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urologia – oncologia – cirurgia vascular

volume 5

cirurgia vascular
oncologia
urologia
UROLOGIA

Ernesto Reggio
Eduardo Bertolli
Luciana Ragazzo
CAPÍTULO

1
Anatomia cirúrgica do trato geniturinário
Carlos Henrique Suzuki Bellucci

1. Rim com a fáscia contralateral. Inferiormente, não se funde e


permanece como um espaço aberto em potencial. Além
Macroscopicamente, os rins são órgãos pares situados disso, serve como barreira para disseminação de neoplasias
no retroperitônio e que repousam sobre a parede posterior e coleções perirrenais. Assim, coleções perirrenais podem
do abdome. Pesam, em média, 150g no homem e 135g na
se estender inferiormente até a região pélvica sem que haja
mulher, e apresentam cerca de 10 a 12cm verticalmente, 5
violação da fáscia de Gerota (Figura 2).
a 7cm transversalmente e 3cm no sentido anteroposterior.

A - Relações anatômicas e envoltórios renais


O rim direito situa-se 1 a 2cm mais caudalmente que o es-
querdo em virtude da presença do fígado. Em geral, o rim direito
situa-se ao nível de L1-L3, e o esquerdo ao nível de T12-L3.
Posterossuperiormente, o diafragma recobre o terço su-
perior de ambos os rins, com a 12ª costela acompanhando
a extremidade inferior do diafragma, não sendo rara, por-
tanto, a ocorrência de lesões iatrogênicas pleurais em ci-
rurgias renais. Posteriormente, os 2/3 inferiores repousam
sobre os músculos psoas maior e quadrado lombar. Lateral
e medialmente, os rins apresentam íntimo contato com o
arco lombocostal e o tendão do músculo transverso do ab-
dome, respectivamente.
O polo inferior renal repousa lateral e anteriormente em
relação ao polo superior. Assim, o eixo longitudinal renal é
paralelo ao eixo do músculo psoas. Além disso, a borda me-
dial renal é discretamente voltada anteriormente, ao passo
que a borda lateral tem direção posterior. Isso confere uma
angulação de cerca de 30° no plano frontal (Figura 1).
Cada rim é envolto por uma massa de tecido adiposo
(gordura perirrenal), que, por sua vez, é envolvida pela
fáscia renal (mais conhecida como fáscia de Gerota). Pos-
teriormente, a fáscia renal é circundada por outra camada
adiposa de espessura variável, denominada gordura parar-
renal. Superior e lateralmente, a fáscia de Gerota é fecha-
da, porém medialmente cruza a linha média e fusiona-se Figura 1 - Eixo renal

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UROLO G I A

A Figura 3 demonstra a íntima relação dos rins com os A medula renal é a porção média renal e apresenta de
demais órgãos intra-abdominais. Tais relações explicam al- 8 a 18 pirâmides renais, estruturas dispostas longitudinal-
guns achados comuns à prática clínica. Primeiro, é rara le- mente em formato de cone. A base de cada pirâmide volta-
são renal durante trauma abdominal fechado. Segundo, o -se para o córtex renal, colocado mais externamente. De
índice de lesões a outros órgãos abdominais associadas a sua base, a pirâmide renal projeta estruturas filiformes,
trauma renal é alto. Por último, inúmeras são as possibili- denominadas raios medulares, para o interior do córtex. O
dades de lesões iatrogênicas de órgãos vizinhos durante ci- ápice de cada pirâmide termina em uma papila renal que se
rurgias renais, como, por exemplo, lesão esplênica durante abre em um cálice menor. A urina drena das papilas renais
nefrectomia esquerda. para o interior da via coletora nos cálices menores e segue
para cálices maiores, pelve renal e ureter, até a bexiga.
A porção mais externa compreende o córtex renal, que
pode ser dividido em 2 porções: externa ou subcapsular e jus-
tamedular. Tem aparência granulosa e se estende até a base
das pirâmides renais. Projeções de córtex renal entremeiam
as pirâmides renais e são denominadas colunas renais.

Figura 2 - Envoltórios renais

Figura 4 - Anatomia intrarrenal

C - Anatomia vascular renal


Classicamente, o pedículo renal consiste em 1 única ar-
téria e em 1 única veia renal, porém alterações anatômicas
não são incomuns. A veia renal posiciona-se anteriormente
Figura 3 - Relação anatômica dos rins com demais órgãos intra- à artéria renal no hilo renal. A pelve renal é posterior às
-abdominais estruturas vasculares.
As artérias renais são ramos diretos da aorta abdominal
e emergem logo abaixo da projeção da artéria mesentérica
B - Anatomia intrarrenal básica
superior. Ao aproximar-se dos rins, ambas as artérias renais
A secção renal mediana demonstra 3 regiões de medial fornecem ramos para adrenal, pelve renal e ureter ipsilateral.
para lateral: pelve, medula e córtex renais (Figura 4). Ao atingir o seio renal, a artéria renal divide-se, mais
A pelve renal é uma estrutura coletora formada pela comumente, em 5 ramos, denominados segmentares: pos-
porção superior expandida do ureter que se comunica com terior, apical, superior, médio e inferior (Figura 5). Normal-
a medula renal. Na face medial renal há uma passagem ova- mente, o ramo posterior cruza posteriormente o sistema
lada, denominada hilo renal, que dá acesso ao seio renal, coletor e os demais ramos anteriormente. Cada artéria
uma cavidade no interior do rim, onde se localizam pelve segmentar supre uma região distinta renal sem a existência
renal, tecido adiposo, vasos e nervos. Em direção à medula de circulação colateral entre elas. Assim, a oclusão ou lesão
renal, a pelve ramifica-se em 2 ou 3 grupos calicinais maio- de um ramo segmentar causará infarto segmentar renal.
res, que, por sua vez, ramificam-se em cálices menores (es- Ainda, a inexistência de circulação colateral entre os ramos
tes em número variável de 8 a 18). segmentares permite a identificação de um plano renal

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avascular na congruência do ramo posterior com os ramos lares pós-glomerulares e, progressivamente, são chamadas
anteriores (linha avascular de “Brodel”), essencial para exe- arqueadas, interlobares, lobares e segmentares. Cursam
cução de incisões no parênquima renal com menos perda paralelamente às respectivas artérias e, normalmente, coa-
sanguínea possível. lescem em 3 grandes troncos para, então, formarem a veia
No interior do seio renal, as artérias segmentares divi- renal. A veia renal esquerda mede cerca de 6 a 10cm e de-

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dem-se em artérias lobares e, posteriormente, em interlo- semboca na veia cava inferior, após cruzar anteriormente
bares, que seguem ao lado das pirâmides renais. Próximo à
a aorta, e posteriormente a artéria mesentérica superior.
base da pirâmide renal, passam a ser denominadas artérias
Normalmente, recebe 3 tributárias: artéria gonadal esquer-
arqueadas, que, posteriormente, ramificam-se em artérias
interlobulares. Finalmente, estas fornecem ramos aos glo- da, artéria adrenal esquerda e artéria lombar. Por outro
mérulos renais, denominados arteríolas aferentes (Figura 6). lado, a veia renal direita mede de 2 a 4cm e, geralmente,
A drenagem venosa correlaciona-se intimamente com a não recebe tributárias, sendo que as veias adrenal e gona-
circulação arterial. As veias interlobulares drenam os capi- dal direitas drenam diretamente para a veia cava inferior.

Figura 5 - Ramos segmentares da artéria renal (posterior, apical, superior, média e inferior) e linha avascular de “Brodel”

nais juntam-se a estes troncos no seio renal, em associação a


vasos linfáticos da pelve e da porção superior do ureter.
O tronco linfático renal esquerdo drena primeiro para
linfonodos para-aórticos laterais esquerdos, incluindo linfo-
nodos anteriores e posteriores da aorta abaixo da artéria
mesentérica inferior, até a parte inferior do diafragma. Em
geral, não ocorre drenagem linfática periaorticocaval, exce-
to em estágio avançado de doença.
O tronco linfático direito drena, primariamente, para
linfonodos interaorticocavais e linfonodos anteriores e pos-
teriores à veia cava inferior, estendendo-se dos vasos ilíacos
comuns direitos até o diafragma. Embora infrequentemen-
Figura 6 - Ramificações da artéria renal te, linfáticos oriundos do rim direito podem drenar para lin-
fonodos próximos ao hilo renal esquerdo.

D - Drenagem linfática renal E - Acesso cirúrgico ao rim


A drenagem linfática renal é abundante e segue os vasos a) Laparoscopia
sanguíneos através das colunas renais para sair do parênqui-
ma renal e formar grandes troncos linfáticos no seio renal. - Transperitoneal;
Vasos linfáticos vindos da cápsula renal e dos tecidos perirre- - Retroperitoneoscópica.

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b) Lombotomia

- Posição: decúbito lateral com extensão do flanco (Fi-


gura 7);
- Incisão acompanhando a 12ª costela, supra ou infra-
costal;
- Incisão do músculo grande dorsal (Figura 8);
- Incisão do músculo oblíquo externo do abdome (Fi-
gura 8);
- Incisão do músculo oblíquo interno do abdome; Figura 7 - Posicionamento do paciente para lombotomia esquerda

- Incisão do músculo transverso do abdome;


- Acesso ao retroperitônio;
- Ressecção subperiosteal da 12ª costela (opcional),
com o objetivo de ganhar campo cirúrgico (Figura 9).

c) Laparotomia transversa (Figura 10)


- Posição: decúbito dorsal horizontal;
- Incisão infracostal, com extensão variável (geralmente
da linha axilar anterior até a metade do reto abdomi-
nal contralateral);
- Incisão da bainha anterior e posterior do músculo reto
abdominal;
- Incisão do músculo oblíquo externo do abdome;
- Incisão do músculo oblíquo interno do abdome;
- Incisão do músculo transverso do abdome;
- Acesso ao retroperitônio através da incisão da goteira Figura 8 - Incisão muscular durante lombotomia

parietocólica.

d) Laparotomia mediana
- Técnica habitual de laparotomia mediana;
- Vale ressaltar que esta deve ser a incisão utilizada no
caso de tratamento cirúrgico de traumas renais. Como
já dito, o índice de lesões associadas é alto, e toda a
cavidade abdominal deve ser explorada.

e) Acesso percutâneo ao rim


- Punção guiada por radioscopia do sistema coletor atra-
vés dos cálices menores, após realização de pielografia
(injeção de contraste através de um cateter no ureter)
(Figura 11);
- Dilatação do trajeto até a via coletora, permitindo pas-
sagem de materiais endoscópicos para remoção de
cálculos, ressecção de tumores de pelve renal e colo-
cação de nefrostomia. Figura 9 - Ressecção da 12ª costela durante lombotomia

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São descritos, classicamente, 3 pontos de estreitamen-


to: a junção ureteropiélica, o cruzamento com vasos ilíacos
e a junção ureterovesical.
O ureter recebe irrigação de múltiplos ramos arteriais
em seu trajeto. O ureter abdominal é irrigado por ramos

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das artérias renal, gonadal, aorta e ilíaca comum. O ureter
pélvico é irrigado por ramos da artéria ilíaca interna e seus
ramos. De grande importância ao cirurgião é que, em seu
trajeto abdominal, os ramos arteriais atingem o ureter me-
dialmente e, na porção pélvica, após cruzar os vasos ilíacos,
a irrigação atinge-o lateralmente (Figura 12).
Após atingir o ureter, os ramos arteriais formam uma
extensa rede anastomótica na adventícia ureteral, o que
permite a mobilização cirúrgica ureteral do retroperitônio
sem que haja isquemia do órgão.

B - Acesso cirúrgico ao ureter


a) Laparoscopia
Figura 10 - Laparotomia transversa - Transperitoneal;
- Retroperitonioscópica.
b) Cirurgia aberta
- Ureter proximal:
• Lombotomia (Figuras 7, 8 e 9);
• Laparotomia subcostal (Figura 13);
• Lombotomia vertical posterior (Figura 14).
- Ureter médio:
• Incisão de Gibson (Figura 15).
- Ureter inferior:
• Incisão de Gibson (Figura 15);
• Incisão de Pfannenstiel (Figura 16).

Figura 11 - Punção renal percutânea

2. Ureter

A - Anatomia
Didaticamente, o ureter pode ser dividido em 3 porções:
superior, médio e inferior. Sua porção superior inicia-se na
junção ureteropiélica. Posteriormente aos vasos renais,
corre sobre o músculo psoas e os processos transversos e
estende-se até a borda superior do sacro. A porção média
ureteral compreende a sua extensão ao nível da articulação
sacroilíaca, e a inferior abaixo da borda inferior do sacro até
atingir a bexiga.
Assim que adentra a pelve, o ureter cruza anteriormen-
te os vasos ilíacos, geralmente na altura da bifurcação em
vasos ilíacos internos e externos. Figura 12 - Irrigação ureteral

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UROLO G I A

Figura 15 - Incisão de Gibson

Figura 13 - Incisão subcostal

Figura 16 - Incisão de Pfannenstiel

3. Bexiga

A - Anatomia
A bexiga urinária é um órgão oco, de formato tetraé-
drico, que se divide em teto, 2 paredes laterais e base (ou
assoalho).
Anterior e lateralmente, a bexiga relaciona-se com o
espaço retropúbico (espaço de Retzius) e músculos eleva-
dor do ânus e obturador interno. No sexo masculino, pos-
teriormente, relaciona-se com ductos deferentes, vesícula
Figura 14 - Lombotomia vertical posterior seminal, ureter e reto; inferiormente, relaciona-se com a

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próstata, e superiormente com íleo e cólon. No sexo femini- inguinal interno, origina a veia testicular. A veia testicular
no, posteriormente, relaciona-se com útero, vagina e reto; esquerda desemboca na veia renal ipsilateral, e a veia testi-
inferiormente, relaciona-se com a uretra, e superiormente cular direita desemboca na veia cava inferior.
com útero e íleo. A drenagem linfática do escroto é feita para linfonodos
A irrigação arterial vesical é realizada, principalmente, inguinais superficiais. O testículo direito drena para linfono-

UROLOGIA
pelas artérias vesicais superior, média e inferior. Todas são dos retroperitoneais situados ao longo do pedículo renal e
ramos da artéria ilíaca interna (hipogástrica). Irrigações su- da veia cava inferior e entre a veia cava e a artéria aorta. O
plementar e variável advêm de ramos das artérias umbili- testículo esquerdo drena para linfonodos situados ao longo
cais, obturatórias e glútea inferior. do hilo renal esquerdo e da aorta.

B - Acesso cirúrgico
a) Cirurgia aberta
- Laparotomia mediana suprapúbica.
b) Cirurgia endoscópica (Figura 17).
c) Cirurgia videolaparoscópica.

Figura 18 - Escroto e suas camadas

5. Epidídimos, ductos deferentes e ve-


sículas seminais
Os epidídimos são localizados na face posterolateral dos
testículos e podem ser didaticamente divididos em cabeça,
corpo e cauda. A artéria epididimária, ramo da artéria tes-
ticular, supre a cabeça e o corpo do epidídimo. A cauda é
irrigada pelas artérias epididimária, deferencial e testicular.
As principais veias do epidídimo contribuem, também, para
Figura 17 - Ressecção transuretral de tumor de bexiga
a formação do plexo venoso pampiniforme.
Os ductos deferentes são a continuação dos ductos
epididimários, ascendendo medialmente aos epidídimos,
4. Testículos e escroto fazendo parte dos componentes do funículo espermático.
O escroto é uma bolsa localizada na região genital, que Ao passar pelos canais inguinais, curvam-se em torno das
abriga os testículos, os epidídimos e elementos do funículo artérias epigástricas inferiores e cruzam, anteriormente, as
espermático. Abaixo da pele, encontra-se a túnica dartos, artérias ilíacas externas, voltando-se posterior e inferior-
formada por fibras musculares lisas, que é contínua com as mente, cruzando os vasos ilíacos externos e penetrando a
fáscias perineal superficial e superficial do abdome. No perí- pelve. Cruzam a face medial dos ureteres, atingindo a face
odo embriológico, durante a descida dos testículos, eles ad- posterior da bexiga e continuam em direção inferior sobre a
quirem camadas oriundas da parede abdominal, conhecidas face medial das vesículas seminais. Nessa região, ficam dila-
como fáscias espermáticas. A fáscia espermática externa de- tados e tortuosos, sendo denominados ampolas dos ductos
riva da aponeurose do músculo oblíquo externo do abdome. deferentes. A irrigação se faz pela artéria deferencial, ramo
Mais internamente, localiza-se a fáscia espermática média, da artéria ilíaca interna, e a drenagem venosa, pelo plexo
músculo cremáster, que deriva do músculo oblíquo interno pampiniforme, localizado ao seu redor.
do abdome. Mais internamente ainda, encontra-se a túnica As vesículas seminais são órgãos alongados que apre-
espermática interna, derivada da fascia transversalis. A ca- sentam uma extremidade superior alargada e um colo lo-
mada mais profunda é a túnica vaginal derivada do peritônio, calizado inferiormente, que recebe os ductos deferentes.
dividida em 2 folhetos: parietal e visceral (Figura 18). São órgãos multiloculados, compostos, principalmente,
Os testículos apresentam 2 polos (superior e inferior), 2 por musculatura lisa. Relacionam-se, anteriormente, com
margens (lateral e medial) e 2 faces (anterior e posterior). a bexiga, e posteriormente com o reto. Sua vascularização
São 3 as artérias que promovem a irrigação arterial testi- é feita por ramos da artéria ilíaca interna, principalmente
cular: artéria testicular, ramo direto da aorta; deferencial e pelas artérias deferencial, vesical inferior e retal média. A
cremastérica, ramos da artéria ilíaca interna. O testículo é drenagem venosa se dá pelo plexo venoso periprostático, e
drenado pelo plexo pampiniforme que, na região do anel a drenagem linfática vai para os linfonodos ilíacos internos.

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6. Próstata
A - Anatomia
A próstata apresenta 1 face anterior, 2 faces inferolate-
rais, 1 base superiormente e 1 ápice inferiormente. A base é
contínua com o colo vesical, e o ápice repousa sobre a fáscia
superior do diafragma urogenital. A face anterior relaciona-
-se com o púbis, ao qual é fixada pelo ligamento avascular
puboprostático. Posteriormente, relaciona-se com a superfí-
cie anterior do reto, do qual é separada por um segmento
de peritônio obliterado, denominado fáscia de Denonvilliers.
Divide-se didaticamente em 4 zonas: central, periférica,
de transição e anterior (Figura 19). A zona central consiste
de uma porção de tecido glandular que circunda os ductos
ejaculatórios e representa 20% da massa total de tecido glan-
Figura 19 - Zonas da próstata
dular prostático. A zona periférica é a maior região prostática,
responsável por 70% da massa glandular total. É o principal
local de desenvolvimento da neoplasia maligna da próstata e
tem localização posterolateral e, portanto, é facilmente exa-
minada através do toque retal. A zona de transição responde
por 5 a 10% do tecido glandular prostático e localiza-se ao
redor da uretra (zona periuretral). Seu crescimento patoló-
gico é responsável pelas manifestações clínicas observadas
na hiperplasia prostática benigna. A zona anterior, por fim, é
composta unicamente por tecido fibromuscular.
A artéria vesical inferior (ramo da artéria ilíaca interna)
dá origem às artérias prostáticas que, através de 2 ramos
(uretrais e capsulares), promovem a irrigação da próstata
(Figura 20). Os ramos uretrais penetram posterolateralmen-
te na junção prostatovesical, perpendicular à uretra e, en-
tão, direcionam-se inferiormente, paralelamente à uretra,
Figura 20 - Irrigação da próstata
onde irrigam as glândulas periuretrais e a zona de transição.
Os ramos capsulares correm posterolateralmente à prósta-
ta, junto com os nervos cavernosos, e emitem pequenos
ramos que adentram a glândula perpendicularmente. A
drenagem linfática prostática se faz, principalmente, para
linfonodos ilíacos internos, incluindo os obturadores.

B - Vias de acesso
a) Via suprapúbica
- Transvesical (Figura 21);
- Retropúbica (Figura 22).
b) Via perineal (Figura 23)
- Incisão arqueada em “U” invertido a 2cm da borda
anal;
- Divulsão da musculatura perineal, superiormente, e
do elevador do ânus, inferiormente;
- Secção do músculo e do tendão retouretral e liberação
posterior do reto.
c) Via videolaparoscópica.
d) Via endoscópica (Figura 24). Figura 21 - Acesso transvesical à próstata

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A N AT O M I A C I R Ú R G I C A D O T R AT O G E N I T U R I N Á R I O

UROLOGIA
Figura 24 - Ressecção endoscópica da próstata

Figura 22 - Acesso retropúbico à próstata 7. Pênis


O pênis é composto por 1 corpo esponjoso e 2 corpos
cavernosos (Figura 25). O corpo esponjoso apresenta locali-
zação mediana e contém a uretra em seu interior. Os corpos
cavernosos têm localização lateral e são as principais estru-
turas eréteis. Abaixo da pele, observa-se a fáscia superficial
do pênis. Inferiormente, encontra-se a fáscia profunda do
pênis (fáscia de Buck), que envolve os corpos cavernosos
e o corpo esponjoso. Por fim, situada abaixo da fáscia de
Buck, a túnica albugínea consiste em um envoltório fibroso
denso, que envolve os corpos cavernosos (dupla camada) e
o corpo esponjoso (única camada).
Cada artéria pudenda interna (ramo da ilíaca interna),
após emitir vários ramos perineais, passa a ser denominada
artéria comum do pênis. Estas dão origem a 3 ramos para
irrigação peniana: artéria bulbouretral, artéria dorsal do
pênis e artéria cavernosa. As artérias bulbouretrais são res-
ponsáveis pela irrigação da uretra e dos corpos esponjosos.
A artéria dorsal do pênis localiza-se superficialmente à tú-
nica albugínea e profundamente à fáscia de Buck. Por fim,
as artérias cavernosas localizam-se no interior dos corpos
cavernosos.
A drenagem venosa do pênis se faz, principalmente,
através da veia dorsal profunda do pênis, que desemboca
no plexo venoso periprostático.
Linfonodos inguinais superficiais, localizados acima da
fáscia lata, recebem a drenagem linfática da pele e do pre-
púcio. Por sua vez, estruturas penianas mais profundas dre-
nam para linfonodos inguinais profundos (abaixo da fáscia
lata) e linfonodos ilíacos externos.
Nervos dorsais do pênis, os quais são ramos do nervo
pudendo, inervam a pele e principalmente a glande. A ure-
tra é inervada por ramos profundos dos nervos perineais
que penetram a região do bulbo. Os nervos cavernosos são
ramos do plexo hipogástrico inferior, e são os principais res-
ponsáveis pela inervação autonômica peniana e, portanto,
Figura 23 - Acesso perineal à próstata essenciais para a função erétil.

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UROLO G I A

Figura 25 - Anatomia peniana básica

8. Adrenais
As glândulas adrenais localizam-se superomedialmente aos rins e são envolvidas pela fáscia de Gerota, que se delamina
para envolvê-las.
Anteriormente, a adrenal direita relaciona-se com o lobo hepático direito, e a esquerda com o estômago, o pâncreas
e, eventualmente, o baço. Posteriormente, ambas as glândulas relacionam-se com o diafragma. Lateralmente, ambas as
glândulas relacionam-se com os rins. Medialmente, a suprarrenal direita normalmente entra em contato com a veia cava
inferior, mas a esquerda não entra em contato com a aorta abdominal (Figura 26).
O suprimento arterial é extenso e provém das artérias suprarrenais superior, média e inferior (Figura 26). Respectiva-
mente, originam-se da artéria frênica inferior, da aorta abdominal e da artéria renal. Por outro lado, a drenagem venosa
é, em geral, única, sendo que a veia adrenal direita é curta e drena quase imediatamente para a veia cava inferior. A veia
adrenal esquerda é mais longa e drena para a veia renal esquerda.

Figura 26 - Anatomia vascular das adrenais

10
CAPÍTULO

2
Infecção do trato urinário
Roberto Gomes Junqueira

1. Definição - Crianças pequenas;


A Infecção do Trato Urinário (ITU) é definida como uma - Mulheres grávidas;
resposta inflamatória dos tecidos de qualquer parte do tra- - Idosos;
to urinário à invasão bacteriana ou, mais raramente, a ou- - Pacientes com lesões medulares;
tros agentes infecciosos, como fungos e vírus. A presença - Usuários de sondas vesicais;
de patógenos na urina implica infecção, pois se espera que - Diabéticos;
esta seja estéril. - Imunossuprimidos.
Essas infecções podem ser sintomáticas ou assintomáti-
cas e, em alguns casos, evoluir com sepse e até morte, caso
não sejam tratadas.
2. Conceitos
A bacteriúria assintomática é um termo muito utilizado Diversos termos relacionados às ITUs, usados de forma
e significa isolamento de bactérias na urina, em contagens muitas vezes indevida, devem ser conhecidos para melhor
significativas, porém sem sintomas locais ou sistêmicos. caracterização das infecções.
Conforme o Guidelines 2011 da European Association of
Urology (EAU), a bacteriúria assintomática é definida por 2 A - Bacteriúria
uroculturas positivas, colhidas com um intervalo superior É anormal a presença de bactéria na urina em qualquer
a 24 horas e contendo 105 uropatógenos/mL da mesma quantidade. Muitas vezes, é difícil diferenciar bacteriúria
cepa bacteriana (geralmente apenas a espécie pode ser decorrente de infecção ou de contaminação. Assim, em
detectada). 1956, foi introduzido, por Kass et al., o termo de bacteriúria
A ITU é considerada a infecção bacteriana mais comum, significativa, ou seja, mais de 100.000 colônias/mL. Estudos
porém sua real incidência não é totalmente conhecida. Nos recentes consideram infecção em pacientes mulheres sinto-
Estados Unidos, estima-se que, anualmente, cause cerca de máticas com contagem de 103 bactérias/mL, pacientes ho-
7.000.000 de consultas ambulatoriais, 1.000.000 de con- mens com contagem de 104 bactérias/mL e pacientes com
sultas de emergência e 100.000 hospitalizações, e que a uso de cateteres urinários com contagem de 102 bactérias/
sua incidência entre mulheres seja o dobro daquela entre mL. Aproximadamente, 5% dos adultos jovens terão bacte-
homens. Dentre as infecções nosocomiais, a ITU é a 1ª em riúria 1 vez, e a incidência aumenta com a idade na taxa de
incidência, embora a mortalidade das pneumonias nosoco- 1 a 2% por década. Desenvolve-se muito mais em mulheres
miais seja maior. Entre os homens, as ITUs são incomuns com história de infecções urinárias frequentes, e, se não
até os 50 anos. Após essa idade, pode ocorrer hipertrofia existe história de infecção sintomática, há a tendência de,
prostática, causando obstrução ao fluxo urinário, com au- em poucos dias, desaparecer espontaneamente. Contudo,
mento da incidência de ITU. 52% das mulheres em que desaparece a bacteriúria sofre-
Além disso, algumas populações são especialmente sus- rão recorrência da bacteriúria assintomática, algumas vezes
cetíveis à ITU, incluindo: sintomática, pelo menos 1 vez, nos próximos 2 anos.

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UROLO G I A

Tabela 1 - Definição de ITU – contagem de colônia com piúria C - Infecção urinária recorrente por recidiva
Definição
Tipo de infecção Trata-se de infecção das vias urinárias causada pelo
(cc*/mL) ≥
mesmo micro-organismo durante ou após a conclusão do
- Cistite aguda não complicada em mulher: tratamento.
· Causada por GNB**; 103
· Causada por Staphylococcus ou GNB + piúria. 102 D - Piúria
- Pielonefrite aguda não complicada:
A presença de leucócitos na urina, conhecida como
· Causada por GNB**; 104
· Causada por Staphylococcus. 103 piúria, não é uma indicação absoluta de infecção urinária
inespecífica. É importante salientar que é muito comum a
- ITU complicada; 104 interpretação equivocada de piúria como infecção urinária
- ITU em homens; 105
inespecífica. Não se deve esquecer que a presença de bac-
- Bacteriúria assintomática – crescimento puro térias é importante para tal diagnóstico. Podem causar piú-
· + piúria; 104 ria tuberculose urinária, cálculos renais e uretrites.
· + 2 espécimes + piúria. 105
* cc: contagem de colônias. E - Infecção urinária não complicada
** GNB: bactérias Gram negativas.
Caracteriza-se por não apresentar alterações anatômi-
cas ou doenças associadas, sistêmicas ou locais (diabetes,
B - Bacteriúria assintomática cálculos). As ITUs não complicadas apresentam-se como
Como norma geral, segundo as diretrizes da Sociedade cistite e pielonefrite e comumente deixam poucas sequelas.
Brasileira de Urologia, pacientes idosos e com disfunções
Tabela 3 - Categorias de ITU
neurogênicas não devem ser tratados com antibióticos,
- ITU aguda (baixa) em mulheres não complicadas;
pois existe o risco desnecessário de seleção de bactérias
- Pielonefrite aguda não complicada;
mais resistentes, da interação alérgica às drogas, além dos
custos dos tratamentos. Essa regra não deve ser seguida - ITU complicada e ITU em homens;
em algumas situações, quando há sintomas, nos casos de - Bacteriúria assintomática;
obstrução do trato urinário quando há a necessidade de - ITU recorrente (profilaxia com antibiótico).
procedimentos invasivos, e em doenças com potencial de
interferir na resposta orgânica, como no diabetes. F - Infecção urinária complicada
Tabela 2 - Bacteriúria significativa em adultos
É uma infecção em um indivíduo com o trato genituriná-
rio anormal, funcional ou de forma estrutural.
- ≥103 uropatógenos/mL no jato médio da urina em cistite aguda
não complicada em mulheres;
3. Etiologia e fisiopatologia
- ≥104 uropatógenos/mL no jato médio em pielonefrite aguda
não complicada em mulheres; As ITUs desenvolvem-se mais frequentemente em mu-
lheres, quando uropatógenos da flora fecal colonizam o
- ≥105 uropatógenos/mL no jato médio da urina em mulheres, ou
≥104 uropatógenos/mL no jato médio da urina em homens (ou
introito vaginal. Ao discutir ITU, devem ser considerados
em urina colhida diretamente por cateterismo em mulheres) fatores relacionados ao micro-organismo e a fatores do
com ITU complicada; hospedeiro.
Entre os fatores do micro-organismo, estão a virulência
- Na amostra colhida por punção suprapúbica, qualquer conta-
e a resistência a antimicrobianos. As infecções urinárias são
gem de bactérias é relevante.
causadas, principalmente, por germes Gram negativos, sen-
- Infecção urinária recorrente por reinfecção do cerca de 85% pela bactéria Escherichia coli, cujos fatores
de virulência já foram amplamente estudados. Considera-
Trata-se de infecção das vias urinárias causada por se vir de fonte intestinal, sendo o seu reservatório a co-
novos micro-organismos em intervalos variáveis após a lonização colônica. Infecções nosocomiais são causadas,
erradicação de uma infecção prévia. É provável que 80% principalmente, por Pseudomonas aeruginosa e Serratia
de todas as infecções recorrentes do trato urinário sejam marcescens, que requerem tratamentos diferenciados.
reinfecções, cujas causas ainda não estão completamente Cerca de 10% das infecções urinárias sintomáticas do trato
esclarecidas. Porém, técnicas modernas de imagem têm urinário inferior, em mulheres sexualmente ativas, são cau-
demonstrado estruturas celulares bacterianas chamadas sadas pelo Staphylococcus saprophyticus. Outros agentes
fímbrias ou pilis, que são apêndices proteicos filamento- importantes são Enterococcus spp. e outros bacilos Gram
sos e longos, que se aderem às células uroteliais como negativos, como Klebsiella, Proteus e Enterobacter, que têm
causa de reinfecção. outros mecanismos de adesão epitelial. Os Proteus mira-

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I N F E C Ç Ã O D O T R AT O U R I N Á R I O

bilis são importantes por produzirem uréase, uma enzima e Acinetobacter spp., Streptococcus do grupo B e Candida
que decompõe a ureia, tornando a urina alcalina, o que fa- spp. são causas de ITU em pacientes com DM.
vorece a precipitação de fosfatos e a formação de cálculos
de fosfato amoníaco-magnesiano (estruvita). D - Lesão espinhal ou cateterização vesical
Alguns fatores são importantes para o aparecimento de

UROLOGIA
ITU. Dentre os relacionados ao hospedeiro, estão idade, fa- Em pacientes com lesão espinhal ou em uso de catete-
tores comportamentais, Diabetes Mellitus (DM), lesão espi- res, a ITU é muito frequente e está relacionada a mortali-
nhal, cateterização vesical e gravidez. dade e morbidade importantes. Fatores que aumentam a
suscetibilidade são hiperdistensão da bexiga, dificuldade de
A - Idade micção e litíase urinária.

Na população geriátrica, a apresentação clínica da ITU E - Gravidez


é frequentemente atípica. Há uma alta prevalência de bac-
teriúria assintomática, por isso uma urocultura positiva não Cerca de 4 a 10% das grávidas têm bacteriúria assinto-
necessariamente requer tratamento. A maioria dos estudos mática, e 1 a 4% desenvolvem cistite aguda. A pielonefrite
envolveu pacientes idosos institucionalizados e pode não aguda afeta 1 a 2% das grávidas no final do 2º e início do
refletir o que ocorre com aqueles que vivem independen- 3º trimestre. As implicações de ITU durante a gravidez são
temente na comunidade. O risco de ITU associa-se à difi- aumento do risco de pielonefrite, parto prematuro e morta-
culdade de controle urinário (incontinência em mulheres e lidade fetal. Se não tratada, uma bacteriúria assintomática
prostatismo em homens). O uso de cateteres urinários e as pode evoluir para pielonefrite. É possível que, em grávidas,
alterações anatômicas ou funcionais do trato urinário tam- se manifeste apenas com sintomas de trato urinário baixo.
bém são fatores de risco. A ITU aumenta a prevalência de
incontinência urinária em mulheres mais idosas e aumenta 4. Classificação
significativamente o risco de morte. A bacteriúria assinto-
mática é comum e geralmente benigna, afetando até 50% Podem-se classificar as ITUs, de acordo com sua locali-
das mulheres e 30% dos homens em instituições, e a sua zação anatômica, em alta e baixa (Tabela 4), em sintomática
frequência aumenta com a idade e com comorbidades. ou assintomática, complicada ou não complicada, recorren-
Entre idosos, a E. coli representa menos de 50% dos agentes te ou esporádica. Essa classificação é importante tanto para
de ITU. Infecções polimicrobianas são frequentes. a terapêutica a ser utilizada quanto para o tempo de trata-
mento, que pode variar.
B - Fatores comportamentais
Tabela 4 - Classificação da ITU de acordo com sua localização ana-
Os fatores comportamentais associados à ITU são ativi- tômica
dade sexual (mulheres mais sexualmente ativas têm maior ITU baixa ITU alta
incidência de ITU) e uso de espermicidas (que aumenta a Cistite - Pielonefrite aguda.
colonização por E. coli). Não há aumento de risco de ITU as-
Uretrite - Pielonefrite crônica.
sociado aos hábitos de micção ou higiene íntima. Há, ainda,
Orquite - Pielonefrite xantogranulomatosa.
diferenças anatômicas que predispõem a ITU, como uma
menor distância entre a uretra e o ânus. Epididimite - Pielonefrite enfisematosa.
- Abscesso perinefrético e paranefrético;
Prostatite
C - Diabetes mellitus - Abscesso renal.
Bacteriúria assintomática e ITU sintomática são mais fre-
quentes em diabéticos que em não diabéticos. Bacteriúria A ITU é não complicada quando envolve o trato urinário
assintomática é um fator de risco para pielonefrite e subse- normal e complicada quando o trato apresenta alterações
estruturais ou funcionais, incluindo instrumentação com
quente queda da função renal em mulheres com DM tipo 1.
cateter vesical.
A presença de DM leva a um maior risco de complicações,
incluindo apresentações raras de ITU, como cistite e pielo-
nefrite enfisematosa, abscesso, necrose papilar e pielone- 5. Outros fatores envolvidos e vias de
frite xantogranulomatosa. aquisição da infecção
Vários fatores em DM têm sido propostos como de risco:
controle glicêmico ruim, duração da doença, microangio-
patia diabética, disfunção leucocitária secundária à hiper-
A - Fatores envolvidos
glicemia e vaginite de repetição. Além disso, parece haver Vários fatores estão envolvidos no desenvolvimento das
uma maior prevalência de alterações anatômicas e funcio- infecções urinárias, como virulência da bactéria e mecanis-
nais do trato urinário entre pacientes com DM. Embora o mos de defesa do hospedeiro. Um dos mais importantes
agente etiológico mais comum seja E. coli, Klebsiella spp. mecanismos de defesa do hospedeiro é uma sequência de

13
UROLO G I A

fatores hidrodinâmicos por meio de diluição, lavagem e eli- doenças intestinais inflamatórias (diverticulite), abscessos
minação das bactérias, através da diurese e da adequada perivesicais e fístulas do trato geniturinário.
micção. Quanto à virulência bacteriana, as fímbrias (ou pi-
lis) parecem ser um dos fatores de maior importância nas 6. Achados clínicos
infecções urinárias.
A urina normal é estéril. Assim, a presença de micro-or-
Tabela 5 - Fatores envolvidos no desenvolvimento das infecções ganismos na urina é considerada uma ITU. As ITUs baseadas
urinárias no sítio de infecção classificam-se em:
Mecanismos de defesa - Cistite: envolvendo a bexiga;
- pH e osmolaridade; - Pielonefrite: quando envolvem o rim.
- Diurese;
- Camada de mucopolissacarídeos; A - Bacteriúria assintomática
- Junção ureterovesical; Como já discutido, trata-se de um diagnóstico microbio-
- Defesa imunológica; lógico. Afeta cerca de 10% das grávidas e é mais comum
- Secreções prostáticas. entre pessoas com DM, idosos e mulheres. A atividade
Virulência bacteriana
sexual influencia a sua presença. Também afeta, com alta
frequência, idosos institucionalizados (até 55% das mulhe-
- Cepas nefritogênicas;
res e 31% dos homens). Geralmente, não deve ser tratada,
- Elementos de aderência (fímbrias tipos 1 e P); exceto em grupos específicos (grávidas, diabéticos e idosos
- Lipopolissacarídeos antiperistálticos; e com disfunção neurogênica com sintomas ou que serão
- Lipopolissacarídeos antifagocitários; submetidos a procedimentos invasivos).
- Produção de hemolisinas (maior citotoxicidade).
B - Cistite
B - Vias de aquisição É a forma mais comum de infecção urinária, mais fre-
Os mecanismos de entrada das bactérias no trato uri- quente em mulheres sexualmente ativas. Mais de 50% das
nário não são sempre estabelecidos com certeza. Há 4 vias mulheres terão ao menos 1 ITU durante a vida. Foi demons-
principais: ascendente, hematogênica, linfática e extensão trado que elas levam até 5 dias com sintomas como disúria
direta de outro órgão. e polaciúria para procurarem ajuda médica; quando esses
sintomas se iniciam de 24 a 36 horas após a relação sexual,
a) Via ascendente
elas dificilmente os correlacionam com o ato. Em idosas, sin-
A via ascendente é a mais frequente e mais importante tomas são menos frequentes. Disúria (dor ou dificuldade à
de infecção do trato geniturinário a partir da uretra. Vários micção) é causada por cistite, porém pode ser um sintoma de
mecanismos são necessários para haver a infecção vesical: uretrite (causada por Chlamydia trachomatis, Neisseria go-
colonização por bactérias da flora intestinal devido a fatores norrhoeae ou vírus Herpes simplex) ou vaginite (por Candida
mecânicos, defecação, higiene pessoal e sudorese. Como a spp. ou Trichomonas vaginalis). Normalmente, é associada a
uretra feminina é mais curta e há tendência de colonização polaciúria, sensação de urgência urinária e dor suprapúbica.
do períneo e do vestíbulo vaginal por bactérias da flora in-
Piúria acontece na cistite e na uretrite, mas é rara na va-
testinal, as meninas e as mulheres são mais suscetíveis a in-
ginite. Hematúria ocorre em 25% dos pacientes com cistite,
fecções por via ascendente. Essa colonização dependerá da
mas é rara nas 2 outras afecções. Costuma ocorrer no final
competição com a flora local e do pH vaginal, que é muito
do jato urinário e se resolve com o tratamento da infecção.
influenciado pelo nível de estrogênio.
Os sintomas da cistite são geralmente agudos e múltiplos, e
b) Via hematogênica na uretrite são graduais e leves. Pacientes com corrimento
A disseminação hematogênica do trato geniturinário é vaginal têm maior chance de terem uretrite ou vaginite.
rara e acontece em situações específicas, como tuberculo- Alguns fatores que sugerem cistite são história de cistite
se, abscessos renais e perinefréticos. prévia, atividade sexual recente e uso recente de espermi-
cida, urgência miccional e polaciúria. A Tabela 6 descreve os
c) Via linfática principais fatores associados a essa infecção.
A disseminação via linfática do trato geniturinário é prová-
vel, porém rara. Há especulação e poucas provas de que a con- Tabela 6 - Principais fatores associados à ITU recorrente
taminação por bactérias da próstata e da bexiga via linfática Intercurso sexual versus frequência (>4/mês) e novo
aconteça por meio dos capilares periureterais e periuterinos. parceiro no último ano
- Uso de diafragma e espermicida;
d) Extensão direta
- 1ª ITU <15 anos;
Algumas doenças podem causar infecção urinária por
extensão direta: abscessos intraperitoneais, causados por - História de ITU recorrente;

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I N F E C Ç Ã O D O T R AT O U R I N Á R I O

Intercurso sexual versus frequência (>4/mês) e novo As infecções por Candida também são associadas a cate-
parceiro no último ano ter vesical. A retirada do cateter resolve a infecção em 40%
- Tratamento com antibiótico recente; dos casos, embora a troca da sonda vesical apresente o mes-
mo efeito em menos de 20% dos pacientes. Muitas vezes, é
- Fatores anatômicos – pequena distância entre ânus e uretra;
difícil diferenciar quadros de infecções urinárias de coloniza-

UROLOGIA
- Grupo ABO não secretório (somente em pós-menopausa);
ção em pacientes em uso de cateter vesical, considerando
- Nível baixo de estrogênio; que a piúria tem correlação bem menor com a presença de
- Incontinência urinária; ITU nesses casos, em comparação com não sondados.
- Cistocele; - Anatomia patológica: na pielonefrite, o rim aparece
- Resíduo pós-miccional; geralmente aumentado de volume devido ao edema
- Função defeituosa do gene CXCRI.
na superfície capsular. Observam-se pequenos absces-
sos amarelados, elevados, circundados por uma bor-
da hemorrágica e que aparecem, principalmente, no
Dispareunia (dor genital no ato sexual), corrimento va-
córtex renal. A pelve renal apresenta-se com a mucosa
ginal, odor alterado, disúria sem polaciúria e sem urgência
congestionada, espessada e recoberta com exsudato.
urinária sugerem vaginite. O exame físico pouco revela na
cistite, mas é necessário um exame ginecológico para ava- Devem ser comentados alguns tipos específicos de pie-
liar pacientes com corrimento vaginal. O exame de urina lonefrite:
(urina tipo 1 ou sedimento urinário) pode ser utilizado para
a) Pielonefrite xantogranulomatosa
confirmar piúria ou presença de bactérias.
A urocultura geralmente não é necessária nos casos de A pielonefrite xantogranulomatosa representa uma for-
cistite, mas deve ser realizada com antibiograma na suspei- ma rara e severa de infecção bacteriana renal crônica de
ta de pielonefrite. patogenia não clara. Pode ser observada em qualquer ida-
de, porém é mais frequente na 5ª e na 6ª décadas de vida.
- Anatomia patológica: na cistite, aparece uma resposta Mulheres são 3 vezes mais afetadas do que homens.
inflamatória do urotélio que se manifesta na fase ini- A patogenia não é clara. Infecção crônica, obstrução e
cial por hiperemia da mucosa vesical, edema e infiltra- doença calculosa estão associadas à pielonefrite xantogra-
do inflamatório, principalmente por neutrófilos. Com nulomatosa, mas não são encontradas em todos os casos.
a evolução, ocorre a substituição da mucosa por uma As bactérias mais comuns encontradas na cultura de urina
superfície glandular, hemorrágica, friável e ulcerada, são o Proteus mirabilis e a E. coli.
em geral preservando-se a muscular. A maioria dos pacientes apresenta história de cálculos
renais, nefropatia obstrutiva, DM ou cirurgia urológica. Os
C - Pielonefrite sintomas incluem dor em flanco, febre, anorexia, emagre-
cimento, hematúria, mal-estar e sinais de irritação, como
Febre, em geral, acima de 38°C, taquicardia, sinal de
urgência, disúria e polaciúria. Ao exame físico, geralmente
Giordano, dor costovertebral, náuseas e vômitos são suges-
ocorrem dor à palpação em flanco e até massa palpável.
tivos de pielonefrite. A grande maioria dos pacientes apre-
A arteriografia era comumente usada para o diagnósti-
senta sintomas de ITU baixa, como disúria e polaciúria, mas
co, mostrando, em geral, massas relativamente avasculares.
esses achados podem ser negativos.
A tomografia é particularmente útil no diagnóstico de pielo-
A pielonefrite pode, ainda, ser pouco sintomática, princi-
nefrite xantogranulomatosa, demonstrando ausência ou di-
palmente em certos grupos, como gestantes. Assim, conside- minuição de excreção de contraste, calcificações, hidrone-
ra-se difícil o diagnóstico clínico de pielonefrite. Na suspeita, frose, lesões em parênquima e aumento de volume renal.
devem ser realizados exame de urina (urina tipo 1 ou sedi- - Anatomia patológica: rim geralmente aumentado de
mento urinário) e urocultura com antibiograma. volume, com dilatação pielocalicial causada por cálculo
Pacientes com sonda vesical podem apresentar coloni- e/ou pus. Nódulos amarelo-laranja, áreas de necrose
zação e ITU; quando é usada sonda de demora, a incidên- tecidual e supuração. Microscopia com neutrófilos, lin-
cia de bacteriúria é de 5% ao dia. Deve-se preferir o uso de fócitos, plasmócitos e resíduos necróticos. Os grandes
sonda de alívio intermitente, que se associa a risco menor macrófagos com citoplasma espumoso contendo gran-
de infecção. Os cateteres vesicais são um fator de risco im- de material lipídico são as mais características células
portante para infecção nosocomial, principalmente em uni- gigantes encontradas à microscopia da pielonefrite
dades de terapia intensiva. Nesses casos, deve-se lembrar xantogranulomatosa. Muitas vezes, é difícil diferenciar
que a microbiologia é diferente das infecções adquiridas a pielonefrite xantogranulomatosa de outras causas
na comunidade, ocorrendo com frequência infecções por de massas renais, principalmente carcinoma renal. O
Pseudomonas, Morganella morganii, entre outros agentes diagnóstico definitivo geralmente é feito pelo anato-
associados a infecções nosocomiais. Nesses pacientes, mui- mopatológico. Os pacientes frequentemente necessi-
tas vezes a única manifestação é de quadro febril sem mani- tam de nefrectomia, principalmente pela dificuldade
festações localizatórias. de diferenciar do carcinoma renal no pré-operatório.

