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Tutela provisória

O CPC/2015 reformulou todo o sistema de tutela judicial fundada em cognição


sumária. Unifica-se em um mesmo regime geral, sob o nome de “tutela
provisória”, a tutela antecipada e a tutela cautelar, que se submetiam a
disciplinas formalmente distintas no Código de 1973.

A tutela provisória também passou a ser vista como uma garantia constitucional,
sendo certo que qualquer disposição normativa que vede ou dificulte tal forma
de tutela deve ser tida como inconstitucional. O correto entendimento do
complexo de normas constitucionais, direcionadas para a garantia do sistema
processual, constitui o primeiro passo para conferir maior efetividade possível à
tutela que emerge do processo.

Tutela de urgência e tutela de evidência

A tutela provisória poderá fundar-se em “urgência” ou “evidência” (art. 294,


caput, CPC). A distinção já existia no diploma de 1973, embora não estivesse
explicitada (art. 273, I, e art. 796 e ss. versus art. 273, II e § 6º, CPC).

A tutela de urgência será concedida quando forem demonstrados elementos que


indiquem a probabilidade do direito, bem como o perigo na demora da prestação
da tutela jurisdicional (art. 300, CPC).

A tutela da evidência, por sua vez, dispensa a demonstração de periculum in


mora quando: (i) ficar caracterizado abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte; (ii) as alegações de fato puderem ser
comprovadas apenas mediante prova documental e houver tese firmada em
demandas repetitivas ou em súmula vinculante; (iii) se tratar de pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de
depósito; ou (iv) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente
dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz
de gerar dúvida razoável (art. 311, CPC).

Tutela de urgência cautelar e antecipada


A tutela urgente é subdivida em “cautelar” e “antecipada”, com ambas podendo
ser concedidas em caráter antecedente ou incidental (art. 294, par. ún., CPC).

Embora se mantenha a distinção conceitual entre ambas, confere-se-lhes o


mesmo tratamento jurídico. Aplica-se a ambas o mesmo regime quanto a
pressupostos e via processual de pleito e concessão. A unificação de regime é
positiva, seja sob o aspecto do rigor científico, seja pelas vantagens práticas.

Segundo a previsão do art. 297, CPC, o juiz poderá determinar as medidas que
considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória. O p. único, por sua
vez, prevê expressamente que a efetivação da tutela provisória é realizada por
meio do cumprimento de sentença provisório (arts. 520/522, CPC).

A decisão que conceder, negar, modificar ou revogar, a tutela provisória precisar


ser fundamentada. É o que o art. 298, CPC, exige, ao dispor que “o juiz
justificará as razões de seu convencimento de modo claro e preciso”.

O art. 299, CPC, por sua vez, é o responsável pela determinação da regra de
competência para o requerimento da tutela provisória. Será competente para
decidir o pedido de tutela provisória o juízo competente para conhecer do pedido
principal, independentemente deste já ter sido feito ou estar por vir.

Reversibilidade dos efeitos da tutela de urgência antecipada

Para a concessão dos efeitos da tutela de urgência antecipada, necessário


ainda se faz que, em observância ao § 3º, do art. 300, CPC, os efeitos da
medida não sejam irreversíveis.

Entretanto, apesar da temática processual e a preocupação do legislador, não é


fácil se identificar quando o provimento é irreversível ou não, devendo atentar-
se para os casos que, em caso de se verificar a irreversibilidade da medida, o
pleito antecipatório formulado não deve ser acolhido.

Mesmo com a chamada irreversibilidade, haverá situações em que o julgador


estará diante do que se chama de “irreversibilidade recíproca”, ou seja, acaso
deferido o pedido, ocasionará um fato irreversível em favor do autor, enquanto
que indeferida, tal situação será capaz de possibilitar a concretização de uma
situação irreversível em favor do réu.
Nestes casos, o papel do juiz é de crucial importância, tendo em vista que,
valendo-se do princípio da proporcionalidade, deverá ser preservado o bem
jurídico mais relevante, afastando-se o risco mais grave, cotejando-se os
valores jurídicos que estão em risco, seja em um caso ou em outro.

