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Histórias de Sucesso
EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS
ORGANIZADO POR MARA REGINA VEIT

Histórias
de Sucesso
EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS

BELO HORIZONTE - 2003


Copyright © 2003, SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É permitida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por
qualquer meio, desde que divulgadas as fontes.

Este trabalho é resultado de uma parceria entre o SEBRAE/NA, SEBRAE/MG, SEBRAE/RJ, PUC-Rio, IBMEC-RJ

Coordenação Geral
Mara Regina Veit
Coordenação e Concepção do Projeto Desenvolvendo Casos de Sucesso

Supervisão
Cezar Kirszenblatt
Daniela Almeida Teixeira
Renata Barbosa de Araújo

Apoio
Carlos Magno Almeida Santos
Dennis de Castro Barros
Izabela Andrade Lima
Ludmila Pereira de Araújo
Murilo de Aquino Terra
Rosana Carla de Figueiredo
Sandro Servino
Sílvia Penna Chaves Lobato
Túlio César Cruz Portugal

Produção Editorial do Livro


Núcleo de Comunicação do Sebrae/MG

Produção Gráfica do Livro


Perfil Publicidade

Desenvolvimento do Site
Daniela Almeida Teixeira
bhs.com.br

Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas


SEBRAE
Armando Monteiro Neto, Presidente do Conselho Deliberativo Nacional
Silvano Gianni, Diretor-Presidente
Paulo Tarciso Okamotto, Diretor Administrativo-Financeiro
Luiz Carlos Barboza, Diretor Técnico

SEBRAE-MG
Luiz Carlos Dias Oliveira, Presidente do Conselho Deliberativo
Stalin Amorim Duarte, Diretor Superintendente
Luiz Márcio Haddad Pereira Santos, Diretor de Desenvolvimento e Administração
Sebastião Costa da Silva, Diretor de Comercialização e Articulação Regional

SEBRAE-RJ
Paulo Alcântara Gomes, Presidente do Conselho Deliberativo
Paulo Maurício Castelo Branco, Diretor Superintendente
Evandro Peçanha Alves, Diretor Técnico
Celina Vargas do Amaral Peixoto, Diretora Técnica
O projeto
O Projeto Desenvolvendo Casos de Sucesso foi criado para que histórias emocionantes de
empreendedores, que fizeram a diferença em sua comunidade, em suas empresas, em suas
instituições, possam ser conhecidas, disseminadas e potencializadas na construção de novos
horizontes empresariais.

O método
O livro Histórias de Sucesso foi concebido com o intuito de utilizar o método de estudo de
caso para estruturar as experiências do Sebrae, e também contribuir para a gestão do
conhecimento nas organizações, estimulando a produtividade e capacidade de inovação, de
modo a gerar empresas mais inteligentes e competitivas.

A Internet
A concepção do Projeto Estudo de Casos para o Portal Sebrae www.sebrae.com.br pretende
divulgar e ampliar o conhecimento das ações do Sebrae e facilitar para as instituições e
profissionais que atuam na rede de ensino, bem como instrutores, consultores e instituições
parceiras que integram a Rede Sebrae, um conteúdo didaticamente estruturado sobre
pequenas empresas, para ser utilizado nos cursos de graduação, pós-graduação, programas de
treinamento e consultoria realizado com alunos, empreendedores e empresários em todo o
País.

O Site dos Casos de Sucesso do Sebrae, foi concebido tendo como referência os modelos
utilizados por Babson College e Harvard Business School , com o diferencial de apresentar
vídeos, fotografias, artigos de jornal e fórum de discussão aos clientes cadastrados no site,
complementando o conteúdo didático de cada estudo de caso. O site também contempla um
manual de orientação para professores e alunos que indica como utilizar e aplicar um estudo
de caso em sala de aula para fins didáticos, além de possuir o espaço favoritos pessoais onde
os clientes poderão salvar, dentro do site do Sebrae, os casos de sucesso de seu maior
interesse

A Gestão do Conhecimento
A partir das 80 experiências empreendedoras de todo o país, contempladas na primeira etapa
do projeto – 2002/2003, serão inseridos em 2004 outros casos de estudo, estruturados na
mesma metodologia, compondo um significativo banco de dados sobre pequenas empresas.