15
UROLO G I A

b) Pielonefrite enfisematosa Independente desse achado, esses pacientes continuam


A pielonefrite enfisematosa é uma complicação rara da sem indicação de tratamento, exceto em subgrupos espe-
pielonefrite aguda, principalmente em diabéticos insulino- cíficos. A detecção de nitritos na urina, procedimento diag-
-dependentes não controlados (90%), com presença de gás nóstico usado desde 1920, representa evidência de cresci-
nos túbulos coletores. É mais frequente em mulheres. A mento bacteriano, com boa sensibilidade e especificidade
obstrução do trato urinário está presente em 20 a 40% de diagnóstica para pacientes com grandes contagens de bac-
todos os pacientes; quando ocorre em não diabéticos, ge- térias em urocultura, mas com acurácia inadequada.
ralmente há a obstrução do rim. Acredita-se que o gás pro- O exame definitivo para o diagnóstico de ITU é a urocul-
duzido no parênquima renal seja atribuído à fermentação tura, que deve ser colhida antes da introdução de antibióti-
da glicose pela bactéria. Em não diabéticos, não são bem cos. Considera-se que o melhor espécime para a urocultura
esclarecidas as causas da formação gasosa. O agente mais seja a urina de jato médio após higiene íntima. Realiza-se
frequentemente causador é a Escherichia coli, responsável cultura quantitativa, e se considera positiva uma contagem
em cerca de 65 a 70%. Klebsiella, Aerobacter e Proteus são ≥105 Unidades Formadoras de Colônias por mL (UFC/mL).
menos comuns. Em mulheres com sintomas fortemente sugestivos, podem-
Os pacientes apresentam quadro semelhante ao das -se considerar contagens menores, a partir de 102UFC/mL.
Hemograma com leucocitose e desvio para a esquerda,
pielonefrites habituais, com febre, dor lombar e sinais ir-
com aumento da velocidade de hemossedimentação, pode
ritativos urinários baixos, porém não evoluindo bem com o
ocorrer em pacientes com pielonefrite.
início do tratamento habitual. O diagnóstico da pielonefrite
Deve-se suspeitar da presença de complicações como
enfisematosa é feito por métodos de imagem que demons-
o abscesso perinefrético em todos os pacientes em que a
tram gás tanto no parênquima renal quanto no retroperitô-
febre não ceda após 5 dias de antibioticoterapia prolonga-
nio. A tomografia computadorizada é o melhor exame para
da, e exames de imagem devem ser realizados nessa situa-
identificar gás no rim e no espaço retroperitoneal. Esses
ção. Os seguintes achados nesses exames são sugestivos da
pacientes apresentam mortalidade alta. O controle do dia-
complicação:
betes e da infecção deve ser iniciado de maneira imediata.
Habitualmente, a nefrectomia é necessária, e, quando ela
- Ultrassonografia demonstrando cavidade espessada
com parede cheia de fluido;
não é realizada, raros pacientes conservam a função renal
do rim afetado.
- Achados na tomografia são dependentes da evolução.
Em estágios iniciais, aparecem lesões tipo massa e hi-
podensas, que evoluem com liquefação. Tipicamente,
7. Exames complementares encontra-se rim hiperdenso, com contraste circundan-
Em pacientes do sexo feminino com ITU não complicada, do uma cavidade de abscesso.
definida pela presença de sintomas como polaciúria, disú-
ria, dor suprapúbica e urgência urinária, sem alteração es- 8. Diagnóstico diferencial
trutural de trato urinário, o diagnóstico se baseia na história
clínica. Exames complementares não são indicados (urina O diagnóstico diferencial de ITU inclui as vaginites e as
tipo 1 e urocultura). Quanto a todos os outros pacientes, é uretrites, conforme já discutido. A cistite intersticial é outro
necessária a confirmação diagnóstica, com exames labora- diagnóstico diferencial que deve ser lembrado, principal-
mente em idosos.
toriais. ITU em homens é considerada infecção complicada,
A pielonefrite aguda, por sua vez, deve ser diferenciada
pois frequentemente se associa a anormalidades estrutu-
da pielonefrite crônica, que é uma causa comum de doença
rais de trato urinário. Teste com fitas reagentes quimica-
tubulointersticial por infecções recorrentes, como as que
mente impregnadas são de grande utilidade, e o resultado
acontecem em pacientes com obstrução renal por cálculos
positivo geralmente é suficiente. Se um deles demonstra
ou refluxo vesicoureteral.
leucócitos e esterase ou nitrito (Gram negativos), pode-se
iniciar o tratamento, pois se trata de infecção urinária. Caso
a esterase ou o nitrito sejam negativos e haja leucocitúria, 9. Tratamento
indica-se um exame do sedimento urinário com ou sem
bacterioscopia (coloração de Gram), que poderá demons- A - Bacteriúria assintomática
trar presença de bactérias.
A presença de piúria é praticamente universal, seja em A bacteriúria assintomática não deve ser tratada, exceto
pacientes com ITU baixa, seja com pielonefrite, e a ausência nas seguintes situações:
dela sugere fortemente diagnóstico alternativo não infec-
- Gravidez;
cioso. O melhor método para determiná-la é a análise do - Pré-operatório de cirurgia urológica;
jato médio da urina por hemocímetro com contagem maior - Pré-operatório de colocação de próteses;
que 10 leucócitos/mL. Pode, ainda, estar presente em cerca - Portadores de transplantes de órgãos sólidos;
de 30 a 35% dos pacientes com bacteriúria assintomática. - Granulocitopenia.
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I N F E C Ç Ã O D O T R AT O U R I N Á R I O

Há grande discussão na literatura sobre o tratamento C - Cistite na mulher grávida


dessas situações em diabéticos, pois a presença de bac-
teriúria assintomática poderia ter evolução desfavorável e Devem ser colhidos exames de urina (urina tipo 1 ou se-
piorar o controle metabólico. Estudos nessa população não dimento urinário) e urocultura, e deve ser iniciado o trata-
demonstraram benefício no tratamento. mento empírico com cefadroxila, cefalexina ou amoxicilina.

UROLOGIA
O tratamento deve durar 7 dias e ser alterado se necessário,
B - Cistite na mulher com base no resultado da cultura e no antibiograma. Não
se devem usar quinolonas (contraindicadas). Estudos têm
A mulheres com sintomas sugestivos não se indicam demonstrado diminuição da recorrência de infecção em
exames de urina ou de urocultura, desde que sejam excluí- gestante com uso de suco de cranberry.
das as seguintes condições:
- Febre; D - Cistite no homem
- Sintomas presentes por mais de 7 dias;
Na maioria dos casos, a cistite no homem associa-se à
- Sintomas sugestivos de vaginite; hiperplasia prostática. Devem ser realizados exame de uri-
- Dor abdominal, náuseas ou vômitos; na (urina tipo 1 ou sedimento urinário) e urocultura, além
- Hematúria franca em maiores de 50 anos; do exame clínico da próstata. O tratamento deve durar 7
- Imunossupressão; dias.
- DM;
- Gravidez; E - Cistite em pacientes com diabetes, imunos-
- Alterações urológicas ou doença renal crônica; supressão, internação hospitalar recente ou
- Cálculos renais recentes ou atuais; história de cálculos renais
- Internação hospitalar nas últimas 2 semanas; Devem ser realizados exames de urina (urina tipo 1 ou
- Tratamento de ITU nas últimas 2 semanas; sedimento urinário) e urocultura antes do tratamento em-
- ITU sintomática recorrente. pírico. A duração do tratamento, em geral, é de 3 dias, e, ao
seu final, deve ser realizada a urocultura. Caso não haja a
A terapia com dose única de antibiótico foi analisada resolução dos sintomas ou haja história de alterações renais
em diversos estudos e, em algumas meta-análises, sempre ou urológicas, como rins policísticos ou alterações anatômi-
apresentou resultado inferior ao tratamento-padrão com 3 cas, deve ser feita uma investigação mais ampla. Na presen-
dias de antibioticoterapia, com taxas inaceitáveis de recor- ça de sinais sistêmicos como febre, dor abdominal, náuseas
rência. Portanto, não pode ser recomendada como trata- ou vômitos, deve-se suspeitar de pielonefrite, tratada por
mento. Há consenso na literatura de que o tratamento por 10 a 14 dias (eventualmente, 28 dias).
3 dias seja tão eficaz quanto o tratamento por 5 a 7 dias.
Deve-se iniciar tratamento empírico oral por 3 dias com: F - Cistite no idoso
- Norfloxacino (400mg), 12/12 horas; Deve-se evitar tratar casos sem sintomas. Em mulheres
- Ácido nalidíxico (500mg), 6/6 horas; idosas, sem comorbidades e com ausência de achados de
- Nitrofurantoína (100mg), 6/6 horas; pielonefrite, a medicação de escolha é a ciprofloxacina por
- Cefadroxila (250mg), 12/12 horas; 3 dias (250mg, 12/12 horas). Em homens ou mulheres com
- Cefalexina (250mg), 6/6 horas. comorbidades, pela dificuldade do diagnóstico de pielone-
frite em tal população, costumam ser realizados tratamen-
A amoxicilina não é considerada uma opção apropriada tos mais longos: 7 a 10 dias para mulheres, e 14 a 28 dias
para esses pacientes. A escolha inicial do antibiótico depen- (quando se considera prostatite) para homens.
de da resistência esperada ao SMX = sulfametoxazol, TMP =
trimetoprim estabelecido para a região. Se menor que 10 a G - Pielonefrite aguda não complicada
20%, tal medicação pode ser utilizada como agente de es-
colha. As fluoroquinolonas são uma ótima opção com resis- Recomendam-se exame de urina (urina tipo 1 ou se-
tência à sua ação em apenas 5% dos casos. dimento urinário) e urocultura com antibiograma. O tra-
A eficácia dos regimes com 3 dias de antibioticoterapia tamento inicial deve ser empírico oral ou parenteral, com
é superior a 90%. Em caso de resolução dos sintomas, não internação hospitalar, de acordo com o estado geral dos pa-
é necessário o seguimento clínico ou laboratorial. Caso não cientes, considerando que cerca de 12% deles apresentam
haja a melhora dos sintomas, devem ser realizados exame bacteremia. As opções são:
de urina (urina I ou sedimento urinário) e urocultura com - Ciprofloxacina: 400mg IV, ou 500mg VO, 12/12 horas;
antibiograma, orientando o tratamento com base nos seus - Ceftriaxona: 1 a 2g IM/IV, 1x/dia;
resultados. É importante lembrar-se, ainda, dos diagnósti- - Aminoglicosídeo: IM ou IV em dose única diária ami-
cos diferenciais de cistite (vaginite e uretrite). cacina, 15mg/kg, ou gentamicina, 5mg/kg.

17
UROLO G I A

A duração total do tratamento será de 10 a 14 dias, sen- A irrigação vesical com anfotericina B, na maioria dos ca-
do possível a passagem da via parenteral para a oral, con- sos, melhora transitoriamente a candidúria, mas não deve
forme haja melhora do quadro geral, e alta hospitalar. Se ser indicada rotineiramente.
não houver uma melhora importante do quadro clínico em
24 a 48 horas de tratamento, deve-se considerar avaliação 10. Profilaxia
com imagem para verificar se há complicações ou absces-
sos, principalmente na presença de febre persistente por Em pacientes com infecções urinárias de repetição, defi-
mais de 5 dias após o início da antibioticoterapia. nidas por 3 ou mais episódios ao ano, deve ser considerada
profilaxia.
H - Infecções em pacientes com sonda vesical O uso de antibióticos para tal propósito tem demonstra-
do uma redução da reinfecção em aproximadamente 95%
Os cateteres devem ser trocados, e, caso a bacteriúria (cerca de 2 episódios por paciente por ano para 0,1 a 0,2
persista 48 horas após a retirada do cateter, indica-se o episódio), exceto em áreas onde a resistência bacteriana é
tratamento. Porém, pacientes criticamente doentes, com alta. Uma variedade de antibióticos pode ser usada na me-
diagnóstico presuntivo de ITU, devem receber tratamento tade da dosagem ou 1/4 à noite, antes de dormir. O agen-
antibiótico imediato. A terapia antibiótica deve ter duração te a ser utilizado deve ter uma boa concentração urinária,
de 10 a 14 dias, e a escolha do antibiótico depende dos re- ser efetivo contra bactérias localizadas no introito vaginal e
sultados de culturas. nas fezes e não causar resistência bacteriana. O tempo de
Em pacientes em que a coloração de Gram não apre- utilização varia de 2 a 6 meses. As drogas mais usadas são
sente cocos Gram positivos (etiologia provável de infecção nitrofurantoína, sulfametoxazol-trimetoprim, norfloxacino,
por enterococos ou estafilococos coagulase negativos), o cefalexina (Tabela 7). Em mulheres em que o aparecimento
agente de escolha é cefalosporina de 3ª geração, como cef- de ITU tem forte correlação com atividade sexual, pode-se
triaxona, 2g/dia, ou fluoroquinolonas, como ciprofloxacino, considerar a realização de profilaxia após o coito.
400mg IV, 12/12 horas.
Tabela 7 - Antibióticos e dosagem para profilaxia
Na suspeita de infecção por Pseudomonas, indica-se
ceftazidima, 2g, 8/8 horas, e pode-se considerar o uso de Antibiótico Dose
aminoglicosídeos. Nitrofurantoína macrocristal 100mg/dia
Em infecções por enterococos, antibióticos como ampi- Nitrofurantoína 50mg/dia
cilina, vancomicina e eventualmente aminoglicosídeos são SMX = Sulfametoxazol + TMP =
os agentes de escolha. Em se tratando de pacientes com es- 400mg + 80mg/dia
Trimetoprim
tafilococos coagulase-negativos, o uso é, preferencialmen- Trimetoprim 100mg/dia
te, de vancomicina, 1g, 12/12 horas.
Cefalexina 125 ou 250mg/dia

I - Infecções por Candida Norfloxacino 200mg/dia


Ciprofloxacino 125mg/dia
O objetivo do tratamento é erradicar sinais e sintomas
que se associam a infecção urinária parenquimatosa. Esse O estrogênio tópico é altamente efetivo em pacientes
tratamento pode diminuir o risco de infecção ascendente na menopausa que habitualmente apresentam ITU e cisti-
ou disseminada. tes de repetição. Sua atuação se dá na restauração do tro-
Pacientes sem sintomas clínicos, sem piúria e urocultura fismo vaginal, no restabelecimento da colonização por lac-
com mais de 10.000UFC/mL, não devem ser tratados, exce- tobacilos e na eliminação dos uropatógenos. Há estudos em
to neutropênicos, transplantados e em pré-operatório de andamento para a prevenção de ITU com uso de biologia
cirurgia urológica. Nesse caso, se o paciente estiver usando molecular, lactobacilos e mesmo sucos ou extratos de cran-
sonda vesical, esta deverá ser trocada e a urocultura repe- berry, mas os resultados ainda não são definitivos.
tida em 48 horas; se novamente apresentar urocultura com
mais de 10.000UFC/mL, deverá ser indicado tratamento. 11. Resumo
Entre pacientes com piúria, mas sem sintomas clínicos,
devem ser tratados os de risco. Os demais não têm indi- Quadro-resumo
cação de tratamento, embora este possa ser discutido em Conclusões com base na Sociedade Brasileira de Urologia
indivíduos com leucocitúria muito importante. - Bacteriúria assintomática não deve ser tratada com antibióti-
Pacientes com candidúria sintomática devem ter sonda cos, salvo situação urológica, como obstrução do trato urinário
vesical trocada e o tratamento iniciado. São possíveis as se- ou portadores de doenças que interfiram na resposta orgânica
guintes opções: (exemplo: diabetes) (D) (A);
- Fluconazol: 200mg ao dia, por 7 a 14 dias; - Infecção urinária sintomática deve ser tratada com antibióticos
- Anfotericina B: 0,3mg/kg/dia, em dose única (alguns baseados nos testes de sensibilidade, tolerabilidade, concentra-
ção local, interação medicamentosa, função renal e custos (D);
autores recomendam curso de até 7 dias).

18
I N F E C Ç Ã O D O T R AT O U R I N Á R I O

Conclusões com base na Sociedade Brasileira de Urologia


- As cistites bacterianas, em mulheres, podem ser tratadas por
curto período – 3 dias; nos homens, a duração do tratamento
deverá ser de 7 a 10 dias (D) (A);

UROLOGIA
- As fluoroquinolonas, associações de sulfametoxazol-trimeto-
prim, aminoglicosídeos e cefalosporinas de 3ª geração consti-
tuem os antibióticos mais empregados (D);
- As pielonefrites devem ser tratadas por períodos de 2 a 4 se-
manas (D);
- O tratamento com estrógeno vaginal em mulheres menopau-
sadas é um meio eficaz de prevenir recorrência das infecções
(D) (A);
- A hidratação e o estímulo às micções frequentes contribuem
para o tratamento e a prevenção das ITUs;
- Antibioticoterapia em baixas doses por longo período (3 a 6
meses) pode ser eficaz na profilaxia de ITUs recorrentes (B);
- Infecções sintomáticas recorrentes ou febris devem ser explo-
radas com métodos propedêuticos por imagem (D);
- A resolução ou o controle das causas orgânicas constituem a
principal medida para evitar recorrência das ITUs.
A - Estudos experimentais ou observacionais de melhor consis-
tência.
B - Estudos experimentais ou observacionais de menor consis-
tência.
C - Relato de casos (estudos não controlados).
D - Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consen-
sos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

19
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

3
Cistite aguda
Roberto Gomes Junqueira

1. Definição - História de ITU recorrente;


É uma síndrome clínica causada, principalmente, por - Tratamento com antibiótico recente;
bactérias coliformes que podem ascender da uretra para - Fatores anatômicos – pequena distância entre o ânus e a uretra;
a bexiga. O adenovírus pode afetar, em especial, crianças, - Grupo ABO não secretório (somente em pós-menopausa);
causando cistite hemorrágica, o que é raro em adultos. A - Nível baixo de estrogênio;
bactéria de maior incidência nas cistites bacterianas é a
- Incontinência urinária;
Escherichia coli (85%); outras bactérias que ocasionais são
- Cistocele;
Proteus mirabilis e Klebsiella sp. Dentre as bactérias Gram
positivas, o Staphylococcus saprophyticus é a mais impor- - Resíduo pós-miccional;
tante, responsável por até cerca de 10% das infecções. - Função defeituosa do gene CXCRI.

2. Anatomia patológica 4. Aspectos clínicos


Há uma resposta inflamatória do urotélio que se ma-
nifesta, na fase inicial, por hiperemia da mucosa vesical, A - Sintomas
edema e infiltrado inflamatório, principalmente por neu- Os sintomas, em geral, são autolimitados. Sintomas
trófilos. Com a evolução, há a substituição da mucosa por
miccionais irritativos, como polaciúria, disúria, hematúria,
uma superfície glandular, hemorrágica, friável e ulcerada,
ardência miccional, dor suprapúbica, noctúria e urgência
geralmente preservando-se a muscular.
miccional são os mais frequentes. Quando se iniciam após a
relação sexual, cerca de 36 a 48 horas depois, dificilmente a
3. Incidência paciente reconhece a associação. Nos homens, os sintomas
Exceto no período neonatal, a incidência é maior nas são semelhantes e sempre secundários a algum outro fator:
mulheres do que nos homens. Estima-se que 25% delas te- prostatite, cálculos, infecções intestinais, como diverticulite
rão uma infecção urinária durante um período da vida. Em e abscesso do apêndice.
homens, sempre é importante uma investigação mais pro-
funda em um 1º episódio. Infecção urinária é comum em B - Achados laboratoriais
mulheres após relação sexual (cistite de lua de mel). Em geral, o hemograma é normal ou com discreta leu-
Tabela 1 - Fatores de risco em infecção do trato urinário recorrente cocitose. O exame de urina pode ser realizado rapidamente
em consultório por meio de uma urinoscopia que demons-
- Intercurso sexual versus frequência (>4/mês) e novo parceiro
no último ano;
tra urina turva, com grumos em suspensão, e fétida. Teste
com fitas reagentes quimicamente impregnadas é de gran-
- Uso de diafragma + espermicida;
de utilidade e habitualmente suficiente. Em caso de exame
- 1ª ITU <15 anos;
com fita demonstrando leucócitos e esterase ou nitrito

20
CISTITE AGUDA

(Gram negativos), pode-se iniciar o tratamento, pois se tra- tal. O uso do trimetoprima isolado tem menos efeitos colate-
ta de infecção urinária. Caso a esterase ou o nitrito sejam rais e é tão efetivo quanto a associação das medicações. Em
negativos e haja leucocitúria, um exame do sedimento uri- algumas comunidades, a taxa de resistência desse antibiótico
nário com ou sem bacterioscopia (coloração de Gram) está (beta-lactâmicos) já é elevada (cerca de 20%), tendendo-se a
indicado e poderá demonstrar bactérias. Convém lembrar substituí-lo pelo uso das fluoroquinolonas.

UROLOGIA
que a leucocitúria isolada não é indicativa de infecção uri-
nária. A cultura quantitativa e qualitativa pode ser solicitada B - Fluoroquinolonas
principalmente em pacientes com infecções recorrentes ou As fluoroquinolonas são uma boa opção terapêutica,
persistentes ou em casos de insuficiência renal e alergia a com resistência menor do que 5%. Recomenda-se o uso
drogas. Têm ganhado força técnicas modernas de diagnós- desses antibióticos para pacientes com infecções recor-
tico de infecção urinária de cultura de tecido e identificação rentes, intolerância ou falha (resistência ao antibiótico) de
de fragmentos bacterianos com biofilme e a utilização de 1ª linha de tratamento. São contraindicados para crianças,
técnicas de biologia molecular (PCR). gestantes e mulheres que estejam amamentando, pois au-
mentam o risco de lesão em cartilagem de crescimento.
C - Achados de imagem
Em geral, não há necessidade de exames por imagem C - Amoxicilina
em pacientes com cistite bacteriana; são indicados somen- A amoxicilina tem um alto índice de resistência e não
te na suspeita de anomalia do trato urinário. Pacientes com é indicada como 1ª escolha. Junto às cefalosporinas de 1ª
infecção urinária causada por Proteus mirabilis devem ser geração, deve ser indicada a gestantes como 1ª opção no
mais bem investigados a fim de checar a possibilidade de tratamento da infecção urinária não complicada.
associação a cálculos de estruvita infectados.
D - Aminoglicosídeos
5. Diagnóstico diferencial Os aminoglicosídeos devem ser usados em cistites mais
O diagnóstico diferencial da cistite bacteriana aguda é complicadas que necessitem de antibioticoterapia intrave-
realizado com doenças infecciosas e inflamatórias do trato nosa.
urinário que podem causar sintomas semelhantes – uretri-
tes por doenças sexualmente transmissíveis, vulvovagini-
E - Nitrofurantoína
tes, carcinoma de bexiga, cistite intersticial, cistite actínica, A nitrofurantoína é um antibiótico usado há muitos
cálculos vesicais e ureterais. anos, que permanece como uma boa opção, pois apresenta
baixo índice de resistência (Tabela 2).
6. Complicação Tabela 2 - Toxicidade dos antibióticos durante a gestação
A principal complicação é a pielonefrite, e as crianças Droga materna Toxicidade fetal Toxicidade
com refluxo e gestantes são as mais suscetíveis. Penicilina Não conhecida Alergia
Cefalosporina Não conhecida Alergia
7. Tratamento Bases de eritro-
Não conhecida Alergia
Embora existam vários protocolos para o tratamento com micina
antibióticos, que podem variar de acordo com a preferência Sulfas
Kernicterus
Alergia
do médico, devem-se experimentar, primeiramente, drogas Hemólise
de menor custo, também evitando o uso descontrolado de Nitrofurantoína Hemólise Pneumonia intersticial
antibióticos, o que pode implicar resistência bacteriana, uma Aminoglicosídeos Toxicidade ao SNC Neuropatias
das grandes causas de recorrência de infecção. Cloranfenicol Ototoxicidade Ototoxicidade
Há um consenso quanto ao tratamento das infecções uri- Quinolonas Síndrome cinzenta Medula óssea
nárias de que, para cistite, o tratamento de 3 dias é tão efeti- Anormalidade no
vo quanto o tratamento mais prolongado de 5 a 7 dias, tanto Nefrotoxicidade Alergia
crescimento ósseo
pelos menores efeitos colaterais que provocam (gastrintes-
tinal, rash, vaginite) como pelo menor custo. O esquema de
dose única tem taxa menor de cura e maior recorrência.
8. Profilaxia

A - Sulfametoxazol A - Antibióticos
Associado ao trimetoprima, o sulfametoxazol tem sido Estudos têm demonstrado uma redução da taxa de rein-
considerado padrão no tratamento da cistite há muitos anos fecção em, aproximadamente, 95% (cerca de 2 episódios
e não deve ser usado em gestantes pela hepatotoxicidade fe- por paciente por ano para 0,1 a 0,2 episódio), exceto em

21
UROLO G I A

áreas onde seja alta a resistência bacteriana. Uma variedade Importante monitorar estas pacientes, principalmente
de antibióticos pode ser utilizada, usualmente, na metade no 1º trimestre para tratamento, se necessário.
da dosagem ou 1/4, à noite, antes de dormir. O agente a ser
utilizado deve ter uma boa concentração urinária, ser efetivo
contra bactérias localizadas no introito vaginal e nas fezes e
não provocar resistência bacteriana. O tempo de utilização
varia de 2 a 6 meses. As drogas mais usadas são nitrofuran-
toína, sulfametoxazol-trimetoprima, norfloxacino, cefalexina.
Tabela 3 - Antibióticos e dosagem para profilaxia
Antibiótico Dose
Nitrofurantoína macrocristal 100mg/dia
Nitrofurantoína 50mg/dia
Sulfametoxazol-trimetoprima 400mg + 80mg/dia
Trimetoprima 100mg/dia
Cefalexina 125 ou 250mg/dia
Norfloxacino 200mg/dia
Ciprofloxacino 125mg/dia

B - Atividade sexual
Sendo, em algumas mulheres, a atividade sexual desen-
cadeadora de ITU, o uso de antibióticos logo após a relação
e a micção antes e depois dela reduzem as infecções signi-
ficativamente.

C - Tratamento tópico
O estrogênio tópico é altamente efetivo em pacientes
durante o climatério que, frequentemente, apresentam
ITU e cistites de repetição. Sua atuação é na restauração do
trofismo vaginal, no restabelecimento da colonização por
lactobacilos e na eliminação dos uropatógenos.

D - Outros métodos
Em estudo para a prevenção de ITU, foram propostos
tratamentos com base na utilização de vacinas, extratos ou
suco de cranberry, lactobacilos e biologia molecular, com
resultados ainda não definitivos. Estudos têm demonstra-
do uma diminuição no índice de infecções em pacientes
com infecção urinária de repetição com uso de suco de
cranberry, 200mL, 2x/dia, principalmente em gestantes.

9. Infecção em gestantes
A infecção do trato urinário é comum em gestantes, e
aproximadamente 20 a 40% das mulheres com bacteriúria
sintomática podem desenvolver pielonefrite.
Em gestantes, bacteriúria assintomática é considerada
quando 2 coletas, em dias diferentes, são de 100.000 bac-
térias/mL do mesmo espécime de urina do jato médio, ou 1
coleta com crescimento 100.000/mL de urina coletada por
cateterismo vesical.
Em gestante com sintomas, a urina é coletada por cate-
terismo vesical ou jato médio. O valor a ser considerado é
de 1.000/mL.

22
CAPÍTULO

4
Pielonefrite
Roberto Gomes Junqueira

1. Pielonefrite aguda

A - Definição
É uma doença inflamatória infecciosa que envolve o pa-
rênquima e a pelve renal, caracterizada por uma síndrome
clínica de febre moderada a alta, calafrios, dor lombar uni-
lateral ou bilateral e sintomas de cistite.

B - Etiologia
É a mesma das infecções urinárias baixas (cistites), ou
seja, bactérias aeróbias Gram negativas. A predominância
Figura 1 - Pielonefrite aguda com microabscessos no parênquima renal
é da Escherichia coli, de 70 a 90% dos casos. As bactérias
Gram positivas, Staphylococcus saprophyticus, represen-
tam cerca de 5% das infecções. Mais raramente, apare-
D - Patogenia
cem outras enterobactérias, como Proteus, Klebsiella e A via ascendente é a mais comum de contaminação do
enterococo. trato superior (rim) a partir de uma infecção da bexiga que
ascende por meio dos ureteres. O envolvimento renal é
C - Anatomia patológica influenciado pelos fatores de virulência das bactérias e de
defesa do hospedeiro. A via hematogênica é muito rara, e a
a) Macroscopia: rim geralmente aumentado de volume, linfática raramente ou nunca é contaminada.
devido ao edema na superfície capsular; observam-se pe-
quenos abscessos amarelados, elevados e circundados por E - Aspectos clínicos
uma borda hemorrágica. Esses abscessos aparecem, sobre- a) Sintomas: mal-estar, prostração, náuseas, vômitos,
tudo, no córtex renal. A pelve renal representa-se com a dor lombar unilateral ou bilateral (distensão da cápsula re-
mucosa congestionada, espessada e recoberta com exsuda- nal), febre moderada ou alta, calafrios.
to (Figura 1).
Observação:
b) Microscopia: leucócitos polimorfonucleares no in- As infecções dos órgãos parenquimatosos (rins, testículos e prós-
terstício e em túbulos. A natureza focal do envolvimento tata) geralmente são acompanhadas de febre e sintomas gerais e
renal com inflamação é mais significativa. podem tornar-se crônicas.

23
UROLO G I A

b) Sinais: fácies toxemiada, febre geralmente acima de som para complementar o exame radiológico na suspeita
38°C, taquicardia. A manobra de Giordano geralmente pro- de um cálculo obstrutivo, hidronefrose ou abscesso renal.
duz dor. Pode haver distensão abdominal, e a dor à des- Na dependência da evolução clínica do paciente e dos acha-
compressão pode sugerir uma lesão intraperitoneal. Urina dos radiológicos e ultrassonográficos, podem ser necessá-
comumente turva, com grumos e odor fétido. rios exames como tomografia e cintilografia com DMSA
c) Achados laboratoriais: hemograma com leucocitose (ácido dimercaptossuccínico marcado com tecnécio 99m).
e desvio à esquerda, com aumento da velocidade de he- É importante lembrar que a cintilografia é particularmente
mossedimentação. A urina habitualmente é turva, com útil na criança e deve ser o 1º exame a ser utilizado.
piúria, podendo ter hematúria tanto macroscópica quanto
microscópica, com presença de bactérias tanto na sedimen- F - Tratamento
toscopia quanto na coloração pelo Gram.
Podem-se encontrar cilindros leucocitários e proteinúria A pielonefrite divide-se em não complicada e compli-
leve. A urocultura deve ser solicitada para a identificação cada. A 1ª responde rapidamente a antibióticos orais, e a
da bactéria antes de iniciar o tratamento, e hemoculturas 2ª necessita de tratamento mais agressivo, com evolução
podem ser necessárias na suspeita de sepse urinária. mais arrastada e maior toxicidade ao paciente, muitas ve-
d) Achado de imagem: exame radiológico simples de zes necessitando de internação. Cerca de 12% dos pacien-
abdome para afastar uma litíase associada ao quadro de tes hospitalizados com pielonefrite aguda não complicada
infecção que pode mudar o enfoque do tratamento, ultras- têm bacteremia.

Sinais e sintomas de pielonefrite


(febre, dor lombar, piúria, leucocitose)

Náuseas, vômitos ou sepse

Não Sim

- Urinálise e cultura de urina; - Urinálise, cultura, hemocultura;


- Ultrassom, raio x; - Ultrassom, raio x;
- Tratamento do paciente externo; - Tratamento internado;
- Terapia oral de 7 a 14 dias; - Iniciar tratamento parenteral;
- Fluoroquinolonas; - Fluoroquinolonas;
- Aminopenicilina mais um inibidor beta- - Aminopenicilina mais um inibidor beta-
lactamase; lactamase;
- Cefalosporinas (grupo 2 ou 3); - Cefalosporinas (grupo 2 ou 3);
- Sulfametoxazol-trimetoprima, somente - Aminoglicosídeos;
se a suscetibilidade for conhecida. - Duração total de 14 a 21 dias.

Melhora dentro de 72h Sem melhora ou piora

- Terapia oral; - Hospitalização do paciente


- Urinocultura 4 a 10 dias externo;
após o término da terapia; - Revisão da cultura e sensibilidade;
- Avaliação urológica, se - Avaliação urológica para fatores
indicada. complicadores;
- Drenagem de obstrução ou
abscesso.

Figura 2 - Manejo clínico da pielonefrite aguda

24
P I E LO N E F R I T E

Alguns fatores podem tornar uma pielonefrite com- tecidual e supuração. Microscopia com neutrófilos, linfóci-
plicada: diabetes, cálculos obstrutivos, presença de cate- tos, plasmócitos e resíduos necróticos. Os grandes macró-
teres, resíduo pós-miccional, refluxo vesicoureteral, deri- fagos com citoplasma espumoso contendo grande material
vação urinária e imunodeficiência. Recomendam-se, para lipídico são as mais características células gigantes encon-
pielonefrite não complicada, como 1ª opção, as fluoroqui- tradas na microscopia da pielonefrite xantogranulomatosa.

UROLOGIA
nolonas. Para crianças, gestantes e durante a amamenta-
ção, são contraindicadas, e são indicadas as aminopeni- F - Diagnóstico diferencial
cilinas (ampicilina ou amoxicilina associada a inibidor da Muitas vezes, é difícil diferenciar a pielonefrite xanto-
beta-lactamase) ou uma cefalosporina de 2ª ou 3ª geração granulomatosa de outras causas de massas renais, prin-
(Figura 2). cipalmente carcinoma renal. O diagnóstico definitivo, na
maioria das vezes, é feito pelo anatomopatológico.
2. Pielonefrite xantogranulomatosa
G - Tratamento
A - Definição Usualmente, o tratamento é feito com a nefrectomia,
principalmente pela dificuldade de diferenciação do carci-
Representa uma forma rara e severa de infecção bacte-
noma renal no pré-operatório.
riana renal crônica de patogenia não clara.

B - Incidência 3. Pielonefrite enfisematosa


Pode ser observada em qualquer idade, porém com
maior frequência na 5ª e na 6ª décadas de vida. As mulhe- A - Definição
res são 3 vezes mais afetadas do que os homens. É uma rara e grave infecção do parênquima renal, causa-
da por germes formadores de gás que podem estender-se
C - Etiopatogenia para o espaço perirrenal ou sistema coletor.
A patogenia não é clara. Infecção crônica, obstrução e
doença calculosa estão associadas à pielonefrite xantogra-
B - Epidemiologia
nulomatosa, mas não são encontradas em todos os casos. É uma complicação rara da pielonefrite aguda, princi-
As bactérias mais comumente encontradas na cultura de palmente em diabéticos insulino-dependentes não contro-
urina são o Proteus mirabilis e a E. coli. lados (90%), e mais comum em mulheres. A obstrução do
trato urinário está presente em 20 a 40% de todos os pa-
D - Clínica cientes, e, quando acontece em não diabéticos, a obstrução
A maioria dos pacientes tem história de cálculos renais, do rim está geralmente presente. Acredita-se que o gás pro-
nefropatia obstrutiva, diabetes mellitus ou cirurgia urológica. duzido no parênquima renal seja atribuído à fermentação
Os sintomas incluem dor em flanco, febre, anorexia, ema- da glicose pela bactéria. Em não diabéticos, as causas da
grecimento, hematúria, mal-estar e sinais de irritação, como formação gasosa não são bem esclarecidas.
urgência, disúria e polaciúria. Ao exame físico, geralmente
ocorrem dor à palpação do flanco e até massa palpável.
C - Etiologia
Na maioria dos casos descritos, a Escherichia coli é res-
E - Exames complementares ponsável em cerca de 65 a 70%. Klebsiella, Aerobacter e
a) Laboratoriais: hemograma anormal com anemia, Proteus são menos comuns.
leucocitose, exames de urina com bacteriúria, hematúria e
D - Diagnóstico
leucocitúria. Urinocultura geralmente com desenvolvimen-
to de E. coli e Proteus. a) Clínico: a clínica é semelhante à de uma pielonefrite
b) Imagem: no passado, a arteriografia era comumente bacteriana aguda com febre, dor lombar e sinais irritativos
usada, mostrando, em geral, massas relativamente avascu- urinários baixos, porém não evoluindo bem com o início do
lares. A tomografia é particularmente útil no diagnóstico, tratamento habitual.
demonstrando ausência ou diminuição de excreção de con- b) Laboratorial: leucocitose, piúria, hiperglicemia e
traste, calcificações, hidronefrose, lesões no parênquima e glicosúria são os achados mais comuns. À urocultura, a
aumento de volume renal. Escherichia coli é a bactéria mais comumente encontrada.
c) Anatomia patológica: rim, em geral, aumentado de c) Imagem: o diagnóstico é feito por métodos de ima-
volume, com dilatação pielocalicial causada por cálculo e/ gem, que demonstram gás tanto no parênquima renal
ou pus. Nódulos de cor amarelo-laranja, áreas de necrose quanto no retroperitônio. A tomografia computadorizada

25
UROLO G I A

é o melhor exame para identificar gás no rim e no espaço


retroperitoneal.
d) Tratamento: a taxa de mortalidade é alta. Os con-
troles do diabetes e da infecção devem ser iniciados ime-
diatamente. Habitualmente, a nefrectomia é necessária, e,
quando ela não é realizada, raros pacientes conservam a
função renal do rim afetado.

