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Texto ............................................................................................................................................................. 1
Ementa do componente curricular ...................................................................................................... 3
Bibliografia básica..................................................................................................................................... 3
Bibliografia complementar .................................................................................................................... 3
Análise da ementa ..................................................................................................................................... 3
Possíveis questões levantadas em sala de aula................................................................................ 4
Referências ............................................................................................................................................. 4
Contrato pedagógico ................................................................................................................................ 5
Pontualidade .......................................................................................................................................... 5
Fone de ouvido e celular..................................................................................................................... 5
Água, sanitário e comida .................................................................................................................... 5
Ar condicionado .................................................................................................................................... 6
Material didático, justificativas de falta e pedidos de segunda chamada ............................ 6
Quadro ..................................................................................................................................................... 6
Avaliação ................................................................................................................................................. 6
Texto A ......................................................................................................................................................... 7
Referência ............................................................................................................................................ 10
A Epistemologia genética de Jean Piaget ........................................................................................ 11
Equilibração majorante ................................................................................................................... 11
Estágios de Desenvolvimento ........................................................................................................ 12
Referência ............................................................................................................................................ 12
Texto B....................................................................................................................................................... 13
Introdução ........................................................................................................................................... 13
A hipótese em ciência ....................................................................................................................... 13
A experiência científica .................................................................................................................... 15
A concluir ............................................................................................................................................. 20
Referências citadas pelos autores do texto ............................................................................... 20
Referência ............................................................................................................................................ 21
Questões para discussão ................................................................................................................. 22
Texto C ....................................................................................................................................................... 23
Interação aprendizagem-desenvolvimento: a zona de desenvolvimento proximal ..... 25
A contribuição de Vygotsky ............................................................................................................ 26
O conceito de internalização: a lei da dupla ação .................................................................... 28
Formação de conceitos .................................................................................................................... 30
Formação de conceitos espontâneos ........................................................................................... 31
Formação de conceitos científicos................................................................................................ 32
.
Implicações educativas ..................................................................................................................... 33
Referência ............................................................................................................................................. 34
Texto D ....................................................................................................................................................... 35
Visão Geral............................................................................................................................................ 35
Condições para a aprendizagem significativa ........................................................................... 40
O papel da estrutura cognitiva ....................................................................................................... 41
Os subsunçores ................................................................................................................................... 42
Os primeiros subsunçores ............................................................................................................... 42
Os organizadores prévios ................................................................................................................ 43
Aprendizagem significativa x aprendizagem mecânica.......................................................... 44
Aprendizagem receptiva x aprendizagem por descoberta .................................................... 45
Formas e tipos de aprendizagem significativa .......................................................................... 46
Esquecimento e reaprendizagem ..................................................................................................48
Página 2 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
TEXTO
O SUFICIENTE
A filha respondeu:
Página 1 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Mãe, nossa vida juntas tem sido mais do que suficiente. O seu amor é tudo de que
sempre precisei. Eu também desejo o suficiente para você.
Elas se beijaram e a filha partiu. A mãe passou por mim e se encostou na parede. Pude
ver que ela queria, e precisava, chorar. Tentei não me intrometer nesse momento, mas
ela se dirigiu a mim, perguntando:
Já − respondi. − Me desculpe pela pergunta, mas por que foi um adeus para sempre?
Estou velha e ela vive tão longe daqui. Tenho desafios à minha frente e a verdade é
que a próxima viagem dela para cá será para o meu funeral.
Quando estavam se despedindo, ouvi a senhora dizer "Desejo o suficiente para você".
Posso saber o que isso significa?
É um desejo que tem sido passado de geração para geração em minha família. Meus
pais costumavam dizer isso para todo mundo. Ela parou por um instante e olhou
para o alto como se estivesse tentando se lembrar em detalhes e sorriu mais ainda. −
Quando dissemos “Desejo o suficiente para você”, estávamos desejando uma vida
cheia de coisas boas o suficiente para que a pessoa se ampare nelas.
Desejo a você sol o suficiente para que continue a ter essa atitude radiante.
Desejo a você chuva o suficiente para que possa apreciar mais o sol.
Desejo a você felicidade o suficiente para que mantenha o seu espírito alegre.
.
Desejo a você dor o suficiente para que as menores alegrias na vida pareçam muito
maiores.
Desejo a você que ganhe o suficiente para satisfazer os seus desejos materiais.
Desejo a você perdas o suficiente para apreciar tudo que possui.
Desejo a você “alôs” em número suficiente para que chegue ao adeus final.
Ela começou então a soluçar e se afastou. Dizem que se leva um minuto para encontrar
uma pessoa especial, uma hora para apreciá-la, um dia para amá-la, mas uma vida
inteira para esquecê-la.
Página 2 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Nome:
Ficha
Licenciatura Plena em Química Professor: Charles Turuda
Campus Vitória de Santo Antão
01
DCN500 – Didática das Ciências Naturais 10.03.2017
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
Página 3 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
ASTOLFI, J. P.; DEVELAY, M. A didática das ciências. 5a ed. Campinas: Papirus, 1999.
BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil?, v. 1. 2a ed. São Paulo: Ática, 2000.
CACHAPUZ, A. et al (Org.). A necessária renovação do Ensino das Ciências. São Paulo:
Cortez, 2005.
MARANDINO, M. Ensino de ciências e cidadania. São Paulo: Moderna, 2004.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ANÁLISE DA EMENTA
O conhecimento da didática das ciências naturais é uma das qualidades que constituem a
identidade do professor dessas ciências. Esse conhecimento diferencia um licenciado em
Química de um professor de História e de um bacharel em Química.
Referências
FOUREZ, G. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São
Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 2011.
SCHWARTZ, Suzana. Processo ensino-aprendizagem? Disponível em:
<www.academia.edu/8999591/Ensino-Aprendizagem>. Acesso em: 10 mar. 2017.
Nome:
Ficha
Licenciatura Plena em Química Professor: Charles Turuda
Campus Vitória de Santo Antão
02
DCN500 – Didática das Ciências Naturais 17.03.2017
CONTRATO PEDAGÓGICO
Pontualidade
Página 5 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Atrasos para a aula devem ser evitados ao máximo, pois, dentre outros motivos, algumas
avaliações ocorrerão necessariamente nos primeiros minutos da aula. A entrada
constante de pessoas na sala de aula, após o início das atividades, atrapalha
imensamente o trabalho do professor. Atrasos na entrega de avaliações enviadas para
serem feitas em casa implicam perda de pontuação.
O uso de fone de ouvido durante a aula nunca é permitido. Mesmo que o aparelho
sonoro esteja desligado, deve-se tirar os fones do ouvido. Mesmo que se esteja
realizando uma atividade com exercícios em sala de aula, o uso de fones para escutar
música não é permitido. Quando precisar atender a ligações telefônicas por celular,
deve-se pedir licença e sair da sala para atender. O uso do celular e de afins em sala de
aula é restrito a fins pedagógicos tais como: utilização da calculadora para cálculos em
exercícios realizados, anotações de compromissos relacionados à aula, uso da câmera
fotográfica para fotografar as anotações no quadro realizadas pelo professor, acesso à
internet para realização de pesquisas solicitadas em sala de aula. Jamais usar o celular
para acessar redes sociais em sala de aula, fora do contexto pedagógico. Se o estudante
insistir nesse tipo de atitude infantil, o professor irá tratar esse estudante como criança
e reter o aparelho até o término da aula. O professor de Didática das Ciências Naturais
(DCN) não autoriza o uso de sua voz ou de sua imagem, exceto para fins de pesquisa,
com autorização escrita do mesmo.
Permite-se o porte de garrafas com água e a ingestão do líquido (ou similares) durante a
aula. Deve-se, entretanto, evitar líquidos contendo açúcar. Se fluidos assim forem
derramados na sala, o próprio estudante que levou o líquido para dentro da sala deve
providenciar a limpeza do ambiente, assim que a aula terminar. Sair da aula para beber
água ou encher a garrafa com água deve ser evitado, pois qualquer movimento de
.
entrada e de saída atrapalha o trabalho pedagógico. O estudante sempre pode sair para
ir ao sanitário durante as aulas. Pede-se, entretanto, que informe o motivo da saída
discretamente ao professor. Em momentos de avaliação, a saída para o sanitário deve
ocorrer antes de receber a avaliação para resolução ou após a devolução ao professor da
mesma. Comer dentro da sala de aula é proibido. A única exceção é quando for
combinado algum lanche coletivo. Se não houver tempo para terminar a refeição,
deve-se terminá-la do lado de fora da sala, junto à porta da sala de aula.
Ar condicionado
Cada estudante tem direito a uma cópia do material didático. Se o estudante faltar, pode
solicitar ao professor aquilo que foi distribuído no dia em que se ausentou. Segundas
cópias de material didático são de responsabilidade do estudante. Matrizes desse
material ficam disponíveis na reprografia do campus, na pasta do professor.
Justificativas de falta e pedidos de segunda chamada têm um prazo máximo de uma
semana após o evento perdido (avaliação ou aula). Isso é importante para que o
professor possa tomar as providências cabíveis. Concedem-se justificativas de falta e
segundas chamadas de acordo com os casos previstos dentro da lei.
Quadro
Avaliação
TEXTO A
Página 7 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
I. Quanto aos dicionários e enciclopédias
É o adjetivo didático que primeiro aparece na Idade Média: em 1554, relata o Grand
Larousse encyclopédique. O termo vem do grego didaktitos e se aplica então a um
gênero de poesia que toma como assunto a exposição de uma doutrina, de
conhecimentos científicos ou técnicos.
Urge citar a Didactica magna, de Comenius – cuja edição tcheca data de 1649 e a
edição latina de 1657 –, a primeira tentativa sintética de constituição da pedagogia em
ciência autônoma, e para conceber o docente como “servidor da natureza”.
O advérbio didaticamente é admitido pela Academia em 1835, e o substantivo
masculino didatismo aparece em meados do século XIX.
Quanto ao substantivo feminino, a Didática, não figura nem no Darmstetter de 1888,
nem no Robert em 10 volumes, nem no Quillet em 6 volumes, nem no Larousse
encyclopédique em 1961 ou no seu suplemento, o Lexis de 1977. É o Robert de 1955 e o
Littré em sua edição de 1960 que citam a didática como “arte de ensinar”.
Assim podemos deduzir que em torno de 1955 o substantivo feminino didática
aparece formado para os catálogos de conhecimento. Ele remete de maneira geral ao
ensino, sem precisões particulares.
Assim encontra-se afirmado por volta dos anos 1980-1985 o lugar da didática,
integrando dois tipos de reflexão, de natureza epistemológica, e fundando por via de
consequência, sem ditá-las, possíveis práticas pedagógicas. A didática se distancia em
relação à pedagogia. Mas isso fica evidente? As reflexões didáticas e pedagógicas são
claramente distinguíveis?
2E. De Corte et al., Les fondements de l’action didactique, Bruxelles: De Boeck, 1979.
3André Giordan, Jean-Pierre Astolfi, Michel Develay et al. L’éleve et/ou Les connaissances scientifiques,
Berna: Peter Lang, 1983.
epistemologia e sua história. No segundo caso, não é menor o perigo de só levar em
conta a aprendizagem em sua dimensão mais geral e de voltar a uma didática
psicológica.
G. Mialaret, um dos três pais fundadores institucionais das ciências da educação com
M. Debesse e J. Château, propunha em 1976 um quadro de recapitulação das ciências da
educação que situa a didática como uma das componentes das ciências da relação
pedagógica.
O mesmo autor, quinze anos mais tarde, em 1982, num número da revista Les
Sciences de l’Education pour l’Ère Nouvelle, propõe uma nova classificação das ciências
da educação. As relações hierárquicas, desta vez, são invertidas: a didática inclui a
pedagogia e permite conceber as condições da transmissão, ou seja, a pedagogia. Uma
inversão do sentido da palavra didática foi então operada. Inicialmente, o adjetivo
correspondia a um método geral sem conteúdo particular. Atualmente, o substantivo
corresponde a uma implicação dos conteúdos e tem a ver com a apropriação de saberes
precisos.
Ph. Meirieu4 questiona-se sobre o lugar respectivo da didática e da pedagogia.
Conclui:
Página 9 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Através dos inúmeros debates que opõem a pedagogia centrada na criança e a
didática centrada nos saberes, refrata-se um problema filosófico muito antigo
junto com oposições que são estéreis – porque a aprendizagem é precisamente
a pesquisa – a prospecção permanente nessas áreas e o esforço para colocá-las
em contato. Seria preciso enfim, que se chegasse a deixar esse método que
consiste em pensar sempre sobre o modo da variação em sentido inverso, em
dizer que mais me interesso pelo aluno, menos me interesso pelo saber ou mais
me interesso pelo saber, menos me interesso pelo aluno...
4Philippe Meirieu, Pédagogie et didactique, in Didactique? Pédagogie Générale?, Nancy, MAFPEN, 1987.
5 Guy Avanzini, A propos de la didactique, in Didactique et didactiques aujourd'hui, Revue Binet-Simon,
n. 606, 1986.
.
reflexão pedagógica (aquela que se ancora mais ainda nas ciências da relação).
A reflexão didática permite nessa ótica traduzir em atos pedagógicos uma intervenção
educativa, sendo agora o docente um eterno artesão de gênio que deve contextualizar as
ferramentas que lhe propõe a pesquisa em didática em função das condições de suas
práticas.
Para J.-P. Astolfi6, nessa segunda ótica a abordagem didática trabalha:
Convém ainda precisar que a didática das ciências experimentais não se reduz ao
curso de ciências. Interessa-se por todas as situações de apropriação de saberes
científicos. O museu, a exposição, assim como os textos ou os documentos icônicos
constituem outros exemplos disso.
No quadro desta obra, nós nos interessaremos quase que exclusivamente pelas
situações de aprendizagem e de ensino escolares.
Referência
ASTOLFI, J. P.; DEVELAY, M. A didática das ciências. 5a ed. p. 7-13. Campinas: Papirus,
1999.
6Jean-Pierre
Astolfi, La didactique: c'est prendre de distances avec la pratique... pour mieux y revenir, in
EPS Contenus et didactique, Actes du Colloque, Paris: SNEP, 1986.
Nome:
Ficha
Licenciatura Plena em Química Professor: Charles Turuda
Campus Vitória de Santo Antão
04
DCN500 – Didática das Ciências Naturais 24.03.2017
Pode-se pensar a Epistemologia Genética de Jean Piaget como constituída de duas partes
importantes: a equilibração majorante e os estágios de desenvolvimento.
Equilibração majorante
Página 11 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
cognitivo, a homeostasia cognitiva. A formação inicial de Jean Piaget deu-se em Biologia
e, para criar a sua teoria, ele importou para a Psicologia a ideia biológica de homeostasia.
Biologicamente, a homeostasia, a busca ativa pelo equilíbrio, pode ser entendida pelo
exemplo da regulação da temperatura corporal humana. Por razões físico-químicas, a
temperatura ideal do corpo humano é próxima de 37 oC. As reações químicas que
envolvem a digestão, por exemplo, ocorrem com mais eficiência nessa temperatura. Para
manter essa temperatura ideal (o equilíbrio), o corpo atua constante e ativamente.
Estágios de Desenvolvimento
Referência
TEXTO B
Introdução
Este trabalho situa-se no quadro de um conjunto de três artigos articulados entre si,
a serem publicados na revista Educação & Ciência, e têm em vista discutir problemáticas
Página 13 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
ligadas à epistemologia do trabalho científico. O primeiro “Por uma imagem não
deformada do trabalho científico”, foi já editado e desenvolveu-se em torno de uma
crítica fundamentada às concepções, mais habituais, dos professores sobre tal trabalho,
apresentando uma extensa bibliografia capaz de ajudar a melhorar e organizar a sua
formação. O segundo encontra-se no prelo e refere-se à observação e à teoria científicas,
bem como à sua complexa relação, sendo aí focadas incidências para uma adequada
atuação do professor em nível das estratégias de ensino. O presente artigo, o terceiro, é
uma tentativa de resposta às questões e às dificuldades encontradas nas práticas letivas,
devido a posições epistemológicas marcadamente positivistas, no que diz respeito ao
estatuto da hipótese e da experimentação.
Na unidade enunciada nos três artigos, o que se procura é contribuir para uma
viragem na Educação em Ciência mais congruente com posições epistemológicas
contemporâneas.
A hipótese em ciência
Uma vez formulada a hipótese torna-se necessário, em seguida, a sua confirmação. Duas
vias são possíveis. A confirmação positiva e a negativa. No entanto, há que ter presente
que o processo de confirmação positiva nada nos diz sobre a verdade da hipótese, já que
esta pode ser falsa, mas confirmada. Porém, uma sistemática e persistente confirmação
positiva pode ajudar a tornar o trabalho científico mais apoiado e fazer progredir o
programa de investigação a ele associado.
Numa perspectiva do tipo popperiana, como nos refere Maskill & Wallis (1982)
tenta-se, através do método hipotético-dedutivo, “aproximar” a ciência dos cientistas da
ciência praticada na sala de aula. Assim:
a) o problema é percebido e compreendido como uma descontinuidade em relação
a uma teoria explicativa;
b) propõe-se, então, uma outra possível solução que é uma hipótese;
c) e deduzem-se proposições testáveis a partir da hipótese enunciada;
d) que, através de experiências e observações, cuidadosamente seguidas, conduzem
a tentativas de falsificação;
e) cuja escolha criteriosa se faz a partir da sua relação, em diálogo, com as teorias.
Trata-se de uma perspectiva que exige dos alunos grande capacidade criativa, assim
como um bom fundo teórico e espírito crítico. Se é certo que o professor tem que
providenciar essa excelente formação teórica, incitar a diferença e o pensamento
divergente, para levar a descobrir o que não é esperado, não é menos certo que a
exigência conceitual a par de processos científicos de elevada complexidade tornam as
situações de aula algo difícil. Para se mobilizar tais competências, capacidades e atitudes
com eficiência, torna-se necessário conhecer bem o contexto em que se opera e, neste
sentido, o domínio dos conteúdos científicos é um requisito fulcral para que tal possa
acontecer. As pessoas pensam e lidam de forma mais eficiente nos e com os problemas
cujo contexto e conteúdo conhecem melhor, são-lhes particularmente familiares.
