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Uso Racional Medicamentos Temas Selecionados PDF
Uso Racional Medicamentos Temas Selecionados PDF
ISBN 978-85-334-1897-4
temas selecionados
BRASÍLIA – DF
2012
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos
Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos
Uso Racional de
Medicamentos
temas selecionados
Série A. Normas e Manuais Técnicos
BRASÍLIA – DF
2012
© 2012 Ministério da Saúde.
Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que
não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens dessa
obra é da área técnica. A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada, na íntegra, na Biblioteca
Virtual em Saúde do Ministério da Saúde: http://www.saude.gov.br/bvs. O conteúdo desta e de outras obras da
Editora do Ministério da Saúde pode ser acessado na página: http://www.saude.gov.br/editora.
Ficha Catalográfica
_______________________________________________________________________________________________
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.
Uso racional de medicamentos: temas selecionados / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos – Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
156 p. : il. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos)
ISBN 978-85-334-1897-4
1. Uso racional de medicamentos. 2. Condutas baseadas em evidências. 3. Atenção Primária à Saúde. I. Título. II. Série.
CDU 354.53:005.21:5/6
_______________________________________________________________________________________________
Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2012/0062
Prefácio 5
Apresentação 7
Prefácio
A produção científica caracteriza-se por seu crescente volume e rápida acumulação, dificultando sua
integração na prática profissional, tendo em vista a necessidade dos profissionais em analisar criticamente
a confiabilidade das informações em tempo hábil. Assim, é preciso desenvolver capacidade para localizar e
ter acesso a informações com evidência atualizada, de forma ágil, concreta e confiável.
Neste sentido, este livro traz uma coletânea de temas avaliados criticamente, que são resumos das
produções científicas relevantes para a Atenção Primária em Saúde. Esses temas organizam, resumem,
integram e transformam conhecimentos clínicos, com base em evidências, os quais auxiliam os profissionais
nas tomadas de decisões de forma eficiente para a prática assistencial, a fim de obter o máximo benefício
para a resolutividade em saúde.
5
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Apresentação
O sucesso terapêutico no tratamento de doenças depende de bases que
permitam a escolha do tratamento, medicamentoso e/ou não medicamentoso,
a seleção do medicamento de forma científica e racional, considerando sua
efetividade, segurança e custo, bem como a prescrição apropriada, a disponibilidade
oportuna, a dispensação em condições adequadas e a utilização pelo usuário de
forma adequada. Dessa forma, as decisões clínicas e as relações estabelecidas
entre os profissionais e usuários são determinantes para a efetividade terapêutica.
Esta publicação, destinada aos profissionais de saúde, foi organizada em parceria com a Organização
Pan-Americana de Saúde. Os textos constantes nesta obra foram elaborados no período de setembro de
2010 a maio de 2011, em continuidade aos Temas Selecionados publicados entre 2003 e 2007.
As condutas aqui descritas foram elaboradas sob a óptica do paradigma da saúde baseada em evidência,
abrangendo manifestações clínicas frequentes e doenças prioritárias. Reúnem informações sobre indicação,
seleção, prescrição, monitoramento de benefícios e riscos, bem como potenciais interações com medicamentos
e alimentos, baseados em conhecimentos sólidos, independentes e atualizados. Dessa forma, vislumbra-se
que orientem as práticas a fim de contribuir para a racionalidade na utilização dos medicamentos.
7
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
1
sobre Medicamentos Utilizados em
Atenção Primária à Saúde
Lenita Wannmacher
“Se você quiser começar amanhã a mudar a prática e implementar a evidência, prepare-se bem: envolva
o público pertinente; desenvolva uma proposta de mudança que seja baseada em evidência, factível
e atraente; estude as principais dificuldades para o sucesso da mudança e selecione um conjunto de
estratégias e medidas em diferentes níveis ligados ao problema; sem dúvida, trabalhe dentro de seus
recursos e possibilidades. Defina indicadores de medida de sucesso e monitorize o progresso continu-
amente ou a intervalos regulares. Finalmente, satisfaça-se com um trabalho que leva a cuidado mais
eficaz, eficiente, seguro e amistoso para seus pacientes.”
Grol R. e Grimshaw J.1
9
Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Glossário9
Níveis de evidência – referem-se à hierarquia Validade interna – diz-se do estudo em que as
dos desenhos dos estudos que são agrupados por evidências de associação (ou sua falta) têm mínima
sua suscetibilidade a vieses. chance de dever-se ao acaso e não existem erros
Força da evidência – corresponde à sistemáticos.
combinação de desenho do estudo, qualidade do Validade externa – diz-se do estudo em que os
estudo e precisão estatística (valor de P e intervalos resultados podem ser generalizados para outras
de confiança). amostras ou populações.
Magnitude da evidência – refere-se ao tamanho Significância farmacológico-clínica e
do efeito estimado, significância estatística e aplicabilidade – correspondem à aplicação
importância (clínica ou social) de um achado pragmática dos resultados de uma investigação
quantitativo. A significância estatística é um cálculo com validades interna e externa. A magnitude do
numérico, mas o julgamento da importância de um efeito observado e outros aspectos relacionados à
efeito medido relaciona-se ao contexto da decisão. intervenção justificam seu emprego em pacientes.
Poder do estudo – probabilidade de detectar
diferença realmente significativa entre elementos
em comparação.
VI Séries de casos
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Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
utilizado para avaliar o risco aumentado de um evento significativa entre os grupos, quando, na verdade,
adverso associado a uma dada intervenção. Calcula- ela não existe, é igual ou inferior a 5% ou 1%,
se, em comparação ao tratamento controle, quantos respectivamente. Por convenção, são consideradas
pacientes precisam ser submetidos a tratamento chances suficientemente pequenas de erro de tipo
para provocar um evento adverso. Quanto maior for I, de modo que se aceita a afirmativa de que a
o NND, mais conveniente será a intervenção com diferença deva existir. No entanto, como são níveis
um dado medicamento, pois significa que muitos arbitrários, quando se estabelece, por exemplo,
precisam ser expostos para que ocorra um dano. nível α de 0,05, prefere-se falar em tendência, e
não em significância.
Erros Aleatórios8,10 Valor P estima quantitativamente a chance
de os resultados observados deverem-se
apenas a erros aleatórios e não à influência
Há duas possibilidades de acerto em teste
das variáveis analisadas no estudo. Expressa,
estatístico: (a) os grupos estudados são realmente
assim, a probabilidade de haver erros alfa (Pα)
diferentes ou (b) os grupos realmente se
ou beta (Pβ). No entanto a maior parte das
comportam de forma semelhante. Há também duas
publicações expressa a probabilidade de P
possibilidades de erro:
alfa ou simplesmente P. Aplicando o conceito
Erro alfa (erro tipo I) ocorre quando o
de probabilidade a um P de 0,05, diz-se que o
teste detecta diferença entre grupos que, na
resultado (evento) obtido poderá aparecer cinco
realidade, são similares, propiciando conclusão
vezes em 100 repetições do experimento (número
“falsamente positiva”. Assim, erro alfa é a
de vezes que o evento pode ocorrer). Valores de
probabilidade de ser apontada diferença entre
P iguais ou inferiores a 0,05 são considerados
grupos, inexistente na população.
“estatisticamente significativos”.
Portanto, só deve ser considerado em estudos
Poder estatístico é a probabilidade de um
que concluem pela diferença entre grupos.
experimento detectar diferença significativa quando
Erro beta (erro tipo II) ocorre quando o teste
ela realmente existe. Quanto maior o poder do
estatístico conclui pela não diferença entre
estudo, maior é a probabilidade de detectar diferença
grupos que são, de fato, diferentes, levando à
realmente significativa. A probabilidade de cometer
conclusão “falsamente negativa”. Erro beta é
erro de tipo II decresce à medida que o tamanho de
a probabilidade de dizer que não há diferença
amostra aumenta. Logo, o poder da prova aumenta
entre os grupos, quando, na realidade, ela existe.
com a realização de maior número de observações.
Só pode ser cogitado quando não há diferença
Por isso, se explicita o número de pacientes da
estatisticamente significativa entre os grupos
amostra estudada.
estudados, tendo maior risco de ocorrência
em experimentos com pequena amostragem.
Os estudos devem ser planejados com poder Erros sistemáticos10
suficiente para evitar erro beta, o qual usualmente
é superior a 80% (0,8). Isso é conseguido com Consistem em desvios da verdade que distorcem
tamanho de amostra adequado à magnitude da os resultados de pesquisas. Não acontecem pelo
associação que se espera observar. acaso, mas por erros em amostragem, aferição de
Nível de significância do teste estatístico exposição ou eventos, análise e interpretação dos
corresponde à taxa de erro de tipo I ou alfa dados, entre outros. Apesar de haver mais de 70
que o estudo se propõe a tolerar. Usualmente vieses já catalogados, os três principais são vieses
é estabelecido em 0,05 ou 0,01, ou seja, a de seleção, aferição e confusão.
probabilidade de afirmar que há diferença
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Ministério da Saúde
Referências
1 GROL, R.; GRIMSHAW, J. From best evidence 6 VAN, Weel C. Translating research into
to best practice: effective implementation of practice—a three-paper series. The Lancet,
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362, n. 9391, p. 1225-1230, 2003.
7 FOR THE GRADE Working Group. Grading quality
2 W O R L D H E A LT H O R G A N I Z AT I O N . of evidence and strength of recommendations. BMJ,
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Cochrane Collaboration. J. Epidemiol. Community Racional. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Health, London, v. 60, n. 4, p. 285–289, 2006. Koogan, 2010. p. 9-25.
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
2
Essenciais em Prescrição e
Gestão Racionais
Lenita Wannmacher
Modernamente os medicamentos são parte com 205 itens (186 medicamentos). Desde então,
importante da atenção à saúde. Não só salvam 16 revisões foram publicadas, e a maioria dos 193
vidas e promovem a saúde, como previnem países-membros adotaram listas de medicamentos
epidemias e doenças. Acesso a medicamentos é essenciais. Isso faz com que a questão dos
direito humano fundamental. Há aceitação mundial medicamentos essenciais continue como ponto-
do conceito de medicamentos essenciais. Esses chave nas estratégias da OMS para 2008–20133, e
constituem poderosa ferramenta para promover que a diretora geral, Dra. Margaret Chan, assim se
saúde equitativa, já que têm comprovado impacto expresse: “O conceito de medicamentos essenciais
em acesso, por serem um dos elementos mais é uma das maiores aquisições de saúde pública na
custo-efetivos nos cuidados à saúde. Assim, história da OMS. É tão relevante hoje como foi sua
construir lista de medicamentos essenciais pode concepção há 30 anos”.4
ajudar os países a racionalizar compra e distribuição A partir de 2002, a OMS modificou o conceito
de medicamentos, reduzindo custos e garantindo de medicamentos essenciais. Esses deixaram de
apropriada qualidade de atendimento.1 ser direcionados somente a doenças prevalentes,
No Brasil, a sétima edição da Relação Nacional passando a ser selecionados para situações
de Medicamentos Essenciais (Rename)2 foi prioritárias em saúde pública. Isso se deveu à
publicada em 2010, à qual se seguirá a nova versão necessidade de incorporar antirretrovirais à lista. A
do Formulário Terapêutico Nacional. O objetivo OMS também adotou novos critérios para seleção
desses documentos é servir de ferramenta que dos medicamentos. As decisões passaram a ser
oriente o uso racional de medicamentos prioritários fortemente baseadas em evidência, e os pareceres
à saúde pública no Brasil, envolvendo aspectos começaram a ser antecipadamente publicados na
relativos à atenção à saúde, como prescrição, página eletrônica da instituição para que qualquer
dispensação, administração e emprego pelo pessoa ou organização pudesse opinar sobre o
usuário, bem como aqueles relacionados à gestão, que se apresentaria para discussão e decisão
abrangendo seleção, suprimento e acesso a eles na próxima reunião do comitê. Dessa forma, a
pela população. preocupação com a melhor evidência científica
Por isso, parece oportuno falar sobre a história e a transparência intentou obter maior grau de
dos medicamentos essenciais e de sua importância credibilidade internacional às ações da entidade.
para a assistência e a gestão pública de saúde. Usadas como ferramentas para a tomada de
decisão em saúde pública, as listas têm auxiliado
gestores, profissionais da saúde e o público em
Trajetória dos medicamentos essenciais geral a lidar com medicamentos eficazes, seguros
na Organização Mundial da Saúde (OMS) e de qualidade, a menor custo. O ônus econômico
desses produtos se faz sentir especialmente em
Em 1975, a Assembleia Mundial da Saúde pediu países pobres que têm limitados recursos. Por isso, é
à OMS para assessorar os estados-membros particularmente importante para promoção da saúde
a selecionar medicamentos essenciais com investir em estratégias globais e integradas que sejam
qualidade e custo razoável. Em 1977, publicou-se a eficazes. Quando se trata de tomar decisões em
primeira lista modelo de medicamentos essenciais saúde, essas podem estar mais bem fundamentadas
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Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
No Brasil, em 2010, serão publicadas novas Além dos critérios maiores já mencionados, há
versões do Formulário Terapêutico Nacional (FTN) e outros condicionantes da seleção de medicamentos
dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas que essenciais. Muitas vezes o representante é
poderão ser acessadas no site do Ministério da Saúde. escolhido por ser usado em mais de uma doença.
Custo alto não exclui da lista um medicamento, se
este representa a melhor escolha para uma condição
Seleção de medicamentos essenciais
específica. Ao contrário, se todos os critérios
hierarquicamente mais importantes (eficácia,
Os medicamentos essenciais são selecionados
segurança e conveniência ao paciente) forem
a partir do elenco de medicamentos registrados no
similares, a decisão penderá em favor do que tiver
País. Mas nem todos os medicamentos registrados
preço mais justo, para tornar-se mais facilmente
são essenciais. Na atualidade, cresce o número
disponível aos pacientes que dele necessitarem.
de medicamentos colocado para comercialização,
Da lista de essenciais são excluídos
sendo que apenas 1% representa reais inovações
medicamentos de similar eficácia e segurança, de
com relevância clínica. Há, pois, um armamentário
recente introdução no mercado, com insuficiente
excessivo e repetitivo, criando-se “famílias” de
experiência de uso e eficácia ou segurança não
medicamentos, em que os mais novos são muito
definidamente comprovadas.
semelhantes em eficácia e segurança (me-toos) aos
Na lista, certos medicamentos têm indicações
já existentes. As poucas diferenças encontradas
muito específicas ou requerem alto grau de
dizem respeito a aspectos farmacocinéticos
expertise para assegurar uso seguro e eficaz,
que, por vezes, repercutem favoravelmente na
sendo colocados na chamada lista complementar
terapêutica. Em outras, no entanto, aquelas
da Lista Modelo da OMS. Outros induzem rápida
diferenças não são significativas para obtenção de
resistência microbiana, são muito caros ou podem
respostas terapêuticas. Apesar dessa realidade,
desenvolver dependência física e psíquica.
os órgãos reguladores europeu (EMEA) e norte-
Quaisquer dessas condições restringem o
americano (FDA) aprovaram mais medicamentos
emprego a determinadas indicações clínicas.
em 2008 do que em 2007.9
Na Rename, e em outras listas elaboradas no
O cerne da seleção racional é o processo
Brasil, esses medicamentos são considerados
comparativo, em que representantes de mesma
de uso restrito, estando assinalados com a letra
classe terapêutica são cotejados entre si para
R seguida de um número que corresponde à nota
determinar seu real e relevante benefício clínico
de rodapé explanatória.
para o paciente. Assim, levando em conta os efeitos
Na lista, devem constar as designações
de classe, escolhe-se um representante com base em
genéricas dos medicamentos incluídos (no Brasil,
forte evidência de eficácia e segurança, comprovada
segundo a Denominação Comum Brasileira –
por amplos ensaios clínicos randomizados (ECRs),
DCB, 2010)12, sem usar nomes de marca ou
com robusta base metodológica e desfechos de
fabricantes específicos, o que melhora a prática de
alta relevância clínica, geradores de resultados
prescrição e dispensação, contribuindo para o uso
generalizáveis e aplicáveis às condições usuais.
racional e a informação independente, diminuindo
Meta-análises e revisões sistemáticas desses
o desperdício e evitando erros de medicação.
ECRs sintetizam os resultados das fontes primárias
Para evitar monopólio e preços excessivos,
e constituem um dos pilares da evidência, mesmo
escolhem-se, preferencialmente, medicamentos
quando essa ainda não se construiu.
produzidos por múltiplos fabricantes. Preferem-
Mostrar que existe incerteza quanto ao
se monofármacos, aceitando as associações em
benefício de determinada decisão constitui per
doses fixas somente quando aumentam a eficácia,
se um benefício, pois evita uso empírico ou fruto
retardam a resistência microbiana ou melhoram a
de propaganda dos produtores e aponta para
adesão dos pacientes a tratamento. A escolha pode
a necessidade de pesquisa futura. De todas as
ser influenciada por facilidades de estocagem,
revisões sistemáticas existentes, sobressaem-se
principalmente em locais úmidos e quentes.
as da Cochrane Collaboration, que se mostram
A lista de medicamentos essenciais deve ser
mais relevantes e, principalmente, isentas.10
instrumento educativo e orientador da prática dos
Há alguns anos, uma revisão Cochrane
profissionais que a ela recorrem. Por isso, deve
analisou os efeitos da redução de osmolaridade da
ser única, organizada por grupos farmacológicos
solução de reidratação em crianças com diarreia.
utilizados para manejar manifestações gerais
Seus resultados foram centrais para que OMS e
de doença (dor, inflamação, alergia, infecção,
Unicef recomendassem hidratação oral com sais
neoplasia, intoxicação, distúrbios carenciais) e
de osmolaridade reduzida, que passaram a ser
tratar doenças de diferentes sistemas orgânicos.
manufaturados e distribuídos. Esse é um exemplo
A repetição de medicamentos com múltiplas
da utilização pragmática de um desfecho clínico
indicações clínicas em diferentes grupos nos
relevante para a atenção primária em saúde.11
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Ministério da Saúde
quais se inserem (ex.: ácido acetilsalicílico como serviços de atenção primária e secundária no âmbito
analgésico, anti-inflamatório, antiplaquetário etc.) do SUS. Foram encontrados 476 medicamentos
dá melhor ideia do armamentário terapêutico diferentes nas receitas avaliadas, prescritos 5.222
disponível. As justificativas de inclusão vezes a 2.411 pacientes, correspondendo a 2,17
introduzidas nas próprias listas favorecem a (1,49) medicamentos por prescrição. Observou-
explicitação da evidência e reforçam o aspecto se 0,5% de medicamentos não identificados, em
educativo. Também são selecionadas formas decorrência de letras ilegíveis ou ausência de registro
farmacêuticas cabíveis para adultos e crianças, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
com as respectivas concentrações. Em princípio, Do total de medicamentos prescritos nos locais
escolhem-se as menores concentrações, pois estudados, 76,4% constavam nas Remunes, 76,8%
é mais fácil administrar múltiplos de uma forma na Rename e 63% na lista da OMS. A variação entre
farmacêutica sólida do que fracioná-la. Para os locais investigados foi de 25,7% a 92,9% para a
aqueles que atendem crianças, sugere-se a Remune, 45,4% a 88,2% para a Rename e 34,9% a
leitura da 2ª Lista Modelo de Medicamentos 72,1% para a lista da OMS. Do total de medicamentos
Essenciais para Crianças (atualizada em prescritos, 76,1% estavam disponíveis nas farmácias
março de 2010) e do Formulário Modelo de dos locais pesquisados nos dias em que a coleta
Medicamentos Essenciais para Crianças – 2010, de dados foi realizada, variando de 51% a 93%.
baseado na lista mencionada, ambos da OMS Quando analisados os medicamentos essenciais
e disponibilizados em formato PDF na web: em separado, a disponibilidade aumentou em todos
http://www.who.int/medicines/publications/ os locais, com média geral de 88,1%. A prescrição
essentialmedicines/en/index.html e www.who. de aproximadamente 24% de medicamentos não
int/entity/selection_medicines/list/WMFc_2010. constantes nas listas municipais pode ser resultado
pdf, respectivamente. da não adesão ou do desconhecimento dos
prescritores a essas listas.
Frustrações, desafios e expectativas Os pacientes, por sua vez, desacreditam os
medicamentos recebidos do setor público, sendo
muitas vezes instigados por propaganda de
Grande proporção de profissionais da saúde,
medicamentos feita pela mídia ou pressões de
em todos os níveis da gestão pública, desconhece
organizações de pacientes. Falta-lhes adequada
as listas de medicamentos essenciais existentes
e completa informação sobre os tratamentos que
no País. Constitui um desafio a divulgação dessas
lhes são prescritos. Daí decorre o uso incorreto,
listas, abrangendo o maior número possível de
responsável por pobre resposta, reforçando a
prescritores, setores acadêmicos, serviços de
descrença nos medicamentos fornecidos pelo
saúde e organismos profissionais.
setor público, e o emprego de representantes
Outra dificuldade consiste na falta de adesão
não listados. Estudo sulafricano15 mostrou que
dos profissionais em prescrever medicamentos
medicamentos genéricos, bem como os distribuídos
essenciais. Estudo indiano mostrou que “a
gratuitamente pelo Estado, eram considerados
prescrição medicamentosa era irrestrita, e
de pobre qualidade e vistos com suspeita pelos
que os médicos prescreviam muitas vezes as
pacientes. Os autores preconizam a necessidade
mais onerosas alternativas” e que “5–10% das
de campanhas estratégicas sobre qualidade de
prescrições continham o mesmo antibiótico sob
medicamentos essenciais e genéricos, tendo por
diferentes nomes comerciais”.13
alvo consumidores e prescritores.
A falta de adesão dos clínicos se deve a
Os esclarecimentos e justificativas da seleção
desconhecimento, preconceitos, arraigados
de medicamentos essenciais, suas extensões,
hábitos de prescrição e influência da propaganda
como formulário terapêutico e diretrizes clínicas,
de medicamentos. Profissionais que atendem em
e harmonização entre listas de essenciais e
diferentes setores (público, seguro-saúde, privado)
programas nacionais de enfrentamento de
têm diferentes comportamentos prescritivos numa
determinadas doenças constituem estratégias de
mesma jornada de trabalho, como se coubesse
real implementação dos medicamentos essenciais.
diferença de tratamento da mesma doença em
Cada vez mais, a gestão da saúde pública
pacientes atendidos nesses diversos cenários.
deve fundamentar escolhas clínicas e políticas em
Levantamento14 realizado em municípios de três
evidência científica, proveniente da análise isenta do
estados brasileiros (Rio Grande do Sul, Santa
que consegue melhorar a qualidade do atendimento à
Catarina e Mato Grosso do Sul) avaliou a adesão
saúde da população dentro dos recursos disponíveis.
de prescritores de unidades de saúde a listas de
A pesquisa clínica pode auxiliar nas decisões sobre
medicamentos essenciais municipais (Remumes),
o que é prioritário em atendimento, desenvolvimento
nacional (Rename) e mundial (Lista Modelo da
de infraestrutura e financiamento.16
OMS) e a disponibilidade desses medicamentos nos
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Ministério da Saúde
Referências
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
3
Uso Indiscriminado de Antimicrobianos
e Resistência Microbiana
Ricardo Ariel Zimerman
Introdução
A associação entre o uso de antimicrobianos patologias complexas tratados em domicílio facilita
e o desenvolvimento de resistência bacteriana a disseminação na comunidade de bactérias
é conhecida desde a introdução da penicilina, multirresistentes originárias dos hospitais, fazendo
tendo sido, a partir de então, sistematicamente com que as outrora nítidas fronteiras que separa-
confirmada após o lançamento de diversos vam o “hospital” da “comunidade” se tornem
representantes de cada uma das diferentes cada vez mais nebulosas. Nesse contexto, o uso
classes farmacológicas.1 O período necessário abusivo de antimicrobianos mantém terreno fértil
para a ocorrência desse fenômeno mostrou-se para abrigá-las.
surpreendentemente curto para muitos fármacos, Há provas, cada vez mais irrefutáveis, de
enfatizando a imensa capacidade de adaptação que o mau uso de antimicrobianos é o principal
dos micro-organismos a ambientes hostis, responsável pela seleção de resistência. Essa
artificialmente criados pelo homem.2 assertiva deve ser introjetada pelo prescritor
Embora essas observações devessem que trabalha no setor de atenção primária à
intuitivamente soar como um sinal de alerta saúde, sobretudo porque lida com infecções
para a necessidade de se promover emprego de menor gravidade, nem sempre de etiologia
terapêutico mais racional desses insumos, o bacteriana (por exemplo, infecções respiratórias
que tem ocorrido, na verdade, é exatamente altas de origem viral em crianças), que não
o oposto. Em alguns países, antimicrobianos necessitam de antimicrobianos ou que curam
são utilizados sem receita médica em até facilmente com antibióticos mais comuns e com
dois terços das ocasiões. Mesmo quando menor potencial de indução de resistência. A
formalmente prescritos, sua indicação pode decisão terapêutica sobre eventual prescrição
ser desnecessária em até 50% dos casos. 3 de antibióticos deve fundamentar-se em real
Não existem evidências claras sobre as mais indicação, e a seleção dos mesmos deve levar
importantes causas implicadas nesse consumo em conta os malefícios do emprego inadequado
desmedido, mas se acredita que diversos desses fármacos.
fatores contribuam de forma crucial, tais como a Algumas estratégias podem ser úteis para
expectativa do paciente em receber tratamento minimizar a seleção de micro-organismos
eficaz, o tempo cada vez mais exíguo das resistentes, aumentando a vida útil dos
consultas médicas (demanda elevada e baixa antimicrobianos disponíveis.
remuneração), o medo de litígio e as pressões
da indústria farmacêutica e dos planos de
saúde (para redução do número de reconsultas
O uso de antimicrobianos como fator
e de pedidos de exames diagnósticos). 3,4 Além de seleção de micro-organismos
disso, talvez por falta de informação, muitos resistentes
profissionais encaram o risco de indução de
resistência como algo essencialmente teórico As evidências de que o uso de antimicrobianos é
ou pouco provável. 5 O atual texto versa sobre o a principal força motora para o desenvolvimento da
emprego ambulatorial de antimicrobianos, onde resistência bacteriana vêm de diversas observações.
se concentram 80% do consumo humano. 6 Por exemplo, as taxas de resistência são maiores
A promoção do uso racional de antimicrobianos em contextos de consumo mais intenso desses
neste contexto é fundamental, já que infecções fármacos. Há frequente surgimento de resistência
causadas por bactérias comunitárias resistentes durante o curso da terapia, com consequente
são de mais difícil tratamento e se associam a falência terapêutica. Universalmente constata-
maior morbidade.7 O crescimento no número se correlação temporal entre a comercialização
de pacientes imunocomprometidos e com de novos agentes e o posterior desenvolvimento
21
Ministério da Saúde
de resistência microbiana aos mesmos, às vezes antimicrobianos (OR = 1,33; IC 95%: 1,15–1,53).
após curto período de sua introdução no mercado.6,8 Em relação às infecções respiratórias, o risco de
Diversos estudos têm demonstrado que o aparecimento de micro-organismos resistentes foi
advento de resistência, embora mais dramático duas vezes maior (OR= 2,37; IC 95%: 1,25–4,5)
no contexto hospitalar e particularmente entre com a utilização de antimicrobianos dentro de um
pacientes gravemente enfermos, também período de até 12 meses. Embora a meta-análise
se tem disseminado entre micro-organismos tenha várias limitações importantes, principalmente a
comunitários causadores de infecções de possível existência de viés de publicação, conseguiu
alta prevalência, como as urinárias, de trato evidenciar que a prescrição de antimicrobianos
respiratório e de pele/partes moles. Mais do que causa resistência e que o impacto não é vagamente
isso, esse fenômeno parece estar intimamente distribuído para a sociedade ou para o ecossistema
associado a incremento no consumo de diversos como um todo. Ao contrário, é sentido diretamente
antimicrobianos utilizados no manejo dessas pelo paciente que recebe o fármaco.
síndromes. Na Dinamarca, por exemplo, Em alguns estudos, a relação causa-efeito fica
demonstrou-se aumento importante no consumo mais evidente quando se observa a associação
de ciprofloxacino (representante da classe das entre medidas de intensidade de exposição –
fluorquinolonas), de 0,13 doses diárias definidas tempo de uso dos antimicrobianos (até sete dias
(DDD) por 1.000 habitantes/dia (DID) em 2002 de uso versus mais de sete dias) ou número de
para 0,33 DID em 2005. Como consequência, prescrições anuais (uma versus três ou mais) – e
durante o mesmo período, a frequência magnitude dos efeitos observados.5
de isolamento de Escherichia coli a elas
resistentes, em amostras de urina, apresentou
elevação de 200%. 4 Estratégias para minimizar a resistência
No entanto um problema importante do
Redução no número de prescrições
trabalho supracitado e de outros estudos
semelhantes é a natureza “ecológica” de sua
Se o uso de antimicrobianos é o principal fator
concepção, onde a relação entre a prescrição
causal no incremento das taxas de resistência
e a resistência é avaliada somente em nível
bacteriana, parece lógico assumir que a redução se
populacional. Além de apresentar limitação
o uso de antimicrobianos é o principal fator causal
inerente na habilidade de demonstrar
no incremento das taxas de resistência bacteriana,
causalidade, as evidências oriundas de estudos
parece lógico assumir que a redução no consumo
com esse desenho podem ter menor capacidade
desses fármacos deveria trazer impacto positivo
de sensibilizar o clínico que se encontra na “linha
sobre a regressão do fenômeno. No entanto, em
de fogo”, e cuja maior preocupação é o bem-
ambiente ambulatorial, a hipótese é extremamente
estar de seu paciente. Assim, o risco de eventual
difícil de ser testada, pois requer grandes e
seleção de resistência pode ser considerado
prolongadas mudanças nos perfis de prescrições.
