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Agricultura sustentável, gestão ambiental e eco-certificação de

atividades rurais

Geraldo Stachetti Rodrigues*

Agricultura sustentável é o manejo dos ecossistemas agrícolas de modo a manter e


ampliar sua produtividade, a qualidade do ambiente (ar, água e solo), a diversidade
biológica e da paisagem, e a qualidade de vida das pessoas envolvidas – agora e no
futuro – com as funções ecológicas, econômicas e sociais do meio rural. A
simplicidade dessa definição contrasta com a dificuldade de se definir um objetivo
prático, bem como um sistema para execução e avaliação, aplicáveis à formulação
de políticas conseqüentes. Por exemplo, na maioria das vezes o alívio da pressão
de degradação ambiental depende, ao menos parcialmente, da melhoria da renda,
da tomada de consciência e da sedimentação de conhecimentos por parte dos
produtores, sobre o valor intrínseco dos recursos ambientais – quer dizer, para a
conservação de florestas, é melhor começar pelas pessoas que pelas árvores.

Portanto, para trazer um alcance prático a esse enunciado objetivo de


desenvolvimento rural sustentável, a sociedade deve valorizar e recompensar de
forma adequada os produtores que manejem responsavelmente o ambiente e os
recursos naturais, como forma de compensação e incentivo pela conservação. Além
da conservação do ambiente e dos recursos naturais, conforme um valor ético que a
sociedade deve incorporar, não se deve subestimar os benefícios econômicos e
comerciais que podem advir de boas práticas de gestão ambiental.
A promoção da agricultura sustentável depende, assim, da conformação de um novo
relacionamento entre os consumidores e os produtores (e setores produtivos) que se
dediquem a formas sustentáveis de manejo, em um mercado qualificável como ético
e solidário. Para a construção dessas formas inovadoras de relacionamento entre
consumidores conscientes de seu papel enquanto promotores do desenvolvimento
sustentável, de um lado, e de produtores que realizam a gestão ambiental das
atividades rurais, de outro lado, são necessárias ferramentas para avaliação da
sustentabilidade.
Tais ferramentas visam promover mecanismos de eco-certificação das atividades
produtivas sustentáveis e de seus produtos, como forma de viabilizar relações
comerciais que ampliem a inserção daqueles produtores comprometidos com o
desenvolvimento sustentável. Pela via da avaliação, adequação de desempenho e
gestão ambiental das atividades rurais é possível promover a motivação e a
integração dos produtores, cuja organização é condição necessária para promoção
da gestão ambiental territorial. Esta escala (territorial) de trabalho justifica-se porque,
ainda que o desenvolvimento sustentável deva estender-se desde a esfera regional
até a nacional e mesmo a global, é o território rural que provê a escala adequada
para se valorizar as vocações locais, as potencialidades ambientais e comunitárias,
frente às pressões do mundo globalizado.
O desempenho ambiental de atividades rurais pode ser averiguado, corrigido e
gerido com a aplicação de procedimentos de Avaliação de Impacto Ambiental,
integrando-se as dimensões sócio-culturais, econômicas e ecológicas da

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sustentabilidade. É com este enfoque de gestão ambiental e territorial que podem
ser realizadas as múltiplas funções das áreas rurais, enquanto provedoras de
recursos naturais, de serviços ambientais, de segurança alimentar e de qualidade de
vida, todos esses temas priorizados em programas e projetos de pesquisa, e na
missão institucional da Embrapa.
Esse papel multifuncional da agricultura e do meio rural tem sido um tema
importante de pesquisas e de políticas de desenvolvimento também nos países
desenvolvidos, com especial referência a interesses comerciais e de proteção de
mercado. Contudo, os acordos internacionais de liberalização do comércio de
commodities e de produtos agrícolas em geral, assim como as pressões de países
muitas vezes portadores de vantagens comparativas, além de um cenário de forte
ampliação da demanda com o crescimento da cadeia de agroenergia em âmbito
global, vêm impondo um renovado interesse no desenvolvimento, na validação e na
aplicação de mecanismos de avaliação de impactos. Esses sistemas de avaliação
visam à adequação de desempenho e à eco-certificação de atividades rurais, como
mecanismos complementares para a regulação das relações de comércio
internacional. É, portanto, em um momento especialmente propício que a Embrapa
inclui essa importante temática em seu programa de pesquisa e cooperação
científica.

