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Algumas Considerações Sobre a Visão

Skinneriana de Self
Por
Renan Miguel Albanezi
23 ago. 2014
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As atribuições do comportamento a causas internas soam poéticas e


românticas, convencem muito bem àqueles que se interessam por explicações
rápidas e satisfazem a maioria das pessoas que precisam entender o “motivo”
de agirem de determinadas formas em dadas situações. Entre essas causas
internas poderíamos citar as gestaltens das abordagens existenciais-
humanistas, o inconsciente, o id, o ego e o superego freudianos e também
o self.

Atribuir causas internas ao comportamento diminui a ansiedade das pessoas


com relação a fenômenos que pareçam inexplicáveis ou que ainda não têm
uma explicação plausível ou satisfatória a quem se comporta (Skinner, 1953).
Na concepção skinneriana de self no livro Science and Human Behavior de
1953, tal “estrutura interna” teria a característica de causar comportamentos
quando as variáveis das quais um comportamento é função não são
conhecidas ou são ignoradas.

Independente do que o self seja, para Skinner (1953; 1974), ele não parece ter
a mesma natureza do organismo físico. Uma pessoa age no mundo e é dito
que ela faz isso em função de seu eu interior, pois é ele que inicia e direciona
um comportamento à obtenção de reforçamento. Muitas vezes, mais de
um self é utilizado para explicar o porquê uma pessoa se comporta. O mesmo
acontece com a personalidade.

Se uma pessoa se comporta de forma dita chamativa ou parece estranha, o faz


porque tem uma personalidade histriônica, como a cantora Lady Gaga e o
cantor Marylin Manson. Caso possua um superego bem estabelecido, acarreta
que a pessoa tem uma personalidade predominantemente neurótica, o que os
psicanalistas esperam que a maioria das pessoas sejam. Por essas razões,
Skinner (1953) aponta que, numa análise do comportamento, não seria
necessário o conceito de self. Mas não dar uma explicação do que seria esse
fenômeno do ponto de vista comportamental, deixaria a teoria em dívida com
relação a outras teorias da Psicologia.

Skinner, então, conceitua self como um “sistema de respostas funcionalmente


unificado” (1953, p. 285). O autor dá uma explicação alternativa a esse
conceito pautado nos preceitos de uma ciência natural e, então, infere
que self estaria relacionado a modos de agir enquanto que personalidades
estariam relacionadas a ocasiões. Em outras palavras, o self estaria associado
aos comportamentos emitidos pelo indivíduo enquanto que sua personalidade
seria determinada pela estimulação antecedente que faria a resposta a ser
emitida.

Dessa forma, “contingências diferentes criam pessoas diferentes na mesma


pele” (Skinner, 1974, p. 185) e isso explicaria o porquê uma pessoa se
comporta de uma determinada forma numa determinada comunidade verbal e
de outra forma numa comunidade verbal distinta. Por exemplo, porque um
indivíduo se comporta de uma forma quando está no contexto familiar e de
outra forma quando inserida num contexto profissional.
Esse entendimento de self implicaria que procurar por consistências e
integridades funcionais em aspectos da personalidade seria contraproducente.
Além disso, implicaria que não precisamos atribuir diferentes eus a um
organismo que se comporta se entendermos as contingências de reforçamento
em que ele está inserido. Uma pessoa pode ter seu comportamento de ingerir
bebidas alcoólicas reforçado num grupo de amigos, mas não numa reunião
familiar em que os membros desse grupo sejam conservadores. Ao contrário,
pode ter seu comportamento punido. E não é por isso que essa pessoa possui
duas personalidades diferentes; tudo depende das audiências serem
positivamente reforçadoras ou não (Skinner, 1957). O que entra em vigor nesse
caso, mais uma vez, é a contingência de reforçamento, as variáveis das quais
um comportamento é função (Skinner, 1953; 1974).

As pessoas apresentam repertórios comportamentais diferentes em


circunstâncias diferentes. Muitos desses repertórios são controlados por
contingências sociais, sendo assim, as concepções skinnerianas (1953, 1974;
1990), contemplam que o self é construído socialmente. E, por ser construído
na interação com o outro, o self poderia ser controlado verbalmente, como
evidenciam as terapias comportamentais de terceira onda como a Terapia de
Aceitação e Compromisso (Saban, 2011) e a Psicoterapia Analítica Funcional
(Kohlenberg & Tsai, 2006).