26
CAPÍTULO

5
Litíase urinária
Marcelo José Sette

1. Epidemiologia Tabela 1 - Composição e frequência dos cálculos urinários


Tipos de cálculo Frequência (%)
A litíase urinária é uma das doenças mais frequentes do
trato urinário (de 1 a 5% da população adulta dos países Cálculo de cálcio 80
industrializados), com recorrência de 50% em 5 anos e maior Oxalato (mono e di-hidratado) 35
incidência entre a 3ª e a 5ª décadas. Ocorre à proporção de Fosfato 10
3 homens para cada mulher acometida. Oxalato e fosfato 35
Outros cristais 20
2. Etiologia e fisiopatologia Estruvita 10
Os sais de cálcio estão presentes na maioria dos casos Ácido úrico 8
(80%), e o oxalato de cálcio (Figura 1), que representa o Cistina 1
composto mais comumente encontrado (até 70% dos Outros tipos 1
casos), apresenta 2 tipos de cristais (monoidratado
Triantereno -
e o di-hidratado), que diferem na sua morfologia e
em propriedades. O fosfato de cálcio (apatita) tem Xantina -
diferentes composições, a mais comum a hidroxiapatita Matriz -
[Ca10(PO4)6(OH)2]. Na Tabela 1, observam-se a composição
e a frequência dos cálculos. Tabela 2 - Fatores etiológicos de alguns cálculos
Tipos de cálculo Fatores etiológicos
Supersaturação urinária de cálcio por:
a) Perda renal.
Oxalato de cálcio
b) Absorção intestinal.
c) Reabsorção óssea, hiperoxalúria.
Fosfato de cálcio pH urinário alcalino, hipercalciúria.
Carbonato de cálcio Hipercalciúria
Ácido úrico Hiperuricosúria
Cistina Cistinúria
Estruvita (fosfato Urina alcalina produzida por bactérias
amônio de magnésio) desdobradoras de ureia
Urina alcalina produzida por bactérias
Figura 1 - Cálculo de oxalato de cálcio bilateral: radiografia simples Matriz
desdobradoras de ureia
e UIV (urografia excretora)

27
UROLO G I A

O desenvolvimento de litíase no trato urinário é computadorizada. O triantereno também pode produzir


complexo e multifatorial. Os fatores epidemiológicos cálculos radiotransparentes.
mais conhecidos são climático (clima seco), ocupacional,
a) Diagnóstico
dietético e hereditário.
A avaliação metabólica demonstra a etiologia da litíase
A - Fisiologia e litogênese em 90% dos pacientes. A passagem de um único cálculo
pela via urinária sugere a avaliação com dosagem sérica
Com a alimentação normal, ingere-se 1g de cálcio por
de cálcio, fósforo e ácido úrico, além da dosagem urinária
dia, e 25% deste são absorvidos ativamente pelo intestino
de 24h da creatinina, cálcio, fósforo, ácido úrico e oxalato.
(duodeno e jejuno proximal) com o auxílio da vitamina D. Em
Pacientes com alguma anormalidade nesses exames devem
contrapartida, 10g de cálcio são filtrados no rim, dos quais
ser avaliados com mais detalhes.
98% são reabsorvidos pelos túbulos renais. Esse equilíbrio
é mantido pela regulação do cálcio sérico controlado pelo b) Avaliação metabólica
paratormônio por meio da mobilização do cálcio ósseo. - Avaliação inicial: em pacientes com dieta normal,
O mecanismo de formação do cálculo implica um estado são dosados, na urina de 24h, creatinina, cálcio,
de supersaturação de solutos associado a certas condições fósforo, ácido úrico, oxalato e citrato. Associados ao
que levam à precipitação de cristais sobre uma base pH e ao volume urinário total, dosagem sérica de
de características bioquímicas semelhantes (nucleação cálcio, creatinina, fósforo e ácido úrico também são
homogênea) ou uma base de características bioquímicas pesquisados;
diferentes e/ou sobre outros cristais (nucleação heterogênea
ou epitaxial). Como exemplos de nucleação heterogênea, Tabela 3 - Dosagem dos componentes bioquímicos do cálculo
têm-se moléculas de oxalato de cálcio se depositando sobre urinário
fragmentos de células epiteliais descamadas ou cálculos de Componente
Homens (mg) Mulheres (mg)
oxalato de cálcio que, frequentemente, contêm moléculas bioquímico
de ácido úrico. A adição de novas moléculas do mesmo Cálcio <300 <250
soluto denomina-se crescimento do cristal; quando ocorre Ácido úrico <800 <750
a adesão de 2 ou mais núcleos em crescimento, chama-se
Oxalato <50 <50
agregação do cristal.
A cristalização do soluto não costuma acontecer em Citrato 450 a 600 650 a 800
condições normais, pois o organismo possui substâncias
que inibem esse mecanismo, denominados inibidores
- Restrição dietética: os pacientes são submetidos a
uma dieta pobre em cálcio (400mg) e sódio (100mEq)
da cristalização. Estes atuam ligando-se aos solutos ou
aumentando o solvente (diluindo o soluto). Para ocorrer a por 1 semana. Após esse período, faz-se uma nova
litogênese, os inibidores de cristalização urinária geralmente coleta dos mesmos exames;
estão com níveis abaixo do necessário. A água é um grande - Sobrecarga de cálcio: após a ingestão de água somente
inibidor da formação do cálculo, pois, quando ingerida em no período da noite, o paciente vai ao laboratório às 7h
grande quantidade, aumenta o solvente. O citrato liga-se ao da manhã. Após desprezar a urina da noite, é coletada
cálcio (citrato de cálcio), e o magnésio, ao oxalato (oxalato a das 7 às 9h. O paciente recebe 1g de gluconato de
de magnésio). Também são inibidores da cristalização as cálcio oral às 9h, e é coletada a urina das 9 às 13h.
proteínas de Tamm-Horsfall, nefrocalcina e uropontina.
Matriz é uma mucoproteína não cristalina geralmente B - Alterações bioquímicas nos formadores de
associada ao cálculo renal. Em pacientes não formadores cálculos renais
de cálculo renal, essa substância atua como inibidor da
cristalização, mas em formadores de cálculo serve como base a) Hipercalciúria
para a deposição dos cristais. Cálculo de matriz puro é visto A hipercalciúria pode ser causada por reabsorção óssea
somente em associação à infecção por Proteus mirabilis. (mais comumente, hiperparatireoidismo), aumento da
Disfunção tubular renal pode ser um importante fator absorção do trato intestinal ou lesão de filtração renal.
na formação do cálculo. O crescimento do cristal inicia-se no Observam-se 3 tipos de hipercalciúria (Tabela 4).
túbulo coletor distal, e, gradualmente, ocorre a extrusão para
o sistema coletor, tornando-se um cálculo urinário livre. Tabela 4 - Tipos de hipercalciúria
Existem substâncias exógenas que, ao serem ingeridas, Cálcio Cálcio urinário Cálcio urinário
podem formar cálculo urinário. O indinavir é um inibidor Tipo Sérico Restrição cálcio Sobrecarga cálcio
de protease utilizado no tratamento da síndrome da Reabsortiva Aumentado Aumentado Aumentado
imunodeficiência adquirida (AIDS) que produz cálculos
Absortiva Normal Normal Aumentado
moles e gelatinosos. Esses cálculos são radiotransparentes,
Renal Normal Aumentado Aumentado
portanto não visíveis em raio x convencional ou tomografia

28
LITÍASE URINÁRIA

I. Hipercalciúria reabsortiva: a hipercalciúria está Quanto aos casos que não respondem aos tiazídicos,
presente, independente de restrição dietética. podem-se tentar ortofosfatos e a restrição de cálcio.
- Etiologia: o hiperparatireoidismo primário acomete b) Hiperuricosúria
menos de 5% dos pacientes com litíase de cálcio. O
excesso de hormônio da paratireoide (PTH) resulta na Cálculos puros de ácido úrico (Figura 2) são encontrados

UROLOGIA
reabsorção excessiva de massa óssea e no estimulo em cerca de 10% dos cálculos. A solubilidade desse ácido é
da síntese de vitamina D, que aumenta a absorção de muito dependente do pH do meio (torna-se insolúvel com
cálcio intestinal. Os efeitos finais são a elevação da pH <5,8).
reabsorção renal de cálcio (hipercalcemia) e o aumento - Etiologia: aproximadamente 25% dos pacientes com
da excreção de fosfato, resultando em hipercalciúria. cálculo de ácido úrico são portadores de gota, além
Metade dos pacientes portadores de hiperparati- de doenças malignas e doenças mieloproliferativas.
reoidismo primário desenvolve litíase. Outras causas Entretanto, muitos portadores de cálculo de ácido
de hipercalciúria reabsortiva são tumores ósseos úrico não apresentam hiperuricemia nem hiperuri-
metastáticos, mieloma múltiplo, doença de Cushing e cosúria. O desenvolvimento do cálculo depende da
imobilização prolongada. acidez urinária, do baixo volume urinário e da excreção
- Tratamento: tratar a doença primária (hiperpara- de ácido úrico. Hiperuricosúria é encontrada em 20%
tireoidismo primário – paratireoidectomia). dos pacientes com cálculo de cálcio (alguns autores
acreditam que o ácido úrico sirva de base para a
II. Hipercalciúria absortiva: é a causa única mais
formação desse cálculo);
comum de hipercalciúria (encontrada em >50% dos
pacientes com litíase). - Tratamento: hidratação com ingestão de 3L de água/dia.
- Etiologia: é dividida em 3 tipos: • Alcalinização da urina com 650mg de bicarbonato de
• Tipo I: aumento da permeabilidade mucosa sódio oral, 6x/dia. O pH deve manter-se acima de 6,5;
intestinal ao cálcio; • Redução da carga de ácido úrico ingerido na dieta
• Tipo II: permeabilidade normal, porém aumento da (reduzir dieta proteica para 90g/dia) e uso de
dieta de cálcio; alopurinol (200 a 600mg/dia), quando necessário.
• Tipo III: perda de fosfato pelo rim levando a elevada
produção de vitamina D que aumenta a absorção
intestinal de cálcio.
A hipercalcemia resultante aumenta a filtração renal
de cálcio e diminui a reabsorção tubular, suprimindo
o PTH. O excesso da perda de cálcio é compensado
com o aumento da absorção de cálcio intestinal para
manter a calcemia.
- Tratamento: essa é a modalidade de hipercalciúria em
que a dieta deve ser restrita em cálcio e sódio (400mg
de cálcio/dia e 100mEq de sódio/dia).
• 3 a 4L de água/dia;
• Fosfato de celulose sódico: resina de troca iônica
que atua no trato intestinal, trocando sódio por Figura 2 - Cálculo radiotransparente piélico em pielografia
cálcio e inibindo a absorção de cálcio; descendente (imagem negativa na seta): presença de cateter
• Ortofosfatos: aumentam a excreção urinária de ureteral e ponta de agulha de punção renal em cálice médio
cálcio e a excreção de pirofosfato e citrato.
III. Hipercalciúria renal: representa em torno de 10% c) Hiperoxalúria
das hipercalciúrias. O ácido oxálico é um produto final do metabolismo,
- Etiologia: elevação da reabsorção tubular de cálcio sendo muito insolúvel. Menos de 10% do oxalato são
urinário, causando hiperparatireoidismo secundário. absorvidos pelo trato gastrintestinal, pois a maioria deriva
Níveis séricos do cálcio permanecem normais porque do metabolismo.
a produção de PTH causa aumento da produção de - Hiperoxalúria primária: doença autossômica recessiva
vitamina D ativa (calcitriol), elevando a absorção de rara, que apresenta níveis elevados de oxalato urinário.
cálcio intestinal e óssea; O tratamento com piridoxina, 100 a 400mg/dia, reduz
- Tratamento: diuréticos tiazídicos (50mg, 2x/dia). a excreção de oxalato, além de promover adequadas
Atuam diminuindo a perda urinária de cálcio e o hidratação e redução do oxalato da dieta;
volume extracelular. A suplementação de potássio é - Hiperoxalúria entérica: paciente com doença intestinal
necessária eventualmente. causando má absorção (doença inflamatória intestinal

29
UROLO G I A

ou síndrome do intestino curto) com aumento de D-penicilamina e a alfamercaptopropionilglicina são usadas


ácidos graxos e sais biliares e consequente saponifi- para se ligarem à cistina.
cação do oxalato que se liga ao cálcio e ao magnésio,
g) Cálculos de estruvita
aumentando sua disponibilidade. O tratamento inclui
baixa ingestão de oxalato e gordura, hidratação e Os cálculos de estruvita (Figura 3) são compostos de
suplementação de cálcio, e a colestiramina pode fosfato amônio de magnésio e carbonato de apatita, e
auxiliar na má absorção; seu crescimento se dá no interior do sistema coletor renal
- Hiperoxalúria exógena: acontece quando são (cálculo coraliforme). Algumas condições permitem que
ingeridas, em grandes quantidades, substâncias que organismos produtores da enzima uréase transformem a
apresentam oxalato no seu produto final (por exemplo, ureia em amônia (NH3) e dióxido de carbono (CO2). A amônia
etilenoglicol, ácido ascórbico e metoxiflurano). é uma base que alcaliniza a urina e se liga ao hidrogênio,
formando o amônio (NH4). Em pH alcalino (acima de 7), o
A falta da bactéria Oxalobacter formigenes no intestino amônio combina-se ao fosfato e ao magnésio, formando o
leva a uma maior absorção de oxalato por esta ser cálculo de estruvita (MgNH4PO4). O CO2 pode combinar-se
responsável pela degradação da substância em questão, ao cálcio urinário e formar o carbonato de cálcio (CaCO3).
consequentemente aumenta a chance de formação de Proteus sp. é o germe mais encontrado (75% dos casos).
cálculos de oxalato de cálcio. Também produzem uréase Klebsiella sp., Pseudomonas
d) Hipocitratúria sp., Providencia sp., Staphylococcus e, mais recentemente,
A hipocitratúria tem sido encontrada em 50% dos casos Ureaplasma urealyticum. Mulheres são 2 vezes mais
de cálculos de cálcio. O citrato inibe a precipitação de afetadas que homens. Aproximadamente 10% dos
cristais de cálcio na urina, pois o composto de citrato de portadores de lesão medular produzem cálculo de estruvita.
cálcio impede a formação do oxalato de cálcio, o qual é um Outras populações de risco são portadores de conduto ileal
possível formador de litíase. ou cateter vesical suprapúbico de longa data.
- Diagnóstico: pacientes com pH urinário elevado (acima
e) Acidose tubular renal de 7) causado por infecção urinária. A radiografia
A acidose tubular renal é causada por acidose metabólica simples de abdome geralmente demonstra o cálculo,
hipocalêmica por defeito de secreção do íon hidrogênio do mas pode ser pouco radiopaco. A urografia excretora
túbulo renal. A litíase ocorre na acidose tubular renal tipo I, ou a tomografia computadorizada auxiliam na
em que existe uma deficiência no túbulo distal em manter avaliação, e a cintilografia nuclear demonstra função
um gradiente adequado de íon hidrogênio. Está associada à e perfusão renal;
hipocitratúria e à urina supersaturada com fosfato e cálcio. - Tratamento: retirada total do cálculo e da erradicação
O resultado do excesso de ácido no sangue cronicamente é da infecção.
a absorção de cálcio e fosfato dos ossos que acabam sendo
excretados na urina (hipercalciúria e hiperfosfatúria). A
hipocitratúria decorrente da acidemia e da hipocalemia leva
a uma deficiência de crescimento e raquitismo, a presença
de cálcio no parênquima renal leva à nefrocalcinose, e
podem-se formar cálculos de fosfato ou oxalato de cálcio
e mistos.
O tratamento consiste na alcalinização da urina com
bicarbonato de sódio ou citrato de potássio.
f) Cistinúria
A cistina em abundância na urina forma cálculos, pois
esse elemento é pouco solúvel no pH urinário. Trata-se
de uma doença autossômica recessiva, caracterizada pelo
defeito do transporte transepitelial no intestino e no rim,
que se manifesta com diminuição de absorção de cistina. O
pico de incidência está entre a 2ª e a 3ª décadas. O nível de
cistina acima de 250mg/dia é considerado cistinúria.
O tratamento consiste na restrição dietética de cistina
presente em vários alimentos (carne, aves). Devem-se
adicionar hidratação e alcalinização com bicarbonato de
sódio ou citrato de potássio. A alcalinização da urina para
pH >7 aumenta a solubilidade da cistina para 400mg/L
de urina. Quando a hidratação e a alcalinização falham, a Figura 3 - Cálculo de estruvita em raio x simples de abdome

30
LITÍASE URINÁRIA

• Prevenção: quando a infecção não pode ser a baixo grau de opacidade (por exemplo, cálculo de ácido
erradicada, os inibidores da uréase com ácido úrico), sobreposição de gases intestinais, estruturas ósseas,
acetoidroxâmico podem ser administrados para calcificações (por exemplo, flebólitos) e cálculos menores
diminuir o pH urinário e os níveis de amônio. de 2mm.
A ultrassonografia do trato urinário é um método

UROLOGIA
Tabela 5 - Resumo das principais condições, causas e tratamentos bastante utilizado (Figura 4), pois demonstra a presença
da litíase recorrente
de cálculo, inclusive radiotransparente, e mostra possíveis
Condição Causa Tratamento dilatações ocasionadas por ele. No entanto, pode ser difícil
Hipercalciúria Hiperparatireoidis- identificar cálculos pequenos.
Paratireoidectomia
reabsortiva mo primário
Hipercalciúria Restrição dietética, cálcio
Absorção de cálcio
absortiva e ingestão de líquidos
Hipercalciúria Reabsorção renal
Diurético tiazídico
renal tubular de cálcio
Hiperuricosú- Acidez urinária Bicarbonato de sódio e
ria (gota 25%) ingestão de líquidos
Hiperoxalúria Doença autossômi-
Piridoxina
primária ca recessiva
↓ Oxalato e gordura e Figura 4 - Dilatação piélica e cálculo em ureter distal (seta) próximo
Hiperoxalúria Má absorção intes-
ingestão de líquidos e à bexiga, com dilatação a montante
entérica tinal
suplementação de Ca++
Hiperoxalúria A urografia excretora (Figura 5) é um método adequado
Ingestão de oxalato Restrição de dieta para identificar possíveis repercussões anatômicas e
exógena
Dieta restrita em
funcionais. Seu uso é mais restrito por apresentar efeitos
Hipocitratúria Ingestão de citrato colaterais ao contraste iodado (incluindo alergia em graus
citrato
variados e nefrotoxicidade) em 5 a 8% dos casos, bem
Acidose tubu- Acidose tubular
Alcalinização de urina como reação cruzada com alguns hipoglicemiantes orais.
lar renal renal
Apresenta uma sensibilidade de 96% em cálculos ureterais,
Restrição de ingesta cisti-
Doença autossômi- porém diminui quando a radiografia simples não demonstra
Cistinúria na, hidratação e alcaliniza-
ca recessiva litíase.
ção da urina
Cálculo de Infecção e estase Retirada do cálculo e tra-
estruvita urinária tamento da infecção

3. Apresentação clínica e tratamento

A - Litíase do trato urinário superior


O cálculo renal é geralmente assintomático até o Figura 5 - Cálculo renal em cálice superior e inferior: raio x simples
momento em que se move, causando obstrução do trato e UIV
urinário. A obstrução urinária pode causar dor, náusea,
vômito, infecção urinária e septicemia; crônica, pode ser A tomografia computadorizada (Figura 6) é o método
assintomática. Deve-se suspeitar de cálculo urinário quando com maiores sensibilidade (97%) e especificidade (96%)
o paciente apresenta de forma repentina dor em cólica e permite o diagnóstico diferencial de cálculos, coágulos
na região lombar ou abdominal. Essa dor pode irradiar- e tumores. Muitas vezes, é possível dispensar o uso de
se para a região inguinal e a genitália e, eventualmente, contraste.
levar a irritação vesical (polaciúria, urgência miccional),
dependendo do local da obstrução. Em 25% dos casos, há
história familiar de litíase urinária. Hematúria (micro ou
macroscópica) está presente em 85% dos casos.
a) Diagnóstico
A avaliação inicial deveria incluir hemograma, creatinina
sérica, urinálise, urocultura e radiografia simples de
abdome. O raio x simples de abdome permite diagnóstico Figura 6 - (A) Os mesmos cálculos da Figura 5 à tomografia
em até 90% dos casos, porém sua falha está relacionada computadorizada e (B) posterior reconstrução em 3D

31
UROLO G I A

A ressonância magnética urográfica é um método de O ureterorrenoscópio pode ser semirrígido ou flexível;


imagem que tem sido sugerido por alguns autores como costuma-se dar preferência pelo aparelho semirrígido em
promissor, porém, atualmente, não faz parte da rotina cálculos do ureter inferior. Nos cálculos de ureter médio e
médica. proximal, a preferência é o ureterorrenoscópio flexível.
Cálculo ureteral obstrutivo com repercussão sistêmica,
b) Tratamento
dor refratária ao tratamento, falha da LECO, fragmentos
O tratamento depende do tamanho, da localização, múltiplos obstruindo o ureter (“rua de cálculos”). As
do grau de obstrução do cálculo e do quadro clínico do principais complicações são perfuração, sangramento,
paciente. avulsão e fístula urinária.
Após a retirada do cálculo ureteral, é importante avaliar
B - Cálculo ureteral a condição do ureter, pois, se houver processo inflamatório
intenso ou lesão da parede, é adequada a colocação de
a) Analgesia na cólica renal
cateter duplo J e mantê-lo por período mínimo de 1 semana
O alívio da dor é o foco mais importante na cólica para a cicatrização do ureter.
nefrética. As drogas mais utilizadas, na prática médica, são
os anti-inflamatórios não esteroides.
Quando a dor é mais intensa, deve-se lançar mão de
drogas injetáveis, como opioides. O uso de antiemético
é importante, pois tanto a inervação do rim quanto a do
estômago seguem para o plexo celíaco, causando náuseas e
vômitos que são comuns na cólica renal.
Drogas como esteroides e alfa-bloqueador tipo 1 auxiliam
na eliminação do cálculo mais precocemente. Atualmente,
são denominadas terapia expulsiva medicamentosa de
cálculo ureteral. Pacientes com cálculos menores de 5mm
e mínima dilatação do trato urinário devem ser tratados
com analgésicos e hidratação. Cerca de 90% dos cálculos
menores de 4mm passarão espontaneamente pelo ureter,
enquanto somente 20% passarão em caso de tamanho
maior que 6mm. Os locais com maior dificuldade para a
Figura 7 - Ureterolitotripsia
passagem são a junção ureteropiélica, o cruzamento dos
vasos ilíacos e a junção ureterovesical.
A realização de método de imagem (como radiografia ou d) Litotripsia extracorpórea por ondas de choque
ultrassonografia) semanalmente é útil para a monitorização A litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LECO) é
da eliminação do cálculo. O tempo permitido para a saída um tratamento em que se utiliza o litotriptor extracorpóreo,
do cálculo é de 4 a 6 semanas; após esse período, deve ser em que o paciente se deita e localiza o cálculo por
sugerido outro método terapêutico. ecografia ou radioscopia. O aparelho dispara ondas de
choque (podem ser eletro-hidráulicas, eletromagnéticas e
b) Intervenção imediata
piezelétricas) em direção ao cálculo, causando, assim, a sua
Indica-se uma intervenção quando há um alto grau de fragmentação. Após o procedimento, o cálculo fragmentado
obstrução do trato urinário com risco de perda de função deve ser eliminado espontaneamente. No ureter, com
renal em longo prazo, cálculo ureteral em rim único até 1cm, os cálculos respondem bem ao tratamento. Esse
funcionante, elevação da creatinina, insuficiência renal procedimento é contraindicado na suspeita de infecção e
preexistente, infecção urinária por uropatia obstrutiva e pode desenvolver sepse urinária.
dor intratável com medicação. A utilização de um cateter
ureteral temporário (duplo J) é adequada. Quando não se e) Ureterolitotripsia laparoscópica
obtém sucesso ou a infecção é muito grave, a indicação Utilizada em pacientes com cálculos ureterais acima
mais precisa é a nefrostomia percutânea. de 2cm ou naqueles em que os outros métodos foram
contraindicados. O uso de duplo J após a retirada do cálculo
c) Ureterolitotripsia
é adequado.
A ureterolitotripsia é a modalidade de tratamento em que
se introduz um aparelho endoscópico de fino calibre (7 a 10Fr) f) Ureterolitomia aberta
pela uretra do paciente, chegando ao interior do ureter. Sob Para casos eventuais em que não se disponibilizam os
visão direta do cálculo, pode-se fragmentá-lo com litotriptor métodos anteriores. Apresenta boa eficácia, porém com
intracorpóreo (laser, eletro-hidráulico ou pneumático) e retirar morbidade maior que a ureterolitotripsia endoscópica ou
os fragmentos com pinça ou cesta de Dormia (basquet). laparoscópica.

32
LITÍASE URINÁRIA

C - Cálculo renal - Complicações mais comuns: sangramento (que podem


levar à necessidade de embolização seletiva), lesão
- Conservador: cálculos renais menores de 6mm e extravasamento do sistema coletor (podendo levar
apresentam grandes chances de serem eliminados a fístulas renocutâneas no pós-operatório), lesão de
espontaneamente; órgãos adjacentes como cólon, pleura, pulmão, baço,

UROLOGIA
- LECO: cálculos renais com até 2cm de diâmetro podem fígado, duodeno. As complicações clínicas mais comuns
ser submetidos a estas modalidades de tratamento, são sepse, hipotermia, trombose;
com bons resultados. A LECO está indicada a cálculos - Cirurgia aberta: com o avanço das técnicas
renais menores de 2cm; acima de 1,5cm, sugere-se endourológicas, a cirurgia convencional (aberta) está
o uso de cateter ureteral temporário. Está indicada, restrita aos locais sem o método já descrito. Cirurgias
também, a cálculos ureterais de até 1cm com bons como pielolitotomia e nefrolitotomia anatrófica são
resultados. As complicações são hematoma perirrenal, menos utilizadas, tendo como complicações dor,
hematúria, cólica renal (migração de fragmentos), enfraquecimento da parede abdominal na incisão,
sepse (se o paciente estiver infectado) e raramente hérnia incisional, maior tempo de recuperação. E todas
pancreatite. Estudos têm sugerido complicações as complicações clínicas já descritas;
como hipertensão e diabetes mellitus em longo prazo.
Portanto, a utilização indiscriminada de LECO em
- Cirurgia laparoscópica: a pielolitotomia laparoscópica
está sendo utilizada em casos eventuais de cálculos
portadores de litíase recorrente não é uma prática
maiores de 2cm na pelve com experiência positiva,
adequada. As principais contraindicações são gravidez,
porém limitada até o momento.
diátese hemorrágica e infecção urinária;
- Nefrolitotripsia percutânea: a nefrolitotripsia percutânea
é um procedimento cirúrgico em que se realiza
inicialmente uma pielografia ascendente com cateter
ureteral colocado previamente, punção percutânea por
via lombar com agulha do cálice desejado (auxiliado por
radioscopia), introduz-se um fio-guia pela luz da agulha
e posteriormente dilata-se o trajeto até a passagem do
nefroscópio. Sob visão direta, ocorrem a fragmentação
e a retirada do cálculo. É um método indicado a cálculos
renais maiores de 2cm, coraliformes, em divertículos
renais, refratários à LECO, obstrutivos e volumosos no
ureter proximal (Figura 8).

Figura 9 - Algoritmo semiológico e terapêutico relacionado ao


tamanho do cálculo renal. HDA: anamnese clínica, US: ultrassom,
TC: tomografia computadorizada, UIV: urografia excretora,
raio x simples: radiografia simples de abdome, LECO: litotripsia
extracorpórea por ondas de choque, UR: ureterolitotripsia, NP:
nefrolitotripsia percutânea, CA: cirurgia aberta

- Situações especiais
- Gestação: colocação de cateter duplo J em casos que
necessitem de alguma intervenção é o mais adotado.
A LECO é contraindicada;
- “Rua de cálculos”: situação em que vários cálculos ou
fragmentos obstruem o ureter; nessa situação, pode-
se tratar conservadoramente por até 6 semanas (a
maioria é eliminada espontaneamente). A LECO poderá
ser resolutiva se não houver infecção associada ou
sintomas severos. Caso contrário, a ureterolitotripsia
ou a passagem de duplo J estão indicadas;
Figura 8 - Cálculo coraliforme extraído do rim e UIV demonstrando - Cálculos urinários na infância: em geral, podem ser
cálculo coraliforme no rim esquerdo; passos da nefrolitotripsia tratados da mesma forma que em adultos (LECO ou
percutânea ureterolitotripsia, quando necessário).

33
UROLO G I A

- Cálculo coraliforme: o tratamento depende da - Etiologia e fisiopatologia:


total da eliminação do cálculo e da erradicação da · Composição dos cálculos: cálcio 80% (oxalato 35%, fosfato
infecção. 10%, oxalato + fosfato 35%), estruvita 10%, ácido úrico 8%,
• Nefrolitotripsia percutânea: 85% dos pacientes cistina 1%, outros 1%.
estão livres de cálculo em 3 meses. É o tratamento - Litogênese: supersaturação de solutos (cristais) e/ou diminuição
de escolha; de solventes (exemplos: água, citrato, magnésio).
- Alterações bioquímicas:
• Cirurgia aberta ou laparoscópica: quando a função · Hipercalciúria mais comum das anormalidades (absortiva,
renal é pequena, a nefrectomia está indicada. A reabsortiva e renal);
nefrectomia parcial pode ser realizada quando uma · Absortiva: defeito na absorção intestinal;
porção do rim está sem função; · Reabsortiva: hiperparatireoidismo primário;
• LECO: como tratamento único, apresenta uma · Renal: defeito na reabsorção tubular renal;
taxa de 40 a 60% livre de cálculo. Tem um melhor · Hiperuricosúria; acidez urinária (25% possuem gota);
resultado quando associada a outro tratamento · Hiperoxalúria; má absorção intestinal é a mais comum;
(técnica de sanduíche), em que se realiza uma · Hipocitratúria; presente em 50% dos cálculos de cálcio;
· Acidose tubular renal; acidose metabólica hipocalêmica por
nefrolitotripsia percutânea seguida por uma LECO,
defeito de secreção do íon hidrogênio do túbulo renal tipo I;
e por uma nova nefrolitotripsia percutânea ou
· Cistinúria: doença autossômica recessiva;
quemólise em cálculo residual; · Cálculos de estruvita (fosfato amônio de magnésio), cálculo
• Quemólise: método pouco efetivo em cálculo de de infecção uréase + Proteus, é o germe mais comum.
cálcio, porém possui uma boa eficácia em cálculos - Apresentação clínica e tratamento:
de ácido úrico, eventualmente em casos de · Cálculo do trato urinário superior: cólica renoureteral (raio x
estruvita, carbonato de apatita e cistina. simples, US eventualmente UIV. TAC é o método com maior
acurácia).
D - Litíase do trato urinário inferior * Tratamento: cálculos >4mm, eliminação espontânea em
90% dos casos. Demais, conforme tamanho e localização.
- Cálculos vesicais · Cálculo do trato urinário inferior: o cálculo vesical é o mais
comum e está relacionado a estase urinária geralmente por
Os cálculos vesicais são mais encontrados em pacientes obstrução infravesical (HPB, estenose de uretra, câncer de
do sexo masculino, em geral portadores de qualquer próstata), bexiga neurogênica ou corpo estranho vesical (fio
disfunção infravesical que mantenha resíduo urinário após inabsorvível, sonda de demora).
a micção (por exemplo, bexiga neurogênica, hiperplasia
prostática benigna, câncer de próstata e estenose de uretra).
Também podem ser motivo de litíase a presença de corpo
estranho vesical (cateteres vesicais, sutura inabsorvível,
objetos inseridos na bexiga) e, eventualmente, cálculos
renais e ureterais que migraram para a bexiga.
a) Apresentação clínica: dor em hipogástrio ou genitália,
disúria, hematúria e infecção de repetição.
b) Diagnóstico: radiografia simples de abdome,
ultrassom de bexiga e cistoscopia.
c) Tratamento: normalmente, a investigação demonstra a
causa da litíase (por exemplo, hiperplasia prostática e estenose
de uretra), devendo ser tratada concomitantemente para
evitar recidiva. O tratamento específico da litíase vesical pode
ser feito via endoscópica. A cirurgia aberta (cistolitotomia) é
uma opção quando a litíase é muito volumosa ou em situações
menos comuns (ampliação vesical na bexiga neurogênica,
hiperplasia prostática volumosa, entre outros).

5. Resumo
Quadro-resumo
- Epidemiologia: tem recorrência de 50% em 5 anos e maior
incidência entre a 3ª e a 5ª décadas de vida, a uma proporção
de 3 homens para cada mulher acometida.

34
CAPÍTULO

6
Urgências urológicas não traumáticas
Roberto Gomes Junqueira

1. Introdução Causas não urológicas

- Emergência: perigo de vida ou de viabilidade de órgão. - Distúrbios gastrintestinais;


Necessidade de resolução imediata; - Pancreatite;
- Urgência: sem perigo de vida ou viabilidade imediato. - Desordens ginecológicas;
Necessidade de resolução em curto prazo. - Doença musculoesquelética.

As urgências tratadas serão: A - Sintomatologia


a) Cólica renal (dor em flanco aguda).
b) Retenção urinária. Dor lombar, que pode surgir bruscamente, de maneira
c) Priapismo. violenta, e que pode se irradiar para abdome, flanco, fossa
d) Escroto agudo. ilíaca e regiões inguinocrural e inguinogenital (testículos ou
e) Parafimose. grandes lábios, na mulher).
O mecanismo é a obstrução aguda parcial ou completa
2. Cólica renal do ureter, além de aumento da pressão intraluminal e dis-
tensão do sistema coletor, com estimulação dos terminais
Frequentemente ocorre, sendo um dos eventos dolo-
rosos mais intensos da existência humana. Ureterolitíase é nervosos da lâmina própria, com contração e espasmos do
a causa mais comum, entretanto cerca de 40% das cólicas músculo liso do ureter, produção de ácido láctico e estimu-
podem ser causadas por outras doenças (Tabela 1). lação das vias aferentes da dor (medula espinhal D11-L1).
Os sintomas não urinários mais frequentes são náuseas
Tabela 1 - Principais causas de dor em flanco de causas urológicas e vômitos por irritação do plexo solar e íleo reflexo.
e não urológicas (Guidelines EAU 2011)
Causas urológicas
- Cálculo renal ou ureteral;
- Infecção do trato urinário (pielonefrites, pionefrose, abscesso
renal);
- Obstrução ureteropiélica;
- Desordens renovasculares (infarto renal, trombose veia renal);
- Necrose papilar;
- Sangramento intra ou perirrenal.
Causas não urológicas
- Aneurisma aórtico;
- Gallbladder disorder; Figura 1 - Etiologia da dor em litíase

35
UROLO G I A

Assim, história e exame físico, incluindo verificação de colo vesical), cálculos vesicais e uretrais, disfunções neuro-
temperatura, podem ajudar a diferenciar o diagnóstico de gênicas, uso de medicamentos, processos obstrutivos congê-
dor aguda lombar, ou seja, pielonefrite aguda não compli- nitos (válvula de uretra posterior, fimose com aderência do
cada, de cólica renal complicada. meato uretral por processo inflamatório), prostatite aguda,
Exames de imagem são imprescindíveis em pacientes com hiperplasia benigna de próstata e câncer de próstata.
dor em flanco (cólica) portadores de rim único. Dor aguda na
região lombar em pacientes com risco aumentado de eventos B - Sintomas
tromboembólicos levanta a suspeita de infarto renal. Aneuris- Comumente apresenta dor na região hipogástrica de
ma abdominal com cuidadoso exame abdominal pode ajudar forte intensidade, com massa palpável ou visualizada (glo-
na suspeita diagnóstica. Trombose de veia renal pode causar bo vesical), associada ou não a sudorese, palidez, história
dor em flanco ou dor abdominal (cólica), acompanhada de he- de poliúria, noctúria, urgência urinária, interrupção do jato
matúria, proteinúria, insuficiência renal e hipotensão. Esteno- urinário, resíduo pós-miccional e jato urinário fraco.
se de junção ureteropiélica (JUP) pode ocasionar cólica após
grande ingesta de líquido. Necrose renal papilar é comum em C - Tratamento
doenças sistêmicas com diabetes ou em nefropatia diabética e
pode ocasionar dor lombar e hematúria. Desobstrução por punção ou cirúrgica, tomando-se o
Sangramentos renais ou no retroperitônio podem oca- cuidado fazer um esvaziamento vagaroso para evitar hema-
sionar dor aguda em pacientes com uso de anticoagulantes túria ex vacuo. Outra complicação é a hipotensão por res-
ou tumores. posta vagal (Figura 2).

B - Avaliação laboratorial e por imagem


Exames de urina (urinálise mais cultura), hemograma,
creatinina, proteína C na dependência dos sintomas.
Raio x simples de abdome, ultrassom, urografia excreto-
ra e tomografia helicoidal podem ser usadas na dependên-
cia da suspeita diagnóstica.
Tabela 2 - Recomendações de diagnósticos por imagem (EAU - Gui-
delines 2011)
- Pacientes febris (≥38°C), com dor lombar aguda e/ou rim único Figura 2 - (A) Passagem sonda via uretral e (B) punção suprapúbica
necessitam de realização urgente de exames de imagem;
- TC helicoidal não amplificada é a modalidade de diagnóstico 4. Priapismo
por imagem com maiores sensibilidade e especificidade para a
É a ereção contínua (prolongada) e persistente do corpo
avaliação de dor lombar aguda não traumática;
do pênis – não da glande –, que costuma ficar flácido, não
- O ultrassom pode ser uma alternativa à TC na abordagem inicial
acompanhada de desejo sexual. O termo tem origem no
da dor lombar aguda não traumática.
deus Priapo (grego), antigo ícone de virilidade e sexualidade.
C - Tratamento
Analgesia sistêmica e tratamento, de acordo com a do-
ença básica.

3. Retenção urinária
A retenção urinária aguda é uma condição caracteriza-
da pela interrupção abrupta de eliminação de urina, com a
presença desta represada na bexiga, sem possibilidade de
eliminação, seja em virtude de fatores anatômicos obstruti-
vos, ou por motivos funcionais.
A retenção urinária aguda é de tratamento urgente e vai
desde cateterismo evacuador até a cistostomia suprapúbica
por punção ou cirúrgica, de acordo com a doença básica.

A - Etiologia
Tumores vesicais e uretrais, causando hematúria, proces-
sos inflamatórios crônicos (estenose de uretra, esclerose de Figura 3 - Priapismo

36
URGÊNCIAS UROLÓGICAS NÃO TRAUMÁTICAS

A - Classificação e etiologia Locais


- Neoplasias;
a) Priapismo isquêmico (baixo fluxo ou veno-oclusivo)
- Inflamações urogenitais;
É o de maior frequência, associado à diminuição do re- - Traumas perineais e pênis.
torno venoso, levando a estase vascular, que determina is-

UROLOGIA
quemia tecidual. Seu tratamento é de urgência. O sangue b) Priapismo não isquêmico (alto fluxo ou arterial)
dos corpos cavernosos durante a punção e a aspiração tem
coloração vermelho-escura. É menos comum e caracteriza-se pelo aumento de fluxo
São múltiplas as origens: de 30 a 50% idiopáticos, 20% arterial e retorno venoso normal, comumente não doloro-
medicamentos injetáveis intracavernosos penianos, 10 a so, e o sangue aspirado dos corpos cavernosos tem colora-
30% anemia falciforme, 7% diabetes juvenil, 3 a 8% neo- ção vermelho-clara. O tratamento pode ser eletivo.
plasias, 3% disfunções neurológicas, 3 a 6% leucemia (em
adultos) e 15% leucemia (nas crianças). B - Diagnóstico

Tabela 3 - Causas História clínica para tratamento específico com exame


físico. Exames de laboratório para tentar descobrir a etio-
Hematológicas
logia: gasometria arterial, hemograma, glicemia, eletrofo-
- Anemia falciforme;
rese de hemoglobina (hemoglobinas B e C, Hbs) e exames
- Leucemia; de urina.
- Trombocitopenia; No priapismo isquêmico, a gasometria dos corpos ca-
- Trombocitemia; vernosos demonstra acidose metabólica, com baixa con-
- Mieloma múltiplo; centração de oxigênio (PO2 <30mmHg; PCO2 >60mmHg); pH
- Talassemia; <7,25). O sangue dos corpos cavernosos, quando aspirado,
- Policitemia. tem coloração vermelho-escura.
Infecciosas No priapismo não isquêmico, a gasometria dos cor-
- Tularemia; pos cavernosos é do tipo arterial (PO2 >90mmHg; PCO2
<40mmHg, pH = 7,4), sem acidose ou hipoxemia.
- Hidrofobia;
Exames: raio x de tórax para averiguar metástase, US
- Parotidite;
com Doppler colorido do pênis, que pode demonstrar sinais
- Rickettsiose.
de fístula arteriocavernosa e um aumento do fluxo nas ar-
Metabólicas térias cavernosas no priapismo não isquêmico e diminuição
- Enfermidade de Fabri; no priapismo isquêmico. Arteriografia somente está indi-
- Amiloidoses; cada na embolização seletiva, nos casos de priapismo não
- Diabetes tipo I. isquêmico.
Neurológicas
C - Tratamento
- Esclerose múltipla;
- Tabes dorsalis;
- Hérnia de disco;
- Trauma medular;
- Trauma cerebral;
- Aneurisma roto intracranial.
Medicamentos e drogas
- Injeção intracavernosa e fármacos;
- Fenotiazinas;
- Trazodona;
- Clonazepam;
- Guanetidina;
- Hidralazina;
- Corticoides;
- Andrógenos;
- Álcool;
- Maconha. Figura 4 - Tratamento do priapismo

37
UROLO G I A

a) Priapismo isquêmico
Tentar identificar a etiologia do priapismo isquêmico,
para tratar, se possível, concomitante. O paciente deve ser
esclarecido sobre os riscos de disfunção erétil, lembrando
que, quanto mais precoce o tratamento, menor a possibili-
dade de impotência.
Punção e esvaziamento (Figura 5) seguidos ou não de
lavagem dos corpos cavernosos com soro fisiológico. Caso
o priapismo não seja resolvido, segue-se com o tratamen-
to medicamentoso intracavernoso. As drogas indicadas são
agonistas alfa-adrenérgicos (epinefrina, norepinefrina, feni-
Figura 6 - Técnicas: (A) e (B) distais; (C) e (D) proximais
lefrina, metaraminol).

b) Priapismo não isquêmico ou alto fluxo


Punção dos corpos cavernosos serve para diagnóstico,
não sendo indicada para esvaziamento e lavagem. Embora
dados de literaratura sejam insuficientes para concluir sua
eficiência, gelo local pode ser usado. Sedação, analgesia,
hidratação, alfa-adrenérgicos intracavernosos, arteriografia
com embolização seletiva e ligadura arterial são, também,
propostos.