secundário ou mesmo menosprezado. 5
Além disso, os poucos estudos assim gerados
Por esse motivo, revisão sistemática publicada em
costumam estar “condenados” a terem desenho
2010 foi particularmente importante, já que confirmou retrospectivo e ecológico, o que dificulta bastante
a relação causa-efeito entre uso de antimicrobianos a confirmação de elo causal entre alterações nos
e desenvolvimento de resistência no contexto padrões de uso e eventuais modificações nas
comunitário e em âmbito individual. A meta-análise5 taxas de resistência. Como consequência, há
de 24 estudos originais avaliou o impacto do risco de poucas evidências disponíveis que sirvam como
resistência microbiana adquirida após o tratamento base sólida de conhecimento. De qualquer forma,
antimicrobiano de pacientes com infecções algumas experiências internacionais forneceram,
respiratórias e urinárias e de seu uso em voluntários indubitavelmente, interessantes insights sobre a
assintomáticos. Dentro de um mês de exposição a questão e merecem ser brevemente revisadas.
antimicrobiano por pacientes com infecção urinária, Na Finlândia, durante a década de 1980,
a estimativa de risco de nova infecção por E. coli observou-se triplicação no consumo de
resistentes (ao mesmo agente utilizado, a outro ou antimicrobianos da classe dos macrolídeos.
a múltiplos antimicrobianos, dependendo do estudo) Como resultado, a frequência de isolamento de
foi cerca de quatro vezes maior em comparação Streptococcus pyogenes (Estreptococo do grupo
à observada nos não expostos (OR= 4,4; IC95%: A) resistentes à eritromicina, empregada em casos
3,78–5,12). Como era de se esperar, houve redução de hipersensibilidade à penicilina, passou de 5% no
da magnitude da associação conforme se avaliavam período de 1988–1989 para 13% em 1990.9 Então,
os dados que incluíam exposições mais remotas. as autoridades sanitárias publicaram diretrizes de
Ainda assim, persistiu diferença estatisticamente restrição de uso de eritromicina, resultando em
significativa mesmo até 12 meses após o uso de diminuição no consumo do fármaco de 2,4 doses
22
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
23
Ministério da Saúde
elementos de resistência às sulfonamidas, apesar explicar o rápido retorno à suscetibilidade das E.coli
do quase abandono de seu uso. Em segundo lugar, a esta classe, observado assim que o consumo é
é provável que, mesmo sendo a pressão seletiva interrompido, e a presença de mutações de resistência
efetivamente reduzida, as taxas de resistência passa a ser evolutivamente desinteressante para a
somente diminuam se houver algum “preço” a ser bactéria.1 Os resultados por vezes mistos encontrados
pago pelo micro-organismo pela manutenção de nos estudos podem refletir, desta forma, impactos
determinado mecanismo de resistência. Isto é, se diferentes na eficácia de estratégias de redução de
houver redução da capacidade replicativa (fitness) consumo de antibióticos entre diferentes “pares” de
da bactéria. Por exemplo, sabe-se que a perda da antimicrobianos e micro-organismos, conforme o
suscetibilidade às fluorquinolonas é principalmente preenchimento ou não dos supracitados requisitos.
causada por mutações cromossomiais que tendem No Quadro 1 resumem-se as diferentes
a desestabilizar o genoma bacteriano. Como correlações (positivas ou negativas) entre
consequência, a capacidade replicativa (fitness) redução de consumo e restauração de ação de
das cepas resistentes pode ser 98% menor do antimicrobianos, encontradas na literatura.
que a das cepas suscetíveis. Esse fenômeno pode
S. pneumoniae
Eritromicina Negativo
(pneumococo)
Mesmo após redução susten-
Sulfametoxazol E. coli Negativo tada de mais de 97% no uso.
24
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
duplo-cego e controlado por placebo,12 pacientes bacteriana pode advir da aquisição de novo
adultos com pneumonia adquirida na comunidade material genético, por exemplo, por conjugação
(PAC), de leve a moderadamente grave, e importação de um plasmídeo, ou mediante a
receberam 72 horas de amoxicilina intravenosa chamada “resistência mutacional”, correspondente
em hospital. Após esse período, havendo melhora ao surgimento de mutações cromossomiais nos
objetiva e tolerabilidade, foram randomizados genes originalmente presentes em determinado
para amoxicilina oral (750mg, a cada 8 horas) micro-organismo. Ambos os mecanismos podem
ou placebo por mais cinco dias. Pacientes com reduzir a suscetibilidade a certos antimicrobianos.
pneumonia severity index score > 110 (índice Como exemplo do primeiro caso, cita-se a
de gravidade baseado em critérios clínicos, aquisição de genes produtores de betalactamases
laboratoriais e radiológicos que pode prever por parte dos bacilos Gram negativos, geralmente
desfechos duros), imunodeficiências, empiema, se associando a alto grau de resistência, com
história de internação prévia recente ou alergia elevadas concentrações inibitórias mínimas
a betalactâmicos, além de gestantes, foram (CIMs) observadas em betalactâmicos suscetíveis
excluídos. As taxas de cura no grupo que recebeu à ação dessas enzimas. Dessa forma, o estado de
três dias de antimicrobiano foram idênticas às resistência/suscetibilidade passa a ser claramente
do grupo que recebeu oito dias (93% para cada dicotômico. Por exemplo, a modificação posológica
grupo na análise por protocolo e 89% na análise de ampicilina (aumento de dose ou infusão lenta)
por intenção de tratar). Foi possível, inclusive, não lograria resultado adequado no tratamento
demonstrar a não inferioridade do tratamento por de infecções graves causadas por cepas de
três dias no subgrupo de pacientes com infecção E. coli resistentes. No entanto os mecanismos
de corrente sanguínea secundária causada de resistência mutacional geralmente operam
por Streptococcus pneumoniae, complicação de forma progressiva, com múltiplas mutações
sabidamente associada à maior gravidade. Apesar sequenciais que devem acumular-se para
do excesso de pacientes com sintomas basais gerar estado de resistência de alto nível. Nesse
mais intensos e de fumantes no grupo dos três caso, populações bacterianas presentes em
dias de tratamento, o que pode ser interpretado determinados sítios infecciosos podem ser mistas
como potencial viés conservador, houve mesma e exibir diferentes CIMs. A CIM mais elevada é
segurança de uso por prazo terapêutico menor, denominada de concentração de prevenção de
ao menos em pacientes não muito graves e sem mutagênese (CPM), já que, pelo menos in vitro,
derrame pleural excessivo. Semelhantemente, a exposição a concentrações de antimicrobianos
dois outros ECRs13,14 realizados em população abaixo da CPM resultaria em seleção das
pediátrica confirmaram que três dias de bactérias com CIM mais elevado, redundando
tratamento para PAC podem ser tão eficazes em perda progressiva de suscetibilidade.
quanto prazos mais prolongados, pelo menos O mesmo, no entanto, não ocorreria com a
para casos não graves. Esses achados são obtenção de concentrações acima da CPM, pois,
extremamente significativos, pois síndromes neste caso, toda a população bacteriana seria
respiratórias infecciosas podem ser responsáveis extinta por igual, abolindo-se a pressão seletiva
por até 75% das prescrições de antimicrobianos e a eventual possibilidade de emergência de
no contexto ambulatorial.12 resistência. Para arquitetar prescrições que
Da mesma forma, para tratamento de infecções explorem este princípio, deve-se reconhecer o
urinárias baixas não complicadas (cistites) em parâmetro farmacocinético/armacodinâmico (PK/
não gestantes, outra causa frequente de uso de PD) associado à maior atividade bactericida para
antimicrobianos, mais de três dias de tratamento cada classe de antimicrobiano. Por exemplo, no
são claramente desnecessários.15 Essa síndrome caso dos betalactâmicos, esta ação independe do
é principalmente causada por bacilos Gram pico de concentração atingida, mas é intimamente
negativos (especialmente E. coli) que apresentam relacionada ao tempo ao longo do dia em que a
particular tendência a desenvolvimento de concentração de fármaco livre de ligação proteica
resistência. Com frequência ainda se utilizam (biologicamente ativo) no sítio infeccioso mantém-
períodos terapêuticos de 7 a 14 dias, embora se acima das CIMs dos micro-organismos (fT>
não tenham sido estabelecidos com base em CIM). Ao contrário, para alguns antimicrobianos,
evidências sólidas e, quase invariavelmente, não como fluorquinolonas, a atividade antibacteriana
sejam endossados por mais recentes e mais bem depende da relação entre a área sob a curva
conduzidos estudos de restrição de prazo. de concentração/tempo (area under the curve),
Outra estratégia consiste em empregar uma medida de exposição corporal, e a CIM
posologias modificadas de antimicrobianos (fAUC/CIM). A Figura 1 demonstra os diferentes
na tentativa de otimizar o índice farmacodinâmico parâmetros PK/PD que mais bem predizem a
do regime terapêutico. Sabe-se que a resistência ação bactericida de diversos antimicrobianos.
25
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}
CPM
CIM
zona
de
pressão
seletiva
**
Tempo
26
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
27
Ministério da Saúde
Redução global no número de prescrições Meta alcançável com segurança na maioria dos contextos. Eficácia
de antimicrobianos dependente do binômio bactéria/antimicrobiano avaliado.
Pelo exposto, fica claro que o principal fator voltar a investir no desenvolvimento de novos
associado à seleção de resistência bacteriana é agentes, de preferência realmente inovadores,
o emprego pouco racional de antimicrobianos. O que trouxessem, por meio de mecanismos de ação
profissional da saúde que trabalha na assistência originais, maior espectro de atividade para cobrir
deve manter esse fato em mente. Só se prescrevem micro-organismos com perfis de resistência cada
antimicrobianos após cuidadosa revisão de relação vez mais complexos.
custo-benefício. Atualmente, é importante utilizar as
A educação e a conscientização da população têm estratégias aqui discutidas que apresentam
papel fundamental para evitar consumo exagerado, evidência de benefício, tais como prescrições por
tanto por automedicação quanto por pressões prazos mínimos eficazes, manutenção de certa
desnecessárias sobre os profissionais da saúde. heterogeneidade de uso e eventual aplicação de
Entidades governamentais e mídia constituem peça- conceitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos.
chave nesse processo educacional. Isto é fundamental para não se perder
Por último, a indústria farmacêutica deveria rapidamente a batalha contra as infecções.
Antibioticoterapia apropriada significa não usar antimicrobianos na ausência de indicação, nem em es-
quema errado ou por tempo demasiado. Ao escolher um antibiótico, os prescritores devem preocupar-
se com os interesses presentes (cura da infecção) e futuros (redução de resistência adquirida) dos
pacientes e das comunidades.3
28
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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30
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
4 Interações de Medicamentos
Rogério Hoefler e Lenita Wannmacher
31
Ministério da Saúde
de 60 anos (OR ajustado: 1,66; CI 95%: 1,01–2,74) e Amplo estudo que analisou mais de cinco milhões
a presença de doença cardiovascular (OR ajustado: de prescrições na França identificou que 2% dos
7,26; CI 95%: 4,61–11,44).1 pacientes de ambulatório receberam prescrição
Em estudo realizado em três farmácias de associações de fármacos com contraindicação
comunitárias na Croácia (n = 265) pacientes absoluta ou relativa.10
ambulatoriais hipertensos, com 65 anos ou mais e Poucos estudos tiveram como foco a relação
em uso de dois ou mais fármacos) identificaram-se entre as interações e outros importantes fatores, tais
215 combinações de fármacos, administradas a 240 como duração do período de internação, mortalidade
(90,6%) pacientes, com risco potencial de apresentar e custo de hospitalização.
interações clinicamente relevantes. O número médio
de IM por paciente foi de quatro.7 Classificação das interações de
As IMs causam 4,8% das hospitalizações
atribuídas a fármacos nos idosos. Na maioria dos medicamentos
casos, são equivocadamente diagnosticadas como
deterioração clínica da doença básica, baixa adesão Há quatro principais categorias de IM:
ao tratamento prescrito ou infecção.1 farmacocinética, farmacodinâmica, de efeito e
Estudo transversal finlandês investigou o potencial farmacêutica.
de IM em 1987 residentes de clínicas geriátricas Nas interações farmacocinéticas, um fármaco
do país, os quais tinham idade média de 83,7 (± interfere sobre absorção, distribuição (ligação
7,7) anos e regularmente recebiam em média 7,9 a proteínas plasmáticas e fluxo sanguíneo),
(± 3,6) medicamentos por dia. Na população em biotransformação ou excreção do outro fármaco.11
estudo, 34,9% usavam pelo menos um medicamento Isso é mais comumente mensurado por mudança
potencialmente não apropriado, o que ocorria em um ou mais parâmetros cinéticos, tais
fundamentalmente com emprego de psicotrópicos como concentração sérica máxima, área sob
e polifarmácia (nove ou mais medicamentos por a curva (AUC) concentração-tempo, meia-
dia). De todos os participantes, 4,8% estavam vida, quantidade total do fármaco excretada
suscetíveis a IM clinicamente relevantes, ocorrendo na urina etc. Considerando-se que diferentes
principalmente com diuréticos poupadores de representantes de mesmo grupo farmacológico
potássio, carbamazepina e codeína.8 podem apresentar perfil farmacocinético
Em estudo transversal e retrospectivo, foram variado, as interações podem ocorrer com um
analisados prescrições e registros médicos de um medicamento e não obrigatoriamente com seu
hospital público no Brasil, para identificar potenciais IMs. congênere. O Quadro 1 apresenta os mecanismos
Essas aumentaram com idade do paciente, número de das interações farmacocinéticas e o Quadro 2,
fármacos prescritos, tempo de internação e envolvimento alguns exemplos de interações farmacocinéticas
de muitos médicos no cuidado ao paciente.9 comuns na prática clínica.12
Na absorção
• Alteração no pH gastrintestinal.
• Adsorção, quelação e outros mecanismos de formação de complexos.
• Alteração na motilidade gastrintestinal.
• Má absorção causada por fármacos.
Na distribuição
• Competição na ligação a proteínas plasmáticas.
• Hemodiluição com diminuição de proteínas plasmáticas.
Na biotransformação
• Indução enzimática (por barbituratos, carbamazepina, glutetimida, fenitoína, primidona, rifampicina e tabaco).
• Inibição enzimática (alopurinol, cloranfenicol, cimetidina, ciprofloxacino, dextropropoxifeno, dissulfiram, eritro-
micina, fluconazol, fluoxetina, isoniazida, cetoconazol, metronidazol, fenilbutazona e verapamil).
Na excreção
• Alteração no pH urinário.
• Alteração na secreção tubular renal.
• Alteração no fluxo sanguíneo renal.
• Alteração em excreção biliar e ciclo êntero-hepático.
32
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Muitas IMs podem ser explicadas por alterações é coadministrado com potente inibidor ou indutor
em enzimas biotransformadoras, presentes no de sua principal via de biotransformação. Em
fígado e em tecidos extra-hepáticos. Salientam-se contraste, tendo a maioria dos fármacos muitas
as enzimas do citocromo hepático P450 (CYP), as vias de biotransformação, a inibição de enzima
quais são afetadas pela administração de muitos de importância marginal na depuração total de
fármacos.11 A coadministração de dois substratos um fármaco pode apresentar limitado efeito sobre
da mesma enzima e a de um substrato com sua biodisponibilidade. Nesse caso, o resultado da
inibidor ou indutor enzimáticos envolvem o risco de interação pode ser apenas aumento mínimo nas
interação, podendo levar a aumento (toxicidade) ou concentrações plasmáticas do fármaco afetado.13
redução (ineficácia terapêutica) das concentrações As interações farmacodinâmicas decorrem de efeito
plasmáticas dos fármacos coadministrados. Ajustes sinérgico ou antagônico entre fármacos coadministrados
de doses podem, então, ser requeridos para evitar no sítio da atividade biológica (receptor, enzima),
efeitos adversos ou falha terapêutica.13 envolvendo os mecanismos pelos quais os efeitos
As alterações observadas em razão das desejados se processam e, assim, alterando a ação de
interações farmacocinéticas ganham importância um ou ambos os medicamentos.
conforme a magnitude de aumento ou redução das Um fármaco pode aumentar o efeito do
concentrações sanguínea e tissular de um fármaco agonista (sinergia) por estimular a receptividade
ou de seus metabolitos.14 de seu receptor celular ou inibir enzimas que o
Ao se avaliar risco potencial, extensão inativam no local de ação. A diminuição de efeito
e significância clínica de uma interação (antagonismo) pode dever-se à competição pelo
farmacocinética, é necessário considerar os mesmo receptor, tendo o antagonista puro maior
fatores relacionados ao fármaco (potência, dose/ afinidade e nenhuma atividade intrínseca. Um
concentração do inibidor/ indutor, índice terapêutico exemplo de interação sinérgica no mecanismo
do substrato, extensão da biotransformação de ação é o aumento do espectro bacteriano de
do substrato pela enzima afetada, presença trimetoprima e sulfametoxazol que atuam em
de metabolitos ativos ou tóxicos) e ao paciente etapas diferentes de mesma rota metabólica. Já o
(predisposição genética, suscetibilidade a efeitos antagonismo ocorre no uso de naloxona frente à
adversos, fatores epidemiológicos).13 toxicidade de opioides.2
Em geral, uma interação fármacocinética O Quadro 3 apresenta alguns exemplos
clinicamente relevante pode ser esperada de interações farmacodinâmicas comuns na
quando um fármaco de baixo índice terapêutico prática clínica. 12
34
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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varfarina e AINEs é cinco vezes maior do que em pacientes que estejam iniciando tratamento
pessoas que usam apenas varfarina.19 Interações com varfarina, deve-se considerar o uso de
potenciais ocorrem em cerca de dois terços dos alternativas com menor potencial para produzir
usuários de cumarinas. As mais importantes interações com ela. Recomenda-se também a
delas envolvem fármacos comumente prescritos, realização de testes de INR para ajuste de doses
como antibacterianos e AINEs.20 Há relatos mais frequentes, durante as duas primeiras
consistentes de interações entre varfarina e semanas do tratamento, ou a suspensão de uso
certos fármacos comumente empregados, de outros medicamentos ou alimentos.22
as quais podem ser vistas no Quadro 4. Em
Antineoplásicos Antirretrovirais
Nos EUA, cerca de 60% dos pacientes A escolha racional de combinações de
com câncer têm idade igual ou superior a antirretrovirais no início do tratamento da infecção
65 anos, e até 80% deste grupo apresentam pelo HIV é importante porque a magnitude e a
comorbidades. Estas comorbidades podem duração da resposta são maiores nesse momento.
levar à prescrição de múltiplos medicamentos Mais de 20 medicamentos individualizados ou em
em adição aos antineoplásicos. 23 combinações em doses fixas foram aprovados
Adicionalmente, os parâmetros farmacocinéticos para tratamento de HIV/aids. Essas combinações
podem estar alterados em razão do são selecionadas em função de sua demonstrada
comprometimento da absorção por mucosites, eficácia e tolerabilidade. Dentre os fatores que
aumento do volume de distribuição devido a reduzem a efetividade de tratamento em longo prazo,
edema e má nutrição e alteração da excreção encontram-se as interações de medicamentos.
por disfunção orgânica. Um estudo de interações Porém interações de antivirais entre si e com
reais demonstrou que 2% dos pacientes outras classes farmacológicas podem potencializar
hospitalizados com câncer tiveram uma IM benefício terapêutico, atingir maiores concentrações
como causa da admissão.10 plasmáticas, favorecer tolerabilidade e aumentar
O baixo índice terapêutico dos eficácia clínica.25 Pacientes acometidos
quimioterápicos e as disfunções orgânicas dessa síndrome apresentam comorbidades,
relacionadas à idade são fatores agravantes.23 principalmente infecções oportunistas propiciadas
Além disso, muitos pacientes com câncer pela imunodeficiência. Dentre elas, salienta-se
usam medicamentos isentos de prescrição e a tuberculose que, em pacientes infectados pelo
tratamentos alternativos ou complementares.24 HIV, tem história natural, apresentação clínica
Anticonvulsivantes, antidepressivos e e efeitos adversos diversificados. O manejo
antifúngicos associam-se à ocorrência de da coinfecção é complexo devido à toxicidade
interações relevantes.24 Exemplos de fármacos e interações dos fármacos.26 Considerando a
frequentemente empregados como suporte concomitância de infecção por HIV e tuberculose,
em pacientes com câncer são os analgésicos é importante lembrar que rifampicina – ajuntada a
opioides, antieméticos, corticosteroides, alguns não análogos de nucleosídeos, em especial
antidepressivos e antimicrobianos. nevirapina, e inibidores da protease – pode reduzir
36
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
significantemente os níveis séricos dos antivirais quase todas as plantas (mesmo produtos
por indução do sistema microssomal hepático, com contendo apenas uma planta) contêm misturas de
risco de resistência a tratamento. Contudo rifam- substâncias farmacologicamente ativas.
picina pode ser utilizada com qualquer análogo de Em revisão sistemática30 que avaliou publicações
nucleosídeo. Essas particularidades determinam a (relatos de casos, séries de casos e ensaios
necessidade de ajustes no tratamento conjunto de clínicos) sobre interações entre plantas medicinais
tuberculose e infecção por HIV.25 e fármacos convencionais, foram encontrados 108
Uma variável importante nos pacientes infectados casos de interações suspeitas, das quais 13%
pelo HIV é a biotransformação mediada por enzimas do foram classificadas como “bem documentadas” e
sistema citocromo P450. Em comparação a voluntários 18,5% como “possíveis” interações. Varfarina foi o
normais, 17 pacientes tiveram menor atividade de fármaco mais comum (18 casos) e erva de são joão,
várias enzimas hepáticas, bem como variabilidade a planta mais comum (54 casos) nos relatos. Essa
intraindividual. Com isso, se alteram as reações de afeta a depuração de muitos fármacos, incluindo
biotransformação de fases I e II, obrigando a ajustes ciclosporina, antidepressivos (predominantemente
de doses de vários fármacos coadministrados.27 ISRS), digoxina, indinavir e femprocumona. O
mecanismo da interação é multifatorial. A planta
Interações de medicamentos parece induzir a atividade da enzima CYP3A4,
embora os dados sejam conflitantes. Casos de
com alimentos síndrome serotoninérgica podem ocorrer, por
exemplo, com a interação entre erva de são joão
A via preferencial escolhida para a e um ISRS.
administração de medicamentos é a oral, entre Há razoável documentação sobre interações
outras razões, por sua comodidade e segurança. entre anticoagulantes cumarínicos e a erva de são
Assim, é de importância fundamental conhecer joão, Panax ginseng e Ginkgo biloba. Contudo,
os fármacos cuja velocidade de absorção e/ou a maioria dos casos relatados provavelmente é
quantidade absorvida podem ser afetadas na fruto de efeitos anticoagulantes aditivos e não
presença de alimentos.28 Nesse caso, a interdição de interações propriamente ditas. Ginkgo biloba
de alguns alimentos ou a definição de horário de e alho interferem com a função plaquetária e
administração longe da ingestão de alimentos estão associados com sangramentos, mesmo na
são medidas cruciais. Fármacos, incluindo ausência de varfarina ou outro anticoagulante.
antimicrobianos, antiácidos e laxativos, podem, Em muitos casos, não há mecanismo
por sua vez, afetar a absorção de nutrientes.9 plausível para explicar o fenômeno observado e
A absorção dos nutrientes e de alguns a causalidade é incerta.
fármacos ocorre por mecanismos semelhantes
e frequentemente competitivos e, portanto,
apresentam como principal sítio de interação o Interpretação e intervenção2
trato gastrintestinal.29
Alimentos atrasam o esvaziamento gástrico É frequentemente difícil detectar uma IM,
e reduzem a absorção de muitos fármacos; a sobretudo pela variabilidade observada entre
quantidade total absorvida de fármaco pode ser pacientes. Não se sabe muito sobre os fatores de
ou não reduzida. Contudo alguns fármacos são predisposição e de proteção que determinam se
preferencialmente administrados com alimento, uma interação ocorrerá ou não, por isso, na prática
seja para aumentar a absorção ou para diminuir o ainda é muito difícil predizer o que acontecerá
efeito irritante sobre o estômago.2 quando um paciente individual fizer uso de dois
Há muitos fármacos para os quais as interações fármacos que teoricamente interagem entre si.
com alimentos são inexistentes ou negligenciáveis.28 Uma solução prática para esse problema
é selecionar fármaco com baixo potencial de
interação (p. ex: substituição de cimetidina por
Interações de medicamentos com outro antagonista H2). Contudo, se não houver
plantas medicinais e fitoterápicos alternativa, é possível administrar medicamentos
que interagem entre si sob cuidados apropriados.
A popularidade do uso de fitoterápicos e plantas Se os efeitos são bem monitorados, muitas vezes a
medicinais torna importante o entendimento das associação pode ser viabilizada pelo simples ajuste
potenciais interações entre esses produtos e os de doses. Muitas interações são dependentes de
fármacos prescritos. A ocorrência de interações dose; nesses casos, a dose do fármaco indutor
com fitoterápicos pode ser maior que as interações da interação poderá ser reduzida para que o
entre medicamentos, pois esses normalmente efeito sobre o outro fármaco seja minimizado. Por
contêm substâncias químicas simples, enquanto exemplo, isoniazida aumenta as concentrações
37
Ministério da Saúde
38
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
5
Uso Racional de Anti-inflamatórios
Não Esteroides
Rafael Mota Pinheiro e Lenita Wannmacher
Introdução
A inflamação é, antes de tudo, processo útil e Prescrição (MIP) de 2003, embora sejam agentes
benéfico para o organismo, compensando quebra com diferentes potenciais de toxicidade.3
de homeostasia e repondo normalidade tissular. Isso favorece a automedicação com AINEs,
Esse processo de defesa e reparação só deve desconsiderando restrições de indicação,
ser combatido quando as manifestações clínicas efeitos adversos e interações medicamentosas
agudas (classicamente tumor, calor, rubor e dor) são potencialmente prejudiciais com outros
intensas e desconfortáveis, e se o processo adquire fármacos comumente utilizados na atenção
maior repercussão sistêmica e caráter subagudo primária à saúde.
ou crônico, com manifestações sintomaticas O foco desta revisão consiste na prescrição
incapacitantes e danos tissulares cumulativos, racional de AINEs, visando minimizar uso
como deformidades e perdas funcionais.1 indiscriminado e riscos inerentes.
Do ponto de vista farmacológico, deve As evidências sobre a eficácia dos AINEs
haver cautela no tratamento da inflamação. como analgésicos (em dores agudas e crônicas),
Processos inflamatórios localizados e antipiréticos e antiagregantes plaquetários são
autolimitados merecem apenas medidas não apresentadas e discutidas em outros números
medicamentosas sintomáticas (gelo, repouso, desta série de publicações.
imobilização) ou analgésicos não opioides.
Quando há comprometimento sistêmico, o
tratamento pode incluir anti-inflamatórios Indicações e restrições aos AINEs
não esteroides e esteroides e outras classes
farmacológicas com especificidade contra Os AINEs, ao inibirem a síntese de
elementos do processo inflamatório. 1 prostaglandinas e tromboxano mediante
No vasto armamentário de fármacos com ação a inativação das enzimas ciclooxigenases
no processo inflamatório, existe a classe de anti- constitutiva (COX-1) e induzível (COX-2), são
inflamatórios não esteroides (AINEs) composta úteis no manejo de manifestações sintomáticas
por grupos quimicamente heterogêneos, mas que musculoesqueléticas em pacientes com artrite
compartilham propriedades analgésica, antitérmica, reumatoide, polimiosite, lúpus eritematoso
anti-inflamatória e antitrombótica. Esses agentes sistêmico, esclerose sistêmica progressiva,
têm apenas efeito sintomático nas doenças ou poliarterite nodosa, granulomatose de
processos inflamatórios em que estão indicados.1 Wegener, espondilite anquilosante e
AINEs classificam-se em inibidores não entesopatias. Demonstram eficácia em
seletivos e seletivos de COX-2. Estes últimos serosites lúpicas (pleurite e pericardite).
incluem agentes mais antigos (etodolaco, São também usados como adjuvantes no
meloxicam e nimesulida) e coxibes. tratamento da gota aguda e em osteoartrose,
A Relação Nacional de Medicamentos artroplastia e fibrose cística. 1
Essenciais (Rename) 2010 inclui dois Embora haja uso para controle de dor em artrite
representantes do grupo dos AINEs: ácido reumatoide, revisão não encontrou evidências
acetilsalicílico (AAS) sob forma de comprimidos sobre o uso de AINEs nessa condição.4
(500mg) e ibuprofeno sob forma de comprimidos Em osteoartrose de joelho, AINEs superam
(200, 300 e 600mg) e solução oral (50mg/ml). 2 placebo e analgésicos comuns no controle da dor.
