Você está na página 1de 1

agarrá-lo, subjugá-lo, espremê-lo num canto de parede. Olhou as caras em redor.

Evidentemente as criaturas que se juntavam ali não o viam, mas Fabiano sentia-se
rodeado de inimigos, temia envolver-se em questões e acabar mal a noite. Soprava e
esforçava-se inutilmente por abanar-se com o chapéu. Difícil mover-se, estava
amarrado. Lentamente conseguiu abrir caminho no povaréu, esgueirou-se até junto
da pia de água benta, onde se deteve, receoso de perder de vista a mulher e os filhos.
Ergueu-se nas pontas dos pés, mas isto lhe arrancou um grunhido: os calcanhares
esfolados começavam a afligi-lo. Distinguiu o cocó de Sinha Vitória, que se escondia
atrás de uma coluna. Provavelmente os meninos estavam com ela. A igreja cada vez
mais se enchia. Para avistar a cabeça da mulher, Fabiano precisava estirar-se, voltar o
rosto. E o colarinho furava-lhe o pescoço. As botinas e o colarinho eram
indispensáveis. Não poderia assistir à novena calçado em alpercatas, a camisa de
algodão aberta, mostrando o peito cabeludo. Seria desrespeito. Como tinha religião,
entrava na igreja uma vez por ano. E sempre vira, desde que se entendera, roupas de
festa assim: calça e paletó engomados, batinas de elástico, chapéu de baeta, colarinho
e gravata. Não se arriscaria a prejudicar a tradição, embora sofresse com ela.
Supunha cumprir um dever, tentava aprumar-se. Mas a disposição esmorecia: o
espinhaço vergava, naturalmente, os braços mexiam-se desengonçados.
Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso
desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava conversas.
Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa. Os negociantes furtavam na
medida, no preço e na conta. O patrão realizava com pena e tinta cálculos
incompreensíveis. Da última vez que se tinham encontrado houvera uma confusão
de números, e Fabiano, com os miolos ardendo, deixara indignado o escritório do
branco, certo de que fora enganado. Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os
comerciantes e o proprietário tiravam-lhe o couro, e os que não tinham negócio com
ele riam vendo-o passar nas ruas, tropeçando. Por isso Fabiano se desviava daqueles
viventes. Sabia que a roupa nova cortada e cosida por Sinha Terta, o colarinho, a
gravata, as botinas e o chapéu de baeta o tornavam ridículo, mas não queria pensar
nisto.
– Preguiçosos, ladrões, faladores, mofinos.
Estava convencido de que todos os habitantes da cidade eram ruins. Mordeu os
beiços. Não poderia dizer semelhante coisa. Por falta menor agüentara facão e
dormira na cadeia. Ora, o soldado amarelo. .. Sacudiu a cabeça, livrou-se da
recordação desagradável e procurou uma cara amiga na multidão. Se encontrasse um
conhecido, iria chamá-lo para a calçada, abraçá-lo, sorrir, bater palmas. Depois falaria
sobre gado. Estremeceu, tentou ver o cocó de Sinha Vitória. Precisava ter cuidado
para não se distanciar da mulher e dos filhos. Aproximou-se deles, alcançou-os no
momento em que a igreja começava a esvaziar-se.
Saíram aos encontrões, desceram os degraus. Empurrado, machucado, Fabiano
tornou a pensar no soldado amarelo. No quadro, ao passar pelo jatobá, virou o rosto.
Sem motivo nenhum, o desgraçado tinha ido provocá-lo, pisar-lhe o pé. Ele se

Você também pode gostar