O conhecimento científico é um constante jogo de hipóteses e expectativas lógicas,
um constante vaivém entre o que pode ser e o que “é”, uma permanente discussão e
argumentação/contra-argumentação entre a teoria e as observações e as
experimentações realizadas. No âmbito desta perspectiva, Bady (1979) realizou um
estudo sobre a compreensão dos alunos acerca da “lógica da testagem de hipóteses”, em
diversas escolas com alunos de diferentes anos de escolaridade. O autor verificou que
poucos alunos pareceram entender a lógica dos testes da hipótese e que menos da
metade dos alunos de escolas superiores conseguiram entender que as hipóteses podem
ser testadas por tentativas de falsificação. Uma conclusão do estudo, talvez a mais
importante, aponta para que “os alunos que acreditam que as hipóteses podem ser
testadas e provadas por verificação, parecem ter uma visão simplista e ingenuamente
absoluta da natureza das hipóteses científicas e da teoria. De fato, uma pessoa que não
perceba que as hipóteses científicas não podem ser logicamente provadas, mas apenas
desaprovadas, não percebe verdadeiramente a natureza da ciência”. A irrefutabilidade
deixa de ser um sinal, como tantas vezes é percebido pelos professores, de
superioridade e, segundo esta perspectiva, reside aqui o caráter dinâmico, a
possibilidade do conhecimento científico se desenvolver.
Um outro elemento que será necessário introduzir na discussão será o da luta
“contra a desconfiança progressiva na capacidade intelectual do aluno. A assunção de
que a educabilidade da inteligência é possível abre amplas perspectivas à elaboração,
intencional e sistemática, de estratégias metodológicas dirigidas ao desenvolvimento de
competências do pensar” (Santos & Praia 1992). Outra ideia que importa refere-se à
necessidade de reagir contra a tendência para considerar o erro como evidente.
Contudo, é necessário, neste contexto, considerá-lo como inevitável, discuti-lo,
questionar as suas razões para que nós possamos aproximar da verdade possível, de
Página 15 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
momento. Este processo tem de ser partilhado pelos pares, não ignorando o papel do
trabalho cooperativo e da “comunidade científica de alunos” que, em conjunto, procuram
soluções para os problemas colocados e, mesmo, por eles equacionados.
Está em causa, pois, uma mudança no papel do aluno; este passa de receptor
sobretudo de conteúdos científicos, a sujeito ativo na construção do seu próprio saber –
de conhecimento, quer conteudal quer processual. Isto exige-lhe um esforço do ponto de
vista conceitual, metodológico e atitudinal (Gil Perez, 1993) mais consentâneo com a
preconizada metodologia científica atual, que só é superável num ambiente escolar em
que o professor caminha, intencionalmente, a par das dificuldades do aluno. Porém, não
tem de seguir uma estratégia idêntica relativa ao pensar sobre as respostas a dar aos
problemas. Ele deve procurar, sim, incentivar os alunos a se conscientizarem das suas
dificuldades, a pensar sobre o porquê delas, estando atento aos obstáculos que se
colocam à aprendizagem, ou seja, deve ajudá-los e dar-lhes confiança para que se
possam exprimir num clima de liberdade, sem perda do rigor intelectual.
A experiência científica
Página 17 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
questionamento estamos convidando os alunos a desenvolverem-se cognitivamente,
num confronto de ideias com os seus pares, em que o resultado não só não está de
antemão conseguido, como tem que ser sempre olhado à luz dos seus quadros
interpretativos7.
No sentido de assinalarmos incidências da reflexão epistemológica da ciência no
trabalho experimental escolar, Cachapuz (1992) diz-nos que “uma sala de aula não é um
laboratório de investigação, pelo que as estratégias a adotar têm que ter legitimidade
quer filosófica quer pedagógica. Há pois que harmonizar estas duas dimensões”.
Por outro lado, Hodson (1990) considera que o trabalho experimental tal como é
conduzido em muitas escolas é de concepção pobre, confuso e não produtivo. Para ele,
muitos professores acreditam que o trabalho experimental ensina os estudantes sobre o
que é a ciência e a sua metodologia. Têm sido uns entusiastas ao acreditar que o
caminho para aprender ciência, os seus métodos e processos é “descobrir aprendendo”
ou “aprender fazendo”. Para aquele investigador em Educação em Ciência os professores
usam o trabalho experimental sem uma adequada reflexão, ou seja, mantêm o mito de
que ele é a solução para os problemas de aprendizagem em ambiente laboratorial. Esta
visão distorcida baseia-se em pressupostos epistemológicos, psicológicos e didáticos que
têm vindo a ser, progressivamente, postos em causa, ou seja, é uma visão que
corresponde a um programa em regressão epistemológica.
Muitos dos objetivos que se estabelecem para o trabalho experimental escolar e que
os professores quase sempre enunciam referem-se, entre outros, ao seu forte sentido
motivador, bem como ao desenvolvimento de atitudes científicas tais como a
objetividade, a ausência de juízos de valor, a abertura de espírito. O trabalho
experimental é, pois, orientado para fomentar a aprendizagem de conceitos e métodos
da ciência, que Hodson (1990) não só questiona, como volta a perguntar qual o
significado do trabalho experimental, sobretudo no que diz respeito ao aprender
ciências na sala de aula de acordo com as perspectivas epistemológicas atuais. O autor
vai ao ponto de referir que “muito do que se faz está mal concebido e não apresenta
7 Apesar da perspectiva epistemológica subjacente à questão da experimentação ser algo marcado por
uma visão popperiana, entendemos que numa situação de testagem, em ambiente escolar, ela
afigura-se-nos como uma alternativa útil aos professores. Tal não significa que os autores do artigo
partilhem, de todo, a perspectiva popperiana – ver, nomeadamente, Gil Pérez et al., 2001.
.
qualquer valor educacional, urge redefinir e reorientar a noção que os professores têm
sobre o trabalho prático”.
Numa perspectiva inadequada da experiência científica realizada na sala de aula, não
se analisa e reflete nos resultados, à luz do quadro teórico e das hipóteses enunciadas,
mas apenas se constata o que era mais do que previsível que acontecesse – a experiência
realizou-se para dar determinado resultado já esperado e conhecido de antemão.
Na perspectiva que vimos falando, de forte pendor empirista, a experiência surge, quase
sempre, como algo episódico, ligada a uma visão heroica do cientista; ignora, pois, os
contextos sociais, tecnológicos e culturais da construção e produção científica, que o
professor tem de conhecer e não se pode alhear, deixando à margem das suas aulas.
Caso contrário, a experiência científica escolar toma o sentido do fazer, sem saber por
que e para quê. Estamos, neste caso, a considerar a ciência numa lógica que está fora da
própria história do pensamento as ideias, desvalorizando o sentido da própria luta por
ideias mais verdadeiras, isto é, mais explicativas para os fenômenos naturais.
Entretanto, Tamir (1977) distingue dois tipos de trabalho experimental: os de
verificação e os de investigação. No primeiro caso é o professor que identifica o
problema, que relaciona o trabalho com outros anteriores, que conduz as
demonstrações (fora de um contexto de problematização) e dá instruções diretas – tipo
Página 18 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
receita.
Quanto ao segundo tipo de trabalho experimental, tipo investigativo, deixam-se
algumas notas sobre o sentido com que a experimentação deve ser encarada na sala de
aula:
i) deve ser um meio para explorar as ideias dos alunos e desenvolver a sua
compreensão conceitual;
ii) deve ser sustentado por uma base teórica prévia informadora e orientadora da
análise dos resultados;
iii) deve ser delineada pelos alunos para possibilitar um maior controle sobre a sua
própria aprendizagem, sobre as suas dificuldades e de refletir sobre o porquê
delas, para as ultrapassar.
No seguimento desta orientação o trabalho experimental deve ser redefinido, tendo
em atenção novos objetivos do ensino das ciências. Neste sentido, Hodson
(1992; 1993; 1994) descreveu como objetivos centrais:
1. Aprendizagem das ciências: como a aquisição e o desenvolvimento de
conhecimentos teóricos (conteúdos das ciências).
2. Aprendizagem sobre a natureza das ciências: o desenvolvimento da natureza e
dos métodos da ciência, tomando consciência das interações complexas entre
ciência e sociedade.
3. A prática da ciência: desenvolvimento dos conhecimentos técnicos, éticos, entre
outros, sobre a investigação científica e a resolução de problemas.
Numa outra linha de pensamento, interessa sublinhar que em muitas situações de
ensino o estudo de casos históricos, incluindo a eventual exploração de “experiências
cruciais”, quando está em jogo o conceito de testagem, pode ser útil didaticamente.
A experimentação, neste sentido, de forte pendor racionalista crítico de raiz popperiana,
pode ser usada para uma possível escolha de teorias em competição. O desenvolvimento
intergrupal e intragrupal, pode, no quadro de uma sempre prudente analogia com a
comunidade científica, ajudar a simular aspectos sociológicos, particularmente
interessantes. A crítica, a argumentação e o consenso dos pares constituem elementos
de racionalidade científica que importa desenvolver conjuntamente – alunos e
professores – partilhando e vivendo dificuldades inerentes à própria prática científica.
Desta maneira, tal exercício escolar permite uma aprendizagem efetiva, significativa e
com sentido de cidadania.
Importa sublinhar que uma ou duas experiências não dão resposta definitiva ao
problema, nem abalam uma teoria que está a ser discutida. O confronto é mais vasto,
tem incidências não só em nível lógico como também em nível sociológico. O que pode
estar em causa é, sobretudo, a questão da hipótese que a experiência põe à prova: a
confirmação positiva ou negativa. Em síntese: a relação entre a experimentação e a
teoria é bem mais complexa do que muitos professores pensam e é, de certo, também
por isso, que raramente ela é equacionada e pensada, desta forma, na sala de aula.
Há que considerar outras possíveis alternativas mais enriquecedoras como sejam
contraexemplos, experiências intencionalmente orientadas para levar a resultados não
esperados e referência a resultados que vêm da literatura.
Por outro lado, o problema da indução está presente em muitas das abordagens que
os professores fazem, levando a generalizações fáceis e demasiado simplistas.
No V epistemológico de Gowin, instrumento didático de grande utilidade, é quase
sempre considerado apenas o lado esquerdo (conceitual), não estando presentes as suas
relações com o lado direito (metodológico). Entretanto, fazem-se apressadas
generalizações a partir de uma ou duas experiências, das comumente chamadas
“experiências para ver”. Por outro lado, a repetibilidade não é, como muitos professores
pensam, uma propriedade do conhecimento científico. Esta abordagem já não é hoje
Página 19 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
aceita, mesmo à luz de pressupostos epistemológicos de natureza e de sentido
inequivocamente positivista.
O que nos parece de sublinhar é, pois, a necessária mudança de atitude dos
professores, no sentido de ultrapassarem a aceitação fácil de um empirismo clássico e
ingênuo, concebendo a ciência como uma simples descoberta, quer pela observação
neutra, quer pela confirmação experimental escolar positiva. Importa que os professores
compreendam e se conscientizarem da importância do elemento cognitivo, da discussão
argumentativa, que atribuam ao estudo e à reflexão um espaço indispensável para
compreender as dificuldades e a complexidade que se reveste um tal processo de
construção da ciência. Não se pode, entretanto, ignorar o papel do sujeito na construção
do conhecimento, nomeadamente através do confronto com os conceitos e teorias
aceitas em ciência.
Conforme referem Gil Pérez (1993) e Beviá (1994), torna-se necessário planificar a
aprendizagem a partir do tratamento de situações problemáticas abertas, susceptíveis
de interessar os alunos a desenvolver um plano experimental coerente, que não seja
indicado pelo professor, mas proposto por um grupo de alunos. Essas atividades, como
refere Beviá (1994), podem ser guiadas pelo docente, possibilitando aos alunos a
percepção da variedade de processos implicados na atividade científica. Deste modo
estará criado nos grupos de trabalho um clima propício para fazer emergir, entre outras,
as interrogações, as dúvidas, as incoerências, as deficiências, a consciência das
limitações teóricas,… gerando as vivências que permitem aos alunos refletir,
conjuntamente, sobre as características do trabalho científico.
Maria de Sousa (1992), investigadora em ciência, ao falar-nos das características do
trabalho científico, em particular da experiência científica refere que ele se situa em
“uma esfera muito alargada e dinâmica, mantida em movimento pela interação contínua
entre conjectura e refutação”. No seu artigo intitulado Procedimentos experimentais:
sobre cozinheiros-chefes e cientistas, distingue três elementos principais: o consenso
dos pares, o desafio dos dogmas e a combinação única entre a arrogância e a humildade.
Trata-se, assim, também de valores e atitudes inerentes ao processo científico escolar, a
uma aprendizagem capaz de mudar as próprias representações de ciência.
.
A concluir
BEVIÁ, J. L. Los trabalos prácticos de Ciencias Naturales como actividad reflexiva, crítica
y creativa. In: Alambique. Didáctica de las Ciencias Experimentales, 2, 47-56, 1994.
CACHAPUZ, A. F., Filosofia da Ciência e Ensino da Química: repensar o papel do trabalho
experimental. Congresso Las Didácticas Específicas en la Formación del Profesorado,
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Página 21 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
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Moeda., 1992. (Estudos Gerais, Série Universitária).
TAMIR, P. How are the laboratories used? In: Journal of Research in Science Teaching,
v. 14, n. 4, p. 311-316, 1977.
Referência
01. Que palavras e expressões do texto você desconhecia o significado nas primeiras
leituras? Pesquise e escreva o significado de cada uma delas.
02. Quais são as funções da hipótese, segundo Popper e segundo os autores? E para
você?
05. Entre as visões empirista e racional, qual o texto defende como mais adequada para o
trabalho do professor de ciências? Que argumentos os autores usam para
defendê-la?
Página 22 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Nome:
Ficha
Licenciatura Plena em Química Professor: Charles Turuda
Campus Vitória de Santo Antão
06
DCN500 – Didática das Ciências Naturais 28.04.2017
TEXTO C
Página 23 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
conveniente situar Vygotsky dentro de “suas” coordenadas para evitar possíveis
confusões.
A obra de Vygotsky se situa na época soviética pós-revolucionária. Isto nos indica
que toda sua linha de pensamento e de pesquisa estará integrada dentro de uma área de
influência política e social onde a ideologia dominante vai ser o marxismo; e vai ser a
concepção marxista da sociedade e do homem a que nos apoiará na interpretação das
teses vygotskyanas8.
Não há como esquecer, neste sentido, a contemporaneidade da tese de Vygotsky e as
da escola de Genebra, encabeçada por Jean Piaget. Apesar de ter aspectos comuns, como
a rejeição ao mecanicismo e ao associacionismo, o contexto “ocidental” de Piaget faz com
que suas hipóteses de trabalho, ainda que tenham pontos de coincidência, sejam
radicalmente diferentes na maneira de enfocar os problemas e nas concepções
assumidas e, às vezes, não explicitadas, o que transforma ambas correntes de
pensamento em maneiras diferentes de enfrentar a realidade.
Estamos nos referindo, com estas palavras, ao condicionamento que um
determinado contexto social e cultural exerce sobre as pessoas que o vivem, o assumem
consciente ou inconscientemente, o reproduzem, o recriam…, e daí a importância de
tê-lo como marco referencial para nossa interpretação pessoal das conclusões de suas
pesquisas.
Pretendemos, nesta breve introdução, dar uma visão geral da obra de Vygostsky,
dividindo-a em três núcleos, que são: a) enquadrá-lo dentro da ideologia marxista e tudo
o que isso representa; b) explicar as chaves para interpretar seu enfoque teórico e, por
último, c) introduzir-nos em seu método ou maneira de aproximação da realidade.
Dentro do contexto sociopolítico, é necessário indicar que Vygotsky desenvolve sua
obra em estreita relação com as formulações ideológicas e filosóficas marxistas em um
contexto pós-revolucionário, na qual a pesquisa psicológica pode considerar-se como
um elemento a serviço do estado para colaborar na construção de uma comunidade
socialista.
8Embora sua consideração de que o homem estava sujeito ao jogo dialético entre a natureza e a história e
conferir à atividade mental do sujeito um protagonismo fundamental em suas formulações, situa às teses
vygotskianas em uma postura progressista, em seu tempo, da concepção marxista.
.
Quanto ao seu enfoque teórico, é preciso indicar três ideias, que se interdefinem e
que devem ser interpretados tendo como referência necessária o contexto social no qual
viveu Vygotsky. Estas três ideias são:
os processos psicológicos têm sua origem em processos sociais;
os processos mentais podem ser entendidos somente através da compreensão
dos instrumentos que são utilizados como mediadores (fundamentalmente, a
linguagem)9;
a crença no método genético ou evolutivo.
É importante destacar que Vygotsky, com esta formulação, consegue que não se
separem, quando se pesquisa, as pessoas do contexto sociocultural no qual vivem,
integrando assim os fenômenos sociais, os semióticos e os psicológicos em um único
marco conceitual.
Podemos conceitualizar o método vygotskyano, que ele mesmo chamava genético ou
evolutivo, com base em alguns princípios fundamentais:
a) Os processos psicológicos humanos devem ser estudados utilizando-se uma
análise genética que examine as origens destes processos.
b) A gênese dos processos psicológicos humanos implica mudanças
Página 24 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
9 Em sua obra Pensamento e linguagem, destaca a função central que a linguagem desempenha como
agente classificador do pensamento a respeito do mundo, correlativamente à tese de Dewey, no sentido de
que a linguagem fornece ao pensamento meios para explicar o mundo.
Interação aprendizagem-desenvolvimento: a zona de desenvolvimento
proximal
Página 25 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
a) A primeira delas centra-se na suposição da independência de ambos processos,
considerando a aprendizagem como um processo que não intervém de maneira
ativa no desenvolvimento. Autores como Piaget e Binet estariam dentro desta
concepção da relação entre aprendizagem e desenvolvimento. A partir deste
ponto de vista, deve-se conceitualizar o desenvolvimento como uma condição
prévia à aprendizagem, de maneira que se as funções mentais de uma criança não
estiverem amadurecidas suficientemente para poder aprender um tema
determinado, todo esforço realizado com o objetivo de que o aprenda resultará
infrutífero. Desta maneira “excluiu-se” a noção de que a aprendizagem possa
desempenhar um papel no curso de desenvolvimento ou maturação das funções
ativadas ao longo da aprendizagem (Vygotsky, 1984, p.125). Se estabelecermos
uma sequência temporal dos processos, a aprendizagem sempre será posterior
ao desenvolvimento, quer dizer, “o desenvolvimento ou maturação se considera
como uma condição prévia da aprendizagem, porém nunca como resultado da
mesma” (Vygotsky, 1984, p. 125).
b) A segunda posição teórica descansa na suposição da identidade dos processos: a
aprendizagem “é” desenvolvimento. Acreditando neste suposto existem
diferentes teorias, entre as quais Vygotsky analisa a que se baseia no conceito de
reflexo. O desenvolvimento é considerado como o domínio dos reflexos
condicionados. Foi James quem elaborou esta noção, de maneira que o processo
de aprendizagem fica reduzido à formação de hábitos e fica identificado com o
desenvolvimento. Também Thorndike estaria englobado entre os defensores
desta posição.
c) A terceira posição teórica tenta combinar as duas aproximações anteriores.