Esta obra tem sido construída com participação e dedicação de vários profissionais, técnicos
do Sebrae, consultores e professores da academia de diversas instituições, com o objetivo de
oportunizar aos leitores estudar histórias reais e transferir este conteúdo para a gestão do
conhecimento de seus atuais e futuros empreendimentos.

Mara Regina Veit


Gerente de Atendimento e Tecnologia do Sebrae/MG, Coordenadora do Sebrae da Prioridade
Potencializar e Difundir as Experiências de Sucesso 2002/2003, Concepção do Projeto Desenvolvendo
Estudo de Casos e Organizadora do Livro Histórias de Sucesso – Experiências Empreendedoras.
Pedagoga, Pós-graduada:Treinamento Empresarial/PUCRS, Administração/ UFRGS, MBA/ Marketing-
FGV/Ohio, Mestranda Administração/FUMEC-MG, autora do livro Consultoria Interna - Use a rede de
inteligência que existe em sua empresa. Ed. Casa Qualidade - 1998.
PACOVÁ – JÓIAS DO MATO GROSSO
MATO GROSSO

INTRODUÇÃO

E m um antigo estábulo da Fazenda Arca Agropecuária, localizada


em Tangará da Serra, a 250 km de Cuiabá, em Mato Grosso, Ângela
Carvalho, Fernanda Carvalho e Lúcia Garcia começaram a desenvolver
jóias e bijuterias com sementes da região.
C o l a res, pulseiras, brincos e cintos foram produzidos com sementes
de árvores, como jatobá, tamarindo, leocena, timbori, pino cuiabano,
entre outras. A maioria encontrada facilmente na própria fazenda.
Tudo começou informalmente até que, em 2000, surgiu o primeiro
pedido de uma representativa rede de lojas de São Paulo. O desafio
foi, então, organizar a produção para conquistar o mercado nacional e
garantir o espaço de Mato Grosso em âmbito internacional.

"E agora? Como vamos fazer? Será que vamos dar conta do recado?
Essas foram nossas perguntas e ansiedades. Percebemos que
precisávamos de orientação, pois estávamos desnorteadas", disse
Ângela.

Débora P. Lapinski, Coordenadora do Programa Sebrae de Artesanato do Sebrae Mato Grosso,


elaborou o estudo de caso sob a orientação de Sandra Regina H. Mariano, baseado no curso
Desenvolvendo Casos de Sucesso, realizado pelo Sebrae, Ibmec-RJ e PUC-RJ.

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003


PRIMEIRA ARTESÃ DO NÚCLEO PRODUTIVO DE SEMENTES DE PACOVÁ

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003

PRODUTOS DE SEMENTES FABRICADOS NO NÚCLEO


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EMPREENDEDORISMO SOCIAL POR FILOSOFIA

 ngela Ribeiro Carvalho é paulista e desde cedo tinha grande


disposição para ajudar o próximo, contribuir para o seu
desenvolvimento e, também, a preocupação de preservar a natureza.
Seu grande sonho sempre foi desenvolver um trabalho social.
Em 2000, descobriu em Mato Grosso uma oportunidade para
colocar em prática sua filosofia humanista de vida. De posse da
fazenda Arca Agropecuária, Ângela começou a procurar algo que
pudesse mostrar as belezas da terra matogrossense e, ao mesmo
tempo, propiciar meios para melhorar e oferecer novas perspectivas às
mulheres do campo.

SEMENTES DO FUTURO

 ngela observou que, na fazenda, havia muitas sementes de


espécies variadas, como jatobá, tamarindo, leocena, timbori, pino
cuiabano, entre outras. Outro encanto do Mato Grosso é a forte
influência da cultura indígena nas "coisas da terra". Ângela partiu, então,
para pesquisas, a fim de descobrir se isso poderia tornar-se um negócio.
Como sua irmã, Fernanda Carvalho, era designer de jóias, as duas
desenvolveram algumas peças com sementes da região. Participou
ainda da idealização desse projeto Lúcia Helena Calamari Garcia,
sempre disposta a criar e inovar.
Cada uma dava o seu palpite e, aos poucos, foram surgindo os
primeiros colares, brincos, cintos e pulseiras. Mostravam aos amigos e
parentes, como quem busca uma avaliação do produto, sempre abertas
a sugestões de melhorias.

