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Truco no Congresso
As bancadas do Senado
por Étore Medeiros, Bruno Fonseca | 2 de junho de 2016
“Quanto dá essa minoria dos pobretões?”, pergunta, bem-humorada, a senadora Vanessa Grazziotin
(PCdoB-AM). “É… Minoria mesmo”, responde, ao ser informada de que as bancadas temáticas nas quais
milita – direitos humanos (14), sindicalista (11) e saúde (8) – não reúnem, juntas, nem a metade dos 81
parlamentares do Senado. Entre os grupos com maior representação na Casa estão o da agropecuária
(32) e o empresarial (36). Os números fazem parte de um levantamento da Agência Pública sobre as
bancadas em que atuam os senadores. A partir dele, é possível entender melhor o resultado da votação
da admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e também antecipar qual deverá
ser a receptividade da Casa aos projetos do interino Michel Temer (PMDB).
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*este infográfico não é interativo
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Mais experiente agrupamento de políticos do poder Legislativo nacional, o Senado conta com 23 ex-
governadores – todos homens. Como ocorre na Câmara, a maior entre as bancadas é a dos parentes –
formada por aqueles que têm familiares políticos –, que conta com quase dois em cada três
parlamentares (63%). No PMDB, maior sigla da Casa, 16 dos 19 senadores (84%) encaixam-se no grupo
temático das famílias. Chamam a atenção também o DEM, no qual 100% dos quatro senadores têm
parentes envolvidos na política, o PP (83%) e o PSB (71%). O PT tem três nomes na bancada dos
parentes entre seus dez senadores (30%) e, no PSDB, são seis dos 11 (54%). Todos os senadores do PPS e
da Rede têm familiares na política – um parlamentar cada.
O segundo maior grupo é o dos 48 senadores que declararam ter recebido recursos de empreiteiras na
disputa eleitoral. Assim como no caso das famílias, o levantamento não representa um indicativo da
atuação dos parlamentares, mas ilustra o funcionamento político-eleitoral do Brasil e ajuda a traçar o
perfil dos parlamentares. Os nomes financiados por empreiteiras e construtoras se espalham por
diversos matizes ideológicos e pela maior parte das siglas, sendo exceção a Rede, o PSC e o PTC que,
juntos, somam apenas quatro senadores.
Os partidos com maioria de senadores eleitos com esse tipo de recurso são DEM (75%), PR (75%), PT
(70%), PMDB (68%), PP (60%), PSB (57%) e PSDB (54%). Completam a lista PCdoB, PPS e PRB, com
100%, mas que têm apenas um representante cada na Casa. A presença das empreiteiras e construtoras
é marcante mesmo entre os integrantes das bancadas dos “pobretões”. Dos 29 senadores que integram
pelo menos um dos quatro grupos (sindicalista, direitos humanos, saúde e educação), 16 receberam
doações do setor.
Atuação
Dos grupos temáticos, que representam o trabalho parlamentar em si, um dos que mais se destacam é a
bancada da agropecuária, com 32 integrantes. Comparado aos representantes do grupo na Câmara, que
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agem pelos mesmos objetivos, o tom dos debates promovidos pelos senadores do setor é bem menos
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agressivo. Uma das poucas exceções é Ronaldo Caiado (DEM-GO), ruralista de cinco mandatos como
deputado e eleito em 2014 para o Senado. Além de enxergar “práticas terroristas” em movimentos de
sem-terra e sem-teto, Caiado já ficou conhecido por ter chamado colegas para “resolver lá fora”.
O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), da bancada ruralista, é um dos poucos que gostam de polemizar. Foto:
Marcos Oliveira/Agência Senado.
“Poucos senadores polemizam e, quando há um debate mais ideologizado, você logo contorna”, diz a
senadora Ana Amélia (PP-RS). Para ela, a faixa etária mais elevada contribui para o tom moderado da
maioria dos colegas. Presidente da Comissão de Agricultura do Senado Federal e vice-presidente da
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Ana Amélia faz questão de mencionar o trabalho também
na área da saúde. “Sou autora de uma lei revolucionária, sancionada sem vetos, e sou de primeiro
mandato”, afirma, sobre um dos projetos de lei que propôs para o setor.