A teoria de Koffka seria um bom exemplo deste ponto de vista. Segundo este
autor, o desenvolvimento seria composto de dois processos que atuam de
maneira conjunta: por um lado a maturação, diretamente relacionada com o
desenvolvimento do sistema nervoso, e por outro a aprendizagem. Para Koffa, “o
processo de maturação prepara e possibilita um processo específico de
aprendizagem” e, ao mesmo tempo, “o processo de aprendizagem estimula e faz
avançar o processo de maturação” (Vygotsky, 1984, p. 126-7). Vygotsky destaca
dentro desta teoria a importância que é dada a aprendizagem no
desenvolvimento da criança, o qual nos leva ao problema da transferência. Nesta
.
parte, nos encontramos diante de uma confrontação de opiniões. Por um lado
Thorndike formula a especificação da influência da aprendizagem, quer dizer,
uma aprendizagem só é transferível quando a situação é semelhante; por outro
lado, Koffka indica que a influência da aprendizagem “contém uma disposição
intelectual que possibilita a transferência dos princípios gerais descobertos ao
resolver uma tarefa, a uma série de diferentes tarefas” (Vygotsky, 1984, p. 129).
Assim, enquanto que para Thordike a aprendizagem e o desenvolvimento
coincidem em todos os pontos, para Koffka o desenvolvimento sempre é mais
amplo do que a aprendizagem devido a esta possibilidade de transferência.
A contribuição de Vygotsky
Após fazer um breve resumo das posições teóricas que Vygotsky expõe
(1984, p. 123-30), nos dispomos a sintetizar sua própria hipótese10.
Se tivéssemos que resumir em uma frase a contribuição de Vygotsky no que diz
respeito à relação entre aprendizagem e desenvolvimento, poderíamos dizer que “a boa
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10 Vygotsky situa-se em uma “postura cultural” ao relacionar o desenvolvimento individual com a cultura
em geral e ao considerar a linguagem como “a moeda na qual se leva a cabo essa relação” (Bruner, J.
(1988): Realidade mental e mundo possíveis: os atos da imaginação que dão sentido à experiência. Gedisa.
Barcelona, p. 145).
11 Daí que a consideração deste problema, para Vygotsky, não reside na competência antecipada que,
evolutivamente, o sujeito vá adquirindo, mas sim na importância da influência cultural mediada pela
linguagem. Neste sentido, o desenvolvimento do sujeito está em função da utilização que possa fazer dos
meios culturais; ou nas palavras de Bruner, da “caixa de ferramentas da cultura para expressar suas
faculdades mentais” (Bruner, J. (1990): A elaboração do sentido: a construção do mundo pela criança.
Paidos, Barcelona, p. 12).
Geralmente, os testes indicadores da idade mental das crianças “medem” o nível real,
enquanto que Vygotsky afirma que aquilo que as crianças podem realizar com a ajuda de
outros pode ser mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que o que podem
fazer por si mesmas12.
Uma vez estabelecidos os dois níveis evolutivos, Vygotsky define a “zona de
desenvolvimento próximo” como a “distância entre o nível real de desenvolvimento,
determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com outro colega capaz” (Vygotsky, 1984,
p. 133).
Enquanto o nível real de desenvolvimento define as funções que já estão maduras,
quer dizer, os produtos finais do desenvolvimento, a zona de desenvolvimento próximo
define “aquelas funções que ainda não tenham amadurecido, porém que se encontram
em processo de maturação, funções que em um amanhã próximo alcançarão seu
amadurecimento e que agora se encontram em um estado embrionário” (Vygotsky,
1984, p. 133-4). Vygotsky cita o estudo de Dorothea McCarthy como reforço de seu
conceito de zona de desenvolvimento proximal, já que em sua pesquisa nota-se que
“tudo aquilo que não podiam levar a cabo sem ajuda, sem colaboração ou em grupos de
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faixa etária dos três a cinco anos, podiam fazê-lo perfeitamente por si mesmos ao
alcançar a idade de cinco a seis anos” (Vygotsky, 1984, p. 134-5).
De acordo com a teoria de Vygotsky, o nível de desenvolvimento mental de uma
pessoa somente pode ser determinado caso se leve em consideração um esclarecimento
entre os dois níveis: o nível evolutivo real e o nível evolutivo potencial. Com esta
afirmação, ficam refutadas tanto a formulação da equiparação entre o nível evolutivo e a
aprendizagem como de que somente é indicativo da capacidade mental aquilo que a
criança pode fazer sozinha.
Deve-se sublinhar a importância do conceito de zona de desenvolvimento proximal
como uma ferramenta intelectual que nos possibilita, por um lado, compreender o
desenvolvimento interno da pessoa e, por outro lado, realizar predições a respeito das
funções que estarão maduras em um futuro próximo, sendo um conceito “suscetível de
aumentar a efetividade e a utilidade da aplicação de diagnóstico de desenvolvimento
mental nos problemas educacionais” (Vygotsky, 1984, p. 135), já que “Vygotsky
acreditava que as técnicas existentes baseadas nos testes psicológicos centravam-se
quase exclusivamente nas metas intrapsicológicas, esquecendo o aspecto de predição do
desenvolvimento posterior” (Wertsch, 1988, p. 83). É o mesmo Wertsch quem aponta,
reformulando uma discussão entre Leontiev e Bronfenbrenner, que “na URSS se tenta
descobrir não como a criança chega a ser o que é, mas sim como pode chegar a ser o que
ainda não é” (1988, p. 84). é por isto que Vygotsky considera que “é o desenvolvimento
potencial o que deve atrair o maior interesse, não somente dos psicólogos, mas também
dos educadores” (Pozo, 1989, p.198), porque dá maior importância às condutas ou
conhecimentos em processo de mudança do que ao que Vygotsky chama “condutas
fossilizadas”.
Também Vygotsky nos convida a reformular o papel que a imitação desempenha na
aprendizagem. Levando em conta seu conceito de zona de desenvolvimento proximal,
12 Neste sentido, a zona de desenvolvimento potencial se apresenta como uma alternativa ao conceito
tradicional de quociente intelectual, o qual tem representado a quinta-essência do individualismo
psicológico que já era necessário reavaliar. Tradicionalmente, o Q.I. era entendido como algo inerente à
criança e agente causal da aprendizagem e preditor do mesmo. No pensamento de Vygotsky, tal concepção
não tem sentido, porque ignora o óbvio, quer dizer, ignora que a aprendizagem é interpessoal e que tem
lugar em uma interação social (Belmont, J. M. (1989) “Cognitive strategies and strategic learning. The
socio-instructional approach”. Rev. American Psychologist, v. 44, n. 2, p. 142-8).
.
sustenta que uma pessoa somente poderá imitar aquilo que esteja dentro dos limites das
funções que estejam maturando nesse momento. Nas palavras de Vygotsky, “uma pessoa
pode imitar somente aquilo que está presente no interior de seu nível evolutivo”
(Vygotsky, 1984, p. 135); quer dizer, se podem imitar ações que necessitem colocar em
ação funções que excedam o limite das capacidades individuais já consolidadas. Isto
adquire uma dimensão particular dentro do contexto no qual Vygotsky desenvolveu sua
obra devido ao fato da aprendizagem humana pressupor uma natureza social específica
e um processo, mediante o qual as crianças acedem à vida intelectual daqueles que lhes
rodeiam.
Portanto, podemos concluir dizendo que, para Vygotsky, a “boa aprendizagem é
aquela que precede ao desenvolvimento”, quer dizer, que “os processos evolutivos não
coincidem com os processos de aprendizagem”, mas que “o processo evolutivo, é puxado
pelo processo de aprendizagem” (Vygotsky, 1984, p. 139), ainda que com isto Vygotsky
não esteja afirmando a identidade de ambos processos, mas sim sua “unidade”; quer
dizer, a aprendizagem vai transformando-se em desenvolvimento. É por isso que um dos
conceitos-chave dentro da teoria de Vygotsky é o conceito de internalização, já que, para
alcançar as metas individuais, é preciso se passar previamente por um processo de
aprendizagem que se deve internalizar. Desta maneira, “a instrução na zona de
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uma estrutura informativa e um código) a outro sistema de representação (o aluno, que
processa ativamente tal informação). A mediação se produz, em primeiro lugar, fora do
aluno por meio dos agentes culturais que imediatizam o contato deste aluno com a
realidade14, agentes culturais que atuam como mediadores externos ao resumir,
valorizar e interpretar a informação a transmitir. O aluno capta e interioriza a
informação relacionando-a e interpretando-a mediante a utilização de estratégias de
processamento que atuam como mediadores internos.
Nesse processo de internalização:
a) o aluno dá sentido, significado à informação;
b) o aluno extrai a regra, o princípio, a estrutura que subjaz em tal informação;
c) o aluno contribui com experiências prévias, aprendizagens anteriores que recria
e que geram nova informação.
Podemos ver como existe um duplo processo na aparição das funções psicológicas:
um processo de mediação externa, que implica uma interação social, e um processo de
mediação interna, que tem lugar no plano mental e que se produz mediante a utilização
de estratégias de processamento. Este duplo processo é conhecido como a “lei da dupla
função”.
É preciso lembrar que todo este processo de internalização encontra-se em um
contexto sociocultural determinado, já que a atividade cognitiva da pessoa se realiza
dentro de um contexto que, por um lado, proporciona informação e ferramentas para
13 Porém, nem toda a interação social é geradora de aprendizagem, somente aquela que se situa nos
limites das zonas real e potencial de desenvolvimento. Tal questão implica o conceito de “desajuste ótimo”
que complementa a tese piagetiana. A ideia essencial do destaque dado à natureza interativa do processo
de construção do conhecimento é que, se o conteúdo que o sujeito vai aprender está excessivamente
acima de suas possibilidades de lhe dar significado ou está totalmente ajustado a tais necessidades, não se
produz desequilíbrio, ficando bloqueada a possibilidade de mudança.
14 A tese da aprendizagem medida em Vygotsky considera a ação educativa como um processo de
Formação de conceitos
Página 31 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
desemboca na formação de conceitos, necessitamos um meio que dirija nosso
pensamento: um signo, a palavra; “o aprender a dirigir nossos processos mentais com a
ajuda de palavras ou signos é uma parte integral do processo de formação dos conceitos”
(Vygotsky, 1977, p. 91).
Utilizando o “método da dupla estimulação” que Sakharov idealizara, identificou três
etapas no processo de formação de conceitos espontâneos, subdivididas, por sua vez, em
várias etapas (Vygotsky, 1977):
Consciência
Sistematização
Processo
Único
Formação de Conceitos
Científicos
Contexto da
Experiência e Contexto da
Interação Social Instrução
Implicações educativas
Página 33 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Nesta parte, desejamos realizar uma série de abstrações que nos sugerem as ideias
de Vygostky a partir de um ponto de vista pedagógico, quer dizer, analisar que
consequências pode ter sua teoria na prática educativa.
A partir da teoria de Vygotsky a aprendizagem é concebida como o “motor de
desenvolvimento”, o que implica a importância do processo de aprendizagem, já
que será ele que vai condicionar a maneira na qual a pessoa vai se configurar.
Por causa da função que Vygotsky atribui à aprendizagem, os processos
educativos adquirem especial importância e são concebidos como a “facilitação
externa de mediadores para sua internalização” (Pozo, 1989, p. 198). A partir
desta afirmação se pode deduzir que o trabalho do educador deve ser o de
potencializar todas ações que ajudem a criança a dispor de “ferramentas” que lhe
permitam sua autoconstrução.
A teoria de Vygotsky e, mais especificamente, seu conceito de zona de
desenvolvimento proximal, se nos apresenta como um instrumento para
compreender o desenvolvimento interno da criança, quer dizer, nos permite
formar uma representação de como chegam a consolidar-se os processos
psicológicos internos através do processo de aprendizagem e da internalização
do mesmo.
Vygotsky nos apresenta um processo evolutivo que podemos caracterizar por sua
“unidade” e por sua “dinamicidade”. Unidade enquanto a pessoa é concebida
globalmente, como um ser único no qual se produzem uma série de
aprendizagens e experiências; dinamicidade, enquanto é um processo em
contínua transformação.
Outra das contribuições de Vygotsky centra-se no que se refere à utilidade
diagnóstica e prognóstica do conceito de zona de desenvolvimento proximal,
quer dizer, com base no nível potencial de desenvolvimento de uma pessoa (e em
seu nível real de desenvolvimento), pode estabelecer-se tanto o diagnóstico de
seu estado evolutivo nesse momento como um prognóstico a respeito do futuro
próximo de tal estado. Devemos lembrar aqui a crítica estabelecida por Vygotsky
em relação aos testes que, tentando “medir” o desenvolvimento mental de uma
pessoa, o fazem somente com base naquelas funções que já estão amadurecidas e
.
que o sujeito pode desempenhar por si mesmo. Tal tipo de “medição” é, a partir
da teoria vygotskyana, uma interpretação pouco válida do processo evolutivo, já
que se dedica a estudar “fatos consumados” ou “condutas fossilizadas”, nas
palavras de Vygotsky, em vez de preocupar-se pelas funções que estão
amadurecendo neste momento. É por isto que Vygotsky, contrariamente à
posição segundo a qual somente a atividade independente da criança é indicativa
de seu nível de desenvolvimento mental, aponta a importância das atividades que
ela pode realizar com ajuda, já que estas são mais indicativas do estado evolutivo
da pessoa.
Se a aprendizagem é concebida como o motor do desenvolvimento e deve
centrar-se nas funções que estão amadurecendo, teremos que afirmar a ineficácia
das atividades de aprendizagem que estejam dirigidas a níveis educativos já
alcançados, já que se deve tentar alcançar aquilo que ainda não se tem, porque “o
que já se sabe não se pode aprender”.
A posição, na qual fica a imitação dentro da teoria de Vygotsky, nos convida a
potencializar o trabalho em grupo como uma possível fonte de aprendizagem.
Não que seja Vygotsky quem formule a importância desta maneira de trabalhar,
Página 34 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
mas sua teoria pode nos servir como justificação teórica das atividades realizadas
em grupo, já que estas podem facilitar, mediante o contato com outras pessoas,
que se dê continuidade ao amadurecimento de funções mentais.
Toda ação educativa tem que integrar os dois princípios básicos da teoria
vygotskyana: a lei da dupla função e a zona de desenvolvimento proximal, já que
a mediação através da interação social possibilita o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores como resultado intrapessoal de processos
interpessoais. Contudo, como não é qualquer interação que produz
desenvolvimento, deve-se insistir em que as interações educativas se deem
dentro da zona de desenvolvimento proximal, através da definição de situações
de interação adequadas que possibilitem a “colocação de andaimes” ideacionais e
operacionais.
Temos que levar em conta que a teoria de Vygotsky a respeito da relação entre os
processos de aprendizagem e os processos de desenvolvimento apresenta-se a nós,
educadores, como um princípio teórico que pode guiar nossa prática quando
desenhamos nossa atividade educativa, assim como uma ferramenta que nos facilita a
compreensão da atividade das crianças no processo de ensino-aprendizagem.
Referência
TEXTO D
O QUE É AFINAL APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA?
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA15
Visão Geral
Página 35 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
interação não é com qualquer ideia prévia, mas sim com algum conhecimento
especificamente relevante já existente na estrutura cognitiva do sujeito que aprende.
A este conhecimento, especificamente relevante à nova aprendizagem, o qual pode
ser, por exemplo, um símbolo já significativo, um conceito, uma proposição, um modelo
mental, uma imagem, David Ausubel16 (1918-2008) chamava de subsunçor ou
ideia-âncora.
Em termos simples, subsunçor é o nome que se dá a um conhecimento específico,
existente na estrutura de conhecimentos do indivíduo, que permite dar significado a um
novo conhecimento que lhe é apresentado ou por ele descoberto. Tanto por recepção
como por descobrimento, a atribuição de significados a novos conhecimentos depende
da existência de conhecimentos prévios especificamente relevantes e da interação com
eles.
O subsunçor pode ter maior ou menor estabilidade cognitiva, pode estar mais ou
menos diferenciado, ou seja, mais ou menos elaborado em termos de significados.
Contudo, como o processo é interativo, quando serve de ideia-âncora para um novo
conhecimento ele próprio se modifica adquirindo novos significados, corroborando
significados já existentes.
É importante reiterar que a aprendizagem significativa se caracteriza pela interação
entre conhecimentos prévios e conhecimentos novos, e que essa interação é não literal e
não arbitrária. Nesse processo, os novos conhecimentos adquirem significado para o
sujeito e os conhecimentos prévios adquirem novos significados ou maior estabilidade
cognitiva.
15 Esta descrição da Teoria de Aprendizagem Significativa está baseada na obra mais recente de David
Ausubel, The acquisition and retention of knowledge: a cognitive view, publicada, em 2000, por Kluwer
Academic Publishers, traduzida (Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva) e
publicada, em 2003, por Plátano Edições Técnicas, Lisboa. Esta obra por sua vez, praticamente, apenas
reitera, confirma, a atualidade da teoria original proposta por Ausubel, em 1963, na obra The psychology
of meaningful verbal learning (New York: Grune & Stratton) e, em 1968, no livro Educational psychology:
a cognitive view (New York: Holt, Rinehart & Winston), cuja segunda edição (1978) tem Joseph Novak e
Helen Hanesian como coautores. Essa teoria tem sido descrita por M. A. Moreira em várias outras obras
(Moreira e Masini, 1982, 2006; Moreira, 1983; Moreira e Buchweitz, 1993; Moreira, 1999, 2000, 2005,
2006; Moreira et al., 2004; Masini e Moreira, 2008; Valadares e Moreira, 2009).