Muito do que sabemos de nós mesmos, muito do que sabemos do outro e das
coisas que nos cercam, só sabemos porque a comunidade verbal em que
estamos inseridos arranjou contingências para que soubéssemos nomear e
descrever cada um desses fenômenos (Skinner, 1957; 1974; Catania, 1999;
Hübner, Borloti, Almeida & Cruvinel, 2012). Só dizemos como nos sentimos, o
que pensamos e o nome das coisas a nossa volta porque nossa comunidade
verbal arranjou contingências e consequenciou nossas verbalizações de
acordo com aquilo que seria produtivo para a sobrevivência da própria
comunidade verbal (Skinner, 1957; Abreu & Hübner, 2012).

“Sou do sexo masculino, tenho 39 anos, trabalho como engenheiro civil e me


chamo João” é uma descrição de quem a pessoa é e do que ela faz. Tatear,
nomear e descrever aspectos internos e externos que nos competem,
expressar as relações funcionais de considerado homem, ter um nome, ter uma
determinada idade e uma dada profissão são relações verbais ocasionadas e
reforçadas por contingências sociais.

Uma vez que o self é uma construção social e que o comportamento social
depende de outros para ocorrer e ser consequenciado, poderíamos dizer que,
por só sabermos descrever quem somos e como nos comportamos em função
de uma comunidade verbal, há uma evidência de que o self pode ser, portanto,
controlado verbalmente. E isso não nos dá necessidade de explicar
determinados comportamentos dividindo-os em diversos selves e/ou
personalidades.

Tanto o comportamento verbal como o self, segundo os preceitos da teoria


skinneriana, são classes de comportamentos que só existem em função de
contingências socioculturais que entram em vigor na determinação do
comportamento (Skinner, 1981). No momento em que Skinner (1953) aponta
que o self seria a causa de comportamentos quando o indivíduo que se
comporta não conhece as variáveis das quais seu comportamento é função,
pode-se inferir que causas são atribuídas a uma estrutura interna quando o
indivíduo não tem a capacidade de descrever as variáveis que estão
controlando seu comportamento, corroborando, assim, o controle verbal
exercido sobre o self.

A personalidade também tem pontos em comum com o conceito de self por


depender também, como todo e qualquer comportamento humano, dos três
níveis de seleção do comportamento apontados por Skinner (1981). Desse
modo, podemos citar a importância dos aspectos de personalidade herdados
geneticamente, dos aspectos aprendidos durante a história individual e dos
aspectos aprendidos em convivência social, com a comunidade verbal (Lundin,
1977; Banaco, Vermes, Zamignani, Martani & Kovac, 2012), que adentraria
especificamente o self. A personalidade poderia, então, ser descrita e avaliada
com base em padrões comportamentais regulares, sensíveis aos paradigmas
de condicionamento respondente e operante, contemplados pelos fenômenos
comportamentais de reforçamento, punição e extinção, sem esquecer jamais
da singularidade do indivíduo, que é incontestável na visão da ciência (Skinner,
1959).
A compreensão skinneriana de que o self é construído em função de
contingências ontogenéticas e culturais nos permite entender que uma pessoa
pode ser quem ela é, de acordo com as contingências de reforçamento em que
ela está inserida e em função da comunidade verbal com quem convive.
Entender quem somos, estar sensíveis às consequências de nossas ações e
saber descrever como nos comportamos é atender à afirmação de Skinner de
que “a aquisição mais nobre da qual o homem pode aspirar (…) é aceitar ele
mesmo pelo que ele é” (1961, p. 17).

Referências

Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C. (2012) O comportamento verbal para B. F.


Skinner e para S. C. Hayes: uma síntese com base na mediação social
arbitrária do reforçamento. Acta Comportamentalia, Guadalajara, v. 20, n. 3, p.
367-381.

Banaco, R. A.; Vermes, J. S.; Zamignani, D. R.; Martone, R. C.; Kovac, R.


(2012) Personalidade. In Hübner, M. M. C.; Moreira, M. B. Temas Clássicos da
Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan.

Catania, A. C. (1999) Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição.


Porto Alegre: Artmed.

Hübner, M. M. C.; Borloti, E.; Almeida, P.; Cruvinel, A. C. (2012) Linguagem. In


Hübner, M. M. C.; Moreira, M. B. Temas Clássicos da Psicologia sob a ótica da
Análise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Kohlenberg, R. J.; Tsai, M. (2006) FAP: Psicoterapia Analítica Funcional –


Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec
Editores Associados.

Lundin, R. W. (1977) Personalidade: Uma análise do comportamento. São


Paulo: E. P. U.
Saban, M. T. (2011) Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo
André: ESETec Editores Associados.

Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: B. F. Skinner Foundation.

Skinner, B. F. (1961) Cumulative Record: Enlarged Edition. New York:


Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Skinner. B. F. (1981) Selection by Consequences. Science, v. 213, n. 4507, pp.


501-504.

Skinner, B. F. (1990) Questões Recentes na Análise Comportamental. 5 ed.


Campinas: Papirus Editora.

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