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Com este trabalho pretende-se compreender em que consiste a “análise de documentos”, que
cuidados o investigador deve ter na recolha e análise desses documentos e que vantagens e
limitações este método apresenta. De modo a alcançar os objectivos definidos, estruturámos o
trabalho em cinco partes: (1) Introdução, onde é contextualizado este método nos paradigmas em
investigação educacional e são esclarecidos alguns termos relacionados com a análise de
documentos; (2) Recolha de documentos, na qual se discute aspectos como a localização, a
natureza, a selecção e a análise crítica dos documentos; (3) Análise de conteúdo, onde se aborda um
conjunto de procedimentos para a análise dos documentos recolhidos; (4) Vantagens e limitações
deste método; e (5) Conclusão.
1. Introdução
A análise de documentos, seguida na maioria das investigações educacionais, pode ser usada
segundo duas perspectivas:
− servir para complementar a informação obtida por outros métodos, esperando encontrar-
se nos documentos informações úteis para o objecto em estudo;
− ser o método de pesquisa central, ou mesmo exclusivo, de um projecto e, neste caso, os
documentos são o alvo de estudo por si próprios (Bell, 1993).
Para se abordar a “análise documental” importa clarificar alguns conceitos como dado,
documento e análise:
− Dado – “Um dado suporta uma informação sobre a realidade, implica uma elaboração
conceptual dessa informação e o modo de expressá-la que possibilite a sua conservação e
comunicação” (Flores, 1994, p.16). Esta definição de dado pode ser representada através
do esquema da Figura 2.
− Documento – impressão deixada num objecto físico por um ser humano e pode
apresentar-se sob a forma de fotografias, de filmes, de diapositivos, de endereços
electrónicos, impressa (a forma mais comum), entre outras (Bell, 1993).
− Análise – em investigação educativa, de uma forma geral, consiste na detecção de
unidades de significado num texto e no estudo das relações entre elas e em relação ao
todo (Flores, 1994).
A análise de documentos pode, então, ser interpretada como sendo constituída por duas
etapas: uma primeira de recolha de documentos e uma segunda de análise, como a análise de
conteúdo.
2. Recolha de Documentos
Quanto à natureza dos documentos estes podem ser classificados em fontes primárias ou em
fontes secundárias.
− Fontes primárias - produção de documentos efectuada durante o período a ser
investigado, como por exemplo manuscritos, leis, actas de reuniões, memorandos,
biografias, filmes, pinturas, entre outros (Cohen & Manion, 1994).
− Fontes deliberadas – foram produzidas com o intuito de servir a futuras investigações,
podendo ter a função de esclarecimento de suspeitas ou de reputação (Lehmann &
Mehrens, 1971, citado em Bell, 1993). Exemplos de fontes deliberadas são as
autobiografias, documentos de autojustificação e memórias de políticos ou pessoas
ligadas à educação (Elton, 1967, citato em Bell, 1993).
− Fontes inadvertidas – tipo de fontes primárias mais comum e, geralmente, mais valioso,
resultante do normal funcionamento do sistema em estudo, são usadas pelo investigador
com uma finalidade diferente daquela com que foram criadas. São exemplos as actas de
conselhos de turma, os números de estatísticas nacionais, os manuais e folhetos
informativos e os relatórios de inspecções escolares (Bell, 1993).
− Fontes secundárias – interpretações de eventos do período em estudo, baseadas nas
fontes primárias, como por exemplo enciclopédias, réplicas de objectos de arte, manuais
escolares, ou mesmo a história de uma escola escrita a partir de actas de reuniões gerais
(Bell, 1993). Best (1970, citado em Cohen & Manion, 1994) previne para o facto de as
Cristina Calado, Cristina Ferreira
Metodologia da Investigação I – 2004/2005 5
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fontes secundárias terem um carácter limitativo uma vez que resultam da passagem de
informação de uma pessoa a outra, ou de interpretações de várias pessoas.
A distinção entre fontes primárias e secundárias pode ser complicada uma vez que,
consoante o contexto ou ponto de vista, o mesmo documento pode ser entendido ora como fonte
primária ora secundária (Marwick, 1989, citado em Bell, 1993).
A questão da natureza dos dados documentais prende-se, ainda, a duas variantes mais
frequentemente utilizadas em investigação: a recolha de dados estatísticos e de documentos de
forma textual (Quivy & Campenhoudt, 2003). Cada uma destas variantes implica diferentes
processos de validação de dados que serão discutidos mais à frente.
Para Lofland e Lofland (1984, citado em Flores, 1994) uma forma de tornar a fase de
recolha de dados mais produtiva é proceder, em simultâneo, a uma “pré-análise” destes. É que estas
duas tarefas, a recolha de dados e a “pré-análise” destes, condicionam-se mutuamente, pois a
informação recolhida e a conceptualização resultante da sua análise orientam uma nova recolha de
dados. Ao longo do processo de investigação a tarefa da “pré-análise” vai ocupando uma posição
predominante, até que se entre na fase de análise propriamente dita (Figura 3).