D - Complicações
O início do tratamento não deve ultrapassar 4 horas,
pois o risco de veno-oclusão prolongado pode levar a fi-
brose dos corpos cavernosos e, como consequência, causar
impotência.
Figura 5 - Punção e esvaziamento

O tratamento cirúrgico pode ser cogitado na falha da 5. Escroto agudo


punção, e o objetivo é estabelecer fístulas entre o corpo es-
ponjoso e o corpo cavernoso, sendo utilizadas fístulas de lo- Define-se como quadro doloroso súbito com aumento
calização distal e proximal, caso a distal não seja resolutiva. de volume da bolsa testicular, geralmente unilateral, com
edema e rubor, podendo ser acompanhado por manifesta-
Tabela 4 - Técnicas cirúrgicas ções gerais como febre, sudorose, náuseas e vômitos (Fi-
Técnica cirúrgica Taxa de sucesso gura 7).
Winter 66% O diagnóstico preciso e rápido deve ser realizado para
Al-Ghorab 74% que o procedimento terapêutico permita preservar o órgão.
Ebbehoj 73%
Quackels* 77% - Etiologia
Grayhack* 76% A conduta terapêutica a ser instituída depende do diag-
* Taxa de disfunção erétil nos procedimentos proximais é mais nóstico etiológico correto. Várias doenças podem se apre-
alta (Quackels and Grayhack), por volta de 50%, e distais 25% sentar sob este diagnóstico sindrômico (Figura 7):
ou menos.
- Orquite aguda;
- Orquiepididimite aguda;
- Torção do cordão espermático;
- Torção de apêndice testicular;
- Edema escrotal idiopático;
- Hérnia inguinoescrotal estrangulada;
- Edema escrotal idiopático.

38
URGÊNCIAS UROLÓGICAS NÃO TRAUMÁTICAS

dade níveis de 42%, quando bilateral, e 23%, quando


unilateral.

UROLOGIA
Figura 7 - Anatomia do testículo

a) Epididimite, orquite e orquiepididimite aguda (Figu-


ras 8 e 9)
A epididimite aguda é a causa mais comum, no adulto,
de escroto agudo, sendo que sua etiologia pode ser viral,
bacteriana e idiopática. Comumente, seu quadro clínico é
de início insidioso, uni e, mais raramente, bilateral, com si-
nais flogísticos, aumento de volume do conteúdo da bolsa
testicular, sendo que o epidídimo é doloroso e espesso. Fre- Figura 8 - Orquiepididimite aguda (aspecto de bolsa testicular)
quentemente, após 24 horas existe participação do testícu-
lo, causando o que se denomina orquiepididimite.
A inflamação aguda do testículo, isolada, é pouco fre-
quente, sendo a orquite pós-parotidite (caxumba) de etio-
logia viral a mais frequante. Atinge os adultos jovens em
até 30% dos casos. Comumente, os sintomas aparecem de
maneira insidiosa, 7 dias após a parotidite, sendo unilateral
em cerca de 70%. A evolução é autolimitada, podendo levar
a atrofia testicular em cerca de 50% e, quando atinge os
testículos bilateriais, pode levar à esterilidade (10%).
A orquiepididimite aguda é o processo inflamatório
mais comum da bolsa testicular, podendo ser evolução da
epididimite, e é comumente de etiologia bacteriana, sendo
que, em pacientes com menos de 40 anos, a Chlamydia e a
Neisseira gonorrhoeae são as mais comuns, e acima de 40
anos as Gram negativas, sendo a via de contaminação mais
comum a retrógada (uretra prostática).
- Diagnóstico: é feito pela história clínica, pelo exame fí-
sico e pelos exames laboratoriais e por imagem, como Figura 9 - Orquiepididimite aguda (aspecto de testículo e epidídimo)
hemograma, urinálise mais cultura, e ultrassom com
Doppler. Deve ser feito o diagnóstico diferencial com b) Torção de cordão espermático
outras doenças, principalmente torção de cordão es-
permártico e hérnia encarcerada; Em um quadro de escroto agudo deve ser levantanda a
- Tratamento: recomendam-se medidas gerais, que vi- hipótese de torção de cordão espermático, até que se prove
sam a melhora dos sintomas, como repouso relativo, o contrário, principalmente em crianças e adolescentes.
suspensão escrotal, analgésicos, anti-inflamatórios e an- As torções podem ser de 2 tipos, extra e intratúnica va-
tibiótico específico, direcionado ao diagnóstico etiológico ginal.
específco. Convém lembrar ao paciente que a melhora - Extravaginais: ocorrem em testículos não descidos,
pode ser lenta, mesmo com tratamento adequado, e o sendo exclusivas no período intrauterino ou em re-
restabelecimento completo pode levar até 1 mês; cém-nascidos, quando as fixações da túnica vaginal e
- Complicações: as principais complicações podem ser do gubernáculo ao músculo dartos são frouxas. Cor-
abscesso escrotal e infarto testicular, tendo a infertili- responde a 10% de todas as torções;

39
UROLO G I A

- Intravaginais: ocorrem em qualquer idade, com pico


de incidência na puberdade, devido a uma anomalia
de fixação do testículo, que permite que o mesmo e o
epidídimo flutuem livremente dentro da túnica vagi-
nal, tal qual um “badalo de sino”. São defeitos anatô-
micos congênitos, via de regra e bilaterais (Figuras de
11 a 14).

Figura 13 - Torção de cordão espermático: (A) anatomia normal e


(B) torção testicular

Figura 10 - Anatomia do testículo

Figura 14 - Torção de cordão: tempo de isquemia maior de 10 horas

A dor é de inicio súbito, de grande intensidade, poden-


Figura 11 - Escroto agudo: torção em adolescente, com aumento
do estar acompanhada de náuseas e vômitos, não estando
de volume de bolsa testicular à direita relacionada a traumas e exercícios físicos.
O diagnóstico deve ser feito de maneira precisa e rápida,
para um tratamento cirúrgico na tentativa de salvar o tes-
tículo, pois o tempo de isquemia pode alterar a viabilidade
deste (Tabela 5 e Figura 13).
A torção pode ser de 90 a 180°, acreditando-se que,
quanto maior o número de torção, pior o prognóstico.

Tabela 5 - Tempo de isquemia e comprometimento testicular


- 80% de viabilidade nas primeiras 5 horas;
- 20% de viabilidade após 10 horas.

O sintoma predominante é a dor, presente em mais de


90% dos casos, de início abrupto e intenso, sendo referida
ao longo do cordão espermático e/ou no baixo abdome,
podendo ser acompanhada de náuseas e vômitos. Altera-
ções no leucograma e febre são raras. Podem existir antece-
Figura 12 - Torção de cordão espermático dentes de episódios de dor semelhantes, que melhoraram

40
URGÊNCIAS UROLÓGICAS NÃO TRAUMÁTICAS

espontaneamente, explicando ser possível distorcer-se por


si. Em recém-nascidos, o quadro é aumento de volume do
testículo, com bom estado geral.
O epidídimo pode mostrar-se anteriorizado, porém, se

UROLOGIA
estiver em sua posição normal, não afasta a torção, pois
pode estar torcido 360°. Outro sinal que chama a atenção
no exame físico é a elevação do testículo na bolsa (redux
testis), em aproximadamente 1/3 dos pacientes. Edema,
eritema, dor à palpação e endurecimento são achados co-
muns, que podem confundir o diagnóstico.
Para diferenciar torção de cordão de orquiepididimite,
2 sinais são importantes, respectivamente: sinal de Angell e Figura 15 - Ultrassom com Doppler de torção de cordão com au-
sência de vascularização à esquerda
sinal de Prehn (Tabela 6).

- Exames de imagem
O exame que fecha o diagnóstico da torção do tes-
tículo é a ultrassonografia do escroto, com Doppler em
cores. Pouco invasivo e de custo acessível, mostra a ana-
tomia do cordão e o fluxo sanguíneo, que nos casos de
torção se encontra reduzido ou ausente. A cintilografia
escrotal com o tecnécio 99m demonstra, também com
precisão, a irrigação dos testículos, porém demanda mais
tempo e não está disponível na maioria dos serviços de
urgência.
Figura 16 - Ultrassom com Doppler de orquiepididimite aguda com
O diagnóstico por imagem indicado, que não deve vascularização bilateral
atrasar o tratamento cirúrgico, é o ultrassom de bolsa
testicular com Doppler, que demonstra falta de vascula- c) Torção dos apêndices testiculares
rização. Os apêndices testiculares são estruturas remanescentes
do desenvolvimento embriológico. A extremidade cranial
Tabela 6 - Sinais de Angell e de Prehn do ducto mülleriano persiste como apendix testis. O terço
médio torna-se o deferente e a extremidade caudal o utrí-
Paciente em pé, testículo contralateral en-
Sinal de Angell
contra-se horizontalizado.
culo prostático (Figura 18). São 4 os apêndices testiculares:
apendix testis, apendix epididimitis, paradidimitis (órgão de
Piora da dor com a elevação do testículo
Giraldès) e vas aberrans (órgão de Haller), sendo o apen-
Sinal de Prehn na torção testicular e melhora da dor na
orquiepididimite. dix testis o mais comumente encontrado e torcido. É uma
estrutura de até 1cm de diâmetro, geralmente ovoide e pe-
dunculada, situada no polo superior do testículo, próximo à
- Tratamento cabeça do epidídimo (Figura 17).
O objetivo é a revascularização do testículo pelo distor-
cimento do cordão espermático. Como cerca de 2/3 das
torções ocorrem de fora para dentro, a tentativa de distor-
cimento manual pode ser feita de maneira inversa, sempre
visando a manter a vitalidade do testículo.
A correção cirúrgica está indicada mesmo quando, ma-
nualmente, consegue-se distorcê-lo, e é feita sempre a or-
quipexia bilateral, pois o defeito anatômico que permitiu a
torção de um lado geralmente existe bilateralmente. A or-
quiectomia pode ser realizada caso haja comprometimento
da sua vitalidade. Figura 17 - Localização mais comum dos apêndices testiculares

41
UROLO G I A

Figura 20 - Parafimose com edema de mucosa e infecção secundá-


ria pela perda de fluxo à glande, infecção secundária com 5 dias
de evolução

- Tratamento
A conduta é a tentativa de redução manual ou incisão
dorsal do prepúcio, geralmente sob algum grau de aneste-
sia, se não houver sinais de necrose do pênis. Se já existirem
Figura 18 - Origem dos apêndices testiculares sinais de isquemia ou se a redução manual não for efetiva,
o paciente deverá ser encaminhado à cirurgia para a circun-
O diagnóstico se dá pela clínica de dor, que pode ser de
cisão (Figuras 21 e 22).
leve a forte intensidade, também de instalação súbita, co-
mumente no polo superior do testículo, acompanhada ou
não de edema e hiperemia de bolsa.
O ultrassom é o exame indicado e, ao ser diagnosticado,
o tratamento pode ser conservador, com analgésicos e anti-
-inflamatórios.

6. Parafimose
Em homens que não se submeteram à cirurgia de cir-
cuncisão, a glande é coberta por um revestimento de pele
conhecido como prepúcio. Quando o prepúcio não é facil-
mente retraído ou não se consegue retrair, está definida a
presença de uma fimose. Figura 21 - (A) Incisão na área de constrição e (B) pele prepucial
Quando o prepúcio, com abertura estenótica, é retraí- em posição normal após redução
do, expondo a glande e não reduzido, este fica preso no sul-
co balanoprepucial, causando edema, dor e perda de fluxo
da extremidade do pênis (Figuras 19 e 20).

Figura 22 - (A) Parafimose; (B) compressão manual e (C) pressão


da glande peniana e redução de pele prepucial

Figura 19 - Parafimose com edema de mucosa e infecção secundá-


ria pela perda de fluxo à glande

42
CAPÍTULO

7
Uropatia não obstrutiva – refluxo
vesicoureteral
Roberto Gomes Junqueira

1. Introdução feminino (tanto crianças quanto adultos). Supõe-se que a


fraqueza do trígono ureteral esteja relacionada ao desen-
O refluxo vesicoureteral é definido como fluxo não fisio- volvimento do botão ureteral no ducto mesonéfrico.
lógico retrógrado de urina da bexiga para o ureter. A pior b) Infecção urinária: sugere-se que quadros de infecção
consequência do refluxo é a falência renal progressiva, se- do trato urinário atuariam na região da junção ureterovesi-
cundária a episódios de pielonefrites, levando à diminuição cal, naquelas que se apresentam no limite da normalidade.
do parênquima renal (hidronefrose). Entre 10 e 15% dos pa- O edema e o infiltrado inflamatório local tornariam rígido o
cientes com refluxo sofrem de hipertensão renina-depen- teto do ureter intravesical, levando ao aparecimento do re-
dente como sequela da isquemia causada pela cicatrização fluxo. Geralmente, o refluxo associado à infecção tem cará-
do parênquima renal.
ter temporário, de pequena intensidade, sem dilatação da
via excretora, e desaparece com a erradicação do processo
2. Incidência infeccioso.
A incidência de refluxo na criança normal, sem infecção, c) Ectopia ureteral: ureter único ou em par; pode abrir-
é de 0,5 a 1%. Em recém-nascidos, a incidência é a mesma -se no trígono, no colo vesical e na uretra.
em ambos os sexos, e, mais tarde, as meninas são 4 vezes d) Duplicação ureteral completa: o orifício vesical do
mais afetadas que os meninos. Em crianças, a associação ureter, correspondente à unidade inferior do rim, comu-
a infecção urinária é significativamente alta (de 29 a 50%). mente é incompetente e localiza-se superior e lateralmente
A incidência de refluxo é inversamente proporcional à ao orifício ureteral da unidade superior do rim.
idade. Em adultos, estudos demonstram cerca de 8% de e) Divertículo paraureteral ou divertículo de Hutch: o
refluxo vesicoureteral quando associado à bacteriúria. O local de penetração do ureter na parede vesical é um ponto
refluxo vesicoureteral familiar foi observado por vários de fraqueza, em que pode haver dilatação do trajeto intra-
autores, sugerindo uma herança autossômica dominante, vesical do ureter, permitindo a formação de hérnia de mu-
tornando-se necessária a pesquisa em outros membros da cosa posterolateral ao meato ureteral, chamada divertículo
família quando primário. de Hutch.
f) Hereditariedade: o refluxo vesicoureteral primário é
3. Etiologia de origem hereditária, multifocal e poligênica.
g) Iatrogênicas: tratamentos cirúrgicos para o tratamen-
De maneira sucinta, a principal causa de refluxo vesicou- to de ureterocele, prostatectomias e meatotomia ureteral
reteral é o enfraquecimento do trígono e de sua musculatu- podem levar a refluxos, temporários ou não.
ra ureteral intravesical contígua (qualquer fator que altere o
mecanismo de prevenção natural do refluxo: ação valvular
passiva e contração muscular ativa).
4. Classificação
a) Fraqueza do trígono (refluxo primário): é a causa O refluxo pode ser primário ou secundário, além de ati-
mais comum de refluxo ureteral, mais frequente no sexo vo (durante a micção e associado à alta pressão) e passivo

43
UROLO G I A

(geralmente em baixa pressão e aparece já à colocação de mento. A posição do óstio ureteral pode ser categorizada
contraste durante a uretrocistografia). como “A” (trigonal), “B”, “C” ou “D” (lateral ao trígono).
- Refluxo primário: anomalia congênita da junção vesi-
coureteral, em que a deficiência da musculatura lon- 5. Quadro clínico
gitudinal no trajeto intravesical do ureter leva a um
mecanismo valvular incompetente; As manifestações clínicas podem ser gerais e urológicas.
- Refluxo secundário: ocorre devido a fatores que de- A febre, de intensidade variável, é a manifestação geral
terminam alta pressão intravesical, ultrapassando os mais comum de refluxo vesicoureteral associado à infecção
limites do sistema valvular da junção ureterovesical. urinária e está presente em 85% das vezes. Em crianças,
pode ser intensa e ser o 1º sinal de refluxo.
O grau de refluxo é avaliado pela uretrocistografia mic-
Ainda em crianças, além da febre, outros sinais e sinto-
cional. O Comitê Internacional para Estudo do Refluxo in-
mas devem levar à suspeita de refluxo, como irritabilidade,
troduziu um sistema uniforme para a descrição do refluxo,
queda do estado geral, náuseas, vômitos e, por vezes, dimi-
graduando-o conforme a Tabela a seguir.
nuição do desenvolvimento ponderoestatural, hipertensão
Tabela 1 - Graus de refluxo vesicoureteral, segundo o Comitê e insuficiência renal.
Internacional para Estudo do Refluxo Os sintomas urológicos são compatíveis com o quadro
- Refluxo não alcança a pelve renal; de pielonefrite aguda e variam de acordo com a faixa etá-
Grau I ria. Em crianças, a enurese pode aparecer em cerca de 25%
- Varia o grau de dilatação ureteral.
dos casos. Distúrbios miccionais, como polaciúria, noctúria
- Refluxo alcança a pelve renal;
e disúria, são comuns. Em pacientes com disfunção neuro-
Grau II - Sem dilatação do sistema coletor;
gênica (mielomeningocele, esclerose múltipla, paraplegia,
- Fórnice normal. quadriplegia, espinha bífida, entre outras), o refluxo vesi-
- Pequena ou moderada dilatação do ureter, com ou coureteral deve ser pesquisado.
sem tortuosidade;
Grau III
- Moderada dilatação do sistema coletor; 6. Diagnóstico
- Normal ou mínima deformidade do fórnice.
Por ser a infecção urinária a complicação mais comum,
- Moderada dilatação do ureter, com ou sem tortuo-
a investigação laboratorial deve incluir urina I, urocultura,
sidade;
creatinina sérica e outras provas de função renal.
Grau IV - Moderada dilatação do sistema coletor, com presen-
Exames de imagem sem exposição à radiação, como o
ça de baqueteamento dos cálices, porém com ma-
nutenção das impressões papilares na maioria dos
ultrassom, são o 1º passo na procura de fatores que predis-
cálices. põem ao refluxo ou mesmo na avaliação de complicações
(duplicidade, dilatações, avaliação do parênquima renal). A
- Grande dilatação e tortuosidade do ureter (dolico-
megaureter); cintilografia (medicina nuclear) pode evidenciar ou excluir
refluxo vesicoureteral. A cistografia com radionuclídeos é
- Dilatação acentuada do sistema coletor;
Grau V um procedimento com baixa exposição à irradiação que,
- Impressões papilares não mais visíveis na maioria além de verificar a presença de refluxo, pode ser usado
dos cálices;
para acompanhamento. Convém lembrar que a avaliação
- Refluxo intraparenquimatoso. radiológica não deve ser realizada na presença de quadro
de infecção urinária, já que esta pode ser a causa do refluxo.
A urografia excretora normal não exclui refluxo vesicou-
reteral, mas pode mostrar sinais indiretos que façam suspei-
tar da doença como dilatação persistente da porção inferior
do ureter, áreas de dilatação do ureter, ureter visualizado
em toda a sua extensão, presença de urétero-hidronefrose
com um segmento justavesical estreito, além de diminuição
do tamanho renal, irregularidades de seu contorno e avalia-
ção dos cálices.
Se a uretrocistografia e o ultrassom forem negativos,
mas se a suspeita clínica persistir, os exames poderão ser
repetidos após certo intervalo, pois o grau do refluxo pode
Figura 1 - Patologia do refluxo vesicoureteral não ser constante nas diferentes condições do exame.
Caso a urina residual seja elevada, sem a presença de
A graduação do refluxo e a descrição da posição e da obstrução infravesical, a urodinâmica pode ser executada
morfologia do óstio ureteral (normal, estadio, ferradura, para afastar a disfunção vesicoesfincteriana e, desse modo,
buraco de golfe) podem ajudar no planejamento do trata- o refluxo secundário.

44
U R O P AT I A N Ã O O B S T R U T I V A – R E F L U XO V E S I C O U R E T E R A L

A cistoscopia pode ser útil para planejar o tratamento ci- raco de golfe, ectopia, duplicação com ureterocele e refluxo
rúrgico, além de evidenciar óstios ureterais alterados e sua para ureter não envolvido).
posição, assim como excluir obstrução infravesical.
Tabela 2 - Tratamento clínico do refluxo (sem unanimidade)
7. Complicações 1 ano Conservador.

UROLOGIA
1 a 5 anos Graus I a III Conservador.
As principais implicações são as lesões renais e a di-
Meninos Indicação rara de cirurgia.
minuição do crescimento renal. A dilatação do ureter, da
pelve renal e de cálices é de graus variáveis e pode levar à >5 anos Cirúrgica (em razão da alta taxa de
insuficiência renal. Quanto maior o grau do refluxo, maior Meninas infecção, principalmente durante a
gestação).
a chance de escara renal ou de progressão das escaras já
existentes. A infecção urinária e a consequente pielonefrite Tabela 3 - Tratamento cirúrgico do refluxo (sem unanimidade)
são consideradas as principais causas de escaras renais no
Infecção recorrente, apesar da anti-
refluxo vesicoureteral.
bioticoterapia. Cirurgia (não antes da
O refluxo intrarrenal é diagnosticado por meio da ure-
Malformação (duplicação, ureter ec- idade de 6 meses).
trocistografia, com o aparecimento de contraste no parên-
tópico, divertículo de Hutch).
quima renal. Trabalhos sugerem que, para a formação de
escaras na nefropatia de refluxo, sejam necessárias a pre-
sença de refluxo vesicoureteral, refluxo intrarrenal e in- 9. Resumo
fecção. Outros estudos demonstram que a infecção não é
fator absoluto na gênese das escaras renais no refluxo ve- Quadro-resumo
sicoureteral. Embora seja controversa, a literatura sugere Incidência
que o refluxo permanente expõe o rim a um grande risco. - Na criança normal, sem infecção, é de 0,5 a 1%;
Entretanto, não significa que o achado de refluxo em adul- - Em recém-nascidos, a incidência é a mesma em ambos os sexos,
to assintomático e sem infecção necessite de tratamento. e, mais tarde, as meninas são 4 vezes mais afetadas que os me-
ninos;
- Em crianças, a associação à infecção urinária é significativa-
mente alta (de 29 a 50%);
- Em adultos, estudos demonstram cerca de 8% de refluxo vesi-
coureteral quando associado à bacteriúria;
- O refluxo vesicoureteral familiar sugere uma herança autossô-
mica dominante;
- A principal causa de refluxo vesicoureteral é o enfraquecimento
do trígono e de sua musculatura ureteral intravesical contígua
Figura 2 - Diagnóstico de refluxo primário (qualquer fator que altere o mecanismo de prevenção natural do
refluxo: ação valvular passiva e contração muscular ativa).
Etiologia
8. Tratamento a) Fraqueza do trígono (refluxo primário).
O objetivo do tratamento é impedir complicações b) Infecção urinária.
tardias, como a nefropatia de refluxo. O princípio do trata- c) Ectopia ureteral.
mento baseia-se no conceito de que refluxo, na ausência de d) Duplicação ureteral completa.
infecção e de obstrução, é um fenômeno benigno, embora e) Divertículo paraureteral ou divertículo de Hutch.
f) Hereditariedade.
não esteja completamente descartado que a deterioração
g) Iatrogênicas.
renal progrida mesmo na ausência de infecção.
Classificação
A terapêutica consiste em tratamento clínico medica-
mentoso e tratamento cirúrgico aberto e endoscópico. A - Refluxo não alcança a pelve renal;
Grau I
estratégia de tratamento é influenciada pela idade do pa- - Varia o grau de dilatação ureteral.
ciente, pelo grau do refluxo, pela posição e tipo de óstio e - Refluxo alcança a pelve renal;
pela evolução clínica. Baseado no fato de que a tendência Grau II - Sem dilatação do sistema coletor;
natural do refluxo é desaparecer ou melhorar com o tem- - Fórnice normal.
po, o tratamento clínico visa prevenir a infecção urinária.
- Pequena ou moderada dilatação do ureter, com ou
Recomendam-se aumento de ingesta líquida, esvaziamento sem tortuosidade;
Grau
vesical completo, boa higiene e profilaxia com antibióticos
III - Moderada dilatação do sistema coletor;
por longo período, especialmente em pacientes jovens com
baixo grau de refluxo e sem alteração do óstio ureteral (bu- - Normal ou mínima deformidade do fórnice.

45
UROLO G I A

Classificação
- Moderada dilatação do ureter, com ou sem tortuosidade;
Grau - Moderada dilatação do sistema coletor, com presença
IV de baqueteamento dos cálices, porém com manuten-
ção das impressões papilares na maioria dos cálices.
- Grande dilatação e tortuosidade do ureter (dolicome-
gaureter);
- Dilatação acentuada do sistema coletor;
Grau V
- Impressões papilares não mais visíveis na maioria dos
cálices;
- Refluxo intraparenquimatoso.
Diagnóstico

Diretrizes – SBU

46
CAPÍTULO

8
Doenças císticas do rim

Marcelo José Sette

1. Introdução Não genéticas


- Rim multicístico displásico;
As doenças císticas renais compreendem um grupo
- Cisto multilocular benigno;
heterogêneo de distúrbios hereditários ou adquiridos
- Cisto simples;
que se assemelham pela presença de cistos renais uni
ou bilaterais. Os cistos renais são dilatações e/ou ex- - Doença renal glomerulocística esporádica;
pansões progressivas de segmentos tubulares renais - Doença renal cística adquirida;
contendo líquido (cloreto e sódio), revestidos por uma - Divertículo calicial.
única camada de células epiteliais. Esses cistos podem
comunicar-se ou não com um glomérulo, ducto coletor 2. Doença renal policística autossômica
ou cálice renal. dominante
Os rins que apresentam múltiplos cistos, porém com
uma estrutura renal completa, são denominados policísti- A - Genética
cos. Quando ocorre uma displasia severa, sem configuração
reniforme e de drenagem calicial, a denominação é de rim A Doença Renal Policística Autossômica Dominante
multicístico. (DRPAD) compreende um distúrbio sistêmico caracterizado
pela formação de cistos em múltiplos órgãos e desenvolvi-
As doenças renais císticas são classificadas, mais comu-
mento de anormalidades no sistema cardiovascular. A maio-
mente, como genéticas e não genéticas: ria das mutações (85% dos casos) acontece no gene PKD1
Tabela 1 - Principais doenças renais císticas (Polycystic Kidney Disease 1), localizado no cromossomo
16p13-3. A minoria (15%) acontece no gene PKD2 (Polycystic
Genéticas
Kidney Disease 2), mapeado no cromossomo 4q21-23.
- Doença renal policística autossômica dominante (adulto); O gene PKD1 codifica a policistina-1, e o PKD2, a poli-
- Doença renal policística autossômica recessiva (infantil); cistina-2, determinando a DRPAD1 e a DRPAD2, respectiva-
- Nefronoftise juvenil medular; mente. Apesar de as 2 alterações demonstrarem situações
- Nefronoftise juvenil (autossômica recessiva); clínicas semelhantes, demonstrou-se que a DRPAD1 apre-
- Doença medular cística (autossômica dominante); senta uma forma mais grave da doença, com sobrevidas
- Nefrose congênita (síndrome nefrótica familiar) autossômica
renal e do paciente menores, além de maior propensão a
recessiva; hipertensão arterial sistêmica, infecções do trato urinário
e hematúria.
- Doença glomerulocística hipoplásica familiar (autossômica do-
As policistinas 1 e 2 são proteínas de membrana com
minante);
ampla distribuição (as 2 interagem numa via comum), que
- Doenças multissistêmicas (von Hippel-Lindau, esclerose tube- parecem ser importantes para a manutenção das estruturas
rosa etc.).
epiteliais e endoteliais maduras.

47
UROLO G I A

B - Manifestações clínicas
A DRPAD constitui uma das doenças hereditárias huma-
nas mais comuns, cuja prevalência varia de 1:400 a 1:1.000
habitantes. A doença pode manifestar-se em qualquer ida-
de, porém se apresenta mais comumente entre a 3ª e a 4ª
décadas de vida. Cerca de metade dos pacientes atinge os
58 anos sem Insuficiência Renal Crônica Terminal (IRCT), ao
passo que apenas 23% sobrevivem além dos 70 anos sem
apresentarem essa evolução.
A renomegalia pode predominar no quadro clínico, com
distensão, dor ou desconforto abdominal. Por outro lado,
pode ser descoberta de forma incidental ao exame físico ou
em exames de imagem abdominal.
A nefropatia pode desenvolver um defeito na concen-
Figura 1 - Ultrassom com imagens dos rins com cistos
tração urinária e na excreção de amônia, além de infec-
ção recorrente do trato urinário e presença de cálculos
renais.
A hipertensão está presente em 50% dos casos. A ane-
mia é menos proeminente que nas outras doenças renais,
provavelmente pelo fato de a eritropoetina estar preserva-
da. A proteinúria também é menos frequente nesta doença
renal.
As infecções dos cistos ocorrem pelas bactérias comuns
ao trato urinário e podem levar à sepse. Caracterizam-se
por febre, calafrios, dor em flanco e/ou em abdome e leuco-
citose. Já a ruptura e a hemorragia dos cistos (espontâneas
ou por trauma) caracterizam-se por dor aguda e hematúria.
Cerca de 4 a 15% dos pacientes portadores de DRPAD
desenvolvem aneurismas cerebrais (4 a 10 vezes mais do
que na população geral), o que pode levar a hemorragias e,
eventualmente, à morte.
Tabela 2 - Manifestações extrarrenais mais comuns da DRPAD
Hepáticos, pancreáticos, em aracnoide, prostáticos
Cistos
e vesícula seminal.
Hérnias Umbilical, ventral, inguinal.
Prolapso da válvula mitral, insuficiência aórtica,
Cardíacas
hipertrofia do ventrículo esquerdo.
Aneurismas (intracranianos e de coronárias),
Vasculares dilatação de raiz aórtica, dissecção de artérias
(aorta ascendente, cervicocefálicas e coronárias).

C - Diagnóstico
O método de imagem mais comum para o diagnóstico
é a ecografia renal, porém a tomografia computadorizada
e a ressonância magnética têm alta sensibilidade e especi-
Figura 2 - Tomografia computadorizada de abdome, demonstran-
ficidade.
do cistos renais bilateralmente
O diagnóstico de DRP é estabelecido quando são de-
tectados 2 cistos renais (uni ou bilaterais) em indivíduos
com menos de 30 anos ou quando são encontrados 2 cistos D - Prevenção e tratamento
renais em cada rim em indivíduos entre 30 e 59 anos, ou
quando são observados 4 cistos renais bilateralmente em Não existe tratamento específico para portadores de
indivíduos acima de 60 anos. A história familiar é compatí- DRP, somente monitorização e tratamento das complica-
vel com DRPAD em 60% dos casos. ções.

48
DOENÇAS CÍSTICAS DO RIM

A hipertensão arterial acelera o declínio da função re-


nal, portanto a utilização de anti-hipertensivo (inibidores
da enzima conversora de angiotensina) é importante para
o controle da doença.

UROLOGIA
O tratamento e a prevenção da infecção e da litíase são
os mesmos da população geral. Já o tratamento ideal da
infecção dos cistos (renais e hepáticos) deve ser feito com
antimicrobianos lipofílicos, que têm capacidade de pene-
trar nos cistos (ciprofloxacino, trimetoprima, clindamicina
e vancomicina). Punção do cisto com drenagem do material
purulento e até nefrectomia podem ser necessárias em ca-
sos com má resposta à antibioticoterapia.
A ruptura e a hemorragia dos cistos são, geralmente, tra-
tadas de modo conservador (repouso e analgésicos). A as-
piração dos cistos com esclerose utilizando substâncias es-
clerosantes pode ser utilizada em alguns casos. Raramente,
a nefrectomia é indicada antes do início da Doença Renal
Policística Terminal (DRPT).

Figura 4 - Tomografia computadorizada de abdome com cistos renais

E - Prognóstico
Cerca de metade dos portadores de DRPAD desenvolve
IRCT em torno dos 60 anos. A progressão parece ser maior
entre os homens sem controle da hipertensão arterial, ida-
de precoce no diagnóstico e mutações no DRPAD1. Cerca de
5% de todos os portadores de DRPAD morrem por ruptura
de aneurisma cerebral. A sobrevida média é de 55 e 65 anos
para aqueles com mutações do DRPAD1 e DRPAD2, respec-
tivamente.
O médico deve informar os familiares sobre a nature-
za genética da doença e os benefícios do aconselhamento
para os que apresentem risco de desenvolvê-la.
O screening pré-sintomático deve ser recomendado so-
mente a familiares com indicação clínica (hipertensão arte-
rial precoce, história familiar de aneurisma intracraniano,
prática de esportes físicos de contato e avaliação de risco
de um futuro filho).

3. Doença renal policística autossômica


recessiva

A - Epidemiologia
A Doença Renal Policística Autossômica Recessiva
(DRPAR) leva a IRCT precoce, insuficiência pulmonar e fi-
Figura 3 - Tomografia computadorizada de abdome demonstran- broses hepática e pancreática. Acomete 1:20.000 nascidos
do cistos renais múltiplos vivos.

49
UROLO G I A

B - Genética ca. Seu diagnóstico é feito com o surgimento de 3 a 5 cis-


tos em cada rim, agrupados e com até 3cm de diâmetro.
A DRPAR está associada a mutações do gene PKHD1, lo-
O rim possui tamanho normal ou reduzido, com contornos
calizado no cromossomo 6, que codifica a proteína chamada
regulares.
poliductina. A mutação nesse gene produz alterações na fun-
As manifestações clínicas são sangramento intracisto,
ção ciliar, acometendo rim, fígado, pulmão e pâncreas, além
dor, macro-hematúria e hematoma retroperitoneal. O car-
de desenvolver as respectivas complicações já descritas.
cinoma de células renais está presente em 4 a 7% dos pa-
cientes.
C - Manifestações clínicas
Cistos renais bilaterais, simétricos e com aumento do 5. Nefronoftise e doença medular cística
volume renal, ocorrem geralmente entre a fase pré-natal
e o 1º ano de vida. Podem, também, ser encontrados na As nefronoftises (NF) são doenças autossômicas recessi-
fase adulta (menos frequentes e com quadro clínico mais vas heterogêneas causadas por mutações em pelo menos 4
brando). Essas alterações levam a poliúria, enurese, hipo- genes: NPHP1 (cromossomo 2q13) e NPHP4 (cromossomo
natremia e acidose metabólica hiperclorêmica, podendo 1p36), que causam NF juvenil e codificam a nefrocistina 1 e
chegar a IRCT. 4, respectivamente. A NPHP2 (9q22) causa NF infantil, e a
O oligodrâmnio pode estar presente, e presume-se que NPHP3 (3q22), NF na adolescência. A síndrome de Sênior-
essa seja a causa da hipoplasia pulmonar grave, responsá- Loken (NF e retinite pigmentosa) foi descrita nos pacientes
vel pela maior parte das mortes no 1º ano de vida (30% dos com mutações em NPHP 1,3 e 4.
neonatos). O fenótipo de Potter pode estar presente nesses A Doença Medular Cística (DMC) engloba 3 doenças
casos (hipoplasia pulmonar, anomalias faciais e deformida- de herança autossômica dominante: tipo 1 (DCM1, em
de de coluna e de membros). Os pacientes que sobrevivem cromossomo 1q21), tipo 2 (DCM2) e Nefropatia Familiar
a essa fase terão 50% de chance de desenvolver IRCT na 1ª Hiperuricêmica Juvenil (NFHJ), ambas locadas no cromosso-
década de vida. mo 16p11-13, com mutação no gene UMOD (codifica a uro-
A fibrose hepática leva à hipertensão portal e suas com- modulina).
plicações (varizes esofágicas e hepatoesplenomegalia), e a A NF e a DMC são caracterizadas por rins reduzidos e
fibrose pancreática é mais rara. endurecidos com vários cistos de paredes finas localizados
Os portadores de DRPAR desenvolvem hipertensão ar- na junção corticomedular. Histologicamente, apresentam
terial sistêmica (contribuindo para a falência renal). Outras atrofia tubular e fibrose intersticial difusa. O diagnóstico
complicações conhecidas são infecções, ruptura de cistos e, é realizado por história familiar e ultrassom ou tomografia
raramente, hematúria. computadorizada.
O tratamento consiste em controle da hipertensão arterial
D - Diagnóstico e correção de distúrbios hidroeletrolíticos (hiponatremia). A
IRCT é tratada por diálise crônica e transplante renal.
O diagnóstico baseia-se nas apresentações clínica e ra-
diológica (ultrassom ou tomografia computadorizada) de rins
policísticos e fibrose hepática, com demonstração negativa 6. Rim espongiomedular
nos pais com mais de 30 anos (para diferenciar de DRPAD). Caracteriza-se por dilatações internas congenitamen-
te adquiridas dos ductos coletores papilares e medulares,
E - Tratamento e prognóstico além de hipercalciúria. O diagnóstico é radiológico, com a
O tratamento visa detectar e manejar precocemente apresentação de estriações radiais ou coleções císticas de
as complicações da hipertensão arterial sistêmica (uso de contraste nas papilas renais na urografia excretora.
inibidores da enzima conversora de angiotensina e bloque- A nefrolitíase é a complicação mais importante dessa
adores do canal de cálcio). A IRCT deve ser tratada com di- doença, e infecções e hematúria também podem estar pre-
álise regular e, se possível, com transplante renal. É impor- sentes.
tante realizar tratamento adequado das infecções urinárias.
A hipertensão portal pode exigir uma derivação por- 7. Esclerose tuberosa
tossistêmica ou transplante hepático. E os pacientes aco-
metidos de DRPAR têm sua maior mortalidade no 1º ano É uma doença sistêmica de herança autossômica do-
de vida. Após esse período, a sobrevida aumenta para 50 a minante, com incidência de 1:10.000, caracterizada pela
80% até 15 anos. presença de hamartomas. As mutações estão presentes em
2 genes: TSC1 (cromossomo 9q34) e TSC2 (16p13). Esses
genes são supressores tumorais, que produzem, respectiva-
4. Doença renal cística adquirida mente, a hamartina e a tuberina.
A Doença Renal Cística Adquirida (DRCA) está relacio- Clinicamente, são observados angiofibromas cutâneos,
nada, comumente, aos portadores de IRC em diálise crôni- máculas hipocrômicas e hamartomas no sistema nervoso

50
DOENÇAS CÍSTICAS DO RIM

central (podem estar associados a crises convulsivas e ao 9. Cisto renal simples


retardo mental).
Metade dos portadores de esclerose tuberosa apresen- O Cisto Simples (CS) aumenta a sua frequência com a
ta angiomiolipomas renais (tumores benignos compostos idade, sendo de 33% após os 60 anos. Os cistos costumam
por vasos e tecido muscular e adiposo). Os cistos renais es- ser solitários, porém podem ser múltiplos e/ou bilaterais.

UROLOGIA
tão presentes em 30% dos casos. Variam de tamanho, podendo ter de 1cm a mais de 10cm
O tratamento específico está direcionado aos casos em de diâmetro. A parede do cisto é composta por epitélio
que os hamartomas causam sintomas. Quando há evolução cuboide e paredes finas sem elementos renais no seu in-
para IRC, é necessário o transplante renal. terior.
Os CS podem evoluir com dor ou somente como uma
massa abdominal, até mesmo hematúria (por ruptura).
8. Doença de von Hippel-Lindau Os CS assintomáticos devem somente ser observados.
É uma doença sistêmica de herança autossômica domi- Quando o cisto causa obstrução pielocalicial ou hiperten-
nante, com incidência de 1:36.000 a 1:53.000, caracteriza- são, pode-se considerar o tratamento cirúrgico. A retirada
da por tumores benignos e malignos em diversos órgãos. A da parede do cisto (marsupialização) ou a punção percu-
doença é resultado da mutação no gene supressor tumoral tânea do cisto com aspiração do conteúdo e posterior in-
VHL, localizado no cromossomo 3p25-26. jeção de substância esclerosante são as opções mais co-
A manifestação clínica mais comum é a presença de muns.
hemangioblastomas no cerebelo, na medula e na medula A presença de neoplasia (20%), concomitantemente
oblonga. Carcinoma de células renais e cistos renais (tama- a cistos renais, aumentou o interesse em diagnosticar os
nho e número variável) estão presentes em cerca de 60% cistos e em, eventualmente, tratá-los com maior precoci-
dos portadores de von Hippel-Lindau. dade.
Em 1986, Bosniak dividiu os cistos renais simples em 4
categorias (conforme o aspecto radiológico) para melho-
rar o seu controle.