Coordenação Técnica do Projeto: Débora P. Lapinski e Wanderley de Arruda.

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Amigas de outros países, com bons relacionamentos comerciais no


mercado exterior, contribuíram também para a aprovação de uma idéia
que poderia percorrer as tendências da moda.
Começaram a apare c e r, então, as primeiras encomendas de pessoas
conhecidas. Ângela, Fernanda e Lúcia viram que a idéia estava dando
certo e resolveram sair em busca da implantação de uma nova
proposta para as mulheres dos boiadeiros da fazenda.

A CATEQUESE

A s mulheres dos boiadeiros não tinham oportunidade de


trabalho na zona rural. Algumas trabalhavam como domésticas e, às
vezes, não chegavam a ganhar um salário mínimo por mês. Eram
depressivas e sentiam-se excluídas da sociedade. Traziam consigo o
sonho de ir para a cidade.
Ângela e Lúcia passaram então a desenvolver um trabalho com
essas mulheres, sensibilizando-as de que, com a confecção de
bijuterias com as sementes da região, elas poderiam mudar de vida,
sentirem-se mais valorizadas e divulgar uma nova arte no campo.

"Íamos de casa em casa conversar com as mulheres. Elas nos


olhavam com ar de desconfiadas, como quem dizia: bijuteria na
zona rural? Catar sementes? Isso é um absurdo! Que maluquice é
essa? Quem vai comprar isso aqui nesse fim de mundo?", re l e m b ro u
Ângela em um de seus percursos.

Lucilene Firmino Melo, mais conhecida por Lene, foi a primeira


mulher a aceitar o desafio e começar a contagiar as demais. Mais uns
dias e duas, três, quatro, dez mulheres estavam envolvidas com a idéia.
Passaram a aprender a produzir peças com sementes, verdadeiras jóias.
Já se via o brilho nos olhos daquelas mulheres que, agora, orgulhosas,
tinham um novo ofício.
"Nós estamos virando uma árvore, e eu sou um dos frutos", afirmou Lene.
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O NASCIMENTO DA PACOVÁ

C hegou o momento de nomear esta idéia que trazia uma


alternativa de vida para as pessoas do campo e, ao mesmo tempo,
valorizava a matéria-prima abundante na região. Nasceu aí a Pacová,
um núcleo produtivo de mulheres de boiadeiros que transformava as
sementes do cerrado e médio norte de Mato Grosso em arte – uma
atividade lucrativa e inovadora.
Esse nome foi escolhido por identificar uma espécie da família da
bananeira, abundante na região, que propicia sombra e umidade às
árvores secundárias, como jatobá, uma das produtoras das sementes
utilizadas na confecção das jóias. Essa característica de auxiliar na
germinação das árvores simboliza toda a filosofia do projeto concebido
por Ângela – desenvolver e valorizar as pessoas, propiciando seu
crescimento.
Um antigo estábulo da fazenda foi o cenário da realização do
sonho dessas mulheres.

"Os visitantes da fazenda interessavam-se muito mais pela arte das


mulheres dos boiadeiros, queriam conhecê-las, vê-las trabalhando,
do que pela criação de gados", afirmou Ângela.

Com o tempo, os filhos dos boiadeiros passaram também a fazer


parte da Pacová. Na zona rural, geralmente, os meninos, na faixa etária
dos 16 anos, queriam ganhar um dinheiro, porém não podiam ajudar
os pais no trabalho de boiadeiro, por ser uma atividade pesada, muito
cansativa, e nessa idade acabavam desistindo dos estudos para
procurar outro tipo de trabalho.
Para fazerem parte da Pacová, tiveram de aceitar alguns critérios.
Trabalhar no núcleo durante o dia e estudar à noite. O aluno que fosse
reprovado na escola não continuaria no núcleo. Trabalhar e estudar –
essa foi a proposta que quatro meninos, entre 16 e 19 anos, aceitaram
como desafio para conquistar uma profissão.
O ateliê, o antigo estábulo da fazenda, foi reprojetado para alojar
os integrantes do núcleo. Cada um tinha seu quarto, suas responsabilidades
de casa e da escola.