No Brasil, vários AINEs são facilmente Não há evidência de diferença de efeito entre os
encontrados ao alcance de todos em farmácias. diversos representantes dos AINEs. Porém AINEs
Inclusive naproxeno, ibuprofeno e cetoprofeno orais são mais eficazes do que AINEs tópicos no
constam da lista de Medicamentos Isentos de controle de dor aguda.5
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
ÁCIDO ACETILSALICÍLICO
IBUPROFENO*
* Formas farmacêuticas disponíveis no mercado brasileiro: comp. 200, 300, 400 e 600mg; suspensão oral 20 ou 30 ou 50 ou 100mg/ml; suspensão
oral gotas 50mg/ml; solução oral 20 ou 40 ou 50 ou 100 ou 200mg/ml.
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Ministério da Saúde
A lesão renal mais comumente induzida por evidenciaram associação significativa de risco de
AINEs é insuficiência renal aguda mediada malformação orofacial quando o AINE foi usado
hemodinamicamente. Outras síndromes clínicas durante o primeiro trimestre de gravidez.39
incluem nefrite intersticial aguda e hipertensão. Meta-análise de oito estudos demonstrou risco
Pode haver piora de insuficiência renal crônica e 15 vezes maior de fechamento do ducto arterioso
retenção de sódio e água.35 mediante exposição à indometacina (OR =15,04;
IC95%: 3,29–68,68) comparativamente ao de
Riscos gestacionais e fetais placebo ou outro AINE.40
Meta-análise Cochrane demonstrou que
ibuprofeno e indometacina são efetivos no
Durante o primeiro e o segundo trimestres da
fechamento de ducto arterial patente em prematuros
gravidez, o uso de AINE não é recomendado.
ou recém-nascidos de baixo peso.41
Se for absolutamente necessário, emprega-se o
fármaco com maior experiência de uso, na menor
dose e pelo menor tempo possível. Ibuprofeno Interações
é o agente preferencial na gravidez, mas seu
uso é offlabel, pois a ausência de investigação AINE e paracetamol são frequentemente
não permite aos fabricantes arrolá-lo como prescritos simultaneamente. Coorte retrospectiva
seguro no início da gravidez. Porém, está de base populacional (1,2 milhão de pacientes)
contraindicado após 30 semanas de gestação comparou os riscos da associação de ibuprofeno
pelo risco de fechamento prematuro do ducto e paracetamol com os do uso dos fármacos
arterial e diminuição do líquido amniótico. O separadamente. Não se identificaram diferenças
fechamento prematuro do ducto arterial, evento entre uso concomitante e isolado dos dois fármacos.42
raro em decorrência do uso de AINEs antes da Apesar de evidências ex-vivo demonstrarem
29a semana, é aumentado em 50–70% na 34a interação entre ácido acetilsalicílico e ibuprofeno,
semana, chegando a 100% a partir da 36a semana não existem evidências clínicas adequadas sobre
de gravidez. Após 30 semanas, se o uso de AINEs perda do efeito cardioprotetor do primeiro quando
se fizer necessário, deve-se monitorar circulação administrado concomitantemente com ibuprofeno.43
fetal e líquido amniótico por ultrassonografia, O National Institute for Health and Clinical
uma ou até duas vezes por semana.36 Excellence reconhece que todo AINE pode
A maioria dos dados sobre riscos do uso de antagonizar os efeitos cardioprotetores do ácido
AINEs antes da 30a semana de gravidez foi acetilsalicílico. Assim, recomenda que a paciente
obtida de estudos observacionais e deve ser com osteoartrite que necessite usar ácido
interpretada com cautela. acetilsalicílico em baixa dosagem deva ser prescrito
Estudo de base populacional demonstrou outro analgésico que não AINE para o adequado
aumento de 80% na taxa de risco de aborto manejo de dor.44
espontâneo associado a AINEs (HR =1,8; IC95%: A FDA recomenda aos profissionais de
1,0–3,2), aumentando esse risco com uso próximo saúde o espaçamento de tempo entre as
da concepção (HR= 5,6; IC95%: 2,3–13,7) ou por administrações desses dois fármacos. Também
mais de uma semana (HR= 8,1; IC95%: 2,8–23,4).37 destaca haver risco mínimo de diminuição do
Estudo observacional encontrou razão de efeito antiplaquetário do ácido acetilsalicílico
chances ajustada de 2,21 (IC95%: 1,71–2,85) para com uso ocasional de ibuprofeno. Entretanto,
defeitos congênitos quando AINEs foram usados sugere que pacientes em uso de ácido
no primeiro trimestre de gravidez. Ainda apresentou acetilsalicílico de liberação imediata usem a dose
OR de 3,34 (IC95%: 1,87–5.98) para alterações de ibuprofeno (400mg) pelo menos 30 minutos
relacionadas ao fechamento do septo cardíaco.38 (ou mais) após a ingestão daquele ou então 8
Revisão sistemática que incluiu 22 estudos horas antes de sua administração para evitar a
de casos e controles, sete coortes e um ensaio possível redução dos efeitos antiplaquetários. 45
clínico aleatório investigou a associação entre Pacientes em tratamento anti-hipertensivo
uso de ácido acetilsalicílico e AINEs e risco de com diuréticos de alça, antagonistas de
malformações congênitas. Em relação a ácido receptores de angiotensina II (ARA-II)
acetilsalicílico (11 estudos), somente dois estudos e inibidores da enzima de conversão da
de casos e controles demonstraram aumento angiotensina (IECA) e betabloqueadores alfa
significativo no risco de malformação (OR =1,64; não devem receber AINEs pelas interações
IC95%: 1,30–2,04). Com respeito a uso de AINEs, medicamentosas desvantajosas (reversão do
dois estudos os associaram a aumento daquele efeito anti-hipertensivo) que se estabelecem.
risco. Nessa revisão, nenhum medicamento Pequeno estudo controlado por placebo
associou-se significativamente à elevação de risco demonstrou que AINEs (piroxicam e ibuprofeno)
de malformação cardíaca. Porém, dois estudos elevaram a pressão sistólica em pacientes que
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
47
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
6
Tratamento de Enxaqueca:
escolhas racionais
Lenita Wannmacher
Introdução
Enxaqueca é um distúrbio neurovascular climática, odores e perfumes, menstruação,
comum, caracterizado por episódios recorrentes exercício e uso de contraceptivos orais. Cerca
de cefaleia, disfunção autonômica (náusea, de 50% das crianças terão remissão espontânea
vômito) e, em alguns pacientes, sintomas após a puberdade.6 A enxaqueca crônica tem-
neurológicos de aura (foto e fonofobias). 1 se associado a excesso de medicação para
Usualmente é unilateral e pulsátil, de intensidade enxaqueca, distúrbios temporo-mandibulares,
variável, sendo agravada por atividade física apneia obstrutiva do sono e obesidade.
rotineira. Em média, o número de crises é de 1,5 A história natural da enxaqueca compreende
por mês, e a duração varia de 2 a 48 horas. 2 Sua três estados – com aura (distúrbios neurológicos
prevalência varia de 10 a 20% na população, prodrômicos), sem aura e aura sem enxaqueca
sendo as mulheres acometidas cerca de quatro – que podem ocorrer em qualquer momento. O
vezes mais do que os homens. 3 Predomina em episódio de enxaqueca é autolimitado e raramente
pessoas com idade variando entre 35 e 45 anos. resulta em complicações neurológicas permanentes.
Após 45–50 anos, o predomínio em mulheres Quando uma crise intensa se prolonga por mais
tende a cair. Nessas, a prevalência é maior na de 72 horas, com repercussões físicas e emocionais,
idade reprodutiva, o que é consistente com a diz-se que o paciente está em estado enxaquecoso
relação entre menstruação e enxaqueca. 4 (ou migranoso), o qual é frequentemente causado
Ocorre em 3 a 10% das crianças, afetando por abuso de medicamentos, associando-se à
igualmente ambos os gêneros antes da cefaleia de rebote. O padrão de crise é sempre o
puberdade, mas com predomínio em meninas mesmo para cada indivíduo, variando apenas em
após 10 anos de idade. A apresentação da intensidade. O espaçamento entre crises é variável.
enxaqueca é influenciada pela idade da criança. A etiologia da enxaqueca é ainda
Por vezes, a cefaleia se acompanha de palidez, controversa. Propõe-se que seja resposta
náusea e vômito e alivia com o sono. Aura e do cérebro e de seus vasos sanguíneos a
sintomas neurológicos prolongados são incomuns algum gatilho frequentemente externo. A
em crianças. Em adolescentes, a apresentação enxaqueca se inicia com neuroinflamação de
de enxaqueca é similar a dos adultos. nociceptores meníngeos, sensibilizando neurônios
Mais de um terço dos pacientes apresenta periféricos e subsequentemente resultando em
aura causada por vasoconstrição cerebral (rara) hiperexcitabilidade do sistema nervoso central.
e disfunção neuronal. A cefaleia associada ocorre A ativação de microglias e astrocitos produz e
na vigência de fluxo cortical reduzido.5 libera substâncias neuroexcitatórias, incluindo
A enxaqueca pode assumir caráter crônico, óxido nítrico e citocinas inflamatórias, o que
com cefaleias diárias que ocorrem por 15 dias ou contribui para a sensibilização do trigêmio.
mais por mês, durante três meses consecutivos, Pode ainda haver disfunção endotelial e
sem patologia subjacente. Afeta 2 a 4% e 0,8 a 2% hipercoagulabilidade, bem como reatividade
dos adolescentes de sexo feminino e masculino, vascular patológica. A ativação de nociceptores
respectivamente.6 Estima-se que crianças com meníngeos e vasculares, associada a
enxaqueca percam uma e meia semana de modificações na modulação central da dor,
escola por ano em comparação a controles. provavelmente é a responsável pela cefaleia. 8,9
Profilaxia deve ser considerada em crianças com Esse distúrbio tem marcadas repercussões
episódios frequentes e incapacitantes.7 econômicas para o indivíduo e a sociedade,
São fatores condicionantes de enxaqueca: devido a faltas na escola e no trabalho, redução
predisposição familiar, estresse, ingestão de de eficiência no emprego, procura de serviços
álcool, fumo, falta de alimentação e sono, mudança médicos e setores de emergência.
51
Ministério da Saúde
52
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Analgésicos não opioides e AINEs: ácido acetilsalicílico, paracetamol, ibuprofeno, naproxeno, ácido tolfenâmico
Antieméticos: metoclopramida
Coadjuvante: cafeína
A American Academy of Family Physicians frovatriptana (orais) – são indicados para pacientes
e o American College of Physicians – American que não respondem a AINEs ou têm crises graves.
Society of Internal Medicine22 propõem que a Ainda recomendam antieméticos para vômitos e
prescrição em atenção primária conste das náuseas, considerados sintomas incapacitantes
seguintes alternativas como terapia de primeira na crise de enxaqueca. Já o Formulário Modelo da
linha: AINEs (ácido acetilsalicílico associado ou OMS 2008 preconiza o uso de agonistas seletivos
não a metoclopramida, ibuprofeno, naproxeno, de receptores 5HT1B/1D quando não há resposta
ácido tolfenâmico) e a associação de paracetamol, aos analgésicos comuns e não indica ergóticos
ácido acetilsalicílico e cafeína. Agentes específicos pelos efeitos adversos potenciais.23 O Formulário
para enxaqueca – di-hidroergotamina (intranasal), Modelo para Crianças 2010 da OMS24 preconiza
sumatriptana (oral ou subcutânea), zolmitriptana, o uso de ibuprofeno (comprimidos de 200mg e
naratriptana, eletriptana, rizatriptana, almotriptana, 400mg) e paracetamol (comprimidos de 500mg e
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Ministério da Saúde
solução oral de 25mg/ml) para tratamento de crise de ensaios clínicos randomizados avaliou o uso
e de propranolol (comprimidos de 20mg e 40mg) de baixas doses (200mg e 400mg) em adultos,
para a profilaxia. as quais se mostraram superiores a placebo em
Ácido acetilsalicílico tem sido recomendado alívio e cessação de dor moderada e intensa em
com e sem antiemético. Revisão Cochrane25 duas horas. Para a dose de 200mg, o NNT foi de
de 13 ensaios clínicos randomizados (4.222 8 (IC95%: 5–20) para alívio de dor e 13 (IC95%:
adultos) – que compararam 900mg ou 1.000mg 8–50) para sua cessação. As razões de risco para
de ácido acetilsalicílico, isoladamente ou em alívio e cessação de dor foram 1,89 (P < 0,0001) e
combinação com 10mg de metoclopramida, 2,15 (P = 0,0063), respectivamente, para a dose de
a placebo ou outros comparadores ativos, 400mg. Essa dose associou-se a alívio de fotofobia
principalmente sumatriptana 50mg ou 100mg (30%; P < 0,01) e fonofobia (49%; P < 0,0001).
– evidenciou que todos os tratamentos ativos Meta-análise30 de 11 ensaios clínicos
superaram o placebo. Para ácido acetilsalicílico randomizados e controlados por placebo – que
isolado versus placebo, os NNTs foram de 8,1, avaliaram os efeitos de paracetamol, ibuprofeno,
4,9 e 6,6 para isenção de dor por duas horas, sumatriptana, zolmitriptana, rizatriptana e di-
alívio de dor por duas horas e alívio de dor hidroergotamina em crianças e adolescentes com
por 24 horas. Para ácido acetilsalicílico mais crise de enxaqueca – identificou que somente
metoclopramida versus placebo, os NNTs foram ibuprofeno (NNTs de 2,4 e 4,9) e sumatriptana
respectivamente de 8,8, 3,3 e 6,2. Sumatriptana (NNTs 7,4 e 6,9) superaram significativamente o
50mg não diferiu de ácido acetilsalicílico isolado, placebo no alívio e na cessação da dor em duas
porém a dose de 100mg superou a combinação horas, respectivamente. Ainda, ibuprofeno mostrou
já referida para isenção de dor por duas horas. maior benefício absoluto do que sumatriptana.
A associação com metoclopramida reduziu Naproxeno mostrou-se mais eficaz do que
significativamente náusea (P < 0,00006) e placebo no tratamento agudo de enxaqueca em
vômito (P = 0,002) comparativamente a ácido adultos com crises moderadas e severas. Em
acetilsalicílico isolado. Os efeitos adversos foram meta-análise31 de quatro estudos, as razões de
leves e transitórios, embora mais frequentes risco agrupadas foram de 1,58 (IC95%: 1,41–
do que com placebo, mas menos comuns em 1,77; P < 0,00001) e 2,22 (IC95%:1,46–3,37; P =
comparação à sumatriptana. Logo, 1.000mg de 0,0002), respectivamente, para alívio e cessão da
ácido acetilsalicílico comportam-se similarmente cefaleia em duas horas. Os efeitos adversos foram
a 50–100mg de sumatriptana no tratamento de significativamente maiores em comparação aos
crises de enxaqueca. do placebo (P = 0,02), correspondendo à náusea,
Paracetamol também pode ser utilizado, tendo tontura, dispepsia e dor abdominal.
eficácia bem demonstrada. Em comparação a Ensaio clínico randomizado e duplo-cego32
placebo, paracetamol 1.000mg fez cessar a dor em comparou naproxeno 500mg e sumatriptana
duas horas (52% vs. 32% com placebo; P=0,001) 100mg em relação à recorrência de cefaleia por 48
e reduziu sua intensidade em duas horas (82% vs. horas após a saída do atendimento de emergência
46%, respectivamente; P<0,001).26 A combinação de 383 pacientes com enxaqueca sem aura.
fixa com paracetamol, ácido acetilsalicílico e Aproximadamente três quartos dos pacientes
cafeína mostrou ser mais eficaz do que os fármacos referiram recorrência da dor em 48 horas. Os dois
isoladamente, tendo tolerabilidade aceitável.27 medicamentos produziram resultados comparáveis,
Ensaio clínico randomizado (n=1.743)28 comparou tanto em eficácia quanto em perfil de efeitos adversos.
as associação em doses fixas a diferentes Triptanas, agonistas de receptores 1B/1D de
combinações dos dois analgésicos ou a cada um serotonina, apresentam similar eficácia entre os
deles isoladamente ou a placebo. Na redução da diferentes representantes com relação à eficácia e
dor em 50%, a associação superou a combinação segurança. Têm indicação em crises de dor intensa
dos dois analgésicos sem cafeína (P = 0,01), ácido e quando há refratariedade ao uso de analgésicos e
acetilsalicílico (P = 0,03), paracetamol (P = 0,001), anti-inflamatórios. Podem ser usadas por vias oral
cafeína (P < 0,0001) e placebo (P < 0,0001). A (todas), subcutânea (sumatriptana) e intranasal
incidência de efeitos adversos foi baixa. (sumatriptana, zolmitriptana).
AINEs são agentes de primeira linha para Revisão Cochrane33 de 25 estudos (16.200
tratamento de crises leves a moderadas de participantes) mostrou que sumatriptana em doses
enxaqueca ou crises graves a eles responsivas no de 100mg, 50mg e 25mg superou o placebo em
passado. Evidências mais consistentes existem termos de cessação da dor, alívio da dor e alívio da
para ibuprofeno e naproxeno sódico que se incapacidade em duas horas. No controle da crise,
mostraram superiores a placebo. mostrou-se mais eficaz do que ergotamina + cafeína.
Ibuprofeno também se mostrou eficaz no Estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego
tratamento de crises de enxaqueca. Meta-análise29 e cruzado (n= 133)34 não detectou diferenças
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
2,55). Porém causam mais efeitos adversos do que 100mg/dia gera maior resposta que a de 50mg/dia
os comparadores, incluindo boca seca (P<0,0005), e não é suplantada pela de 200mg/dia.
sedação (P<0,0005) e ganho de peso (P<0,001), Outro ensaio clínico randomizado e controlado
sem que isso cause desistência do tratamento. por placebo (n=306)49 verificou que topiramato
Amitriptilina 25 a 50mg/dia foi comparada (100mg/dia) reduziu em 25% a frequência de
à toxina botulínica A 250U no tratamento de crises por mês (68,6% vs. 51,6%; P = 0,005).
enxaqueca crônica de 72 pacientes. Redução de A diminuição da média mensal de dias com
50% no número de dias com dor ocorreu em 67,8% cefaleia foi de 5,8 vs. 4,7 dias (P = 0,067). A
dos pacientes que receberam a botulina versus redução da intensidade da dor e do consumo de
72% dos do grupo da amitriptilina (RR=0,94; medicamentos sintomáticos não foi significativa
IC95%: 0,11–0,8; P=0,78). Também não houve (P = 0,077). Os resultados desse estudo mostram
diferença entre os grupos com relação à redução modestos benefícios com topiramato.
na intensidade da dor (P=0,79) e ao número de Raros são os estudos com comparações
doses dos fármacos sintomáticos usados para diretas entre medicamentos ativos. Em um deles,50
manejo da crise (P=0,76).46 compararam-se propranolol (3mg/kg/d) e valproato
Anticonvulsivantes, especialmente topiramato de sódio (30mg/kg/d) por seis meses no tratamento
e ácido valproico, têm sido avaliados no tratamento preventivo de enxaqueca em 60 crianças. A
preventivo da enxaqueca crônica. Revisão redução em 50% na frequência de crises foi de
sistemática Cochrane47 de 13 estudos (n = 1.773) 83% no grupo de propranolol e de 63% no grupo de
demonstrou que anticonvulsivantes, considerados valproato de sódio. Ambos os fármacos diminuíram
como classe, dobram o número de pacientes que têm a duração da cefaleia em relação ao basal,
a frequência de crises reduzida em 50% ou mais em assim como a intensidade de dor e similarmente
comparação a placebo (RR=2,25; IC95%: 1,79–2,84; obtiveram completa cessação das crises, sem que
NNT de 3,9; IC95%: 3,4–4,7). Em seis estudos que houvesse diferença estatisticamente significativa
avaliaram valproato de sódio, os NNDs, para efeitos entre eles. Para ambos, os efeitos adversos foram
adversos clinicamente relevantes, variaram de 7,0 a bem tolerados pelos pacientes. O único parâmetro
18,8. Em seis estudos com topiramato (100mg), os em que houve diferença foi a frequência média de
NNDs, para sete eventos adversos, variaram entre cefaleia por mês, favorecendo propranolol.
2,4 e 31,2. Apesar da grande variação, parecem ter Meta-análise de oito ensaios clínicos
tolerabilidade aceitável. randomizados, duplo-cegos e controlados
Em ensaio clínico randomizado, duplo-cego e por placebo (n=1.601 pacientes com menos de
controlado por placebo48, topiramato (100 e 200mg/ 15 episódios de cefaleia/mês por três meses)
dia), administrado por 18 semanas, reduziu a testou a eficácia profilática de toxina botulínica
frequência média mensal de crises, já no primeiro do tipo A. O fármaco não superou o placebo
mês de profilaxia (P<0,05). As taxas de resposta na redução do número de crises em 30, 60 e 90
para o desfecho “mínimo de 50% de redução na dias depois da injeção.51
frequência mensal de crise” foram de 39% (com
50mg/dia; P =0,01), 49% (com 100mg/dia; P<0,001) Prescrição
e 47% (com 200mg/dia; P<0,001) em comparação
ao placebo (23%). Parestesias, fadiga, náuseas e
O Quadro 3 apresenta as doses comumente
diarreia foram as principais causas de suspensão
utilizadas em tratamento de crises e profilaxia de
do tratamento com topiramato. Logo, a dose de
enxaqueca em adultos e crianças.
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Profilaxia de enxaqueca
A: 40mg
Cloridrato de propranolol
C > 2 anos: 10–20mg Oral 8–12 horas
***
Dose máxima: 4mg/kg/d
A: 25mg/dia (comp.)
Amitriptilina Oral 24 horas
C: 0,25–1mg/kg/dia
* Para pacientes que não respondem a analgésicos e AINEs; sumatriptana como exemplo de triptanas.
** Para pacientes com náusea e vômito. Cautela em crianças e adolescentes devido às reações motoras.
Administrar preferencialmente 10–15 minutos antes do analgésico para aproveitamento do efeito
procinético, já que há gastroparesia durante a crise de enxaqueca.
*** Propranolol como exemplo de betabloqueadores.
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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61
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
7
Uso Racional de Estatinas na
Prevenção de Cardiopatia Isquêmica
Lenita Wannmacher e Andry Fiterman Costa
Introdução
Cardiopatia isquêmica é doença crônica angioplastia). Posteriormente a uma manifestação
de origem multifatorial, tendo como causa clínica tratada e controlada, faz-se prevenção
predominante a aterosclerose coronariana, secundária para evitar novos eventos.1
associada ou não à trombose. Os fatores Considerando ser cardiopatia isquêmica uma
predisponentes dessa condição são hipertensão das doenças que mais mata no mundo e existirem
arterial sistêmica, diabetes melito, insuficiência intervenções que comprovadamente reduzem
cardíaca, consumo de cigarro, obesidade e mortalidade e outros desfechos primordiais, qualquer
hiperlipidemia. Manifesta-se sob variadas medida que objetive substituir as existentes deve,
formas (angina de peito estável, angina instável ao menos, demonstrar-se igual a elas.
e infarto do miocárdio) em indivíduos adultos,
usualmente a partir dos 40 anos.1
Cardiopatia isquêmica permanece como Prevenção Primária – Papel
importante causa de morte, embora esta tenha das Estatinas
declinado à metade nos Estados Unidos, de
1980 a 2000. Tal queda tem sido atribuída ao A cardiopatia isquêmica pode cursar com longo
controle dos fatores de risco, verificando-se período assintomático ou de forma subclínica.
que a prevenção primária (procedimentos com Assim, as medidas atuais de prevenção primária
intuito de evitar a ocorrência em indivíduos são direcionadas para o risco basal estimado de
livres da doença) e a prevenção secundária eventos cardiovasculares em médio e longo prazos.
(procedimentos que visam evitar a recorrência Fazem-se estimativas de risco para eventos em
dessas síndromes e morte por cardiopatia dez anos, estabelecendo escores que orientam
isquêmica) contribuíram para menor mortalidade a decisão de instituir medidas de prevenção em
em 251.170 (79%) indivíduos assintomáticos indivíduos assintomáticos, principalmente quando
e 64.930 (21%) pacientes com cardiopatia se trata de prescrição medicamentosa.1
isquêmica, respectivamente.2 A eficácia da prevenção primária ficou bem
No Brasil, em 2005, as doenças clara no estudo norte-americano previamente
cardiovasculares foram responsáveis por 24% citado, no qual a redução de mortalidade em
dos óbitos. Indicadores nacionais demonstraram pessoas assintomáticas foi atribuída à cessação
que mortalidade e incidência de doença arterial do tabagismo (46.315 menos mortes), controle da
coronariana encontravam-se estáveis na última pressão arterial sistólica (97.555 menos mortes)
década, mas com distribuição distinta entre as e queda da colesterolemia (107.300 menos
diferentes regiões do país: algumas com redução mortes). Estatinas, medicamentos utilizados em
semelhante à observada nos Estados Unidos e hiperlipidemia, contribuíram para aproximadamente
outras em franca ascensão.3 16.580 menos mortes, isto é, 1/6 da redução de
A intervenção sobre a história natural mortalidade atribuída ao controle dos lipídeos.2
da cardiopatia isquêmica pode ser feita A prevenção primária requer avaliação de risco
em três níveis. Primeiramente, é possível global (Quadro 1) para identificar indivíduos com
fazer prevenção primária com medidas não probabilidade de ter aterosclerose acelerada e aqueles
medicamentosas ou fármacos. Em segundo com provável aterosclerose sob risco de desenvolver
lugar, tratam-se as manifestações clínicas da eventos isquêmicos agudos. A coexistência de vários
doença arterial coronariana com medicamentos fatores atua de modo multiplicativo.4
ou procedimentos (tratamento cirúrgico ou
63
Ministério da Saúde
FATORES DE RISCO
FATOR DE PROTEÇÃO
Na dependência dos fatores de risco apresen- No entanto, para alguns autores, o escore
tados, usam-se intervenções não farmacológicas ou Framinghan superestima a população de alto
medicamentosas na prevenção de morbimortalidade risco em 18,3% e os candidatos a usar terapia
relacionada à aterosclerose coronariana. A prescrição hipolipemiante em 31%7.
de medicamentos deve sempre ser coadjuvada pelas Para controle de hiperlipidemia (colesterol total,
medidas não medicamentosas.5 lipoproteína de baixa densidade – LDL, lipoproteína
A mais intensa intervenção preventiva deve ser de muito baixa densidade – VLDL e triglicerídeos), um
dirigida a indivíduos com maior risco, pois daí deriva dos fatores de risco para cardiopatia isquêmica, usam-
o maior benefício. Isso significa priorizar aqueles se medidas não medicamentosas e medicamentosas.
com risco anual superior a 2–3% de eventos, A decisão sobre a correta opção pode ser auxiliada
estimado pelo clássico escore Framinghan.6 pela estimativa de risco em dez anos (Quadro 2).
64
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Em adultos sem doença cardiovascular, Dietas pobres em colesterol são indicadas por
a avaliação do perfil lipídico deve ser feita a seis meses antes de tratamento medicamentoso
cada cinco anos, mediante dosagem sérica de em indivíduos com um fator de risco e por três
colesterol total, HDL-colesterol (fator protetor) e meses quando há dois fatores de risco.4
triglicerídeos. A determinação do LDL-colesterol é Houve muita expectativa de que a
feita pela fórmula: Colesterol total – HDL-colesterol suplementação do ácido graxo ômega-3
– triglicerídeos/5. Essa fórmula pode ser utilizada (proveniente de óleo de peixe e plantas) na dieta
para pacientes com níveis de triglicerídeos fosse benéfica na prevenção de eventos isquêmicos
inferiores a 400mg/dl, pois acima desses níveis a coronarianos. Revisão Cochrane de 48 ensaios
estimativa é pouco precisa. Nesse caso, prefere-se clínicos (36.913 participantes) e 41 estudos de coorte
a avaliação do colesterol não HDL (colesterol total demonstrou ausência de benefício em redução de
– HDL-colesterol). morte total, infarto do miocárdio não fatal e acidente
Os níveis de LDL-colesterol que indicam vascular cerebral.12
abordagem terapêutica dependem do perfil
de risco dos indivíduos. Após os resultados Estatinas
de ensaios que avaliaram o chamado controle
estrito, os valores de LDL-colesterol passaram Estatinas regulam a velocidade de síntese
a ser 100mg/dl e 70mg/dl para pacientes de do colesterol, reduzindo seus níveis em
moderado e muito alto risco, respectivamente 8. maior proporção que os dos demais lipídeos.