Um dos poucos em que ideologias conflitantes podem convergir, o setor da saúde agrega da comunista
Grazziotin ao ruralista e médico Caiado. Na educação, um dos principais nomes é o do ex-ministro da
pasta no governo Lula, Cristovam Buarque (PPS-DF). A bancada da área soma nove representantes, um
a mais do que o grupo dos parlamentares que atuam em defesa da saúde. Em geral, cada uma das
bancadas se une na cobrança por mais recursos, mas atua de forma desagregada em outras questões –
como discussões de gênero na educação ou do aborto na rede pública de saúde.
Com a presença de um bispo da Igreja Universal, Marcelo Crivella (PRB-RJ), a bancada evangélica do
Senado conta quatro integrantes e, da mesma forma que o setor agropecuário, também age menos
agressivamente do que na Câmara. A exceção é o senador Magno Malta (PR-ES). Conhecido pelos
pronunciamentos fortes e afeito a polêmicas, o parlamentar já chegou a dizer, há alguns anos, que o
projeto de criminalização da homofobia pretendia criar, na verdade, um “império homossexual” no
Brasil. A pouca presença numérica, porém, contribui para que projetos polêmicos não prosperem com a
mesma facilidade que entre o deputados.
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“A Câmara se organizou em torno de algumas bancadas como a da Bala, a da Bíblia, a do Boi, tendo um
fundamentalista à frente, Eduardo Cunha. Os senadores são conservadores em outro sentido,
econômico, do liberalismo”, analisa Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical
de Assessoria Parlamentar (Diap). Ele cita propostas de mudança no pré-sal, nos fundos de pensão e nas
estatais como exemplo do cardápio liberalizante do Senado, protagonizado pelo PSDB – muito
prestigiado pelo presidente interino. Para ele, o perfil de atuação da maior parte dos senadores é muito
mais afinado com o governo Temer do que o dos deputados.
Na linha do que aponta Queiroz está a bancada empresarial, a maior do Senado, com 36 representantes.
Nele estão inseridos parlamentares que são empresários ou aqueles que atuam para aumentar a
competitividade e reduzir as despesas do setor produtivo, ainda que com a redução ou relativização dos
direitos trabalhistas – critério utilizado pelo Diap na radiografia do Congresso que faz há anos, a cada
início de legislatura.
No combate diário ao grupo das empresas estão os 11 representantes da bancada sindical, em sua
maioria com raízes no movimento de trabalhadores, mas também reforçada por defensores do
funcionalismo público. Mesmo representantes deste setor, entretanto, apoiaram a tramitação de parte
dos projetos da Agenda Brasil – conjunto de medidas defendidas pelo presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), para a retomada do crescimento econômico.
Bombas e polêmicas
Com 14 representantes, a bancada dos direitos humanos luta principalmente contra projetos recebidos
da Câmara mais conservadora das últimas décadas. Um exemplo é a redução da maioridade penal para
crimes graves, aprovada na Câmara e adormecida no Senado. Embora tenha surtido efeito durante
algum tempo, a mobilização do grupo, em grande parte da base de Dilma Rousseff, não impediu que,
ainda em 2015, integrantes do governo petista demonstrassem simpatia ao aumento do tempo de
internação, ante o avançar do tema também no Senado. Na quarta-feira (1º), inclusive, a votação da
redução da maioridade penal chegou a ser pautada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) mas,
para evitar polêmicas, um adiamento foi concedido de forma unânime – até pelos que defendem a
medida – para que mais debates sejam feitos.
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) acredita que, embora pequenas numericamente, bancadas como a
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sindical e a dos direitos humanos contam com o benefício do nível mais elevado das discussões no
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Senado, em comparação à Câmara dos Deputados. “Em que pese o perfil conservador, com forte
presença das oligarquias, da força do poder econômico e empresarial, há um ambiente mais afeito ao
debate, no qual se tem mais racionalidade e respeito. Tanto que em 2015 não floresceram no Senado as
pautas-bomba e obscurantistas”, observa a petista, em referência a projetos que aumentam gastos
públicos ou ferem direitos de minorias.