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Em um vilarejo próximo a Tangará da Serra, chamado Saloba,


garotos começaram a catar sementes e vendê-las à Pacová.
As conquistas foram surgindo, no entanto, cada nova etapa trazia
uma problemática a ser resolvida.

AS DIFICULDADES

P ass ada a f ase de buscar a maté ria-prima, considerada


inicialmente absurda pelas mulheres, enfrentaram a necessidade de
encontrar novas formas de furar as sementes, para não machucar o
dedo dos meninos, para não demorar o dia todo furando poucas peças
etc. Pesquisaram maquinários que pudessem facilitar o processo.
Com tanta divulgação boca a boca, por amigos e parentes de São
Paulo e Rio de Janeiro, no final de 2000, surgiu o primeiro grande pedido
para a Pacová, de uma representativa rede de lojas de São Paulo: 50 colares
de sementes, com alguns detalhes em prata, agregando valor maior à peça.
Nessa época, o núcleo contava com dez pessoas, entre as mulheres
e os filhos dos boiadeiros. No entanto, o espírito de cooperação não
havia se instalado ainda no grupo. Cada um fazia o seu trabalho, sem
buscar ajudar o outro a melhorar o seu processo. Aliás, não havia uma
divisão exata das etapas no processo produtivo. Todos faziam de tudo.
Não era possível identificar quanto tempo levava cada etapa e, com
isso, precisar quanto tempo levariam para entregar certa encomenda.
Outra dificuldade era saber como armazenar as sementes e como
tratá-las para evitar o aparecimento de fungos, pois, com a umidade,
as peças começaram a apresentar carunchos nas sementes.
Como a freqüência e o volume dos pedidos foram aumentando, as
idealizadoras da Pacová passaram a ficar preocupadas com a informalidade
do núcleo. Não sabiam que caminho seguir, registrar ou não, como
constituir uma cooperativa, uma associação ou uma empresa.

"E agora? Novamente a pergunta: O que fazer? Precisamos de ajuda",


disse Ângela.

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EM BUSCA DO CAMINHO

E m abril de 2002, Ângela tomou conhecimento do Programa de


Artesanato desenvolvido pelo Sebrae/MT, em parceria com a PROSOL
– Fundação de Promoção Social do Estado, que objetiva orientar os
artesãos para uma atitude empreendedora, fortalecendo a geração de
emprego e renda. Foi até a Agência do Sebrae, em Tangará da Serra,
a fim de buscar esse apoio na organização da Pacová, projeto que já
fazia parte da vida das mulheres e filhos dos boiadeiros.
Agentes do Sebrae, juntamente com o designer Javier Eduardo Lopez,
fizeram uma visita ao local para diagnosticar a situação, constatando o
seguinte:

1) O grupo contava com 10 pessoas trabalhando, porém de forma não


organizada em processo. Todos faziam de tudo e não havia um real
comprometimento com cada etapa da produção. Não havia sinergia.

2) Encomendas começaram a surgir, no entanto, a formação dos pre ç o s


para a comercialização era feita de maneira rudimentar, e não sabiam
quanto obtinham de lucro com determinado pedido.

3) Precisavam sair da informalidade. O grupo não sabia que caminho


seguir: constituir uma cooperativa, associação ou empresa.

4) Desconheciam técnicas de armazenamento, conservação, secagem e


prevenção de insetos e fungos nas sementes.

5) A p resentavam deficiências nos processos gerenciais e administrativos


do núcleo.

6) Do ponto de vista do d e s i g n, alguns aspectos precisavam ser


melhorados, visando à padronização dos produtos. Embalagem e
etiqueta já existiam, porém também necessitavam de melhorias.

Em junho de 2002, foi contratada a técnica e artista plástica Magna


Domingos para, diante das dificuldades do grupo, traçar um plano

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estratégico, que contou com o envolvimento de todos em sua concepção,


para reverter esta história.
Durante este primeiro trabalho, os artesãos foram sensibilizados
sobre a importância de se trabalhar em conjunto. Entenderam e
vivenciaram que um precisava do outro, que se o responsável pelo
processo de selecionar as sementes atrasasse, a produção também
atrasaria e, possivelmente, uma encomenda não seria entregue no prazo.

