Você está na página 1de 10

Texto de apresentação das páginas 136 a 185 do Caderno 11 (1932-1933) “Introdução

ao Estudo da Filosofia”, de Antonio Gramsci.


Reunião Grupo MEPRI (Marxismo, Estado, Política e Relações Internacionais) de 20 de
julho de 2017.
Prof. Leandro Galastri

Seguem abaixo algumas das passagens fundamentais do intervalo de páginas


considerado e comentários a respeito delas. A transcrição do texto de Gramsci está em
formato itálico, enquanto meus comentários estão em formato normal.

P. 140: questão fundamental é “como nasce o movimento histórico com base na


estrutura?”(...).
As duas proposições do prefácio a Crítica da
Economia Política — 1) A humanidade só se coloca sempre tarefas que
pode resolver; a própria tarefa só surge quando as condições materiais
da sua resolução já existem ou, pelo menos, já estão em vias de existir;
2) Uma formação social não desaparece antes que se tenham desenvolvido
todas as forças produtivas que ela ainda comporta; e
novas e superiores relações de produção não tomam o seu lugar antes
que as condições materiais de existência destas novas relações já
tenham sido geradas no próprio seio da velha sociedade [30] — estas
proposições deveriam ter sido analisadas em toda a sua importância e
consequências. Apenas nesse terreno e possível eliminar qualquer
mecanicismo e qualquer traço de superstição “milagrosa”; apenas
nele deve ser colocado o problema da formação dos grupos políticos
ativos e, em última instancia, também o problema da função das grandes
personalidades na história.

O trecho acima se refere a importante passagem do conhecido Prefácio de Marx ao livro


Contribuição para a Crítica da Economia Política, publicado em 1859. Faz referência à
relação dialética entre objetividade e subjetividade, entre as condições materiais e
subjetivas herdadas do passado e que condicionam a vida das pessoas e as
possibilidades de intervenção no curso da Histórias pelos povos. Ou seja, trata das
condições em que a ação revolucionária é viável, levando devidamente em conta as
condições objetivas reinantes. Esquematicamente colocadas, a proposição número 1 se
refere à possibilidade da iniciativa e da vontade políticas; a condição número 2 se refere
à necessidade de se analisar objetivamente as relações de força vigente e medir os graus
de impedimento para a ação revolucionária. Nessa passagem do prefácio existe ainda
uma terceira proposição que completa, para Gramsci, os “cânones” metodológicos da

1
ciência política marxista, qual seja a de que é no “terreno das superestruturas (ideologia)
que os homens tomam consciência” da luta de classes. Tal discussão remete também ao
tema do bloco histórico (embora não diretamente abordado aqui), que seria a
“unificação entre estrutura e superestrutura”, “natureza e espírito”, “objetividade” das
relações de produção e “subjetividade” das relações sociais no campo ideológico.

p. 141: Coloca-se a questão: não seria necessário, ao


contrário, referir-se apenas aos grandes intelectuais adversários, deixando
de lado os secundários, os repetidores de frases feitas? (...) Na frente ideológica, ao
contrário, a derrota dos auxiliares e dos seguidores menores tem uma importância
quase insignificante; nela, e preciso lutar contra os mais eminentes. Se não for assim,
confunde-se o jornal com o livro, a pequena polemica cotidiana com o trabalho
cientifico; os menores devem ser abandonados a casuística infinita da polemica
jornalística.

Nesta passagem Gramsci destaca a importância de se lutar ideologicamente contra os