Essa, inclusive, foi a orientação do Enunciado nº 25, da ENFAM, que disciplina


que “a vedação da concessão de tutela de urgência cujos efeitos possam ser
irreversíveis (art. 300, § 3°, do CPC/2015) pode ser afastada no caso concreto
com base na garantia do acesso à Justiça (art. 5°, XXXV, da CRFB)”.

Caução

Com a discussão atinente à possível irreversibilidade da medida de urgência, a


lei autoriza que o juiz condicione o deferimento da tutela de urgência à
prestação de caução idônea, o que encontra previsão no § 1º, do art. 300, CPC.
A caução, neste caso, funciona como uma contracautela, que tem por objetivo
garantir que, acaso venha a ser revogada ou a medida perca a eficácia, o valor
dado em caução servirá para ressarcir eventuais danos causados ao réu. Volta-
se, uma vez mais, à proporcionalidade ao analisar o pleito liminar e deferir ou
não a medida, sendo que, somente a avaliação concreta é que poderá dar ao
juiz a segurança de deferir a medida, até mesmo, dispensando a caução.
Também haverá aqueles casos em que será a parte dispensada de apresentar
caução em decorrência da sua hipossuficiência financeira, momento em que o
juiz não a exigirá, o que também encontra previsão no § 1º, do art. 300, CPC.

Responsabilidade objetiva

A atual sistemática processual também não deixou de lado os danos que o réu
pode sofrer como consequência do cumprimento das tutelas de urgência
deferidas, sendo que, além de o juiz observar as questões atinentes à
irreversibilidade da medida e à caução a ser prestada, o art. 302, CPC, atribui
responsabilidade objetiva ao autor pelos danos que vier a causar. Diante de tal
ponto, ao pleitear a medida, o autor assume, de determinada maneira, o risco
quanto à possibilidade do seu deferimento em cognição sumária e de a mesma
ser revogada ou perder a sua eficácia a qualquer momento.

Assim, sempre que a tutela de urgência não prevalecer, os danos serão


liquidados nos próprios autos, devendo a parte adversa, posteriormente,
comprová-los e demonstrar a sua extensão, momento em que pode ser
constatado que a parte não suportou nenhum dano, caso em que não deverá se
indenizar.

Eliminação da duplicidade de processos

Quando requerida em caráter incidental, a medida (seja ela cautelar ou


antecipada) terá lugar dentro do processo em curso, sem autuação apartada e
independentemente do pagamento de custas (art. 295, CPC).

Quando o pedido for formulado em caráter antecedente, isso implicará


obviamente a constituição de um processo. Todavia, subsequentemente, o
eventual pedido principal será formulado nessa mesma relação processual (arts.
303, § 1º, I, e 308, CPC). O modelo do processo cautelar autônomo, adotado
pelo Código de 1973, mostrou-se desnecessário e mesmo contraproducente.

O ônus da formulação do pedido principal

Mas, a partir desse ponto, estabelece-se parcial dicotomia de disciplinas, que


em grande medida põe a perder o propósito de unificação de regimes das
medidas urgentes. Ainda que admitindo tanto a tutela cautelar quanto a tutela
antecipada em caráter antecedente, o CPC previu regras distintas para uma e
outra, no que tange ao ônus de formulação de pedido principal, depois de
efetivada a medida urgente.

Uma vez efetivada a tutela cautelar em caráter antecedente, o autor fica


incumbido de formular o pedido principal no prazo de trinta dias, sob pena de
cessação de eficácia da medida (arts. 308 e 309, I, CPC). Caso cessada a
eficácia da tutela cautelar, é vedada a renovação do pedido, salvo por
fundamento diverso (art. 309, par. ún., CPC).

Já se a tutela urgente deferida em caráter preparatório for antecipada, o autor


tem ônus de complementar sua argumentação e confirmar o pedido de tutela
final em quinze dias, ou em outro maior que o juiz lhe der, sob pena de extinção
do processo sem julgamento de mérito (art. 303, §§ 1º, I, e 2º, CPC).