"Antes não havia o envolvimento do grupo. Tínhamos de ficar o


tempo todo falando para os meninos: não desperdicem sementes,
olhem, tem uma caída aqui no chão. Depois do primeiro curso
com o Sebrae/MT, em parceria com a PROSOL, o grupo galopou.
Teve um salto muito grande e já podemos ver o relacionamento se
fortalecendo entre eles. Já organizamos também uma linha de
p rodução e isso aumentou nossa capacidade de atender às
encomendas", disse Lúcia Garcia.

"Fazemos ainda um rodízio das pessoas na linha de produção,


para que não se cansem e diminua a qualidade", comentou Patrícia
Maria de Carvalho Castilho Silva, sobrinha de Ângela e atual
responsável pela área financeira do núcleo.

Após o despertar do espírito de cooperação entre eles, os artesãos


passaram a se sentir mais importantes no grupo. Magna, então, volta
em um segundo momento para mais uma etapa: oferecer ferramentas
para uma melhor gestão do negócio: planejamento, comunicação,
marketing, gerenciamento, todos esses temas passam a fazer parte do
contexto dos artesãos.
As dinâmicas e a reflexão sobre cada nova etapa do trabalho
sempre produziam algo diferente em cada artista do núcleo. Lene, por
exemplo, obteve um aprendizado muito forte em uma das vivências
com o grupo e isso ela levou para sua vida pessoal também, no seu
ambiente familiar.

"Durante muito tempo na minha vida, eu escondi uma coisa do


meu filho. Eu e meu marido escondemos. Não tínhamos coragem
de contar a verdade a ele. Mas depois que eu assisti àquele filme do
Alpinista, e discutimos a mensagem que transmitia para nós, eu
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cheguei em casa, falei com meu marido, e disse que aquele era o
dia do nosso filho saber toda a verdade. E contamos. Não tivemos
medo de dizer a verdade. Nosso filho aceitou muito bem e
choramos juntos, nos abraçamos. Estou aprendendo que precisamos
dizer a verdade, o que pensamos, pois podemos contribuir para o
crescimento do outro. Não podemos enganar nosso colega de
trabalho. Se ele está fazendo uma peça malfeita, sem qualidade,
temos de falar a verdade e ajudá-lo também, e não ficar com medo
do que ele vai pensar ou como vai reagir", relembrou Lene.

Os avanços de fato surgiam a cada dia. Semanalmente, o grupo


organizava uma reunião para o planejamento do período: disseminar
os pedidos, estabelecer prazos, exigências do cliente, design, novas
coleções e, para o crescimento pessoal, sempre traziam algum texto
para reflexão, ou até mesmo um depoimento era oportuno, visando
fortalecer o outro. De tudo um pouco era falado ali. Era o espaço deles
e, a cada semana, um conduzia a reunião.
Em uma dessas reuniões, percebeu-se a vontade de se ter uma
atividade de lazer no grupo. Durante um tempo, aulas de capoeira
foram ministradas aos meninos da fazenda.

A FORMALIZAÇÃO

J oão Luís Derkoski, consultor atuante na área de custos e


cooperação do Programa de Artesanato, foi contratado para auxiliar o
grupo a formar o preço de custo e identificar o preço de venda para o
mercado. De posse desse conhecimento, os artesãos constataram que
estavam perdendo em vez de lucrarem. Outra consultoria realizada por
João Luís foi sobre os principais aspectos da abertura de uma associação,
cooperativa e empresa, com suas vantagens e desvantagens.
Aos poucos, o grupo foi amadurecendo e já não entendia aquele
negócio como um relacionamento de patrão e empregado, mas de

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cooperação. Surge, então, a semente para esta árvore crescer rumo à


constituição de uma cooperativa. Documentos começam a ser
encaminhados, regimentos, estatutos, divisão de tarefas, lucros de
acordo com a produção de cada um.

