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ciência política marxista, qual seja a de que é no “terreno das superestruturas (ideologia)
que os homens tomam consciência” da luta de classes. Tal discussão remete também ao
tema do bloco histórico (embora não diretamente abordado aqui), que seria a
“unificação entre estrutura e superestrutura”, “natureza e espírito”, “objetividade” das
relações de produção e “subjetividade” das relações sociais no campo ideológico.
A ideia de “ortodoxia” aqui não deve ser confundida com “dogmatismo”, como sói
acontecer quando se critica o marxismo de um ponto de vista desinteressado no debate
honesto. Gramsci considera aqui que a filosofia da práxis (o marxismo crítico recriado e
exercitado por Gramsci) é uma concepção de mundo integral, que revoluciona (no
sentido preciso do termo, ou seja, de ruptura completa e irreconciliável com as
concepções de mundo anteriores) os conceitos de história, política e filosofia,
considerando-os momentos traduzíveis uns nos outros, além de serem dimensões
dialeticamente unificadas pela práxis humana. Em outras palavras, a filosofia da práxis
basta a si mesma porque é uma inédita construção dialética pelo/para o ser humano
como ser integralmente histórico e social. Gramsci procura, por meio do conceito de
“ortodoxia”, livrar o marxismo da influência das concepções liberais de filosofia e
história, desse modo blindando contra os processos políticos e teóricos do
“revisionismo” bastante em voga nas décadas que antecederam seus escritos do cárcere.
p. 160 Na realidade, a filosofia da práxis não estuda uma máquina para conhecer e
estabelecer a estrutura atômica do material, as propriedades físico-químico-mecânicas
dos seus componentes naturais (objeto de estudo das ciências exatas e da tecnologia),
mas enquanto é momento das forças materiais de produção, enquanto é objeto de
propriedade de determinadas forças sociais, enquanto expressa uma relação social e
esta corresponde a um determinado período histórico...
Nas passagens acima está explicitado o historicismo de Gramsci, ou seja, a ideia de que
toda a materialidade social existente é ativa construção humana no tempo e espaço e sob
as condições sempre legadas por gerações passadas e suas estruturas, processos e
relações sociais. Assume-se aqui também o pressuposto de que toda a ciência é
construção humana a partir de determinadas condições e relações materiais entre os
homens, ou seja, expressa relações sociais que são típicas de determinada época
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histórica. Deste pressuposto basilar da filosofia da práxis é possível, por exemplo,
chegar-se à conclusão de que não há “neutralidade científica”, ou seja, os avanços
técnico-científicos são impulsionados por ou ocorrem sob determinadas relações sociais
gerais de força entre classes sociais. Este assunto está tratado de forma mais profunda,
por exemplo, nas passagens d´O Capital que tratam da subsunção formal e da
subsunção real do trabalho ao capital, notadamente no capítulo sobre “maquinaria e
grande indústria”.
p. 164 Mas o autor do Ensaio não pensou que, se todo agrupamento social é algo mais
(e também algo diverso) da soma dos seus componentes, isto significa que a lei ou
o princípio que explica o desenvolvimento da sociedade não pode ser
uma lei física, já que nunca na física se sai da esfera da quantidade, a
não ser por metáfora. Todavia, na filosofia da práxis, a qualidade está
sempre ligada à quantidade; aliás, talvez resida nessa ligação a sua
parte mais original e fecunda. De fato, o idealismo hipostasia este
“algo mais”, a qualidade, fazendo dele um ente em si, o “espírito”, tal
como a religião o transformara na divindade.
A passagem acima destaca mais uma vez o historicismo humanista gramsciano, ou seja,
o pressuposto de que toda a realidade objetiva assim o é por ser criação humana. O que
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é “objetivo” é aquilo que é considerado como tal pela ciência e pela filosofia de
determinada época histórica, ou seja, pelo conjunto dos seres humanos desta época e
espaço definidos. Por isso que, em determinada passagem, Gramsci afirmará que a
“objetividade” da realidade é também uma “subjetividade universal”, ou seja, é objetivo
aquilo que é percebido por todos como tal. A referência sobre essa perspectiva ser
distinta daquela que estipula um “incognoscível metafísico” (Kant) é justamente para
diferenciar o marxismo do kantismo, ao afirmar que o que não é conhecido pela
atividade humana é “apenas” um “empírico não conhecimento”, que não exclui nunca a
possibilidade deste desconhecido vir a ser continuamente conhecido pela atividade
prático-teórica dos homens na história. A importância desta reflexão é grande no âmbito
do combate ao revisionismo do marxismo, como já mencionado antes, porque é
justamente na filosofia de Kant que os principais expoentes desse revisionismo
procurarão as bases epistemológicas para a “reforma” do marxismo, no final das contas
descaracterizando o pensamento original de Marx.
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P. 185: Em 1921, tratando de problemas de organização, Vilitch escreveu
ou disse (mais ou menos) o seguinte: não soubemos “traduzir”
nas línguas europeias a nossa língua.