Figura 5 - Tomografias computadorizadas de abdome

Exames de imagem periódicos auxiliam na detecção de Figura 6 - TC de abdome evidenciando cisto simples mesorrenal:
neoplasias mais precocemente. (A) com contraste e (B) sem contraste

51
UROLO G I A

Figura 9 - TCs de abdome com contraste, evidenciando tipo IIF:


septos ou paredes finas não mensuráveis por contraste são iden-
tificados, margens bem definidas, conteúdo intracístico que não
contrasta. Lesões com alta probabilidade de serem benignas, mas
que exigem acompanhamento mais próximo
Figura 7 - TC de abdome, evidenciando tipo I: cisto simples e benigno
com interior líquido sem debris, paredes finas e margem bem definida:
o tratamento é conservador: (A) sem contraste e (B) com contraste

Figura 10 - TC de abdome, evidenciando tipo III: lesões mais complica-


Figura 8 - TCs de abdome com contraste, evidenciando tipo II: le- das, que apresentam calcificações mais extensas, paredes mais espes-
sões císticas benignas pouco complicadas, como discreta septa- sas e septações mais frequentes, sugerindo serem multiloculares ou
ção, pequenas calcificações, alta densidade no seu interior: esses infecção crônica: o tratamento cirúrgico deve ser questionado consi-
casos não requererão cirurgias derando cada caso – (A) com contraste e (B) sem contraste

52
DOENÇAS CÍSTICAS DO RIM

UROLOGIA
Figura 11 - TCs de abdome, evidenciando tipo IV: tumores císticos malignos com indicação de tratamento cirúrgico

10. Resumo
Quadro-resumo
História Idade de ↑ dos Causa
Doença Frequência Produto gênico Outras manifestações
familiar início rins de IRT
Cistos hepáticos, aneurismas cerebrais, hi-
1:400 a Policistina 1
DRPAD Sim (AD) 20 a 30 anos Sim Sim pertensão, prolapso válvula mitral, cálculos
1:1.000 (85%) e 2 (15%)
renais, ITU
1:6.000 a 1º ano de Fibrose hepática, hipoplasia pulmonar, hi-
DRPAR Sim (AR) Poliductina Sim Sim
1:10.000 vida pertensão
Infância/
NF Sim (AR) 1:80.000 Nefrocistina Não Sim Anomalia na retina, no osso e no cerebelo
adolescência
DMC Sim (AD) Rara Uromodulina Adulta Não Sim Hipertensão
1:5.000 a
REM Não - 30 anos Não Não Hipercalciúria, cálculos renais
1:20.000
Hamartina
Ca de células renais, angiomiolipomas, con-
ET Sim (AD) 1:10.000 (TSC1) e tuberi- Infância Raro Raro
vulsões, hipertensão
na (TSC2)

VHL Sim (AD) 1:40.000 Proteína VHL 20 anos Raro Raro Ca de células renais, feocromocitoma

90% dos pa- 8 anos após


DRCA Não - Raro Não Nenhuma
cientes IRC IRC
33% após 60
CS Não - Adulto Não Não Nenhuma
anos
DRPAD = Doença Renal Policística Autossômica Dominante; AD = Autossômica Dominante; DRPAR = Doença Renal Policística Autossômica
Recessiva; AR = Autossômica Recessiva; NF = nefronoftise; DMC = Doença Medular Cística; ET = Esclerose Tuberosa; VHL = síndrome de
von Hippel-Lindau; DRCA = Doença Renal Cística Adquirida; CS = Cisto Simples.

53
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

9
Abscesso renal

Roberto Gomes Junqueira

1. Abscesso renal cortical (carbúnculo coletor. A hemocultura é comumente negativa, podendo ter
hiperglicemia e glicosúria frequentes.
renal) c) Estudo de imagem: a tomografia computadorizada,
com ou sem contraste, é o exame mais preciso para o diag-
A - Definição nóstico do abscesso renal. O ultrassom também pode ser
O abscesso renal cortical resulta da disseminação hema- útil; porém, em fase inicial da lesão, pode confundir com
togênica de bactéria proveniente de infecção cutânea ou in- outras lesões (neoplasias).
travascular, na maioria dos casos.
D - Tratamento
B - Etiologia e patogenia O uso de antibioticoterapia em abscessos renais por
Fatores predisponentes como diabetes, uso de drogas e Staphylococcus aureus, muitas vezes, pode ser eficaz e re-
hemodiálise associada à infecção cutânea favorecem o apa- presentar a única forma de tratamento. A drenagem cirúrgi-
recimento do abscesso. ca ainda é a base do tratamento por via percutânea guiada
O abscesso renal cortical resulta em 90% dos casos pelo por ultrassom, tomografia ou cirurgia aberta. Recomenda-
Staphylococcus aureus e é raramente causado por infecção se iniciar o tratamento parenteral com antibióticos e, se não
ascendente. houver resposta clínica favorável em 48 horas, drenagem
A infecção no rim possivelmente resulta da bacteremia cirúrgica, pois se suspeita de um patógeno resistente ou
estafilocócica, que promove múltiplos microabscessos que abscesso perinefrético.
coalescem, resultando no abscesso do parênquima renal,
que usualmente é solitário e unilateral com predomínio do 2. Abscessos renais corticomedulares
rim direito. Esses abscessos podem romper a cápsula renal,
formando um abscesso perinefrético.
A - Definição
C - Achados clínicos São o tipo mais comum de abscesso renal e resultam,
mais frequentemente, de infecção ascendente do trato uri-
a) Sinais e sintomas: apresentação típica de calafrios,
nário. Afetam igualmente os sexos masculino e feminino.
febre, dor em flanco ou abdominal, com irradiação para a
região inguinal ou para a perna, principalmente quando a
B - Etiologia e patogenia
infecção acomete a pelve. Sintomas urinários podem não
aparecer nos estágios iniciais da doença, pois ainda não há Ao contrário dos abscessos corticais, causados pelo
comunicação do carbúnculo com o sistema coletor. Staphylococcus aureus, os abscessos corticomedulares
b) Achados laboratoriais: leucocitose com desvio para a são causados, com maior frequência, por bactérias corali-
esquerda. O exame de urina e a cultura podem ser normais formes, como Escherichia coli, Klebsiella e Proteus. Há fa-
quando não há comunicação entre o abscesso e o sistema tores predisponentes que incluem uropatia obstrutiva, do-

54
ABSCESSO RENAL

ença calculosa, refluxo vesicoureteral, bexiga neurogênica


e diabetes. A infecção renal resulta da ascensão via papila
renal e medula, com progressão para tecido corticomedular
e supuração, podendo evoluir para abscesso perinefrético.

UROLOGIA
C - Achados clínicos
a) Sinais e sintomas: os achados clínicos são inespecífi-
cos e semelhantes aos do carbúnculo renal, porém os sinto-
mas urinários são mais habituais.
b) Achados laboratoriais: são, também, semelhantes
aos achados no carbúnculo renal, porém se diferenciam
por apresentarem exames de urina alterados e uroculturas
positivas. Também nessa doença, as hemoculturas são, em
maior frequência, positivas em relação ao carbúnculo renal.
c) Estudos de imagem: o ultrassom e a tomografia com- Figura 1 - Abscesso perirrenal: exteriorização na região lombar
putadorizada são os exames de maior confiabilidade para o esquerda
diagnóstico.
C - Achados clínicos
D - Tratamento a) Sinais e sintomas: habitualmente, trata-se de uma
O tratamento depende da localização, do tamanho do doença de caráter insidioso, com clínica confusa, podendo
abscesso e do estado geral do paciente. Tanto o carbúnculo ser difícil o diagnóstico precoce. O paciente, em geral, pro-
renal quanto o abscesso corticomedular podem, algumas cura o serviço médico de 2 a 3 semanas após o início dos
vezes, ser tratados clinicamente com antibióticos, sem a sintomas.
Pode-se obter uma história de infecções urinárias recor-
necessidade de drenagem. Esta pode ser necessária, sendo
rentes ou prolongadas. No tipo estafilocócico, quase sem-
por via percutânea ou aberta. Em casos mais graves, pode
pre há uma história de infecção da pele prévia aos sintomas.
ser necessária a nefrectomia.
Febre (sinal universal), dor lombar, sinais de prostração,
escoliose de coluna com concavidade para o lado compro-
3. Abscesso perinefrético metido devido ao espasmo do músculo psoas, perna fletida
sobre o abdome, sinais de massa na região lombar, com a
A - Definição possibilidade de calor e hiperemia.
b) Exames laboratoriais: leucocitose de moderada a
O abscesso perinefrético pode ser definido como uma grave, desvio à esquerda e anemia são achados de hemo-
coleção de material purulento nos tecidos ao redor do rim, grama. A cultura de urina pode ser normal em cerca de 40%
ou seja, entre a cápsula renal e a bainha perirrenal (cápsula dos casos, e a urinálise, apresentar-se normal em cerca de
de Gerota). 30% dos casos ou apresentar piúria e proteinúria.

B - Etiologia e patogenia c) Estudo de imagem

Cerca de 75% dos abscessos perinefréticos são resul-


- Radiológico: raio x de tórax pode demonstrar hemidia-
fragma elevado ou fixo, derrame pleural, abscesso pul-
tado de ruptura de abscessos corticomedulares para o
monar, infiltrado ou atelectasia do lobo inferior;
espaço perirrenal. Assim, os micro-organismos infectan-
tes são os mesmos que causam abscessos intrarrenais:
- Raio x simples de abdome: pode demonstrar massa
em flanco, apagamento de psoas e renal, escoliose da
Staphylococcus (abscesso cortical), bactérias Gram negati-
coluna;
vas como Escherichia coli, Klebsiella e Proteus.
Embora a maior parte dos abscessos seja de origem re-
- Urografia excretora: deslocamento lateral do polo do
rim ou parte dele pelo abscesso, retardo de excreção
nal, outras causas podem levar a um abscesso perirrenal,
do contraste, sinais de calculose e hidronefrose;
como micobactéria, bactérias anaeróbias obrigatórias e
fungos (Candida). Em cerca de 25%, as culturas desenvol- - Tomografia computadorizada e ultrassom: são os me-
vem várias bactérias diferentes no mesmo material que é lhores exames para diagnóstico e avaliação da exten-
são da doença.
enviado para exame.
Em geral, o abscesso restringe-se à fáscia de Gerota,
mas pode expandir-se amplamente pelo retroperitônio, in-
D - Tratamento
clusive com sinais de flogose na região lombar, hoje mais O tratamento envolve a combinação de antibioticotera-
raramente (Figura 1). pia com manejo cirúrgico. A mortalidade está diretamente

55
UROLO G I A

associada a retardo de diagnóstico e tratamento adequado. Abscessos corticomedulares


A drenagem do abscesso via cirurgia aberta ou percutânea - Estudos de imagem: ultrassom e tomografia computadorizada;
é indicada, além de nefrectomia, caso seja necessário. - Tratamento:
· Podem ser tratados clinicamente com antibióticos, sem a necessi-
dade de drenagem;
4. Resumo · A drenagem pode ser necessária, por via percutânea ou aberta;
· Em casos mais graves, pode ser necessária a nefrectomia.
Quadro-resumo
Abscesso perinefrético
Abscesso renal cortical (carbúnculo renal)
- 75% dos abscessos perinefréticos são resultado de ruptura de abs-
- O abscesso renal cortical resulta da disseminação hematogênica cessos corticomedulares para o espaço perirrenal;
de bactéria proveniente de infecção cutânea ou intravascular;
- Os micro-organismos infectantes são os mesmos que causam abs-
- 90% dos casos pelo Staphylococcus aureus, raramente causado cessos intrarrenais: Staphylococcus (abscesso cortical), bactérias
por infecção ascendente; Gram negativas como Escherichia coli, Klebsiella e Proteus;
- Múltiplos microabscessos que coalescem, resultando no absces- - Outras causas: micobactéria, bactérias anaeróbias obrigatórias e
so do parênquima renal, que usualmente é solitário e unilateral fungos (Candida). Em cerca de 25%, as culturas desenvolvem vá-
com predomínio do rim direito. Esses abscessos podem romper rias bactérias diferentes no mesmo material que é enviado para
a cápsula renal, formando um abscesso perinefrético; exame;
- Achados clínicos: - Em geral, o abscesso restringe-se à fáscia de Gerota, mas pode ex-
· Sinais e sintomas: calafrios, febre, dor em flanco ou abdominal. pandir-se amplamente pelo retroperitônio inclusive com sinais de
Sintomas urinários podem não aparecer nos estágios iniciais da flogose na região lombar, hoje mais raramente;
doença, pois ainda não há comunicação do carbúnculo com o
- Coleção de material purulento nos tecidos ao redor do rim, entre a
sistema coletor;
cápsula renal e a bainha perirrenal (cápsula de Gerota).
· Achados laboratoriais: leucocitose com desvio para a esquer-
da, e o exame de urina e a cultura podem ser normais quando - Sinais e sintomas: caráter insidioso, com clínica confusa, poden-
não há comunicação entre o abscesso e o sistema coletor. A he- do ser difícil o diagnóstico precoce. O paciente, em geral, procu-
mocultura é comumente negativa, podendo ter hiperglicemia ra o serviço médico 2 a 3 semanas após o início dos sintomas.
e glicosúria frequentes; Pode-se obter uma história de infecções urinárias recorrentes ou
· Estudo de imagem: a tomografia computadorizada, com ou sem prolongadas. No tipo estafilocócico, quase sempre há uma histó-
contraste, é o exame mais importante para o diagnóstico do abs- ria de infecção da pele prévia aos sintomas. Febre (sinal univer-
cesso renal. O ultrassom também pode ser útil, porém, em fase sal), dor lombar, sinais de prostração, escoliose de coluna com
inicial da lesão, pode confundir com outras lesões (neoplasias). concavidade para o lado comprometido devido ao espasmo do
músculo psoas, perna fletida sobre o abdome, sinais de massa
- Tratamento:
na região lombar, com a possibilidade de calor e hiperemia.
· Antibioticoterapia em abscessos renais por Staphylococcus au-
reus, muitas vezes, pode ser eficaz e representar a única forma - Exames laboratoriais: leucocitose de moderada a grave, desvio
de tratamento; à esquerda e anemia são achados de hemograma. A cultura de
· Recomenda-se iniciar o tratamento parenteral com antibióticos urina pode ser normal em cerca de 40% dos casos, e a urinálise,
e, se não houver resposta clínica favorável em 48 horas, drena- apresentar-se normal em cerca de 30% dos casos ou apresen-
gem cirúrgica, pois se suspeita de um patógeno resistente ou tar piúria e proteinúria;
abscesso perinefrético. - Estudo de imagem:
Abscessos corticomedulares · Radiológico: raio x de tórax pode demonstrar hemidiafragma
elevado ou fixo, derrame pleural, abscesso pulmonar, infiltrado
- Tipos mais comuns de abscesso renal;
ou atelectasia do lobo inferior;
- Resultam, mais frequentemente, de infecção ascendente do · Raio x simples de abdome: pode demonstrar massa em flanco, apa-
trato urinário; gamento de psoas e renal, escoliose da coluna;
- Afetam igualmente os sexos masculino e feminino; · Urografia excretora: deslocamento lateral do polo do rim ou
- Etiologia: maior frequência, por bactérias coraliformes, como parte dele pelo abscesso, retardo de excreção do contraste, si-
Escherichia coli, Klebsiella e Proteus; nais de calculose e hidronefrose;
· Tomografia computadorizada e ultrassom: são os melhores exa-
- Fatores predisponentes: uropatia obstrutiva, doença calculosa, mes para diagnóstico e avaliação da extensão da doença.
refluxo vesicoureteral, bexiga neurogênica e diabetes;
- Tratamento:
- A infecção renal resulta da ascensão via papila renal e medula, · Combinação de antibioticoterapia com manejo cirúrgico;
com progressão para tecido corticomedular e supuração, po- · A mortalidade está diretamente associada a retardo de diagnós-
dendo evoluir para abscesso perinefrético; tico e tratamento adequado;
- Sinais e sintomas: são inespecíficos e semelhantes aos do carbúncu- · A drenagem do abscesso via cirurgia aberta ou percutânea é
lo renal, porém os sintomas urinários são mais frequentes; indicada, além de nefrectomia, caso seja necessária.
- Achados laboratoriais: semelhantes aos achados no carbúnculo
renal, porém se diferenciam por apresentarem exames de urina
alterados e uroculturas positivas. Hemoculturas são, em maior
frequência, positivas em relação ao carbúnculo renal;

56
CAPÍTULO

10
Câncer renal

Ernesto Reggio

1. Introdução dos casos. Podem também ocorrer febre, fadiga, perda de


peso, sudorese noturna e hipertensão.
O rim pode ser acometido de neoplasia proveniente do O tumor renal pode se apresentar associado a diversas
tecido parenquimatoso ou do sistema excretor. O câncer síndromes paraneoplásicas, como eritrocitose, hipercalce-
renal parenquimatoso se origina no epitélio renal e cor- mia, hipertensão por produção aumentada de renina e in-
responde a 85% das neoplasias que acometem este órgão, suficiência hepática aguda reversível após tratamento (sín-
denominada carcinoma de células renais. No Brasil, a inci- drome de Stauffer).
dência é de 7 a 10 casos por 100.000 habitantes/ano nas A evolução dos métodos de imagem alterou radicalmen-
áreas mais industrializadas. Homens apresentam o dobro te o diagnóstico e o tratamento do tumor renal, pois cada
da incidência das mulheres, e a frequência é maior na 7ª e vez mais as lesões são diagnosticadas em fase precoce. No
na 8ª décadas de vida. passado, o principal exame de diagnóstico era a urografia
Tabela 1 - Principais fatores de risco para o câncer renal excretora, com sensibilidade e especificidade baixas para
tumores na fase inicial. O emprego da ultrassonografia em
- Tabagismo;
diversas especialidades aumentou o diagnóstico de lesões
- Hipertensão arterial sistêmica;
renais sólidas assintomáticas; 2/3 das lesões localizadas são
- Obesidade; identificados em exames rotineiros de ultrassonografia.
- Uso crônico de diuréticos tiazídicos e furosemida; Vale lembrar que as lesões tumorais renais nem sempre
- Exposição a asbesto e derivados de petróleo; são malignas, existindo uma grande variedade de lesões cís-
- Doença renal cística adquirida em pacientes com insuficiência ticas e mesmo sólidas benignas. Na Tabela 2, estão descri-
renal crônica em hemodiálise; tos os principais tumores renais, sendo inclusas, também,
- Predisposição genética a partir de algumas síndromes, como lesões benignas, cujo tratamento é diferente do tratamento
von Hippel-Lindau. do câncer renal, visto que na maioria dos casos a conduta
mais adequada compreende a observação e o acompanha-
2. Apresentação clínica e diagnóstico mento periódico com exames de imagem. Apenas quando
estas lesões atingem maiores dimensões e provocam sinto-
Na fase inicial, os tumores renais são frequentemente mas ou, no caso dos angiomiolipomas, pelo risco de sangra-
assintomáticos. Atualmente, mais de 50% dos tumores são mento, há necessidade de intervenção.
achados incidentais de exames de imagem. Entretanto, ain-
da um número significativo das lesões é descoberto somen- Tabela 2 - Classificação dos tumores renais
te nas fases mais avançadas. Benignos
A tríade clássica da apresentação clínica do tumor renal - Cistos simples;
é composta por hematúria, massa palpável e dor em flanco,
- Adenoma;
porém atualmente essa apresentação é cada vez mais rara.
Hematúria, o sinal clínico mais comum, ocorre em até 60% - Oncocitoma;

57
UROLO G I A

Benignos Tabela 3 - Tipo celular, prevalência e agressividade


- Angiomiolipoma; Tipo de célula Prevalência Agressividade
- Pielonefrite xantogranulomatosa. Células claras 75% ++++
Malignos Papilar 15% +++
- Carcinoma de células renais; Células cromófobas 5% +
- Sarcoma; Ducto coletor 2% +++++
- Carcinoma de urotélio (células transicionais);
O estadiamento do câncer de rim, proposto em 1960 por
- Tumor de Wilms. Robson, foi utilizado por vários anos (Figura 2). Entretanto,
por uma avaliação equivocada da importância do acome-
O exame de escolha para a avaliação de lesões renais timento venoso na evolução da doença, esse sistema de
sólidas é a tomografia computadorizada do abdome (Figura estadiamento foi suplantado pelo sistema TNM (Tabela 4
1), que permite avaliar as dimensões da lesão renal, pro- e Figura 3).
gramar ressecções parciais em lesões pequenas e distantes
do hilo renal, avaliar o acometimento de órgãos adjacen- Tabela 4 - Estadiamento TNM para câncer renal
tes, como fígado, cólon, além do acometimento linfonodal. T1 Tumor <7cm confinado à cápsula renal
Trombo venoso neoplásico é comum em lesões mais avan- T1a Tumor ≤4cm
çadas, e, nesses casos, a tomografia convencional pode não T1b Tumor entre 4 e 7cm
fornecer dados suficientes. Atualmente, as reconstruções T2 Tumor ≥7cm confinado à cápsula renal
em 3 dimensões e as tomografias multislice permitem um
T3a Tumor com extensão aos tecidos perirrenais ou à adrenal
melhor estudo das lesões com trombo neoplásico, porém ipsilateral, porém limitado à fáscia de Gerota
a ressonância nuclear magnética continua a ser o melhor
T3b Invasão da veia renal ou invasão da veia cava inferior (in-
exame para avaliação venosa. fradiafragmática)
T3c Invasão da veia cava inferior (supradiafragmática)
N Envolvimento linfonodal
Nx Linfonodos não podem ser avaliados
N0 Sem metástase em linfonodo regional
N1 Linfonodo isolado regional
N2 Linfonodo em mais de 1 linfonodo regional
Envolvimento venoso e linfonodal
T4 Extensão além da fáscia de Gerota (exceto adrenal ipsila-
teral)

Figura 1 - Tomografia computadorizada de abdome demonstran-


do lesão sólida com captação heterogênea de contraste pelo rim
esquerdo (seta), imagem característica da neoplasia renal

Os exames de imagem contêm elevada acurácia no diag-


nóstico dos tumores renais, de modo que, perante o achado
de tumores renais sólidos à tomografia computadorizada
abdominal, não há indicação de avaliação histológica pré-
-operatória por biópsia com agulha, por exemplo, devido
à alta sensibilidade e especificidade do exame de imagem
para diagnóstico de neoplasia renal.
O carcinoma de células renais é o tipo histológico mais
habitual em adultos e apresenta diversos tipos celulares,
com comportamento biológico e agressividade heterogê-
neas, como descrito na Tabela 3. Figura 2 - Estadiamento de Robson

58
CÂNCER RENAL

UROLOGIA
Figura 3 - Estadios no órgão acometido

3. Tratamento
O câncer renal responde mal ao tratamento com radio-
terapia e quimioterapia, tornando o único tratamento efe-
tivo a extirpação cirúrgica da lesão. A nefrectomia radical,
que consiste na remoção do órgão e de tecidos perirrenais
envolvidos pela fáscia de Gerota, é o tratamento mais fre-
quentemente realizado. A remoção obrigatória da glândula
suprarrenal em todos os casos é ainda um tema controver-
so, assim como a linfadenectomia. A 1ª padronização da
nefrectomia radical foi, como o estadiamento, realizada por
Robson em 1963 (Figura 4), tendo popularizado a técnica
em virtude da melhoria dos resultados.

Figura 5 - (A) Lesão sólida com componente cístico associado e (B)


produto da nefrectomia radical laparoscópica

As ressecções apenas da lesão, pela nefrectomia parcial,


têm ganhado espaço nos últimos anos. Inicialmente, foram
realizadas em portadores de tumores renais bilaterais, tu-
mores em rim único e em pacientes com função renal limí-
trofe, a fim de preservar o máximo de tecido renal. Todavia,
tumores menores que 4cm, localizados nas extremidades
do rim, são frequentemente tratados por nefrectomia par-
Figura 4 - Nefrectomia radical padronizada por Robson em 1963 cial com resultados satisfatórios. O procedimento é reali-
O acesso ao rim pode ser realizado por laparotomia e zado com clampeamento do pedículo renal para controle
lombotomia, e por via laparoscópica, com resultados ci- do sangramento, ressecção da lesão com margem de segu-
rúrgicos semelhantes; o acesso toracoabdominal é descri- rança e sutura da via excretora e controle hemostático dos
to para grandes massas tumorais, uma vez que permite a pequenos vasos. Atualmente, pela evolução dos equipa-
abordagem mais segura dos grandes vasos. O tratamento mentos em cirurgia minimamente invasiva, a nefrectomia
por via laparoscópica é considerado o padrão-ouro, com parcial laparoscópica apresenta resultados idênticos aos da
menor morbidade e resultados oncológicos iguais ou até cirurgia convencional, tendo sido empregada nos centros
mesmo superiores em algumas séries (Figura 5). mais avançados cotidianamente.

59
UROLO G I A

Figura 6 - Lesão em polo inferior com dimensões e localização que


permitem nefrectomia parcial

Figura 9 - Controle tomográfico da posição da agulha, já dentro do


tumor renal, para realização da ablação

4. Resumo
Quadro-resumo
- Hematúria, dor, tumor (tríade clássica),
Diagnóstico atualmente muitos por achado em exames
de imagem.
Figura 7 - Técnica da nefrectomia parcial Tipo histológico - Carcinoma de células claras.
A ablação de tumores renais por diferentes formas de Estadiamento - Tomografia de abdome, raio x de tórax.
energia tem sido amplamente estudada. Crioterapia e ra- - Nefrectomia radical;
diofrequência são as principais fontes de energia utilizadas Tratamento - Nefrectomia parcial para lesões pequenas;
e têm, como grande vantagem, a preservação de tecido re- - Quimioterapia para doença metastática.
nal (Figuras 8 e 9).
Novas formas de quimioterapia recentemente foram
introduzidas com bons resultados iniciais, como o sunitini-
be. Pacientes com doença avançada e metastática evoluem
com melhora dos sintomas e regressão parcial das lesões.
Pesquisas com imunoterapia, interferon e interleucinas têm
sido desenvolvidas com o objetivo de tratar tumores me-
tastáticos.

Figura 8 - Planejamento em tomografia computadorizada para


punção renal e ablação

60
CAPÍTULO

11
Imagens em Urologia

Marcelo José Sette

1. Introdução - Imagem contemplando todo o abdome do paciente


(panorâmica);
Os métodos de imagem são cada vez mais importantes - Imagem localizada das lojas renais com maior penetração
para a elucidação diagnóstica de inúmeras doenças. Obser- do raio x para ter maior visibilização das unidades renais;
vamos que a melhoria desses métodos tem corroborado
com o diagnóstico e o tratamento da maioria das doenças
- Imagem localizada, na região da bexiga.
do trato geniturinário. Este método procura avaliar a presença de calcificações
Vamos dividir os métodos diagnósticos em radiologia patológicas urinárias, gastroenterológicas, esqueléticas ou
convencional, ultrassonografia, tomografia computadoriza- eventual corpo estranho.
da, ressonância magnética e medicina nuclear.

2. Radiologia
Os raios x são absorvidos pelo corpo humano de forma
irregular, dependendo da estrutura que atravessam. Por
esse motivo, observamos variações entre a parte óssea
(atenuam os raios com maior intensidade) e o gás den-
tro das alças intestinais (atenuam menos). Essas variações
são observadas no exame de raio x pela intensidade da
cor cinza (mais claro, estruturas sólidas, e mais escuro,
estruturas líquidas e, por último, as gasosas). A limitação
do método está relacionada à nitidez do órgão em estudo
(comparado a exames mais modernos) e também ao fato
de demonstrar imagens bidimensionais de estruturas tri- Figura 1 - (A) Raio x simples de cálculo renal bilateral; (B) cálculo
dimensionais. no ureter proximal (seta azul) de rim “em ferradura” (bordo renal,
A radiologia digital é um avanço da radiologia conven- seta amarela)
cional, pelo qual podemos melhorar a qualidade da imagem
com menor radiação para as gônadas do paciente, poden- Tabela 1 - Principais indicações para raio x simples
do, inclusive, subtrair as imagens menos importantes, dan- - Calcificações urinárias e não urinárias (principalmente
do assim mais ênfase ao que se deseja. litíase urinária);
- Suspeita de corpo estranho abdominal;
a) Radiografia simples de abdome
- Doenças gastroenterológicas radiopacas ou com efeito
Em Urologia, preferimos utilizar a técnica de radiografia
de massa;
denominada RUB (Rins, Ureter e Bexiga), que é composta
por 3 incidências diferentes: - Doenças ósseas.

61
UROLO G I A

b) Urografia Excretora (UE) - Hematúria;


Exame que tem como principal interesse estudar a anato- - Infecção urinária de repetição.
mia das vias excretoras com razoável avaliação da função renal.
As indicações mais comuns, atualmente, para este mé- c) Uretrocistografia retrógrada
todo são: litíase e/ou obstrução urinária alta (acima da bexi- Infusão de contraste pela uretra sob leve pressão de-
ga), infecção urinária de repetição ou hematúria. monstrando a morfologia da uretra e da bexiga.
As contraindicações são: alergia a contraste, insuficiên- Este exame demonstra lesões uretrais (estenose, di-
cia renal, gestação e mieloma múltiplo. vertículo, próstata obstrutiva, fístula, lesões traumáticas) e
As reações ao meio de contraste (iodo) ocorrem entre vesicais (divertículos, trabeculações, neurogênica, refluxo
5 e 8% dos casos. A maioria apresenta reações leves (náu- vesicoureteral, hiperplasia prostática, tumorações, fístulas).
sea, vômito, taquicardia, prurido). Entre 1 e 2% das reações
são moderadas (edemas facial e laríngeo, broncoespasmo) d) Uretrocistografia miccional
e entre 0,05 a 0,1% são graves (parada cardiorrespiratória, É o exame que demonstra o contraste iodado sendo eli-
edema de glote, convulsão, choque por hipotensão). minado da bexiga pela uretra. Pode ser feito introduzindo
A técnica é baseada em realizar radiografia simples pa- sonda uretral e infundindo contraste diretamente na bexi-
norâmica, inicialmente para avaliar alguma concreção no ga, ou como 2ª fase da uretrocistografia retrógrada. Quan-
trato urinário. Realizam-se infusão em bolo de contraste do não é possível infusão via uretral, pode-se realizar pun-
iodado, no 1º minuto, e clichês com cortes planigráficos ção suprapúbica.
(nefrotomografia). Após 5 minutos, nova imagem na fase Indica-se o exame na suspeita de anomalias congênitas
nefrográfica (avalia contorno e função renal). Em 10 minu- (válvula de uretra posterior), infecção (refluxo vesicoureteral),
tos, imagem panorâmica para avaliar opacificação de vias enurese, hematúria, bexiga neurogênica, estenose de uretra.
excretoras e ureter, seguida por localizadas de bexiga cheia Está indicado, também, na avaliação de bexiga desfuncionali-
zada de paciente que será submetido a transplante renal.
e vazia (avaliar formato da bexiga e resíduo pós-miccional).
Após a micção completa, realiza-se clichê na bexiga para
Apresentando demora de opacificação de 1 das 2 uni-
avaliar o resíduo urinário.
dades renais, denominamos de retardo de excreção renal.
Esse diagnóstico sugere obstrução e/ou menor função da Tabela 3 - Principais indicações para uretrocistografia
unidade com retardo. Neste caso, podemos realizar radio- Divertículo, estenose, trauma, retenção urinária,
grafias com até 24h após a infusão do contraste para diag- Uretrais uretrorragia, fístula, congênitas (válvula da uretra
nosticar o fator obstrutivo. posterior).
Esse método tem sido utilizado com menor frequência Divertículo, neurogênica, refluxo vesicoureteral,
nos dias de hoje por apresentar menor acurácia que a to- Vesicais pré-transplante renal, desfuncionalizada, tumor,
trauma, fístula, enurese.
mografia computadorizada.

e) Pielografia anterógrada e retrógrada


- Anterógrada: punção percutânea pielocalicial e infu-
são de contraste no sistema coletor urinário para ava-
liar anatomia;
- Retrógrada: introdução de cateter via endoscópica pelo
ureter e injeção de contraste pela via excretora também
avaliam a anatomia do ureter e da pelve renal.

Figura 2 - (A) UE demonstrando cálculo no ureter distal esquerdo


(seta amarela) e (B) cálculo no cálice inferior esquerdo

Tabela 2 - Principais indicações para urografia excretora


- Litíase urinária;
- Anomalias congênitas do trato urinário alto;
- Trauma do trato urinário (menos utilizado atualmente); Figura 3 - Pielografia retrógrada (cateter intrapiélico), mostrando
cálculo radiotransparente na junção ureteropiélica (seta azul) e
- Obstrução aguda ou crônica do trato urinário alto; agulha para punção percutânea de cálculo no cálice médio

62
I M A G E N S E M U R O LO G I A

Tabela 4 - Principais indicações de pielografia É um exame muito útil para a realização de drenagem
- Obstrução do trato superior (estenose ureteral); percutânea de cistos ou abcessos, bem como para a realiza-
- Fístula urinária; ção de biópsias (exemplos: renal, prostática).
- Opacificação do trato para auxiliar punção e procedi-

UROLOGIA
mento percutâneo;
- Avaliar pressão intrapiélica (em desuso atualmente);
- Avaliar anatomia e drenagem renal pós-procedimento
cirúrgico.

f) Angiografia
Avaliação de anomalias vasculares do aparelho urinário
(fístulas arteriais, venosas, neoformações ou estenoses).
Seu emprego atualmente está limitado a suspeita de doen-
ça renovascular, estudo arterial prévio a nefrectomia parcial
ou doador renal.
Pela facilidade de realizar tomografia com melhor quali-
dade de imagem (multislice), a angiografia tem sido menos
utilizada.
A aortografia abdominal (aortorrenal) avalia a perfusão
do rim estudado. Angiografia renal seletiva avalia perfusão de
uma área específica do rim. Cavografia inferior observa pre-
sença de oclusão venosa intrínseca ou extrínseca, bem como
anomalias congênitas. Flebografia renal seletiva para avaliar
fístulas venosas (causa de hematúria). Coleta de sangue de
veias renais, adrenais e testicular serve para testes específicos.
Tabela 5 - Principais indicações para angiografia

- Hipertensão renovascular;
- Avaliação de doador renal;
- Mapeamento arterial pré-operatório;
- Suspeita de obstrução do pedículo renal (trauma);
Figura 4 - (A) Ultrassonografia de rim com dilatação piélica e (B)
- Diagnóstico e tratamento de fístula arterial ou venosa; dilatação do ureter demonstrando o cálculo próximo à bexiga
- Pré-embolização renal (tumor ou trauma); (seta azul)
- Pesquisa de doenças vasculares renais (exemplo: heman-
giomas).

3. Ultrassonografia
É um método muito popular na Urologia, pois é um exa-
me não invasivo, rápido, seguro e com boa acurácia quando
realizado por um profissional competente.
Com ele, podem-se avaliar o formato, a textura e a fun-
cionalidade (Doppler em rim e testículo) dos órgãos do siste-
ma urinário, além de verificar a presença de neoformações
(vasculares, tumorais, infecciosas, líquidas), hidronefrose e
resíduo vesical, entre muitas outras indicações.
A litíase renal tem na ultrassonografia um exame mui-
to útil, pois avalia tamanho, localização, dilatação do trato
urinário e espessura do parênquima renal. Pode ser feito
em gestantes sem riscos da irradiação dos demais méto-
dos. Esse exame fica limitado aos casos de cálculo no ureter
médio, pois a presença de gases intestinais impossibilita a Figura 5 - Ultrassonografia de bexiga demonstrando lesão neoplá-
avaliação. sica (seta azul)

63
UROLO G I A

Tabela 6 - Principais indicações para ultrassonografia


Litíase, obstrução, abscesso, cistos, tumores
Rim (malignos e benignos), parênquima renal, guia
para biópsia ou punção.
Litíase, obstrução (limitado pelos gases intesti-
Ureter
nais).
Tumores, litíase, bexiga neurogênica, resíduo
Bexiga
vesical, corpo estranho, divertículos.
Tamanho, tumor, abscesso, guia para biópsia,
Próstata
hiperplasia prostática.
Testículo/bol- Torção, inflamatório, hidrocele, tumor, hérnia
sa escrotal inguinal, varicocele.

4. Tomografia computadorizada
A Tomografia Computadorizada (TC) tem se tornado um
método cada vez mais importante no armamentário diag-
nóstico urológico. Avalia detalhadamente a anatomia de
partes moles e de estruturas ósseas. Mede os graus de ate-
nuação dos tecidos do organismo e traduz-se pelas respec-
tivas densidades através da escala de Hounsfield (variações
da cor cinza). Por definição arbitrária, o valor zeroUH refere-
-se a água, -1.000UH refere-se ao ar (cinza muito escuro) e
+1.000UH refere-se ao osso compacto (cinza muito claro).
Todos os tecidos possuem densidade entre o ar e o osso,
variando de pontuação entre -1.000UH e +1.000UH. Por
exemplo, cisto renal simples pode ter densidade próxima a
zero e massa sólida renal +60UH.
Para avaliação de perfusão de um órgão como o rim,
podem-se realizar a injeção de contraste iodado e definir a
anatomia do parênquima renal, além de avaliar parcialmen- Figura 6 - (A) Tomografia computadorizada demonstrando cálculo
te a função deste órgão. O estudo renal completo compre- no cálice inferior (seta amarela); (B) em fase angiográfica e (C)
ende 4 fases: fase pré-contraste e pós-contraste, sendo esta sem contraste em reconstrução tomográfica
dividida em cortical, medular e excretora.
Técnicas de análise tardias e uso de aparelhos mais mo-
dernos (multislice) vêm melhorando de forma exponencial
o diagnóstico das mais variadas doenças urológicas.

Figura 7 - Reconstrução da imagem anterior de tomografia

Tabela 7 - Principais indicações para tomografia computadorizada


Tumor, abscesso, litíase, avaliação do parên-
Rim quima renal, trauma, obstrução intrínseca e
extrínseca, guia de biópsia, hematúria.
Obstrução intrínseca e extrínseca, litíase, fís-
Ureter
tula (sem limitação dos gases intestinais).

64
I M A G E N S E M U R O LO G I A

Bexiga Tumor, litíase, corpo estranho, fístula. Tabela 8 - Principais indicações para ressonância magnética
Próstata Tamanho, abscesso, tumor. - Pacientes alérgicos ao iodo com indicação de tomografia
(menos adequado para litíase);
Estadiamento de tumores urogenitais, abs-
Retroperitônio - Avaliação do plano de clivagem de tumor e estadiamento;
cessos.

UROLOGIA
- Tumores com extensão intravascular;
5. Ressonância magnética - Massas adrenais e linfonodos retroperitoneais;
A Ressonância Magnética (RM) é um método que uti- - Estadiamento do tumor de próstata (coil endorretal);
liza o campo magnético produzido pelo órgão em estudo - Angiorressonância (ex.: doença renovascular);
para definir seu formato e sua densidade. O contraste é o - Urorressonância para fatores obstrutivos.
gadolínio, que não é nefrotóxico (porém, em pacientes com
função renal debilitada, pode causar fibrose sistêmica ne-
frogênica), diferentemente da tomografia, que emite radia-
6. Medicina nuclear
ção e utiliza contraste à base de iodo para definir a forma. A Medicina Nuclear (MN) objetiva identificar tecidos vi-
A ressonância possui uma excelente resolução para de- áveis e quantificar a atividade metabólica e funcional des-
terminadas avaliações, como massas tumorais, plano de ses tecidos. Não oferece muita acurácia para definir a ana-
clivagem ou extensão de tumores intravasculares. O uso de tomia do órgão estudado.
coil endorretal tem sido importante para definir a presença Diferentemente dos métodos já descritos, a MN neces-
de tumor extraprostático. sita que o paciente receba radiofármacos, que serão cap-
A sensibilidade para litíase ou concreções à base de cál- tados pelos órgãos desejados e, na sequência, “lidos” pela
cio é pequena, portanto não é um exame importante no câmara de cintilação, que definirá o quanto e como o órgão
diagnóstico de cálculo renal. está funcionando.
O funcionamento do rim é o maior interesse da Urologia
com a MN. Os radiofármacos mais utilizados são DTPA-99Tc,
DMSA-99Tc e MAG3-99Tc.
- DTPA-99Tc (ácido dieteleno-triamino-penta-acético
marcado com tecnécio 99m): é excretado exclusiva-
mente por filtração glomerular (sem ser reabsorvido),
possui fase angiográfica e posterior, estudo dinâmico
com renograma quantificando e comparando a filtra-
ção renal bilateral. Na suspeita de hipertensão reno-
vascular, o uso de captopril durante o exame demons-
tra hipoperfusão do lado da estenose renal;
- DMSA-99Tc (ácido dimercaptossuccínico, marcado com
tecnécio 99m): este radiofármaco é filtrado e reabsor-
vido pelo túbulo proximal. É a droga de escolha para
realizar imagens do córtex renal e estimar a massa de
Figura 8 - RM de próstata demonstrando nódulo (seta) de origem parênquima renal funcionante bilateral, demonstran-
tumoral do, assim, a presença de cicatrizes renais;
- MAG3-99Tc (ácido dimercaptossuccínico, marcado
com tecnécio 99m): pode ser utilizado nas mesmas
situações em que se utiliza o DMSA. Possui secreção
tubular. Seu uso fica mais limitado por apresentar
um custo elevado.