16 David Ausubel (1918-2008), graduou-se em Psicologia e Medicina, doutorou-se em Psicologia do
Desenvolvimento na Universidade de Columbia, onde foi professor no Teacher’s College por muitos anos;
dedicou sua vida acadêmica ao desenvolvimento de uma visão cognitiva à Psicologia Educacional.
.
Por exemplo, para um aluno que já conhece a Lei da Conservação da Energia aplicada
à energia mecânica, resolver problemas onde há transformação de energia potencial em
cinética e vice-versa apenas corrobora o conhecimento prévio dando-lhe mais
estabilidade cognitiva e talvez maior clareza. Mas se a Primeira Lei da Termodinâmica
lhe for apresentada (não importa se em uma aula, em um livro ou em um moderno
aplicativo) como a Lei da Conservação da Energia aplicada a fenômenos térmicos ele ou
ela dará significado a essa nova lei na medida em que “acionar” o subsunçor
Conservação da Energia, mas este ficará mais rico, mais elaborado, terá novos
significados, pois a Conservação da Energia aplicar-se-á não só ao campo conceitual da
Mecânica, mas também ao da Termodinâmica.
Através de novas aprendizagens significativas, resultantes de novas interações entre
novos conhecimentos e o subsunçor Conservação da Energia, este ficará cada vez mais
estável, mais claro, mais diferenciado e o aprendiz dará a ele o significado de uma lei
geral da Física, ou seja, a energia se conserva sempre.
Por outro lado, o subsunçor Conservação da Energia, poderá servir de ideia-âncora
para um outro novo conhecimento: a Conservação da Quantidade de Movimento, uma
outra lei geral da Física. Analogamente, a conservação de outras grandezas físicas como
o momentum angular e a carga elétrica adquirirão significados por interação com o
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indivíduo nunca esquece. A assimilação obliteradora é uma continuidade natural da
aprendizagem significativa, porém não é um esquecimento total. É uma perda de
discriminabilidade, de diferenciação de significados, não uma perda de significados. Se o
esquecimento for total, como se o indivíduo nunca tivesse aprendido um certo conteúdo
é provável que aprendizagem tenha sido mecânica, não significativa.
O subsunçor é, portanto, um conhecimento estabelecido na estrutura cognitiva do
sujeito que aprende e que permite, por interação, dar significado a outros
conhecimentos. Não é conveniente “coisificá-lo”, “materializá-lo” como um conceito, por
exemplo. O subsunçor pode ser também uma concepção, um construto, uma proposição,
uma representação, um modelo, enfim um conhecimento prévio especificamente
relevante para a aprendizagem significativa de determinados novos conhecimentos.
A clareza, a estabilidade cognitiva, a abrangência, a diferenciação de um subsunçor
variam ao longo do tempo, ou melhor, das aprendizagens significativas do sujeito.
Trata-se de um conhecimento dinâmico, não estático, que pode evoluir e, inclusive,
involuir.
Em linguagem coloquial poderíamos dizer que “nossa cabeça” está “cheia” de
subsunçores, uns já bem firmes outros ainda frágeis, mas em fase de crescimento, uns
muito usados outros raramente, uns com muitas “ramificações”, outros “encolhendo”.
Naturalmente, esses conhecimentos interagem entre si e podem organizar-se e
reorganizar-se. Ou seja, “nossa cabeça” contém um conjunto dinâmico de subsunçores.
Em termos mais técnicos, ao invés de “cabeça” poderíamos falar em estrutura
cognitiva e dizer que o complexo organizado de subsunçores e suas inter-relações, em
um certo campo de conhecimentos, poderia ser pensado como constituindo a estrutura
cognitiva de um indivíduo nesse campo. Poder-se-ia também falar em estrutura
cognitiva em termos de subsunçores mais abrangentes, mais gerais, aplicáveis a
distintos campos de conhecimento. Estrutura cognitiva é um construto (um conceito
para o qual não há um referente concreto) usado por diferentes autores, com diferentes
significados, com o qual se pode trabalhar em níveis distintos, ou seja, referido a uma
área específica de conhecimentos ou a um campo conceitual, um complexo mais amplo
de conhecimentos.
Tais conhecimentos podem ser de natureza conceitual, procedimental ou atitudinal.
No entanto, os subsunçores de Ausubel se referem muito mais ao conhecimento
declarativo (conceitual), tanto é que muitas vezes ele falava em conceito subsunçor,
.
nomenclatura que hoje não nos parece adequada porque restringe muito o significado
de subsunçor, induzindo a que seja pensado como um conceito determinado. Como já foi
dito, é melhor considerar o subsunçor como um conhecimento prévio especificamente
relevante para uma nova aprendizagem, não necessariamente um conceito.
Destaque-se ainda que, no âmbito da teoria da aprendizagem significativa de
Ausubel, a estrutura cognitiva é um conjunto hierárquico de subsunçores
dinamicamente inter-relacionados. Há subsunçores que são hierarquicamente
subordinados a outros, mas essa hierarquia pode mudar se, por exemplo, houver uma
aprendizagem superordenada, na qual um novo subsunçor passa a incorporar outros.
Voltando ao exemplo da Conservação da Energia, pode-se pensar que para um certo
estudante esse seja, em uma dada época, um subsunçor hierarquicamente superior a
outros conhecimentos de Física que ele adquiriu. Mas ao longo de suas aprendizagens
ele poderá construir o subsunçor Leis de Conservação que abrangerá a Conservação da
Energia, ou seja, será hierarquicamente superior.
Por outro lado, um conhecimento que ocupa uma dada posição em uma certa
hierarquia de subsunçores poderá ocupar outra posição, inclusive pouco importante, em
outra hierarquia em outro campo de conhecimentos. Isso significa que as hierarquias de
subsunçores não são fixas dentro de um mesmo campo de conhecimentos e variam de
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atração entre certas partículas elementares quando elas se afastam, se normalmente
dá-se o contrário?). Diz-se que teriam sido feitas reconciliações integradoras.
A reconciliação integradora, ou integrativa, é um processo da dinâmica da estrutura
cognitiva, simultâneo ao da diferenciação progressiva, que consiste em eliminar
diferenças aparentes, resolver inconsistências, integrar significados, fazer
superordenações.
Quando aprendemos de maneira significativa temos que progressivamente
diferenciar significados dos novos conhecimentos adquiridos a fim de perceber
diferenças entre eles, mas é preciso também proceder a reconciliação integradora.
Se apenas diferenciarmos cada vez mais os significados, acabaremos por perceber tudo
diferente. Se somente integrarmos os significados indefinidamente, terminaremos
percebendo tudo igual. Os dois processos são simultâneos e necessários à construção
cognitiva, mas parecem ocorrer com intensidades distintas. A diferenciação progressiva
está mais relacionada à aprendizagem significativa subordinada, que é mais comum, e a
reconciliação integradora tem mais a ver com a aprendizagem significativa
superordenada que ocorre com menos frequência.
A diferenciação progressiva e a reconciliação integradora que são processos da
dinâmica da estrutura cognitiva podem também ser tomadas como princípios
programáticos do conteúdo da matéria de ensino. Esse assunto será tratado mais
adiante.
O conhecimento prévio é, na visão de Ausubel, a variável isolada mais importante
para a aprendizagem significativa de novos conhecimentos. Isto é, se fosse possível
isolar uma única variável como sendo a que mais influencia novas aprendizagens, esta
variável seria o conhecimento prévio, os subsunçores já existentes na estrutura
cognitiva do sujeito que aprende.
Em todos os exemplos dados até aqui o conhecimento prévio “ajudou” na
aprendizagem de novos conhecimentos, permitiu dar significados a estes
conhecimentos, ao mesmo tempo que foi ficando mais estável, mais rico, mais elaborado.
Mas nem sempre é assim: há casos em que o conhecimento prévio pode ser
bloqueador, funcionar como o que Gaston Bachelard chamou de obstáculo
epistemológico. Por exemplo, a ideia de corpúsculo como uma “bolinha” invisível, com
uma massa muito pequena, ocupando um espaço muito pequeno, dificulta enormemente
a aprendizagem significativa do que seja uma partícula elementar. O átomo como um
.
sistema planetário em miniatura também funciona como obstáculo representacional
para a aprendizagem da estrutura do átomo na perspectiva da Mecânica Quântica.
Partículas elementares representadas nos livros de texto como pequenas esferas
coloridas podem obstaculizar a aprendizagem do que sejam quarks, embora eles tenham
a propriedade cor (que não tem o mesmo significado aceito na Óptica). Outro exemplo é
o caso dos diagramas de fluxo, organogramas e quadros sinópticos que podem até
mesmo bloquear a aprendizagem significativa do que seja um mapa conceitual
(diagrama hierárquico de conceitos).
Portanto, dizer que o conhecimento prévio é a variável que mais influencia a
aprendizagem significativa de novos conhecimentos não significa dizer que é sempre
uma variável facilitadora. Normalmente sim, mas pode, em alguns casos, ser
bloqueadora.
Para concluir esta visão geral, é importante esclarecer outro aspecto da
aprendizagem significativa: não é sinônimo de aprendizagem “correta”. Em exemplos
anteriores deve ter ficado claro que aprendizagem significativa não é aquela que nunca
esquecemos. Aqui é preciso chamar atenção que aprendizagem significativa não é,
necessariamente, aquela que comumente chamamos de “correta”. Quando o sujeito
atribui significados a um dado conhecimento, ancorando-o interativamente em
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aprender.
Os subsunçores
Muitas vezes pensa-se que os subsunçores são apenas conceitos e até mesmo usa-se
o termo conceitos subsunçores. Isso decorre da ênfase que Ausubel dava aos conceitos
estruturantes de cada disciplina que deveriam ser identificados e ensinados aos alunos e
que, uma vez aprendidos significativamente, serviriam de subsunçores para novas
aprendizagens significativas.
Sem rejeitar a ideia de que corpos organizados de conhecimento, possuem, de fato,
conceitos estruturantes, é mais adequado pensar os subsunçores simplesmente como
conhecimentos prévios especificamente relevantes para que os materiais de
aprendizagem ou, enfim, os novos conhecimentos sejam potencialmente significativos.
Nessa linha, subsunçores podem ser proposições, modelos mentais, construtos pessoais,
concepções, ideias, invariantes operatórios, representações sociais e, é claro, conceitos,
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Os primeiros subsunçores
Os organizadores prévios
Quando o aprendiz não dispõe de subsunçores adequados que lhe permitam atribuir
significados aos novos conhecimentos, costuma-se pensar que o problema pode ser
resolvido com os chamados organizadores prévios, solução proposta até mesmo por
Ausubel, mas que, na prática, muitas vezes não funciona.
Organizador prévio é um recurso instrucional apresentado em um nível mais alto de
abstração, generalidade e inclusividade em relação ao material de aprendizagem. Não é
uma visão geral, um sumário ou um resumo que geralmente estão no mesmo nível de
abstração do material a ser aprendido. Pode ser um enunciado, uma pergunta, uma
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situação-problema, uma demonstração, um filme, uma leitura introdutória, uma
simulação. Pode ser também uma aula que precede um conjunto de outras aulas.
As possibilidades são muitas, mas a condição é que preceda a apresentação do material
de aprendizagem e que seja mais abrangente, mais geral e inclusivo do que este.
Há dois tipos de organizadores prévios: quando o material de aprendizagem é não
familiar, quando o aprendiz não tem subsunçores recomenda-se o uso de um
organizador expositivo que, supostamente, faz a ponte entre o que o aluno sabe e o que
deveria saber para que o material fosse potencialmente significativo. Nesse caso o
organizador deve prover uma ancoragem ideacional em termos que são familiares ao
aprendiz. Quando o novo material é relativamente familiar, o recomendado é o uso de
um organizador comparativo que ajudará o aprendiz a integrar novos conhecimentos à
estrutura cognitiva e, ao mesmo tempo, a discriminá-los de outros conhecimentos já
existentes nessa estrutura que são essencialmente diferentes mas que podem ser
confundidos.
Em outras palavras, organizadores prévios podem ser usados para suprir a
deficiência de subsunçores ou para mostrar a relacionalidade e a discriminabilidade
entre novos conhecimentos e conhecimentos já existentes, ou seja, subsunçores.
Com a primeira finalidade os resultados têm sido modestos: a pesquisa (e. g., Luiten
et al., 1978) tem mostrado que o efeito dos organizadores prévios existe, mas é pequeno.
Se o aluno não tem subsunçores relevantes à aprendizagem de novos conhecimentos, o
melhor é facilitar, promover, a sua construção antes de prosseguir.
Como recurso para mostrar que novos conhecimentos estão relacionados com
conhecimentos prévios, organizadores devem ser sempre utilizados no ensino, pois o
aluno muitas vezes não percebe essa relacionabilidade e pensa que os novos materiais
de aprendizagem não têm muito a ver com seus conhecimentos prévios. Organizadores
prévios devem ajudar o aprendiz a perceber que novos conhecimentos estão
relacionados a ideias apresentadas anteriormente, a subsunçores que existem em sua
estrutura cognitiva prévia.
Por exemplo, antes de introduzir o conceito de campo eletromagnético, o professor
deve retomar o conceito de campo em um nível mais alto de abstração e inclusividade e,
também, “resgatar” o conceito de campo gravitacional anteriormente aprendido. Outros
exemplos: antes de trabalhar o conceito de emulsão, pode-se discutir com os alunos a
maneira de preparar maionese; antes de falar em taxonomia, pode-se classificar de
.
várias maneiras um conjunto de botões de diferentes cores, tamanhos, materiais,
finalidades.
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de uma modelagem computacional, etc. Aprender receptivamente significa que o
aprendiz não precisa descobrir para aprender. Mas isso não implica passividade.
Ao contrário, a aprendizagem significativa receptiva requer muita atividade cognitiva
para relacionar, interativamente, os novos conhecimentos com aqueles já existentes na
estrutura cognitiva, envolvendo processos de captação de significados, ancoragem,
diferenciação progressiva e reconciliação integrativa.
Aprendizagem por descoberta implica que o aprendiz primeiramente descubra o que
vai aprender. Mas, uma vez descoberto o novo conhecimento, as condições para a
aprendizagem significativa são as mesmas: conhecimento prévio adequado e
predisposição para aprender. Exceto em crianças pequenas, a aprendizagem por
descobrimento não é condição para aprender de maneira significativa. De um modo
geral, não é preciso descobrir para aprender significativamene. É um erro pensar que a
aprendizagem por descoberta implica aprendizagem significativa. Adultos, e mesmo
crianças já não tão pequenas, aprendem basicamente por recepção e pela interação
cognitiva entre os conhecimentos recebidos, i. e., os novos conhecimentos e aqueles já
existentes na estrutura cognitiva. Seria inviável para seres humanos aprender
significativamente a imensa quantidade de informações e conhecimentos disponíveis no
mundo atual se tivessem que descobri-los.
Mas dizer que a aprendizagem humana é essencialmente receptiva ou dizer que não
é preciso descobrir para aprender não significa ser contra a aprendizagem por
descoberta, a qual do ponto de vista didático pode, por exemplo, ser importante como
motivadora ou mais adequada para facilitar certas aprendizagens, tais como
procedimentos científicos.
É preciso também ter claro que aprendizagem por recepção e aprendizagem por
descoberta não constituem uma dicotomia. Assim como há um contínuo entre
aprendizagem mecânica e aprendizagem significativa, há outro entre aprendizagem por
recepção e aprendizagem por descobrimento. Quer dizer, o conhecimento não é,
necessariamente, construído ou por recepção ou por descoberta. Novamente aí há uma
“zona cinza” entre os extremos do contínuo. Determinados processos de
ensino-aprendizagem situar-se-ão em distintas posições nesse contínuo dependendo,
por exemplo, do nível de escolaridade em que se está trabalhando. No ensino médio e
superior predomina fortemente a aprendizagem receptiva. Mesmo que o ensino seja
centrado no aluno como se defende hoje, a aprendizagem continuará sendo receptiva.
Ensino centrado no aluno não é sinônimo de aprendizagem por descoberta.
.
Aprendizagem por descoberta não leva necessariamente à aprendizagem significativa.
Aprendizagem receptiva não é o mesmo que aprendizagem mecânica. É preciso ter
cuidado com certas associações e falsas dicotomias e aprender a trabalhar na “zona
cinza”. A aprendizagem por descoberta dirigida, tão defendida por Bruner (1963) é um
exemplo de metodologia que se situa na zona intermediária entre a recepção e a
descoberta. Pode ser muito adequada para aulas de laboratório, por exemplo.
A Figura 2 sugere que diferentes estratégias de ensino/aprendizagem podem
situar-se em distintas posições em um hipotético sistema de coordenadas formado pelos
eixos aprendizagem mecânica × significativa e aprendizagem receptiva × por
descobrimento.
Aprendizagem
Significativa
ESTRATÉGIAS DE
ENSINO E
APRENDIZAGEM
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Aprendizagem
Mecânica
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No que se refere a tipos de aprendizagem significativa, a mais elementar, porém a
mais fundamental, pois dela dependem os outros tipos, é a aprendizagem
representacional.
Aprendizagem representacional é a que ocorre quando símbolos arbitrários passam
a representar, em significado, determinados objetos ou eventos em uma relação unívoca,
quer dizer, o símbolo significa apenas o referente que representa.
Por exemplo, se para uma criança a palavra mesa (um símbolo linguístico) significa
apenas a mesa de sua casa, ela não tem ainda o conceito de mesa, apenas uma
representação. O mesmo vale para um adulto frente a eventos e objetos em relação aos
quais não identificou atributos e regularidades que definiriam o conceito
correspondente.
Ainda que a aprendizagem representacional seja próxima à aprendizagem mecânica,
ela é significativa porque o símbolo significa um referente concreto. Na aprendizagem
mecânica a relação símbolo − objeto/evento é apenas associativa, sem signi icado.
A aprendizagem representacional está muito relacionada a um segundo tipo de
aprendizagem significativa, a aprendizagem conceitual, ou de conceitos. Conceitos
indicam regularidades em eventos ou objetos. Retomando o exemplo da mesa, quando
uma pessoa tem o conceito de mesa, o símbolo mesa representa uma infinidade de
objetos (não apenas um como no caso da aprendizagem representacional) com
determinados atributos, propriedades, características comuns. No entanto, para chegar
ao conceito de mesa, provavelmente, o sujeito passou por representações de mesa. Por
outro lado, uma vez construído o conceito, ele passa a ser representado por um símbolo,
geralmente linguístico.