Quando se considera o colesterol não HDL, Possivelmente, além do efeito hipocolesterolemiante,
as metas consideradas são 30mg/dl mais tenham ações anti-inflamatórias (demonstradas
elevadas, ou seja, 130mg/dl e 100mg/dl, por redução de concentrações séricas de proteína
respectivamente, para risco moderado a alto C reativa) e redutora de pressão arterial. Existem
e muito alto. diversas estatinas testadas e comercializadas para
Meta-análise de 11 estudos mais atuais uso em prevenção cardiovascular. Na Rename
demonstrou não haver relação entre níveis basais 2010, a estatina escolhida foi sinvastatina em
de LDL-colesterol e redução de mortalidade de comprimidos de 10mg, 20mg e 40mg.13
todas as causas (P =0,97) quando estatinas Meta-análise de 75 estudos fez comparações
foram usadas em pacientes sem doença prévia, diretas entre diferentes estatinas. Doses diárias
mas com alto risco. Redução absoluta (P = 0,62) de atorvastatina 10mg, fluvastatina 80mg,
ou relativa (P = 0,46) de LDL-colesterol também lovastatina 40–80 mg e sinvastatina 20mg
não se associou com benefício de estatinas podem reduzir LDL-colesterol em 30–40%,
sobre mortalidade. Mais do que dosagens de e fluvastatina 40mg, lovastatina 10–20mg,
colesterol, tem sido levado em conta o perfil de pravastatina 20–40mg e sinvastatina 10mg o
risco dos indivíduos.9 fazem em proporção de 20–30%. As únicas
estatinas que reduziram LDL-colesterol em mais
Dieta e mudança de estilo de vida de 40% foram rosuvastatina e atorvastatina em
dose diária igual ou superior a 20mg. A meta-
São medidas recomendadas particularmente análise indicou diferença estatisticamente
para indivíduos com obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) significante, mas clinicamente pouco relevante
e obesidade abdominal (circunferência de cintura (<7%), entre estatinas com relação ao efeito
≥ 102cm para homens e ≥ 88cm para mulheres). hipocolesterolemiante. Comparações em
Nos Estados Unidos, entre 1999 e 2008, prevenção de doença arterial coronariana e
obesidade e obesidade abdominal aumentaram segurança dos fármacos não foram feitas por
em homens, e obesidade abdominal aumentou haver insuficiência de dados. Logo, em doses
em mulheres. A tendência a aumento de peso é equivalentes, as estatinas são terapeuticamente
global, incluindo as crianças.10 equivalentes na redução de LDL-colesterol.14
Em crianças e adolescentes, revisão sistemática Meta-análise de 19 estudos de prevenção
de 22 estudos detectou significativo espessamento primária (n=63.899) verificou que pessoas tratadas
da camada média-intimal da artéria carótida com estatinas (lovastatina, pravastatina, fluvastatina,
associado à obesidade em comparação a grupo- atorvastatina) tiveram risco relativo de 0,93 (IC95%:
controle, o que pode predizer futuros riscos para 0,87–0,99; P=0,03) para mortalidade de todas as
doença cardiovascular.11 causas. Dados agrupados de 18 estudos (n=59.469)
Por essas razões, dieta saudável é mostraram risco relativo de 0,89 (0,81–0,98; P=0,01)
recomendada com vista à redução de obesidade para morte cardiovascular. Dados de 17 estudos
como fator de risco cardiovascular. A dieta deve mostraram risco relativo de 0,85 (0,7–0,95; P=0,004)
ser corroborada por atividade física regular, na para eventos vasculares maiores e de 0,77 (0,63–
luta contra o sedentarismo. 0,95; P=0,01) para infarto do miocárdio.15
65
Ministério da Saúde
Meta-análise de dez ensaios clínicos randomizados Entretanto, esse estudo deu margem a
(n= 70.388 pessoas sem doença cardiovascular grande controvérsia, sendo desacreditado por
estabelecida, mas com risco cardiovascular) com alguns autores devido à finalização precoce, não
seguimento de 4,1 anos mostrou que o tratamento definição explícita a priori de critérios, incidência
com estatinas reduziu significativamente o risco de eventos muito aquém da esperada, grande
de mortalidade de todas as causas (OR= 0,88; potencial de conflitos de interesses, entre outros
IC95%: 0,81–0,96), eventos coronarianos maiores problemas metodológicos.21,22
(OR= 0,70; 0,61–0,81) e eventos cerebrovasculares Em relação à prevenção primária de doença
maiores (OR= 0,81; 0,71–0,93).16 coronariana, outro tópico entra em discussão: o uso
Meta-análise de seis estudos de prevenção de estatinas em diabéticos de tipo 2 sem elevação
primária realizados em mulheres mostrou dos níveis de colesterol. O American College of
redução do risco de morte por todas as causas Physicians recomenda o uso de moderadas doses
de 0,90 (IC95%: 0,60–1,35; P=0,61) e de evento de estatinas em diabéticos acima de 55 anos ou nos
coronariano de 0,78 (IC95%: 0,64–0,96; P=0,02). mais jovens com outro fator de risco para cardiopatia
Em mulheres moderadamente hiperlipidêmicas, isquêmica23. Baseou-se em meta-análise de seis
o uso de estatinas foi benéfico em prevenir ensaios clínicos de prevenção primária em que
doença arterial coronariana, mas não modificou a medicamentos hipolipemiantes reduziram os riscos
mortalidade em geral.17 de eventos cardiovasculares em diabéticos de tipo
Outra meta-análise de oito estudos que 2 (RR= 0,78; IC95%: 0,67–0,89; redução de risco
investigaram o benefício de estatinas em absoluto: 0,03; IC95%: 0,01–0,04 em 4,3 anos de
prevenção primária cardiovascular durante 3,9 tratamento; NNT = 34–35 pacientes).24
anos em homens (30.194) e mulheres (19.052) não Outra meta-análise de 12 estudos mostrou
evidenciou redução de risco na mortalidade total eficácia significativa de estatinas em reduzir risco
em ambos os gêneros. Houve redução significativa cardiovascular em indivíduos não diabéticos
no risco de eventos coronarianos em homens e diabéticos, sendo os últimos os que mais se
(RR=0,59; IC95%: 0,48–0,74; P = 0,0001), mas beneficiam. Em prevenção primária, a redução de
não em mulheres (RR=0,89; 0,79–1,00; P = 0,05)18. eventos coronários maiores foi de 21% (IC95%:
Ainda, meta-análise de ensaios clínicos 11%–30%; P < 0,001) em diabéticos e 23% (12%–
(n= 266.973) que compararam tratamentos 33%; P = 0,0003) em não diabéticos.25
hipocolesterolemiantes versus controles em A decisão sobre prevenção primária de eventos
relação ao risco total de acidente vascular cardiovasculares com medicamentos leva em conta
encefálico detectou razão de chance de 0,85 a questão de fazer intervenções com potencial de
(IC95%: 0,78–0,92; P < 0,001) com uso de risco e determinado custo econômico em pessoas
estatinas. O benefício de outras intervenções foi sadias. Isso só se justifica quando há indicação
menor e não estatisticamente significativo (dieta: clínica bem precisa, com evidência de benefício
OR= 0,92; fibratos: OR= 0,98 e outros tratamentos: clínico incontestável, razoável segurança e custo
OR= 0,81). Houve associação significativa entre suportável pelo indivíduo e a comunidade. Na
redução percentual de LDL-colesterol e de Bélgica, 8% da despesa total com medicamentos
acidentes vasculares encefálicos (P = 0,0017). correspondiam ao uso de estatinas. Para analisar
Cada 1% de redução de colesterol total predisse esse gasto, foram identificadas 11 avaliações
redução de risco relativo de 0,8% em acidente econômicas. Nove estudos compararam estatinas
vascular encefálico.19 a não tratamento e os resultados foram muito
Há um único ensaio clínico randomizado heterogêneos. Quando cessação do tabagismo e
de prevenção primária em pacientes de uso de baixa dose de ácido acetilsalicílico foram
risco intermediário (estimativa de eventos incluídos na análise, a terapia com estatinas
cardiovasculares de 10% a 20% em 10 anos, pelo tornou-se menos custo-efetiva. A prescrição da
escore de Framingham) que avaliou desfechos estatina de menor preço ainda determinou um
primordiais com rosuvastatina. Incluiu homens incremento de custo em homens com 60 anos, em
acima de 50 anos e mulheres acima de 60 anos, comparação à baixa dose de ácido acetilsalicílico,
sem história de eventos cardiovasculares e sem o que também ocorreu em homens com risco
diagnóstico de diabetes melito, com níveis de LDL- moderado e 50 anos de idade. Baixa dose de
colesterol abaixo de 130mg/dl e de proteína C ácido acetilsalicílico foi mais custo-efetiva do
reativa altamente sensível igual ou acima de 2mg/l. que a cessação do tabagismo. Do ponto de
A intervenção, comparada a placebo, reduziu vista econômico, a prevenção com baixa dose
significativamente desfechos cardiovasculares de ácido acetilsalicílico foi a intervenção mais
maiores e mortalidade total em indivíduos sem custo-efetiva para a prevenção primária, e parar
doença arterial coronariana prévia e com níveis de fumar, a estratégia dominante, deveria ser
normais ou baixos de colesterol.20 sempre encorajada.26
66
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
67
Ministério da Saúde
Acredita-se que a maioria dos pacientes possa cardiovascular (RR=0,76; IC: 0,59–0,93; redução
ser manejada com doses moderadas de estatinas, de risco absoluto = 0,07; IC = 0,03–0,12 em 4,9 anos
reservando-se doses altas para aqueles com maior de tratamento; NNT =13–14). Doses moderadas de
risco para a ocorrência de eventos.1 estatinas foram suficientes para obter benefício em
Meta-análise mostrou que estatinas pacientes com diabetes.24
comparativamente a placebo reduziram colesterol Não se encontraram estudos com definição
total em torno de 1,54 mmol/l (59,6mg/dl) e 1,37 de benefício clínico em relação à rosuvastatina,
mmol/l (53mg/dl) em estudos de prevenção embora existam comprovações sobre a redução
secundária e primária, respectivamente. Tal redução dose-dependente dos níveis lipídicos. Publicação
traduziu-se em redução de risco cardiovascular na do programa global GALAXY, que investigou
ordem de 18% por mmol (38,6mg/dl) (RR=0,82; o impacto dessa estatina na redução de risco
CI95%: 0,72–0,93) nos ensaios de prevenção cardiovascular, refere não haver definição entre
secundária. No estudo de coorte incluído, o uso de o estabelecido efeito hipolipemiante e o benefício
estatina reduziu o colesterol total em cerca de 0,98 clínico associado.34-36
mmol/l (38,6mg/dl) em comparação a não uso, o Ensaio clínico randomizado comparou
qual se associou a 28% de redução (HR ajustada sinvastatina com rosuvastatina na prevenção
= 0,72; IC95%: 0,51–0,98) na recorrência de infarto secundária de eventos coronarianos agudos em
de miocárdio. Logo, medidas de colesterol total, 1.263 pacientes com infarto do miocárdio prévio,
e não somente LDL-colesterol, são válidas para medindo o benefício laboratorial por meio do
orientar a decisão sobre introdução de estatinas alcance de alvos lipídicos estabelecidos pela
para prevenção de cardiopatia isquêmica.31 European Society of Cardiology 2003 (ESC-03).
Meta-análise de nove estudos avaliou a eficácia Não se observou diferença entre as estatinas no
de estatinas na prevenção secundária de eventos alcance daqueles alvos (OR: 1,16; IC95%: 0,88–
coronarianos em 19.569 pacientes com idades 1,53; P = 0,29).37
entre 65 e 82 anos. As taxas de morte de todas Uso crônico de estatinas tem gerado
as causas foram de 15,6% com estatinas e de preocupação quanto ao custo que acarreta à
18,7% com placebo. A redução de risco foi de gestão pública. No Brasil, sinvastatina é listada
22% em cinco anos. Estatinas ainda reduziram como medicamento essencial. Novo protocolo
significativamente a mortalidade por doença clínico nacional, presentemente em discussão,
coronariana em 30%, o infarto de miocárdio não pretende incluir sinvastatina e pravastatina, a
fatal em 26%, a necessidade de revascularização última disponibilizada para pacientes que fazem
em 30% e o acidente vascular encefálico em 25%. uso de terapia antirretroviral.38
O NNT estimado para salvar uma vida foi de 28 Embora considerado um tratamento custo-efetivo
(IC95%: 15–56).32 em relação à correção de hiperlipidemia e prevenção
Com relação à prevenção secundária da de doença cardiovascular, há interesse em determinar
recorrência de AVE, ensaio clínico randomizado, qual o representante mais custo-efetivo.
duplo-cego e controlado por placebo (n=4.731) Revisão sistemática de 32 ensaios randomizados
avaliou o efeito de atorvastatina em pacientes que que compararam estatinas a placebo ou entre si
tinham tido AVE ou acidente isquêmico transitório no refere ser difícil diferenciá-las quanto à eficácia e
período de um a seis meses antes do início do estudo segurança. Na prevenção secundária de eventos
e apresentavam níveis de LDL-colesterol de 100– cardiovasculares, a razão incremental de custo-
190mg/dl. Durante o estudo, o nível médio de LDL- efetividade (ICERs) aumenta com a idade e varia
colesterol foi de 73mg/dl e 129mg/dl entre pacientes com o risco. O risco absoluto de morte coronariana
recebendo a estatina e o placebo, respectivamente. e infarto do miocárdio não fatal é maior, com
Durante os 4,9 anos de seguimento, 265 pacientes consequente menor NNT, em prevenção secundária
(11,2%) que receberam atorvastatina e 311 (13,1%) comparativamente à primária. Assim, do ponto
do grupo placebo tiveram AVE fatal ou não fatal de vista econômico, a prevenção secundária é
(redução absoluta de risco = 2,2%; HR ajustada = considerada mais custo-efetiva quando direcionada
0,84; IC95: 0,71–0,99; P=0,03). A mortalidade por a populações de mais alto risco.39
todas as causas não diferiu significativamente entre A política de restrição de uso das estatinas
os grupos (P=0,98). Houve discreto aumento na de maior custo (atorvastatina e rosuvastatina) na
incidência de AVE hemorrágico.33 Finlândia teve impacto positivo, pois a prescrição
Na prevenção secundária de eventos dessas decaiu e houve importante substituição por
coronarianos em diabéticos de tipo 2, meta- representante de menos custo.40
análise de oito estudos mostrou redução de risco
68
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
69
Ministério da Saúde
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71
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
8
Medicamentos de Uso Corrente no
Manejo de Dor e Febre
Lenita Wannmacher
Introdução
Para manejo de dor leve à moderada e A propriedade antitérmica tem sido
febre, condições prevalentes no atendimento de imputada à inibição de ciclo-oxigenases no
adultos e crianças, usam-se preferencialmente cérebro, levando ao bloqueio de síntese de
analgésicos não opioides que incluem paracetamol, prostaglandinas no hipotálamo.
ácido acetilsalicílico e ibuprofeno, este como Tais medicamentos também atuam sobre
representante dos anti-inflamatórios não esteroides a enzima ciclo-oxigenase 1 (COX-1), a qual
(AINEs) por apresentar menor potencial de efeitos é expressa constitutivamente na maioria
adversos.1 Todos esses fármacos, inclusive os dos tecidos e é catalisadora da formação de
AINEs não citados, têm propriedades analgésica prostaglandinas com funções homeostáticas,
e antitérmica, mas as atividades anti-inflamatória tais como proteção de mucosa gástrica, autor-
e antiplaquetária não são compartilhadas por regulação de fluxo sanguíneo renal, ativação
paracetamol e dipirona. Esta, embora largamente de agregação plaquetária e regulação de
utilizada, é vista com restrição, como será homeostase vascular. A inibição de COX-1,
posteriormente explicado. interferindo nessas funções, condiciona algumas
Sua propriedade analgésica é atribuída à inibição das reações adversas desses fármacos, à
de ciclo-oxigenase 2 (COX-2), enzima induzida pela exceção de paracetamol que não produz
reação inflamatória e responsável pela formação de dano gastrintestinal ou efeitos cardiorrenais
prostaglandinas. Estas sensibilizam nociceptores – indesejáveis. Isso se explica por paracetamol
terminações nervosas livres de nervos sensitivos exercer fraca inibição sobre COX-1 e COX-2
– à presença de outras substâncias algógenas periféricas, tendo ação basicamente central, o
(bradicinina, histamina, serotonina, H+, K+ e ATP), que também ocorre com dipirona.
liberadas a partir de estímulos traumáticos ou Os analgésicos não opioides constantes na
lesivos. O bloqueio da síntese de prostaglandinas Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
determina analgesia e reduz a resposta inflamatória.2 (Rename 2010)3 e suas apresentações estão
listados no Quadro 1.
comprimido 500 mg
Paracetamol c
solução oral 200 mg/ml
a
Neste contexto não se encontra o comprimido de 100mg porque o fármaco não é usado comumente em crianças.
b
A solução injetável é destinada ao tratamento de hipertermia em pacientes hospitalizados sem disponibilidade da via oral.
c
Ibuprofeno e paracetamol existem em diferentes formas farmacêuticas e concentrações.
73
Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
placebo (n=6.550 adultos) avaliou eficácia e A eficácia de dipirona precisa ser balanceada
segurança de dose oral única de ácido acetilsalicílico com as reações adversas que acarreta, dentre as
para tratamento de dores agudas moderadas a quais foram descritas: leucopenia, agranulocitose,
intensas. Houve benefício significativo com doses pancitopenia, anemia aplástica, anafilaxia, reações
de 600/650mg, 1.000mg e 1.200mg, em relação a dermatológicas graves e distúrbios gastrintestinais.12
placebo, observando-se, respectivamente, NNTs Agranulocitose é rara, mas grave doença, com
de 4,4 (IC95%: 4–4,9), 4 (IC95%: 3,2–5,4) e 2,4 taxa de fatalidade em torno de 6–10%. A associação
(IC95%: 1,9–3,2) para, pelo menos, 50% de alívio de dipirona à agranulocitose apresenta incidência
da dor. Esse efeito analgésico foi muito similar ao variável em diferentes estudos. A variabilidade
de paracetamol em doses equipotentes. Dose geográfica, com taxas de risco entre 0,8 e 23,7,
única de 600/650mg produziu significativamente pode ser parcialmente explicada por diferenças
mais sonolência e irritação gástrica que placebo, em padrões de uso, doses, duração de tratamento
com NND de 28 (IC95%: 19–52) e 38 (IC95%: e uso concomitante de outros medicamentos.19
22—174), respectivamente. Sonolência foi similar Em estudo multicêntrico de casos e controles20,
à relatada com ibuprofeno, mais incidente após realizado em Barcelona, a agranulocitose adquirida na
cirurgias dentárias. Em dores agudas de moderadas comunidade teve incidência anual de 3,46:1 milhão,
a intensas, ácido acetilsalicílico tem clara resposta aumentando com a idade. A taxa de fatalidade foi de
analgésica dependente de dose, aumentada com 7% e a de mortalidade foi de 0,24:1 milhão. Cinco
duplicação da dose usual. Entretanto, mesmo em medicamentos foram responsáveis por 68,6% dos
dose única, ocorre irritação gástrica em 1 a cada 38 casos, dentre os quais a dipirona (OR: 25,76; IC95%:
pacientes tratados. 8,39–79,12). A incidência anual atribuída a cada
Dipirona é largamente empregada no Brasil, o fármaco individualmente foi inferior a 1:1 milhão. Os
que não ocorre na maioria dos países europeus e mesmos autores analisaram, em separado, o risco
nos Estados Unidos, de onde foi banida há muitos atribuído à dipirona mediante acesso a banco de
anos, em decorrência de reações alérgicas graves dados de vigilância de discrasias sanguíneas, incluindo
(como edema de glote e anafilaxia) e idiossincrásicas 177 casos e 586 controles pareados. A exposição à
(agranulocitose potencialmente fatal). Apresenta dipirona na semana precedente ao dia índice ocorreu
similar eficácia antitérmica e analgésica quando em 30 casos de agranulocitose (16,9%) e em nove
comparada aos outros analgésicos não opioides. controles (1,5%). A incidência atribuída foi de 0,56
Revisão Cochrane16 de 15 ensaios clínicos (0,4–0,8) casos por milhão de habitantes por ano. O
randomizados (oito controlados por placebo) avaliou risco desapareceu depois de mais de 10 dias da última
eficácia e segurança de dose única de dipirona no dose do medicamento e aumentou com a duração de
tratamento de dores pós-operatórias moderadas uso. Os casos de agranulocitose foram expostos à
a intensas. Dose oral de 500mg, dada a 173 dipirona por mais tempo que os controles.21 Entre os
partipantes, resultou em alívio de, pelo menos, 50% fatores de mau prognóstico para o aparecimento de
da dor em período de 4 a 6 horas em 70% deles. agranulocitose, estão contagem de leucócitos inferior
Dose oral única de 500mg mostrou eficácia similar a 100/mm3, idade superior a 65 anos, septicemia ou
à de 400mg de ibuprofeno. Não foram relatados choque e comorbidades graves.
efeitos adversos importantes. Outros efeitos adversos descritos incluem nefrite
Outra revisão Cochrane17 de quatro estudos intersticial, hepatite, alveolite, pneumonite e doenças
(n=636 adultos) mostrou que dipirona foi eficaz cutâneas graves como as síndromes de Stevens-
em cefaleia tensional (dois estudos) e enxaqueca Johnson e de Lyell. Dipirona pode causar vasculite
(um estudo). Somente dois estudos referiram por hipersensibilidade, clinicamente manifesta como
efeitos adversos, sem encontrar eventos graves síndrome de choque, de início agudo ou demorado
ou agranulocitose. Porém este é um efeito e de difícil recuperação. Nessa reação, reposição de
idiossincrásico raro, e a amostra foi relativamente volume e administração de vasopressores falham na
pequena. Dipirona oral em dose de 1g foi mais elevação da pressão arterial em razão da destruição
eficaz do que 1g de ácido acetilsalicílico em das células endoteliais vasculares, decorrente da
cefaleia tensional. vasculite induzida por dipirona. 22
No manejo da dor da cólica renal, revisão Análise secundária de coorte de gestantes (n=5.564)
Cochrane18 de 11 estudos mostrou que dipirona em atendidas pelo SUS em seis capitais brasileiras, entre
dose única (dada a 550 participantes) equiparou- 1991 e 1995, das quais 555 (11,5%) relataram uso de
se a outros analgésicos em eficácia. Dipirona por dipirona, não mostrou associação entre a exposição
via intramuscular foi menos eficaz do que 75mg de a esse fármaco e anomalias congênitas (OR= 1,11;
diclofenaco. Dipirona por via intravenosa foi mais IC95%: 0,58–2,10), morte intrauterina (OR =0,69;
eficaz do que a administrada por via intramuscular. IC95%: 0,33–1,43), parto prematuro (OR=0,94; IC95%:
Boca seca e sonolência foram os efeitos adversos 0,73-1,20) e baixo peso ao nascer (OR=0,88; IC95%:
relatados. Não houve menção à agranulocitose. 0,64–1,22).23
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Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
países. Apesar da possibilidade de absorção 300mg. Seu maior problema consiste na excessiva
errática por essa via, muitas vezes é a solução concentração para crianças com menos de quatro
em criança que vomita após a administração anos, o que constitui uma contraindicação ao
de formulações orais. De qualquer modo, a uso. No entanto, verifica-se que dipirona é assim
administração retal deve ser exceção, pois o maior prescrita, havendo recomendação de que o
número de contrações pulsáteis no reto infantil supositório seja dividido em duas ou três partes, o
pode condicionar expulsão dos supositórios, que é farmacotecnicamente inaceitável.
prejudicando a resposta terapêutica. Além disso, o No Quadro 3, descrevem-se os elementos
pH local é mais alcalino na maioria das crianças, o prescritivos de analgésicos e antitérmicos
que contribui para a ineficácia.26 para crianças e no Quadro 4, os esquemas de
No Brasil, a única formulação para administração administração em diferentes faixas etárias.
retal é o supositório infantil de dipirona com
Ibuprofeno Sol. oral 20, 40, 50, 100 e 200mg/ml 5 a 10mg/kg 40mg/kg/dia 6-8 h
Susp. oral 20, 30, 50 e 100mg/ml
Paracetamol Ibuprofeno
Peso corporala (kg) Faixa etária
Prodose (mg) Intervalo (h) Prodose (mg) Intervalo (h)
2,7-4,9 0-3 meses 40 6-8 - -
5-8 4-11 meses 80 6-8 50 6-8
8,1-10,9 12-23 meses 120 4-6 75 6-8
11-15,9 2-3 anos 160 4-6 100 6-8
16-21,9 4-5 anos 240 4-6 150 6-8
22-26,9 6-8 anos 320 4-6 200 6-8
27-32,9 9-10 anos 400 4-6 250 6-8
33-43 11 anos 480 4-6 300 6-8
Fonte: (FERREIRA, 2010, com adaptações)
a
Recomenda-se o uso preferencial do cálculo com base no peso corporal. Caso este não esteja disponível, usa-se, então, a
idade como parâmetro de escolha da dose a ser empregada.
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Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
adversos – só deve ser empregada em pacientes (37,4oC vs. 38oC; P = 0,05) e significativa diferença
com febre que necessitem de via parenteral em 5 horas (37,1oC vs. 37,9oC; P=0,0032), o
(forma injetável) e não possam pagar o preço que é explicado pela maior duração de efeito de
de outro antitérmico-analgésico-anti-inflamatório ibuprofeno. Os pais não perceberam diferença de
injetável. Apesar de o baixo custo ser atrativo, eficácia entre os dois esquemas.
mesmo o uso hospitalar é visto com reservas. Outro ensaio clínico randomizado41 comparou a
Ensaio clínico randomizado37– realizado em 30 administração conjunta de paracetamol e ibuprofeno
pacientes adultos, criticamente doentes e com com cada um dos fármacos em separado, administrados
temperaturas acima de 38,5oC – comparou os por 48 horas a crianças entre seis meses e seis anos,
efeitos antipiréticos da administração intravenosa com temperaturas entre 37,8–41oC. As prodoses de
de dipirona e propacetamol (já aprovado no Brasil) paracetamol foram de 15mg/kg, em 4 administrações
e do resfriamento externo. Todos diminuíram a em 24 horas, no máximo. As de ibuprofeno foram de
temperatura similarmente em duas e quatro horas, 10mg/kg, a cada 6–8 horas, em 3 administrações em
mas dipirona determinou significativa queda na 24 horas, no máximo. O uso de ambos os fármacos fez
pressão arterial média e no débito urinário em cessar a febre mais rapidamente do que paracetamol
relação às medidas basais, pelo que não deve isolado (P = 0,015), mas não em relação a ibuprofeno
ser recomendada em pacientes instáveis. O (P = 0,8). Para tempo adicional sem febre (2,5h)
resfriamento determinou maior gasto de energia nas primeiras 24 horas, os fármacos administrados
para cada grau Celsius de queda na temperatura, conjuntamente foram superiores a paracetamol (P
contrariamente aos dois fármacos que reduziram < 0,001) ou ibuprofeno (P = 0,008), administrados
o gasto energético e o consumo de oxigênio em isoladamente. Um quarto das crianças retornou
5–7%. Segundo os autores, a similar eficácia ao normal em 48 horas e um terço, em cinco dias.
antitérmica das três alternativas, os efeitos Não foram observadas diferenças quanto a efeitos
adversos hemodinâmicos da dipirona e sua adversos. Os antitérmicos administrados conjunta-
associação com rara, mas potencialmente mente mostraram-se a opção de menor custo, devido
letal agranulocitose, devem desencorajar ao menor uso de serviços de atenção à saúde, o que
o uso rotineiro desse medicamento em redundou em menor gasto com transporte e menor
pacientes instáveis. absenteísmo dos pais ao trabalho.
Coorte prospectiva38 mostrou que a A análise farmacoeconômica42 desse estudo
administração precoce de dipirona em pacientes não evidenciou forte diferença de custo entre os
com dengue se associou à mais baixa contagem de três tratamentos, mas dados clínicos e de custo
plaquetas e a risco aumentado de desenvolvimento juntos mostraram que o uso de ambos os fármacos
de dengue hemorrágica. foi mais custo-efetivo.