Figura 9 - RM de abdome demonstrando tumor renal (seta azul) e


metástase hepática (seta amarela)

65
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

12
Prostatites

Roberto Gomes Junqueira

1. Introdução - Disseminação linfática por meio do reto;


- Disseminação hematogênica de sítios distantes;
As prostatites são a 3ª doença da próstata, de alta inci- - Ascensão a partir da uretra.
dência, tratamento difícil e resultados frustrantes. São de
alta morbidade, causam dor pélvica crônica e sintomas mic- C - Etiologia
cionais, podendo levar a disfunção sexual e infertilidade, e
podem ser classificadas conforme a presença ou não de bac- Os agentes bacterianos mais comuns são os Gram ne-
térias (Gram negativas; alguns autores sugerem Chlamydia e gativos aeróbios, principalmente Escherichia coli (85%) e
Mycoplasma), recorrência e alterações laboratoriais. Pseudomonas.
Tabela 1 - Classificação das prostatites segundo o NIH D - Achados clínicos
Categoria I - Prostatite bacteriana aguda.
Categoria II - Prostatite bacteriana crônica. a) Sintomas: quadro agudo de dores na região suprapú-
bica, flancos e períneo, febre, calafrios, polaciúria, noctúria,
- Prostatite crônica abacteriana;
Categoria III disúria, urgência miccional, dor ao ejacular e grau variável
- Síndrome da dor pélvica crônica.
de obstrução urinária.
Categoria IIIa - Síndrome dolorosa pélvica inflamatória.
b) Sinais: urina turva, fétida, febre e, ao toque retal, prós-
Categoria IIIb - Síndrome dolorosa pélvica não inflamatória. tata amolecida e extremamente dolorosa. Hemospermia
Categoria IV - Prostatite inflamatória assintomática. pode estar presente, assim como hematúria macroscópica.
c) Exames laboratoriais: hemograma com leucocito-
2. Prostatite bacteriana aguda – categoria I se e urinálise com leucocitúria, hematúria e bacteriúria.
Secreção prostática com muitas bactérias após toque retal,
A - Definição o que deve ser evitado pela possibilidade de provocar bac-
teremia e pela dor intensa. O antígeno prostático específico
A prostatite bacteriana aguda é definida como infecção
aguda da glândula prostática, geralmente associada à cistite (PSA) em geral está elevado. Diminui a níveis normais após
aguda e podendo causar retenção urinária. É mais frequen- tratamento.
te em homens sexualmente ativos, com idades compreen- d) Imagem: a suspeita é clínica. O ultrassom pode ser
didas entre os 20 e os 40 anos. útil para a confirmação diagnóstica e para o diagnóstico de
abscesso prostático.
B - Patogenia
E - Complicações
As possíveis vias de disseminação das bactérias para a
próstata são: Retenção urinária, prostatite crônica, abscesso prostáti-
- Refluxo direto de urina infectada para dentro dos duc- co, orquiepididimite, pielonefrite aguda. A complicação mais
tos prostáticos; grave é a bacteremia, podendo levar a choque séptico.

66
P R O S TAT I T E S

F - Tratamento
Embora apresentem quadro clínico mais grave, os pa-
cientes respondem muito bem a antibióticos que se di-
fundem mal do plasma para a próstata. Acredita-se que o

UROLOGIA
processo inflamatório permita a difusão de drogas que, nor-
malmente, não tenham penetração na próstata, visto que
os antibióticos lipossolúveis, não ionizados e não ligados a
proteínas são os ideais. Fluoroquinolonas, cefalosporinas
de 3ª geração e aminoglicosídeos podem ser utilizados na
dependência do quadro clínico do paciente, e o recomen-
dado é o uso por até 4 semanas. Figura 1 - Teste de Stamey-Meares
Medidas gerais, como hidratação, repouso, analgésicos
e antitérmicos podem ser necessárias. Quando o paciente A prova de Stamey-Meares é importante para identificar
faz retenção urinária, o recomendado é a punção suprapú- a localização da infecção. Além disso, é utilizada para fazer
bica, evitando-se, assim, a manipulação via uretral, o que o diagnóstico diferencial com uretrites ou outros tipos de
pode piorar o quadro do paciente. prostatites:
- VB1: coleta dos primeiros 10mL de urina – amostra
uretral;
3. Prostatite bacteriana crônica – categoria II - VB2: coleta de urina do jato médio – 200mL, amostra
vesical;
A - Definição
- EPS: massagem prostática e coleta da secreção;
A prostatite bacteriana crônica é uma infecção recorrente - VB3: coleta de 10mL de urina pós-massagem.
da próstata, com sintomas de duração superior a 3 meses.
Oscila em intensidade, alternando períodos de agravamento Essas amostras devem ser levadas ao laboratório ime-
com períodos assintomáticos. Na prostatite crônica ocorrem diatamente, e devem ser pesquisados leucócitos e bacté-
episódios de ITU agudos recorrentes em 25 a 43% dos casos, rias e, se necessário, cultura.
causados por bactérias semelhantes às da prostatite aguda. Geralmente, quando o número de leucócitos no 1º jato
ultrapassa a quantidade das amostras posteriores, deve-se
B - Etiologia suspeitar de uma uretrite. Se o inverso for verdadeiro, a
prostatite deverá ser a suspeita diagnóstica.
Aeróbios Gram negativos, principalmente Escherichia coli.
E - Tratamento
C - Patogenia
A resposta a antibióticos também é boa, porém com tra-
As possíveis vias de infecção são as mesmas que as da
tamento mais prolongada, variando de 4 a 12 semanas. Os
prostatite aguda, e por vezes não bem definidas.
antibióticos lipossolúveis são os ideais, e fluoroquinolonas
e sulfametoxazol-trimetoprim são os mais indicados.
D - Achados clínicos
a) Sintomas: podem ser variáveis ou assintomáticos, 4. Prostatite crônica abacteriana ou
com diagnóstico feito por alteração em exames de urina, e
apresentar sintomas de infecção urinária com disúria, dor síndrome da dor pélvica crônica – ca-
perineal, afebril, dor lombar e perineal, urgência miccional tegoria III
e dor ao ejacular. A febre é incomum, só aparecendo na re-
agudização do quadro.
A - Definição
b) Sinais: ao toque retal, a próstata pode ser normal ou
amolecida, dolorosa, com presença de cálculos prostáticos. A prostatite crônica abacteriana ou Síndrome da Dor
Pode-se encontrar epididimite secundária à prostatite crônica Pélvica Crônica (SDPC) é a causa mais comum das síndro-
bacteriana. É importante lembrar que, na infecção urinária re- mes de prostatite, e sua própria causa é desconhecida.
corrente, se deve suspeitar de prostatite crônica bacteriana. Raramente apresenta complicações, e seu tratamento é
c) Exames laboratoriais: achados de leucocitúria, bacte- empírico. Podem-se separar os pacientes em 2 categorias:
riúria e aumento de leucócitos em secreção prostática são aqueles com sinais de inflamação prostática (categoria IIIa)
comuns. Na fase de reagudização, as culturas de urina po- e aqueles sem inflamação prostática (categoria IIIb).
dem desenvolver bactérias. O diagnóstico é, habitualmente, confirmado pela exclu-
Uma prova importante para diferenciar prostatites crô- são de outras formas de prostatites.
nicas, tanto bacterianas quanto abacterianas, é a prova de Os sinais e os sintomas da prostatite abacteriana são
Stamey-Meares (Figura 1). semelhantes, muitas vezes, aos da bacteriana (sinais irrita-

67
UROLO G I A

tivos), porém não se acha o agente etiológico. Em pacientes Prostatite bacteriana aguda
de meia-idade e idade avançada, deve-se diferenciar de car- A suspeita é clínica. O ultrassom pode ser útil
cinoma in situ de bexiga. Imagem para a confirmação diagnóstica e para o diag-
O diagnóstico baseia-se na clínica e nos achados labora- nóstico de abscesso prostático.
toriais, principalmente na prova de Stamey-Meares. Prostatite bacteriana crônica
a) IIIa (SDPC inflamatória): caracteriza-se pela presença Aeróbios Gram negativos, principalmente a
de leucócitos no esperma, na secreção prostática após toque Etiologia
Escherichia coli.
retal ou na amostra de urina pós-massagem prostática (VB3).
Podem ser variáveis ou assintomáticos, com
b) IIIb (SDPC não inflamatória): ausência de leucócitos diagnóstico feito por alteração em exames de
no esperma, secreção prostática ou VB3. urina, e apresentar sintomas de infecção uriná-
Sintomas ria com disúria, dor perineal, afebril, dor lombar
B - Tratamento e perineal, urgência miccional e dor ao ejacular.
A febre é incomum, só aparecendo na reagudi-
O tratamento é empírico. Uso de antibióticos, massa- zação do quadro.
gem prostática, alfa-bloqueadores, anti-inflamatórios, fito- Ao toque retal, a próstata pode ser normal ou
terápicos, relaxantes musculares, biofeedback e cirurgia em amolecida, dolorosa, com presença de cálcu-
casos muito especiais. los prostáticos. Pode-se encontrar epididimite
Sinais secundária à prostatite crônica bacteriana. É
5. Prostatite inflamatória assintomática - importante lembrar que, na infecção urinária re-
corrente, se deve suspeitar de prostatite crônica
categoria IV bacteriana.
Os pacientes são assintomáticos, com presença de leu- Achados de leucocitúria, bacteriúria e aumento
Exames de leucócitos em secreção prostática são co-
cócitos na secreção prostática ou em tecidos prostáticos
laboratoriais muns. Na fase de reagudização, as culturas de
obtidos por biópsias. urina podem desenvolver bactérias.
Habitualmente, tais indivíduos não requerem tratamen-
Prostatite crônica abacteriana ou síndrome da dor
to, exceto quando existe alteração no PSA (elevado), em pélvica crônica
que se deseja excluir adenocarcinoma de próstata, ou em
É a causa mais comum das síndromes de prosta-
casos de infertilidade. Etiologia
tite, e sua própria causa é desconhecida.
Baseia-se na clínica e nos achados laboratoriais,
6. Resumo Diagnóstico
principalmente na prova de Stamey-Meares.
Quadro-resumo Tratamento É empírico.
Categoria I - Prostatite bacteriana aguda. Prostatite inflamatória assintomática
Categoria II - Prostatite bacteriana crônica. Pacientes assintomáticos, com presença de leu-
Etiologia cócitos na secreção prostática ou em tecidos
- Prostatite crônica abacteriana; prostáticos obtidos por biópsias.
Categoria III
- Síndrome da dor pélvica crônica.
Categoria IIIa - Síndrome dolorosa pélvica inflamatória.
Categoria IIIb - Síndrome dolorosa pélvica não inflamatória.
Categoria IV - Prostatite inflamatória assintomática.
Prostatite bacteriana aguda
Etiologia Gram negativos, 85% E. coli.
Quadro agudo de dores na região suprapúbica,
flancos e períneo, febre, calafrios, polaciúria,
Sintomas
noctúria, disúria, urgência miccional, dor ao eja-
cular e grau variável de obstrução urinária.
Urina turva, fétida, febre e, ao toque retal,
próstata amolecida e extremamente dolorosa.
Sinais
Hemospermia pode estar presente, assim como
hematúria macroscópica.
Hemograma com leucocitose e urinálise com
leucocitúria, hematúria e bacteriúria. Secreção
prostática com muitas bactérias após toque re-
Exames
tal, o que deve ser evitado pela possibilidade de
laboratoriais
provocar bacteremia e pela dor intensa. O PSA
em geral está elevado. Diminui a níveis normais
após tratamento.

68
CAPÍTULO

13
Hiperplasia prostática benigna

Odival Timm Jr.

1. Introdução Na glândula normal, há cerca de 30% de componente


glandular e 60% de estroma fibromuscular.
A Hiperplasia Prostática Benigna (HPB) é uma entidade
O compartimento glandular é constituído de células
definida pela proliferação (hiperplasia) de células do epité-
epiteliais basais e secretoras, distribuídas em uma estrutu-
lio e do estroma prostático, formando um tecido nodular
adenomatoso. Isso geralmente provoca um aumento do vo- ra tubuloalveolar. Sua secreção representa 20% do volume
lume da glândula, associado a uma história clínica de sinais ejaculado e é constituída de ácido cítrico, frutose, fosforil-
e sintomas obstrutivos/irritativos, mais comum em homens colina, espermina, aminoácidos livres, fosfatase ácida pros-
acima dos 45 anos. tática e antígeno específico da próstata.
Deve-se a McNeal a mais completa descrição anatomo-
2. Anatomia funcional da próstata, que o levou a uma concepção tridi-
mensional do órgão. No modelo concebido por McNeal, 4
A próstata normal de um homem adulto pesa cerca de
regiões anatômicas podem ser individualizadas (Figura 2):
20g e está localizada inferiormente à bexiga, sendo atraves-
zona periférica, zona central, zona de transição e estroma
sada pela 1ª porção da uretra, limitada anteriormente pela
sínfise púbica e posteriormente pelo reto. É um órgão cons- anterior. A zona periférica constitui 70% da próstata, a zona
tituído de tecido glandular e um componente de estroma central contribui com 25%, a zona de transição com 4%, e
fibromuscular, contendo músculo liso e tecido conjuntivo. o estroma anterior, 1%. Este último é formado apenas por
músculo liso e tecido conjuntivo, não contendo tecido glan-
dular. A zona periférica é derivada do seio urogenital e re-
presenta o local mais frequente do aparecimento do câncer,
enquanto a zona de transição é o sítio exclusivo de origem
da hipertrofia benigna.

Figura 1 - Limites anatômicos da próstata Figura 2 - Regiões anatômicas da próstata

69
UROLO G I A

3. Etiopatogenia - Um componente dinâmico (efeito funcional), repre-


sentado pela musculatura lisa presente na cápsula, na
O aumento da idade e a presença dos testículos repre- glândula prostática e no colo vesical, em que um au-
sentam as determinantes mais importantes para o desen- mento da atividade alfa-adrenérgica nas fibras muscu-
volvimento da HPB. lares hipertrofiadas provoca a elevação da resistência
No início, acreditava-se que o desenvolvimento do qua- uretral;
dro de HPB resultasse da produção elevada de testostero-
na, uma vez que, em homens castrados antes da puber-
- Um componente vesical, decorrente de alterações
secundárias à obstrução produzida pela HPB na mus-
dade, não se encontravam casos da doença. Atualmente,
culatura detrusora, traduzindo-se em hiperatividade,
acredita-se que o desenvolvimento dessa hiperplasia re-
como resposta ao esforço contínuo na tentativa de es-
sulte da ação de vários mecanismos interativos, em que
vaziamento, ou em hipoatividade, como resultante da
se destacam a testosterona, a diidrotestosterona (DHT) e
falência muscular nas fases mais avançadas da doença.
alguns fatores de crescimento teciduais.
Nos casos de HPB, ocorre um aumento de ambos os Cabe salientar que, constantemente, tais fatores atuam
componentes da próstata, com predomínio do crescimento simultaneamente, e a resultante desses componentes, na
do estroma fibromuscular, que passa a representar mais de dependência da intensidade de suas ações, promove o apa-
70% do peso da glândula. Tal componente, disperso dentro recimento e a gravidade da sintomatologia vista na HPB.
da glândula sob a forma de septos e presente na cápsula
prostática, tem seu tônus regulado pelo sistema autônomo 5. Manifestações clínicas
simpático. Receptores alfa-1-adrenérgicos são encontrados
em abundância no estroma e ao nível do colo vesical, de
modo que a hiperatividade do sistema simpático promove A - Sinais e sintomas clássicos do prostatismo
contração muscular local, com aparecimento de forças cen- As manifestações clínicas da HPB apresentam uma inten-
trípetas que tendem a ocluir a uretra prostática e o colo da sidade bastante variável, de discretos sintomas irritativos e
bexiga. obstrutivos a retenção urinária. Os sintomas são divididos em
O componente glandular, por sua vez, é formado por cé- obstrutivos e irritativos (Tabela 1). Os obstrutivos decorrem
lulas sensíveis às ações da testosterona e de fatores de cres- da obstrução produzida pela massa tumoral e pelo tônus da
cimento. Isso torna a próstata dependente do eixo hipotalâ- musculatura lisa da uretra e do estroma prostático, enquanto
mico-hipofisário-gonadal, o que permite que manipulações os irritativos se devem a uma disfunção vesical.
endócrinas em diferentes pontos desse sistema interfiram Os sintomas obstrutivos ocorrem durante a micção e in-
no funcionamento e na proliferação das glândulas prostáti- cluem hesitação para iniciar a micção, diminuição da força
cas. Ao nível das células prostáticas, a testosterona é trans- do jato, diminuição do calibre do jato, sensação de esvazia-
formada em DHT por ação de uma enzima microssômica, a mento incompleto da bexiga, jato intermitente, gotejamento
5-alfa-redutase. A testosterona e, principalmente, a DHT se pós-miccional e retenção urinária aguda. Tais sintomas estão
ligam a um receptor androgênico específico, e tal complexo presentes na obstrução infravesical produzida pela HPB ou
DHT-receptor migra para o núcleo e se fixa em segmentos podem ser atribuídos a contrações ineficientes do detrusor.
específicos das moléculas de DNA, estimulando a transcri-
ção de genes sensíveis aos andrógenos e promovendo, fi- Tabela 1 - Manifestações clínicas da HPB
nalmente, a síntese proteica e a divisão celular. Sintomas obstrutivos
Nos pacientes com HPB, há um aumento de concentra- - Esforço miccional;
ção tecidual de DHT, que, por formar complexos mais es- - Hesitação;
táveis com os receptores androgênicos, acaba exercendo
- Gotejamento terminal;
um efeito trófico mais intenso que a testosterona sobre a
proliferação das células prostáticas. Isso as leva a secretar - Jato fraco;
fatores de crescimento, que, por meio do mecanismo pará- - Esvaziamento incompleto;
crino, modulam o crescimento das células epiteliais. - Incontinência paradoxal;
- Retenção urinária.
4. Fisiopatologia Sintomas irritativos
O processo de hiperplasia prostática condiciona o apa- - Urgência;
recimento de sintomas miccionais, que podem resultar de - Polaciúria;
3 fenômenos fisiopatológicos: - Nictúria;
- Um componente estático (efeito mecânico), no qual o - Incontinência de urgência;
aumento volumétrico da próstata provoca diminuição
- Pequenos volumes de micção;
do calibre e aumento da resistência uretral, com con-
sequente dificuldade de esvaziamento vesical; - Dor suprapúbica.

70
HIPERPLASIA PROSTÁTICA BENIGNA

Os sintomas irritativos acontecem durante a fase de en- Tabela 3 - Avaliação da qualidade de vida relacionada a sintomas
chimento vesical e são representados por polaciúria, nictú- urinários
ria, urgência miccional e incontinência de urgência. Parece

Muito insatisfeito
Muito satisfeito
que esses sintomas estão relacionados a uma hiperativida-

Insatisfeito
Satisfeito
Regular
de do detrusor em consequência da obstrução infravesical,

UROLOGIA
Infeliz
Feliz
embora possam ser relacionados com a presença de resí-
duo urinário.
Devido à grande variação de intensidade desses sinto-
mas e ao diferente grau de importância que os autores
Se você tivesse de passar o resto da
atribuem a eles, decidiu-se estabelecer uma pontuação vida com a sua condição urinária
para transformar, em número, a presença e a intensida- 0 1 2 3 4 5 6
da forma como está hoje, como se
de dos sintomas, tornando, dessa forma, uniforme sua sentiria?
valorização. A tabela de pontuação dos sintomas mais
utilizada é a recomendada pelo Escore Internacional de O escore é composto por 7 perguntas sobre os sintomas
Sintomas Prostáticos (IPSS), criado em 1991 e aceito pela do paciente, com notas individuais de 0 a 5. Dependendo
Associação Americana de Urologia (AUA) e pelo FDA, da intensidade de cada sintoma e de acordo com os resulta-
nos EUA. Posteriormente, com o apoio da Organização dos obtidos, os pacientes podem ser classificados em:
Mundial de Saúde, foi acrescentada uma nova avaliação, - Sintomatologia leve: escore de 0 a 7;
relacionada à qualidade de vida desses pacientes (Tabelas - Sintomatologia moderada: escore de 8 a 19;
2 e 3). - Sintomatologia grave: escore de 20 a 35.
Tabela 2 - Escore Internacional de Sintomas Prostáticos (IPSS) É muito importante considerar que os sintomas miccio-
nais na HPB podem apresentar uma variação de intensida-
Mais da metade das vezes
Menos da metade das

de em um mesmo paciente e está na dependência de múl-


Metade das vezes
Menos de 1 vez

tiplos fatores, como estresse, frio, volume miccional e uso


Quase sempre
Nenhuma

de medicamentos (simpáticomiméticos, anticolinérgicos).


vezes

B - Complicações
a) Retenção urinária aguda: acontece em 2 a 10% dos
pacientes, podendo acometer mesmo aqueles que apre-
No último mês, quantas ve- sentam pouca sintomatologia e estando relacionada ao
zes você teve a sensação de componente dinâmico da obstrução. São fatores que po-
0 1 2 3 4 5 dem desencadear a retenção urinária aguda o uso de sim-
não esvaziar completamente
a bexiga após urinar? páticomiméticos ou anticolinérgicos, distensão aguda da
bexiga (diurese forçada), prostatite aguda, cálculo vesical
No último mês, quantas ve-
zes você teve de urinar nova-
ou infarto prostático.
0 1 2 3 4 5 b) Infecção urinária e prostatite: surge em torno de 5%
mente em menos de 2 horas
após ter urinado? dos pacientes com HPB, exacerbando os sintomas urinários
e, por vezes, desencadeando retenção urinária. Essas infec-
No último mês, quantas vezes
ções resultam de colonização prostática ou da presença de
você observou que, ao urinar,
0 1 2 3 4 5 urina residual e podem provocar quadros de bacteremia.
parou e recomeçou várias
c) Litíase vesical: pode surgir por estase local ou impos-
vezes?
sibilidade de eliminar cálculos migrados dos rins. Os pacien-
No último mês, quantas ve- tes podem apresentar bloqueio abrupto do jato urinário e,
zes você observou que o jato 0 1 2 3 4 5 às vezes, hematúria macroscópica.
urinário estava fraco? d) Insuficiência renal aguda ou crônica: 3% dos pa-
cientes com HPB têm lesão renal causada pela própria
No último mês, quantas ve-
zes você teve de fazer força 0 1 2 3 4 5
obstrução prostática (nefropatia obstrutiva crônica), e, em
para começar a urinar? metade desses casos, o quadro de hidronefrose se instala
de maneira insidiosa, frequentemente sem manifestações
No último mês, quantas urinárias importantes.
vezes, em média, você teve
0 1 2 3 4 5 e) Hematúria: a hematúria macroscópica surge em pou-
de se levantar à noite para
cos pacientes com hiperplasia prostática e se deve à ruptura
urinar?
de vasos submucosos locais.

71
UROLO G I A

6. Diagnóstico
O diagnóstico inicial de HPB deve ser feito por meio de
história clínica, exame físico e exames laboratoriais.
a) História clínica
É importante avaliar os sintomas prostáticos caracterís-
ticos da HPB descritos nas manifestações clínicas (obstruti-
vos e irritativos) e o IPSS.
b) Exame físico
Além do exame físico geral para a avaliação global do
paciente, o exame urológico completo é imprescindível.
Deve-se observar a micção, avaliando seu jato urinário, re-
alizar a palpação do hipogástrio, para detectar massas ou
globo vesical, e realizar o toque retal. O toque (Figura 3)
Figura 4 - Ultrassonografia da próstata
avaliará se a próstata está aumentada de volume e detecta-
rá possíveis nodulações. - Urofluxometria: método urodinâmico recomendável,
No exame digital da próstata devem ser avaliadas a que registra, em gráfico, a curva do fluxo urinário, for-
contração e a sensibilidade do esfíncter anal, o reflexo bul- necendo dados como fluxo máximo, médio e perfil de
bocavernoso, as características prostáticas (volume, consis- curva. Deve ser efetuado com volume urinário acima
tência, regularidade, limites, sensibilidade e mobilidade), as de 150mL;
vesículas seminais e a parede retal.
A palpação de uma próstata pequena em um paciente
- Uretrocistoscopia: avalia a presença ou não de este-
nose de uretra, extensão da uretra prostática, aspecto
com sintomas obstrutivos e irritativos pode sugerir cresci-
da parede vesical (trabeculações e divertículos) e ob-
mento de lobo médio, assim como pacientes assintomáti-
servação de doenças associadas (cálculos ou tumores
cos podem apresentar próstatas aumentadas de volume.
vesicais);
A medida do resíduo urinário pode ser obtida com a
passagem de uma sonda vesical após a micção ou por meio - Urografia excretora: permite diagnosticar outras
de ultrassonografia transabdominal. doenças (tumor, cálculo, cisto) e fornece imagens da
bexiga, como trabeculações, divertículos, cálculos e
tumores.
e) Diagnóstico diferencial
Os sintomas do trato urinário inferior são inespecíficos
e acontecem em uma grande variedade de doenças, o que
torna necessário lançar mão de exames complementares
para o esclarecimento de tais doenças (Tabela 4), que mi-
metizam os sintomas da HPB.
Tabela 4 - Doenças envolvidas no diagnóstico diferencial da HPB
Figura 3 - Toque retal Uretrais
- Estenose de uretra;
c) Exames laboratoriais obrigatórios - Uretrite;
- Exame de urina: investigar a presença de piúria (infec- - Divertículo de uretra;
ção) e hematúria; - Litíase de uretra;
- Ureia e creatinina: avaliar uma complicação importan- - Disfunções do esfíncter externo;
te da HPB, a nefropatia obstrutiva;
- Dissinergia detrusora esfincteriana;
- PSA (antígeno prostático específico): é uma glicoprote- - Pseudodissinergia.
ína produzida pelo tecido prostático que pode elevar os
seus níveis séricos em qualquer doença prostática infla- Prostáticas
matória ou neoplásica. O valor normal é de até 4ng/mL. - Prostatites;
- Câncer de próstata;
d) Outros exames não obrigatórios
- Infarto prostático.
- Ultrassonografia: avalia a morfologia do trato uriná- Vesicais
rio, o volume da próstata (Figura 4) e o resíduo pós-
-miccional; - Disfunções do colo vesical;

72
HIPERPLASIA PROSTÁTICA BENIGNA

Vesicais tratamento. Essas indicações deverão ter base no escore de


- Cistites específicas; sintomas e na avaliação clínica que poderão ser reforçados,
sempre que possível, com parâmetros específicos, como ul-
- Cistites inespecíficas;
trassom e urofluxometria.
- Cistite actínica; A ausência de uma correlação significativa entre as di-

UROLOGIA
- Litíase vesical; mensões da próstata e a intensidade dos sintomas clínicos
- Tumores vesicais superficiais; torna precária a indicação de uma intervenção terapêuti-
- Tumores vesicais infiltrativos; ca em HPB quando baseada exclusivamente no volume da
- Tumores vesicais Ca in situ; próstata.
Há situações em que o tratamento cirúrgico da HPB é
- Hiperatividade vesical.
absoluto: retenção urinária, infecção urinária recorrente,
hidronefrose, hematúria macroscópica refratária, inconti-
7. Tratamento nência urinária paradoxal e sintomas urinários acentuados
persistentes após tratamento clínico. Por outro lado, há ou-
O tratamento da HPB tem sido motivo de muita contro- tro extremo em que as queixas são discretas e as avaliações
vérsia nos últimos anos. A melhor compreensão de sua clínica e por imagem não revelam alterações funcionais.
história natural e dos processos fisiopatológicos envolvidos Nesses casos, não se indica tratamento algum, e o paciente
tem permitido a mudança dos critérios para indicação do é orientado para avaliações periódicas.

Figura 5 - Tratamento da HPB

As opções disponíveis para o tratamento da HPB são: a) Bloqueadores alfa-adrenérgicos


- Observação e acompanhamento; O impedimento do fluxo urinário resulta do componen-
- Tratamento farmacológico; te dinâmico, além do componente estático ou mecânico.
- Tratamento cirúrgico. Esse fator dinâmico depende da quantidade de estroma,
que compreende cerca de 70% do tecido hiperplásico, e do
A - Observação e acompanhamento tônus da musculatura lisa prostática, que é mediado pela
estimulação simpática da musculatura lisa da próstata por
Devem ser anuais e estão indicados a todos os pacientes meio de receptores alfa-adrenérgicos. Há 2 subtipos de re-
com sintomas leves e sem complicações (escore de sinto- ceptores alfa-1-adrenérgicos: alfa-1a e alfa-1b. O 1º deles é
mas entre 0 e 7). específico para o tecido muscular prostático, enquanto o 2º
B - Tratamento farmacológico é específico para os vasos sanguíneos.
Os alfa-bloqueadores seletivos alfa-1 amenizam os sin-
É indicado aos pacientes com sintomatologia modera- tomas miccionais com efeitos sistêmicos de intensidade e
da (escore de sintomas entre 8 e 19) e deve ter morbidade frequência menores. Por isso, são chamados urosseletivos.
mínima e boa aceitação e não interferir na sua qualidade Os pacientes com sintomas urinários moderados/severos
de vida. Os agentes mais utilizados são bloqueadores alfa- (pontuação da AUA >7), afetando a qualidade de vida, e
-adrenérgicos, inibidores da 5-alfa-redutase e fitoterápicos. os que não aceitam ou não têm indicação absoluta de ci-

73
UROLO G I A

rurgia, são candidatos para essa modalidade de terapia. As


contraindicações ao uso dos alfa-bloqueadores podem ser
divididas em absolutas e relativas.
- Contraindicações absolutas:
• Insuficiência renal pós-renal e/ou resíduo vesical
elevado, causados pela HPB;
• Pacientes com história de hipotensão postural ou
hipersensibilidade à droga.
- Contraindicações relativas:
• Doença cerebrovascular;
• História de síncope;
Figura 6 - Atuação dos alfa-bloqueadores
• Retenção urinária aguda repetida ou infecção uriná-
ria recorrente atribuída à HPB.
b) Inibidores da 5-alfa-redutase
Existem vários alfa-bloqueadores disponíveis, todos A finasterida é um inibidor potente e reversível da
comparáveis quanto à acurácia no alívio dos sintomas, di- 5-alfa-redutase tipo 2, o que impede a transformação, em
ferindo na urosseletividade, farmacocinética e efeitos cola- nível intraprostático, de testosterona em diidrotestostero-
terais. Entre os seus efeitos colaterais, destacam-se a hipo- na. Esse mecanismo inibitório leva à redução do volume
tensão postural, astenia, tontura e cefaleia. Os alfa-bloque- prostático em percentuais variados, sobretudo em porta-
adores disponíveis são: dores de glândulas acima de 40g. A administração regular
- Prozasina: atua promovendo a diminuição das pres- de finasterida por tempo prolongado (>6 meses), além da
sões arterial e uretral. Sua vida média é de 4 a 6 horas, diminuição volumétrica mencionada, atua beneficamente
e a dose habitual, de 4 a 6mg, dividida em 2 ou 3 toma- sobre o quadro clínico com melhoria do fluxo urinário e da
das diárias, aconselhando-se aumento progressivo da redução do escore internacional de sintomas prostáticos. A
dose inicial. Provoca hipotensão postural acentuada, finasterida, comprovadamente, diminui o risco de retenção
podendo levar à síncope; por isso e pela baixa urosse- aguda de urina e a necessidade de tratamento cirúrgico da
letividade, é usada com pouca frequência; HPB, além de ser usada na dose de 5mg/dia. Estudos indi-
cam que, quando administrada precocemente, essa droga
- Terazosina: embora tenha ação similar à da proza- é capaz de reverter o processo evolutivo da glândula. Seus
sina, tem menor atividade, mais urosseletividade e efeitos colaterais ficam restritos à esfera sexual. Em apro-
efeitos colaterais menos acentuados. A vida média ximadamente 12% dos casos, há diminuição da libido, do
é de 12 horas, e a dose habitual, de 10 a 20mg, ao volume ejaculado e da capacidade erétil. Tomada por um
deitar, aconselhando-se igualmente um regime de ti- período acima de 6 a 12 meses, a finasterida promove re-
tulação da dose; dução dos níveis plasmáticos de PSA em cerca de 50%. Por
- Alfuzosina: possui urosseletividade mais elevada que isso, é recomendável que, para não mascarar o diagnóstico
as drogas anteriores e, por essa razão, tem menos precoce do câncer de próstata, o PSA seja dobrado em seus
efeitos colaterais. A vida média é de 5 horas e pode valores para uma interpretação clínica mais correta.
ser usada como dose única (10mg/dia) ou fracionada Recentemente, outro inibidor da 5-alfa-redutase foi
(2,5mg, 3x/dia). Sua ação na melhoria dos sintomas descoberto: a dutasterida. Essa droga atua como inibidor
tem sido demonstrada, em longo prazo, em vários tra- seletivo tipo 1 e tipo 2, bloqueando a ação de uma enzi-
balhos; ma intracelular que converte a testosterona em diidrotes-
tosterona. A administração de 0,5mg por dia, pelo tempo
- Doxazosina: tem afinidade elevada pelos receptores mínimo de 3 a 6 meses, ameniza os sintomas de prostatis-
alfa-1, e a vida média é de 20 horas. A dosagem é de 2
mo, reduzindo o tamanho da próstata, melhorando o fluxo
a 8mg, em única dose, tomada ao deitar, ou doses múl-
urinário e reduzindo o risco de retenção urinária e a neces-
tiplas com titulação progressiva. Age favoravelmente
sidade da cirurgia relacionada à HPB. As reações adversas
com redução da pontuação dos sintomas, e seus efei-
mais frequentes são disfunção erétil, diminuição da libido,
tos colaterais são leves;
distúrbios da ejaculação e ginecomastia. A dutasterida tam-
- Tansulosina: é o mais moderno e potente bloqueador bém reduz os níveis plasmáticos do PSA em cerca de 50%
alfa-1 sintetizado para o tratamento das obstruções quando tomada por período mínimo de 6 meses, sendo re-
prostáticas de fundo dinâmico, com algum grau de es- comendável que o valor do PSA seja dobrado nos seus valo-
pecificidade para os receptores alfa-1-adrenérgicos. É res para uma interpretação mais correta que não mascare o
usada em dose diária de 0,4mg. diagnóstico precoce do câncer de próstata.

74
HIPERPLASIA PROSTÁTICA BENIGNA

c) Fitoterápicos tável com restrição pela falta de evidências científicas de seu


Os fitoterápicos têm sido utilizados há muitas décadas benefício. As técnicas com uso de micro-ondas transuretral,
no tratamento da HPB, com grande atuação por serem na- ablação por agulha (TUNA), coagulação intersticial por laser e
turais e desprovidos de efeitos colaterais. Os meios acadê- eletrovaporização transuretral foram consideradas métodos
micos relutam em aceitar a validade da fitoterapia devido aceitáveis de tratamento. Além de não possibilitar o estudo

UROLOGIA
à carência de estudos; outro problema que torna seu uso anatomopatológico da próstata, nenhuma dessas técnicas
menos frequente pela classe urológica é o fato de muitos alcançou taxas de sucesso comparáveis às prostatectomias
produtos preconizados pelas indústrias terem múltiplos ainda, sendo elas consideradas tratamento alternativo a pa-
componentes, o que dificulta a compreensão da farmaco- cientes não candidatos às últimas.
cinética. A Serenoa repens tem sido um dos agentes mais c) Ressecção transuretral de próstata
estudados, e as respostas clínicas têm sido positivas. Atualmente, a ressecção transuretral da próstata (RTUP)
corresponde ao tratamento cirúrgico mais utilizado (mais de
C - Tratamento cirúrgico 90%), considerado padrão-ouro devido à sua alta taxa de su-
Deve ser indicado nos casos de: cesso e ao fato de preencher requisitos de técnica minima-
- Retenção urinária; mente invasiva, pois possibilita curva de aprendizado rápida
- Infecções recorrentes ou persistentes do trato urinário; com uso de microcâmera, menor tempo de cateterização ve-
- Distúrbios anatômicos ou funcionais do trato urinário sical com deambulação, reabilitação e alta precoces, poden-
superior, decorrentes de obstrução prostática; do ser utilizado em pacientes de risco cirúrgico elevado. Há
melhora nos sintomas e no fluxo urinário em cerca de 85%
- Calculose ou divertículos vesicais secundários à obs- dos pacientes operados, e a mortalidade pós-RTUP se situa
trução;
em torno de 2%. A principal complicação intraoperatória é
- Hematúria macroscópica recorrente de origem pros- a síndrome de intoxicação hídrica, que decorre da absorção
tática;
excessiva, pelo leito prostático cruento, da solução salina hi-
- Insucesso ou impossibilidade de tratamento clínico. potônica empregada para irrigação vesical durante o proce-
dimento. Acontece em 2% dos pacientes, caracterizada por
A escolha da técnica cirúrgica deve ter base na experiên-
hiponatremia, confusão mental, náuseas e vômitos, hiper-
cia do cirurgião, no estado clínico do paciente, no tamanho
tensão arterial, bradicardia e distúrbios da visão.
da próstata, nas doenças associadas à HPB, na disponibili-
Outras complicações são:
dade das técnicas e no desejo do paciente.
- Hemorragia perioperatória (10%);
a) Incisão transuretral da próstata - Perfuração da cápsula (2%);
Esta é uma opção atraente para pacientes selecionados, - Retenção urinária pós-operatória (7%);
com indicação cirúrgica, porém com sintomatologia leve ou - Tamponamento por coágulos (5%);
moderada e próstata <30mg. É realizada por meio de 2 inci- - Infecção urinária (3%);
sões posteriores (4 a 8 horas) do colo vesical até o veromon- - Ejaculação retrógrada (50%);
tanum com faca de Sashe, alça de Collins ou ressector. Há - Disfunção erétil (12%);
controvérsia sobre a incisão da cápsula prostática, pois esta
propicia melhor desobstrução, mas aumenta as taxas de
- Esclerose de colo vesical (3%);
sangramento. Tal técnica oferece taxas razoáveis de melho- - Incontinência urinária (1,5%).
ra dos sintomas e da obstrução, mas por curto período (2 Cerca de 20% dos pacientes submetidos à RTUP necessi-
anos, em média). tarão de uma nova ressecção ao longo da vida.

b) Tratamentos minimamente invasivos


Muitas foram as técnicas desenvolvidas para o tratamen-
to da HPB a fim de serem igualmente eficazes como as pros-
tatectomias, mas com uso de anestesia local, menor mor-
bidade, menor tempo de internação e melhor reabilitação
dos pacientes. A maioria delas baseia-se no uso de formas
variadas de energia para a destruição do tecido prostático.
O Consenso Internacional de HPB de 2000 classificou tais
técnicas em inaceitável, aceitável com restrição e aceitável.
Dilatação por balão, hipertermia e uso de ultrassom de alta
frequência foram considerados métodos inaceitáveis de tra-
tamento por seus resultados inconstantes e imprevisíveis,
além da necessidade de múltiplas sessões e a recidiva preco-
ce dos sintomas. O uso de stent uretral foi considerado acei-

75
UROLO G I A

-titanyl-phosphate). Esta última, também conhecida por


GreenLight™ ou laser verde, é a mais moderna e avançada.
Permite a chamada vaporização fotosseletiva da próstata
(PVP, do inglês Photoselective Vaporization of the Prostate),
uma técnica de ablação da glândula, de elevadas eficácia
e precisão. A cirurgia é feita sob anestesia geral, epidural
ou raquidiana e dura cerca de 2 horas. Uma das maiores
vantagens da utilização do GreenLight™, além da quase au-
sência de hemorragias operatórias (que até permite operar
doentes que utilizam anticoagulantes), é a baixa taxa de
disfunção erétil que provoca. A incontinência urinária pós-
-operatória é também muito rara e, quando acontece, é ge-
ralmente ligeira e transitória. A única complicação frequen-
te é a ocorrência de sintomas miccionais irritativos durante
algumas semanas, queixa que, em geral, é bem tolerada
pelos doentes.

Figura 7 - (A) Ressecção transuretral de próstata; (B) e (C) visão


endoscópica da RTUP

Figura 9 - Plataforma do laser GreenLight™

e) Prostatectomia aberta
Figura 8 - Ressecção transuretral de próstata A prostatectomia aberta é a forma de tratamento com
taxas mais elevadas na melhoria dos sintomas e do fluxo
d) Terapia a laser urinário, porém com o maior índice de morbimortalidade
A terapia a laser GreenLight™, também conhecida por entre todas as técnicas de tratamento cirúrgico da HPB. A
laser verde, é um tratamento que combina a eficácia do cirurgia aberta é indicada aos casos de próstatas volumosas
procedimento cirúrgico tradicional (RTUP) com a vantagem (acima de 80g) pelo aumento nas taxas de complicações da
de apresentar menos efeitos colaterais. RTUP e aos pacientes com contraindicações à RTUP (alte-
No princípio dos anos 1990, começou-se a utilizar a rações na bacia que impossibilitam o adequado posiciona-
energia laser para tratar, por via endoscópica, a HPB, pro- mento do paciente e estenose uretral extensa). Pode ser
duzindo menor perda de sangue e sendo tão eficaz como a realizada pela técnica suprapúbica transvesical (PTV) ou re-
energia elétrica utilizada na cirurgia endoscópica clássica. A tropúbica. A PTV (Figura 10) é uma cirurgia consagrada, de
desvantagem dessa terapia está no fato de ser uma técnica fácil aprendizado e que possibilita uma ótima abordagem
muito cara, devido ao elevado custo do equipamento; hoje, nas próstatas volumosas com lobo médio proeminente e
há uma gama maior de aparelhos com custo menor. alterações vesicais concomitantes, como cálculos e divertí-
As 2 energias laser atualmente mais utilizadas na cirur- culos. Como desvantagens, há a abertura da parede vesical,
gia da próstata são a de Holmium e a de KTP (potassium- que necessita de cateterismo vesical prolongado, com risco

76
HIPERPLASIA PROSTÁTICA BENIGNA

de fístula urinária, e a dificuldade de hemostasia pelo aces-


so à loja prostática. A técnica retropúbica possibilita uma
melhor abordagem da loja prostática, sem necessidade de
abertura da parede vesical, porém com prejuízo ao acesso
do lobo mediano e bexiga.