A aprendizagem conceitual ocorre quando o sujeito percebe regularidades em
eventos ou objetos, passa a representá-los por determinado símbolo e não mais depende
de um referente concreto do evento ou objeto para dar significado a esse símbolo.
Trata-se, então, de uma aprendizagem representacional de alto nível.
O terceiro tipo, a aprendizagem proposicional, implica dar significado a novas ideias
expressas na forma de uma proposição. As aprendizagens representacional e conceitual
são pré-requisito para a proposicional, mas o significado de uma proposição não é a
soma dos significados dos conceitos e palavras nela envolvidos.
A aprendizagem proposicional pode ser subordinada, superordenada ou
combinatória. Analogamente, a aprendizagem conceitual pode ocorrer por
.
subordinação, superordenação ou combinação, relativamente a conhecimentos prévios
existentes na estrutura cognitiva. Isso sugere que as formas e tipos de aprendizagem
significativa são classificações plenamente compatíveis.
Esquecimento e reaprendizagem
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aprendizagem significativa em situação formal de ensino deve tomar como ponto de
partida o conhecimento prévio do aluno no campo conceitual em questão.
Óbvio, porém não observado. A escola, o ensino escolar, não é organizada de modo a
levar em conta o conhecimento prévio do aluno. A escola mudaria muito se isso
acontecesse. Nas palavras de Postmam e Weingartner (1969, p. 62).
diferenciação reconciliação
…mais …mais
progressiva integradora
intermediários intermediários
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disponibilidade de conhecimentos prévios adequados, dificilmente um recurso
instrucional poderia substituí-los quando tal disponibilidade não existe. A solução óbvia
desse problema é a construção prévia dos conhecimentos necessários. Óbvia, mas difícil,
se não impossível, dentro de uma abordagem tradicional de ensino em grupo, centrado
no professor, com um programa a ser cumprido, promovendo a aprendizagem mecânica.
Há, no entanto, outra situação na qual os organizadores prévios podem ajudar muito.
Muitas vezes, o aluno tem conhecimentos prévios adequados, mas não percebe a
relacionabilidade e a discriminabilidade entre esses conhecimentos e os novos que lhe
estão sendo apresentados nas aulas e nos materiais educativos. Nesse caso é
imprescindível que se use recursos instrucionais que mostrem essa relacionabilidade e
discriminabilidade, ou seja, como os novos conhecimentos se relacionam com os
anteriores e como se diferenciam deles. Retomando um exemplo anterior, ao se
introduzir o conceito de campo no Eletromagnetismo é recomendável retomar através
de um organizador prévio, que pode ser uma rápida recapitulação, o conceito de campo
que os alunos já têm, i. e., o campo gravitacional e chamar atenção para as similaridades
e diferenças entre campo na Gravitação e campo no Eletromagnetismo, uma delas é que
no primeiro caso a força é sempre atrativa e no segundo pode ser atrativa ou repulsiva.
Além da diferenciação progressiva, da reconciliação integrativa e dos organizadores
prévios Ausubel recomendava também o uso dos princípios da organização sequencial e
da consolidação para facilitar a aprendizagem significativa.
O primeiro deles implica tirar vantagem das dependências sequenciais naturais
existentes na matéria de ensino. Segundo Ausubel, fica mais fácil para o aluno organizar
seus subsunçores, hierarquicamente, se na matéria de ensino os tópicos estão
sequenciados em termos de dependências hierárquicas naturais, ou seja, de modo que
certos tópicos dependam naturalmente daqueles que os antecedem.
A consolidação tem a ver com o domínio de conhecimentos prévios antes da
introdução de novos conhecimentos. É uma consequência imediata da teoria: se o
conhecimento prévio é a variável que mais influencia a aquisição significativa de novos
conhecimentos, nada mais natural que insistir no domínio do conhecimento prévio antes
de apresentar novos conhecimentos. É preciso, no entanto, ter cuidado com esse
princípio. Aprendizagem para o domínio é uma estratégia que facilmente pode levar à
aprendizagem mecânica tão típica do enfoque behaviorista.
.
A aprendizagem significativa é progressiva, o domínio de um campo conceitual, um
campo de situações, é progressivo, com rupturas e continuidades (Moreira, Caballero e
Rodríguez P., 2004) e pode levar um tempo relativamente grande. A consolidação
ausubeliana não deve ser confundida com a aprendizagem para o domínio behaviorista.
No contexto da aprendizagem significativa, consolidação significa que ela não é imediata
e que exercícios, resoluções de situações-problema, clarificações, discriminações,
diferenciações, integrações são importantes antes da introdução de novos
conhecimentos.
Outro recurso extremamente importante na facilitação da aprendizagem significativa
é a linguagem. Tanto é que nas primeiras descrições da teoria Ausubel usava a
terminologia aprendizagem verbal significativa (meaningful verbal learning; Ausubel,
1963). A linguagem está totalmente implicada em qualquer e em todas tentativas
humanas de perceber a realidade (Postman e Weingartner, 1969, p.99). A aprendizagem
significativa depende da captação de significados que envolve um intercâmbio, uma
negociação, de significados, que depende essencialmente da linguagem.
Em um episódio de ensino e aprendizagem, a professora ou professor apresenta aos
alunos os significados que são aceitos no contexto da matéria de ensino e que ela ou ele
já domina. Apresentar aqui não significa aula expositiva, nem passividade de parte dos
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Essa perspectiva lembra uma abordagem vygotskyana ou freireana ao processo ensino aprendizagem,
17
mas não se encontra no trabalho de Gowin referências explícitas a Lev Vygotsky ou Paulo Freire.
Poder-se-ia, no entanto, falar também em estratégias e instrumentos (didáticos)
facilitadores da aprendizagem significativa. Quais seriam? Um deles já foi mencionado: o
organizador prévio. Outro instrumento muito frequentemente associado à
aprendizagem significativa é o mapeamento conceitual. Mapas conceituais (Novak e
Gowin, 1984; Moreira, 2006) são diagramas conceituais hierárquicos destacando
conceitos de um certo campo conceitual e relações (proposições) entre eles18. São muito
úteis na diferenciação progressiva e na reconciliação integrativa de conceitos e na
própria conceitualização. Diagramas V (Novak e Gowin, 1984; Gowin e Alvarez, 2005;
Moreira 2006), instrumentos heurísticos enfatizando a interação entre o pensar
(domínio conceitual) e o fazer (domínio metodológico) na produção de conhecimentos a
partir de questões-foco, são também tidos como facilitadores da aprendizagem
significativa.
As atividades colaborativas, presenciais ou virtuais, em pequenos grupos têm grande
potencial para facilitar a aprendizagem significativa porque viabilizam o intercâmbio, a
negociação de significados, e colocam o professor na posição de mediador. Mas isso não
significa que uma aula expositiva clássica não possa facilitar a aprendizagem
significativa. É bem verdade que o ensino expositivo tradicional normalmente promove
a aprendizagem mecânica. Porém, mapas conceituais, por exemplo, também podem
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incentivar a aprendizagem mecânica na medida em que houver um “mapa correto” ou
um “mapa padrão” que os alunos devem aceitar e memorizar. O mesmo raciocínio vale
para os diagramas V.
Certas estratégias e certos instrumentos podem ter maior potencial facilitador da
aprendizagem significativa, mas dependendo de como são usados em situação de ensino
podem não promover tal aprendizagem. Qualquer estratégia, instrumento, técnica ou
método de ensino (ou qualquer outra terminologia) usado dentro de um enforque
comportamentalista do tipo certo ou errado, sim ou não, promoverá a aprendizagem
mecânica. Qualquer estratégia que implicar “copiar, memorizar e reproduzir” estimulará
a aprendizagem mecânica.
A facilitação da aprendizagem significativa depende muito mais de uma nova postura
docente, de uma nova diretriz escolar, do que de novas metodologias, mesmo as
modernas tecnologias de informação e comunicação.
18 Cabe aqui destacar que mapas conceituais alcançaram um status muito mais amplo do que apenas o de
facilitadores da aprendizagem significativa. São aplicados nas mais diversas áreas com distintas
finalidades. Há congressos internacionais de mapas conceituais e existem aplicativos para a construção de
mapas conceituais, dentre os quais destaca-se o CMap Tools (http://cmap.ihmc.us/).
.
A avaliação da aprendizagem significativa implica outro enfoque, porque o que se
deve avaliar é compreensão, captação de significados, capacidade de transferência do
conhecimento a situações não conhecidas, não rotineiras.
A proposta de Ausubel é radical: para ele, a melhor maneira de evitar a simulação da
aprendizagem significativa é propor ao aprendiz uma situação nova, não familiar, que
requeira máxima transformação do conhecimento adquirido.
Não parece ser essa a melhor saída pois se o aluno não é acostumado a enfrentar
situações novas não é adequado propô-las no momento da avaliação (somativa, no
caso). Situações novas devem ser propostas progressivamente, ao longo do processo
instrucional. Nesse caso, seria natural incluí-las nas avaliações.
Como foi dito mais de uma vez ao longo deste texto, a aprendizagem significativa é
progressiva, grande parte do processo ocorre na zona cinza, na região do mais ou
menos, onde o erro é normal.
Portanto, a avaliação da aprendizagem significativa deve ser predominantemente
formativa e recursiva. É necessário buscar evidências de aprendizagem significativa, ao
invés de querer determinar se ocorreu ou não. É importante a recursividade, ou seja,
permitir que o aprendiz refaça, mais de uma vez se for o caso, as tarefas de
aprendizagem. É importante que ele ou ela externalize os significados que está captando,
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Conclusão
Aprendizagem significativa não é coisa nova. A teoria de Ausubel é dos anos sessenta
(1963, 1968) e foi por ele reiterada recentemente em novo livro (Ausubel, 2000). Novak
contribuiu na segunda edição da obra de 1968 e escreveu com Gowin um livro traduzido
para muitas línguas (Novak e Gowin, 1984). Do autor deste texto há publicações sobre a
teoria da aprendizagem significativa desde 1982 (Moreira e Masini 1982, 2006; Moreira
1983: Moreira e Buchweitz, 1993: Moreira, 1999, 2000, 2005, 2006; Masini e Moreira,
2008; Valadares e Moreira, 2009).
Em função dessa bibliografia, de congressos internacionais sobre aprendizagem
significativa realizados em Cornell, USA (1992); Burgos, Espanha (1997); Peniche,
Portugal (2000); Maragogi, Brasil (2004); Madri, Espanha (2007) e de muitos artigos
sobre a teoria, ou usando a teoria como referente teórico, houve uma apropriação
superficial e polissêmica do conceito de aprendizagem significativa. Toda a
aprendizagem passou a ser significativa, todas as metodologias de ensino passaram a
objetivar a uma aprendizagem significativa. Uma trivialização do conceito.
Não houve, no entanto, uma apropriação da teoria ou da filosofia subjacente a ela.
A escola continua fomentando a aprendizagem mecânica, o modelo clássico em que o
professor expõe (no quadro-de-giz ou com slides PowerPoint), o aluno copia (ou recebe
eletronicamente os slides), memoriza na véspera das provas, nelas reproduz
conhecimentos memorizados sem significado, ou os aplica mecanicamente a situações
conhecidas, e os esquece rapidamente, continua predominando na escola, aceito sem
questionamento por professores, pais e alunos, fomentado pelos exames de ingresso às
universidades e exaltado pelos cursinhos preparatórios. Uma enorme perda de tempo.
Os alunos passam anos de sua vida estudando, segundo esse modelo, informações que
serão esquecidas rapidamente.
Quando chegam à universidade não têm subsunçores para dar conta das disciplinas
básicas, o que foi aprendido mecanicamente e serviu para o exame de ingresso já foi
esquecido ou “deletado”. Por outro lado, na universidade o esquema é o mesmo – copiar,
memorizar, reproduzir e esquecer – talvez mais exigente na memorização mecânica e na
reprodução, gerando altos índices de reprovação em disciplinas como, por exemplo,
Física e Cálculo.
Alguns educadores dizem que a teoria de aprendizagem significativa está superada
porque foi formulada há quase cinquenta anos. Mas como estaria superada se a escola
não é capaz de dar conta de sua premissa básica, ou seja, de levar em conta o
conhecimento prévio do aluno, de partir da ideia de que o ser humano aprende a partir
do que já sabe? Dizer que essa teoria está superada é fugir do problema.
Pode-se não aceitar conceitos ausubelianos como diferenciação progressiva,
reconciliação integrativa e organizador prévio, mas o princípio fundamental de que o
conhecimento prévio é a variável isolada que mais influencia a aquisição significativa de
novos conhecimentos não pode ser ignorado e deixa claro que sua teoria não pode ser
tomada como superada. Essa é uma proposição subjacente a qualquer teoria
construtivista. Assim como Ausubel fala em subsunçor, cada teoria construtivista tem
seu construto básico. Na de Piaget o construto básico é esquema; poder-se-ia dizer,
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então que o indivíduo aprende, ou constrói novos esquemas, a partir dos esquemas que
já construiu. Na de Kelly (1963) o construto básico é o de construto pessoal, de onde
vem que o sujeito aprende, ou constrói novos construtos, a partir dos construtos que já
construiu. Na de Johnson-Laird (1983) o construto fundamental é o de modelo mental,
do qual decorre que o sujeito constrói novos modelos mentais a partir da recursividade
de modelos anteriores, de primitivos conceituais e da percepção. Vergnaud (1990)
também usa o conceito de esquema, mas seus esquemas contêm invariantes operatórios
que se constituem em conhecimento prévio implícito e têm grande influência na
construção de novos esquemas e novos conceitos.
Portanto, o conceito de aprendizagem significativa, como aquela em que novos
conhecimentos adquirem significados através da interação com conhecimentos
especificamente relevantes já existentes na estrutura cognitiva de aprendiz, é subjacente
a várias outras teorias (Moreira, 1999). Como foi dito acima, o conhecimento prévio
pode, por exemplo, ser interpretado em termos de esquemas de assimilação, construtos
pessoais, modelos mentais, invariantes operatórios.
Mas teorias como as mencionadas nos parágrafos anteriores estão mais voltadas
para o desenvolvimento cognitivo, enquanto que a da aprendizagem significativa,
originalmente proposta por David Ausubel, se ocupa mais da aquisição significativa de
um corpo organizado de conhecimentos em situação formal de ensino e aprendizagem.
Por isso, foi aqui novamente descrita, com bastante detalhe, com muita releitura do
autor e com esperança de que sensibilize professores que, como ele, estão cansados do
modelo tradicional que quase invariavelmente promove a aprendizagem mecânica.
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Página 56 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Referência
TEXTO E
Introdução
Este texto tem por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Vergnaud e
suas implicações para o ensino de ciências e para a pesquisa nesta área.
Página 57 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Gérard Vergnaud, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica
(CNRS) da França, discípulo de Piaget, amplia e redireciona, em sua teoria, o foco
piagetiano das operações lógicas gerais, das estruturas gerais do pensamento, para o
estudo do funcionamento cognitivo do “sujeito-em-situação”. Além disso,
diferentemente de Piaget, toma como referência o próprio conteúdo do conhecimento e
a análise conceitual do domínio desse conhecimento (VERGNAUD, 1994, p. 41;
FRANCHI, 1999, p. 160). Para Vergnaud, Piaget não se deu conta de quanto o
desenvolvimento cognitivo depende de situações e de conceitualizações específicas
necessárias para lidar com elas (1998, p. 181). Segundo ele, Piaget também não
percebeu o infrutífero que é tentar reduzir a complexidade conceitual, progressivamente
dominada pelas crianças, a algum tipo de complexidade lógica geral (1994, p. 41).
Vergnaud argumenta que embora Piaget tenha feito um trabalho muito importante para
a educação, ele não trabalhou dentro da sala de aula ensinando matemática e ciências.
No entanto, no momento em que nos interessamos por aquilo que se passa na sala de
aula, somos obrigados a nos interessar pelo conteúdo do conhecimento (1996b, p. 10).
O próprio Vergnaud, no que se refere à Matemática, foi obrigado a se interessar muito
mais do que Piaget por questões como as estruturas aditivas e as estruturas
multiplicativas para estudar as dificuldades dos alunos nessas áreas. Parece-lhe claro
que as dificuldades dos estudantes não são as mesmas de um campo conceitual para
outro (ibid.).
Por outro lado, Vergnaud reconhece a importância da teoria de Piaget, destacando as
ideias de adaptação, desequilibração e reequilibração como pedras angulares para a
investigação em didática das Ciências e da Matemática. Mas acredita que a grande pedra
angular colocada por Piaget foi o conceito de esquema (1996c, p. 206). Tal conceito,
como veremos mais adiante, é fundamental na teoria de Vergnaud.
Vergnaud reconhece igualmente que sua teoria dos campos conceituais foi
desenvolvida também a partir do legado de Vygotsky. Isso se percebe, por exemplo, na
importância atribuída à interação social, à linguagem e à simbolização no progressivo
domínio de um campo conceitual pelos alunos. Para o professor, a tarefa mais difícil é a
de prover oportunidades aos alunos para que desenvolvam seus esquemas na zona de
desenvolvimento proximal (1998, p. 181).
Vergnaud toma como premissa que o conhecimento está organizado em campos
conceituais cujo domínio, por parte do sujeito, ocorre ao longo de um largo período de
.
tempo, através de experiência, maturidade e aprendizagem (1982, p. 40). Campo
conceitual é, para ele, um conjunto informal e heterogêneo de problemas, situações,
conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento, conectados uns
aos outros e, provavelmente, entrelaçados durante o processo de aquisição (ibid.).
O domínio de um campo conceitual não ocorre em alguns meses, nem mesmo em alguns
anos. Ao contrário, novos problemas e novas propriedades devem ser estudados ao
longo de vários anos se quisermos que os alunos progressivamente os dominem.
De nada serve tentar contornar as dificuldades conceituais; elas são superadas na
medida em que são encontradas e enfrentadas, mas isso não ocorre de um só golpe
(1983a, p. 401).
A teoria dos campos conceituais supõe que o âmago do desenvolvimento cognitivo é
a conceitualização (1996a, p. 118). É ela a pedra angular da cognição (1998, p. 173).