79
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horas de uma administração retal de diclofenaco (diferença: 0,2; IC95%: -12.8 a 17,6; P = 0,99).
ou placebo, usaram-se ibuprofeno, paracetamol Assim, é importante despender tempo para
ou placebo por via oral. Em 851 episódios febris, aconselhar os pais, desestimulando seus
89 incluíram uma convulsão. A recorrência ocorreu medos e ansiedades, provocados pela ideia de
em 54 crianças (23,4%). Não houve diferença convulsão, mediante informações que enfatizem
significativa entre os grupos em relação à prevenção o prognóstico normalmente benéfico da maior
das convulsões febris: 23,4% dos que receberam parte das convulsões febris.32
antipiréticos e 23,5% dos alocados a placebo
• Todos os analgésicos não opioides têm igual eficácia no tratamento de dores agudas e crônicas de intensidade leve
à moderada. Sua escolha baseia-se em segurança, conveniência de uso e facilidade de acesso.
• Para dores leves e moderadas, doses únicas de anti-inflamatórios não esteroides têm atividade analgésica
comparável à de paracetamol. Dentre eles, ibuprofeno é a primeira escolha devido ao melhor perfil de segurança.
• Considerando a similar eficácia dos analgésicos não opioides no controle de dor e febre, escolher os que apre-
sentam risco potencial mais previsível – consequentemente mais fácil de ser prevenido – atende aos preceitos do
uso racional de medicamentos.
• Febre é sintoma, não doença, só precisando ser controlada quando compromete o estado geral do paciente.
• Esponjas mornas são sinérgicas com os medicamentos em relação à eficácia antitérmica, especialmente du-
rante a latência do fármaco.
• Dipirona, por seus potenciais efeitos adversos, não deve ser primeira escolha em pacientes febris que possam
ter acesso a alternativas igualmente eficazes e mais seguras.
80
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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2207-2222, 2009.
82
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
Lenita Wannmacher
Introdução
Distúrbios depressivos englobam depressão Aspectos sociais não podem ser esquecidos,
maior (em episódio único ou de forma recorrente), tais como pobreza, isolamento social, mau
distimia (forma mais leve e crônica) e tipos funcionamento familiar e negligência ou abuso
não especificados de depressão. Observa-se infantis. Em levantamento norte-americano,
que depressão pode ocorrer primariamente, baixo estado socioeconômico associou-
sem definidos fatores desencadeantes, ou ser se a pobres desfechos pós-tratamento de
secundária a outras doenças e à senectude. depressão, atribuídos a diferenças em qualidade
Pode ter início precoce (antes de 21 anos), que, de atendimento, além de outros fatores de
diferentemente da doença de início tardio, tem contraposição à eficácia dos tratamentos, como
como fatores preditivos história de hipomania, presença de estresse crônico.2
alta recorrência, depressão atípica e história Identificar distúrbios de humor reveste-se de
familiar de mania/hipomania. Excesso de sono importância, na medida em que são comuns, sérios,
e agitação psicomotora são sintomas distintivos. incapacitantes e tratáveis. Costumam ocorrer
Nesses pacientes, estabilizadores de humor mais em mulheres do que em homens, embora
poderiam ter melhores resultados em longo a diferença tenha se estreitado, provavelmente
prazo do que antidepressivos.1 devido ao maior compartilhamento de papeis
Por suas características clínicas, depressão sociais entre homens e mulheres.3
pode ser categorizada em melancólica, atípica, Dentre as consequências da depressão
catatônica (grave e rara forma de depressão maior, encontram-se aumento de morbidade,
maior), pós-parto e distúrbio afetivo sazonal. absenteísmo e reduzido desempenho laboral
Considera-se que depressão seja ocasionada e escolar, diminuindo significativamente a
por menor liberação de monoaminas endógenas produtividade dos indivíduos acometidos. Isso
– serotonina, norepinefrina e dopamina – nas representa ônus econômico, acrescido do custo de
sinapses de neurônios cerebrais. Falta de consultas, gasto com medicamentos e eventuais
norepinefrina relacionar-se-ia com perda de hospitalizações. A mais grave consequência é o
energia, atenção e interesse pela vida; a de suicídio, geralmente não fatal.4
serotonina explicaria ansiedade, obsessões e Aspecto a considerar é que os pacientes
compulsões; a de dopamina ligar-se-ia à redução acometidos são frequentemente vistos por
de atenção, motivação, prazer e interesse pela médicos generalistas, que devem estar alertas
vida. O tratamento medicamentoso direciona- para a exteriorização dos distúrbios, desenvolver
se fundamentalmente a essa causação. Outras habilidade diagnóstica e reconhecer adequadas
explicações biológicas têm sido propostas: estratégias de tratamento.
hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise- O tratamento de distúrbios depressivos envolve
adrenal, com aumentada liberação de cortisol; medidas não medicamentosas e medicamentosas.
alteração de ritmo circadiano; privação de luz
na depressão sazonal (meses de inverno); Modalidades Terapêuticas
diminuição de estrógenos na menopausa;
envolvimento de citocinas e nutrientes Em depressão grave, recomenda-se
essenciais (vitaminas B12 e A, ácido fólico, eletroconvulsoterapia (ECT), única intervenção
magnésio e cobre). capaz de, aguda e emergencialmente, contrapor-
Determinantes psicológicos (traços de se à depressão em pacientes que tentam
personalidade e desenvolvimento, emocionalidade suicídio ou têm grande risco de perpetrá-lo.5
negativa e falta de autoestima) e cognitivos têm sido Nessa condição, tal procedimento supera a
aventados, justificando abordagens psicoterápicas farmacoterapia, pois os antidepressivos têm
e cognitivo-comportamentais para tratamento. latência prolongada.6
83
Ministério da Saúde
84
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
alguns dos efeitos adversos e custo. Na prática mas apresentou mais efeitos adversos. Compara-
clínica, pacientes com depressão leve e moderada tivamente aos ISRS, foi menos bem tolerada, com
são menos tolerantes a efeitos adversos. Já nos consequente maior abandono de tratamento.
gravemente deprimidos, a falta de eficácia é o Revisão sistemática Cochrane20 evidenciou
aspecto a ser mais fortemente considerado. diferenças estatisticamente significativas de
Seja qual for o agente selecionado, uma eficácia e tolerabilidade entre fluoxetina e outros
vez obtida a resposta terapêutica, o tratamento antidepressivos seletivos, porém sem implicações
deve ser continuado, pois se demonstra definitivas na prática clínica. Fluoxetina foi mais bem
diminuição de recidivas em um a três anos em tolerada do que ADT como grupo, particularmente
comparação a placebo, e redução à metade no em relação à amitriptilina e imipramina.
risco absoluto de recorrência em comparação à Em casos mais graves, ADT têm maior
suspensão de tratamento. Esse benefício deve indicação. Esses agentes também são utilizados
ser sopesado com potenciais efeitos adversos, em distúrbios de ansiedade, como o obsessivo-
como cardiotoxicidade. 6 compulsivo e as manifestações fóbicas. Em
Em caso de não resposta com doses adequadas casos de depressão maior leve e moderada, são
de determinado antidepressivo, deve-se, em preferidos ISRS porque apresentam mais favorável
primeiro lugar, verificar a adesão do paciente perfil de efeitos adversos.
ao tratamento. Se essa for boa, o diagnóstico Como qualquer fármaco, os antidepressivos
deve ser reconsiderado, sendo pesquisadas apresentam efeitos adversos, dos quais o risco de
comorbidades. Se o tratamento medicamentoso suicídio tem sido muito discutido. Meta-análise21 de
for ainda conveniente, pode-se substituir o primeiro 372 ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos
fármaco por outro de diferente mecanismo de e controlados por placebo (n= 99.231 adultos)
ação. Se ainda assim não houver sucesso, pode- verificou que antidepressivos prescritos para
se adicionar lítio ao fármaco inicial. indicações não psiquiátricas muito raramente se
Outra alternativa consiste na combinação de associaram a comportamento e ideação suicidas.
antidepressivo com antipsicótico, o que seria Em pacientes sob uso de antidepressivos para
compreensível na depressão atípica, mais indicações psiquiátricas, o risco se associou à
comumente resistente ao tratamento-padrão. Meta- idade, declinando à medida que esta avançava.
análise17 de cinco estudos investigou a resposta de Comparativamente ao placebo, o risco de ideação e
pacientes atendidos em ambulatório à combinação de comportamento suicida foi maior em adultos com
de olanzapina/fluoxetina dada por oito semanas menos de 25 anos. Provavelmente a neutralização
em comparação àquelas obtidas com monoterapia do risco em idades mais avançadas se relacione
de cada um dos fármacos associados. A redução com maiores cuidados de proteção.
de escores de escala específica para depressão foi
significativamente maior com a combinação do que Uso em crianças e adolescentes
com cada fármaco isoladamente (P < 0,001 para
ambas as comparações).
Nesta faixa etária, a depressão tem início mais
A seguir, discutem-se as peculiaridades dos
insidioso e se manifesta predominantemente por
antidepressivos para tratamento de depressão
irritabilidade, ao invés de tristeza. Associa-se a
maior de pacientes em diferentes condições.
outras condições, tais como ansiedade, distúrbio
de conduta, hipermotricidade e problemas de
Uso em adultos aprendizagem. Pode afetar 2% das crianças (6–12
anos) e 4–8% dos adolescentes (13–18 anos), com
Revisão sistemática Cochrane18 de 14 estudos pico de incidência em torno da puberdade. Na pré-
controlados por placebo avaliou eficácia e adolescência, meninos e meninas são igualmente
segurança de antidepressivos (ADT e ISRS) afetados pela doença. Porém, predominam meninas
em pacientes deprimidos até 65 anos de idade, entre os adolescentes. Depressão em crianças
atendidos em serviços de atenção primária. é atribuída à combinação de vulnerabilidade
Ambas as classes de antidepressivos superaram genética, experiências negativas durante o
o placebo, com NNTs médios de nove e sete, desenvolvimento precoce e exposição a estresse.
respectivamente, para ADT e ISRS. Efeitos Ensaios que pesquisam resultados de tratamento
adversos foram previsivelmente maiores com os mostram alta resposta a placebo nessa faixa etária,
fármacos, com NND de 4 a 30 para ADT e 20 a sugerindo que a depressão infantil seja processo
90 para ISRS. Isso mostra a similar eficácia entre autolimitado. Porém, cerca de 40% das crianças
eles, com maior perfil de segurança de ISRS. afetadas apresentam recorrência, um terço delas
Outra revisão Cochrane19 verificou que tenta suicídio, e 3–4% morrem por suicídio. Filhos
amitriptilina foi tão eficaz quanto os demais de pais deprimidos apresentam duas a três vezes
antidepressivos (ADT, ISRS e compostos novos), mais risco de desenvolver distúrbio depressivo.22
85
Ministério da Saúde
86
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
87
Ministério da Saúde
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89
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
10
Uso Racional de Contraceptivos
Hormonais Orais
Jaqueline Neves Lubianca e Lenita Wannmacher
Introdução
A anticoncepção é amplamente realizada maiores que as observadas na prática diária. Isso
no mundo inteiro. No Brasil, o uso de métodos se deve a que os primeiros se processam em locais
anticoncepcionais cresceu acentuadamente ao escolhidos, com pacientes selecionadas e em
longo das últimas décadas, alcançando, em 2006, condições de vigilância rigorosas.
80,6% no grupo de mulheres com idades entre 15 Os AOs compreendem combinações de
e 44 anos (8.707 entrevistas em 2006), segundo estrógenos e progestógenos (AOs combinados, por
a terceira edição (2006) da Pesquisa Nacional de exemplo: etinilestradiol + levonorgestrel) e aqueles
Demografia e Saúde (PNDS). Apenas dois métodos que só contêm progestógenos (AOs agentes
— a pílula e a esterilização feminina — responderam progestogênicos, por exemplo: levonorgestrel e
por mais de dois terços da contracepção. Dados noretisterona). Esses representantes foram os
da PNDS 2006 revelaram aumento na prevalência listados na Rename 2010.3
do uso de anticoncepcionais e de outros métodos Contemporaneamente não mais se discute
contraceptivos (como vasectomia e preservativo) e a eficácia desses fármacos, mas ainda se
redução significativa da prevalência da esterilização polemiza a respeito de efeitos adversos (como
feminina em comparação aos dados da PNDS 1996. tromboembolismo venoso)4 e sobre as “novas
Em 2006, a escolha do método contraceptivo mostra- gerações” de contraceptivos orais.5
se influenciada pela renda. Na classe de mais baixa O objetivo desta revisão é orientar a prescrição
renda e nas mulheres de menor escolaridade, ainda racional de AO, capacitando o leitor a escolher o
predominam o não uso de qualquer método (26,3%) composto mais adequado para cada paciente,
e a esterilização feminina (32,3%). O uso de anticon- considerando os benefícios não contraceptivos
cepcionais ocorreu em 27,4% de todas as mulheres e os potenciais riscos às usuárias. As evidências
em conjunto. Outros métodos (DIU, diafragma, disponíveis sobre vantagens potenciais de cada
injeções e outros) foram escolhidos por 7%.1 formulação e seu perfil de efeitos adversos são
Entretanto, em faixas etárias mais jovens, apresentadas e discutidas para fundamentar a
o controle da natalidade ainda é um problema. escolha desses fármacos.
Em 2005, do total de 3.030.211 nascidos vivos
no Brasil, 21,82% correspondiam a mães com Anticoncepcionais Orais Combinados
idade entre 10 e 19 anos de idade, comprovando
a falta de orientação e de adesão aos métodos
Anticoncepcionais orais combinados
anticoncepcionais entre adolescentes.2
(AOC) são formulações que associam
A eficácia da contracepção (resultado obtido
etinilestradiol (EE) a diversos progestógenos.
quando o uso ocorre em condições ideais) e
Se a concentração dos dois hormônios for a
sua efetividade (resultado do uso corrente, tanto
mesma em todos os comprimidos da cartela,
correto como incorreto) podem ser expressas
eles são monofásicos, do contrário serão
por meio do índice de Pearl, correspondente ao
bifásicos (duas concentrações) ou trifásicos
número de gestações (falha) ocorridas em 100
(três concentrações). Os bi/trifásicos não
mulheres que utilizaram sistematicamente o
apresentam nenhuma vantagem em relação
método durante um ano.
aos monofásicos, não havendo justificativas
Os anticoncepcionais orais (AO) têm sido objeto
plausíveis para seu emprego. 6,7 A eficácia dos
de contínua investigação, pois constituem o mais
anticoncepcionais orais combinados é de 99,9%
efetivo método reversível e o de maior prevalência
e sua efetividade varia entre 97-98%.
de uso dentre as medidas medicamentosas.
A classificação dos AOs em gerações,
A eficácia e a continuidade de uso, verificadas
frequentemente adotada, parece variar
em ensaios clínicos controlados, costumam ser
91
Ministério da Saúde
substancialmente, não havendo consenso entre unicamente ou, ainda, não apresentando
diferentes publicações. Essa classificação parece definição clara (Quadro 1).8 Pela discordância de
ter razões puramente cronológicas e comerciais informações, é preferível conhecer as diferentes
(momento do lançamento do produto no mercado combinações e suas respectivas dosagens
farmacêutico), referindo-se à dose de EE e tipo hormonais. Aspecto mais consensual é preferir
de progestógeno ou a tipo de progestógeno menores concentrações de EE.
Primeira geração: AO com 50µg ou mais de EE, geralmente combinado com estranas.
Terceira geração: AO com 30µg ou menos de EE, associado a desogestrel, gestodeno ou norgestimato.
92
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
diferença entre os vários AOCs pesquisados. seguimento médio de 36 anos. Praticamente todas
Concluiu-se pela limitada evidência de benefício as mulheres no momento da análise eram pós-
com uso de AOC de baixa e média concentração menopáusicas, idade na qual a maioria dos tumores
no tratamento de dismenorreia. começa a incidir, fornecendo grande número de
eventos para análise. A duração média de uso do
Em redução de risco de câncer de endométrio AOC foi de 44 meses.
O uso prolongado de AOC diminui o risco de Em redução de outros tumores malignos e dos
câncer de endométrio por ter efeito predominante tumores ginecológicos agrupados
de atrofia endometrial. A redução de inflamação
no endométrio pode também explicar a menor Na coorte13 acima descrita, encontrou-se
incidência de carcinoma endometrial em usuárias redução de 12% no risco de qualquer câncer entre
desses contraceptivos.12 Em estudo de coorte,13 usuárias de AOC (RR =0,88; IC95%: 0,83 - 0,94)
usos corrente e recente (menos de 5 anos da e de 29% nos tumores ginecológicos principais
suspensão) da pílula significativamente associaram- (RR=0,71; IC95%: 0,60 - 0,85).
se à redução de risco (RR=0,58; IC95%: 0,42-
0,79) de câncer de endométrio em comparação a Em melhora de acne e hirsutismo
mulheres que nunca usaram AOC.
Emprego de AOC, por meio de diferentes
Em redução de câncer de ovário mecanismos hormonais, apresenta potencial para
melhorar acne e hirsutismo em usuárias.
Emprego de AOC associa-se à redução Revisão Cochrane de 25 estudos14 comparou
significativa de risco de câncer de ovário, AOC versus placebo e outras terapias ativas para
provavelmente por inibir a ovulação. Na coorte tratamento de acne. AOC reduziram número e
inglesa, 13 o uso prolongado da combinação gravidade de lesões de acne comparativamente
hormonal associou-se significativamente ao a placebo. Comparações entre diferentes tipos de
risco reduzido de câncer de ovário (RR=0,38; progestógenos e diferentes concentrações não
IC95%: 0,16-0,88). Analisando o tempo produziram claras diferenças.
decorrido desde o último uso de AOC, verificou- Ensaio clínico randomizado, duplo cego e
se que a proteção relativa a câncer ovariano controlado por placebo15 randomizou mulheres
prolongou-se até 15 anos após a suspensão. com acne facial leve e moderada para receber
Com intervalos maiores de tempo, a redução etinilestradiol (EE)/dienogeste (n=525), EE/acetato
não foi mais estatisticamente significativa. de ciproterona (n=537) ou placebo (n=264) por 6
ciclos. As duas combinações produziram efeitos
Em redução do câncer de intestino grosso ou reto similares sobre redução das taxas de lesões
inflamatórias e foram superiores ao placebo.
Na mesma coorte,13 AOC associou-se Hirsutismo funcional requer tratamento crônico,
significativamente à redução de 28% (RR=0,72; cosmético ou farmacológico, este realizado com
IC95%: 0,58 - 0,90) no risco de câncer de cólon/reto, AOC e agentes antiandrogênicos.16
mesmo após ajuste para idade, paridade, fumo, O Quadro 2 sumariza os principais benefícios não
nível social e uso de terapia de reposição hormonal. contraceptivos dos AOCs, incluindo nível de evidência
A força do estudo está em ter incluído mais de e grau de recomendação para cada desfecho.
um milhão de mulheres/ano de observação, com
93
Ministério da Saúde
Categoria 2: O método pode ser empregado, pois as vantagens geralmente superam os riscos comprova-
dos e possíveis.
Categoria 3: O método não deve ser empregado, a menos que o profissional de saúde julgue que a paciente possa
usá-lo com segurança. Os riscos comprovados e possíveis superam os benefícios do método. Deve ser o método
de última escolha e, caso seja utilizado, necessita acompanhamento rigoroso.
Categoria 4: O método não deve ser empregado, pois apresenta risco inaceitável.
O Quadro 4 explicita as situações que configuram American College of Obstetricians and Gynecologists
as condições especiais para uso restrito ou não (ACOG) e da OMS. 17,18
indicação de AOC, mesclando as diretrizes do
94
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Doença passada, sem atividade por Risco inaceitável (ACOG, 2000) Risco geralmente > benefício
5 anos
Não contraindica AO, mesmo em porta- Sem restrições ao uso (Categoria 1)
História familiar de câncer de mama doras da mutação BRCA1; pode haver (pequeno aumento de risco em portadoras
benefício por efeito protetor do ovário. de mutação BRCA1)
Lactação Antes de 6 semanas - Categoria 4
Após 6 semanas - Categoria 3
Indicação para AO só com progestógeno
Cirrose Compensada - Categoria 1
Descompensada - Categoria 4
Hepatite viral Aguda - Categoria 3 ou 4 (depende da
gravidade do caso)
Se a paciente já fazia uso - Categoria 2
Crônica - Categoria 1
AVE – acidente vascular encefálico IAM – infarto agudo do miocárdio TVP – trombose venosa profunda
EP – embolia pulmonar IMC – índice de massa corporal
* Fatores de risco cardiovascular: fumo, diabetes, obesidade, HAS, história familiar de doença arterial coronariana precoce, HDL colesterol < 35mg/dl e
triglicerídeos > 250mg/dl.
** Aura: sintomas visuais, reversíveis, que duram de 5 a 60 minutos antes da cefaleia, manifestando-se como linha em ziguezague na periferia do campo
visual, escotomas cintilantes, com perda parcial ou total do campo visual.
95
Ministério da Saúde
Paralelamente, a Comissão sobre Fertilidade e mais risco de trombose venosa profunda (OR= 3,6;
Saúde Materna da Food and Drug Administration IC95%: 2,9- 4,6) comparativamente a não usuárias
(FDA) recomendou que mulheres sadias com da pílula. No mesmo tipo de comparação, o risco foi
mais de 40 anos podem continuar usando maior 5,6 vezes com gestodeno (IC 95%: 3,7-8,4),
anticoncepcionais orais, preferentemente 6,3 vezes com drospirenona (IC 95%: 2,9-13,7), 6,8
com baixas concentrações de estrógenos e vezes com acetato de ciproterona (IC 95%: 4,7-10,0)
progestógenos de perfil de risco conhecido. Tal e 7,3 vezes com desogestrel (IC 95%: 5,3-10,0). O
recomendação procura estimular o emprego de maior risco ocorreu nos primeiros meses de uso,
métodos reversíveis nos Estados Unidos.19, 20 com qualquer tipo de AOC. Confirma-se, assim, o
A publicação do ACOG em 2006 também menor risco para TVP com uso de levonorgestrel.
reforça essa recomendação para mulheres com Apesar de alguns fármacos comercializarem a
mais de 35 anos, saudáveis e não fumantes, uma ideia de serem especialmente benéficos no combate
vez que grandes estudos norte-americanos de à androgenicidade, é importante lembrar que o
base populacional não evidenciaram aumento uso contínuo de qualquer AOC resulta em melhora
de risco de infarto do miocárdio em usuárias de das características androgênicas, com exceção
menos de 50μg de etinilestradiol. Mulheres na da superioridade da ciproterona no desfecho da
perimenopausa poderiam, secundariamente, melhora da acne inflamatória. Outro apelo à novidade
apresentar redução de sintomas vasomotores e de consiste na contraposição ao aumento do peso
risco para câncer de endométrio e ovário com o corporal, apregoada no lançamento de drosperinona,
emprego dos contraceptivos. progestógeno análogo da espironolactona, cujo uso
Por outro lado, sabendo-se que idade e determinaria menor reabsorção de sódio e maior
obesidade são fatores de risco independentes diurese, reduzindo a retenção de líquidos e os
para eventos cardiovasculares e para sintomas relacionados a esse efeito (aumento de
tromboembolismo venoso (marcadamente em peso, edema, dor e intumescimento das mamas).
usuárias de AO com mais de 39 anos), a razão Apesar de haver redução de peso estatisticamente
risco-benefício deverá ser individualizada, significativa ao redor do 6º mês de uso da associação,
particularmente em mulheres com sobrepeso. aquela não foi clinicamente importante (± 500g) e se
Outro ponto a considerar seria o desconhecido mostrou transitória.22,23
excesso de risco de câncer de mama em mulheres Assim sendo, compostos de 3ª geração não
entre 45-50 anos associado ao uso de AO, uma constituem escolha preferencial.
vez que ainda são escassas as publicações sobre
o assunto. O ACOG sugere que, na ausência de Prescrição de AOC
melhor evidência, se assuma que o risco de câncer de
mama decorrente do uso de AOC nessas mulheres Orientações para uso de AOC com 35 a 20
seja semelhante ao encontrado com a terapia de microgramas de etinilestradiol
reposição hormonal na menopausa.
Em relação à seleção da formulação, a Tomar um comprimido, por via oral, uma vez ao
combinação etinilestradiol + levonorgestrel tem dia e no mesmo horário, por 21 dias, parar sete dias
comprovada eficácia e algumas vantagens (sangramento de privação) e reiniciar nova cartela
comparativas em termos de segurança. Não no oitavo dia.
existe justificativa para o emprego de compostos
com mais de 50μg de EE, pois os que têm Observações:
menor concentração estrogênica (35, 30, 20 1. A primeira cartela deve ser iniciada no
ou 15μg) apresentam eficácia similar e definido primeiro dia de fluxo menstrual. Lembrar que são
menor risco de fenômenos tromboembólicos e necessários sete dias de uso contínuo para obter
cardiovasculares. O menor risco cardiovascular efeito contraceptivo (se houver relações antes desse
para AOC com dose de EE ultrabaixa (15μg) período, usar preservativos).
ainda não foi claramente demonstrado e, em
contrapartida, eles definidamente exercem menor 2. Não reiniciar o uso se não houver fluxo
controle de ciclo (menos ciclos normais, mais menstrual, pela possibilidade de gestação.
sangramentos de escape, maior ausência de
sangramento de retirada). 3. Se esquecer um comprimido por menos
Levonorgestrel, contido em AOC de 2ª geração, de 12 horas, tomá-lo assim que lembrar (inclui a
apresenta vantagens em relação a outros AOCs com possibilidade de tomar dois comprimidos de uma
progestógenos de 3ª geração, especialmente pelo só vez) e o seguinte no horário habitual – não há
menor risco de fenômenos tromboembólicos.20,21 perda de eficácia. Se esquecer um comprimido
O estudo MEGA20 demonstrou que usuárias de por mais de 12 horas, a proteção contraceptiva
AOC contendo levonorgestrel apresentam 4 vezes pode ser reduzida.
96
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
4. Não fazer pausa anual para preservar a razão de chance (OR=2,67) de não controle da PA
ovulação, pois mesmo em uso prolongado, o efeito (≥ 140/90mmHg) em comparação a não usuárias.24
da pílula é reversível. Outro estudo25 demonstrou que a suspensão
do AOC em mulheres hipertensas reduziu em
Orientações de uso para AOC com 15 15mmHg a pressão arterial sistólica e em 10mmHg
microgramas de etinilestradiol a pressão arterial diastólica.
Em relação à densidade de massa óssea (DMO),
Tomar um comprimido, por via oral, uma vez ao dia e os dados em usuárias de AOC são controversos.
no mesmo horário, por 24 dias, parar 4 dias (sangramento Alguns estudos sugeriram que usuárias de AOC
de privação) e reiniciar no 5º dia de pausa. de primeira geração, por períodos prolongados,
apresentavam maior densidade mineral óssea
Observações: (DMO), com menor incidência de osteoporose.
1. A primeira cartela deve ser iniciada no 1º dia Outros, ao contrário, sugeriram que usuárias de
do ciclo menstrual. AOC de baixa dosagem poderiam ter reduzida
densidade mineral óssea, principalmente as muito
2. Na troca de contraceptivo, iniciar no dia jovens, em fase de aquisição da massa óssea.
posterior ao término da cartela anterior (não Também se cogitou da possibilidade de aumento
fazer a pausa). do risco de fraturas em usuárias de AOC em
comparação a não usuárias.