UROLOGIA
As complicações mais comuns são:
- Hemorragia (15%);
- Perfuração da cápsula (1%);
- Retenção urinária pós-operatória (5%);
- Fístula urinária (5%);
- Infecção urinária (5%);
- Ejaculação retrógrada (65%);
- Disfunção erétil (25%);
- Esclerose do colo vesical (5%);
- Incontinência urinária (1%). Figura 10 - Prostatectomia suprapúbica transvesical

8. Resumo
Quadro-resumo
A Hiperplasia Prostática Benigna (HPB) é uma entidade definida pela proliferação (hiperplasia) de células do epitélio e do estroma pros-
tático, formando um tecido nodular adenomatoso.
Manifestações clínicas da HPB
- Esforço miccional;
Sintomas obstrutivos - Hesitação;
- Gotejamento terminal;
- Jato fraco.
- Urgência;
- Polaciúria;
- Noctúria;
Sintomas irritativos
- Incontinência de urgência;
- Pequenos volumes de micção;
- Dor suprapúbica.
Tratamento

77
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

14
Câncer de próstata

Ernesto Reggio

1. Introdução à raça, parece haver maior acometimento de pacientes ne-


gros. Os negros norte-americanos apresentam maior índice
O adenocarcinoma de próstata é uma das mais impor- de mortalidade (2 vezes maior do que o da população bran-
tantes doenças da medicina atual em razão da alta preva- ca). Entretanto, a incidência entre os negros africanos é me-
lência e do intenso impacto econômico. A incidência cres- nor do que a dos negros norte-americanos. De modo geral,
cente do câncer de próstata decorre do envelhecimento da os negros são os mais acometidos, seguidos dos brancos e,
população. Mais do que qualquer outro tipo de câncer, esse por fim, amarelos.
é considerado o câncer da 3ª idade, uma vez que cerca de
Alguns autores defendem que o consumo de dieta rica
3/4 dos casos no mundo acontecem a partir dos 65 anos e
em gorduras e pobre em fibras esteja relacionado a maior
raramente há ocorrência em pacientes com idade inferior
incidência de câncer de próstata. Estudos multicêntricos
a 45 anos.
com o objetivo de avaliar a efetividade de drogas quimio-
A propagação da dosagem do antígeno prostático espe-
protetoras, como selênio e vitamina D, estão sendo desen-
cífico (PSA) em programas de rastreamento, além do aper-
volvidos, porém ainda não há consenso na sua utilização.
feiçoamento da ultrassonografia e a biópsia de próstata por
Não há dúvida quanto à correlação entre câncer de prós-
via transretal, contribuíram muito para o aumento da inci-
tata e hormônios, visto que, virtualmente, todo câncer de
dência, principalmente de casos na fase inicial, quando a
cura é possível. próstata apresenta algum grau de dependência andróge-
na. A observação da ausência desse câncer em populações
de eunucos corrobora ainda mais tal relação.
2. Epidemiologia e fatores de risco
Tabela 1 - Epidemiologia e fatores de risco do câncer de próstata
O câncer de próstata é a neoplasia de órgão sólido mais
prevalente em homens. No Brasil, a taxa de mortalidade Epidemiologia Fatores de risco
bruta vem apresentando um ritmo acentuado de cresci- Prevalência Tumor de órgão sólido mais prevalente
mento, com elevação percentual relativa de 139% nos últi- Mortalidade 2º tumor mais letal no Brasil
mos 20 anos. Sem considerar os tumores de pele não me- 2,2 vezes maior com 1 familiar, 4,9 vezes
lanoma, o câncer de próstata é o mais frequente em todas História familiar com 2 familiares, 10,9 vezes com 3 familia-
as regiões do Brasil. Conforme dados fornecidos pelo INCA res de 1º grau
(Instituto Nacional do Câncer), é o 2º em taxas de morta- Raça Negros >brancos >amarelos
lidade no Brasil, superado apenas pelo câncer de pulmão.
Homens com antecedentes familiares de câncer da
próstata têm maior chance de desenvolverem a doença. Os
3. História natural e quadro clínico
riscos aumentam 2,2 vezes quando um parente de 1º grau A história natural do câncer de próstata é bem variada;
(pai ou irmão) é acometido pelo problema, 4,9 vezes quan- há uma variação entre o câncer latente, clinicamente silen-
do 2 parentes de 1º grau são portadores do tumor, e 10,9 te, que raras vezes resulta em qualquer morbidade e com
vezes quando 3 parentes de 1º grau têm a doença. Quanto frequência é diagnosticado apenas em exames de autópsia,

78
C Â N C E R D E P R Ó S TATA

e o câncer clínico, que pode progredir para condições gra- O PSA, uma glicoproteína produzida na próstata e secre-
ves e até óbito caso não seja tratado de forma conveniente. tada em altas concentrações no fluido seminal, é um marca-
Assim, a história natural do câncer de próstata é ainda pou- dor específico de alterações do parênquima prostático, po-
co compreendida, sendo a prevalência de doença histológi- dendo estar alterado em diversas doenças que acometem
ca, comumente latente, superior à de doença clinicamente a próstata. Assim, não é um marcador exclusivo do câncer

UROLOGIA
detectável. Estudos de autópsias em homens ao redor de de próstata. Quando há alteração na concentração sérica
50 anos, sem história de câncer de próstata, mostraram do PSA, o paciente deve ser avaliado quanto a outras doen-
30% de incidência de doença oculta, enquanto, aos 80 anos, ças prostáticas que acometem a glândula, como hipertrofia
a mesma incidência se eleva para 70%. prostática benigna e prostatites. Além de doenças, mani-
Nas fases iniciais, quando o tumor ainda está na forma pulações prostáticas, como biópsia, massagem prostática,
localizada e, portanto, curável, o câncer de próstata rara- ultrassonografia transretal e uretrocistoscopia também
mente é sintomático. O diagnóstico geralmente é feito com elevam o PSA. Logo, apesar de este ser considerado nor-
base em alterações do PSA ou toque retal. Com a evolução mal quando inferior a 4ng/mL, a interpretação do resul-
tado deve ser feita para cada paciente.
da doença, sintomas decorrentes do crescimento local do
Por outro lado, a concentração do PSA também se eleva
tumor começam a surgir, como diminuição do jato, esforço
com a idade e o aumento do tamanho da próstata. Em ca-
miccional, hematúria e hemospermia. Dor óssea, compres-
sos de lesão benigna, a molécula de PSA está menos ligada
são medular por lesão vertebral e fraturas patológicas são
a proteínas no soro. Assim, métodos auxiliares na interpre-
comuns na fase avançada da doença, decorrentes de me- tação da dosagem do PSA podem ser úteis na diferenciação
tástases. entre doença benigna e câncer. Há uma correlação entre
O exame clínico da próstata realizado pelo toque retal volume prostático e produção do PSA, e, logo, espera-se
é o mais importante instrumento de avaliação clínica do que em grandes adenomas haja uma elevação do PSA. O
câncer de próstata; sua sensibilidade para o diagnóstico quociente entre o PSA sérico e o peso ou volume da prósta-
desse câncer é de 67 a 69%, e a especificidade, de 89 a ta medido pela ultrassonografia é denominado densidade
97%. Porém, o toque retal é frequentemente normal em do PSA, e esse recurso é utilizado quando o paciente apre-
portadores de tumores localizados na porção central ou senta hipertrofia prostática associada à elevação do PSA. A
anterior da próstata, que ocorrem em cerca de 20% dos densidade deste é considerada normal quando inferior a
casos. Em doenças localmente avançadas, o toque retal 20%. O PSA pode também elevar-se com o envelhecimento;
tem elevado índice de suspeição, com achados de nódu- é normal um aumento de até 0,75ng/mL/ano. Tal conceito
los endurecidos com limites imprecisos. Acometimento de é denominado velocidade do PSA. O PSA pode também ser
órgãos vizinhos, particularmente o reto e a bexiga, pro- estratificado por idade, conforme a Tabela 3.
vocando obstrução e sangramento, são comuns na fase
Tabela 3 - PSA sérico estratificado por idade
avançada da doença.
Faixa etária Limite superior
Tabela 2 - Quadro clínico mais comum do câncer de próstata (anos) (ng/mL)
Tumor locali- Geralmente assintomático; 70 a 80% apre- 40 a 49 2,5
zado sentam nódulo prostático ao toque. 50 a 59 3,5
Sintomas obstrutivos, hematúria, hemosper- 60 a 69 4,5
Tumor localmen-
mia; próstata heterogênea, múltiplos nódu-
te avançado 70 a 79 6,5
los, limites imprecisos.
Sintomas decorrentes das metástases, dor Atualmente, entretanto, o método alternativo de do-
Tumor avançado
óssea, compressão vertebral. sagem do PSA mais utilizado é a relação PSA livre/total.
Foi observado que, em pacientes portadores de câncer de
4. Diagnóstico próstata, a fração livre do PSA é inferior à da população nor-
mal em decorrência do aumento da forma complexa do PSA
O advento do PSA revolucionou o diagnóstico do câncer
ligado a proteínas plasmáticas. Considera-se sugestiva de
de próstata, visto que tumores na forma localizada são as-
câncer de próstata a relação PSA livre/total inferior a 25%.
sintomáticos, e, muitas vezes, já há alteração na dosagem
do PSA mesmo na fase inicial. As campanhas de prevenção Tabela 4 - Outras formas de interpretação do PSA
e de conscientização contra o câncer de próstata estimula-
Definição Valor normal
ram a população masculina a procurar auxílio médico para
exames de rastreamento. Com base na epidemiologia e nos Densidade do PSA/volume da próstata
<20%
PSA pelo UGS
fatores de risco, atualmente considera-se que todo homem
com idade superior a 40 anos, mesmo assintomático, deve Velocidade do <0,75ng/mL/
Elevação anual
PSA ano
fazer avaliação prostática anual. A avaliação para o rastrea-
mento é feita pelo exame clínico, com ênfase ao toque retal Forma livre/conjugada a
PSA livre/total >25%
e à dosagem do PSA. proteínas

79
UROLO G I A

Os pacientes com toque retal suspeito, principalmen- malignas. A PIN é graduada em alto e baixo grau, esta última
te pela presença de nódulos endurecidos, e/ou alteração sem importância clínica e não utilizada rotineiramente, mes-
na dosagem do PSA que sugere a presença de câncer, de- mo em laudos de biópsias. A PIN de alto grau, entretanto, é
vem prosseguir a investigação com biópsia prostática. considerada lesão pré-maligna, e orienta-se uma nova bióp-
Atualmente, a biópsia é realizada, na grande maioria dos sia em um período de 6 a 12 meses. A positividade para o
centros, por via transretal e guiada por ultrassonografia adenocarcinoma, nessa 2ª biópsia, varia de 20 a 35%.
(Figura 1). Tal procedimento permite avaliar o tamanho da
próstata, a presença de nódulos com ecogenicidade altera-
da e que sugerem presença de câncer, assim como a obten-
ção de múltiplos fragmentos prostáticos para avaliação his-
tológica. Porém, os achados da ultrassonografia de próstata
não são patognomônicos de câncer e apenas auxiliam na
avaliação global do paciente. A acurácia desse exame para
detecção de câncer, quando avaliados apenas os achados
radiológicos, é de 50 a 60%. Em casos localmente avança-
dos, a ultrassonografia transretal já pode demonstrar sinais
de lesão extraprostática, como nódulos grandes com exten-
são além dos limites da cápsula.

Figura 2 - Graus do adenocarcinoma com base no sistema de


Gleason

O adenocarcinoma de próstata é graduado pelo sistema


de Gleason, que estabelece 5 padrões de morfologia glandu-
lar, graduados de 1 a 5, sendo 1 correspondente à arquite-
tura prostática mais próxima do normal e 5 correspondente
à mais indiferenciada (Figura 2). A soma dos 2 padrões mais
frequentes é chamada de escore de Gleason, que varia, por-
tanto, de 2 a 10. Há uma estreita correlação entre o escore de
Gleason e o comportamento biológico do tumor, com uma
nítida redução de sobrevida em escores superiores a 6. De
acordo com o sistema de Gleason, escores de 2 a 4 repre-
Figura 1 - Indicações e técnica de biópsia de próstata: (A) toque sentam tumores bem diferenciados, 5 a 7, moderadamente
retal (DRE – Digital Rectal Examination); (B) produção do PSA
diferenciados, e 8 a 10, tumores indiferenciados.
na próstata e sua passagem ao sangue; (C) introdução do tubo
(transdutor do aparelho de ultrassonografia) pelo ânus e retirada
de fragmentos 6. Estadiamento
A fosfatase ácida prostática foi o 1º marcador bioquími- Como em toda neoplasia, o tratamento do câncer de
co utilizado em câncer de próstata, porém a introdução do próstata depende do estadiamento. A avaliação local visa di-
PSA na prática clínica cotidiana diminuiu a utilização desse ferenciar o câncer localizado, que não invade a cápsula pros-
marcador, uma vez que a fosfatase ácida se eleva geralmen- tática, do tumor localmente avançado, que pode atingir vesí-
te em doença metastática, principalmente metástase óssea. culas seminais, colo vesical e até mesmo o reto. Tal distinção
pode ser difícil quando o acometimento extraprostático é pe-
queno. O exame digital da próstata mostrando a presença de
5. Histologia e graduação múltiplos nódulos endurecidos ou a perda dos limites anatô-
O tipo histológico mais comum em câncer de próstata micos é bastante sugestivo de doença localmente avançada.
é o adenocarcinoma, que corresponde a mais de 95% das A avaliação radiológica da próstata, em muitas ocasiões,
neoplasias. Tumor de células escamosas e/ou tumor de cé- é ineficaz no diagnóstico de acometimento extracapsular.
lulas transicionais são raros. Os achados ultrassonográficos mais sugestivos de câncer de
Um achado frequente em biópsias prostáticas, não de- próstata são lesões nodulares hipoecogênicas com bordas ir-
finido como câncer, é a neoplasia intraepitelial prostática regulares (60%), porém as lesões podem ser isoecoicas ou, até
(PIN), que consiste em uma glândula com estrutura de aspec- mesmo, hiperecoicas. A sensibilidade e a especificidade da ul-
to benigno, porém com atipias citológicas de características trassonografia são baixas.

80
C Â N C E R D E P R Ó S TATA

A ressonância nuclear magnética com bobina endorretal grafia computadorizada, método com sensibilidade variável,
é o exame radiológico que proporciona imagens melhores de 30 a 70%, e especificidade ao redor de 70%, além de ser
das lesões extraprostáticas e de acometimento dos feixes capaz de identificar linfonodos quando maiores que 2cm.
vasculonervosos que contêm o nervo eretor. Mesmo assim, Não se recomenda a tomografia computadorizada a pacien-
a ressonância nuclear magnética negativa para doença ex- tes com tumores de baixo grau e dosagens baixas de PSA.

UROLOGIA
traprostática não exclui totalmente essa possibilidade. Na suspeita de acometimento linfonodal devido à
O PSA não faz parte, mas auxilia no estadiamento clíni- elevação do PSA ou tumor de alto grau, muitos autores
co, uma vez que a grande maioria dos pacientes com do- defendem a linfadenectomia obturatória como estadia-
sagens superiores a 50ng/mL raramente apresenta tumo- mento. Alguns a defendem no mesmo tempo cirúrgico
res localizados, enquanto indivíduos com PSA menor que da prostatectomia radical e análise por congelação ou
10ng/mL têm baixa probabilidade de metástases. como procedimento cirúrgico isolado. Tumores localmen-
Todos esses exames são utilizados no estadiamento clí- te avançados apresentam 35 a 46% de acometimento
nico local da neoplasia, como indicado a seguir (Figura 3). linfonodal. A avaliação do acometimento ósseo pelo tu-
- T1: tumor localizado – respeita os limites da cápsula. mor de próstata é feita pela cintilografia óssea (Figura 4),
Geralmente, é produto de ressecção transuretral de recomendada, sobretudo, a pacientes com PSA acima de
próstata. Não tem nódulo palpável. 10ng/mL. Metástases ósseas ocorrem em 80% dos pacien-
• T1a e b: achados incidentais em cirurgia de rotina tes com doença avançada; 80%, lesões osteoblásticas, 5%,
para HBP; osteolíticas, e o restante, mistas; a cintilografia óssea é
• T1c: biópsia efetuada por elevação do PSA. mais sensível do que a radiografia simples do esqueleto
(Figura 5) e detecta a metástase óssea, em média, 6 meses
- T2: tumor localizado com nódulo palpável; antes da alteração radiográfica.
- T3: tumor localmente avançado, invade vesículas se-
minais ou estruturas extracapsulares; Tabela 5 - Exames utilizados no estadiamento do câncer de próstata
- T4: invasão de órgãos vizinhos, como reto e bexiga. Exame Indicação
Tomografia computa- PSA >30ng/mL, pesquisa de metástase
dorizada linfonodal acima de 2cm
Ressonância nuclear Avaliação do acometimento prostático,
magnética feixes vasculonervosos
Cintilografia óssea PSA >10ng/mL
Linfadenectomia
PSA >20ng/mL, tumores de alto grau
obturatória

Figura 3 - Estadiamento local do câncer de próstata

Os linfonodos acometidos inicialmente por metástases


são os do grupo obturador da cadeia ilíaca externa. Em ge-
ral, quanto maior e menos diferenciado o tumor, maior o
risco de metástase linfática. A avaliação linfonodal varia de
N0 (ausência de comprometimento) a N3 (múltiplas me-
tástases de linfonodos de grande volume). A disseminação
hematogênica acontece, em especial, para ossos, pulmão,
fígado e rins; os últimos, mais tardiamente.
Pelo alto risco de metástase linfática em pacientes com
PSA acima de 30ng/mL, recomenda-se avaliação por tomo- Figura 4 - Cintilografia óssea demonstrando metástases difusas

81
UROLO G I A

vida em bloco, junto com as vesículas seminais (Figura 10);


o colo vesical é então reconstruído e anastomosado ao coto
de uretra membranosa. A próstata pode ser acessada por
via perineal, retropúbica, videolaparoscópica e mais recen-
temente robótica. A via perineal é utilizada em pacientes
com anatomia pélvica favorável e PSA inferior a 10ng/mL,
pois esse acesso não permite a dissecção dos linfonodos
pélvicos, e a linfadenectomia pode ser omitida nesse grupo.
A via retropúbica é a mais frequentemente utilizada, com a
vantagem de permitir a dissecção dos feixes vasculonervo-
sos envolvidos no mecanismo da ereção. A prostatectomia
radical robótica já é uma realidade em diversos centros na
Europa, Estados Unidos e mais recentemente no Brasil, re-
duzindo período de internação e taxas de transfusão, po-
rém os benefícios quanto à disfunção erétil e à incontinên-
cia urinária ainda estão sendo avaliados.

Figura 5 - Metástase em porção proximal do úmero

7. Tratamento
Poucas doenças têm formas de tratamento tão varia-
das e eficientes, o que obriga o médico a decidir por uma
conduta particularizada. Para definir a melhor conduta, é
necessário avaliar a extensão da doença, a agressividade
da neoplasia, a expectativa de vida, a presença de co-
morbidades e a opção do paciente perante as vantagens
e as possíveis complicações de cada tratamento. A seguir, Figura 6 - Anatomia cirúrgica da próstata
serão discutidas as principais modalidades de tratamento
e, posteriormente, a indicação conforme o estadiamento.

A - Observação vigilante ou conduta expectante


O câncer de próstata é altamente prevalente em idosos.
Porém, frequentemente, o tumor apresenta comportamen-
to biológico pouco agressivo, latente. Assim, pacientes mais
velhos, principalmente com idade superior a 75 anos, não
se beneficiam com o tratamento radical, pois é mais comum
morrerem de outras causas, mesmo na ausência de trata-
mento para o câncer de próstata. Pacientes com outras co-
morbidades graves, em que se confirma expectativa de vida
inferior a 10 anos, também podem apresentar essa mesma
evolução. Para tais grupos, idosos e/ou com comorbidades
graves, quando portadores de tumores com características
pouco agressivas, ou seja, escore de Gleason baixo e dosa-
gem de PSA pouco elevada, é proposta a observação com
avaliação periódica do PSA e toque retal.

B - Prostatectomia radical
O tratamento cirúrgico do câncer da próstata pela re-
moção total da glândula foi proposto há muitos anos, po-
rém ganhou impulso somente após os estudos de Walsh e
Figura 7 - Secção do complexo venoso dorsal e uretra
Reiner, nos anos 1980 (Figuras de 6 a 9). A próstata é remo-

82
C Â N C E R D E P R Ó S TATA

A hemorragia, historicamente, tem sido a complicação


intraoperatória mais comum e incômoda, porém os refina-
mentos técnicos permitiram a redução substancial da perda
sanguínea. Lesão retal é uma complicação rara, ao redor de
0,5%. A mortalidade perioperatória das grandes séries é de

UROLOGIA
0,5%. Trombose venosa profunda e tromboembolismo pul-
monar são mais frequentes, pois há aumento da prevalência
em pacientes oncológicos e submetidos a cirurgias pélvicas.
A incontinência urinária persiste como a mais temerosa
complicação da prostatectomia radical. A dissecção cuida-
dosa do ápice prostático e a preservação dos feixes vascu-
lonervosos e da musculatura esfincteriana permitiram a
diminuição das taxas de incontinência. Dados provenientes
de grandes centros norte-americanos referem taxas de in-
continência ao redor de 10%; na maioria dos homens, as
perdas ocorrem aos grandes esforços.
Disfunção erétil é a complicação mais frequente após
prostatectomia radical e está relacionada à idade, estadio
da neoplasia e preservação ou excisão dos feixes vascu-
lonervosos. Diminuição da função erétil, parcial ou total,
Figura 8 - Preservação dos nervos eretores e tratamento do colo acontece em até 70% dos pacientes, porém os refinamen-
vesical após retirada da peça tos técnicos propostos por diversos cirurgiões demonstram
reduções desses índices.
O candidato ideal para prostatectomia radical é o paciente
com doença localizada, com características biológicas agressi-
vas, expectativa de vida de 10 a 20 anos e livre de graves co-
morbidades. Optando-se por conduta conservadora, 50 a 75%
de tumores com essas características progredirão em 10 anos
de acompanhamento, e, na ausência de tratamento, 13 a 20%
desses pacientes evoluirão para óbito decorrente do câncer de
próstata. Em doenças confinadas à próstata, a prostatectomia
radical oferece a maior chance de sobrevida livre de doença
em longo prazo (85% em 15 anos). O PSA é também utilizado
no seguimento da prostatectomia radical, e valores inferiores a
Figura 9 - Anastomose uretrovesical 0,2ng/mL são considerados como livre de doença.

C - Radioterapia
A radioterapia tem sido utilizada no tratamento do cân-
cer de próstata por décadas, pois está demonstrado que a
doença é responsiva à radiação ionizante. Nos últimos anos,
a evolução nos métodos de imagem por tomografia compu-
tadorizada, reconstruções tridimensionais e o melhor en-
tendimento da biologia molecular desse câncer permitiram
uma grande evolução no tratamento radioterápico, sendo
introduzidos novos métodos, como a radioterapia confor-
macional e a radioterapia de intensidade modulada, que
permitem maior dose de radiação e melhores resultados.
Os resultados oncológicos são satisfatórios e semelhan-
tes aos da prostatectomia radical, porém, em geral, ligeira-
mente inferiores. A comparação de resultados dos métodos
é bastante difícil, uma vez que, frequentemente, a radio-
terapia é indicada a pacientes idosos e com tumores mais
avançados. Grandes séries de radioterapia conformacional
apresentam taxas de sobrevida livre de doença em 5 anos
Figura 10 - Produto de prostatovesiculectomia radical em torno de 75%. A braquiterapia também tem sido utili-

83
UROLO G I A

zada em indivíduos com adenocarcinoma de próstata com


glândulas de tamanho normal e sem antecedentes de ma-
nipulação cirúrgica (Figura 11).
O seguimento pós-radioterapia não é tão simples quan-
to após a prostatectomia radical, uma vez que a próstata
permanece in loco, influindo na dosagem do PSA durante
o tratamento.
As principais complicações da radioterapia prostática são:
- Lesões actínicas dos órgãos circunjacentes à próstata,
como o reto e a bexiga;
- Sintomas urinários cujas taxas estão ao redor de 5%;
- Disfunção erétil, cujas taxas, após 1 ano de procedimen-
to, estão em torno de 50%, porém a resposta ao silde-
nafila é bastante satisfatória (aproximadamente, 85%).

Figura 12 - Modelo esquemático e punções perineais para criote-


rapia

E - Hormonoterapia
Na década de 1940, Huggins e Hodges estudaram os
efeitos da estrogenoterapia sobre o câncer de próstata, o
que lhes rendeu o prêmio Nobel em 1946. Desde então, o
bloqueio androgênico tem sido utilizado no tratamento do
câncer de próstata, principalmente nas formas metastáticas
da doença.
Os andrógenos são produzidos, principalmente, pelas
Figura 11 - Braquiterapia por agulha células de Leydig, localizadas nos testículos, e em menor
quantidade no córtex adrenal. A produção desses hormô-
D - Crioterapia nios é estimulada pelos hormônios hipofisários LH, FSH e
ACTH. O tratamento hormonal visa à interrupção direta da
A aplicação de temperaturas extremamente baixas para produção ou à redução do estímulo hipofisário para dimi-
o tratamento de câncer é bastante antiga. Foi empregada nuir a produção de andrógenos.
para o tratamento de câncer de próstata inicialmente nos Os mecanismos utilizados para o bloqueio são:
anos 1960; porém, apenas com a evolução dos métodos - Castração cirúrgica pela orquiectomia bilateral;
de imagem para o controle do processo de congelamento
e dos equipamentos de congelação é que a técnica foi rein-
- Agonistas parciais dos hormônios hipofisários (LHRH);
troduzida no final dos anos 1980. Atualmente, é utilizada - Esteroides antiandrogênicos (glutamida, ciproterona);
para pacientes com tumores localizados, localmente avan- - Estrogenoterapia.
çados e em recidivas após radioterapia, em que os resulta- O bloqueio androgênico promove a apoptose das célu-
dos e as complicações são bastante satisfatórios. las cancerosas, com redução da massa tumoral, regressão
das metástases e diminuição dos níveis de PSA. Contudo,
pela presença de células cancerosas hormônio-resistentes,
essa forma de tratamento não é curativa, mas promove me-
lhora dos sintomas urinários obstrutivos e redução da dor
óssea e, até mesmo, da compressão medular por metásta-
ses vertebrais na fase inicial do tratamento.
Os principais efeitos colaterais do bloqueio androgênico
são anemia, osteoporose, diminuição da libido, disfunção
erétil e ondas de calor.

F - Quimioterapia
Recentemente, demonstraram-se benefícios da quimio-
terapia em portadores de câncer de próstata hormônio-

84
C Â N C E R D E P R Ó S TATA

-resistente, utilizando docetaxel associado a estramustina Tabela 6 - Evolução por tratamento e características da neoplasia
ou prednisona. Houve aumento da sobrevida dos pacientes Características/
Tratamento Evolução
quando comparados aos esquemas antigos. Entretanto, o estadiamento
melhor momento para a utilização da droga ainda não foi - Prostatectomia
definido, e estudos maiores, multicêntricos, ainda são ne- Tumores locali- radical, radiote-

UROLOGIA
cessários para definirem a eficiência do tratamento. zados, Gleason rapia, observação - >10 anos.
<7 vigilante em casos
selecionados.
8. Prognóstico - Prostatectomia - Recidiva mais co-
Tumores locali-
radical, radioterapia mum, sendo neces-
Como já comentado, o prognóstico do câncer de prós- zados, Gleason
em pacientes mais sário tratamento
tata está intimamente relacionado às características do tu- ≥7
idosos. adicional.
mor, o que atualmente se avaliam por fatores como escore - Radioterapia com-
de Gleason, estadiamento etc., assim como condições clíni- binada com hormo-
cas e díade. Neoplasias de baixa agressividade em muitos Tumores noterapia; prosta- - Doença metastática
idosos ou portadores de graves comorbidades geralmen- localmente tectomia radical em após alguns anos do
avançados casos selecionados tratamento inicial.
te não trazem prejuízo à sobrevida ou qualidade de vida. (melhor controle
Contudo, neoplasias indiferenciadas ou metastáticas apre- local da doença).
sentam evoluções extremamente desfavoráveis. A seguir, a - Hormonoterapia;
descrição de tratamentos e evolução mais frequentes das - Prognóstico reserva-
Tumores - Quimioterapia na
do, raramente supe-
situações mais comuns dos indivíduos com adenocarcino- metastáticos falha hormonal;
rior a 5 anos.
ma de próstata. - Cuidados paliativos.

9. Tratamento
Sintomas ou exame preventivo

Diagnóstico confirmado por elevação de PSA


ou alteração no toque retal

Câncer pequeno Câncer volumoso Invasão dos Metástase óssea


e restrito à ainda restrito à tecidos peri- ou linfonodal
próstata próstata prostáticos prostáticos

Cirurgia se boas
condições
Observação
clínicas/jovem
vigilante,
radioterapia ou
cirurgia

Hormonoterapia e
Avaliar tratamento adjuvante com radioterapia ou
tratamento dos
hormônio
sintomas/obstrução

10. Resumo Estadiamento


Quadro-resumo - Depende do PSA e achados no toque retal – tomografia, resso-
nância, cintilografia.
Diagnóstico
Tratamento – depende do estadio e das condições clínicas do
- Doença localizada – elevação do PSA, toque retal suspeito; paciente
- Doença localmente avançada – sintomas urinários, hematúria; - Doença localizada – prostatectomia radical ou radioterapia;
- Doença metastática – dor óssea, obstrução urinária. - Doença localmente avançada – radioterapia, associada à hor-
Tipo histológico monoterapia;
- Adenocarcinoma. - Doença metastática – hormonoterapia.

85
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

15
Câncer de bexiga

Ernesto Reggio

1. Introdução 3. Quadro clínico e diagnóstico


O tumor vesical é uma das mais desafiadoras doenças Cerca de 80% dos pacientes apresentam hematúria mi-
da Urologia, pois envolve, principalmente quando invade croscópica ou macroscópica, geralmente indolor, imotivada
o músculo detrusor, cirurgias de grande porte e reconstru- e recorrente. Sintomas irritativos, como polaciúria e urgên-
ções urinárias das mais variadas. É a 2ª neoplasia genituri- cia miccional e disúria, constituem os sintomas iniciais em
nária mais comum, e o pico de incidência se dá dos 50 aos até 20%, mais comumente nos portadores de carcinoma in
70 anos, sendo 3 vezes mais comum em homens. situ. A obstrução do trato urinário superior ocorre, habitu-
Mais de 90% dos tumores vesicais são carcinomas de almente, nos casos de tumores invasivos.
Diante dessas queixas, a avaliação radiológica é, então,
células transicionais, e são mais raramente encontrados
indicada; são fundamentais o correto diagnóstico e o esta-
tumores de células escamosas (7 a 8%) e adenocarcinoma
diamento do tumor vesical. O ultrassom tem a vantagem de
(1 a 2%).
ser não invasivo e não ionizante e permitir a avaliação do
trato superior, porém não é útil no estadiamento local da
2. Etiologia doença. Na urografia excretora, podem-se encontrar falhas
A etiologia do câncer de bexiga está intimamente rela- de enchimento em 60% dos casos (Figura 1), permitindo,
cionada com fatores agressores da mucosa vesical. Os prin- também, a avaliação do trato superior.
cipais fatores de risco são:
- Tabagismo: responsável por até 60% dos tumores. O
fumo leva à deficiência de vitamina B6, importante
no metabolismo de produtos endógenos derivados
do triptofano, que são carcinogênicos. O risco relacio-
nado ao tabagismo é cumulativo e dose-dependente.
Estima-se que o abandono do hábito de fumar reduza,
em até 4 anos, 60% do risco de câncer, porém o risco
nunca será igual ao da população não fumante;
- Anilina e benzina, utilizados no corante e/ou na manu-
fatura de borracha, couro e corantes;
- Ciclofosfamida, agentes alquilantes;
- Radioterapia pélvica;
- Infecções de repetição, corpo estranho intravesical. Figura 1 - Falha de enchimento vesical em urografia excretora

86
CÂNCER DE BEXIGA

A cistoscopia é a conduta-padrão no diagnóstico e no


acompanhamento do câncer vesical. Lesões compatíveis
com câncer de bexiga, nesse exame, são confirmadas na
maioria dos casos pelo anatomopatológico. Além da cis-
toscopia, a ressecção transuretral do tumor proporciona

UROLOGIA
material para diagnóstico histológico e, até mesmo, para
tratamento em tumores superficiais. Toda mucosa vesical,
assim como mucosa prostática e da uretra bulbomembra-
nosa, deve ser avaliada minuciosamente.

Figura 3 - Lesão vesical e dilatação do ureter esquerdo

A avaliação da urina, por ser fácil e inócua, é utilizada


tanto para o diagnóstico como para o seguimento do tumor
vesical. A citologia oncótica urinária é um excelente método
diagnóstico para tumores indiferenciados, todavia com bai-
xa sensibilidade em tumores bem diferenciados. A especi-
ficidade da citologia, entretanto, é extremamente elevada,
devendo ser considerada a presença de neoplasia urotelial,
mesmo que a cistoscopia não tenha identificado a lesão.
Tumores do trato superior devem sempre ser lembrados
nesta situação.
Diversos marcadores tumorais urinários foram propos-
tos, sendo muito promissora a sua utilização; contudo, ain-
da não são utilizados rotineiramente na prática clínica pela
sua baixa acurácia.
Estabelecido o diagnóstico de carcinoma vesical, o es-
tadiamento local é realizado com base no acometimento
das diversas camadas de parede vesical (Figura 4), ava-
liado pela cistoscopia ou pela ressecção transuretral. O
envolvimento da camada muscular confere maior agres-
sividade ao tumor. Entretanto, a presença de tumores
multifocais, grandes, tumores superficiais indiferencia-
dos denominados carcinoma in situ, pode também de-
monstrar sinais de agressividade e necessidade de trata-
Figura 2 - Ressecção transuretral do tumor mento radical.

Tendo sido confirmado o diagnóstico de câncer vesical Tabela 1 - Classificação TNM


na biópsia proveniente da cistoscopia, a avaliação radioló- Ta Tumor papilífero não invasivo.
gica é completada, principalmente em tumores invasivos, TIS Carcinoma in situ.
com tomografia computadorizada. Esse exame permite a
T1 Invasão do tecido conectivo subepitelial.
avaliação de tumores com extensão para tecidos perive-
sicais, acometimento prostático e das vesículas seminais, T2a Invasão do tecido muscular superficial.
linfonodos maiores que 2cm; portanto, muito útil no es- T2b Invasão do tecido muscular profundo.
tadiamento do tumor vesical (Figura 3). O estadiamento é T3a Invasão microscópica do tecido perivesical.
complementado por radiografia de tórax e, quando há sus-
T3b Invasão macroscópica do tecido perivesical.
peita, tomografia computadorizada de tórax. Aos pacientes
com queixa de dor óssea ou que apresentam elevação de T4a Invasão da próstata, do útero, da vagina.
fosfatase alcalina, indica-se a cintilografia óssea. T4b Invasão da parede pélvica ou abdominal.

87
UROLO G I A

B - Estadio II (T2)
O acometimento da camada muscular da bexiga tem,
como tratamento-padrão, a cistectomia radical. Entretanto,
pela morbimortalidade desse procedimento, tratamen-
tos alternativos são propostos em ocasiões especiais.
Procedimentos que promovem a preservação vesical são
muito interessantes para os pacientes, principalmente
aqueles que não aceitam derivação urinária externa.
Portadores de tumores com invasão superficial da cama-
da muscular (T2a), não associados à presença de carcinoma in
situ, são candidatos à ressecção transuretral, frequentemente
associada a algum esquema de quimioterapia. A cistectomia
parcial pode ser indicada a portadores de tumores solitários,
com margens bem definidas, e localizados à distância do trígo-
no vesical. A grande preocupação nos casos de ressecção par-
Figura 4 - Estadiamento local cial e preservação de bexiga é que o tecido vesical remanes-
cente permanece exposto ao fator agressor e carcinogênico,
sendo, portanto, elevado o risco de recorrência. Protocolos
4. Tratamento de preservação vesical têm sido desenvolvidos em diversos
A decisão da terapêutica decorre, principalmente, da centros, com o objetivo de diminuir a morbidade do tratamen-
extensão do acometimento tumoral da parede vesical. to convencional por cistectomia. Nestes casos, o tratamento
Outros fatores, como grau de diferenciação do tumor, re- geralmente é multimodal, comumente envolvendo ressecção
cidivas e envolvimento da mucosa prostática, podem tam- transuretral, quimioterapia e radioterapia.
bém influenciar a indicação de tratamento cirúrgico radical. A cistectomia radical é o tratamento mais efetivo para os
tumores que invadem a camada muscular. Nos homens, o
A - Estadio I (Ta a T1) procedimento compreende a retirada em bloco da bexiga, da
próstata e das vesículas seminais, ou seja, cistoprostatectomia
A apresentação mais frequente do câncer de bexiga é radical. Nas mulheres, é indicada a exenteração pélvica ante-
a neoplasia superficial, em até 80% dos casos. Esse tipo de rior, com retirada da bexiga, do útero, dos anexos e dos ová-
lesão é tratado, inicialmente, por ressecção endoscópica rios. A ressecção do tumor é completada com a linfadenecto-
transuretral. Todavia, em até 50% dos tumores, há a recor- mia pélvica bilateral; procede-se, então, à derivação urinária.
rência da lesão, esta mais frequente quando o tumor, ape- A mortalidade relacionada ao procedimento é de 2,5%,
sar de superficial, é formado por células indiferenciadas, porém as complicações relacionadas ao procedimento nos
multifocais ou então de grande volume. Até 25% dos tumo- primeiros 4 meses acontecem em 27% dos pacientes.
res superficiais evoluem para tumores invasivos da camada A despeito das técnicas de preservação dos nervos ere-
muscular. Devido a essa possível evolução, os tumores que tores, a disfunção erétil permanece uma complicação co-
apresentam características agressivas devem ser tratados mum nos submetidos à cistoprostatectomia. A sobrevida
com terapia complementar. A instilação vesical de BCG, ob- livre de doença, 5 anos após o procedimento, na maioria
tida a partir de cepas atenuadas de Mycobacterium bovis, é dos estudos, é de 65%, todavia o acometimento linfonodal
usada rotineiramente como profilaxia da recorrência destes reduz tal expectativa.
tumores, com índices de sucesso de até 60%. Quimioterapia Procedimentos por via laparoscópica e até mesmo cirur-
intravesical, com diferentes drogas, como tiotepa, mitomi- gia robótica têm sido cada vez mais frequentes, reduzindo a
cina e epirrubicina, também é utilizada a fim de aumentar morbidade do ato cirúrgico, com menor sangramento, tempo
o intervalo de recorrência, porém não diminui a progressão de íleo paralítico etc., e com resultados oncológicos, até o mo-
tumoral ou o tempo de surgimento de metástases. mento, semelhantes em médio prazo de acompanhamento.
Em pacientes que apresentam recorrência da lesão, não A escolha da derivação urinária considera cada paciente.
responsiva aos tratamentos intravesicais, principalmen- Idade, condições clínicas e extensão da neoplasia são os fa-
te na presença de características tumorais que conferem tores decisivos na escolha. A derivação mais próxima do me-
maior agressividade à lesão, pode ser indicada a cistecto- canismo fisiológico de armazenamento e esvaziamento uri-
mia radical. A possibilidade de subestadiamento do tumor nário é a neobexiga ortotópica (Figura 5), em que é realizada
é também um grande dilema na conduta de tumores re- a reconstrução com alça intestinal em forma de bolsa, são
cidivantes. Pacientes submetidos à cistectomia radical por anastomosados os ureteres nessa bolsa e, por fim, a uretra à
lesões superficiais, em até 30% dos casos, apresentam bolsa. Está indicada a pacientes com tumores não localmen-
envolvimento da camada muscular quando da avaliação te avançados, pacientes mais jovens, sem comprometimento
anatomopatológica do espécime. linfonodal ou do colo vesical e da uretra prostática.

88
CÂNCER DE BEXIGA

C - Estadio III (T3)


O tratamento mais indicado é a cirurgia radical, em ge-
ral, seguida de derivação urinária pela técnica de Bricker.
Diversos protocolos de quimioterapia neoadjuvante ou ad-

UROLOGIA
juvante têm sido desenvolvidos, com resultados animado-
res em algumas séries.

D - Estadio IV (T4)
Em muitos casos, os tumores são irressecáveis por
Figura 5 - Neobexiga ileal ortotópica cirurgia radical, então são realizadas a ressecção tran-
suretral, para o controle de sangramento, e medidas
Para pacientes com as mesmas condições clínicas, po- alternativas, como radioterapia. Caso persista o sangra-
rém com lesão no colo vesical ou uretra prostática, são de mento, podem ser realizados derivação urinária e con-
escolha as derivações urinárias externas continentes, ou trole daquele por ligadura de artérias vesicais ou, então,
seja, sem necessidade de bolsa coletora, e os indivíduos instilação de soluções, como formol. Diversos protocolos
procedem ao esvaziamento da derivação em média 4 vezes de quimioterapia são propostos e, atualmente, algumas
por dia, por meio de cateterismo (Figura 6). drogas menos tóxicas que a cisplatina, tradicionalmente
Em idosos, pacientes com condições clínicas menos indicada ao câncer de bexiga, têm apresentado resulta-
favoráveis ou tumores localmente avançados, a derivação dos promissores.
mais frequentemente utilizada é o conduto ileal ou a cirur-
gia de Bricker, em que um segmento de alça ileal é excluído
do trato digestivo, são anastomosados os ureteres na alça e,
então, é realizada ileostomia cutânea (Figura 7).

Figura 6 - Autocateterismo

Figura 8 - Diagnóstico e tratamento do câncer de bexiga

5. Resumo
Quadro-resumo
Fator de risco Tabagismo.
Tipo histoló-
Carcinoma de células transicionais.
gico
Quadro clí-
Hematúria, disúria, dor lombar.
nico
Diagnóstico USG, TC, RTU da lesão, citologia urinária.

Figura 7 - Cirurgia de Bricker

89
UROLO G I A

- Ta/T1 (superficial) - RTU e, se necessário, trata-


mento adjuvante intravesical;
- T2 (profundo - invasão da camada muscular) - cis-
Tratamento –
tectomia radical;
depende da
- T3 (profundo - invasão de tecidos adjacentes)
profundidade
- cistectomia radical, quando possível, e qui-
da lesão
mioterapia;
- T4 (metastático) - quimioterapia, derivação uri-
nária, se necessário.
Tratamento

90
CAPÍTULO

16
Disfunção erétil

Odival Timm Jr.

1. Introdução 4. Etiologia
A Disfunção Erétil (DE) é a incapacidade persistente em A maioria dos fatores que afeta a prevalência da DE or-
obter e/ou manter ereção adequada para uma atividade se- gânica relaciona-se a doenças crônicas, cirurgias, traumas,
xual satisfatória. A expressão “disfunção erétil” define com agentes farmacológicos, tabagismo e abuso de álcool.
maior precisão a natureza desse distúrbio sexual do que o
termo “impotência”. De acordo com a intensidade dos sin- A - Doenças crônicas
tomas, pode ser classificada em:
- Leve: de início, há uma ereção normal durante o inter- - A doença aterosclerótica ocorre em cerca de 40% dos
casos de DE em homens com mais de 50 anos;
curso do ato sexual e, em seguida, perda da rigidez;
- Moderada: logo após a penetração, percebe-se a per- - A DE ocorre em cerca de 50% dos pacientes com diabe-
tes (variando de 28 a 59%);
da da rigidez;
- Grave: não se consegue o enrijecimento para a pene- - Acomete 90% dos homens com depressão grave.
tração. Estão associadas à DE:
• Insuficiência renal crônica (45%);
Diversos elementos orgânicos e psicológicos estão en-
volvidos na função erétil normal, incluindo fatores vascula- • Insuficiência hepática (70%);
res, neurológicos, hormonais e cavernosos. • Esclerose múltipla (71%);
• Doença de Alzheimer (53%);
2. Classificação • Doença pulmonar obstrutiva crônica (30%).

