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Decio Gurfinkel
Mas a depressão pode ter diversas outras formas, menos graves e radicais. É o que por
vezes se denomina “depressões neuróticas”, já que a melancolia chegou a ser considerada
uma “depressão psicótica”, ou ainda uma forma de “neurose narcísica”. O fato é que as
depressões são muito frequentes e estão comumente associadas às chamadas psiconeuroses
(histeria, neurose obsessiva e fobias), além das diversas formas de neuroses atuais. É difícil
precisar os mecanismos que presidem em todos esses casos, mas podemos levantar alguns
traços comuns: a vivência crônica da frustração, determinada por uma conjunção de fatores
externos e internos, e a correlação desta com a perda, o desengano ou a decepção na relação
com o outro. Essas formas de depressão são certamente muito comuns, a ponto de alguns
autores considerarem a depressão como a doença do nosso tempo; afinal, não é difícil
reconhecermos no nosso modo de vida atual fatores sociais que aumentam muito a
possibilidade de eclosões depressivas: a extrema exigência de desempenho combinada com
a redução das possibilidades de realização, a degradação geral da qualidade das relações
humanas, o ritmo de vida veloz que exaure as energias, entre outros.
A depressão pós-Freud
Mas a principal contribuição da psicanálise para o estudo da depressão foi tirá-la do âmbito
exclusivamente patológico. Ao colocar a perda no centro da questão depressiva, Freud já de
saída aproximou a depressão do fenômeno universal do luto; todos nós temos, de alguma
maneira, de aprender a lidar com as perdas que fazem necessariamente parte do viver. O
caráter efêmero de tudo o que é vivo – do próprio corpo, das capacidades físicas e
psíquicas, dos entes queridos, dos relacionamentos, dos ideais etc. – coloca-nos em uma
condição trágica e diante do constante desafio de reconstruir a vida a partir das cinzas, ou
dos restos de lutos maiores ou menores que inevitavelmente enfrentamos. Os melancólicos,
em sua doença, são paradoxalmente sábios e revelam uma “lucidez louca”: eles denunciam
aos quatro ventos a pequenez, o egoísmo, a fragilidade e a mesquinhez do eu que em geral
escondemos de nós mesmos. É desconcertante perceber a grande sensibilidade artística dos
melancólicos, aliada à vocação de revelar a face verdadeira e insuportável de nossos
valores; daí muitos artistas, tais como Dostoiévski, Virginia Woolf e Marguerite Duras,
terem sofrido desse mal.
Melanie Klein foi a psicanalista que pela primeira vez teorizou sobre a dimensão universal e
não patológica da depressão. Dando prosseguimento aos trabalhos de Freud e Abraham, ela
propôs que todos passamos, em nossa infância precoce, por uma “posição depressiva” – à
qual retornamos continuamente ao longo da vida. Nessa “posição”, tomamos contato e
consciência da enorme ambivalência afetiva que nos habita: amamos e odiamos, na mesma
medida, aqueles que nos estão próximos, o que comporta enormes implicações emocionais.
A dor de se perceber tendo atacado e machucado um objeto amado não é facilmente
tolerada; a tendência mais primitiva do ser humano é dividir o mundo de maneira
maniqueísta entre “bons” e “maus”, a fim de evitar o conflito da ambivalência. Na posição
depressiva, surge a culpa pelos impulsos agressivos, assim como um sentido de
responsabilidade e de preocupação com o outro; isso implica um considerável nível de
maturidade emocional e representa uma importante conquista. Ora, as patologias da
depressão – e particularmente a psicose maníaco-depressiva – devem-se, para Klein, a uma
impossibilidade de mergulhar na posição depressiva.