3. Não reiniciar se não houver menstruação, Revisão sistemática26 de 86 estudos foi
excluir possibilidade de gestação. inconclusiva com relação à diminuição de DMO e ao
risco de fraturas em adolescentes e mulheres jovens
4. Se esquecer um comprimido por menos de em uso de AOC quando comparadas a não usuárias.
12 horas, tomá-lo assim que lembrar (inclui a Estudo de coorte27 de 5 anos de
possibilidade de tomar dois comprimidos de uma duração comparou efeitos de acetato de
só vez) e o seguinte no horário habitual – não há perda medroxiprogesterona depot – DMPA (n=115),
de eficácia. Se esquecer um comprimido por mais de enantato de noretisterona (n=115) e AOC (n=116)
12 horas, a proteção contraceptiva pode ser reduzida. sobre DMO em adolescentes (15-19 anos) em uso
corrente e em 144 não usuárias (controles). DMO
Das gestações que ocorrem durante o uso, aumentou em todos os grupos, sendo o percentual
muito poucas podem ser atribuídas à falha do de aumento anual de 1,49% em não usuárias, 1,39%
método. Na maioria dos casos, a concepção com DMPA, 1,03% com enantato de ciproterona e
ocorreu por irregularidade na tomada, ou má- 0,84% com AOC. Houve recuperação da DMO com
absorção do fármaco (vômitos, gastrenterite, a suspensão de enantato de noretisterona.
colite ulcerativa, doença de Crohn, interações com Em um quase experimento,28 envolvendo
indutores enzimáticos que reduzem a concentração mulheres entre 18 e 33 anos, compararam-se
plasmática dos anticoncepcionais orais). efeitos do uso de acetato de medroxiprogesterona
injetável (DMPA), AOC (com 30µg ou 35µg de
Seguimento dos AOC etinilestradiol) e contracepção não hormonal
(controles) sobre DMO, por 24 meses. Usuárias
de DMPA apresentaram redução de 5,7% na DMO,
Usuárias de AOC devem ser vistas após os três
diferentemente daquela encontrada em usuárias
primeiros meses de uso e, subsequentemente, a
de AOC e controles. Nestes dois grupos, não houve
cada 6-12 meses, na busca de efeitos adversos
diferença significativa sobre DMO.
menores, controle de pressão arterial e peso. As
Em 2006, estudo aberto, controlado e parcialmente
pacientes devem ser alertadas para sinais e sintomas
randomizado avaliou o efeito de dois AOCs (20μg
de efeitos adversos maiores, basicamente para TVP
etinilestradiol/100mg levonorgestrel e 20μg EE/150μg
e EP, quando se faz necessário atendimento médico
desogestrel) sobre DMO de 52 mulheres jovens
imediato. Em cada consulta, deve ser reforçada a
durante 12 meses, em comparação a não usuárias
adesão da paciente ao tratamento.
de AOC. O grupo que recebeu a combinação com
Uso de AOC de baixa dosagem (35µg ou
levonorgestrel não apresentou perda de massa óssea
menos) associa-se a baixos riscos relativo e
na coluna vertebral; o grupo que recebeu desogestrel
absoluto de doença cardiovascular em mulheres
perdeu 1,5% no período de um ano.29
saudáveis. Nesses casos, o benefício supera os
Pequeno número de pacientes e avaliação de
riscos. É importante monitorar a pressão arterial.
desfechos intermediários em vez de primordiais
O uso de AOC aumenta em duas vezes a chance
(fraturas) não permitem definitivas conclusões.
de desenvolver hipertensão a longo prazo. Em
Ainda não existem evidências suficientes para
pacientes já hipertensas, a pressão arterial pode
definir efeito de AOC no sistema ósseo.
ser agravada com o uso de pílula, triplicando a
97
Ministério da Saúde
O medo da indução de câncer tem sido um ano). A eficácia contraceptiva pode ser perdida
dos fatores para pouca adesão ao uso de AOC. em 27 horas após a última dose. Sua ação envolve
Revisão sistemática30 de coortes e estudos de espessamento do muco cervical e inibição da
casos e controles indicou leve aumento de risco implantação do embrião no endométrio. As
de câncer de mama, o qual desaparece 5-10 anos concentrações de progestógenos encontradas
após a suspensão do uso. Uso prolongado de AOC em minipílulas são insuficientes para bloquear
associou-se a aumento de risco de câncer de colo a ovulação.
uterino. Usuárias correntes mostraram aumentado Esses contraceptivos são indicados quando há
risco para câncer de fígado. Nenhuma coorte intolerância ou contraindicação formal ao uso de
prospectiva e com seguimento de longo prazo estrógenos e durante a amamentação, pois não
demonstrou incidência aumentada de risco de cân- inibem a produção de leite. Nessa circunstância,
cer e mortalidade em usuárias de AOC. também se admitem os anticoncepcionais
Em relação à mortalidade, ampla coorte inglesa31 combinados de baixas concentrações estrogênicas,
com 39 anos de seguimento (n=46.112) comparou desde que se mantenha alta a frequência das
esse risco entre usuárias de AOC (819.175 usuárias- mamadas (aleitamento materno exclusivo).
anos) e mulheres que nunca os usaram (378.006 Revisão sistemática Cochrane32 de seis estudos
mulheres-anos). Comparativamente às que nunca comparou pílulas só com progestógenos entre si,
usaram, as usuárias de AO tiveram redução com AOC ou outros contraceptivos. Na comparação
significante de morte de qualquer causa (RR entre levonorgestrel e desogestrel, este não se
ajustado= 0,88; IC95%: 0,82-0,93). Isso também associou a menor risco de gravidez acidental, mas
ocorreu com mortes devidas a diferentes cânceres, causou mais problemas de sangramento, embora a
problemas cardiovasculares, doença isquêmica diferença não tenha sido significativa. A comparação
coronariana e outras doenças. Não se verificou entre levonorgestrel e mifepristona mostrou similar
relação entre mortalidade e duração do uso de AOC. eficácia. No estudo que comparou dois AOCs com
As interações medicamentosas que ocorrem com dois progestógenos isolados, a pílula que continha
os AOC podem obrigar a reforçar ou substituir as 30µg de levonorgestrel mostrou maior eficácia do
medidas contraceptivas nas mulheres submetidas que a que continha 350µg de noretisterona.
a tratamentos com esses fármacos, especialmente Contraindicação relativa a uso de anticoncepcionais
sob exposição prolongada. São exemplos de com progestógeno isolado é diabetes melito
fármacos que reduzem a concentração do AOC: gestacional (DMG) prévio porque aqueles diminuem
rifampicina, antirretrovirais (nelfinavir, lopinavir, tolerância à glicose e aumentam resistência à
ritonavir) e anticonvulsivantes (fenobarbital, insulina, constituindo fatores de risco para diabetes
carbamazepina, oxcarbamazepina, felbamato, tipo 2 e doença cardiovascular. Estudo de coorte33
fenitoína, topiramato, vigabatrina).18 Em relação à que envolveu 904 mulheres com esta condição
concentração dos antirretrovirais na vigência de avaliou o risco de desenvolvimento de diabetes melito
uso de AOC, a maioria não se altera ou não há tipo 2 durante 7 anos com o uso de contracepção
dados publicados, com exceção do amprenavir, oral hormonal. A incidência cumulativa da doença
que sofre redução na sua concentração. entre usuárias de AOC e usuárias de métodos não
hormonais foi similar. Contrariamente, usuárias de
Anticoncepcionais só Progestogênicos progestógeno isolado, durante a amamentação,
apresentaram risco quase três vezes maior de
MINIPÍLULAS desenvolver diabetes melito tipo 2 nos primeiros dois
Indicação e seleção anos, após o parto, em comparação ao uso equiva-
lente de AOC de baixa dosagem (RR ajustado= 2,87;
Progestógenos usados isoladamente IC95%: 1,57-5,27). A magnitude do risco aumentou
(minipílulas) são acetato de noretisterona e com a duração de uso ininterrupto.
levonorgestrel. Minipílulas têm maior índice de Há condições em que o contraceptivo só
falha (índice de Pearl de 0,5 em 100 mulheres/ progestogênico é preferível (Ver Quadro 5). 1
98
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Ministério da Saúde
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Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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102
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
Introdução
Hipertensão arterial sistêmica é causa de lácteos, frutas e verduras são outras intervenções
cardiopatia hipertensiva e fator de risco maior eficazes. A mudança de estilo de vida, entretanto, é
para doenças decorrentes de aterosclerose muito dificilmente atingida. A restrição de cloreto de
e trombose, as quais se exteriorizam por sódio também é problemática, pois mais de 2/3 do
acometimento isquêmico cardíaco, cerebral, sal ingerido provêm de alimentos industrializados.
vascular periférico e renal. Em decorrência do Assim, o uso de medicamentos é indicado para
comprometimento cardíaco, hipertensão também tratar pacientes com hipertensão arterial e prevenir
leva à insuficiência cardíaca. É também fator de as consequências da doença em pacientes com
risco para Alzheimer e demência senil. Por tudo pré-hipertensão e doença cardiovascular.3
isso, a doença se caracteriza como uma das Há inúmeras classes de fármacos anti-
maiores causas de redução em expectativa e hipertensivos com muitos representantes eficazes
qualidade de vida dos indivíduos. em reduzir a pressão arterial. A Relação Nacional
Os riscos decorrentes da elevação da pressão de Medicamentos Essenciais (Rename) 2010
arterial (PA) são diretamente proporcionais aos inclui diuréticos (hidroclorotiazida, furosemida,
valores pressóricos usuais dos indivíduos, não espironolactona), bloqueadores adrenérgicos
existindo ponto que delimite claramente valores (metildopa, metoprolol, propranolol, atenolol),
normais e anormais de pressão arterial. 1 O risco bloqueadores de canais de cálcio (anlodipino,
para eventos cardiovasculares aumenta de verapamil), vasodilatadores diretos (hidralazina,
forma constante a partir de valores de 75mmHg nitroprusseto de sódio), inibidores da enzima
e 115mmHg para pressões diastólica e sistólica, conversora da angiotensina – IECA (captopril,
respectivamente, dobrando a cada 10mmHg do enalapril) e antagonista de receptores de
primeiro valor e a cada 20mmHg do segundo. O angiotensina II – ARA2 (losartana). Há inúmeros
diagnóstico de hipertensão é firmado com PA ≥ outros representantes comercializados, que, em
140/90mmHg, ponto no qual os riscos aumentam geral, não apresentam vantagens em relação
mais intensamente, por partirem de valores aos fármacos da Rename. Destacadas exceções
basais maiores (associação exponencial). são clortalidona, diurético mais eficaz que
Valores de PA entre 120 e 139mmHg para a PA hidroclorotiazida,4 e diuréticos poupadores de
sistólica ou 80 e 89mmHg para a PA diastólica potássio, como amilorida e triantereno, muito
(pré-hipertensão) se associam com risco úteis quando associados à hidroclorotiazida
aumentado para eventos cardiovasculares, ou clortalidona. São, em geral, fármacos bem
especialmente em pacientes com doença tolerados e com baixo potencial para efeitos
cardiovascular prévia ou diabetes, e também adversos graves.5
com risco elevado para hipertensão plena. 2
Aproximadamente a metade dos infartos e 2/3 Indicações e Restrições aos
dos acidentes vasculares cerebrais decorrem de
PA superior a 120/80mmHg, independentemente
Anti-hipertensivos
de outros fatores de risco cardiovasculares.
Prevenção primária e tratamento de hipertensão Para pacientes hipertensos não responsivos
podem ser feitos por meio do controle de fatores a intervenções não medicamentosas e àqueles
de risco para hipertensão arterial, promovendo com pré-hipertensão e diabetes melito ou
a mudança de estilo de vida dos indivíduos doença cardiovascular prévia, indica-se
(tratamento não medicamentoso). Controles de tratamento medicamentoso.
excesso de adiposidade e consumo abusivo de sal O tratamento de hipertensão arterial
são as medidas mais eficazes. Restrição do abuso sistêmica visa à prevenção primária de doenças
de bebidas alcoólicas e dietas ricas em produtos cardiovasculares e renais e não ao controle de
103
Ministério da Saúde
sintomas, como cefaleia e epistaxe, pois esses não pressão arterial dentro de limites pré-hipertensivos,
se associam aos níveis pressóricos.5 O benefício em geral em estudos de prevenção secundária de
daquele tratamento deve ser aferido por desfechos eventos cardiovasculares.7
primordiais, como redução de incidência de
infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, Comparação de eficácia de agentes anti-
insuficiência cardíaca e outras consequências. hipertensivos de 1ª escolha
O efeito de fármacos sobre a pressão arterial
(desfecho intermediário) é aceito como medida de A expectativa de que novos agentes anti-
eficácia dos medicamentos, pois antevê a eficácia hipertensivos tivessem efeitos adicionais
na prevenção de desfechos primordiais (morte (pleiotrópicos) ao efeito hipotensor, associada
por doença cardiovascular, infarto do miocárdio, ao interesse dos fabricantes de medicamentos
acidente vascular cerebral, doença vascular em aproveitar um grande mercado, determinou a
periférica e insuficiência renal). realização de inúmeros ensaios clínicos em que
Os anti-hipertensivos não têm, a priori, se comparavam os novos agentes a placebo em
contraindicações de uso, com exceção de diferentes condições clínicas. Particularmente,
intolerância prévia ao agente selecionado ou a representantes de IECA e de antagonistas de
outros representantes do grupo. São fármacos receptores da angiotensina (ARA-2) mostraram-se
pouco alergênicos. Não há contraindicação de eficazes em prevenir eventos cardiovasculares em
uso em pacientes com insuficiência renal ou pacientes com diabetes ou evento cardiovascular
hepática. Na presença da primeira, diuréticos prévio, independentemente da pressão arterial
tiazídicos perdem eficácia, sendo necessário de arrolamento, tornando-se fármacos de
empregar furosemida e, em casos de doença renal eleição nessas situações. Evidenciou-se que os
terminal, diálise. Pacientes idosos se beneficiam do benefícios desses fármacos provinham do efeito
tratamento, recomendando-se tão somente doses hipotensor, sendo proporcionais à redução da
iniciais mais baixas para evitar o risco de hipotensão pressão arterial.3,6
arterial. Não há contraindicação para emprego Seguiram-se muitos estudos comparando novos
em crianças, mas nestas são preferíveis medidas fármacos com diuréticos e betabloqueadores,
não medicamentosas, especialmente controle da realizados sob o pressuposto de que as alternativas
obesidade. A gestação consiste em contraindicação antigas fossem menos eficazes. Tais estudos
absoluta para uso de IECA. Betabloqueadores contaram também com a exigência de organismos
podem provocar bradicardia fetal, mas podem ser reguladores e o interesse comercial da indústria
empregados, se necessário. farmacêutica, que patrocinou a maioria deles. Muitos
incluíram comparações inadequadas e outros
apresentaram fortes vieses de interpretação ao
Seleção de Anti-hipertensivos
serem publicados. Ao conjunto de influências sobre
planejamento, apresentação e interpretação de
Magnitude do benefício
estudos patrocinados pela indústria farmacêutica,
visando favorecer seus produtos, denominou-se
A documentação da eficácia de anti-
viés corporativo.8 Essa influência determinou que
hipertensivos na prevenção de incidência de
os anti-hipertensivos preferenciais na maioria dos
doença cardiovascular é provavelmente a mais
países sejam representantes de IECA e ARA-2,
volumosa e consistente entre as referentes a
determinando custos de tratamento que não se
intervenções que visam combater fatores de
justificam por maior eficácia.
risco. Mais de 50.000 pacientes com hipertensão
O estudo ALLHAT, correspondente à maior e
leve e moderada foram randomizados em quase
melhor comparação entre anti-hipertensivos, foi
duas dezenas de ensaios clínicos controlados por
um divisor de águas na definição dos agentes
placebo, inicialmente com pacientes mais jovens
a serem empregados como primeira opção.9
e posteriormente em idosos e muito idosos. Meta-
Demonstrou que clortalidona teve eficácia
análise de praticamente todos os ensaios clínicos
similar a enalapril e anlodipino na prevenção
que compararam anti-hipertensivos a placebo
de infarto, mas superou os outros agentes na
demonstrou claramente que o tratamento era
prevenção de AVC (especialmente em pacientes
eficaz em prevenir eventos primordiais em todas
de raça negra), insuficiência cardíaca e doença
as faixas etárias.6 A magnitude da prevenção
renal terminal em pacientes com diabetes.10
foi a prevista pela meta-análise de coortes,1 ou
Participantes que desenvolveram diabetes
seja, para a redução de 5mmHg na PA diastólica
durante o seguimento do estudo tiveram menor
ou 10mmHg na PA sistólica, houve redução
incidência de eventos cardiovasculares quando
aproximada de 25% na incidência de cardiopatia
tratados com clortalidona em comparação com
isquêmica e de 40% na incidência de AVC. Essa
os outros tratamentos.11
redução ocorreu mesmo em pacientes com
104
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
DAC AVC
Trials Eventos Trials Eventos
BB* 10 2182 1.04 (0.92 to 1.17) BB* 13 2004 1.18 (1.03 to 1.36)
I-ECA* 21 6026 0.97 (0.90 to 1.03) I-ECA* 17 2951 1.06 (0.94 to 1.20)
BRA * 10 2744 1.04 (0.94 to 1.16) BRA * 07 1643 0.90 (0.71 to 1.13)
BCC* 21 6288 1.00 (0.91 to 1.10) BCC* 25 4981 0.91 (0.84 to 0.98)
105
Ministério da Saúde
106
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Pressão arterial elevada em pronto-atendimento Para pacientes com PA elevada, mas sem
quadro de emergência, deve-se instituir tratamento
Em pacientes que procuram pronto-atendimentos medicamentoso convencional. Captopril consolidou-
e serviços de emergência por outras razões ou se como agente preferencial em pronto-atendimentos
queixas, com frequência se constata PA muito no Brasil. Deve ser empregado por deglutição,
elevada. No passado, presumia-se que a PA muito pois a apresentação comercial e suas características
elevada em certas situações clínicas, como no AVC, farmacocinéticas não permitem absorção sublingual.
fosse a causa do evento. Hoje se entende que, em
muitas situações, a PA elevada decorre do evento,
Prescrição dos Anti-hipertensivos
como resposta à isquemia tecidual. Na maioria dos
pacientes com pressão elevada, não há qualquer
Com exceção de nitroprusseto de sódio, utilizado
intercorrência clínica, cabendo somente orientá-los e,
por via parenteral em emergências hipertensivas,
eventualmente, iniciar ou reiniciar o tratamento anti-
todos os agentes anti-hipertensivos têm adequada
hipertensivo por via oral.
biodisponibilidade oral. Mesmo com meias-vidas
Há poucas condições em que séries de casos
variáveis, seu intervalo entre doses é geralmente
descreveram associação entre elevação abrupta
de 12 a 24 horas. Isso decorre da duração de
da pressão arterial e dano orgânico em curto prazo.
efeito (meia-vida biológica) que frequentemente
As mais conhecidas são hipertensão acelerada ou
excede ao t1/2 plasmático. Para fármacos sem
maligna e encefalopatia hipertensiva. Em outras
efeito prolongado, como nifedipino, existem
circunstâncias, elevação acentuada de pressão
apresentações de absorção lenta que permitem
arterial pode exacerbar condições clínicas, mesmo
espaçamento entre doses de pelo menos 12 horas.
que possam ser essas a origem daquela elevação,
Hidralazina era recomendada a intervalos de 8
como infarto do miocárdio, edema agudo de pulmão
horas, mas no estudo ALLHAT foi utilizada, como
e dissecção aórtica. Esses casos mais graves são
terceiro agente, a cada 12 horas.
reconhecidos como emergências hipertensivas e
A quantificação de dose orienta-se pelo
devem ser referidos a serviços habilitados. O manejo
efeito hipotensor e não por níveis plasmáticos,
desses pacientes passa pelo tratamento da doença de
em função da grande variabilidade de resposta
base, mas a redução da PA faz parte dos protocolos.
dos indivíduos às mesmas concentrações de
Não há estudos que tenham comparado a eficácia
anti-hipertensivos e seus metabólitos ativos.
de agentes na prevenção de desfechos primordiais,
O Quadro 1 apresenta doses e intervalos de
baseando-se a escolha em inúmeros ensaios clínicos
administração da dos agentes anti-hipertensivos
que compararam o efeito hipotensor de diferentes
de uso corrente.
agentes. Nitroprusseto de sódio é o fármaco de
eleição, por ter grande eficácia hipotensora e efeito
titulável, a despeito da dificuldade de administrá-lo.
107
Ministério da Saúde
ANTAGONISTAS ADRENÉRGICOS
Propranolol 40-240 12
Metoprolol 100-400 12
Atenolol 25-100 24
Metildopa 500-2.000 12-24
Clonidina 0,1-1,2 12
BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIOb
Nifedipino de liberação lenta 20-60 24
Anlodipino 2,5-10 24
Felodipino 5-20 24
Nitrendipino 10-40 24
Isradipino 2,5-10 12
Verapamil 120-480 12-24
Diltiazem 120-360 12-24
ANTAGONISTAS DO SISTEMA RENINA-
ANGIOTENSINA
Captopril 25-150 12
Enalapril 10-40 12
Lisinopril 5-40 24
Fosinopril 10-40 12-24
Ramipril 1,25-20 12-24
Perindopril 4-8 24
Losartana 25-100 12-24
Ibesartana 150-300 24
Candesartana 8-16 24
Telmisartana 40-80 24
Valsartana 80-160 24
VASODILATADORES DIRETOS
Hidralazina 50-200 8-12
Minoxidil 2,5-40 12-24
Nitroprusseto de sódio 0,5-1,0µg/kg/min infusão IV contínua
a
Doses mais altas somente associadas a diurético poupador de potássio.
b
Exclusivamente apresentações de liberação retardada; os diferentes intervalos correspondem a diferentes apresentações comerciais.
IV = intravenosa.
Fonte: (Adaptado da Referência 5)
108
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
revisão para três ou seis meses. É indispensável para os desfechos primordiais e é o provável
atentar-se para a adesão continuada ao tratamento. mecanismo de indução de hiperglicemia.5
Há inúmeras abordagens propostas para aumentar Associação com IECAs ou diuréticos poupadores
a adesão ao tratamento, mas a efetividade não é de potássio, como amilorida,17 pode contornar
a desejada. Atenção farmacêutica pode ser útil.22 aquele efeito adverso. IECA e ARA-2 podem
Antes de substituir o anti-hipertensivo que se deteriorar acentuadamente a função renal de
mostra ineficaz, deve-se garantir o uso de doses pacientes com obstrução de artérias renais, pois
adequadas. Ocorrência de efeitos adversos a dilatação que provocam em arteríolas eferentes
significativos ou continuada ineficácia indica a não pode ser compensada por aumento de fluxo
necessidade de substituição, em vez do uso de sanguíneo renal.
doses mais altas. Pacientes sob tratamento com A indução de disfunção sexual é preocupação
três anti-hipertensivos em doses adequadas, frequente durante o tratamento anti-hipertensivo.
incluindo um diurético, com adesão conferida Antagonistas do sistema adrenérgico,
e sem pressão controlada, têm hipertensão principalmente clonidina e metildopa, são os mais
resistente. Esses pacientes devem ser referidos a implicados, seguidos por betabloqueadores e
serviços especializados. diuréticos. Até 30% dos pacientes que os usam
referem problemas de desempenho sexual.
Efeitos Adversos Há tendência a atribuí-los à terapia, mesmo
porque existe conhecimento leigo de que anti-
Os anti-hipertensivos são geralmente bem hipertensivos podem influenciar a potência sexual.
tolerados, apresentando incidência de efeitos Entretanto impotência sexual é queixa referida
adversos pouco diferente da visualizada com em questionários anônimos por muitos pacientes,
placebo em ensaios clínicos randomizados. O independentemente do uso de medicamentos.
efeito nocebo (evento adverso), entretanto, é No estudo TOMHS24, 16,5% dos pacientes que
comum. Cerca de 1/3 dos doentes atribuem receberam placebo por quatro anos referiram
sintomas a fármacos anti-hipertensivos quando alguma disfunção sexual, contra somente 13,1%
em tratamento de longo prazo.23 Reconhe- dos tratados com medicamentos, não havendo
cimento dessas queixas e adequada orientação diferença substancial de incidência entre os
são necessários, pois eventos indesejáveis são fármacos dos cinco grupos testados.
causa frequente de falta de adesão a tratamento. Os fármacos anti-hipertensivos não foram
Os efeitos adversos dos diversos associados a efeitos adversos graves. Meta-
grupos farmacológicos, classificados por análise de ensaios clínicos que empregaram
frequência, estão apresentados no Quadro 2. agentes ARA2, no entanto, identificou aumento
Betabloqueadores podem exacerbar doença na incidência de neoplasias em pacientes com
pulmonar obstrutiva crônica, especialmente em eles tratados, particularmente câncer de pulmão
casos de asma, distúrbios de condução atrioven- (RR=1,25; IC95%: 1,05-1,49; P=0,01).25 O
tricular e insuficiência circulatória periférica. risco absoluto foi muito baixo, mas ainda assim
Sua contraindicação relativa em diabéticos do é preocupação relevante, pois a população
tipo 1 decorre de mascaramento dos sinais potencialmente exposta a tratamento anti-
de hipoglicemia e bloqueio da glicogenólise. hipertensivo pode chegar a mais da metade dos
Diuréticos tiazídicos podem acentuar quadros indivíduos com mais de 50 anos. Esse achado
de hiperuricemia e expoliar potássio. A ainda não foi consolidado por outras evidências e
hipopotassemia reduz a eficácia preventiva avaliado por agências reguladoras.
109
Ministério da Saúde
Bloqueadores centrais Sedação, boca seca, rebote na retirada com Hepatite, anemia hemolítica e febre
metildopa
Verapamil e Diltiazem Constipação, rubor facial, diminuição Eritema multiforme, hiperplasia gengival
de contratilidade miocárdica
INIBIDORES DA CONVERTASE Tosse, efeitos teratogênicos Angioedema, proteinúria, neutropenia,
eczemas de hipersensibilidade, erupção
cutânea, modificação do paladar,
hiperpotassemia, diminuição da função
renal em presença de estenose bilateral
de artéria renal ou unilateral em rim único
BLOQUEADORES DE RECEP- Hiperpotassemia, diminuição de função
TORES DE ANGIOTENSINA 2 renal em presença de estenose bilateral
de artéria renal ou unilateral em rim único
VASODILATADORES DIRETOS
Hidralazina, minoxidil Hipotensão postural, palpitações, Indução de lúpus eritematoso sistêmico
cefaleia, hipertricose com minoxidil,
exacerbação de angina com hidralazina
a
Betabloqueadores seletivos produzem efeitos menos intensos sobre brônquios e circulação periférica. Fonte: (Adaptado da Referência 5)
110
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
111
Ministério da Saúde
112
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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114
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
12
Indicações e Seleção de Inibidores da
Bomba de Prótons
Lenita Wannmacher
Introdução
Inibidores da bomba de prótons (IBP) são Meta-análise de sete artigos (n=134.940; 1.530
medicamentos antissecretores de ácido clorídrico, expostas a IBP) concluiu que IBP são seguros também
por isso estão indicados em úlcera péptica em gestantes, não induzindo aumento de risco de
associada a H. pylori ou a uso continuado de abortamentos espontâneos, partos prematuros e
anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e ácido malformações congênitas. Na análise secundária de
acetilsalicílico, dispepsia não associada à úlcera, 1.341 expostas e 120.137 não expostas a omeprazol,
doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e a razão de risco para malformações maiores foi 1,17
esofagite de refluxo, além de participarem dos (CI95%: 0.90-1.53).4
esquemas de erradicação de Helicobacter pylori. Em coorte dinamarquesa (840.968 nascidos
São especialmente indicados em pacientes com vivos, 5.082 expostos a IBP entre quatro
hipergastrinemia, síndrome de Zollinger-Ellison semanas antes da concepção até o final do
(gastrinoma) ou úlceras pépticas duodenais primeiro trimestre da gestação), o uso de IBP
refratárias a antagonistas H2.1 não se associou significativamente a risco de
O tratamento medicamentoso dos distúrbios malformações maiores.5
pépticos objetiva alívio de dor, promoção de Em crianças, IBP são os mais eficazes
cicatrização da lesão e prevenção de recorrência medicamentos para tratar DRGE. Somente
e complicações. Manejo de dor e aceleração de omeprazol e lansoprazol foram liberados para uso
cicatrização são logrados com uso de agentes no primeiro ano de vida. Refluxo gastroesogágico
antissecretores. Havendo infecção por H. pylori, não complicado é considerado processo fisiológico
usam-se combinações de antimicrobianos e que deve ser manejado por educação e orientação
antissecretores, independentemente de consumo aos pais, sem qualquer outra intervenção. Uso
crônico de AINEs. Nos usuários de AINEs sem empírico de IBP em lactentes com sintomas
infecção por H. pylori, os fármacos indutores inespecíficos (choro excessivo, regurgitação,
devem ser suspensos, sempre que possível, rejeição à ingestão e tosse crônica) é frequente,
paralelamente ao tratamento com antiulcerosos.1 mas não apoiado por evidência.6
A classe de IBP abrange omeprazol, Por constituírem uma família de fármacos e
pantoprazol, lanzoprazol, rabeprazol, terem alto potencial econômico ligado a emprego
esomeprazol, tenatoprazol e ilaprazol, suprimindo desmedido, os produtores estimulam a prescrição
a secreção de ácido gástrico por meio de do representante que por último chegou ao
inibição específica e irreversível da bomba H+/ mercado. Já pesquisadores independentes têm-
K+-ATPase presente na superfície luminal da se preocupado em definir a eficácia e a segurança
célula parietal gástrica. Em regimes de dose desses fármacos em situações diferentes das acima
diária única, número significativo de bombas mencionadas, tais como tosse persistente e pirose
(70%) só é irreversivelmente inibido entre dois a sem sinais endoscópicos de lesão. Também se
cinco dias.2 Isso justifica a não indicação de IBP observa exagerado emprego desses medicamentos
como sintomáticos (uso por demanda), sendo em indivíduos com queixas dispépticas, o que deve
preferível, neste caso, o emprego de antagonistas ser revisto pelos potenciais efeitos adversos e o
H2 ou antiácidos comuns. custo acarretado.7
Os IBPs são bem tolerados, mesmo em Revisão sistemática Cochrane8 de 19 estudos
tratamentos prolongados. Em ensaios clínicos (seis em lactentes e 13 em adultos) avaliou a
controlados, não houve diferença significativa eficácia de antissecretores em tosse inespecífica
entre eles e placebo no que se refere a efeitos prolongada. Um ensaio clínico randomizado
adversos. Segurança de uso por longo prazo comparou IBP a placebo, sem observar eficácia
(superior a 15 anos) está mais bem estabelecida do fármaco, mas sim maior incidência de efeitos
para omeprazol (ver adiante).3 adversos em comparação ao placebo (NND= 11,
115
Ministério da Saúde
Para prevenção de úlceras gástricas e duodenais em usuários crônicos de AINEs, IBP mostram
eficácia semelhante às de misoprostol e de doses duplas de antagonistas H2, mas aqueles são
mais utilizados para tal fim por serem mais bem tolerados.