principais representantes do pensamento adversário, ou suas melhores cabeças, por
assim dizer. Trata de se levar em consideração o papel dos grandes intelectuais do
pensamento contrário aos interesses dos grupos subalternos, em seu tempo justamente o
pensamento católico e o pensamento liberal. São os principais representantes das
correntes conservadora e liberal que constituem as concepções de mundo das classes
dominantes. A partir do pensamento filosófico sofisticado daquelas correntes de
pensamento é que os intelectuais médios e pequenos ligados às classes proprietárias
(advogados, professores, clérigos, profissionais liberais, jornalistas etc.) vão
transformando aquelas concepções de mundo - de interesse restrito de determinadas
classes sociais - na concepção fragmentada que é nomeada por Gramsci de “senso
comum”.
P. 152 Conceito de ortodoxia. De alguns pontos precedentemente
tratados, deriva que o conceito de “ortodoxia” deve ser renovado e
relacionado as suas autênticas origens. A ortodoxia não deve ser buscada
neste ou naquele seguidor da filosofia da práxis, nesta ou naquela
tendência ligada a correntes estranhas a doutrina original, mas no
conceito fundamental de que a filosofia da práxis “basta a si mesma”,
contendo em si todos os elementos fundamentais para construir uma
total e integral concepção do mundo, não só uma total filosofia e teoria
das ciências naturais, mas também os elementos para fazer viva
uma integral organização pratica da sociedade, isto e, para tornar-se
uma civilização total e integral. Este conceito de ortodoxia, assim
renovado, serve para precisar melhor o atributo de “revolucionário”
que se costuma com tanta facilidade aplicar a diversas concepções do
mundo, teorias, filosofias. O cristianismo foi revolucionário com relação
2
ao paganismo porque foi um elemento de completa cisão entre os
defensores do velho e do novo mundo. Uma teoria é “revolucionária”
precisamente na medida em que é elemento de separação e de distinção
consciente em dois campos, na medida em que é um vértice inacessível
ao campo adversário.

A ideia de “ortodoxia” aqui não deve ser confundida com “dogmatismo”, como sói
acontecer quando se critica o marxismo de um ponto de vista desinteressado no debate
honesto. Gramsci considera aqui que a filosofia da práxis (o marxismo crítico recriado e
exercitado por Gramsci) é uma concepção de mundo integral, que revoluciona (no
sentido preciso do termo, ou seja, de ruptura completa e irreconciliável com as
concepções de mundo anteriores) os conceitos de história, política e filosofia,
considerando-os momentos traduzíveis uns nos outros, além de serem dimensões
dialeticamente unificadas pela práxis humana. Em outras palavras, a filosofia da práxis
basta a si mesma porque é uma inédita construção dialética pelo/para o ser humano
como ser integralmente histórico e social. Gramsci procura, por meio do conceito de
“ortodoxia”, livrar o marxismo da influência das concepções liberais de filosofia e
história, desse modo blindando contra os processos políticos e teóricos do
“revisionismo” bastante em voga nas décadas que antecederam seus escritos do cárcere.

p. 160 Na realidade, a filosofia da práxis não estuda uma máquina para conhecer e
estabelecer a estrutura atômica do material, as propriedades físico-químico-mecânicas
dos seus componentes naturais (objeto de estudo das ciências exatas e da tecnologia),
mas enquanto é momento das forças materiais de produção, enquanto é objeto de
propriedade de determinadas forças sociais, enquanto expressa uma relação social e
esta corresponde a um determinado período histórico...

p. 161 O conjunto das forças materiais de produção é, ao mesmo


tempo, uma cristalização de toda a história passada e a base da história
presente e futura, é um documento e, ao mesmo tempo, uma força
ativa atual de propulsão. Mas o conceito de atividade destas forças
não pode ser confundido, nem mesmo comparado, com a atividade
no sentido físico ou metafisico.

Nas passagens acima está explicitado o historicismo de Gramsci, ou seja, a ideia de que
toda a materialidade social existente é ativa construção humana no tempo e espaço e sob
as condições sempre legadas por gerações passadas e suas estruturas, processos e
relações sociais. Assume-se aqui também o pressuposto de que toda a ciência é
construção humana a partir de determinadas condições e relações materiais entre os
homens, ou seja, expressa relações sociais que são típicas de determinada época
3
histórica. Deste pressuposto basilar da filosofia da práxis é possível, por exemplo,
chegar-se à conclusão de que não há “neutralidade científica”, ou seja, os avanços
técnico-científicos são impulsionados por ou ocorrem sob determinadas relações sociais
gerais de força entre classes sociais. Este assunto está tratado de forma mais profunda,
por exemplo, nas passagens d´O Capital que tratam da subsunção formal e da
subsunção real do trabalho ao capital, notadamente no capítulo sobre “maquinaria e
grande indústria”.

p. 164 Mas o autor do Ensaio não pensou que, se todo agrupamento social é algo mais
(e também algo diverso) da soma dos seus componentes, isto significa que a lei ou
o princípio que explica o desenvolvimento da sociedade não pode ser
uma lei física, já que nunca na física se sai da esfera da quantidade, a
não ser por metáfora. Todavia, na filosofia da práxis, a qualidade está
sempre ligada à quantidade; aliás, talvez resida nessa ligação a sua
parte mais original e fecunda. De fato, o idealismo hipostasia este
“algo mais”, a qualidade, fazendo dele um ente em si, o “espírito”, tal
como a religião o transformara na divindade.