Logo, deve-se dar toda atenção aos aspectos conceituais dos esquemas e à análise
conceitual das situações para as quais os estudantes desenvolvem seus esquemas, na
escola ou fora dela (1994, p. 58).
Não é, no entanto, uma teoria de ensino de conceitos explícitos e formalizados.
Trata-se de uma teoria psicológica do processo de conceitualização do real que permite
localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de
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Campos conceituais
Página 59 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
vez, o domínio de vários conceitos de naturezas distintas. Por exemplo, o campo
conceitual das estruturas multiplicativas consiste de todas as situações que podem ser
analisadas como problemas de proporções simples e múltiplas para os quais geralmente
é necessária uma multiplicação, uma divisão ou uma combinação dessas operações
(ibid.). Vários tipos de conceitos matemáticos estão envolvidos nas situações que
constituem o campo conceitual das estruturas multiplicativas e no pensamento
necessário para dominar tais situações. Entre tais conceitos estão o de função linear,
função não linear, espaço vetorial, análise dimensional, fração, razão, taxa, número
racional, multiplicação e divisão (ibid.). Analogamente, o campo conceitual das
estruturas aditivas é o conjunto de situações cujo domínio requer uma adição, uma
subtração ou uma combinação de tais operações.
Como se pode observar, a definição referida na introdução – conjunto informal e
heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e
operações de pensamento, conectados uns aos outros e, provavelmente, entrelaçados
durante o processo de aquisição – é mais abrangente. Posteriormente a ela, Vergnaud
destaca a ideia de situações nas definições que dá de campo conceitual. Como ver-se-á
mais adiante, situação é um conceito-chave da teoria de Vergnaud, porém a definição
inicial, mais ampla, de campo conceitual dá uma ideia melhor da complexidade daquilo
que ele chama de campo conceitual.
Três argumentos principais levaram Vergnaud (1983a, p. 393) ao conceito de campo
conceitual: 1) um conceito não se forma dentro de um só tipo de situações; 2) uma
situação não se analisa com um só conceito; 3) a construção e apropriação de todas as
propriedades de um conceito ou todos os aspectos de uma situação é um processo de
muito fôlego que se estende ao longo dos anos, às vezes uma dezena de anos, com
analogias e mal-entendidos entre situações, entre concepções, entre procedimentos,
entre significantes.
Vergnaud considera o campo conceitual como uma unidade de estudo para dar
sentido às dificuldades observadas na conceitualização do real e, como foi dito antes, a
teoria dos campos conceituais supõe que a conceitualização é a essência do
desenvolvimento cognitivo.
Além dos já citados campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas,
outros importantes campos conceituais, interferindo com esses dois, incluem:
deslocamentos e transformações espaciais; classificações de objetos e aspectos
discretos; movimentos e relações entre tempo, velocidade, distância, aceleração e força;
.
relações de parentesco; medições de quantidades espaciais e físicas contínuas
(1983b, p. 128).
Naturalmente, esses campos conceituais não são independentes e uns podem ser
importantes para a compreensão de outros, mas, ainda assim, Vergnaud considera útil
falar em distintos campos conceituais se eles puderem ser consistentemente descritos.
Ele crê que é praticamente impossível estudar as coisas separadamente, mas, por isso
mesmo, é preciso fazer recortes e é nesse sentido que os campos conceituais são
unidades de estudo frutíferas para dar sentido aos problemas de aquisição e às
observações feitas em relação à conceitualização (1983a, p. 393).
Já que o núcleo do desenvolvimento cognitivo é a conceitualização, Vergnaud destaca
que é preciso dar toda atenção aos aspectos conceituais dos esquemas e à análise
conceitual das situações nas quais os aprendizes desenvolvem seus esquemas na escola
ou na vida real (1994, p. 58). Isso nos leva ao conceito de conceito na teoria dos campos
conceituais.
Conceitos
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Vergnaud define conceito como um tripleto de três conjuntos (1983a, p. 393; 1988,
p. 141; 1990, p. 145; 1993, p. 8; 1997, p. 6), C = (S, I, R) onde:
S é um conjunto de situações que dão sentido ao conceito;
I é um conjunto de invariantes (objetos, propriedades e relações) sobre os quais
repousa a operacionalidade do conceito, ou o conjunto de invariantes operatórios
associados ao conceito, ou o conjunto de invariantes que podem ser reconhecidos e
usados pelos sujeitos para analisar e dominar as situações do primeiro conjunto;
R é um conjunto de representações simbólicas (linguagem natural, gráficos e
diagramas, sentenças formais, etc.) que podem ser usadas para indicar e representar
esses invariantes e, consequentemente, representar as situações e os procedimentos
para lidar com elas.
O primeiro conjunto – de situações – é o referente do conceito, o segundo – de
invariantes operatórios – é o significado do conceito, enquanto o terceiro – de
representações simbólicas – é o significante.
Uma definição pragmática poderia considerar um conceito como um conjunto de
invariantes utilizáveis na ação, mas esta definição implica também um conjunto de
situações que constituem o referente e um conjunto de esquemas postos em ação pelos
sujeitos nessas situações. Daí, o tripleto (S, R, I) onde, em termos psicológicos, S é a
realidade e (I, R) a representação que pode ser considerada como dois aspectos
interagentes do pensamento, o significado (I) e o significante (R) (1998, p. 141).
Isso implica que para estudar o desenvolvimento e uso de um conceito, ao longo da
aprendizagem ou de sua utilização, é necessário considerar esses três conjuntos
simultaneamente. Não há, em geral, correspondência biunívoca entre significantes e
significados, nem entre invariantes e situações; não se pode, portanto, reduzir o
significado nem aos significantes nem às situações (1990, p. 146). Por outro lado, como
foi dito, um único conceito não se refere a um só tipo de situação e uma única situação
não pode ser analisada com um só conceito.
Por tudo isso, é necessário falar-se em campos conceituais. Mas se os conceitos
tornam-se significativos através de situações decorre, naturalmente, que as situações e
não os conceitos constituem a principal entrada de um campo conceitual. Um campo
conceitual é, em primeiro lugar, um conjunto de situações (1988, p. 141; 1990, p. 5), cujo
domínio requer o domínio de vários conceitos de naturezas distintas.
Situações
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fomos capazes de dominar ou de nossa experiência tentando modificá-las
(1996a, p. 117).
Como foi dito antes, as situações é que dão sentido ao conceito; as situações é que
são responsáveis pelo sentido atribuído ao conceito (BARAIS; VERGNAUD, 1990, p. 78);
um conceito torna-se significativo através de uma variedade de situações (1994, p. 46).
Mas o sentido não está nas situações em si mesmas, assim como não está nas palavras
nem nos símbolos (1990, p. 158).
O sentido é uma relação do sujeito com as situações e com os significantes. Mais
precisamente, são os esquemas, i. e., os comportamentos e sua organização, evocados no
sujeito por uma situação ou por um significante (representação simbólica) que
constituem o sentido dessa situação ou desse significante para esse indivíduo
(1990, p. 158; 1993, p. 18). Por exemplo, o sentido de adição para um sujeito individual
é o conjunto de esquemas que ele pode utilizar para lidar com situações com as quais se
defronta e que implicam a ideia de adição; é também o conjunto de esquemas que ele
pode acionar para operar sobre os símbolos numéricos, algébricos, gráficos e
linguísticos que representam a adição (ibid.). Por outro lado, uma dada situação ou um
certo simbolismo não evocam no indivíduo todos os esquemas disponíveis, o que
significa que o sentido de uma situação particular de adição não é o sentido de adição
para esse indivíduo, assim como não o é o sentido de um símbolo particular. Trata-se de
um subconjunto dos esquemas que o sujeito possui, ou dos esquemas possíveis. (ibid.)
Vejamos onde estamos: a ideia de campo conceitual nos levou ao conceito de
conceito como um tripleto (referente, significado e significante); porém, como são as
situações que dão sentido ao conceito, chegamos ao conceito de situação e dele ao de
esquema, pois são os esquemas evocados no sujeito que dão sentido a uma dada
situação. O conceito de esquema, como veremos, nos levará ao conceito de invariante
operatório.
Esquemas
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a ideia piagetiana de que os esquemas estão no centro do processo de adaptação das
estruturas cognitivas, i. e., na assimilação e na acomodação. Contudo, Vergnaud dá ao
conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os
esquemas devem relacionar-se com as características das situações às quais se aplicam.
Há muito de implícito nos esquemas. Muitos esquemas podem ser evocados
sucessivamente, e mesmo simultaneamente, em uma situação nova para o sujeito
(1990, p. 140). As condutas em uma dada situação repousam sobre o repertório inicial
de esquemas que o sujeito dispõe. Como já foi dito, o desenvolvimento cognitivo pode
ser interpretado como consistindo, sobretudo, no desenvolvimento de um vasto
repertório de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana.
Do ponto de vista teórico, o conceito de esquema proporciona o indispensável
vínculo entre a conduta e a representação (1996c, p. 202): a relação entre situações e
esquemas é a fonte primária da representação e, portanto, da conceitualização
(1998, p. 177). Por outro lado, são os invariantes operatórios que fazem a articulação
essencial entre teoria e prática, pois a percepção, a busca e a seleção de informação
baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-ação disponíveis para o sujeito
(objetos, atributos, relações, condições, circunstâncias...) e nos teoremas-em-ação
subjacentes à sua conduta (1996c, p. 202).
As expressões conceito-em-ação e teorema-em-ação designam os conhecimentos
contidos nos esquemas. São também designados, por Vergnaud, pela expressão mais
global invariantes operatórios. Teorema-em-ação é uma proposição considerada como
verdadeira sobre o real; conceito-em-ação é uma categoria de pensamento considerada
como pertinente (ibid.).
Esta seção foi dedicada ao conceito de esquema. Dos ingredientes de um esquema –
metas e antecipações, regras de ação, invariantes operatórios e possibilidades de
inferência – os invariantes operatórios, i. e., os conhecimentos-em-ação (conceitos e
teoremas-em-ação) constituem a base conceitual, implícita ou explícita, que permite
obter a informação pertinente e, a partir dela e da meta a atingir, inferir as regras de
ação mais pertinentes para abordar uma situação (1996c, p. 201). Um exemplo de
esquema, dado por Franchi (1999, p. 165), pode ser útil para ilustrar esses aspectos e
concluir esta seção. Trata-se do esquema da enumeração de uma pequena coleção de
objetos discretos por uma criança de cinco anos: por mais que varie a forma de contar,
por exemplo, copos na mesa, cadeiras da sala, pessoas sentadas de maneira esparsa em
.
um jardim, não deixa de haver uma organização invariante para o funcionamento do
esquema: coordenação dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das mãos,
enunciação correta da série numérica, identificação do último elemento da série como o
cardinal do conjunto enumerado (acentuação ou repetição do último “número”
pronunciado). Vê-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades
perceptivo-motoras, a significantes (as palavras-números) e a construções conceituais,
tais como a de correspondência biunívoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de
números naturais, a de cardinal e ordinal e outras. Recorre igualmente a conhecimentos,
tais como os que identificam o último elemento da série ordinal ao cardinal do conjunto.
Esses conceitos e conhecimentos são implícitos e praticamente insuscetíveis de
explicitação por uma criança nas fases iniciais da aprendizagem de competências e
conceitos aritméticos. Entretanto, orientam o desenvolvimento da ação sendo chamados
de conhecimentos-em-ação. A ausência de uma conceituação adequada está no centro da
origem dos erros sistemáticos cometidos pelos alunos (ibid.).
Naturalmente, os esquemas usados por crianças maiores e por adultos em
determinadas classes de situações podem ser muito mais elaborados, mas a ideia é
mesma: o esquema é a forma estrutural da atividade, é a organização invariante do
sujeito sobre uma classe de situações dadas (op. cit. p. 164) e contém
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Invariantes operatórios
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Segundo Vergnaud (1994, p. 54), entre os mais importantes teoremas-em-ação
desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomórficas da função
linear
f(x) = ax
1
x = f(x)
a
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ser debatida, uma proposição tida como verdadeira de maneira totalmente implícita,
não. Assim, o caráter do conhecimento muda se for comunicável, debatido e
compartilhado (op. cit., p. 204).
A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud, ou seja, um
diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais
inter-relações. As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos
procuram explicitar a natureza da relação entre elas. Por exemplo, a relação entre
situações e conceitos é referente, pois as situações é que dão sentido ao conceito, i. e.,
constituem o referente do conceito. Outro exemplo: a interação entre situações e
esquemas é a fonte primária das representações simbólicas e estas constituem o
significante de um conceito. As setas, quando existem, sugerem apenas uma direção para
leitura.
Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget – ocupando-se do estudo do funcionamento
cognitivo do sujeito-em-situação, ao invés de ocupar-se de operações lógicas gerais ou
de estruturas gerais de pensamento e tomando como referência o próprio conteúdo do
conhecimento e a análise conceitual do domínio desse conhecimento
(1994, p. 41; FRANCHI, 1999, p. 160) – a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana
que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem
nessa teoria. Por outro lado, tem também influência vygotskyana pois considera o
professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo
domínio de um campo conceitual pelo aluno. Sua tarefa consiste principalmente em
ajudar o aluno a desenvolver seu repertório de esquemas e representações. Novos
esquemas não podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatórios. A
linguagem e os símbolos são importantes nesse processo de acomodação e o professor
faz amplo uso deles na sua função mediadora. Mas o principal ato mediador do professor
é o de prover situações frutíferas aos alunos (1998, p. 181). Um conceito, ou uma
proposição, torna-se significativo através de uma variedade de situações, mas não se
capta o significado sozinho. O papel mediador do professor é essencial (1994, p. 44).
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.
Nome:
Ficha
Licenciatura Plena em Química Professor: Charles Turuda
Campus Vitória de Santo Antão
09
DCN500 – Didática das Ciências Naturais 03.06.2017
TEXTO E
Basta dar atenção à bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de
Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educação
Página 69 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
matemática. Nada mais natural, pois as pesquisas de Vergnaud, e que sustentam sua
teoria, têm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemática, particularmente das
estruturas aditivas e multiplicativas. Não obstante, como foi dito na introdução, essa
teoria não é específica da Matemática e justamente por isso este texto tem por objetivo
descrevê-la e divulgá-la entre professores de ciências e pesquisadores em educação em
ciências.
Nas próximas seções serão comentadas algumas implicações da teoria dos campos
conceituais de Vergnaud para o ensino de ciências e para a pesquisa nesse campo.
sujeitos se deparam com questões que nunca se propuseram antes ou que envolvem
valores não usuais das variáveis de uma dada situação. Outro exemplo de dificuldade
enfrentada pelos sujeitos está no fato de que os modelos científicos fazem uso de
entidades que geralmente não são acessíveis sensorialmente. Em Física, por exemplo, os
estudantes enfrentam uma dificuldade que também existe na Álgebra: a verificação do
significado de representações simbólicas depende não só da habilidade que o sujeito
tenha para representar as entidades e as relações entre elas, mas principalmente de
elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema, estado,
interação, transferência, conservação, apenas para mencionar alguns) (ibid.; p. 76).
O que tudo isso quer dizer é que é normal que os alunos apresentem tais concepções
e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos científicos a serem
adquiridos. A ativação desses precursores é necessária e deve ser guiada pelo professor.
As concepções prévias dos alunos contêm teoremas e conceitos-em-ação que não são
verdadeiros teoremas e conceitos científicos mas que podem evoluir para eles. Porém,
como já foi dito, o hiato entre os invariantes operatórios dos alunos e os do
conhecimento científico é grande, de modo que a mudança conceitual poderá levar
muito tempo.
Por outro lado, pode ocorrer que certos conceitos possam ser construídos somente
se certas concepções prévias forem abandonadas. Quer dizer, o conhecimento prévio
pode funcionar como obstáculo epistemológico (ibid.; p. 83). Nesse caso, a ação
mediadora do professor é também imprescindível.
A construção do conhecimento pelo aprendiz não é um processo linear, facilmente
identificável. Ao contrário, é complexo, tortuoso, demorado, com avanços e retrocessos,
continuidades e rupturas. O conhecimento prévio é determinante no progressivo
domínio de um campo conceitual, mas pode também, em alguns casos, ser impeditivo.
Continuidades e rupturas não são, no entanto, excludentes. Pode haver continuidade e
ruptura. A Álgebra, por exemplo, se apoia na Aritmética, mas, ainda assim, para
aprendê-la é necessário romper com a Aritmética. A Mecânica Clássica e a Mecânica
Quântica apresentam continuidades, mas para aprender esta é preciso rupturas com
aquela.
No ensino, é necessário desestabilizar cognitivamente o aluno, mas não demais. É
preciso identificar sobre quais conhecimentos prévios a criança pode se apoiar para
aprender, mas é forçoso também distinguir quais as rupturas necessárias. Quer dizer, é
preciso propor também, com cuidado, situações para as quais os alunos não têm onde se
apoiar, ou não devem se apoiar, em conhecimentos prévios.
As ideias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento prévio (que pode ser
“alternativo”) como precursor de novos conhecimentos (que podem ser científicos) e
sobre as continuidades e rupturas na construção do conhecimento, parecem ter muito a
ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (AUSUBEL et al., 1980;
MOREIRA, 1999a; 1999b). Para Ausubel, o conhecimento prévio é o principal fator,
isolado, que influencia a aquisição de novos conhecimentos. A aprendizagem
significativa se caracteriza pela interação entre o novo conhecimento e o conhecimento
prévio. É nessa interação que o novo conhecimento adquire significados e o
conhecimento prévio se modifica e/ou adquire novos significados. Mas tal interação não
é arbitrária, ou seja, o novo conhecimento adquire significados pela interação com
conhecimentos prévios especificamente relevantes. Em outras palavras, a interação não
é com qualquer conhecimento prévio. Nesse sentido, no ensino é preciso identificar
sobre quais conhecimentos prévios o aluno pode se apoiar para aprender. Contudo, o
efeito do conhecimento prévio na aprendizagem é tão forte que em certos casos é
preciso romper com ele. Por exemplo, no ensino do conceito de aprendizagem
significativa pode não ser adequado apoiar-se na ideia de interação, pois esta pode estar
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fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relação assimétrica que
poderia dificultar a compreensão do fato de que na aprendizagem significativa tanto o
novo conhecimento como o conhecimento prévio se modificam. Por outro lado, a
compreensão da aprendizagem significativa como uma relação simétrica, ou de ação
recíproca, juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo ação
recíproca, poderia levar a uma evolução dos conceitos e teoremas-em-ação associados à
ideia de interação (que é uma ideia-chave na ciência) para outros progressivamente
mais próximos daqueles cientificamente compartilhados.