116
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
117
Ministério da Saúde
Análise conjunta de três ensaios clínicos (n=653 aliviaram sintomas e curaram esofagite em
pacientes) verificou que lanzoprazol (30mg/dia) aproximadamente 85%-90% dos casos.31
alcançou taxa de cura de 80%-90% e de 92% em Esomeprazol mantém o pH intraesofagiano
pacientes com esofagite grau II ou mais grave, acima de 4,0 por mais tempo que omeprazol e
quando administrado por quatro e oito semanas, apresenta resolução mais rápida da esofagite,
respectivamente. Outros IBPs (20mg de omeprazol, mas a magnitude das diferenças é pequena e o
20mg de rabeprazol, 30mg de lanzoprazol ou 40mg benefício clínico improvável comparativamente a
de pantoprazol, administrados antes do desjejum) outros IBPs.32
A evidência demonstra similar eficácia entre diferentes IBPs no tratamento de esofagite de refluxo.
118
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Omeprazol (20 mg/dia) foi comparado a duas realizado em 40 voluntários normais, verificou-se
doses de ilaprazol (5mg/dia e 10mg/dia), novo IBP, que a capacidade antissecretora de omeprazol-Mg
no tratamento de úlceras gástricas e duodenais em (20,6mg) superou a de lanzoprazol (15mg), tendo
adultos. Nas doses administradas, ambos os fármacos sido alcançado pH intragástrico inferior a 4,0 em
mostraram similar eficácia e segurança.33 Estudos 45,7% e 36,8% dos participantes, respectivamente.
mais antigos também encontraram similaridade Logo, omeprazol mostrou controle da acidez
de eficácia entre diferentes IBPs no tocante gástrica significativamente superior (P < 0,0001)
à cicatrização de úlcera péptica. Em estudo34 em comparação a lansoprazol.
Dosagem
IBP
Adultos Crianças > 2 anos
< 20kg: 10mg/dia
Omeprazol 20mg duas vezes ao dia > 20kg: 20mg/dia
Máximo: 40mg
20mg duas vezes ao dia ou
Esomeprazol -
40mg/dia
Rabeprazol 10-20mg duas vezes ao dia -
Pantoprazol 40mg duas vezes ao dia -
< 30kg: 15mg /dia
Lansoprazol 30mg duas vezes ao dia
> 30kg: 30mg /dia
Fonte: Referências 38 e 39.
119
Ministério da Saúde
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121
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
13
Uso Racional de Antidiabéticos no
Âmbito da Atenção Primária à Saúde
Lenita Wannmacher
Introdução
A prevalência do diabetes melito está Diabetes induz graves complicações crônicas
aumentando rapidamente, estimando-se que comprometem vasos, olhos, pés, rins e
que em 2030 haja mais de 360 milhões de nervos periféricos, para cuja prevenção se exigem
pessoas com a doença no mundo. 1 Ainda que a diagnóstico e intervenções precoces.2
incidência do diabetes tipo 1 continue a crescer No diabetes de tipo 1, decorrente da deficiência
por complexas razões e pouco entendidas, o absoluta de insulina pancreática, a reposição se
maior problema reside no progressivo aumento faz com insulina exógena. O elenco atual desse
do diabetes tipo 2, relacionado a mudanças de antidiabético engloba as clássicas insulinas humanas
estilo de vida (ingestão calórica exagerada, e os análogos sintéticos de insulinas. Todos são
sedentarismo) e obesidade. classificados pela sua duração de ação (Quadro 1).3
Diabetes tipo 2, antes só relatado em adultos, Em pacientes com diabetes tipo 1, as respostas
tornou-se importante problema de saúde pública terapêuticas ocorrem com terapia basal (insulinas
em crianças e adolescentes, associado ao de duração intermediária), por vezes coadjuvada por
crescente aumento de obesidade e sobrepeso terapia de bolus (insulinas de curta ação) ou pela adição
nestas faixas etárias. de sensibilizadores de insulina (p. ex. metformina).4
123
Ministério da Saúde
Antidiabéticos orais são indicados para pacientes Não há confiável evidência sobre eficácia e
com diabetes tipo 2 não controlados somente com dieta segurança de antidiabéticos orais em crianças
apropriada e exercício físico regular por pelo menos com menos de 12 anos. Alguns desfechos crônicos
três meses. O medicamento deve ser adicionado às (complicações) não podem ser observados pela
medidas não medicamentosas, em vez de substituí- insuficiência de tempo de desenvolvimento da
las. Ante não resposta à terapia com antidiabético oral, doença. Mesmo em adultos, a evidência de
insulina pode substituí-lo ou a ele agregar-se.5 eficácia desses fármacos é limitada, devido a
Os antidiabéticos orais compreendem várias estudos com problemas metodológicos (baixa
subclasses: sulfonilureias (glibenclamida, qualidade). Em sua maioria, tais estudos medem
glimepirida, glicazida), biguanidas (metformina), a eficácia por meio de desfechos intermediários
tiazolidinedionas (pioglitazona, rosiglitazona), – glicemia em jejum, hemoglobina total
inibidor de alfaglicosidase intestinal (acarbose), glicosilada ou hemoglobina glicada [HbA1] ou
inibidores de dipeptidilpeptidase-4 (sitagliptina, fração específica [HbA1c], insulinemia em jejum,
vildagliptina, saxagliptina), e meglitinidas perfil lipídico – ou substitutos (hospitalização e
(repaglinida, nateglinida). Pranlintida (análogo redução de peso corporal, por exemplo), em vez
sintético de amilina), exenatida e liraglutida de por desfechos primordiais, tais como melhora
(incretinas) são administradas por via subcutânea sintomática, risco de complicações, qualidade
para tratamento de diabetes tipo 2. de vida e mortalidade. Além disso, a maioria
Sulfonilureias são consideradas a primeira dos estudos mostra seguimentos de curta e
escolha para adultos não obesos com diabetes tipo média duração e reduzido número de pacientes.
2. Metformina é o antidiabético oral preferencial Alguns têm desenhos experimentais discutíveis.
em diabéticos adultos obesos ou com sobrepeso. Muitos deles são patrocinados pelos produtores
Os outros agentes antidiabéticos têm uso restrito farmacêuticos ou escritos por pessoas com
no tratamento de adultos com diabetes tipo 2, em conflitos de interesse.
combinação com metformina ou sulfonilureia (ou No Brasil, os agentes antidiabéticos considerados
ambos) ou como alternativa terapêutica à insulina em essenciais e relacionados na Rename 2010 podem
pacientes não responsivos a doses máximas ser vistos no Quadro 2.7
toleradas de metformina ou sulfonilureia (ou ambos).6
124
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
de sono e haver cobertura das necessidades usadas nos regimes bifásico e prandial versus
insulínicas de todo o dia). o basal. Não ocorreu diferença em eventos
Revisão sistemática e meta-análise 8 de hipoglicêmicos maiores, mas os eventos
22 estudos realizados em 4.379 pacientes menores foram mais altos ou equivalentes aos
diabéticos de tipo 2 mostraram maior redução surgidos com o regime basal. Ganho de peso
de HbA1c com insulina em regimes bifásico e foi mais frequente com o regime prandial em
prandial de insulina comparativamente ao basal comparação ao basal (P = 0,0006). Estudos com
(P = 0,0006 e P = 0,002, respectivamente). Porém mais longo seguimento são necessários para
houve menores reduções de glicemia em jejum, quantificar a relevância clínica dos benefícios
embora maiores doses de insulina tenham sido mostrados em cada regime.
125
Ministério da Saúde
Revisão sistemática13 incluiu seis ECRs que Outra revisão sistemática16 de seis estudos avaliou
compararam insulina glargina à insulina NPH, dadas economicamente a insulina glargina no tratamento de
1 a 2 vezes ao dia, em monoterapia ou em conjunto diabetes tipo 1. Glargina mostrou-se mais eficaz em
com antidiabéticos orais, a pacientes com diabetes reduzir glicemia em jejum, mas não os níveis de HbA1c,
tipo 2. Insulina glargina mostrou similar eficácia em comparação com insulina NPH. Para diabéticos de
clínica à de insulina NPH, com similar redução de tipo 2, ambas as insulinas foram similarmente eficazes
HbA1C e similares ou inferiores níveis de glicemia em reduzir glicemia em jejum e controlar HbA1c. A
em jejum. Houve menor frequência de hipoglicemia vantagem de glargina com respeito ao controle de
noturna com insulina glargina em comparação hipoglicemia noturna só apareceu quando comparada
com insulina NPH, o que é farmacocineticamente à NPH dada uma vez ao dia, mas não duas vezes ao
explicável, como antes comentado. dia. Não há evidência conclusiva sobre a superioridade
Meta-análise14 de 285 ECRs comparou insulina de glargina em relação à hipoglicemia sintomática e
NPH e análogos de insulina de ação prolongada grave. A revisão econômica baseada em dados de
(detemir ou glargina) em diabéticos de tipo 1. Os custo-utilidade fornecidos pelo produtor não foi possível
análogos apresentaram pequeno, mas significativo por problemas metodológicos. O custo-efetividade da
efeito em HbA1c (-0,07%; IC95%: -0,13 a -0,01%; insulina glargina em diabetes de tipos 1 e 2 associou-
P = 0,026) em comparação com insulina humana se à redução do medo de hipoglicemia. Em conclusão,
NPH. Detemir associou-se a menor ganho de peso em comparação com insulina NPH, glargina reduziu
(0,26 kg/m2; P = 0,012). Os análogos também o número de episódios de hipoglicemia noturna,
reduziram o risco de hipoglicemia grave e noturna especialmente quando comparada ao esquema de
(todas as comparações: P < 0,01). uma só dose diária de NPH. Não melhorou o controle
Revisão sistemática15 avaliou novos agentes glicêmico de longo prazo e não demonstrou reduzir a
usados para controle de pacientes com diabetes incidência de complicações crônicas microvasculares
tipo 2, dentre os quais, análogos de insulina de e cardiovasculares do diabetes.
longa ação (glargina e detemir). Esses análogos, Revisão sistemática Cochrane17 comparou
comparados com a insulina NPH, mostraram glargina (seis estudos; n=1715) e detemir (dois
equivalentes resultados em termos de controle estudos; n=578) com insulina NPH, mostrando
glicêmico e discreta vantagem quanto à redução que o controle metabólico, medido por HbA1c, e
de hipoglicemia, especialmente noturna. Detemir, efeitos adversos não diferiram entre os grupos
usado uma vez ao dia, teve modesta vantagem em de tratamento. A única diferença significativa
termos de ganho de peso em relação à glargina. relacionou-se à hipoglicemia noturna, favorecendo
Em termos de custo, glargina acarretou custo a ambos os análogos. Não se identificou evidência
adicional ao redor de 1.800 libras em comparação de benefício em desfechos primordiais, tais como
à insulina NPH. A comparação entre detemir e mortalidade, morbidade, qualidade de vida ou
NPH mostrou custo mais alto com o análogo. custos. Os autores sugeriram cautela na abordagem
Assim, os análogos de insulina mostram somente terapêutica com detemir e glargina.
modestas vantagens clínicas em relação à insulina Em revisão Cochrane mais recente,18 os
NPH, mas custos muito mais altos. Por isso, não resultados se repetiram na comparação de insulinas
são considerados agentes de primeira linha no de longa ação (glargina, detemir e insulina ultralenta)
controle de diabetes tipo 2, permanecendo insulina na terapia basal para diabéticos tipo 1. Os autores
NPH como preferencial quando uma insulina se faz concluem que seu uso neste contexto ainda necessita
necessária nesse tratamento. de posterior fundamentação
126
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Nos pacientes com diabetes tipo 2, as mesmas HbA1c, mas a primeira causa menos hipoglicemia.
medidas são úteis no controle da obesidade e da Sulfonilureias podem ser associadas à
resistência à insulina. metformina ou às insulinas.
Dentre os antidiabéticos orais, sulfonilureias e Glimepirida e glibenclamida, ambas combinadas
metformina apresentam benefício definido. com metformina, foram randomicamente
comparadas em 152 pacientes com diabetes tipo
Sulfonilureias 2 não controlados. A concentração de HbA1C foi
significativamente menor no grupo glimepirida/
São os antidiabéticos de eleição nos metformina (P=0,025). Observou-se maior proporção
diabéticos de tipo 2 não obesos e que não se de eventos hipoglicêmicos no grupo glibenclamida/
beneficiam exclusivamente de dieta e exercício. metformina (28,9% vs. 17,1%, P<0,047).21
Todos os representantes têm eficácia similar, Outro ECR22 comparou o uso precoce de insulina
diferindo apenas em suas características NPH versus glibenclamida em 49 pacientes com
farmacocinéticas. Há limitada experiência com diabetes tipo 2 recém-diagnosticado. O estudo teve
seu uso em crianças. Sulfonilureias incluem seguimento por quatro anos, sendo completado
glibenclamida (sulfonilureia de longa ação), por 34 pacientes que tiveram necessidade de
glicazida, glimepirida, gliburida e glipizida. doses crescentes de ambos os fármacos ao correr
Glibenclamida associa-se a maior risco de desse tempo. A deterioração da função pancreática
hipoglicemia, sobretudo em idosos. ocorreu em ambos os grupos, mas se manifestou
Estudo espanhol de pequena duração20 analisou mais rapidamente no grupo glibenclamida. HbA1c
a substituição de glibenclamida por glicazida em melhorou no primeiro ano, mas a seguir deteriorou
pacientes com diabetes tipo 2 hospitalizados. Ambos no grupo glibenclamida (P < 0,005). Logo, o alívio
os grupos mostraram efeitos similares sobre os produzido nas demandas da secreção pancreática
níveis glicêmicos em três dias (P = 0,14), porém, ao por meio de tratamento com insulina foi benéfico.
fim de seis dias, os valores médios foram 142,1mg/ Em estudo multicêntrico (n= 285 participantes;
dl ± 36,0 e 172,8mg/dl ± 28,2, respectivamente nos idade média: 13,8 anos), crianças com diabetes
grupos glibenclamida (manutenção) e glicazida tipo 2 randomicamente receberam glimepirida ou
(substituição) (P = 0,01). A ocorrência de eventos metformina por 26 semanas. Ambos os antidiabéticos
hipoglicêmicos não foi medida. mostraram similares desfechos bioquímicos e
Não se evidenciou diferença significativa entre incidência de hipoglicemia. Glimepirida induziu maior
glimepirida e glibenclamida relativamente a níveis de ganho de peso em comparação à metformina.23
Sulfonilureias têm eficácia antidiabética similar, mas apresentam diferenças em relação à incidência
de eventos hipoglicêmicos e ao ganho de peso. Só devem ser prescritas a pacientes não obesos.
Não há evidência suficiente para sua prescrição em crianças.
127
Ministério da Saúde
Havia muito receio da indução de acidose láctica Revisão Cochrane recente29 de dois ECRs (60
com o uso de metformina, principalmente em participantes; 14 a 20 anos) investigou o efeito de
condições de hipoxemia crônica. Por isso, revisão metformina adicionada à insulina em adolescentes
Cochrane (347 ensaios comparativos e coortes) com diabetes de tipo 1. Houve melhora do controle
comparou a incidência de acidose láctica fatal e não metabólico com a terapia combinada. Desfechos
fatal em pacientes expostos à metformina versus como qualidade de vida, mortalidade de todas as
placebo ou terapias diferentes de metformina. causas e morbidade não foram avaliados. Os efeitos
Acidose láctica ocorreu em 4,3 casos no grupo adversos gastrintestinais apareceram nos dois
metformina e em 5,4 casos no grupo não-metformina. estudos, e hipoglicemia, em um deles.
Não houve diferença no aumento de níveis de lactato Metformina também foi estudada com foco na
em comparação a outras terapias antidiabéticas.25 obesidade de crianças, adolescentes e adultos
Estudo brasileiro26 comparou metformina com jovens sem diabetes.
gliburida em diabetes gestacional. A única diferença Revisão sistemática e meta-análise de
significativa encontrada entre os dois tratamentos cinco ECRs controlados por placebo (n = 320
foi o ganho de peso materno durante a gestação participantes obesos; ≥19 anos) mostrou modesta
(P=0,02). Não houve diferenças em outros desfechos redução do IMC e da resistência à insulina após
maternos (falha de tratamento, glicemia em jejum seis meses de seguimento.30
e pós-prandial, HbA1c) ou fetais (peso ao nascer, Pequeno ECR controlado por placebo (n=78
recém-nascidos grandes para a idade gestacional, obesos; 13-18 anos) investigou o efeito de metformina
hipoglicemia neonatal). de liberação prolongada adicionada à programa
Após sua liberação para crianças, metformina de intervenção em estilo de vida por 48 semanas.
mostrou-se eficaz em monoterapia, mas parece ser Metformina reduziu o IMC em comparação ao placebo
insuficiente para obtenção de efeitos sustentados.27 (P = 0,03). Esta diferença perdurou por 12 a 24 semanas
Revisão sistemática (quatro ECRs controlados por após a cessação do tratamento.31
placebo) e meta-análise de três deles evidenciaram que Outro estudo randomizou 70 adolescentes
metformina melhorou os marcadores de sensibilidade obesos, não responsivos a uma intervenção em estilo
à insulina e reduziu o índice de massa corporal (IMC) de vida por seis meses, para receber metformina
em crianças e adolescentes com resistência clínica ou placebo em adição àquela intervenção por
à insulina ou pré-diabetes. Sintomas gastrintestinais mais seis meses. Marcadores de sensibilidade à
leves foram relatados em 19% (2%-29%) dos insulina melhoraram similarmente nos dois grupos
participantes sob uso de metformina.28 (P=0,048), mas o IMC permaneceu sem variação.
Outros antidiabéticos orais não serão especialista para avaliar os ajustes necessários e
considerados no âmbito da atenção primária porque monitorar as respostas. Acresce que muitos deles,
seu uso, em pacientes resistentes aos tratamentos de introdução mais recente, não têm suficientes
convencionais, exige o acompanhamento do estudos que evidenciem sua eficácia e segurança.
128
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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glyburide for the management of gestational diabetes. and fasting insulin in obese insulin-resistant
International Journal of Gynaecology and adolescents: a prospective, placebo-controlled,
Obstetrics, New York, v. 111, n. 1, p. 37-40, 2010. randomized study. European Journal of
Endocrinology, Oslo, v. 63, n. 4, p. 585-592, 2010.
130
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
14
O Papel do Cálcio e da Vitamina D
na Prevenção de Fraturas Ósseas
Lenita Wannmacher
Introdução
Estima-se que a incidência de fraturas aumente cair sobrepuja o de quedas e fraturas na qualidade
progressivamente, tendo em vista a crescente de vida relacionada à saúde (QVRS). O impacto
longevidade do ser humano. Com a idade, mais negativo da fratura sobre a QVRS é pelo menos
frequentes são as quedas, em decorrência de duas vezes superior àquele associado a quedas, o
distúrbios de visão, dificuldade de equilíbrio, déficit que se expressa nos custos: quedas que levam a
cognitivo ou uso de sedativos. Em mulheres, aquele fraturas de quadril custam cerca de 15 vezes mais
aumento se associa à osteoporose instalada após a do que quedas sem fraturas.3
menopausa, baixo índice de massa corporal (IMC), Fraturas de quadril e vertebrais são frequentes
raça branca, história pessoal ou familiar de fratura, e intensamente estudadas. Na Suíça, entre 2000
menopausa prematura, uso oral de corticoides e e 2007, por exemplo, aumentou o número de
residência em regiões urbanas, onde se observam mulheres e homens com mais de 45 anos em
atividade física reduzida e comodidades vinculadas 11,1% e 14,6%, respectivamente. No mesmo
ao urbanismo.1 Nos homens, idade e uso de período, o número de hospitalizações por fraturas,
corticoides são os fatores de risco. predominantemente aquelas não de quadril, foi de
A incidência de fratura relacionada à osteoporose 15,9% em mulheres e 20% em homens. As fraturas
aumentou nas últimas três décadas. O risco de de quadril permaneceram estáveis.4
fratura osteoporótica ao longo da vida é muito alto A densitometria mineral óssea tem baixa
(40–50% em mulheres e 13–22% em homens).2 sensibilidade para predição do risco de fraturas,
Tais fraturas, também chamadas fraturas da não sendo capaz de identificar indivíduos sob
fragilidade, ocorrem mais frequentemente em esse risco. Em mulheres de 50 anos, com padrões
pessoas com baixa densidade óssea (osteopenia), de osteoporose na densitometria óssea, o risco
causando incapacidade funcional, altos custos para de fratura nos próximos 10 anos é de 45%. A
a saúde pública e mortalidade em mulheres pós- maioria das fraturas de quadril, vértebras ou
menopáusicas e homens idosos. punho ocorrerá em mulheres sem osteoporose
Enquanto fraturas vertebrais, de punho e de detectada nessa idade. Apesar de tal evidência,
quadril, são consideradas fraturas osteoporóticas ainda se observa a crença de que quaisquer
clássicas, todas as fraturas da fragilidade em alterações visualizadas na densitometria óssea
idosos devem ser, a priori, encaradas como de exijam intervenções nesse cenário.
origem osteoporótica, desde que tenha sido Para quantificar a probabilidade de fratura
excluída a origem patológica (por exemplo, osteoporótica dentro dos próximos 10 anos, a
doença metastática). Fraturas vertebrais não Organização Mundial da Saúde produziu uma
têm prevalência real conhecida, podendo ser ferramenta (algoritmo FRAX), especificamente
assintomáticas em até 2/3 dos casos. Sugere-se destinada à atenção primária, na qual se
que ocorram igualmente em homens e mulheres até consideram idade, gênero, etnia, prévia fratura
os 50 anos, aumentando nestas progressivamente, de fragilidade pessoal e familiar, tabagismo,
a partir de então. Apenas 1/4 das fraturas vertebrais uso de álcool e corticosteroides, densidade
está associado à queda. Risco de fraturas de mineral óssea, artrite reumatoide e osteoporose
punho também se associa à idade e diminuição secundária. Ainda se analisam dados de fraturas e
de densitometria mineral óssea (DMO). Essas mortalidade específicos por país. Indivíduos com
fraturas aumentam a partir dos primeiros anos fraturas vertebrais decorrentes de trauma pouco
pós-menopáusicos, devido à rápida perda óssea intenso devem ser investigados para identificar
neste período. Após 65 anos, há um platô em sua causas subjacentes de osteoporose, responsáveis
ocorrência, provavelmente pela redução no uso de por 40% e 60% dos casos em mulheres e homens,
movimento do braço como apoio em quedas. respectivamente. A ferramenta é aplicável a
Em mulheres idosas, o impacto do medo de mulheres pós-menopáusicas e homens com idade
131
Ministério da Saúde
entre 40 e 90 anos, ainda não tratados. O National O relato de duas ou mais quedas foi menor no
Osteoporosis Foundation Guide recomenda tratar grupo intervenção, comparativamente ao grupo
pacientes com escores FRAX superiores ou iguais sem intervenção (HR: 0,92; IC95%: 0,89–0,96; P
a 3% para fratura de quadril, superiores ou iguais < 0,01). Em subamostra de 3.951 mulheres, DMO
a 20% para outras fraturas osteoporóticas.5, 6 no quadril reduziu-se menos no grupo intervenção
A quantificação de risco pelo FRAX serve para do que no de comparação ao longo de nove anos
desmitificar a necessidade de intervenção em (P = 0,003). Logo, a intervenção dietética reduziu o
todos os pacientes com baixa DMO no nível da risco de múltiplas quedas, sem modificar o risco de
atenção primária, reservando as estratégias de fraturas osteoporóticas.8
prevenção para aqueles que mais se beneficiarão.6
Portanto, a combinação de DMO com fatores Exposição solar
clínicos de risco aumenta o valor preditivo positivo
para alto risco de fraturas. A maior fonte de vitamina D é a produção
O objetivo do manejo da osteoporose é reduzir cutânea estimulada pela exposição à radiação
o risco futuro de fratura. A prevenção primária ultravioleta. Sugere-se que a exposição de mãos,
de fraturas e osteoporose é feita por medidas braços e face ao sol, sem uso de bloqueador solar,
não medicamentosas. Para tal, se considera por 5-10 minutos, duas a três vezes na semana,
modificação do estilo de vida que diminua queda produza suficiente vitamina D para suplementar as
e perda óssea, incluindo exercício, ingestão necessidades nutricionais. A dieta provê pequenas
adequada de cálcio na dieta, cessação de tabagismo quantidades de vitamina D. É, pois, essencial o
e consumo excessivo de álcool e redução na cuidado em manter suficiente exposição solar.7
prescrição de ansiolíticos e sedativos. A exposição
solar é o principal elemento que contribui para a Atividade física
produção de vitamina D no organismo.
A prevenção secundária de fraturas A atividade física iniciada precocemente na
osteoporóticas inclui medicamentos, escolhidos vida contribui para maior pico de massa óssea.
em função dos fatores de risco existentes e da Caminhadas e outros exercícios regulares,
localização das fraturas. aeróbicos e com sobrecarga, induzem pequeno
Qualquer intervenção só se justificará quando aumento na DMO (1–2%), mas ajudam a manter
mostrar eficácia comprovada em reduzir a mobilidade, força muscular, equilíbrio e, portanto, a
incidência de fraturas. prevenir quedas e fraturas em idosos.
Meta-análise9 de 13 coortes prospectivas
Medidas não medicamentosas mostrou que atividade física, de moderada a
intensa, associou-se à redução de 45% (IC95%:
Ingestão diária de cálcio e outras 31–56%) e 38% (IC95%: 31–44%) no risco
medidas dietéticas de fratura de quadril em homens e mulheres,
respectivamente. Em geral, o risco de quedas
A ingestão de cálcio na dieta varia de país para também se reduziu. Mas os efeitos sobre DMO
país, recomendando-se, em média, 1.200mg/ foram questionáveis. Revisão sistemática
dia (aproximadamente supridos por meio de Cochrane10 de 18 ensaios clínicos randomizados
400ml de leite desnatado, dois potes de iogurte mostrou que exercícios aeróbicos e de resistência
desnatado e uma fatia grossa de queijo minas ou combinados foram benéficos para DMO de
prato) para indivíduos já com condições de risco. coluna vertebral em mulheres pós-menopáusicas.
Idosos sadios com ingestão de cálcio de 700mg/ Caminhar se mostrou eficaz em DMO vertebral
dia e exposição solar regular não necessitam de e de quadril. Exercícios aeróbicos aumentaram
suplementação de cálcio e vitamina D. Os níveis a DMO de punho. Estudo brasileiro11 mostrou
aceitáveis variam de acordo com os estudos, que exercícios de força realizados três vezes
sendo, em geral, considerada insuficiente uma por semana durante 24 semanas beneficiaram
ingestão diária inferior a 400mg.7 significativamente a DMO aferida em colo de fêmur
Também se avaliaram os efeitos de dieta com e vértebra lombar de mulheres pós-menopáusicas
baixo teor de gorduras e rica em frutas, vegetais em treinamento, em comparação à de participantes
e grãos sobre DMO e incidência de fraturas em sem treinamento (P < 0,05). O valor da caminhada
48.835 mulheres pós-menopáusicas com idade como exercício único sobre os mesmos parâmetros
entre 50 e 79 anos. Após seguimento médio de anteriormente analisados foi aferido por meio
8,1 anos, 215 mulheres no grupo intervenção de revisão sistemática12 de oito ensaios clínicos
(modificação dietética) e 285 mulheres no grupo randomizados e não randomizados, realizados
de comparação (dieta usual) apresentaram fratura em mulheres pós-menopáusicas. Não houve
de quadril (HR: 1,12; IC95%: 0,94–1,34; P = 0,21). modificação significativa na DMO em qualquer dos
132
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
sítios de aferição. Logo, atividade física regular tem Apesar de o benefício ser modesto, tal indicação
pequena expressão na DMO, mas ajuda a reduzir não pode ser descartada, quando o intuito for
quedas e fraturas em homens e mulheres. prevenir fraturas não vertebrais, incluindo as de
quadril, em pacientes idosos, institucionalizados,
Outros cuidados com deficiência de vitamina D e sem história prévia
de fratura, devido à razoável segurança e ao menor
Cuidados com pisos deslizantes, tapetes custo da intervenção.14
soltos e fios de aparelhos elétricos à mostra, Revisão atualizada do BMJ Clinical Evidence15
adequada iluminação no interior da casa, sobre prevenção de fraturas osteoporóticas em
posição dos móveis, corrimão em escadas mulheres pós-menopáusicas classifica o benefício
e barras de apoio em banheiros são medidas da suplementação de cálcio + vitamina D como
contemporizadoras que evitam quedas, provável. A combinação de cálcio e vitamina
principalmente de idosos. D não se mostrou mais eficaz em redução de
risco de fraturas vertebrais em mulheres pós-
menopáusicas ou em homens com mais de
Medidas medicamentosas
65 anos em comparação a placebo ou não
tratamento. Em relação ao risco de fraturas não
Suplementação de cálcio e vitamina D
vertebrais, a combinação mostrou mais benefício
do que placebo ou não tratamento.