Simplificadamente falando, Gramsci refere-se aqui à “lei dialética” da transformação da


quantidade em qualidade e vice-versa. O pano de fundo da discussão é que não se pode
utilizar os métodos das ciências da natureza para se analisar a sociedade humana,
porque a sociedade humana é um objeto de estudo sui generis, possui condicionamentos
próprios imanentemente ligados à subjetividade humana. É uma crítica, portanto, às
interpretações mecanicistas, deterministas e positivistas do marxismo, que tanto o
expuseram à crítica de seus inimigos de classe. Vale lembrar que o evolucionismo
darwiniano teve grande influência no desenvolvimento dessas interpretações não-
dialéticas do marxismo, sobretudo no âmbito da II Internacional (tendo em Karl
Kautsky seu representante mais eminente), e é justamente contra esse tipo de
desvirtuamento das teses marxianas que Gramsci desenvolve o longo e volumoso
trabalho filosófico do cárcere.

P. 167 Deve-se estudar a posição do Prof. Lukacz em face da filosofia


da práxis [46]. Parece que Lukacz afirma que só se pode falar de
dialética para a história dos homens e não para a natureza. Pode estar
errado e pode ter razão. Se sua afirmação pressupõe um dualismo
entre a natureza e o homem, está errado, já que cai numa concepção
da natureza própria da religião e da filosofia greco-cristã, bem como
do idealismo, que não consegue unificar e relacionar o homem e a
natureza mais do que verbalmente. Mas, se a história humana deve
4
também ser concebida como história da natureza (também através da
historia da ciência), então como a dialética pode ser separada da natureza?
Talvez Lukacz, reagindo as teorias barrocas do Ensaio popular,
tenha caído no erro oposto, numa espécie de idealismo. E certo que
em Engels (Anti-Duhring) encontram-se muitos motivos que podem
levar aos desvios do Ensaio. Esquece-se que Engels, embora tenha trabalhado
muito tempo na obra prometida para demonstrar a dialética
como lei cósmica, deixou escassos materiais sobre ela; e exagera-se ao
afirmar a identidade de pensamento entre os dois fundadores da filosofia
da práxis.

Trata-se aqui de se refletir sobre as relações ser humano-natureza, e se a dialética


enquanto perspectiva filosófico-metodológica pode também ser aplicada à natureza. A
conclusão de Gramsci é logicamente anterior a esses pressupostos e considera que o
próprio ser humano não se separa da natureza, então a questão não faz sentido. Para
Gramsci, a própria percepção da natureza é uma atividade de construção humana, e a
reflexão sobre a natureza não faz nenhum sentido sem o ser humano, já que aí não
haveria nenhuma percepção nem reflexão. Cabe registrar também que Lukács, em
posfácio de 1967 a seu livro História e Consciência de Classe, admite ter cometido tal
erro filosófico no texto em questão (escrito originalmente no início da década de 1920),
ou seja, admite ter considerado a dialética apenas na dimensão das sociedades humanas,
desvinculada da natureza como um todo.

P. 173 “Objetivo” significa precisamente e apenas o seguinte: que se afirma


ser objetivo, realidade objetiva, aquela realidade que é verificada por
todos os homens, que é independente de todo ponto de vista que seja
puramente particular ou de grupo. Mas, no fundo, também esta é
uma concepção particular do mundo, uma ideologia. Todavia, esta
concepção — em seu conjunto e pela direção que assinala — pode ser
aceita pela filosofia da práxis (...) Só que a ciência não coloca nenhuma forma de
“incognoscível” metafisico, mas reduz o que o homem não conhece a um empírico
“não conhecimento” que não exclui a cognoscibilidade, mas a condiciona ao
desenvolvimento dos instrumentos físicos e ao desenvolvimento da inteligência
histórica dos cientistas individuais.
Se é assim, o que interessa à ciência não é tanto a objetividade do
real quanto o homem que elabora os seus métodos de pesquisa, que retifica
continuamente os seus instrumentos materiais que reforçam os
órgãos sensoriais e os instrumentos lógicos (inclusive as matemáticas)
de discriminação e de verificação, isto é, a cultura, a concepção do mundo,
a relação entre o homem e a realidade com a mediação da tecnologia.