Mas se a teoria dos campos conceituais é compatível com a teoria da aprendizagem
significativa, por que não ficar com esta que é bastante mais conhecida e aceita no
ensino de ciências? A resposta é que podem ser tomadas como complementares: a teoria
de Ausubel, é uma teoria de aprendizagem em sala de aula, de aquisição de corpos
organizados de conhecimento em situação formal de ensino, enquanto que a teoria de
Vergnaud é uma teoria psicológica do processo de conceituação do real que se propõe a
localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de
seu conteúdo conceitual. A teoria de Vergnaud não é uma teoria de ensino de conceitos
explícitos e formalizados, embora tenha subjacente a ideia de que os
conhecimentos-em-ação (largamente implícitos) podem evoluir, ao longo do tempo,
para conhecimentos científicos (explícitos). A teoria de Ausubel, por outro lado, se
ocupa exatamente da aquisição de conceitos explícitos e formalizados, chegando
inclusive a propor princípios programáticos – como a diferenciação progressiva, a
reconciliação integradora e a consolidação – para a organização do ensino.
Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de
teorema-em-ação e conceito-em-ação, ao definir conceito como um tripleto, ao colocar a
conceitualização no âmago do desenvolvimento cognitivo, ao priorizar a interação
sujeito-situação e, como não poderia deixar de ser, ao definir campo conceitual,
Vergnaud provê um referencial muito rico para compreender, explicar e investigar o
processo da aprendizagem significativa. A teoria dos campos conceituais de Vergnaud
parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da
aprendizagem significativa de Ausubel. O que para Ausubel são campos organizados de
conhecimento, para Vergnaud são campos conceituais.
.
Professor/Ensino
conceitos; elas é que são responsáveis pelo sentido atribuído ao conceito (BARAIS,
VERGNAUD, 1990, p. 78); um conceito torna-se significativo através de uma variedade
de situações (1994, p. 46), mas o sentido não está nas situações em si mesmas, assim
como não está nas palavras nem nos símbolos (1990, p. 158).
Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor
na perspectiva de Vergnaud, as situações antes referidas não são situações didáticas,
propriamente ditas, mas sim tarefas, problemas.
O papel do professor como mediador, provedor de situações problemáticas
frutíferas, estimuladoras da interação sujeito-situação que leva à ampliação e à
diversificação de seus esquemas de ação, ou seja, ao desenvolvimento cognitivo, deixa
ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem também forte influência vygotskyana.
Há, no entanto, outra importante implicação da teoria dos campos conceituais para o
ensino: a questão do conhecimento implícito e do conhecimento explícito. A escola,
segundo Vergnaud (1994, p. 47), superestima o conhecimento explícito e subestima, até
mesmo desvaloriza, o conhecimento implícito dos alunos. Contudo, a maior parte de
nossa atividade física e mental, de nosso comportamento enfim, é constituída de
esquemas e estes têm como componentes essenciais os invariantes operatórios
(conceitos e teoremas-em-ação) que constituem os conhecimentos contidos nos
esquemas e que são largamente implícitos. Quer dizer, há muito de implícito nos
esquemas. Os alunos, em geral, não são capazes de explicar ou expressar em linguagem
natural seus teoremas-em-ação, ainda que sejam capazes de resolver certas tarefas
(situações). Não só alunos, qualquer pessoa muitas vezes é incapaz de colocar em
palavras coisas que faz muito bem, conhecimentos que tem. Há um hiato, entre a ação e a
formalização da ação. Agimos com o auxílio de invariantes operatórios sem expressá-los
ou sem sermos capazes de expressá-los. A análise cognitiva dessas ações muitas vezes
revela a existência de potentes teoremas e conceitos-em-ação implícitos. Esse
conhecimento, no entanto, não pode ser, apropriadamente, chamado de conceitual pois
o conhecimento conceitual é necessariamente explícito (VERGNAUD et al., 1990, p. 20).
Portanto, palavras e outros símbolos, sentenças e outras expressões simbólicas, são
instrumentos cognitivos indispensáveis para a transformação de invariantes
operatórios, implícitos, em conceitos e teoremas científicos, explícitos. (ibid.) Quer dizer,
a formalização – o ensino direcionado à formalização – é necessária, porém é preciso
levar em conta que as ideias científicas evoluem no aluno, durante um longo período de
desenvolvimento cognitivo, através de uma variedade de situações e atividades e que
qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode não ser mais
do que a parte visível de um iceberg formado basicamente por conhecimentos implícitos
(op. cit.; p. 21). O ensino de ciências não pode deixar de lado a simbolização e a
formalização, porque a ciência é simbólica, formal e explícita, mas é preciso ter sempre
em mente que o conhecimento do aluno, como de qualquer outro sujeito, é, em grande
parte, implícito. O ensino de ciências deve facilitar a transformação do conhecimento
implícito em explícito, sem nunca subestimá-lo ou desvalorizá-lo. A trajetória do
aprendiz ao longo de um campo conceitual científico é sinuosa, difusa, difícil e,
sobretudo, demorada. Não se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual
como o da Termodinâmica, por exemplo, através de uma ou duas unidades didáticas
desenvolvidas ao longo de dois ou três meses. É normal que o aluno continue usando
conhecimentos implícitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos
explícitos da ciência. A perspectiva dos campos conceituais é progressiva, não
substitutiva. Ou seja, o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo
aprendiz; o conhecimento implícito vai evoluindo, progressivamente, para o explícito, ao
invés de ser substituído por ele. Isso, como alerta Vergnaud, pode levar muito tempo,
muitos anos talvez, mas o ensino e, em última análise, o professor têm um papel
essencial nesse processo. Sem o ensino, não há razão nenhuma para se acreditar que o
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sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os
científicos.
Resolução de Problemas
19Lembremos que um campo conceitual é, em primeiro lugar, um conjunto de situações (1998, p. 141;
1990, p. 5), cujo domínio requer o domínio de vários conceitos de naturezas distintas.
.
de problemas. Para Vergnaud, a problematização vai muito além da abstração de
regularidades do mundo observável. Problemas são teóricos e práticos, não meramente
empíricos, mesmo para crianças pequenas. Quando uma classe de problemas é resolvida
por um indivíduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para
lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe), o caráter problemático
dessa classe específica desaparece (ibid.). Mas essa competência desenvolvida pelo
indivíduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo;
trata-se então, de um processo cíclico.
Vergnaud chama de “ilusão pedagógica” (1983 b, p. 173) a atitude dos professores
que creem que o ensino, de Física digamos, consiste na apresentação organizada, clara,
rigorosa, das teorias formais e que, quando isso é bem feito, os alunos aprendem.
Trata-se de uma ilusão porque, segundo ele, é através de situações de resolução de
problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situações de resolução de
problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar, pelo
menos inicialmente, muito distantes do formalismo apresentado pelo professor. Mas,
apesar disso, tais situações são essenciais para o desenvolvimento de conceitos. Quer
dizer, ao mesmo tempo que as situações formais são necessárias, é preciso levar em
consideração que o aluno pode estar ainda muito longe delas. (1983 b, p. 172).
Página 74 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Representações 20
No tripleto C (S, I, R) que define conceito (p. 4 deste trabalho), Vergnaud dizia que S
(o conjunto de situações que dão sentido ao conceito) é a realidade e (I, R) a
representação dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos
interagentes do pensamento, o significado (I) e o significante (R).
Isso sugere que, inicialmente, Vergnaud usava o termo representação como sendo o
de um sistema simbólico que significaria algo para o sujeito: um sistema de signos e uma
sintaxe, ou operações sobre elementos do sistema. Para ele, conceitos e símbolos eram
20A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seção
está bem mais elaborada no trabalho “Além da detecção de modelos mentais dos estudantes. Uma
proposta representacional integradora”, de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira.
duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenção ao uso que os alunos faziam
dos símbolos à luz do uso que faziam dos conceitos. Quer dizer, a habilidade em resolver
situações em linguagem natural seria o melhor critério para aquisição de conceitos, mas,
por outro lado, a simbolização ajudaria nisso (1982, p. 57). Assim como há problemas
mais facilmente resolvíveis do que outros, ou procedimentos mais fáceis do que outros,
haveria representações simbólicas mais potentes do que outras; equações, por exemplo,
seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn. Todavia, tais equações deveriam
representar situações significativas.
Porém, em outro trabalho, mais recente (1998, p. 173), Vergnaud fala em teorias de
representações e diz que, para ser útil, uma teoria dessas deve conter a ideia de que as
representações ofereçam possibilidades de inferência, i. e., que elas nos tornem capazes
de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou
evitar algum efeito negativo.
Diz ele (op. cit., p. 174) que temos representações computáveis para gestos e ações
sobre o mundo físico, bem como para comportamentos verbais e para interações sociais.
Tais representações podem ser corretas ou erradas, vagas ou precisas, explícitas ou
totalmente implícitas; em qualquer caso, elas funcionam como substitutos computáveis
da realidade e, portanto, são feitas de teoremas-em-ação, proposições tidas como
Página 75 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
verdadeiras.
A construção do conhecimento consiste, então, na progressiva construção de
representações mentais que são homomórficas à realidade para alguns aspectos e para
outros não (1990, p. 22). Por um lado, a representação é ativa, pragmática e operacional,
por outro, é discursiva, teórica e simbólica (ibid.). Mas há importantes lacunas entre o
que está representado na mente de um indivíduo e o significado usual das palavras e
outros signos, pois sistemas linguísticos e semióticos não têm por finalidade expressar
exatamente o que cada indivíduo tem em mente quando enfrenta uma situação,
selecionando e processando a informação (1998, p. 176). Para Vergnaud, a relação entre
situações e esquemas é a fonte primária da representação, mas sua teoria afasta-se
muito da visão de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira não
ambígua através de símbolos. Por maior que seja (e é grande) o papel dos símbolos no
pensamento, o conhecimento não é, em essência, simbólico. O reconhecimento de
invariantes em ação e percepção, e a progressiva construção de objetos e predicados de
nível mais alto, são aspectos mais essenciais do conhecimento. (op. cit., p. 177).
Podemos, então, fazer uma ponte entre os significados mais recentes de
representação na teoria de Vergnaud e a teoria, também recente, dos modelos mentais
(JOHNSON-LAIRD, 1983; MOREIRA, 1996). Dizer que temos representações
computáveis para gestos e ações sobre o mundo físico, para comportamentos verbais e
para interações sociais, e que tais representações — que podem ser corretas ou erradas,
vagas ou precisas, explícitas ou (principalmente) implícitas — permitem fazer
inferências é, praticamente, dizer que tais representações são modelos mentais.
Johnson-Laird define modelos mentais como análogos estruturais de estados de coisas
do mundo. São instrumentos de compreensão e inferência. Quando nos defrontamos
com uma situação nova, construímos um modelo mental para entendê-la, descrevê-la e
prever o que vai acontecer. Este modelo pode ser correto ou não (no sentido de que suas
previsões não são corretas cientificamente), pode ser vago, confuso, incompleto, mas é,
sobretudo, funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente até
atingir tal funcionalidade.
Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais, i. e., constituídos
principalmente de proposições, ou basicamente imagísticos, ou seja, construídos
predominantemente com imagens, ou, ainda, híbridos, quer dizer, formados por
proposições e imagens (GRECA, MOREIRA, 1997). Então, as proposições constituintes
.
dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-ação de Vergnaud.
Como ele mesmo diz, as representações funcionam como substitutos computáveis da
realidade e, portanto, são feitas de teoremas-em-ação. Com o progressivo domínio de um
campo conceitual, os teoremas-em-ação (grandemente implícitos) vão se aproximando
de teoremas científicos (proposições explícitas). Analogamente, à medida que o sujeito
adquire mais conhecimentos científicos seus modelos mentais aproximam-se (no
sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos
científicos.
Pode-se, assim, dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contêm aquilo que
Vergnaud chama de teoremas-em-ação, ou seja proposições tidas como verdadeiras
sobre o real. Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir além, pois
os conceitos-em-ação de Vergnaud também podem integrar modelos mentais.
Conceitos-em-ação são objetos, predicados, ou categorias de pensamento, tidos como
pertinentes, relevantes, à situação. Analogamente, segundo o princípio do
construtivismo (Johnson-Laird, 1983, p. 398), um modelo mental é construído a partir
de sinais (“tokens”) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo
estado de coisas (isto é, uma certa situação). Se interpretássemos esses sinais (“tokens”)
como objetos, predicados ou categorias de pensamento pertinentes, dir-se-ia que os
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Pesquisa
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trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a análise, para a
decomposição em elementos simples e para as possíveis combinações de situações,
enquanto que a segunda o orienta para a busca de situações funcionais quase sempre
compostas de várias relações, cuja importância relativa está largamente ligada à
frequência com que são encontradas (ibid.).
Em outras palavras, o estudo psicogenético da aquisição de um campo conceitual
implica a análise, em termos relacionais e hierárquicos, das diferentes classes de
problemas que podem ser propostos aos alunos. Implica também o estudo dos distintos
procedimentos e representações simbólicas que o aprendiz utiliza (1982, p. 40). Em
relação às representações, Vergnaud diz (1994, p. 43) que é uma tarefa essencial, teórica
e empírica, dos pesquisadores entender por que uma certa representação simbólica
particular pode ser útil, e sob quais condições, e quando e por que pode ser
proveitosamente substituída por outra mais abstrata e geral.
Embora Vergnaud e vários pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua
teoria tenham se dedicado principalmente à pesquisa em educação matemática e, em
particular, ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas,
essa abordagem à pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciências, ou à educação em
ciências se preferirmos esta terminologia. Na resolução de problemas, por exemplo,
pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatórios. Quer
dizer, os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-ação que
podem até conduzi-los a uma solução satisfatória para uma certa situação, mas que não
funcionam para outra situação ligeiramente diferente da primeira porque tais
conhecimentos não são científicos e tampouco constituem um esquema de assimilação
que pode ser aplicado a uma classe de situações. Por outro lado, tais
conhecimentos-em-ação — que são largamente implícitos — podem ser precursores na
aquisição de conceitos científicos e, portanto, devem ser identificados, i. e., pesquisados.
Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Fávero (2002) no qual a resolução de
problemas em Física foi investigada em uma situação de interlocução entre um
especialista e um novato, é um exemplo nessa direção. Costa e Moreira (2002) e
Escudero e Moreira (2002) também estão trabalhando em resolução de problemas em
Física e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construção de modelos
mentais do enunciado à luz de aspectos da teoria dos campos conceituais.
.
O estudo da aprendizagem de conceitos físicos também pode ser feito no referencial
teórico de Vergnaud. Para ele, são as situações que dão sentido ao conceito, os
invariantes operatórios que constituem seu significado, e as representações simbólicas o
seu significante. Portanto, como sugere Vergnaud, é preciso identificar e classificar
situações adequadas à aprendizagem de determinado conceito, pesquisar os invariantes
operatórios usados pelos alunos e procurar entender como, por que, e quando uma certa
representação simbólica pode ajudar na conceitualização. O trabalho de Lemeignan e
Weil- Barais (1994) é talvez pioneiro nessa linha. As pesquisas de Stipcich e Moreira
(2002) sobre o conceito de interação e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito
de potencial elétrico estão usando o referencial de Vergnaud para interpretar as
dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos.
Obviamente, a teoria dos campos conceituais pode também ser usada como referente
teórico em pesquisas sobre mudança conceitual. De um modo geral, pode-se dizer que
essa teoria é potencialmente útil na análise das dificuldades dos alunos na resolução de
problemas em ciências, na aprendizagem de conceitos científicos e na mudança
conceitual. Uma vez identificadas tais dificuldades, essa mesma teoria pode ajudar no
delineamento de estratégias, ou melhor, na seleção de situações instrucionais que
possam ajudar na progressiva superação de tais dificuldades ou, em outras palavras, no
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Conclusão
Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Gérard
Vergnaud, particularmente para uma audiência de professores e pesquisadores em
ensino de ciências. Essa teoria é bastante conhecida na área da educação matemática,
porém relativamente pouco no campo da educação em ciências e justamente por isso foi
objeto deste texto.
Trata-se de uma teoria de base piagetiana, mas que afasta-se bastante de Piaget ao
tomar como referência o próprio conteúdo do conhecimento e a análise conceitual do
progressivo domínio desse conhecimento, bem como ao ocupar-se do estudo do
desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situação ao invés de operações lógicas gerais,
de estruturas gerais do pensamento. Ao fazer isso, a teoria de Vergnaud apresenta um
grande potencial para descrever, analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de
aula na aprendizagem de matemática e ciências. Provavelmente, esse tipo de teoria é o
de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa área.
Além de descrever a teoria, propriamente dita, procurou-se neste texto estabelecer
elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra “teoria de sala de
aula”) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird, assim como
destacar implicações para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciências.
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Referência
TEXTO F
Biografia de Kelly
As principais fontes utilizadas para elaborar essa biografia de Kelly foram: Boeree
(2006); Fransella e Neimeyer (2003, 2005); Hall, Lindzey e Campbell (2000) e Pervin e
John (2004). Em alguns relatos de fatos, houve conflitos de informação entre os autores.
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Nesses casos, fez-se opção de privilegiar as informações fornecidas por Fransella e
Neimeyer (2003, 2005), por serem pesquisadores que trabalham diretamente com a
TCP, ao contrário dos demais autores citados.
George Alexander Kelly nasceu em 28 de abril de 1905, em uma fazenda próxima a
Perth, no estado do Kansas, Estados Unidos da América (EUA). Era filho único de
Theodore Vincent Kelly, fazendeiro e originalmente ministro presbiteriano, e de Elfreda
Merriam Kelly, professora (BOEREE, 2006; HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 2000;
FRANSELLA, NIEMEYER, 2003, 2005).
O próprio Kelly contou que, em 1909, ele e sua família viajaram em uma carroça
coberta para o leste do Colorado como uns dos últimos desbravadores. A falta de água
fez sua família retornar à fazenda no Kansas, em 1913. Nesse intervalo de tempo, a
educação de Kelly ficou ao encargo de seus próprios pais. Isso ocorreu até os seus treze
anos de idade (BOEREE, 2006; FRANSELLA, NIEMEYER, 2003, 2005).
