regra do jogo, 1980.

______. Diferença e negação na poesia de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro:


Relume Dumará, 2000.

______. Movimento total: o corpo e a dança. Tradução de José Serras Pereira.


Lisboa: Relógio D’Água, 2001.

______. Ele foi capaz de introduzir no movimento dos conceitos o movimento


da vida. In: Educação & Realidade, Dossiê Gilles Deleuze, Porto Alegre:
175

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, v. 27,


n. 2, p. 205-224, jul./dez. 2002.

______. Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Tradução de Miguel


Serras Pereira; Ana Luisa Faria. Lisboa: Relógio D’Água.

GOMES, Paola Basso Menna Barreto. Devir-animal e educação. In:


Educação & Realidade, Dossiê Gilles Deleuze, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p.
59-66, jul./dez. 2002.

GRANGER, G. G. Filosofia do estilo. Tradução de Scarlett Zerbetto Marton.


São Paulo: Perspectiva, 1974.

GUATTARI, Félix. O inconsciente maquínico: ensaios de esquizo-análise.


Tradução de Constança Marcondes César; Lucy Moreira César. Campinas:
Papirus Editora, 1988.

______. Caosmose: um novo paradigma estético. Tradução de Ana Lúcia de


Oliveira; Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Ed. 34, 2000.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo.


Petrópolis: Vozes, 1986.

GUIRAUD, Pierre. A estilística. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970.

HARDT, Michael. Gilles Deleuze: um aprendizado em filosofia. Tradução de


Sueli Cavendish. São Paulo: Ed. 34, 1996.

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Tradução de


J. Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1975.

ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche: estilo e moral. São Paulo: Discurso
Editorial; Ijuí: Editora UNIJUI, 2002.

JAMESON, Fredric. Os dualismos hoje em dia. In: ALLIEZ, Eric (org.). Gilles
Deleuze: uma vida filosófica. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira (Coord.).
São Paulo: Ed. 34, 2000. p. 373-395.

KAFKA. A metamorfose. Tradução de Modesto Carone. São Paulo:


Companhia das Letras, 2003a.

______. Um médico rural. Tradução de Modesto Carone. São Paulo:


Companhia das Letras, 2003b.

______. O veredicto e Na colônia penal. Tradução de Modesto Carone. São


Paulo: Companhia das Letras, 2004.
176

KANT, Immanuel. Os Pensadores. São Paulo: Abril S. A. Cultural e


Industrial, 1974. (Os Pensadores.)

KLEIST, Heinrich Von. As marionetes. Tradução de Pedro Sussekind. Rio de


Janeiro: Sette Letras, 1997.

_______. Pentesileia. Tradução de Rafael Gomes Filipe. Porto: Porto Editora,


2003.

LARANJEIRA, Mário. Poética da tradução: do sentido à significância. São


Paulo: EDUSP, 2003.

LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, T. T. (org.). O


sujeito da educação. Petrópolis: Vozes, 1994.

______. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Porto Alegre:


Contrabando, 1998.

______. Linguagem e educação depois de Babel. Tradução de Cynthia Farina.


Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2004a.

______. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na


escrita e na vida. Tradução de Carla Cardarello. Educação & Realidade,
Porto Alegre, v.29, n.1, p. 27-43, jan/jun 2004b.

LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault, Deleuze.


Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

LINS, Daniel. Antonin Artaud: o artesão do corpo sem órgãos. Rio de


Janeiro: Relume Dumará, 2002.

LINS, Daniel et al (org). Cultura e subjetividade: saberes nômades.


Campinas: Papirus, 1997.

LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

______. Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1978.

MACHADO, Roberto. .Deleuze e a filosofia. Rio de Janeiro: Edições Graal


Ltda, 1990.

______. Deleuze sem hermetismos. Cadernos de subjetividade, São Paulo,


num. esp, p. 239-243, jun. 1996.

______. Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


2001.
177

MARQUES, Mario Osório. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. Ijuí:


Ed. Unijuí, 2001.

MARTON, Scarlet. Nietzsche hoje? São Paulo: Brasiliense, 1985.

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Tradução de Péricles Eugênio da Silva


Ramos. São Paulo: Editora Nova Cultura, 2003.

MORRIS, Charles. Fundamentos da teoria dos signos. Tradução de Paulo


Alcoforado e Milton José Pinto. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca; São Paulo:
Ed. Da Universidade de São Paulo, 1976.

MOSÈ, Viviane. Nietzsche e a grande política da linguagem. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2005.

MOTTA, Manoel Barros da. Ditos e Escritor III – Michel Foucault. Estética:
literatura e pintura, música e cinema. Tradução de Inês Autran Dourado
Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2001.

NASSAR, Raduan. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das Letras,


2002.

______. Lavoura arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

NEWTON, Isaac; LEIBNIZ (I). Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,


1979. (Os Pensadores.)

NIETZSCHE, Friedrich. Humano demasiado humano: um livro para espíritos


livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

______. Acerca da verdade e da mentira no sentido extraoral. Lisboa: Relógio


D’água, 2000a.

______. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das


Letras, 2001.