A passagem acima destaca mais uma vez o historicismo humanista gramsciano, ou seja,
o pressuposto de que toda a realidade objetiva assim o é por ser criação humana. O que
5
é “objetivo” é aquilo que é considerado como tal pela ciência e pela filosofia de
determinada época histórica, ou seja, pelo conjunto dos seres humanos desta época e
espaço definidos. Por isso que, em determinada passagem, Gramsci afirmará que a
“objetividade” da realidade é também uma “subjetividade universal”, ou seja, é objetivo
aquilo que é percebido por todos como tal. A referência sobre essa perspectiva ser
distinta daquela que estipula um “incognoscível metafísico” (Kant) é justamente para
diferenciar o marxismo do kantismo, ao afirmar que o que não é conhecido pela
atividade humana é “apenas” um “empírico não conhecimento”, que não exclui nunca a
possibilidade deste desconhecido vir a ser continuamente conhecido pela atividade
prático-teórica dos homens na história. A importância desta reflexão é grande no âmbito
do combate ao revisionismo do marxismo, como já mencionado antes, porque é
justamente na filosofia de Kant que os principais expoentes desse revisionismo
procurarão as bases epistemológicas para a “reforma” do marxismo, no final das contas
descaracterizando o pensamento original de Marx.

P. 174 Toda a ciência é ligada às necessidades, à vida, à atividade do homem. Sem a


atividade do homem, criadora de todos os valores, inclusive os científicos, o que seria a
“objetividade”? Um caos, isto é, nada, o vazio, se é
possível dizer assim, já que, realmente, se se imagina que o homem não
existe, não se pode imaginar a língua e o pensamento. Para a filosofia
da práxis o ser não pode ser separado do pensar, o homem da natureza,
a atividade da matéria, o sujeito do objeto; se se faz esta separação,
cai-se numa das muitas formas de religião ou na abstração sem sentido.

Passagem também emblemática do pensamento dialético de Gramsci, que postula a


unidade orgânica entre pensamento e ação, interpretação filosófica e intervenção
política no mundo. Sobretudo o sujeito que pensa não pode ser organicamente apartado
do objeto pensado exatamente porque esta relação modifica recíproca e
concomitantemente ambos os lados da mesma equação, sujeito e objeto. Ao pensar/agir
sobre o objeto que quer conhecer, o ser humano é transformado por ele, ou mais
exatamente, pela relação estabelecida com o objeto do conhecimento. Portanto, o sujeito
do conhecimento não se separa do objeto do conhecimento, e ambos estabelecem uma
relação de influência recíproca e dialética. No pensamento marxiano, duas das
passagens definitivas a esse respeito são a terceira e a quinta teses “ad” Feuerbach (ver
texto anexo).

6
P. 185: Em 1921, tratando de problemas de organização, Vilitch escreveu
ou disse (mais ou menos) o seguinte: não soubemos “traduzir”
nas línguas europeias a nossa língua.
Nota de Carlos Nelson Coutinho [51]. Com as expressões “Vilitch”, “Ilitch” ou “o
maior teórico moderno da filosofia da práxis”, Gramsci refere-se sempre a Lenin
(pseudônimo de Vladimir Ilitch Ulianov). Também nesse caso, buscava
escapar da censura dos dirigentes da prisão. Em seguida, Gramsci
menciona o fato de que Lenin considerou “excessivamente russa” a
resolução sobre a questão organizativa dos partidos comunistas,
aprovada no III Congresso da Internacional Comunista, realizado em
1921. No ano seguinte, por ocasião do IV Congresso, ele observou:
“A resolução e excelente, mas é quase inteiramente russa. [...] Esse é
seu lado bom, mas também seu lado mau, já que estou convencido de
que quase nenhum estrangeiro poderá lê-la.”
A tradutibilidade pressupõe que uma determinada fase da civilização tenha uma
expressão cultural “fundamentalmente” idêntica, mesmo que a linguagem seja
historicamente diversa, diversidade determinada pela tradição particular de cada
cultura nacional e de cada sistema filosófico, do predomínio de uma atividade
intelectual ou prática, etc.