Nota de Carlos Nelson Coutinho [51]. Com as expressões “Vilitch”, “Ilitch” ou “o
maior teórico moderno da filosofia da práxis”, Gramsci refere-se sempre a Lenin
(pseudônimo de Vladimir Ilitch Ulianov). Também nesse caso, buscava
escapar da censura dos dirigentes da prisão. Em seguida, Gramsci
menciona o fato de que Lenin considerou “excessivamente russa” a
resolução sobre a questão organizativa dos partidos comunistas,
aprovada no III Congresso da Internacional Comunista, realizado em
1921. No ano seguinte, por ocasião do IV Congresso, ele observou:
“A resolução e excelente, mas é quase inteiramente russa. [...] Esse é
seu lado bom, mas também seu lado mau, já que estou convencido de
que quase nenhum estrangeiro poderá lê-la.”
A tradutibilidade pressupõe que uma determinada fase da civilização tenha uma
expressão cultural “fundamentalmente” idêntica, mesmo que a linguagem seja
historicamente diversa, diversidade determinada pela tradição particular de cada
cultura nacional e de cada sistema filosófico, do predomínio de uma atividade
intelectual ou prática, etc.
Para a prática organizacional dos grupos subalternos ao redor do mundo com vistas à
superação de sua subalternidade essa passagem de Gramsci é fundamental,
principalmente porque rompe definitivamente com o esquematismo dogmático da
“imitação” das fases da revolução em diferentes países. Rompe com o dogmatismo
economicista que afirma que a revolução só será possível em países economicamente
desenvolvidos. Rompe (antecipadamente) com o dogmatismo stalinista da revolução por
etapas (primeiro desenvolvimento de uma democracia capitalista, depois luta pela
revolução socialista, etc.). Trata-se aqui de considerar as peculiaridades sociais e
históricas dos diferentes espaços nacionais e empreender a análise concreta dessas
formações sociais. Em outras palavras, a filosofia da práxis pode ser traduzida para as
condições objetivas e subjetivas concretas existentes na luta de classes de cada país
considerado: predominantemente industrializado, predominantemente camponês,
convívio de relações trabalhistas tipicamente capitalistas com relações feudal-servis,
tipo predominante de ação e organização de classes ou frações subalternas (camponesa,
operária, estudantil, proletariado rural, etc.). O importante é, a partir daqueles cânones
de ciência política elencados no primeiro comentário acima, analisar os tipos de
relações de força classistas predominantes na sociedade considerada e suas relações
internacionais de classe. É a possibilidade da tradutibilidade que permite o
desenvolvimento de pensamentos marxistas autônomos que levam em consideração as
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especificidades de sua região no mundo, como o marxismo latino-americano, africano,
asiático, etc. Um dos principais representantes da originalidade do pensamento marxista
latino-americano, por exemplo, é o peruano José Carlos Mariátegui.
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Todas as passagens aqui tratadas trazem muito clara e fortemente os fundamentos
dialéticos do texto de Marx Teses sobre Feuerbach. Por isso, transcrevo o texto abaixo
para ser lido juntamente com as passagens e considerações acima. Além da releitura
metodológica do prefácio de 1859 do livro de Marx Contribuição para a crítica da
economia política, também as Teses sobre Feuerbach têm um peso fundamental no
tratamento gramsciano da filosofia da práxis.
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A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de
Feuerbach incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível
são tomados apenas sobre a forma do objecto [des Objekts] ou da contemplação
[Anschauung]; mas não como atividade sensível humana, práxis, não subjectivamente.
Por isso aconteceu que o lado activo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo,
pelo idealismo - mas apenas abstractamente, pois que o idealismo naturalmente não
conhece a actividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objectos [Objekte]
sensíveis realmente distintos dos objectos do pensamento; mas não toma a própria
actividade humana como atividade objectiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera,
por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente
humana, ao passo que a práxis é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação
sórdida e judaica. Não compreende, por isso, o significado da actividade
"revolucionária", de crítica prática.
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A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objectiva não é
uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de
comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu
pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se
isola da práxis é uma questão puramente escolástica.
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A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e
da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras
circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são
transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de
ser educado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas
partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade. A coincidência do mudar das
circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida
como práxis revolucionante.
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Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo no
mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste em resolver o mundo
religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que depois de completado este
trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato de esta base mundana se destacar
de si própria e se fixar, um reino autônomo, nas nuvens, só se pode explicar
precisamente pela autodivisão e pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É
esta mesma, portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e
depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto,
depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada
família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente criticada e
praticamente revolucionada.
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Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao conhecimento
sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo sensível como atividade
humana sensível prática.
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Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência
humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o
conjunto das relações sociais.
Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a
abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si e a pressupor
um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele, por isso, a essência
humana só pode ser tomada como "espécie", como generalidade interior, muda, que liga
apenas naturalmente os muitos indivíduos.
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Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um produto
social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma determinada
forma de sociedade.
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A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria
para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender
desta práxis.
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O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende Materialismus]
consegue, isto é, o materialismo que não compreende o mundo sensível como atividade
prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos isolados na "sociedade civil".
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O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de vista do
novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade socializada.
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Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão,
porém, é transformá-lo.
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