______. Para além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. São
Paulo: Martin Claret, 2002.

OLIVEIRA, Ana Teresa Pinto de. Manual compacto de redação e estilo. São
Paulo: Rideel, 1994.

O TIGRE E O DRAGÃO. Direção: Ang Lee. Hong Kong: 2000. 1 DVD (120
min), son., color., legendado.

PARDO, José Luis. Deleuze: violentar el pensamiento. Madrid: Ediciones


Pedagógicas, 2002.
178

PELBART, Peter Pál. O tempo não-reconciliado. São Paulo: Perspectiva –


FAPESP, 1998.

______. A vertigem por um fio: políticas da subjetividade contemporânea. São


Paulo: Iluminuras, 2000.

______. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Editora Iluminuras,


2003.

PETERS, Michael. Pós-estruturalismo e filosofia da diferença. Tradução de


Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000.

PIZARNIK, Alejandra. La extracción de la piedra de locura. Otros poemas.


Madrid: Visor Libros, s/d.

PLATÃO. A república. São Paulo: Nova Cultura, 2000. p.321-352.

PRADO Jr, Bento. A generosidade do pensamento. Cadernos de


subjetividade, São Paulo, num. esp, p. 77-78, jun. 1996.

RAJCHMAN, John. As ligações de Deleuze. Tradução de Jorge P. Pires.


Lisboa: Temas e Debates atividades editoriais, 2002a.

______. Construções. Tradução de Margarida Vale de Gato. Lisboa: Relógio


D’Água, 2002b.

REGNAULT, François. A vida filosófica. Cadernos de subjetividade, São


Paulo, num. esp, p. 47-58, jun. 1996.

ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do


desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.

______. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política


no trabalho acadêmico. Cadernos de subjetividade (dossiê linguagens), São
Paulo, n.2, p. 241-251, 1993.

______. Deleuze, esquizoanalista. Cadernos de subjetividade, São Paulo,


num. esp, p. 82-89, jun. 1996a.

______. Despedir-se do absoluto. Cadernos de subjetividade, São Paulo,


num. esp, p. 244-256, jun. 1996b.

______. Uma insólita viagem à subjetividade: fronteiras com a ética e a


cultura. In: LINS, Daniel (org.). Cultura e subjetividade; saberes nômades.
Campinas: Papirus, 1997a. p. 25-34.
179

______. Toxicômanos de identidade: subjetividade em tempo de globalização.


In: LINS, Daniel (org.). Cultura e subjetividade; saberes nômades. Campinas:
Papirus, 1997b. p. 19-24.

______. Esquizoanálise e antropofagia. In: ALIEZ, Eric (org.). Gilles Deleuze:


uma vida filosófica. São Paulo: Ed. 34, 2000.

SARRAUTE, Nathalie. O uso das palavras. Lisboa: Difusão Editorial, 1987.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Editora


Cultrix, 2000.

SAUSSURE, Ferdinand de; JAKOBSON, Roman; HJELMSLEV, Louis;


CHOMSKY, Noam. Textos selecionados. Tradução de Carlos Vogt, J. Mattoso
Câmara Jr.; Haroldo Campos; Francisco Achcar; José Teixeira Coelho neto;
Armando Mora D’Oliveira. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

SCHÉRER, René. Homo Tantum. O impessoal: uma política. In: ALLIEZ,


Eric (org). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Editora 34, 2000.

SERRES, Michel. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,


2004.

SILVA, Cíntia Vieira da. O conceito de desejo na filosofia de Gilles Deleuze.


2000. 167 f. Dissertação – Departamento de Filosofia do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São
Paulo, 2000.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às


teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

______. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz


Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000a. p.73-102.

______. Teoria cultural e educação: um vocabulário crítico. Belo Horizonte:


Autêntica, 2000b.

______. Dr. Nietzsche, curriculista – com uma pequena ajuda do Professor


Deleuze. Texto apresentado na XXIII Reunião Anual da ANPEd. Caxambu,
2001.

SIMONDON, Gilbert. A gênese do indivíduo. Cadernos de Subjetividade, São


Paulo, p. 98-117, 2003.

SPINOZA, Baruch de. Ética demonstrada à maneira dos geômetras.


Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002.
180

TADEU, Tomaz. A arte do encontro e da composição: Spinoza + Currículo +


Deleuze. In: CORAZZA, Sandra; TADEU, Tomaz. Composições. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003, p. 59-74.

______ ; CORAZZA, Sandra; ZORDAN, Paola. Linhas de escrita. Belo


Horizonte: Autêntica, 2004.

VIANA, Antônio Carlos (coord.). Roteiro de redação: lendo e argumentando.


São Paulo: Scipione, 1998.

WOOLF, Virgínia. As ondas. Tradução de Lya Luft. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2004.

______. Mrs. Dalloway. Tradução de Mário Quintana. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, s.d.

YLLERA, Alicia. Estilística, poética e semiótica literária. Tradução de Evelina


Verdelho. Coimbra: Livraria Almedina, 1979.

ZOURABICHVILI, François. Tradução de André Telles. O vocabulário de


Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. (Conexões.)

Você também pode gostar