Aí já se tem clara diferença no regime das duas providências urgentes, quando


pleiteadas em caráter preparatório.
Estabilização da tutela antecipada

Na hipótese de tutela antecipada antecedente, o ônus do autor de formular


pedido principal deve ainda ser conjugado com outra imposição normativa. Se o
réu não recorrer da decisão concessiva da tutela antecipada, o processo, uma
vez efetivada integralmente a medida, será extinto. Todavia, a providência
urgente ali concedida manterá sua eficácia por tempo indeterminado (art. 304,
CPC).

Vale dizer, a tutela antecipada antecedente estabilizar-se-á. Ela continuará


produzindo os seus efeitos enquanto não for revista, reformada ou invalidada
mediante ação própria em um novo processo (art. 304, § 3º, CPC), a ser iniciado
por qualquer das partes (art. 304, § 2º, CPC). Não há coisa julgada material (art.
304, § 6º, CPC). Mas o direito de rever, reformar ou invalidar a decisão
concessiva da tutela antecipada estabilizada submete-se a prazo decadencial
de dois anos (art. 304, § 5º, CPC).

Essa regra, na versão original do projeto do Código, seria aplicável tanto à


tutela antecipada quanto à tutela cautelar concedidas em caráter preparatório.
Na Câmara dos Deputados, passou-se a prever que apenas a tutela antecipada
preparatória seria apta a estabilizar-se.

A razão de se limitar a estabilização à tutela antecipada é facilmente


identificável: não há sentido em se manter por tempo indeterminado uma
providência meramente conservativa, que é o que se tem com a tutela cautelar.
Mas os inconvenientes dessa distinção de regimes também são facilmente
previsíveis: haverá o recrudescimento das disputas classificatórias entre tutela
cautelar e tutela antecipada, com o propósito de se afastar ou obter a
estabilização.

Na tentativa de diminuir tais disputas, o par. ún. do art. 305, CPC, prevê que o
juiz, ao considerar que uma tutela pleiteada em caráter antecedente como
“cautelar” tem natureza antecipatória, deverá determinar seu processamento em
conformidade com as regras do art. 303 (que poderão conduzir à estabilização).
O CPC/15, a exemplo do que fazia o CPC/73 no art. 273, § 7º, disse menos do
que deveria, pois tal controle deve ocorrer também na hipótese inversa: ao
deparar-se com um pedido de tutela antecipada antecedente que a rigor tem
natureza cautelar, o juiz deverá também corrigir o processamento da medida, de
modo a excluir-lhe a possibilidade de estabilização.
A estabilização da tutela antecipada antecedente reúne as características
essenciais da técnica monitória: (a) há o emprego da cognição sumária com o
escopo de rápida produção de resultados concretos em prol do autor; (b) a falta
de recurso do réu contra a decisão antecipatória acarreta-lhe imediata e intensa
consequência desfavorável; (c) nessa hipótese, a tutela antecipada
permanecerá em vigor por tempo indeterminado – de modo que, para subtrair-
se de seus efeitos, o réu terá o ônus de promover ação de cognição exauriente
(ainda que ambas as partes detenham interesse e legitimidade para a
propositura dessa demanda – art. 304, § 2º, CPC). Ou seja, sob essa
perspectiva, inverte-se o ônus da instauração do processo de cognição
exauriente; e (d) não haverá coisa julgada material.

Esses são os traços fundamentais da tutela monitória, em seus diferentes


exemplos identificáveis no direito comparado e na história do processo luso-
brasileiro. Tais atributos estão também presentes tanto na ação monitória
acrescida pela Lei 9.079/95 ao Código de 1973 (arts. 1.102-a e ss.), quanto
naquela também prevista no diploma de 2015 (arts. 700 e ss.).

Trata-se de técnica de tutela que não guarda identidade com a tutela de


urgência. Basta ver que a concessão do mandado de cumprimento, na ação
monitória, não se subordina à demonstração de perigo de dano. Seu escopo
não é impedir danos irreparáveis ou de difícil reparação, mas abreviar a solução
de litígios, sem que se tenha cognição exauriente de seu mérito. Assim, na
tutela antecipada antecedente, ao mecanismo de tutela urgente agregou-se a
técnica monitória.