Indicadores de sustentabilidade e avaliação de impactos ambientais


Experiência Institucional e Contribuições da Embrapa

A Embrapa tem dedicado importante esforço para o desenvolvimento, a validação e


a utilização de sistemas de avaliação de impactos ambientais (AIA), desde a escala
de estabelecimentos rurais e setores produtivos, visando promover a gestão
ambiental territorial, até a escala institucional, junto ao Sistema Embrapa de Gestão
e para formulação do Balanço Social institucional. Esses sistemas de AIA vêm
sendo aplicados como procedimentos para previsão, análise e gestão de projetos de
pesquisa e de inovações tecnológicas agropecuárias. Quando aplicadas a atividades
rurais, as AIAs são instrumentos valiosos para a definição de formas de manejo que
minimizem os efeitos negativos das atividades, e para a seleção e adoção de
tecnologias que maximizem a eficiência produtiva e o uso racional de recursos
naturais.
Dadas essas demandas de aplicação, os sistemas de AIA desenvolvidos pela
Embrapa visam promover a gestão ambiental, nas mais variadas escalas. No âmbito
de estabelecimentos rurais, os sistemas de AIA provêm diagnósticos de
desempenho produtivo, que apontam a situação de conformidade dos múltiplos
indicadores, segundo padrões de qualidade ambiental e de práticas de manejo,
gerando recomendações aos produtores quanto às práticas e tecnologias a adotar
para correção de impactos negativos e promoção de impactos positivos.
No âmbito dos territórios rurais, os resultados agregados das diferentes dimensões
de sustentabilidade proporcionam aos tomadores de decisão uma visão das
contribuições, positivas ou negativas, das atividades rurais para o desenvolvimento
local sustentável, facilitando a definição de medidas de controle e fomento das
atividades, de acordo com as vocações dos ambientes e das comunidades locais.

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Finalmente, ao integrarem os indicadores em Índices de Impacto Ambiental, os
sistemas de AIA configuram unidades padrão de desempenho ambiental, aplicáveis
como medidas objetivas e documentadas para a qualificação e eventual eco-
certificação de atividades agropecuárias. Os Sistemas de AIA, portanto, são
ferramentas úteis tanto para os produtores, individualmente ou em grupos
organizados, como para os formuladores e gestores de políticas públicas,
contribuindo para o desenvolvimento local sustentável.
Dentre os sistemas de AIA correntemente em uso para gestão ambiental de
estabelecimentos e setores produtivos rurais, o Sistema APOIA-NovoRural tem se
destacado, devido a um conjunto de princípios adotados em sua concepção:
• Ser aplicável à avaliação de atividades rurais em variadas regiões e
situações ambientais, na escala específica do estabelecimento rural;
• Incluir indicadores relativos aos aspectos ecológicos, econômicos,
socioculturais e de manejo implicados com o desenvolvimento local
sustentável;
• Expressar os resultados em uma forma simples e direta para agricultores e
empresários rurais, tomadores de decisão e o público em geral;
• Facilitar a detecção de pontos críticos para correção de manejo;
• Ser informatizado e fornecer uma medida final integrada do impacto
ambiental da atividade, contribuindo para a certificação ambiental.