Entre 1918 e 1921, Kelly recebeu uma educação formal em uma escola em Wichita.
Aos 16 anos, entrou para a Friends’ University, ainda em Wichita, onde recebeu o título
de bacharel em Física e Matemática, em 1926. Iniciou o mestrado em Sociologia
Educacional na Universidade do Kansas, mas, em 1927, foi para Minneapolis, sem
concluir sua dissertação. Entrou para a Universidade de Minnesota em Sociologia e
Biométrica, mas saiu ao perceber que não poderia pagar as mensalidades (FRANSELLA,
NIEMEYER, 2003, 2005).
No inverno de 1927, conseguiu um trabalho como professor de Psicologia no Sheldon
Junior College, em Iowa. Também ensinava discurso e drama. Foi lá que conheceu sua
futura esposa: Gladys Thompson. Com pouco tempo de trabalho, recebeu uma bolsa de
estudo para fazer bacharelado em Educação, na área de Psicologia, pela Universidade de
Edimburgo, Escócia, que concluiu em 1930. Ao retornar aos EUA, doutorou-se em
Psicologia, em 1931, pela Universidade Estadual de Iowa, em apenas um ano
(FRANSELLA, NIEMEYER, 2003, 2005). Casou-se dois dias após receber o título de Ph.D.
(HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 2000). Baseado no obituário da esposa de Kelly escrito
por Epting (2004), George e Gladys tiveram três filhos: Jacqueline Aldridge, Joseph e
uma filha adotiva, Susan.
.
Em 1946, Kelly foi trabalhar na Universidade Estadual de Ohio, um ano depois de
Carl Rogers21 ter saído de lá. Tornou-se o diretor de psicologia clínica daquela
universidade; trabalhou a maior parte do tempo de sua vida nela, um total de 19 anos.
Foi onde desenvolveu a maior parte de sua teoria. Em 1965, iniciou uma carreira de
pesquisador da Universidade de Brandeis, a convite de Maslow22. Faleceu a 6 de março
de 1967, com apenas 62 anos, deixando muito de seu trabalho incompleto (BOEREE,
2006; HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 2000; FRANSELLA, NIEMEYER, 2003, 2005).
A Figura 3 ilustra o contexto histórico científico em que viveu George Kelly. Nota-se
que foi contemporâneo de Piaget23, de Vygotsky24 e do surgimento do
comportamentalismo. A título de curiosidade, Kelly chegou a ter contato direto com
Luria, discípulo e colaborador de Vygotsky, em Moscou, segundo relato de Shaw e Gaines
(1992). Corroborando com essa informação, há um texto de Kelly preparado a convite
da Sociedade Psicológica de Moscou (KELLY, 1961). O convite para ir até lá foi para que
esclarecesse sua teoria devido às reações à publicação de seu livro.
Comportamentalismo
Watson, “Comportamentalismo” (1925).
Psicodinâmica Hull, “Princípios de
Comportamento” (1943).
Freud, “Três Ensaios Skinner, “Ciência e Comportamento
sobre a Teoria da Humano” (1953).
Sexualidade” (1905).
Cognitivismo
Piaget, “A Linguagem e o
Pensamento na Criança” Bruner, Goodnow e Austin, “Um
(1923). Estudo do Pensamento” (1956).
Vygotsky, “Pensamento e
Pragmatismo Linguagem” (1934). Publicação de “Pensamento e
James, “Princípios de Linguagem” nos EUA (1961).
Psicologia” (1890). Dewey, “Reconstrução
Kelly, “Psicologia dos
em Filosofia” (1920).
Construtos Pessoais” (1955).
Vida profissional de Kelly
George Kelly (1905-1966)
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
De acordo com uma análise de Cloninger (2003), o fato de Kelly ter terminado seu
doutorado em apenas um ano, contribuiu para que sua teoria fosse independente das
21 Carl Rogers, psicopedagogo norte-americano (Oak Park, Illinois, 1902 – La Jolla, Califórnia, 1087).
“Desenvolveu uma terapia fundamentada na relação direta entre terapeuta e cliente, centrada neste
último” (LARROUSE, 1998, p. 5098).
22 Abraham Maslow (Nova Iorque, 1908 – Califórnia, 1970), psicólogo norte-americano. Em Psicologia, foi
para resolver o conflito entre as concepções idealista e mecanicista através do materialismo dialético (id.)
e cuja teoria tem sido bastante utilizada em pesquisas na área de ensino e aprendizagem.
demais desenvolvidas na mesma época. Pervin e John (2004) apontam o grande
distanciamento que Kelly queria ter do comportamentalismo e da psicodinâmica.
Pela descrição biográfica de Kelly nota-se sua grande diversidade de interesses
(Física, Matemática, Sociologia, Educação, Psicologia…). Na próxima seção, mostra-se um
pouco da TCP. Para um estudo mais completo, recomenda-se insistentemente a leitura
direta da obra do teórico.
Em 1955, George Kelly sistematizou sua teoria e publicou “Psicologia dos Construtos
Pessoais” com 1.218 páginas e em dois volumes. Outro livro dele (KELLY, 1963)
comprime os três primeiros capítulos da publicação anterior: “alternativismo
construtivo”, “teoria básica” e “a natureza dos construtos pessoais”. Essa última obra foi
utilizada para a elaboração do presente estudo.
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Alternativismo construtivo
George Kelly tem uma posição filosófica bastante particular. Ele defende duas ideias
principais:
primeira, que o ser humano poderia ser melhor entendido se fosse visto na
perspectiva dos séculos, não na luz bruxuleante de momentos passageiros; segunda,
que cada indivíduo contempla à sua maneira o fluxo de eventos no qual ele se vê tão
rapidamente carregado (MOREIRA, 1999, p. 123).
Essa postura filosófica foi chamada por ele de “alternativismo construtivo”. Gargallo
e Cánovas (1998) afirmam que Kelly tentou conciliar o empirismo e a lógica pragmática
da tradição norte-americana e o racionalismo e idealismo da tradição européia. Para
Pervin e John (2004), ainda há muita discussão sobre a postura filosófica de Kelly: se é
fenomenológica ou existencial ou comportamentalista. Nesse trabalho, adota-se a
mesma postura desses autores. A TCP é uma teoria cognitiva.
Metáfora do homem-cientista
Cientista Homem
Sistema de
Teoria Construção
} Corolário da Construção
Hipótese Antecipação
} Postulado Fundamental
Observação e Experiência e
Experimento Comportamento
} Corolário da Experiência
Sistema de
Teoria
Construção
Página 86 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Postulado fundamental
O postulado fundamental de Kelly diz que: “os processos de uma pessoa são
psicologicamente canalizados pelas maneiras nas quais ela antecipa eventos”
(MOREIRA, 1999, p. 128). Uma das implicações desse postulado é que a TCP é uma
teoria cognitiva (PERVIN, JOHN, 2004), pois a antecipação é um ato cognitivo.
Página 87 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
construção “Uma pessoa pode empregar, sucessivamente, uma variedade de
Fragmentação subsistemas de construção que são inferencialmente incompatíveis
entre si.
“Um construto é conveniente somente para a antecipação de uma
Faixa
faixa finita de eventos”.
Individualidade “Pessoas diferem uma da outra em sua construção de eventos.
“Na medida em que uma pessoa emprega uma construção da
Comunalidade experiência que é similar àquela empregada por outra, seus
Contexto
processos psicológicos são similares aos da outra pessoa”.
social
“Na medida em que uma pessoa constrói os processos de construção
Socialidade de outra, ela pode ter um papel em um processo social envolvendo a
outra pessoa”.
Ciclo da Experiência
1. Antecipação 2. Investimento
do evento no resultado
5. Revisão
construtiva 3. Encontro
do sistema de com o evento
construtos
4. Confirmação ou
Refutação
da antecipação ou
hipótese
.
A partir do seu sistema de construtos, uma pessoa antecipa eventos. No
investimento, ocorre a canalização para o processo de aprendizagem. No encontro há a
interação entre as antecipações do indivíduo e os eventos. Na validação, uma
antecipação pode ser confirmada ou refutada. O resultado da etapa anterior indicará se
na revisão construtiva deve-se manter (confirmação) ou modificar (refutação) o sistema
de construtos (FERREIRA, 2005).
Matrizes de repertório
Elementos
E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8
Polo do contraste
Construtos
Valores numéricos
Página 89 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
GARGALLO, Bernardo; CÁNOVAS, Paz. A construção humana através da elaboração das
construções pessoais: G. A. Kelly. In: MINGUET, Pilar Aznar (Org.). A construção do
conhecimento na educação. Trad. Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: ArtMed, 1998. Cap. 8;
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PERVIN, Lawrence A.; JOHN, Oliver P. Personalidade: teoria e pesquisa. Trad. Ronaldo
Cataldo Costa. 8 a ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
.
ROCHA, Laurentino Gonçalves da. A revisão construtiva na concepção de movimento
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Ciências). Universidade Federal Rural de Pernambuco: Recife, 2005. 140 p.
RODRIGUES, Gisella Menezes. A abordagem do conceito de energia através de
experimentos de caráter investigativo, numa perspectiva integradora. Dissertação (Mestrado
em Ensino de Ciências). Universidade Federal Rural de Pernambuco: Recife, 2005. 149 p.
SILVA, Ana Paula Teixeira Bruno. Investigando as concepções sobre força durante o ciclo
da experiência kellyana. Dissertação (Mestrado em Ensino das Ciências). Universidade
Federal Rural de Pernambuco: Recife, 2007. 156 p.
SILVA FILHO, Abdias José da. Uso de situações do cotidiano para investigar a utilização de
conceitos de eletricidade por alunos do ensino médio e de um curso profissionalizante.
Dissertação (Mestrado em Ensino das Ciências). Universidade Federal Rural de Pernambuco:
Recife, 2007.
Página 90 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
Referência
TURUDA, Charles Teruhiko. A teoria dos construtos pessoais nas pesquisas em Ensino
das Ciências da Universidade Federal Rural de Pernambuco. In: OLIVEIRA, Maria Marly
de (Org.). CTSA: experiências multi e interdisciplinares no Ensino de Ciências e
Matemática. p. 143-53. Recife: Ed. do Organizador, 2009.
Nome:
Ficha
Licenciatura Plena em Química Professor: Charles Turuda
Campus Vitória de Santo Antão
11
DCN500 – Didática das Ciências Naturais 07.07.2017
TEXTO G
Página 91 – Licenciatura Plena em Química – Didática das Ciências Naturais – Charles Turuda
O poder da ideologia me faz pensar nessas manhãs orvalhadas de nevoeiro em que
mal vemos o perfil dos ciprestes como sombras que parecem muito manchas das
sombras mesmas. Sabemos que há algo metido na penumbra mas não o divisamos bem.
A própria “miopia” que nos acomete dificulta a percepção clara , mais nítida da sombra.
Mais séria ainda é a possibilidade que temos de docilmente aceitar que o que vemos e
ouvimos é o que na verdade é, e não a verdade distorcida. A capacidade de penumbrar a
realidade, de nos “miopizar”, de nos ensurdecer que tem a ideologia faz, por exemplo, a
muitos de nós, aceitar docilmente o discurso cinicamente fatalista neoliberal que
proclama ser o desemprego no mundo uma desgraça do fim de século. Ou que os sonhos
morreram e que o válido hoje é o “pragmatismo” pedagógico, é o treino técnico-
científico do educando e não sua formação de que já não se fala. Formação que, incluindo
a preparação técnico-científica, vai mais além dela.
A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente
aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um destino
que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não um momento do
desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, a
uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o poder. Fala-se,
porém, em globalização da economia como um momento necessário da economia
mundial a que, por isso mesmo, não é possível escapar. Universaliza-se um dado do
sistema capitalista e um instante da vida produtiva de certas economias capitalistas
hegemônicas como se o Brasil, o México, a Argentina devessem participar da
globalização da economia da mesma forma que os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão.
Pega-se o trem no meio do caminho e não se discutem as condições anteriores e atuais
das diferentes economias. Nivelam-se os patamares de deveres entre as distintas
economias sem se considerarem as distâncias que separam os “direitos” dos fortes e o
seu poder de usufruí-los e a fraqueza dos débeis para exercer os seus direitos. Se a
globalização implica a superação de fronteiras, a abertura sem restrições ao
livre-comércio, acabe-se, então, quem não puder resistir. Não se indaga, por exemplo, se,
em momentos anteriores da produção capitalista nas sociedades que lideram a
globalização hoje, elas eram tão radicais na abertura que consideram agora uma
condição indispensável ao livre-comércio. Exigem, no momento, dos outros, o que não
fizeram consigo mesmas. Uma das eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os
prejudicados das economias submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não
há nada a fazer mas seguir a ordem natural dos fatos. Pois é como algo natural ou quase
.
natural que a ideologia neoliberal se esforça por nos fazer entender a globalização, e não
como uma produção histórica.
O discurso da globalização que fala em ética esconde, porém, que a sua é a ética do
mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se
optamos, na verdade, por um mundo de gente. O discurso da globalização astutamente
oculta ou nela busca penumbrar a reedição intensificada ao máximo, mesmo que
modificada, da medonha malvadez com que o capitalismo aparece na história. O discurso
ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns
poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança
no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca.
Espero, convencido de que chegará o tempo em que, passada a estupefação em face
da queda do muro de Berlim, o mundo se refará e recusará a ditadura do mercado,
fundada na perversidade de sua ética do lucro.
Não creio que as mulheres e os homens do mundo, independentemente até de suas
opções políticas, mas sabendo-se e assumindo-se como mulheres e homens, como gente,
não aprofundem o que hoje já existe como uma espécie de mal-estar que se generaliza
em face da maldade neoliberal. Mal-estar que terminará por consolidar-se numa
rebeldia nova em que a palavra crítica, o discurso humanista, o compromisso solidário, a
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podemos ser transgressores da ética universal do ser humano e o fazemos em favor de
uma ética pequena, a do mercado, a do lucro.
Entre as transgressões à ética universal do ser humano sujeitará penalidade, deveria
estar a que implicasse a falta de trabalho a um sem-número de gentes, a sua
desesperação e a sua morte em vida.
A preocupação, por isso mesmo, com a formação técnico-profissional capaz de
reorientar a atividade prática dos que foram postos entre parênteses, teria de
multiplicar-se.
Gostaria de deixar bem claro que não apenas imagino, mas sei quão difícil é a
aplicação de uma política do desenvolvimento humano que, assim, privilegie
fundamentalmente o homem e a mulher e não apenas o lucro. Mas sei também que, se
pretendemos realmente superar a crise em que nos achamos, o caminho ético se impõe.
Não creio em nada sem ele ou fora dele. Se, de um lado, não pode haver desenvolvimento
sem lucro, este não pode ser, por outro, o objetivo do desenvolvimento, de que o fim
último seria o gozo imoral do investidor.
De nada vale, a não ser enganosamente para uma minoria, que terminaria fenecendo
também, uma sociedade eficazmente operada por máquinas altamente “inteligentes”,
substituindo mulheres e homens em atividades as mais variadas e milhões de Marias e
Pedros sem ter o que fazer. E este é um risco muito concreto que corremos26. Não creio
também que a política a dar carne a este espírito ético possa jamais ser a ditatorial,
contraditoriamente de esquerda ou coerentemente de direita. O caminho autoritário já é
em si uma contravenção à natureza inquietamente indagadora, buscadora, de homens e
de mulheres que se perdem se perdem a liberdade.
É exatamente por causa de tudo isso que, como professor, devo estar advertido do
poder do discurso ideológico, começando pelo que proclama a morte das ideologias.
Na verdade, só ideologicamente posso matar as ideologias, mas é possível que não
perceba a natureza ideológica do discurso que fala de sua morte. No fundo, a ideologia
tem um poder de persuasão indiscutível. O discurso ideológico nos ameaça de anestesiar
a mente, de confundir a curiosidade, de distorcer a percepção dos fatos, das coisas, dos
acontecimentos. Não podemos escutar, sem um mínimo de reação crítica, discursos
como estes:
Referência
TEXTO H
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente,
reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de
suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que
devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis. E esta rigorosidade metódica não tem
nada que ver com o discurso “bancário” meramente transferidor do perfil do objeto ou
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do conteúdo. É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no “tratamento” do
objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições
em que aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a
presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos,
rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. Faz parte das condições em que
aprender criticamente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o
educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que
estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas
condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais
sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,
igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado,
em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos
educandos.
Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva
a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas
também ensinar a pensar certo. Daí a impossibilidade de vir a tornar-se um professor
crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de
frases e de ideias inertes do que um desafiador. O intelectual memorizador, que lê horas
a fio, domesticando-se ao texto, temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase
como se estivesse recitando-as de memória — não percebe, quando realmente existe,
nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no
seu bairro. Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de
dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. É como se os livros todos a cuja
leitura dedica tempo farto nada devessem ter com a realidade de seu mundo. A realidade
com que eles têm que ver é a realidade idealizada de uma escola que vai virando cada
vez mais um dado aí, desconectado do concreto.
Não se lê criticamente, como se fazê-lo fosse a mesma coisa que comprar mercadoria
por atacado. Ler vinte livros, trinta livros. A leitura verdadeira me compromete de
imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão
fundamental me vou tornando também sujeito. Ao ler não me acho no puro encalço da
inteligência do texto como se fosse ela produção apenas de seu autor ou de sua autora.
Esta forma viciada de ler não tem nada que ver, por isso mesmo, com o pensar certo e
com o ensinar certo.
.
Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode
ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos
demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da
pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de
boniteza, me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha
cheia ou cheio de si mesmo.
O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das
bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é
a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o
nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento
novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por
outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto
saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente.
Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o
em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a
produção do conhecimento ainda não existente. A “dodiscência” — docência-discência
— e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por esses momentos do
ciclo gnosiológico.
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Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram
um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino
porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que
ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.
Pensar certo, em termos críticos, é uma exigência que os momentos do ciclo
gnosiológico vão pondo à curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente
rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando “curiosidade
epistemológica”. A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo
saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum.
O saber de pura experiência feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto
implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o
respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da
educadora com a consciência crítica do educando, cuja “promoção” da ingenuidade não
se faz automaticamente.
Referência