3. Análise de Conteúdo
As categorias utilizadas num estudo podem definir-se a priori, de acordo com as questões e
hipóteses que orientam a investigação, geralmente enquadrando-se numa investigação de natureza
positivista, ou então podem definir-se a posteriori, a partir dos próprios dados obtidos,
enquadrando-se numa investigação de natureza interpretativa. Bogdan e Byklen (1994) apresentam
vários exemplos de categorias que podem ser estabelecidas. A afirmação que se apresenta de
seguida é de uma professora e foi codificada na categoria “Percepções do professor acerca do seu
trabalho”:
Para mim, o ensino é a minha vida. Não separo ambos. Muitas vezes no duche penso:
“E se eu apresentasse o material desta maneira e não da maneira que apresentei o ano
passado?”. Por vezes, passam-se vinte minutos no duche sem eu dar por isso. O meu
marido pensa que eu sou louca, mas ele é exactamente como eu. Não somos fãs de
festas, nem de férias; o trabalho é realmente a razão de ser das nossas vidas. (Bogdan
& Byklen, 1994, p.223).
Após a categorização, segue-se o processo de codificação, que não é mais do que o processo
físico mediante o qual se realiza a categorização. Assim, é uma operação concreta na qual se coloca
em cada unidade estabelecida um determinado código próprio da categoria em que o investigador a
considera incluída. Os códigos que representam as categorias podem ser números com os quais se
marca cada unidade dos dados, ou então podem ser abreviaturas de palavras dos respectivos nomes
das categorias (Flores, 1994).
Deste modo, ambos os processos de categorização e codificação estão relacionados com
uma operação fundamental: a decisão sobre a associação de cada unidade a uma determinada
categoria (Flores, 1994). Assim, ao efectuar a codificação, o investigador está necessariamente a
agrupar as diferentes unidades de dados de acordo com as diferentes categorias estabelecidas.
Todo este conjunto de tarefas – separação em unidades, categorização/codificação e
agrupamento – constituem modos de contribuir para a redução de dados, fundamental para a análise
de conteúdo.
Os processos de redução dos dados permitem simplificar a informação, mas esta deve ser
apresentada de algum modo que possibilite o seu posterior processamento e que facilite a obtenção
de conclusões. Os procedimentos para a apresentação dos dados dependem se a análise recorre à
quantificação ou se é uma análise qualitativa (Flores, 1994).
A apresentação dos dados na análise que recorre à quantificação pode fazer-se na forma de
uma matriz numérica onde os valores de cada célula correspondem às frequências alcançadas nas
diferentes categorias de cada unidade considerada para o estudo, sendo essencial o uso de
programas informáticos. Um exemplo são as tabelas léxicas, onde é apresentada informação sobre a
ocorrência de determinadas palavras de acordo com as categorias estabelecidas. A apresentação de
dados na análise qualitativa também pode recorrer a vários procedimentos, como diagramas,
matrizes e sistemas de rede (Flores, 1994).
Deste modo, a apresentação de um conjunto de dados pode fazer-se de múltiplas formas,
tudo depende do objectivo que o investigador pretenda com eles. Por vezes, o interesse é
unicamente descritivo, apresentando-se a análise da informação disponível e fornecendo-se uma
visão de conjunto (Flores, 1994).
3.3. Conclusões
4. Conclusão
Tal como referem Quivy e Campenhoudt (2003), apenas conhecemos um método de recolha
e análise de dados “depois de o termos experimentado por nós próprios. Antes de escolhermos um
é, portanto, indispensável assegurarmo-nos, junto de investigadores que o dominem bem, da sua
pertinência em relação aos objectivos específicos de cada trabalho, às suas hipóteses e aos recursos
de que dispomos” (p.186).
5. Referências Bibliográficas
Bell, J. (1993). Como Realizar um projecto de Investigação (3ª ed.). Lisboa: Gradiva.
Bogdan, R.; & Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação – Uma introdução à teoria
e aos métodos. Porto: Porto Editora.
Chagas, I. (1993). Teachers as innovators: A case study of implementing the interactive videodisc in
middle school science program. Tese de Doutoramento, Boston University.
Cohen, L.; & Manion, L. (1994). Research methods in education (4ª ed.). London: Routledge.
Delgado, J.; & Gutiérrez, J. (1995). Métodos y técnicos cualitativos de investigación en ciencias
sociales. Madrid: Editorial Síntesis.
Igea, D.; Agustín, J.; Beltrán, A.; & Martín, A. (1995). Técnicas de investigación en ciencias
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Machado, C. (2004). Actividades práticas e literacia científica – Um estudo com alunos do 5º ano
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publicada).
Neves, I,; & Morais, A. (2000). Política educativa e orientações programáticas: Análise da educação
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Quivy, R.; & Campenhoudt, L. (2003). Manual de investigação em ciências sociais (3ª ed.). Lisboa:
Gradiva.