TECNOLOGIA PARA A PRODUÇÃO

C omo forma de buscar melhorias tecnológicas para a Pacová, a


área de Tecnologia do Sebrae/MT foi acionada para intervir no
processo.
Em agosto do mesmo ano, o consultor Marcelo Lubas entra em
cena para diagnosticar o fator determinante da existência de umidade
nas sementes, o que ocasionava o aparecimento de fungos e
carunchamento nas peças.
Os problemas detectados foram:
a) Carunchamento das sementes.
b) Inexistência de um sistema de secagem das sementes, pois o
p rocesso é lento, feito em ambiente aberto, torn a n d o - s e
dependente da boa sorte de um dia ensolarado.
c) Perda de até 30% de determinados tipos de sementes na etapa
de classificação final, pré-produção.
d) Ferramentas inadequadas na furação, provocando quebras das
cascas ao redor dos furos, o que ocasionava perda das sementes
que estavam sendo trabalhadas.
e) Desidratação das sementes feita de maneira incorreta.
f ) A r m a z e n a m e n t o i n a d e q u a d o de s e me n t e s , e m p o t e s
improvisados.

O consultor fez um levantamento de todos os procedimentos pré-


colheita das sementes, lavagem, pré-secagem, classificação, aplicação
de produto conservante, acondicionamento e armazenagem das
sementes, segunda secagem, fabricação e acondicionamento das peças
prontas.

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Analisou e testou diferentes métodos, propondo a melhor solução


para a secagem das sementes: uma estufa, adaptada à realidade
daquele núcleo, para solucionar a existência da umidade. Foi assim
implantada e colocada à disposição dos criadores da Pacová.
Aos poucos, os artesãos foram se familiarizando com as novas
formas de trabalho, visando à garantia da qualidade final das peças. A
linha de produção é organizada e cada um passou a lucrar de acordo
com sua produtividade.
Brincos, colares, pulseiras e cintos foram as primeiras peças. Hoje,
além dessas, a Pacová já desenvolveu bolsas, coletes, anéis, decoração
em espelhos, chapéus, sandálias, sempre agregando elementos novos
para ressaltar a beleza da peça. A prata, o chifre de boi e madrepérolas
são exemplos disso. É uma mistura interessante entre a tradição de um
povo nativo e o que ditam os designers de jóias.

"Na coleção da Pacová, existem brincos compridos para uma ou as


duas orelhas, exatamente como está na moda. Outra tendência
para o verão é o uso de jóias com madrepérolas", destacou a
famosa estilista Glória Kalil.

Em se tratando de tendências, a Pacová já chegou a estudar peças


produzidas com sementes que pudessem ser agregadas a roupas.
Outro produto desenvolvido pelo núcleo foi um marcador de
páginas, utilizando madeira seca, extraída de árvore da região, cultivada
de forma ecologicamente correta, trabalhando com os ícones de Mato
Grosso. Os símbolos selecionados pelo grupo fazem parte do sítio
arqueológico do norte do estado, pesquisados pelo designer italiano,
Giulio Vinaccia, contratado pelo Sebrae/MT, juntamente com a
PROSOL, para identificar, resgatar e consolidar em um manual os
grafismos que contam a história do estado.

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CONCLUSÃO

O grupo que, antes do Programa de Artesanato, contava com 10


pessoas, sete meses depois passou a contar com 35. No início, produziam,
em média, 200 peças por mês; com a evolução, entraram na casa das
2.000. Os clientes, que se restringiam a amigos e parentes, passaram a
atingir as grandes redes de lojas de São Paulo e Rio de Janeiro, como
Osklen, Chocolate, Pão de Açúcar, Museu de Arte Moderna, Brasília
Arte, entre outras lojas de artesanato. Amigos da Itália, Inglaterra e
Espanha também ampliaram lá fora o mercado dessas jóias que estão
conquistando o mundo.
Unindo os traços da cultura indígena às tendências da moda, as
jóias da Pacová desfilam nas passarelas do Rio de Janeiro.
Em outubro de 2002, fizeram parte do Programa Parceiros do
Brasil, realizado pelo Sebrae Nacional. Glória Kalil, uma das consultoras
de moda mais concorridas do país, acompanhou as filmagens na Pacová
e foi a apresentadora do caso.