Pois bem. Se o réu não interpuser recurso contra a decisão que, em primeiro
grau, concede a tutela antecipada antecedente, essa estabilizar-se-á. O
processo, uma vez efetivada integralmente a medida, será extinto. Todavia, a
providência urgente manterá sua eficácia por tempo indeterminado. Sua
extinção dependerá de uma decisão de mérito, em uma nova ação, que a
reveja, reforme ou invalide (art. 304, caput e §§ 1º e 3º, CPC).

Exemplificando: concede-se tutela antecipada antecedente, determinando-se


prestação pecuniária mensal de natureza alimentar – e o réu não recorre do
provimento antecipatório. Sem que haja nenhuma declaração da existência do
direito aos alimentos, a ordem de pagamento das prestações periódicas
permanecerá em vigor por tempo indeterminado. Para eximir-se do cumprimento
de tal comando o réu terá o ônus de promover ação de cognição exauriente e
nela obter o reconhecimento da inexistência do dever de prestar alimentos.

Insista-se: apenas a tutela antecipada antecedente é apta a estabilizar-se. Se,


por exemplo, o autor desde logo formula o pedido de tutela final e requer já na
inicial, incidentalmente, a antecipação de tutela, e essa é concedida, se não
houver recurso, a tutela antecipada não se estabilizará.

A estabilização da tutela antecipada não gera coisa julgada material. Os efeitos


da medida de urgência poderão ser extintos em posterior ação. Nos termos do
art. 304, § 2º, CPC: “Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito
de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do
caput”. A ausência de coisa julgada é também explicitada no § 6.º do art. 304,
CPC: “A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a
estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir,
reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos
termos do § 2º deste artigo”.

O art. 304, § 5º, CPC, por sua vez, estabelece prazo de dois anos para o
ajuizamento de ação de revisão da tutela estabilizada. O prazo é computado a
partir da data de ciência, pela parte, da extinção do processo gerada pela
estabilização da tutela provisória.

Trata-se de prazo decadencial, pois limita temporalmente o exercício de um


direito potestativo (o direito de desconstituir a tutela que se estabilizou).

Tutela de evidência

A tutela de evidência é de natureza satisfativa, cuja concessão prescinde do


requisito da urgência (art. 311, CPC). Trata-se de uma tutela antecipada não
urgente, isto é, uma medida destinada a antecipar o próprio resultado prático
final do processo, satisfazendo-se na prática o direito do demandante,
independentemente da presença de periculum in mora.

Trata-se de técnica de aceleração do resultado do processo, criada para os


casos em que se afigura evidente (ou seja, dotada de probabilidade máxima) a
existência do direito material.
O art. 311, CPC, destaca que, “independentemente da demonstração de perigo
de dano ou de risco ao resultado útil do processo”, a tutela da evidência será
concedida nas seguintes hipóteses, quais sejam: “I – ficar caracterizado o abuso
do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II – as
alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e
houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula
vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova
documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a
ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição
inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do
direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.
Aqui, cabe a advertência: “Tais situações não se confundem, todavia, com
aquelas em que é dado ao juiz julgar antecipadamente o mérito (arts. 355 e
356), porquanto na tutela de evidência, diferentemente do julgamento
antecipado, a decisão pauta-se em cognição sumária e, portanto, traduz uma
decisão revogável e provisória” (WAMBIER, Teresa; RIBEIRO, Leonardo Ferres
da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins e; MELLO, Rogério Licastro Torres de.
Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p.
523).

Ainda, acrescenta o parágrafo único do art. 311, CPC, que o juiz poderá decidir
liminarmente nas situações descritas nos incisos II e III, mesmo porque, nos
incisos I e IV, o juiz somente poderá formar sua convicção (ainda que fundada
em cognição superficial) após a apresentação de defesa pelo réu.

Por fim, pertinente a observação de que, enquanto a tutela de urgência pode ser
pedida de forma antecedente e incidental, a tutela da evidência só pode ser
pedida de forma incidental.

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