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Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 27 de novembro
3. Essas propostas são então espalhadas pelo mundo por meio de uma infinidade
de livros, artigos, conferências, filmes, espetáculos de teatro, sempre subsidiados pelas
mesmas fontes, mas apresentados como iniciativas independentes, de modo a dar a
impressão de que a mudança planejada provém de uma fatalidade histórica impessoal e
não de uma ação organizada. Ao mesmo tempo, desencadeia-se um conjunto de operações
preventivas destinadas a neutralizar, reprimir e, se necessário, criminalizar toda
resistência.
5. A última etapa é a produção desses efeitos, por meio dos agentes políticos –
militância organizada, agentes de influência, legisladores – que transformam as propostas
em leis e instituições.
Na última etapa, as origens intelectuais das propostas, bem como sua base
internacional de sustentação financeira e organizacional, já se tornaram praticamente
invisíveis para a população em geral, de modo que toda a discussão a respeito, destinada
a fazer com que a adoção das novas medidas pareça surgir do fluxo normal e espontâneo
da vida democrática, se atenha às definições nominais e aos aspectos mais periféricos das
questões respectivas, sem possibilidade de examinar seja o esquema de poder que
articulou a seu belprazer a situação de debate, seja as implicações históricas de longo
prazo que advirão das transformações pretendidas. Quando essas conseqüências se
revelam catastróficas, a culpa pelo erro que as produziu já está tão disseminada pela
sociedade que toda tentativa de rastrear e responsabilizar os autores das propostas iniciais,
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histórico para onde bem entendam, com a facilidade com que um menino-pastor puxa um
búfalo de uma tonelada pela argola do nariz.
Vou dar aqui um único exemplo de doutrina alucinatória que jamais vi despertar
o interesse dos liberais e conservadores brasileiros e que por isso mesmo consegue
praticamente dominar o ambiente universitário, cultural e midiático nacional,
influenciando o curso dos acontecimentos e impondo derrotas humilhantes à
racionalidade econômica liberal-conservadora.
Refiro-me à escola “desconstrucionista” de Jacques Derrida, Jean-François
Lyotard, Paul de Man, Gianni Vattimo e outros, que torna inviável toda idéia de
veracidade objetiva e instaura em seu lugar o primado da ficção militante.
Se o eu não existe e o objeto que ele pensa também não existe, só o que existe é o
ato de poder que cria uma ficção chamada “eu” e outra ficção chamada “objeto”. O motivo
que produz a necessidade de criar essa ficção é o desejo de escapar da morte, da
aniquilação. Mas a morte é inescapável, é a “realidade”. Portanto a função de todos os
discursos é negar a realidade e a sua tradução cognitiva, a verdade. Nisso consiste o poder,
a genuína liberdade. O Evangelho (João, VIII:32) dizia que a liberdade
nasce do conhecimento da verdade. Para Derrida e os desconstrucionistas em geral, a
liberdade consiste em negar a verdade, afirmando, com isso, o próprio poder.
No início alguns marxistas ficaram alarmados com a nova filosofia, que, ao negar
a realidade, punha em xeque toda pretensão de conhecer as leis objetivas doprocesso
histórico. Mas Derrida logo conseguiu acalmá-los, mostrando que, se o
desconstrucionismo era ruim para a teoria marxista, era bom para o movimento
revolucionário, dando-lhe não só os meios de corroer toda a cultura ocidental por meio
da negação do significado em geral, mas também de afirmar o seu próprio poder
ilimitadamente: livre das coerções da realidade objetiva, imune portanto a qualquer
cobrança na esfera dos argumentos racionais, ele poderia impor sua vontade por todos os
meios ficcionais possíveis, enquanto seus adversários, travados por escrúpulos de
realidade e lógica, observariam inermes a sua ascensão irresistível.
recusar-se a esclarecer o assunto depois da II Guerra, deixando seus fãs numa dúvida
perturbadora que dava à sua filosofia ainda mais sex appeal. A essência da filosofia de
Martin Heidegger consiste em abolir o Logos, o verbo divino que faz a ponte entre o
pensamento humano e a realidade externa, e colocar em seu lugar a “vontade de
poder” do Führer. Heidegger foi o primeiro herói da guerra contra o “logocentrismo”. A
convergência entre seus esforços filosóficos e os objetivos de Georg Lukacs foi o pacto
Ribbentropp-Molotov da filosofia. Mas Heidegger, afinal, não criou como substitutivo
para a civilização judaico-cristã nada além da filosofia de Martin Heidegger, que só serve
para quem a entende. Derrida et caterva transmutaram essa filosofia num projeto
acadêmico indefinidamente subsidiável e num movimento político do qual milhões
podem participar sem entender coisa nenhuma do que estão fazendo. Tinha de ser mesmo
um sucesso triunfal.
Ainda mais triunfal foi essa ascensão no Brasil, onde o temor reverencial à moda
acadêmica francesa, o prestígio sacral do discurso incompreensível e a síntese de
pedantismo e ignorância que constitui a forma mentis inconfundível da nossa classe
universitária erigiram o desconstrucionismo num culto fanático que não apenas repele
contestações mas nem mesmo admite a existência delas.
— quer você a diga como puro exemplo verbal ou como expressão de um estado de fato.
A diferença neste último caso está na presença ou ausência física de comida, que não é a
mesma coisa que a “ausência doobjeto” na mera formulação saussuriana do significado
como diferença entre uma frase e todas as demais. Esta diferença é a mesma com comida
ou sem comida. A falta de comida não é bem isso.