O Sistema APOIA-NovoRural consta de 62 indicadores, integrados em cinco


dimensões de sustentabilidade, quais sejam: (i) Ecologia da Paisagem, (ii)
Qualidade Ambiental (Atmosfera, Água e Solo), (iii) Valores Socioculturais, (iv)
Valores Econômicos e (v) Gestão e Administração. Sua aplicação em campo
envolve a utilização de instrumental analítico não sofisticado, permitindo obter, a
baixo custo, um Relatório de Gestão Ambiental, que é apresentado ao produtor, para
sua tomada de decisão quanto às medidas a adotar para melhoria do desempenho
do estabelecimento.
Muitos estudos de casos e pesquisas integradas de gestão ambiental têm sido
desenvolvidos com o Sistema APOIA-NovoRural, em suporte a vários setores
produtivos rurais, tais como a aqüicultura, o agroturismo, a produção orgânica de
hortaliças e a estrutiocultura; bem como para a gestão territorial em áreas de
relevante interesse ecológico e de proteção à fauna, como na APA da Barra do Rio
Mamanguape (PB), para proteção do peixe-boi-marinho; e na RPPN Feliciano
Miguel de Abdala em Caratinga (MG), para proteção do muriqui-do-norte. Ademais,
projetos de pesquisa têm sido desenvolvidos para verificação de eficácia de práticas
de manejo e de inovações tecnológicas, visando à organização de sistemas
especiais de produção, como a agricultura de precisão, o plantio direto, a produção
integrada de frutas e a produção de oleaginosas para obtenção de biocombustíveis.
Em uma escala de maior alcance, o Sistema foi adaptado como um instrumento
nacional de política pública, em um projeto cooperativo realizado junto ao
PROCISUR e sob os auspícios do IICA, para o Proyecto Producción Responsable
da República do Uruguai. Então denominado Evaluación de Impacto Ambiental
Rural (EIAR-Uruguay), o sistema foi adaptado em um projeto participativo, que
envolveu 18 técnicos de oito instituições uruguaias, dedicadas às diferentes áreas

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de conhecimento integradas pelos indicadores de sustentabilidade, além de um
estudo de validação em campo, para os setores de pecuária extensiva e horticultura.
O sistema integrado de indicadores está sendo atualmente aplicado pelo Ministerio
de Ganadería, Agricultura y Pesca como instrumento para o diagnóstico, o
acompanhamento e a avaliação de sustentabilidade em estabelecimentos rurais de
pequeno e médio porte, dos mais variados setores produtivos, em todo o país, no
projeto financiado pelo Banco Mundial e o Global Environmental Facility (GEF).
Uma vez realizada essa ampla e diversa experiência em avaliação de impactos e
gestão ambiental, em variadas escalas e setores produtivos, alcançou-se o desafio
de atender a uma política nacional de desenvolvimento do Programa Nacional de
Produção de Biocombustíveis, para avaliação de impactos sócio-ambientais nas
cadeias de produção de oleaginosas para “viabilidade e sustentabilidade da
produção de biodiesel”, junto ao Macroprograma Grandes Desafios Nacionais da
Embrapa. Os resultados obtidos em cinco regiões produtoras do país (SP, MG, PI,
BA, PA), envolvendo quatro oleaginosas (pinhão-manso, nabo-forrageiro, mamona e
dendê), recentemente publicados em revista internacional da área de gestão
tecnológica, apontam as oportunidades para promoção de arranjos produtivos locais,
que viabilizem o desenvolvimento rural sustentável, no atual contexto de expansão
da demanda por culturas energéticas.
Os Relatórios de Gestão Ambiental estendidos aos produtores rurais participantes
dessa pesquisa confirmaram que, uma vez integrados a projetos de
desenvolvimento rural, organizados com efetiva participação de instituições de
fomento, extensão e pesquisa, e vinculados a cadeias produtivas organizadas
localmente, os produtores têm condições de produzir de forma sustentável,
conservando o ambiente natural e produtivo, trazendo contribuições à qualidade de
vida da população local, e promovendo o desempenho econômico do seu
estabelecimento.