Para a prática organizacional dos grupos subalternos ao redor do mundo com vistas à
superação de sua subalternidade essa passagem de Gramsci é fundamental,
principalmente porque rompe definitivamente com o esquematismo dogmático da
“imitação” das fases da revolução em diferentes países. Rompe com o dogmatismo
economicista que afirma que a revolução só será possível em países economicamente
desenvolvidos. Rompe (antecipadamente) com o dogmatismo stalinista da revolução por
etapas (primeiro desenvolvimento de uma democracia capitalista, depois luta pela
revolução socialista, etc.). Trata-se aqui de considerar as peculiaridades sociais e
históricas dos diferentes espaços nacionais e empreender a análise concreta dessas
formações sociais. Em outras palavras, a filosofia da práxis pode ser traduzida para as
condições objetivas e subjetivas concretas existentes na luta de classes de cada país
considerado: predominantemente industrializado, predominantemente camponês,
convívio de relações trabalhistas tipicamente capitalistas com relações feudal-servis,
tipo predominante de ação e organização de classes ou frações subalternas (camponesa,
operária, estudantil, proletariado rural, etc.). O importante é, a partir daqueles cânones
de ciência política elencados no primeiro comentário acima, analisar os tipos de
relações de força classistas predominantes na sociedade considerada e suas relações
internacionais de classe. É a possibilidade da tradutibilidade que permite o
desenvolvimento de pensamentos marxistas autônomos que levam em consideração as
7
especificidades de sua região no mundo, como o marxismo latino-americano, africano,
asiático, etc. Um dos principais representantes da originalidade do pensamento marxista
latino-americano, por exemplo, é o peruano José Carlos Mariátegui.

*****
Todas as passagens aqui tratadas trazem muito clara e fortemente os fundamentos
dialéticos do texto de Marx Teses sobre Feuerbach. Por isso, transcrevo o texto abaixo
para ser lido juntamente com as passagens e considerações acima. Além da releitura
metodológica do prefácio de 1859 do livro de Marx Contribuição para a crítica da
economia política, também as Teses sobre Feuerbach têm um peso fundamental no
tratamento gramsciano da filosofia da práxis.

TESES SOBRE FEUERBACH


Escrito: primavera de 1845.
Publicado pela primeira vez: por Engels, em 1888, como apêndice à edição em livro
da sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, Estugarda
1888, pp. 69-72. Publicado segundo a versão de Engels de 1888, em cotejo com a
redação original de Marx.
Fonte: https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm

1
A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de
Feuerbach incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível
são tomados apenas sobre a forma do objecto [des Objekts] ou da contemplação
[Anschauung]; mas não como atividade sensível humana, práxis, não subjectivamente.
Por isso aconteceu que o lado activo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo,
pelo idealismo - mas apenas abstractamente, pois que o idealismo naturalmente não
conhece a actividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objectos [Objekte]
sensíveis realmente distintos dos objectos do pensamento; mas não toma a própria
actividade humana como atividade objectiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera,
por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente
humana, ao passo que a práxis é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação
sórdida e judaica. Não compreende, por isso, o significado da actividade
"revolucionária", de crítica prática.
8
2
A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objectiva não é
uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de
comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu
pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se
isola da práxis é uma questão puramente escolástica.
3
A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e
da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras
circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são
transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de
ser educado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas
partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade. A coincidência do mudar das
circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida
como práxis revolucionante.
4
Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo no
mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste em resolver o mundo
religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que depois de completado este
trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato de esta base mundana se destacar
de si própria e se fixar, um reino autônomo, nas nuvens, só se pode explicar
precisamente pela autodivisão e pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É
esta mesma, portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e
depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto,
depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada
família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente criticada e
praticamente revolucionada.
5
Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao conhecimento
sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo sensível como atividade
humana sensível prática.

9
6
Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência
humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o
conjunto das relações sociais.
Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a
abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si e a pressupor
um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele, por isso, a essência
humana só pode ser tomada como "espécie", como generalidade interior, muda, que liga
apenas naturalmente os muitos indivíduos.
7
Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um produto
social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma determinada
forma de sociedade.
8
A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria
para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender
desta práxis.
9
O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende Materialismus]
consegue, isto é, o materialismo que não compreende o mundo sensível como atividade
prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos isolados na "sociedade civil".
10
O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de vista do
novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade socializada.
11
Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão,
porém, é transformá-lo.

10

Você também pode gostar