A suplementação combinada de cálcio e
Ensaio clínico aninhado em coorte finlandesa
vitamina D tem sido considerada na prevenção de
de base populacional randomizou 3.195 mulheres,
fraturas em pacientes idosos, institucionalizados
entre 65 e 71 anos, para receber, por três, anos
ou não. Estudos sugerem que a combinação é
800 UI de colecalciferol e 1.000mg de carbonato de
eficaz quando administrada nas doses de, ao
cálcio versus nenhum tratamento (grupo controle).
menos, 1.200mg e 800 UI por dia, respectivamente
A redução do risco de fraturas em diferentes sítios
de cálcio e vitamina D. A eficácia, porém, é
não atingiu significância estatística.16
afetada pela adesão do paciente. Tal intervenção é
Devido à frequente inconsistência de
componente-chave na prevenção e no tratamento
resultados, um estudo 17 tentou definir tipos
da osteoporose, a menos que a ingestão de cálcio
de pacientes que pudessem se beneficiar da
e o status da vitamina D sejam ótimos. Sugere-se
suplementação com cálcio e vitamina D. O
que a concentração sérica ótima de 25-hidróxi
estudo mostrou que os resultados são pobres
vitamina D seja ao menos 50nmol/L (20ng/mL)
em pessoas que vivem na comunidade e
em todos os indivíduos. Para atingir esse nível,
têm de baixa a moderada adesão à medida,
a ingestão de vitamina D deve ser ao menos de
enquanto estudos realizados com pacientes
20µg/dia. A dose recomendada de 800 UI/dia provê
institucionalizados, cuja administração da
a quantidade necessária e apresenta pequeno
combinação é supervisionada, demonstram
risco de toxicidade.
significantes benefícios.
A literatura não esclarece adequadamente a
Ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-
eficácia e a segurança dessa intervenção, devido à
cego, controlado por placebo e com seguimento
insuficiente qualidade dos estudos. Em geral, essa
médio de 7,1 anos avaliou a eficácia de 1.000mg de
combinação parece reduzir a incidência de fraturas
carbonato de cálcio mais 400UI de vitamina D3 por
não vertebrais e de quadril. A suplementação
dia sobre o funcionamento físico e o desempenho
de cálcio e vitamina D aparece adicionada
de 33.067 mulheres (50 a 79 anos). A combinação
aos medicamentos usados para tratamento de
não demonstrou benefício em relação ao placebo
osteoporose em muitos estudos, porém os níveis
nos desfechos avaliados.18
de vitamina D se mostram inadequados em mais
A suplementação combinada isolada
da metade das mulheres tratadas para osteoporose
é ineficaz na prevenção secundária de
nos Estados Unidos e na Europa.
fraturas osteoporóticas em idosos que vivem
A variabilidade de resultados pode ser explicada
na comunidade, para os quais devem ser
pela metodologia de investigação, bem como
considerados outros tratamentos. Todavia,
pelas propriedades dos diferentes sais de cálcio.
nesses pacientes a suplementação diária é
Por exemplo, a absorção em jejum de citrato de
coadjuvante, a menos que o clínico esteja
cálcio é maior do que a dos sais carbonato e
confiante na adequada ingestão de cálcio na
lacto-gliconato. Citrato de cálcio tomado entre as
dieta e no nível ótimo de vitamina D. 7
refeições causa menos distensão abdominal e
No tratamento de pacientes com osteoporose
flatulência, bem como minimiza o risco de formação
e alto risco de fraturas vertebrais e não vertebrais,
de cálculos renais e otimiza a adesão do paciente.
outros agentes farmacológicos com comprovada
Portanto, citrato de cálcio apresenta vantagens ao
eficácia devem ser buscados. 19
ser combinado à vitamina D.13
133
Ministério da Saúde
Análogos de vitamina D (alfacalcidol e calcitriol) que a maioria não incluía vitamina D para otimizar a
absorção do cálcio. Em três dos estudos, a análise
Na redução de fraturas vertebrais em mulheres de subgrupos de participantes com maior adesão a
pós-menopáusicas e homens com mais de 65 anos, tratamento mostrou redução significativa do risco de
calcitriol não se mostrou mais eficaz do que placebo fratura osteoporótica com a suplementação de cálcio.
ou não tratamento. Análogos de vitamina D e cálcio
similarmente reduzem o risco dessas fraturas. Conclusão
Comparativamente à vitamina D, seus análogos a
superaram na redução do mesmo tipo de fratura.15
Visualizando as evidências contemporâneas
Comparativamente a placebo ou não tratamento,
sobre o papel de cálcio e vitamina D na
alfacalcidol mostra-se mais eficaz em reduzir
prevenção de fraturas ósseas, fazem-se
fraturas de quadril em idosos com impedimento
algumas recomendações.
de mobilidade. Já calcitriol não se mostrou mais
1. Em prevenção primária de pessoas com
eficaz na redução de fraturas de quadril e outras
baixo risco, deve-se insistir na adoção de medidas
não vertebrais em mulheres pós-menopáusicas e
não medicamentosas.
homens com mais de 65 anos.15 Calcitriol aumenta
2. Quando há necessidade de terapia
o risco de hipercalcemia comparativamente a cálcio
medicamentosa, a associação de cálcio e vitamina D
ou placebo, o que não ocorre com alfacalcidol.
(1000mg + 800UI/dia) deve ser indicada para prevenir
fraturas osteoporóticas de quadril e outras localizações
Suplementação isolada de vitamina D
não vertebrais, principalmente em pacientes idosos,
institucionalizados, com estado de deficiência de
Revisão Cochrane20 que incluiu 45 estudos
vitamina D e sem história prévia de fratura.
mostrou que vitamina D sozinha não é eficaz na
3. Tal escolha se justifica por apresentar
prevenção de fratura de quadril (9 estudos, 24.749
eficácia quando há adesão à medida, razoável
participantes; RR=1,15; IC95%: 0,99–1,33),
segurança e menor custo. Os efeitos adversos da
fratura vertebral (5 estudos, 9.138 participantes;
suplementação de cálcio (principalmente como sal
RR=0,90; IC95%: 0,42–1,92) ou qualquer outra
citrato) são distúrbios gastrintestinais e constipação,
nova fratura (10 estudos, 25.016 participantes;
ainda minimizados se aquela for administrada
RR=1,01; IC95%: 0,93–1,09). No entanto, quando
entre as refeições. Na dose preconizada, o risco
a vitamina D foi administrada em combinação
de litíase renal se mostra pequeno. Em indivíduos
com o cálcio, houve menos fraturas de quadril
sem doença renal ou de paratireoides, o risco de
em pacientes idosos institucionalizados.
hipercalcemia/hipercalciúria e de sintomas clínicos
Meta-análise21 de oito estudos (12.658
é pequeno. Calcitriol associa-se à incidência
mulheres) comparou a eficácia de 800UI/dia de
aumentada de hipercalcemia.
colecalciferol (vitamina D3) em relação ao placebo
4. No Brasil, existem colecalciferol isolado ou
na prevenção de fraturas em mulheres pós-
em associação a carbonato de cálcio, carbonato
menopáusicas. A suplementação com vitamina
de cálcio isolado, citrato de cálcio isolado ou
D3 mostrou probabilidade de 70% de superar
associado à vitamina D e calcitriol e alfacalcidol, os
o placebo na prevenção de fraturas de quadril e
dois últimos com custo mais alto. Os preços variam
outras fraturas não vertebrais. Comparativamente
e não há genéricos.23
à suplementação de cálcio, a combinação de
5. Nos pacientes que fogem ao perfil
vitamina D3 e cálcio reduziu fraturas não vertebrais,
comentado (por exemplo, os com risco para
mas não afetou fraturas de quadril.
fraturas vertebrais), ou apresentam risco mais
grave, melhor será indicar a terapia com outros
Suplementação isolada de cálcio
medicamentos definidamente mais eficazes.
Ainda há carência de estudos de qualidade que
Spangler e colaboradores22 analisaram cinco
definam a eficácia da associação cálcio e vitamina
ensaios clínicos randomizados que questionaram os
D na prevenção de fraturas, como comentado
benefícios da suplementação de cálcio em mulheres
em revisões sistemáticas e meta-análises
pós-menopáusicas e apontaram aumento do risco
contemporâneas. Futura investigação é necessária
de cálculos renais e problemas gastrintestinais
nesse cenário, pois hoje os ensaios clínicos
nas usuárias de cálcio. A revisão mostrou que os
randomizados são graduados como geradores de
estudos tinham limitações, incluindo possível viés de
baixa ou moderada evidência.
seleção e baixos níveis de adesão a tratamento, e
134
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Referências
1. CUMMINGS, S.R.; MELTON, L.J. 13. QUESADA GÓMEZ, J.M. et al. Calcium citrate
Epidemiology and outcomes of osteoporotic and vitamin D in the treatment of osteoporosis.
fractures. Lancet, London, v. 359, n. 9319, p. Clinical Drug Investigation, Mairangi Bay, v. 31,
1761–1767, May 2002. n. 5, p. 285-298, 2011.
11. BOCALINI, D.S. Strength training preserves 22. SPANGLER, M. et al. Calcium
the bone mineral density of postmenopausal supplementation in postmenopausal women
women without hormone replacement therapy. to reduce the risk of osteoporotic fractures.
Journal of Aging and Health, [Newbury Park], v. American Journal of Health-System Pharmacy,
21, n. 3, p. 519-527, Jun. 2009. Bethesda, v. 68, n. 4, p. 309-318, Feb. 2011.
12. MARTYN, S.T.; JAMES, M.; CARROLL, S. 23. CONSULTA remédios. 2011. Disponível em:
Meta-analysis of walking for preservation of bone <http://www.consultaremedios.com.br>. Acesso
mineral density in postmenopausal women. Bone, em: 2 abr. 2011.
New York, v. 43, n. 3, p. 521-531, Sep. 2008.
135
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
15
Uso de Antiasmáticos em Adultos
e Crianças: uma atualização
Rafael Mota Pinheiro e Lenita Wannmacher
Introdução
Asma brônquica é doença resultante Na maioria das comunidades, a pobreza está
de complexa interação entre obstrução, relacionada a pior estado de saúde.6 A asma
hiperresponsividade e inflamação brônquicas. não segue esse padrão, aparecendo também
Caracteriza-se por episódios recorrentes de em sociedades mais prósperas. Entretanto, a
obstrução brônquica, de reversão espontânea prevalência de sintomas pode ser modificável
ou consequente a tratamento. Tais episódios por exposição a alérgenos, poluição e outros
podem ser eventuais (asma intermitente) ou fatores e por tratamento eficaz. Sendo assim,
repetidos frequentemente (asma recorrente), mesmo a menor prevalência de asma observada
manifestando-se clinicamente por tosse, em economias menos prósperas, terá na pobreza
sibilância, opressão no peito e dispneia, um importante fator de risco para os sintomas
particularmente à noite e ao despertar pela atuais da doença.
manhã. Os componentes fisiopatogênicos Estudo ecológico8 realizado em 20 cidades
da sibilância característica são constrição da brasileiras demonstrou que a prevalência de asma
musculatura lisa, edema da mucosa e excesso nos últimos 12 meses na população em estudo
de secreção dos brônquios. (crianças com 6-7 anos e adolescentes com 13-
A causa definitiva do processo inflamatório que 14 anos) aumentou com pobre saneamento, alta
leva à asma ainda não foi estabelecida. Contudo, mortalidade infantil no primeiro ano de vida e menor
o desenvolvimento da doença parece envolver disponibilidade de leitos por 10.000 habitantes.
vários fatores, dentre os quais a suscetibilidade A comparação entre crianças com sintomas
genética, a exposição ambiental e seus efeitos na de asma iniciados antes dos 3 anos de idade e
resposta imunológica. aquelas que nunca vivenciaram sintomas de asma
A doença afeta pessoas de todas as raças e nos 6 primeiros anos de vida mostrou diminuição
grupos étnicos, da infância à velhice, com pequena significativa da função pulmonar aos 11-16 anos de
preferência por meninas e mulheres em relação a idade no primeiro grupo.9
homens na fase adulta.1 Meta-análise10 de 33 estudos demonstrou que
Segundo estimativas da Organização Mundial crianças nascidas de mães ou pais asmáticos são
da Saúde (OMS), 300 milhões de pessoas são mais propensas a desenvolver asma do que as
afetadas por asma, sendo a doença crônica mais nascidas de mães ou pais sem a doença (OR= 3,04;
comum entre crianças e se relacionando a mais de IC95%: 2,59-3,56 para mães asmáticas e OR =2,44;
250 mil mortes por ano.2 IC95%: 2,14-2,79 para pais asmáticos).
A prevalência da asma na população dos Adultos com asma apresentam maior limitação de
Estados Unidos, avaliada por meio de autorrelato atividades do que os não asmáticos, o que geralmente
no National Health Interview Survey (NHIS) entre se relaciona a baixo controle da situação.11
2006 e 2008, foi estimada em 7,8%, sendo mais Estudos transversais que avaliaram o estado
alta em crianças (9,3%) do que em adultos (7,3%), de controle da asma em adultos e crianças em
em mulheres (8,6%) do que em homens (6,9%), serviços de atenção primária nos Estados Unidos
entre pobres (11,2%) versus os próximos à pobreza demonstraram que entre 37-64% estavam em
(8,4%) e não pobres (7,0%).3 situação não controlada.12,13
No Brasil, estima-se que 11,4% das pessoas Os resultados aqui apontados mostram a
tenham asma. Em 2007, ocorreram 273.000 repercussão da doença na situação individual de
internações por essa doença. Asma constituiu- saúde, em relação à capacidade funcional respiratória
se na quarta causa de hospitalização pelo SUS e de atuação social (absenteísmo escolar e laboral),
(2,3% do total) e na terceira causa entre crianças bem como o ônus econômico representado por
e adultos jovens, gerando um custo aproximado de menor força de trabalho e maior número de consultas
361 reais por internação.4,5 médicas e internações hospitalares. Assim sendo, é do
137
Ministério da Saúde
maior interesse pessoal e social tratar racionalmente da asma leva em conta dois domínios: limitação
a doença, principalmente quando se expressa como funcional (impairment) e risco. A classificação
asma persistente. da gravidade de asma (Quadro 1) condiciona
Segundo recomendações atuais, o tratamento abordagens medicamentosas diferenciadas.14
138
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
139
Ministério da Saúde
140
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
141
Ministério da Saúde
dos primeiros. Revisão sistemática com meta- asma leve à moderada durante 7-12 meses. Em
análise de 18 estudos (n=3.757 escolares comparação a placebo ou terapia não esteroide,
e adolescentes) comparou a eficácia de CI ocorreu diminuição de crescimento linear de 1,54
versus montelucaste em asma persistente de centímetros por ano (IC95%: -1,15 a -1,94). Não se
leve à moderada. CI associou-se a risco de sabe se o efeito sobre o crescimento se sustenta
exacerbações significativamente menor em ou reverte com a suspensão do tratamento. Por
comparação a montelucaste (RR=0,83; IC95%: isso, se recomenda, seja utilizada a menor dose
0,72-0,96; P =0,01), bem como a melhor função de CI para o manejo efetivo de asma em crianças.
pulmonar e outros parâmetros clínicos.36 A constatação de que corticoides influenciam a
Comparativamente a placebo, cromoglicato taxa de crescimento infantil não é suficiente para
dissódico e nedocromila demonstraram maior contraindicar seu uso, segundo as diretrizes
eficácia no controle de sintomas, redução de atuais. Regulamentou-se a necessidade de aviso
exacerbações e hospitalizações, principalmente sobre a possibilidade de redução do crescimento
em crianças.37 No entanto, no estudo CAMP,38 com uso de todos os corticoides empregados por
nedocromila mostrou-se menos eficaz que inalação. Cabe lembrar que a própria asma grave
corticoide inalado em diversas medidas dos pode levar a atraso de crescimento.
sintomas apresentados. Revisão Cochrane39 Outros efeitos sistêmicos do uso de CI têm
concluiu que há insuficiente evidência sobre sido estudados. Revisão42 avaliou o efeito de CI
a eficácia de cromoglicato dissódico na sobre a incidência de pneumonia em pacientes
terapia de manutenção de asma em crianças asmáticos, verificando que a ocorrência de
em comparação a placebo. É provável que efeitos adversos relacionados foi de 0,5%
viés de publicação tenha superestimado o para budesonida e 1,2% para placebo (HR= 0,52;
benefício desse medicamento no tratamento de IC95%: 0,36-0,76; P < 0,001) e de graves efeitos
manutenção de asma em crianças. adversos associados à pneumonia foi 0,15% para
budesonida e 0,13% para placebo (P = 0,58). A
Evidências sobre a segurança de comparação entre budesonida e fluticasona não
corticosteroides em adultos e crianças mostrou qualquer diferença relativa a risco de
pneumonia, bem como não aumentou esse risco
Os efeitos adversos de corticoides usados com doses mais altas de budesonida.
por inalação são menos frequentes do que O risco de cataratas associado a uso
com emprego de vias oral ou intravenosa, mas, prolongado de CI foi avaliado em revisão
ainda assim, se aplicam os mesmos princípios sistemática de quatro estudos de casos e
da corticoterapia sistêmica, correspondendo controles. 43 Houve significativa relação
à utilização de menor dose possível para entre aquele risco e a dose do CI, ocorrendo
controle de sintomas e preservação da aumento de aproximadamente 25% para
qualidade de vida. 40 cada aumento de 1000µg/dia na dose de
Efeitos adversos locais costumam ser afta, beclometasona ou equivalente. Monitorização
disfonia intermitente, tosse por irritação da via oftalmológica periódica é aconselhável.
aérea e candidíase orofaríngea, leves e de fácil Corticoides por inalação podem ser usados
resolução. A frequência de candidíase é similar com segurança em gestação e amamentação.
com uso de baixas e altas doses, provavelmente Quando usados por até duas semanas,
porque estas propiciam menor número de corticoides sistêmicos podem ser suspensos
administrações diárias. Emprego de aerocâmaras sem qualquer esquema especial.
e prática de enxágue após inalação reduzem
a incidência de candidíase porque diminuem a Composição da forma farmacêutica
deposição do fármaco na orofaringe. Disfonia
decorrente de deformidade bilateral do adutor A dose estimada diária de beclometasona
da corda vocal acomete 1/3 dos pacientes e é considerada baixa, média ou alta em adultos
mais prevalente com altas doses e aerocâmaras. pode variar de acordo com o gás propelente
Geralmente não constitui problema sério, sendo utilizado. Determinação da Anvisa (RDC nº
minorada com diminuição do esforço vocal.17 88/2008) estabeleceu que o uso de CFC deve
Com vista à segurança, cogita-se da redução ser substituído por hidrofluoralcano (HFA) a
da dose de CI, após controle dos sintomas da partir de 2011. Sendo o tamanho das partículas
asma por, pelo menos, três meses. Grande resultantes dependente do gás utilizado, a
parte dessa preocupação advém de revisão equivalência de doses entre corticoides inalados
sistemática Cochrane41 de três ECRs realizados que usem CFC e HFA, por consequente diferença
em crianças que receberam 200µg, duas vezes de deposição nas vias aéreas, é diferente e
ao dia, de beclometasona para tratamento de apresentado abaixo.44
142
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Quadro 4 - Equivalência de doses entre corticoides inalados que usem CFC e HFA
Nível de dose (dose diária em µg)
Fármaco
Baixa Média Alta
Dipropionato de beclometasona (CFC) 200-500 >500-1000 >1000-2000
Dipropionato de beclometasona (HFA) 100-250 >250-500 >500-1000
Budesonida 200-400 >400-800 >800-1600
Fonte: Adaptado da Referência 44
143
Ministério da Saúde
144
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
1. Práticas de controle ambiental para prevenção primária e secundária de asma devem sempre ser es-
timuladas para reduzir a ocorrência e a gravidade das exacerbações da doença.
2. O controle sintomático das crises de asma em adultos e crianças se faz mediante uso por demanda pela
via respiratória de agonistas beta-2 adrenérgicos de ação curta. Não há vantagem com o uso contínuo
desses fármacos.
3. O tratamento de crises graves de asma aguda em crianças e adultos recebidos nos serviços de emergên-
cia deve associar brometo de ipratrópio a beta 2-gonista por inalação, oxigênio e corticoide sistêmico, o
que reduziu a admissão hospitalar.
4. A frequência de doses desses broncodilatadores deve ser monitorada, pois as reações adversas são
dose-dependentes.
5. O tratamento de manutenção para evitar novas crises faz uso regular de corticosteroides por inalação
(CI), em doses moderadas, havendo pequena diferença de eficácia entre os diversos representantes. Os
efeitos adversos em crianças não contraindicam seu uso.
6. Corticosteroides sistêmicos, orais e injetáveis são usados nas exacerbações graves, especialmente em
asma aguda atendida em ambiente hospitalar e em pacientes não responsivos à terapia com beta 2-ago-
nista. Há evidência de que a administração oral pode ser tão eficaz quanto a injetável.
7. Monoterapia com agonistas beta-2 de longa duração (B2LD) reduz a frequência de episódios de asma,
mas aumenta a gravidade de novas crises, com letalidade potencial. Sua associação com CI resulta em
modesto aumento de benefícios e redução do risco de hospitalização comparativamente à monoterapia
com B2LD.
8. Crianças com menos de 12 anos não devem receber essa associação, que não apresenta significativo
benefício e, ao contrário, tende a aumentar o risco de exacerbações e hospitalizações.
145
Ministério da Saúde
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148
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
Tema
Ácido Acetilsalicílico em Prevenção
Introdução
Antiplaquetários são utilizados terapeuticamente inferiores, indicando potencial benefício
na prevenção de eventos cardiovasculares desse procedimento na prevenção de embolia
como infarto do miocárdio e de eventos pulmonar. A prevenção primária também pode
cerebrovasculares como acidente vascular ser feita por medicamentos. 3
encefálico (AVE) isquêmico, frutos da A prevenção secundária de fenômenos
hiperatividade de um complexo sistema fisiológico tromboembólicos é feita predominantemente com
que exerce hemostasia e mantém o fluxo fármacos. Cirurgia e angioplastia são alternativas
sanguíneo. Essa hiperatividade se manifesta terapêuticas eficazes para obstruções arteriais
por trombose arterial ou venosa, da qual coronariana, cerebral, renal e vascular periférica.
resultam diversas síndromes cardiovasculares, Outras medidas não medicamentosas, como
constituindo a principal causa de morte em compressão pneumática de membros inferiores,
países industrializados e em desenvolvimento. A aumento de atividade física e abandono do cigarro,
obstrução vascular pode decorrer diretamente de têm papel importante em tratamento e prevenção
formação de trombo ou de sua liberação, parcial secundária de doenças tromboembólicas.1
ou total, com formação de êmbolos que ocluem Fármacos antiplaquetários aprovados pelo FDA
o vaso. Microtromboses consecutivas ao longo são ácido acetilsalicílico, dipiridamol, ticlopidina,
dos anos contribuem também para a evolução de clopidogrel, prasugrel, ticagrelor, cilostazol e
vasculopatia periférica crônica aterosclerótica1 inibidores de receptores IIb-IIIa (lamifibana,
Plaquetas participam de passos iniciais de tirofibana, xenlofibana, abciximabe, epifitibatida
aterogênese, por meio de liberação de fator integrelina). Dentre eles, a Rename 2010 inclui
de crescimento intimal (fator de crescimento ácido acetilsalicílico como medicamento essencial.4
derivado da plaqueta). Além disso, a formação
e a incorporação de microtrombos sobre placas Ácido acetilsalicílico em
são aceitas como formas de crescimento de prevenção primária
placas ateroscleróticas. A adesão constitui o
início da ativação plaquetária, desencadeada por Eventos cardiovasculares e cerebrovasculares
contato com colágeno ou fator de Von Willebrand
e seguida de agregação de mais plaquetas. Repetidas doses de ácido acetilsalicílico
Na ligação de duas plaquetas formam-se produzem efeito cumulativo sobre função de
pontes de fibrinogênio entre receptores IIb-IIIa, novas plaquetas. Em longo prazo, o benefício
processo denominado de coesão plaquetária. parece também se dever a aumento de atividade
Sobre o agregado plaquetário atua o sistema de fibrinolítica do plasma e redução de produção de
coagulação proteica do plasma, formando rede trombina. Esse antiplaquetário foi primeiramente
de fibrina que fixa e estabiliza o trombo.2 testado em ensaios clínicos realizados com médicos
A prevenção primária das doenças norte-americanos e ingleses com vista à prevenção
tromboembólicas pode ser feita pelo controle de primária de eventos cardiovasculares. Em análise
fatores precipitantes de trombose (aterosclerose e conjunta, evidenciou-se redução de 12% de eventos
insuficiência venosa). Há consistentes evidências vasculares maiores, independentemente de faixa
de que tratamentos de hipercolesterolemia e etária, gênero ou perfil de risco cardiovascular. O
hipertensão arterial sistêmica e abandono do hábito benefício absoluto foi pequeno. Para risco absoluto
de fumar diminuem a incidência de aterosclerose basal de 0,5%/ano, o NNT foi de 2.500, e para
e morbimortalidade cardiovascular. O controle risco basal de 2%/ano, o NNT caiu para 410. Por
de obesidade e sedentarismo previne ou reduz outro lado, observou-se aumento de sangramento
a insuficiência venosa. Exercício físico regular
associa-se a aumento de atividade fibrinolítica do gastrintestinal e extracraniano (0,10% vs. 0,07%
plasma e t-PA, diminuindo fibrinogênio no plasma. por ano). Entretanto, alguns efeitos indesejáveis
O uso de meias elásticas em indivíduos normais, de ácido acetilsalicílico não ocorrem em prevenção
durante viagem de avião com duração maior de primária, pois dependem de uso crônico de doses
4 horas, preveniu a formação de microtrombos anti-inflamatórias (salicilismo). Outros são menos
identificados por Doppler em vasos dos membros
149
Ministério da Saúde
150
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
151
Ministério da Saúde
Em prevenção primária
1. Ácido acetilsalicílico em baixas doses para prevenção primária de eventos cardiovasculares exerce
benefício, mas o risco de sangramento não é negligenciável, sendo contrabalançado somente quando o
risco anual do evento cardiovascular estiver acima de 1%.
2. Ainda não se estabeleceu o benefício de baixa dose de ácido acetilsalicílico em indivíduos com diabe-
tes, relativamente à prevenção primária de eventos trombóticos cardiovasculares.
3. Uso prolongado de ácido acetilsalicílico não evidenciou significativo benefício em prevenção primária
de eventos cerebrovasculares, não se justificando seu emprego.
4. Em artroplastia total de joelho, o uso de ácido acetilsalicílico mostrou menor risco de tromboembo-
lismo venoso em comparação à varfarina, mas similar eficácia comparativamente às terapias injetáveis.
Em prevenção secundária
4. Efeitos adversos ocorrem, mas sua incidência é baixa em comparação com a dos eventos vasculares
sem proteção.
5. Outros antiplaquetários não são expressivamente diferentes de ácido acetilsalicílico e têm custo mais alto.
152
Uso Racional de Medicamentos: temas selecionados
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Autores
Andry Fiterman Costa
Médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Medicina Interna pela
Santa Casa de Porto Alegre. Mestre em Cardiologia e doutorando em Cardiologia pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.
Lenita Wannmacher
Professora de Farmacologia inativa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade de
Passo Fundo, RS. Mestra em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Consultora em
Farmacologia do Núcleo de Assistência Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz,
Rio de Janeiro. Membro do Comitê de Especialistas em Seleção e Uso de Medicamentos Essenciais da
Organização Mundial da Saúde, Genebra.
Rogério Hoefler
Farmacêutico formado pela Universidade Católica de Santos. Pós-graduado em Farmácia Hospitalar pelo
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro da Comissão
Técnica e Multidisciplinar de Atualização da Rename (Comare), da Comissão Técnica Executiva do Formulário
Terapêutico Nacional (FTN) e da equipe técnica do Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos
(Cebrim), do Conselho Federal de Farmácia, Brasília, DF.
Esta obra foi impressa em papel couchê fosco (iolo) 115g/m2 e papel supremo duo design, com laminação
fosca bopp (capa) 300g/m2 pela Athalaia Gráfica e Editora, em Brasília/DF - Brasil, em fevereiro de 2012.
MINISTÉRIO DA SAÚDE
ISBN 978-85-334-1897-4
temas selecionados
BRASÍLIA – DF
2012