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Citado in José Martins – “Os Limites do Irracional – globalização e crise econômica mundial” – Editora
Fio do Tempo, São Paulo, 1999, pg.291.
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a sua produção, mas isso não mexerá um milímetro da inabalável rigidez de sua
produtividade sistêmica. Esta regra, que estamos repetindo ipsis litteris há um bom
tempo é perfeitamente comprovada em investigações de dois excelentes economistas
argentinos.2 Kennedy e Graña concentram suas investigações “no estudo da evolução
dos determinantes dos ciclos econômicos na Argentina, observados na participação
assalariada, nos salários reais e na produtividade, para o conjunto da economia.” E
chegam a importantes conclusões: em primeiro lugar, na Argentina a taxa de lucro
esteve crescentemente relacionada mais com a queda do salário real do que com o
aumento da produtividade. Essa forma de valorização do capital nas manufaturas
através da extração de mais-valia absoluta é uma clara tendência observada pelos
autores desde os anos setenta, pelo menos.
Essa reviravolta no processo de valorização é crucial na economia e na
sociedade argentina, como veremos mais a frente. Mas por que essa nova forma de
mais-valia e a profunda deterioração do salário real na Argentina? Kennedy e Graña
fazem o diagnóstico correto de que esse processo encontra-se implícito na evolução
histórica recente da economia argentina, observando que nestes últimos quarenta anos
“a menor produtividade relativa da economia nacional e sua débil evolução implica
maiores custos relativos para as empresas capitalistas que devem ser compensados para
continuarem funcionando. A variável de ajuste é claramente o salário real... Para o
conjunto da economia a acumulação do capital encontrou uma fonte de ‘financiamento’
na deterioração do salário real, fonte que representa, desde meados dos anos setenta,
uma porção cada vez maior do lucro total.”
Esse processo de fragilidade produtiva pode ser mais bem visualizado
comparando-se a evolução dos salários reais e produtividade na Argentina e Estados
Unidos no longo prazo.
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Damián Kennedy e Juan M. Graña – “Salarios y productividad en la industria argentina. Perspectivas a
partir de una mirada histórica.” – Centro de Estudios sobre Población, Empleo y Desarrollo
(CEPED) – Universidad de Buenos Aires, 2013.
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sistêmica”, essa característica histórica das economias dominadas, onde predomina a
mais-valia absoluta. Enquanto a produtividade argentina não cresceu mais que 68%
entre 1970 e 2008, a norte-americana foi impulsionada em 312%.
Portanto, a elevada brecha de produtividade atualmente observada entre as duas
economias iniciou-se e ampliou-se apenas nas últimas quatro décadas. Observando-se a
evolução entre 1950 e 2008, verifica-se que o incremento é relativamente menor, pois
enquanto a produtividade da indústria argentina expandiu em 319%, a estadunidense
expandiu em 560%. Em outros termos, enquanto a relação entre o crescimento das duas
indústrias para a todo o período é de 1,75 a favor dos EUA, quando se considera o
subperíodo 1970-2008 tal relação sobe para 4,6 vezes.
No mesmo sentido, enquanto o salário real na indústria argentina caiu 30%
entre 1970 e 2008, nos EUA essas remunerações reais elevam-se em torno de 40%. Se
for considerado todo o período 1950-2008, o salário real cai 11% na indústria argentina
e expande 129% na estadunidense. Essa evolução histórica dos salários e produtividade
revela aquele pesadíssimo câmbio da valorização do capital na Argentina da mais-valia
relativa para a mais-valia absoluta.
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aceleradamente, jogando a classe operária daquele país no inferno da exploração, das
guerras, das variadas doenças da civilização e da loucura. A miséria e a exploração
fundem-se dialeticamente na unidade das duas formas de extração da mais-valia
(absoluta e relativa) e se realizam na totalidade do mercado mundial e da divisão
internacional do trabalho. Essa é a base real do desenvolvimento desigual e combinado
da acumulação capitalista global. Na hierarquia dessa totalidade, a Argentina cumpre
função subalterna e de baixa competitividade no comércio internacional. Torna-se
progressivamente menos competitiva frente às economias melhor preparadas.
A consequência necessária desta baixa produtividade é que seus preços de
produção estão continuamente se elevando na Argentina relativamente aos dos EUA.
Essa perda de competitividade ameaça a própria existência da indústria com a avalanche
de importações de mercadorias até então produzidas internamente. Para o capital
continuar existindo, a perda crônica de competitividade deve ser compensada
fundamentalmente por um profundo rebaixamento dos salários reais. É exatamente a
saturação dessa compensação à baixa produtividade que se manifesta periodicamente na
superfície do processo como súbitas desvalorizações cambiais. Na Argentina, estas
desvalorizações e consequentes crises cambiais, que ocorrem na esfera da circulação do
capital comercial e financeiro, apenas sancionam aquela crescente brecha de
produtividade entre a economia doméstica e a norte-americana, fato que se desenrola na
esfera da produção.
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entre renda e lucro passa a ser um importante fator da estagnação produtiva nacional.
Depois da explosão da conversibilidad de Cavallo, em 2002, não houve nenhuma
transformação do aparelho produtivo nacional, mas uma proliferação de capitais na
forma de pequenas e médias empresas de baixíssima produtividade. Isso projeta um
aumento ainda maior da brecha produtiva com os Estados Unidos e outras economias
melhor preparadas. E levará necessariamente a uma pressão constante pela
desvalorização da taxa nominal de câmbio para manter o nível de atividade e do
emprego no país. Só uma elevação dos preços internacionais de matérias primas
(commodities), como ocorrido até 2011, poderia funcionar como um contrapeso para
manter a indústria a tona. Mas nas condições do ciclo global em curso essa elevação de
preços das commodities é muito improvável, exatamente porque a diminuição dos
preços das matérias primas é um importante fator de sustentação da taxa de lucro e de
acumulação no centro do sistema.