O desafio de construir um sistema de certificação ambiental de aceitação


global
Estudo de caso para construção da eco-certificação da agricultura sustentável

Nem sempre as atividades rurais, os setores agropecuários e as cadeias produtivas


são organizados de forma a distribuir os benefícios e riquezas geradas, ou a
priorizar o uso racional dos recursos naturais, ou a conservação de ecossistemas e
dos serviços ecológicos por eles mantidos. Para favorecer a adequação desse
quadro, as avaliações de impacto devem integrar ao enfoque ambiental as
mudanças econômicas, sociais, culturais e de gestão que devem ocorrer junto às
comunidades envolvidas direta e indiretamente nos empreendimentos. Portanto,
avaliações de impacto devem incluir indicadores tais como distribuição de renda,
qualidade do emprego, segurança e saúde ocupacional; acesso à educação,
serviços básicos, e esporte e lazer; padrão de consumo, conservação dos habitats e
do patrimônio histórico e artístico, entre outros. São mudanças nesses indicadores
que efetivamente afetam o desenvolvimento local e a qualidade de vida nas
comunidades, sendo que sua consideração nas AIAs permite estabelecer a
necessária conexão entre avaliação de impacto e gestão sustentável, passível de
certificação.

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Assim, a certificação ambiental deve contribuir com dois objetivos principais.
Primeiro, em sua vertente de interesse privado, servir como instrumento de
qualificação e de desempenho produtivo, com conseqüente divulgação e promoção
diferenciada do estabelecimento, inclusive em termos de inserção no mercado,
quando este se qualificar como promotor de práticas sustentáveis. Segundo, em sua
vertente pública ou comunitária, garantir que as recomendações obtidas nas AIAs,
para reparar impactos e promover o desenvolvimento local sustentável, sejam
efetivamente realizadas, pela verificação e acompanhamento dos requisitos de
certificação.
Uma vez formulado e validado tal procedimento de gestão sustentável, estará
estabelecido o percurso metodológico para estender a abordagem a culturas de
interesse estratégico, favorecendo a normalização de procedimentos para a gestão
sustentável de setores produtivos agropecuários em geral. Essa experiência já vem
oferecendo elementos para a construção de procedimentos de certificação de
sustentabilidade, em iniciativas dedicadas ao setor agroenergético, no Programa
Brasileiro de Certificação de Biocombustíveis. A experiência, assim, vem contribuir
para a consolidação da liderança da Embrapa em metodologias de avaliação de
impactos, e para a sedimentação dos preceitos, conceitos e procedimentos de
gestão sustentável na agricultura brasileira.

Para saber mais:

RODRIGUES, G. S. et al. Avaliação de impacto ambiental de atividades em


estabelecimentos familiares do novo rural. Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente,
2003. 44 p. (Embrapa Meio Ambiente. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento, 17).
Disponível em:
http://www.cnpma.embrapa.br/public/public_pdf21.php3?tipo=bo&id=17
RODRIGUES, G. S. et al. Gestão Ambiental de Atividades Rurais: estudos de caso
em Agroturismo e Agricultura orgânica. Agricultura em São Paulo. v. 53, n. 1, p 17-
31. 2006.
RODRIGUES, G. S. & MOREIRA-VIÑAS, A. An environmental impact assessment
system for responsible rural production in Uruguay. Journal of Technology
Management and Innovation. v. 2. n. 1, 2007. pp. 42-54.
RODRIGUES, G. S. et al. Socio-environmental impact assessment of oleaginous
crops for biodiesel production in Brazil. Journal of Technology Management and
Innovation. v. 2. n. 2. 2007. pp. 46-66.
RODRIGUES, G. S.; et al. Sustainability assessment of an oil palm farm through the
implementation of an integrated indicators system VI International PENSA
Conference “Sustainable Agri-food and Bioenergy Chains/Networks Economics and
Management”. October, 24-26th, 2007, Ribeirão Preto (SP).

*Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, doutor em Avaliação de Impacto


Ambiental. Atualmente no Labex – Laboratório Virtual da Embrapa no Exterior –
França.

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