"Depois desta divulgação na TV, contando a nossa história, os


meninos e as mulheres sentem-se importantes, valorizados. É
impressionante como eles respeitam a profissão agora. Tivemos
encomendas sim, com esta participação. No entanto, para mim, só de
ver a mudança que causou no comportamento e no interior de cada
artesão do grupo já valeu um mundo", disse Ângela, emocionada com
os avanços dos frutos da Pacová.

Um novo desafio para o grupo é fazer um horto na fazenda com as


sementes que utilizam na produção das jóias, bijuterias e demais peças.

"Precisamos preservar o que é nosso", ressaltou Ângela.

Com tanta procura pelas peças, Fernanda passou a morar em São


Paulo. Ficou responsável pelos contatos, negociações e desenvolvimento
das coleções e pelo encaminhamento dos pedidos para o núcleo
produzir. Patrícia, cursando o terceiro semestre de Administração, foi a
escolhida para gerenciar a área financeira da Pacová. Lúcia e Ângela

HISTÓRIAS DE SUCESSO - EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS EDIÇÃO 2003


PACOVÁ – JÓIAS DO MATO GROSSO - MT 13

ficaram no acompanhamento da produção e contatos mais próximos


do estado e dando suporte à Fernanda.
Assim, elas contavam satisfeitas uma nova história.
"Se não fosse o Sebrae/MT, com o Programa de Artesanato, nós
não estaríamos com esta estrutura que estamos agora", reafirmou
Ângela, feliz com os rumos de seu sonho.

PONTOS PARA DISCUSSÃO

• Quais seriam as alternativas de exportação para as "jóias do Mato


Grosso"?
• Será que o projeto só foi possível, porque Ângela era uma humanista?
• Sendo Ângela uma empreendedora, não só no sentido econômico
mas social, apresente alternativas para disseminar esse modelo de
núcleo produtivo em outros locais. Seria possível expandir? Como?

Diretoria Executiva do Sebrae Mato Grosso (2002): Eneida Maria Costa Leite, José Guilherme
Barbosa Ribeiro e Leide Garcia Novaes Katayama.
Agradecimentos:
Ângela Ribeiro Carvalho - Idealizadora do Projeto Pacová em PACOVÁ; Blairo Borges Maggi -
Governador do Estado de Mato Grosso; Diretora da PROSOL; Elvira Maria Costa Leite -
C o o rdenadora Estadual do Programa de Artesanato da PROSOL; Eneida Maria de Oliveira -
Diretora Administrativo-financeira do Sebrae/MT; Guilherme Luiz Alves Teixeira - Gerente da
Unidade de Desenvolvimento Setorial do Sebrae/MT; Iraci Araújo Moreira - Vice-governadora
do Estado de Mato Grosso e Presidente do Programa de Artesanato de Mato Grosso; Jandir José
Milan - Presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae/MT; Javier Eduardo Lopez - Designer do
Programa de Artesanato; João Luís Derkoski - Consultor da Área Financeira e de
Cooperativismo do Programa de Artesanato; José Guilherme Barbosa Ribeiro - Dire t o r-
superintendente do Sebrae/MT; José Valdir Santiago Júnior - Gerente da Unidade de Tecnologia
do Sebrae/MT; Leide Garcia Novaes Katayama - Diretora-técnica do Sebrae/MT; Magna
Domingos - Facilitadora do Programa de Artesanato; Marcelo Lubas - Consultor da área
tecnológica do Programa de Artesanato; Mariam Fujica Adachi Oliveira - Líder Prioridade
Potencializar e Difundir Experiências de Sucesso, Sebrae/MT, Marta Regina To rezam - Assessora
de Comunicação e Marketing do Sebrae/MT; Nilda Evangelista Lima - Coordenadora de
Capacitação do Programa de Artesanato do Sebrae/MT; Presidente da PROSOL; Rita Comini -
Assessora de Imprensa do Sebrae/MT; Tharley de Barros Teixeira - da Assessoria de
Comunicação e Marketing do Sebrae/MT; Todos os artesãos do núcleo Pacová e Wanderley de
Arruda - Gerente da Agência de Tangará da Serra do Sebrae/MT.

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