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) acredita que o perfil mais debatedor da Casa evita pautas-bomba. Foto:
Marcos Oliveira/Agência Senado
O cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília, lembra que temas polêmicos podem
ficar por anos em tramitação no Congresso, até mesmo sumir da pauta e, de repente, voltar com força.
“Depende da aceitação popular. Muitos projetos que ficaram anos parados só foram pra frente pelo
surgimento de contextos propícios.” Ele explica que pautas como a redução da maioridade penal podem
ganhar impulsos com crimes de grande repercussão, como o estupro coletivo de uma adolescente no Rio
de Janeiro. “Basta que apareçam alguns menores envolvidos”, exemplifica.
Impeachment
Ligeiramente maior do que o grupo dos 23 ex-governadores que ocupam cadeiras no Senado, a bancada
dos 24 que respondem a acusações criminais (28,4%) conta com 13 envolvidos nos atos investigados
pela Operação Lava Jato, como mostra levantamento feito pelo Congresso em Foco, parceiro da
Agência Pública no projeto Truco no Congresso.
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Para Vanessa Grazziotin, os investigados pela operação dentro e fora do Congresso estão entre os
principais articuladores do “golpe”, como a comunista classifica o impeachment. “A gente conhece os
nossos colegas. Enquanto o Brasil ia muito bem, do ponto de vista da economia crescendo, gerando
empregos e tudo o mais, os parlamentares se sujeitavam à liderança da Presidência da República – o
que não quer dizer que eles concordassem com tudo, mas votavam. E agora, com a crise econômica
sendo agravada pela política, estão estuprando a nossa Constituição por duas razões principais: acabar
com a Lava Jato e fazer mudanças drásticas no programa econômico”, diz.
Regionalismo
Além da atuação dos grupos temáticos que operam na Casa, um fator que chama a atenção dos
SHARES estudiosos no Senado é o peso da representação de cada estado. “Ainda que possam ser feitos diversos
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Um dos pioneiros nos estudos acadêmicos sobre a Casa, ele sugere que senadores dos estados menores
tendem a integrar a base dos governos com maior facilidade, o que é fundamental nas articulações.
Neiva afirma ainda que outro efeito direto da composição igualitária entre os estados é o fortalecimento
do PMDB. “Ele tem muita força na Câmara, claro, mas no Senado é ainda mais forte.”
Os números reforçam a fala do professor. Atualmente, os peemedebistas ocupam cerca de 13% das
cadeiras entre os deputados e 23% entre os senadores. Destes, apenas quatro, de um total de 19, foram
eleitos fora do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste. A teoria também pode ser ilustrada pela lista de
presidentes da Casa – nenhum era das regiões Sul ou Sudeste. Dez dos 12 senadores que ocuparam o
posto mais alto na hierarquia desde 1985 eram do PMDB. E, ainda no sentido do que diz o professor, os
únicos não peemedebistas a ocupar a Presidência da Casa eram do Norte e do Nordeste – Tião Viana
(PT-AC) e Antônio Carlos Magalhães (PFL, atual DEM-BA). Apesar da força dos estados menos
populosos, Neiva não vê o Senado mais atento a questões regionais do que a Câmara.
Ainda em comparação à outra Casa, ele diz que o tom mais sóbrio dos senadores, além do perfil político
de maior experiência, deve-se a uma soma de fatores. “A característica fundamental, por conta desse
tamanho reduzido, é o face a face. Eles se conhecem melhor. Quando você tem um grupo de 81 pessoas
convivendo juntas por pelo menos oito anos, isso gera uma interação mais próxima que se reflete
inclusive em uma forma de negociar mais fácil. Quando vemos aquelas brigas e polêmicas, claro que eles
estão jogando para a plateia – mas nos bastidores têm muito mais condições de negociar.”
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