- Orgânica: provocada por lesões ou distúrbios vascula-


res, neurológicos, hormonais ou cavernosos;
- Psicogênica: em decorrência de inibição central do
mecanismo de ereção, sem a participação de compo-
nente orgânico;
- Mista (orgânica/psicogênica): composta pela combi-
nação de fatores orgânicos e psicogênicos.

3. Prevalência
O painel de consenso do Instituto Nacional de Saúde
(NIH) dos EUA revelou que a DE pode afetar até 30 milhões
de norte-americanos; 52% dos homens relataram algum Figura 1 - Prevalência da DE completa em homens com enfermida-
grau de DE (40 a 70 anos). des concomitantes tratadas

91
UROLO G I A

B - Drogas
Maconha (pode provocar esterilidade), álcool, heroína,
cocaína, barbitúricos. Algumas drogas das seguintes clas-
ses:
- Anti-hipertensivos;
- Vasodilatadores;
- Hipoglicemiantes;
- Agentes de ação cardíaca;
- Antidepressivos;
- Antagonistas H2;
- Hormônios;
- Anti-inflamatórios não hormonais;
- Tranquilizantes.

Figura 3 - Anatomia do pênis

Figura 4 - Antagonismo funcional

Figura 2 - Medicações associadas à DE completa


NANC Células endoteliais

NO
5. Fisiologia da ereção peniana GTP Guanilato-cliclase
Relaxamento

Constitui um evento hemodinâmico que envolve fato- GMPc Ereção peniana


res dos sistemas nervosos central e periférico, regulado GMP PDE5

pelo relaxamento das artérias cavernosas e da muscula- Figura 5 - Mecanismo bioquímico da ereção peniana
tura lisa dos corpos cavernosos. Em uma ereção normal,
com o estímulo erótico, há a liberação de neurotransmis-
sores, sendo o principal deles o óxido nítrico. Este age na 6. Diagnóstico
musculatura lisa peniana e ativa a enzima guanilato-cicla-
se, que provoca um aumento dos níveis de monofosfato
- História clínica: elemento importante para a desco-
berta de fatores que podem desempenhar algum pa-
de guanosina cíclico (GMPc), produzindo um relaxamento
pel no desencadeamento de quadros de DE;
da musculatura lisa dos corpos cavernosos e permitindo
o influxo de sangue e, consequentemente, a tumescência - História sexual: deve ser obtida tanto do paciente
peniana. quanto da parceira sexual, sempre que possível;
A enzima fosfodiesterase-5 (PDE-5), presente no tecido - Exame físico: contribui igualmente para a identificação
cavernoso, é responsável pela degradação do GMPc no cor- de fatores causais ou complementares;
po cavernoso, o que provoca o retorno do estado flácido - Avaliação psicológica: deve ser realizada também
do pênis. como parte da triagem inicial para determinar se fa-

92
DISFUNÇÃO ERÉTIL

tores psicossociais estão relacionados à DE e podem 7. Tratamento


requerer avaliação e/ou tratamento psicológico;
- Testes laboratoriais: recomendados para excluir even- - Eliminação dos fatores de risco modificáveis;
tuais quadros de diabetes não diagnosticados ou ou- - Aconselhamento e/ou psicoterapia;
tras doenças sistêmicas; - Medicamentos;

UROLOGIA
- Exames radiológicos: a cavernografia foi um exame - Administração de drogas por via transuretral;
muito utilizado no passado, com o objetivo de avaliar,
radiologicamente, pela injeção intracavernosa de con-
- Aplicação de injeção intracavernosa;
traste, os corpos cavernosos e a drenagem peniana. - Implantação de prótese peniana;
Atualmente, sua indicação é restrita aos casos de do- - Cirurgia venosa/arterial.
ença cavernoso-vaso-oclusiva de origem traumática,
em candidatos à cirurgia vascular; A - Eliminação dos fatores de risco
Evitar o uso de fumo, álcool e drogas; tratar a hiperten-
são arterial, o diabetes e as taxas elevadas de colesterol,
substituir medicamentos que prejudiquem a ereção por
outros sem tais efeitos colaterais, promover o controle do
peso e a prática de exercícios físicos em obesos e sedentá-
rios, evitar condições de estresse etc.

B - Aconselhamento e/ou psicoterapia


Os resultados positivos da psicoterapia quanto à melho-
ra da ereção, nos casos da DE de origem psicogênica, so-
mam 75% dos casos em 6 meses, e ao longo de 3 anos se
chega à soma de 96%.
Figura 6 - Cavernografia A média é de 16 sessões, na maioria dos casos. Os pa-
cientes que fazem terapia de casal evoluem mais rapida-
- Teste de ereção fármaco-induzida: tem por finalidade mente.
avaliar o tecido erétil mediante a injeção intracavernosa
de drogas vasoativas, identificar fator orgânico por meio
C - Medicamentos de uso oral
de uma resposta negativa ou parcial e também iniciar a
titulação da dose, quando o paciente opta pela terapia O tratamento da DE com uma droga por VO, eficaz e sem
intracavernosa. Diferentes drogas podem ser utilizadas, efeitos colaterais, é o ideal tanto para os médicos quanto
como papaverina, prostaglandinas, fentolaminas, den- para os pacientes. Ao longo do tempo, diversos medica-
tre outras. A reação adversa mais preocupante é a ere- mentos foram utilizados, todavia, sem apresentar eficiência
ção prolongada, que pode requerer as mesmas medidas comprovada.
necessárias para o tratamento do priapismo. Os inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (PDE5), como o
citrato de sildenafila (Viagra), a tadalafila (Cialis), a vardena-
fila (Levitra) e o cloridrato de lodenafila (Helleva) têm apre-
sentado excelentes resultados em estudos clínicos, dando
um novo alento ao tratamento da DE. Todavia, como todo
medicamento, necessita de uma avaliação criteriosa do pa-
ciente pelo médico, para estabelecer uma indicação precisa
de seu uso. Em hipótese alguma, o homem deve tentar “ex-
perimentar” qualquer medicação sem orientação médica. A
automedicação é sempre perigosa e deve ser evitada.
Recentemente, tivemos o lançamento do Ciallis Diário
e do Levitra ODT, sendo o 1º medicamento orodispersível
(dissolvido na boca, sem a necessidade da ingesta de lí-
quido).
Os efeitos colaterais destas medicações costumam ser
transitórios e de leve intensidade. Os mais frequentes são
cefaleia, rubor facial, epigastralgia e congestão nasal. Dor
lombar e mialgia são mais frequentes com o uso da tada-
Figura 7 - Injeção lafila.

93
UROLO G I A

D - Dispositivos de constrição a vácuo F - Aplicação de medicamentos no interior do


O estado de ereção é obtido por meio de uma pequena
corpo cavernoso
câmara de vácuo, onde é introduzido o pênis. A sucção pro- A injeção intracavernosa de determinadas drogas tem
vocada pelo vácuo causará o intumescimento dos tecidos sido uma ótima opção de tratamento na falha dos medica-
penianos. mentos orais para a DE. Prostaglandina, fentolamina, papa-
A ereção artificialmente provocada é mantida por meio verina e clorpromazina são as principais drogas utilizadas,
de um anel de borracha colocado na base do pênis, que im- isoladas ou em associação. A injeção é aplicada pelo pró-
pede o retorno do sangue através das veias superficiais do prio paciente, que deve ser bem orientado e treinado pelo
órgão. É um método de difícil emprego por pacientes sem médico até o perfeito domínio do método. O sucesso do
muita destreza manual. tratamento varia de 65 a 85%.

Figura 10 - Locais adequados para a injeção intracavernosa

G - Implantação de próteses penianas


Figura 8 - Tratamento da DE com sistema a vácuo
Procedimento cirúrgico, em que são colocadas estruturas
cilíndricas de silicone no interior dos corpos cavernosos, de
E - Administração de medicamentos por meio da modo a promover a manutenção artificial de um estado de
uretra rigidez peniana. A indicação básica da utilização das próteses
Medicação específica, a prostaglandina alprostadil é in- penianas são as disfunções eréteis de origem orgânica e a pa-
troduzida na uretra através de um aplicador próprio, que cientes que não se adaptem ou não apresentem resultados
acompanha o medicamento. Então, é absorvida pela mu- satisfatórios com outros métodos menos invasivos de trata-
cosa uretral, relaxando a musculatura lisa e promovendo a mento. Atualmente, as próteses mais utilizadas são de 2 tipos:
ereção. Estatisticamente, os resultados obtidos são inferio- a) Semirrígidas: constituídas por 2 cilindros com cama-
res aos observados com a injeção intracavernosa, mas tem das de silicone que envolvem filamentos de prata ou de aço
a vantagem de não utilizar agulhas. inoxidável, permitindo rigidez e maleabilidade satisfatórias
do pênis. Promovem uma rigidez permanente ao órgão.

Figura 11 - Prótese semirrígida


Figura 9 - Dispositivo de aplicação intrauretral

94
DISFUNÇÃO ERÉTIL

b) Infláveis: constituídas por 2 cilindros infláveis conecta-


dos a um reservatório de líquido e a uma bomba. O reserva-
tório de líquido pode ser de 2 e 3 volumes. Quando há 2 vo-
lumes, ficam na base dos próprios cilindros, que são introdu-
zidos nos corpos cavernosos, e a pequena bomba, colocada

UROLOGIA
sob a pele da bolsa escrotal. O manuseio da bomba promove
a insuflação do líquido nos cilindros, provocando a rigidez do
pênis. Na prótese inflável de 3 volumes, o líquido fica em um
reservatório independente, que é colocado no abdome. As
próteses infláveis, quando não acionadas, permitem que o
pênis assuma um aspecto mais natural de flacidez.

Figura 14 - Implante de prótese semirrígida

I - Cirurgias venosas e arteriais


Objetivam restabelecer a perfeita circulação de sangue
no pênis, nos casos em que esta se acha comprometida,
levando à DE. Diversas técnicas cirúrgicas foram propostas
ao longo dos anos. Atualmente, têm um papel limitado no
tratamento da DE.
Figura 12 - Prótese flexível
8. Resumo
H - Cirurgia de implante de prótese semirrígida Quadro-resumo
Disfunção erétil
A DE é a incapacidade persistente em obter e/ou manter ereção
adequada para uma atividade sexual satisfatória.
De início, há uma ereção normal durante o inter-
Leve
curso do ato sexual e, em seguida, perda da rigidez.
Logo após a penetração, percebe-se a perda da ri-
Moderada
gidez.
Não se consegue o enrijecimento para a penetra-
Grave
ção.
- Diversos elementos orgânicos e psicológicos estão envolvidos
na função erétil normal, incluindo fatores vasculares, neuroló-
gicos, hormonais e cavernosos.
Classificação
- Orgânica: provocada por lesões ou distúrbios vasculares, neu-
Figura 13 - Cirurgia rológicos, hormonais ou cavernosos;
- Psicogênica: em decorrência de inibição central do mecanismo
de ereção, sem a participação de componente orgânico;
- Mista (orgânica/psicogênica): composta pela combinação de fa-
tores orgânicos e psicogênicos.
Diagnóstico
- História clínica;
- História sexual;
- Exame físico;
- Avaliação psicológica;
- Testes laboratoriais;
- Exames radiológicos.

95
UROLO G I A

Tratamento
- Eliminação dos fatores de risco modificáveis;
- Aconselhamento e/ou psicoterapia;
- Medicamentos;
- Administração de drogas por via transuretral;
- Aplicação de injeção intracavernosa;
- Implantação de prótese peniana;
- Cirurgia venosa/arterial.

96
CAPÍTULO

17
Câncer de pênis

Ernesto Reggio

1. Introdução Tabela 1 - Fatores de risco para câncer de pênis


- Presença do prepúcio - esmegma;
Neoplasia rara em países desenvolvidos, o câncer de pênis
- Fimose;
pode corresponder de 10 a 20% das neoplasias masculinas em
alguns países africanos. No Brasil, a distribuição é heterogê- - Doenças sexualmente transmissíveis - HPV;
nea, com alta prevalência nos estados do Norte. O carcinoma - Higiene inadequada.
de pênis é mais comum entre homens de 40 a 70 anos.
Homens não circuncidados apresentam até 3 vezes mais 2. Patologia
risco de desenvolver em neoplasia peniana. Tal fato tem es-
O pênis pode ser acometido por neoplasias primárias ou
timulado campanhas para a realização de postectomia em
metastáticas; estas últimas são raras e podem se originar,
áreas de alta prevalência da doença, como em alguns países
principalmente, a partir de neoplasias de órgãos pélvicos
africanos e em estados do norte do Brasil. Foi sugerido que
masculinos, como bexiga, próstata e reto. Já as lesões primá-
o acúmulo de esmegma no prepúcio intacto é o fator indu-
rias são, em mais de 90% dos pacientes, carcinomas espino-
tor da neoplasia, porém não se identificou até o momento
celulares.
a substância carcinogênica contida no esmegma. Fimose,
A avaliação histopatológica é obrigatória frente a qual-
higiene inadequada e antecedente de múltiplas doenças
quer lesão peniana sugestiva de neoplasia. Algumas enti-
sexualmente transmissíveis são fatores de risco bem esta- dades benignas, porém consideradas pré-malignas, podem
belecidos. A associação ao papilomavírus humano (HPV) confundir o diagnóstico e as condutas corretas, como leu-
subtipos 16 e 18 é clara, particularmente nos pacientes com coplaquia, balanite xerótica obliterante, doença de Bowen,
lesões condilomatosas extensas. eritroplasia de Queyrat e condiloma gigante. A presença de
câncer é confirmada quando se identificam as células esca-
mosas, com graus variados de atipias e formação de pontes
intercelulares.

3. Apresentação clínica
A lesão neoplásica pode ser verrucosa ou ulcerada e fre-
quentemente é acompanhada de infecção secundária com
secreção purulenta e odor fétido. Acomete, na sua apresen-
tação inicial, a glande em 48% dos casos, prepúcio em 21%,
e sulco coronal em 6%.
A linfadenopatia inguinal é muito comum e pode de-
correr por reação inflamatória ou por metástase linfática.
Figura 1 - Condiloma extenso na glande e na haste peniana Os pacientes devem ser tratados com antibioticoterapia

97
UROLO G I A

prolongada após tratamento da lesão primária e, então, Metástases (M)


reavaliada a região inguinal para definir presença de ne-
Mx Metástase não pode ser avaliada
oplasia metastática. As metástases hematogênicas e o
comprometimento visceral são raros, sendo que pacientes M0 Sem evidência de metástase distante
não tratados evoluem com infecção local e inguinal, com M1 Metástase distante
acometimento tardio dos vasos femorais, sangramento e
óbito. Outro sistema de estadiamento, mais simples porém
menos detalhado, é a classificação de Jackson.

Tabela 3 - Classificação de Jackson


Estadio Descrição
I Confinado a glande e prepúcio.
II Invasão do corpo cavernoso.
Metástases linfonodais inguinais passíveis de
III
ressecção cirúrgica.
- Invasão de estruturas adjacentes;
IV - Linfonodos inoperáveis;
- Metástase a distância.

4. Tratamento
Lesões pequenas, confinadas ao prepúcio, podem ser
Figura 2 - Lesão ulcerada por carcinoma epidermoide tratadas apenas com postectomia, contudo as taxas de
recidiva são maiores. Neoplasias que invadem a glande
A biópsia da lesão é obrigatória, muitas vezes realizada
ou a extremidade distal da haste peniana devem ser tra-
já em sala cirúrgica, por congelação, para então se proceder
ao tratamento da lesão primária. tadas com penectomia parcial. Margem de 1,5 a 2cm deve
O estadiamento deve ser realizado com a avaliação cui- ser respeitada a partir da margem inferior da lesão. O coto
dadosa da região inguinal, acompanhado de tomografia peniano remanescente deve ter pelo menos 3cm para per-
computadorizada ou de ressonância nuclear magnética. O mitir micção adequada e até mesmo atividade sexual com
sistema de estadiamento mais utilizado é o TNM. O grau de penetração. Tumores mais avançados ou que acometem a
diferenciação da neoplasia e a profundidade da invasão da base do pênis devem ser tratados com penectomia total e
lesão são os 2 fatores prognósticos mais importantes para o uretroplastia perineal.
desenvolvimento de metástases.
A cirurgia é realizada com dissecção da uretra peniana,
Tabela 2 - Estadiamento mantendo-a com um coto um pouco mais longo que o nível
Tumor (T) de ressecção dos corpos cavernosos. Na sequência, reali-
Tx Tumor primário não avaliado zam-se a sutura da túnica albugínea, o fechamento da pele
e a maturação do coto uretral.
T0 Sem evidência de tumor
Tis Carcinoma in situ
T1 Tumor invade o tecido conectivo subepitelial
T2 Tumor invade o corpo cavernoso ou esponjoso
T3 Tumor invade uretra ou próstata
T4 Tumor invade outras estruturas adjacentes
Linfonodos (N)
Nx Não avaliáveis
N0 Sem evidência de metástase linfonodal
N1 Metástase em apenas 1 linfonodo inguinal superficial
N2 Metástase em múltiplos ou bilateral superficial inguinal
Metástases em linfonodos inguinais profundos ou
N3
pélvicos
Figura 3 - Neoplasia ulcerada em paciente com fimose

98
CÂNCER DE PÊNIS

UROLOGIA
Figura 6 - Uretra posicionada no períneo

Figura 4 - Isolamento e secção (A) da uretra e (B) dos corpos ca-


vernosos
Figura 7 - Aspecto final da penectomia total

Após o procedimento cirúrgico e a recuperação do pa-


ciente, a atenção deve ser voltada para a linfadenopatia
da região inguinal. Como há dúvida se o componente in-
flamatório/infeccioso é o responsável pelo aumento dos
linfonodos ou se já há metástase linfonodal se preconiza
antibioticoterapia por 4 a 6 semanas e reavaliação. Na
presença de linfonodomegalia residual deve-se, então,
proceder a linfadenectomia inguinal bilateral. Diversas
técnicas já foram descritas e a morbidade da cirurgia é
elevada, com muitos pacientes evoluindo com linfedema
ou necrose de retalho. Se o exame de congelação confirma
presença de neoplasia, indica-se linfadenectomia pélvica
Figura 5 - Ressecção completa próximo à base do pênis bilateral.

99
UROLO G I A

Figura 8 - Limites da linfadenectomia inguinal

Tratamentos alternativos com preservação peniana, como radioterapia, laser e crioterapia têm sido tentados, porém
os resultados são pobres em lesões mais infiltrativas ou indiferenciadas. A quimioterapia também já foi descrita, porém os
estudos foram realizados em pequenas séries de pacientes e não permitem, ainda, conclusão definitiva.

100
CAPÍTULO

18
Câncer de testículo

Ernesto Reggio

1. Introdução Tabela 1 - Alguns fatores de risco


- Criptorquidia ou ectopia gonadal;
O câncer de testículo apresenta características que o tor-
- Tumor testicular contralateral;
nam único entre todas as neoplasias que acometem o homem.
- Irradiação;
É o tumor mais prevalente na população masculina jovem, en-
- Exposição a hormônios exógenos femininos no período pré-
tre 15 e 35 anos, com alto índice de cura nos estágios iniciais;
-natal;
trata-se de uma neoplasia originária de células germinativas,
- Parentes de 1º grau acometidos pela doença.
altamente suscetíveis à quimioterapia, mesmo em casos em
que a doença já não mais se apresenta na fase inicial, e consis- A evolução dos métodos de imagem contribuiu muito
te no melhor exemplo de sucesso do tratamento multimodal. para a avaliação e para o tratamento do câncer de testículo,
O estudo do câncer testicular merece destaque por tantas par- particularmente o estudo de metástases retroperitoneais
ticularidades e pela ótima resposta ao tratamento. pela tomografia computadorizada.
A complementação do exame clínico é feita pela ultras-
2. Diagnóstico sonografia, que mostra presença de lesão sólida no parên-
quima testicular, com 95% de sensibilidade em detectar
O sinal clínico mais importante no diagnóstico da neopla- câncer de testículo. Hidrocele pode estar associada em 10 a
sia de testículo é a presença de nódulo ou massa testicular, 20% dos pacientes, sendo muito útil a ultrassonografia nes-
geralmente detectada pelo paciente em autoexame (Figura ses casos, prevenindo violação do escroto para tratamento
1). A lesão costuma ser indolor, endurecida, com crescimento de simples hidrocele por escrototomia.
progressivo. Em 10% dos pacientes, a apresentação inicial já O diagnóstico diferencial de massas testiculares deve in-
está acompanhada de sintomas e sinais decorrentes de lesão cluir, além do câncer de testículo, orquiepididimite, orquite,
metastática, como hemoptise, massa cervical, lombalgia e tuberculose testicular, torção de testículo.
massa abdominal. Dor testicular aguda é possível em casos A maioria dos tumores de testículo se origina a partir
de infarto testicular decorrente do crescimento da neoplasia. de células germinativas, que produzem substâncias utili-
zadas como marcadores tumorais, como alfa-fetoproteína
(alfa-FP) e beta-HCG, mais frequentemente elevados nos
tumores não seminomatosos. Outros marcadores, como
desidrogenase láctica e fosfatase alcalina, também podem
estar aumentados, porém não são específicos dessas le-
sões.
Diante de uma lesão sólida característica de tumor tes-
ticular, é necessária a avaliação dos mais habituais sítios
metastáticos. Nesse momento, é importante recordar a
Figura 1 - Autoexame com detecção de nódulo testicular embriologia do testículo. Os testículos são inicialmente

101
UROLO G I A

formados no retroperitônio e, durante o desenvolvimento beta-HCG, o que permite diagnóstico bioquímico e segui-
do feto, ocorre a migração relativa do órgão para o escro- mento do tratamento com dosagens desses marcadores.
to. Assim, a drenagem linfática testicular se faz toda para a
região retroperitoneal e, como as metástases linfonodais
são frequentes nesta neoplasia, o retroperitônio deve ser
investigado por tomografia computadorizada (Figura 2). A
avaliação do tórax pode ser realizada com raio x simples;
contudo, em casos de dúvida, deve ser solicitada a tomo-
grafia de tórax.

Figura 3 - Prevalência dos tumores primários dos testículos origi-


nados de células germinativas

4. Estadiamento
O estadiamento baseia-se na avaliação da peça cirúrgica
Figura 2 - Tomografia de abdome: metástase retroperitoneal obs- proveniente da orquiectomia radical e na presença de metás-
truindo o ureter esquerdo e provocando dilatação pielocalicial tases para linfonodos retroperitoneais e viscerais. A classifi-
cação de Boden modificada é uma das mais utilizadas:
Após avaliações clínica e radiológica, deve-se abordar a
massa testicular por via inguinal para realização da orquiec- Tabela 3 - Classificação de Boden modificada
tomia e análise patológica. Quando há dúvida, pode-se Estadio Definição
recorrer a exame de congelação e, caso seja confirmada a
I Tumor restrito ao escroto
suspeita de câncer testicular, deve-se completar o procedi-
mento com a orquiectomia radical (1º tempo do tratamen- Ia Intratesticular.
to do tumor testicular). Ib Invasão de albugínea, epidídimo ou cordão.

Tabela 2 - Orientações para diagnóstico de tumor testicular II Metástases em linfonodos retroperitoneais


Clínico Massa endurecida e indolor IIa Metástases microscópicas.
Ultrassonografia Diferenciar tumor de outras lesões. IIb Metástases <2cm.
Alguns tipos elevam alfa-FP e beta- IIc Metástases >2cm.
Marcadores
-HCG.
III Metástase supradiafragmática ou visceral
Tomografia de abdome
Avaliar o retroperitônio. IIIa Metástase pulmonar.
e pelve
Radiografia simples Avaliar o tórax. IIIb Metástase mediastinal ou visceral.
Histologia Sempre por inguinotomia.

3. Classificação 5. Tratamento
Os tumores primários do testículo desenvolvem-se, na Após a confirmação ultrassonográfica da lesão testicular
maioria dos casos, a partir das células germinativas dos tú- com característica de câncer, deve ser realizada a orquiec-
bulos seminíferos; são raros os provenientes de outra linha- tomia radical com ligadura alta dos elementos do cordão,
gem celular, como os tumores de células de Sertoli, células junto ao anel inguinal interno. Esse procedimento permite
de Leydig ou até mesmo sarcomas. o estadiamento primário, com excelente controle local e
Didaticamente e por semelhança no diagnóstico e no mínima morbidade. A orquiectomia parcial tem sido pro-
tratamento, os tumores germinativos são divididos em 2 posta em lesões pequenas, menores que 2cm, usualmente
grandes grupos, seminomas e não seminomas, com preva- em pacientes com testículo único, doença bilateral ou sus-
lência conforme a Figura 3. Os tumores seminomatosos não peita de lesão benigna.
apresentam elevações de marcadores tumorais e são muito Definido o tipo histológico do tumor, seminoma ou não
responsivos à radioterapia. Já os tumores não seminoma- seminoma, o tratamento será definido conforme a presen-
tosos muito comumente apresentam elevação da alfa-FP e ça de doença metastática.

102
C Â N C E R D E T E S T Í C U LO

Entre os pacientes com dificuldade de acesso a serviço mé-


dico, tratamento adicional deve ser realizado.
A linfadenectomia retroperitoneal (LFNRP) primária tem
caráter de tratamento e estadiamento. Aproximadamente,
30% dos pacientes em estadio I e 60% dos pacientes IIa

UROLOGIA
apresentarão metástases linfonodais retroperitoneais na
LFNRP. Esse procedimento pode, também, ser feito por la-
paroscopia, com redução da morbidade, apresentando atu-
almente resultados idênticos aos da cirurgia convencional.
As técnicas atuais de linfadenectomia preservam a inerva-
ção retroperitoneal e evitam o surgimento de ejaculação
retrógrada, a maior complicação das técnicas antigas.

Figura 4 - (A) Orquiectomia radical por via inguinal e (B) peça cirúr-
gica aberta longitudinalmente

A - Seminoma
Estadios I e IIa – este grupo de pacientes apresenta ex-
celente resposta à radioterapia, visto que o tumor é extre-
mamente radiossensível, e o volume tumoral nesses casos
é pequeno, com aproximadamente 100% de cura.

B - Não seminoma
Estadios I e IIa – muitos pacientes são curados apenas
com a orquiectomia, entretanto de 20 a 30% apresentam
recorrência, geralmente pacientes com sinais da maior
agressividade tumoral na peça cirúrgica, como invasão vas-
cular, linfática, invasão de túnica albugínea ou histologia
desfavorável, como carcinoma embrionário. Assim, o trata-
mento adicional tem sido proposto, sendo as opções linfa-
denectomia retroperitoneal ou quimioterapia.
Devido a cerca de 70% dos pacientes evoluírem com
cura após a orquiectomia, muitos oncologistas propõem Figura 5 - Limites utilizados para a linfadenectomia retroperitone-
apenas a observação vigilante, com tomografia periódica. al modificada (área em amarelo)

103
UROLO G I A

C - Tratamento de lesões avançadas (IIb, IIc e III)


Independente do tipo histológico, as lesões avançadas
são tratadas por quimioterapia. As drogas mais comumente
utilizadas são bleomicina, cisplatina e etoposídeo.
Lesões retroperitoneais pós-quimioterapia são de difícil
avaliação, pois podem ser recorrências do tumor primário,
teratomas (que não responde à quimioterapia) ou fibroses.
A LFNRP pós-quimioterapia é indicada; trata-se de
uma cirurgia mais complexa que o procedimento primá-
rio, pois os tecidos frequentemente estão muito aderi-
dos devido à intensa reação desmoplásica e ao fato de a
lesão ser ressecada e estar em íntimo contato com estru-
turas vasculares. Mais recentemente, centro de referên-
cia em cirurgia minimamente invasiva tem realizado tal
procedimento por via laparoscópica, porém a morbidade
ainda é elevada, principalmente pelo risco de sangra-
Figura 7 - Lesões pulmonares: (A) pré-quimioterapia e (B) pós-
mento de grandes vasos. -quimioterapia

6. Resumo
Quadro-resumo
Diagnóstico - Nódulo ou massa testicular.
Exames comple- - USG, TC de retroperitônio, raio x ou TC de
mentares tórax, marcadores tumorais.
Tipo histológico - Seminomatosos e não seminomatosos.
- Orquiectomia e, a seguir, tratamento confor-
me histologia e estadiamento;
- Seminoma localizado estadios I e IIa: or-
quiectomia e radioterapia do retroperitônio;
Tratamento - Não seminomatoso estadios I e IIa: orquiec-
tomia; linfadenectomia retroperitoneal ou
quimioterapia;
Figura 6 - Linfadenectomia pós-quimioterapia - Estadios IIb, IIc e III: independentemente da
histologia – quimioterapia.
A quimioterapia é extremamente efetiva em câncer testi-
cular, com ótimas respostas, mesmo em tumores metastáti-
cos. Muitos pacientes com lesões pulmonares ou no sistema
nervoso central apresentam resolução completa da lesão.

104
CAPÍTULO

19
Urologia pediátrica

Odival Timm Jr.

1. Estenose da junção ureteropiélica missão da onda peristáltica. É o fator fisiopatológico mais


reconhecido na gênese desta afecção.
Obstrução extrínseca por vasos anômalos do polo infe-
A - Introdução rior do rim cruzando a junção ureteropiélica, representa até
A estenose da junção ureteropiélica (estenose de JUP) é 30% dos casos, apesar de não raramente estar associada a
um estreitamento congênito no local onde ocorre a junção uma lesão intrínseca.
entre a pelve renal e o ureter. Secundária por dilatação e tortuosidade do ureter le-
Esse estreitamento impede que ocorra uma drenagem vando à formação de dobras em casos de refluxo vesicou-
apropriada da urina do rim para o ureter, fazendo com que reteral, megaureter obstrutivo e válvula de uretra posterior.
essa urina se acumule no rim, causando uma condição co-
nhecida como hidronefrose (dilatação do sistema coletor C - Quadro clínico
renal). - Antenatal e neonatal: em casos de pacientes com rim
A estenose de JUP ocorre em cerca de 1 a cada 1.000 a único ou com JUP bilateral podem, eventualmente,
1.500 recém-nascidos, sendo 2 vezes mais comum no sexo ocorrer oligodrâmnio, azotemia, distúrbio hidroeletro-
masculino e podendo ser bilateral em 5 a 15% dos casos. lítico ou oligoanúria. Urossepse pode ser a manifesta-
Constitui a principal causa de massa abdominal na infância ção inicial, embora com menor frequência;
e o sítio mais comum de obstrução do trato urinário. - Crianças e adultos: dor abdominal ou lombar episódi-
ca, geralmente desencadeada ou agravada por ingesta
hídrica abundante e acompanhada de náuseas ou de
vômitos. Hematúria pode ser observada após trauma,
possivelmente por ruptura de pequenos vasos da mu-
cosa da via excretora.
O quadro clássico de massa palpável, dor intermitente
no flanco ou relacionada com hiperingesta hídrica vem sen-
do progressivamente substituído pelo diagnóstico inciden-
tal num controle ultrassonográfico, ainda na fase pré-natal.
Infecção urinária na fase neonatal pode ser o único sinal
Figura 1 - Estenose de JUP em 30% dos casos, mas quadro extremo de sepse e uremia
também pode ocorrer.

B - Fisiopatologia D - Diagnóstico
Alteração intrínseca da musculatura na transição pielou- Do ponto de vista propedêutico, a urografia excretora
reteral em nível biomolecular e, assim, prejudica a trans- evidencia a morfologia da pelve dilatada até o ponto de

105
UROLO G I A

transição ureteropiélica, com diferentes níveis de dilatação


calicial, de acordo com o grau de obstrução.
A ultrassonografia constitui exame fundamental no
diagnóstico de dilatação pielocalicial e, na presença de ure-
ter de calibre normal, é altamente sugestiva de estenose
da JUP.
A cintilografia renal com utilização de ácidos marcados
com radiofármacos como Tc-DTPA ou Tc-MAG3, pode defi-
nir a função proporcional de cada rim.

Figura 3 - Esquema demonstrativo da pieloplastia

2. Válvula da uretra posterior

A - Introdução
A válvula de uretra posterior representa a causa mais fre-
quente de obstrução uretral em crianças. Incide no sexo mas-
culino, a cada 5 a 8.000 nascimentos. Observa-se pior prog-
nóstico em crianças abaixo de 1 ano de idade. Há associação
Figura 2 - Exame de urografia excretora evidenciando a estenose com displasia renal em diversos graus e refluxo vesicourete-
de JUP ral. A patologia vesical variável e a disfunção miccional levam
a controvérsias quanto ao tratamento e ao acompanhamen-
to, não existindo uniformidade de condutas.
E - Tratamento
A válvula de uretra posterior é uma anomalia congênita,
caracterizada por uma estrutura membranosa, localizada na
a) Tratamento clínico
mucosa do assoalho da porção prostática da uretra masculina.
O tratamento clínico é feito através da observação per- Acredita-se que a válvula de uretra posterior estaria
manente, repetindo-se os exames de US e cintilografia pe- associada a uma interação de múltiplos genes de peque-
riodicamente e comparando-os com os exames anteriores, no efeito, como têm sido descritos em outras anomalias
com o objetivo de acompanhar a função renal e o grau de urológicas relacionadas com o desenvolvimento do ducto
dilatação e obstrução do rim. Caso durante essa observação mesonéfrico.
for notada piora, a cirurgia estará indicada. Do ponto de vista anatômico, constitui resquício da
b) Tratamento cirúrgico membrana urogenital representada por pregas valvares dis-
talmente ao colículo (tipos I e III de Young).
Está indicado em cerca de 1/3 dos casos e existem várias
técnicas para a correção da estenose de JUP, chamadas de
pieloplastias, e todas visam melhorar a drenagem renal. A pie-
loplastia desmembrada é a principal técnica empregada, po-
dendo ser realizada aberta e, hoje, principalmente por vídeo.
Tabela 1 - Indicações do tratamento cirúrgico
- Pacientes sintomáticos (ITU ou dor);
- Massa abdominal palpável;
- Rim único;
- Comprometimento bilateral;
- Função renal diminuída ou em descanso durante o seguimento;
- Dilatação persistente na avaliação por USG na dilatação severa;
- Dilatação persistente na avaliação por USG na dilatação mode-
rada, e que apresenta curva tipo obstrutiva ou indeterminada
na cintilografia com diurético, no seguimento de 6 a 12 meses;
- Dilatação progressiva no seguimento por ultrassom, desde que
confirmada por outros métodos. Figura 4 - Válvula de uretra posterior

106
U R O LO G I A P E D I Á T R I C A

B - Quadro clínico
No neonato, podem-se verificar retenção urinária,
massas palpáveis nos flancos, febre como manifestação
de infecção urinária, septicemia com anemia e icterícia,

UROLOGIA
prejuízo do crescimento ou perda de peso, desidratação
e distúrbios hidroeletrolíticos. Vômitos e diarreia podem
ser manifestações de infecção e/ou da insuficiência renal.
A obstrução grave com displasia renal resulta em pouca
produção urinária fetal com oligodrâmnio, e hipoplasia
pulmonar secundária com possibilidade de ocorrência de
síndrome de desconforto respiratório. A válvula de uretra
posterior é a principal causa de ascite urinária neste grupo
etário.

Figura 5 - Uretrocistografia com válvula de uretra posterior


C - Diagnóstico

a) Clínico D - Tratamento
A válvula de uretra posterior é, atualmente, diagnostica- A eletrofulguração endoscópica da válvula é o tratamen-
da no período antenatal, por meio da ultrassonografia, em to de eleição e pode ser realizada já a partir da 2ª semana
2/3 dos casos. de vida. Todavia, o risco de lesão iatrogênica do esfíncter
pode ser reduzido indicando-se a cirurgia apenas a partir
Cerca de 75% de todos os diagnósticos são feitos antes
do 3º mês, submetendo o paciente a uma cistostomia como
dos 5 anos de vida, e os restantes 25% compreendem os
derivação urinária temporária.
casos oligossintomáticos. Dois terços dos óbitos ocorrem
antes dos 2 anos de idade.
A partir da 20ª semana de gestação, podem-se diagnos-
ticar as presenças de uropatia obstrutiva, bilateralidade,
bexiga espessada e constantemente cheia, oligodrâmnio,
ascite ou presença de coleção perirrenal.
No neonato, podem-se verificar febre, vômitos, dor ab-
dominal, uremia ou septicemia por infecção urinária e de-
sequilíbrio hidroeletrolítico.

b) Métodos de imagem
- Ultrassonografia:pode revelar hidronefrose bilateral
grave, geralmente por obstrução intravesical;
Figura 6 - Observação endoscópica de válvulas da uretra posterior,
- Uretrocistografia miccional: deve ser realizada imedia- antes da sua remoção
tamente quando as condições clínicas permitirem, pois
confirma o diagnóstico. Os achados são de dilatação da
uretra prostática, hipertrofia do colo vesical, pouco flu-
xo distal, bexiga irregular (trabeculação e divertículos), e
refluxo vesicoureteral em 50% dos doentes;
- Cintilografia renal dinâmica (DTPA), estática (DMSA)
e com radiofármacos mistos (MAG3): fornecem infor-
mações sobre a excreção renal, a filtração glomerular
e a função tubular proximal de cada rim. São úteis no
controle sequencial evolutivo após o tratamento inicial
ou definitivo;
- Urografia excretora: poderá ser realizada após o 1º mês
de vida, se a função renal for normal, embora pouco Figura 7 - Válvulas parcialmente destruídas por eletrocoagulação
auxilie na indicação. (lado direito da fotografia)

107
UROLO G I A

Tabela 2 - Procedimentos da válvula de uretra posterior Laparoscopia é ideal quando não se consegue palpar ou
- Insuficiência respiratória; identificar com segurança, por métodos de imagem, o tes-
- Cateter vesical; tículo a ser tratado. Sua acurácia na localização do testículo
- Distúrbios eletrolíticos:
não palpado aproxima-se de 100%.
Neonatais · Hipernatremia;
· Hipercalemia;
· Acidose.
- Septicemia.
Ablação primária - cuidados
Vesicostomia
Ureterostomia/pielostomia
Cirurgias reconstrutivas

3. Alterações do descenso testicular

A - Introdução
A presença de testículo em posição extraescrotal após
o nascimento recebe a denominação genérica de distopia
testicular. O termo criptorquidia ou retenção refere-se a dis-
topia testicular no trajeto fisiológico do descenso testicular,
enquanto o termo ectopia refere-se ao testículo fora deste
trajeto.
Distopia testicular é o posicionamento congênito do tes-
tículo fora do escroto, por falha de sua migração a partir
de seu local de origem embrionário abdominal até a bolsa
testicular. Como sinonímias existem os termos criptorquidia
ou criptorquidismo e os testículos são denominados distó-
picos, criptórquidos ou criptorquídicos.

B - Incidência
Isoladamente, distopia testicular compromete cerca de
3% dos meninos nascidos a termo. Destes, cerca de 70%
têm descenso testicular espontâneo até 1 ano de idade,
quando apenas aproximadamente 1% dos meninos apre-
senta criptorquidia, valor que se manterá para a puberdade
e a vida adulta. Em 30% de meninos prematuros, observa-
-se distopia testicular, que pode ser bilateral em cerca de
1/3 dos casos.

C - Diagnóstico
A palpação em decúbito horizontal e em posição ortos-
tática permite a identificação do testículo distópico em 90%
dos casos.
Ultrassonografia, tomografia computadorizada, resso-
nância magnética e flebografia também são utilizadas no
diagnóstico.
Nos casos de difícil identificação testicular, deve-se sus- Figura 8 - Tipos de distopia testicular
peitar de testículo intra-abdominal ou anorquia. Nestes ca-
sos, o teste com gonadotrofina coriônica (<5 anos 2.500 UI;
D - Tratamento
>5 anos 5.000 UI) por 3 dias consecutivos deve provocar
uma elevação nos níveis de testosterona sérica acima de Antes dos 2 anos de vida, a maioria dos autores admite
20ng/100mL. o tratamento conservador através da aplicação intramus-

108
U R O LO G I A P E D I Á T R I C A

cular de gonadotrofina coriônica, que pode ter resultados


satisfatórios em até 15% dos casos. O tratamento definitivo
é a orquidopexia.

UROLOGIA
Figura 9 - Criptorquidia

E - Complicações
A relação entre neoplasia é de 10 a 20%. Com relação à Figura 10 - Classificação da hipospadia
espermatogênese, acredita-se que as alterações funcionais
são reversíveis, desde que a correção da anomalia se dê até
o 2º ano de vida.

4. Hipospadia
As hipospádias são malformações uretrais, nas quais
o meato externo se posiciona em qualquer ponto da face
ventral do cilindro uretral. Ocorrem em ambos os sexos,
sendo que no masculino não provocam incontinência uri-
nária, mas coexistem com outras malformações penianas,
algumas funcionalmente muito importantes. Dentre elas,
há a estenose do meato e a presença de um tecido fibroso
no sulco intercavernoso inferior, chamado corda ventral ou
chordee.
Na maioria dos casos, o prepúcio se apresenta redun-
dante com aspecto de um capuz dorsal (capuchão).
Podem ser classificadas quanto à localização do meato
uretral:
- Anteriores: glandular, coronal e subcoronal;
- Médias: peniana distal, médio peniana, peniana pro-
ximal;
- Posteriores: penoscrotal, escrotal, perineal. Figura 11 - Tipos de hipospadia

As formas distais (anterior e média) são as mais comuns,


- Tratamento
sendo responsáveis por 80% de todos os casos.
A hipospadia é a deformidade congênita mais frequente O tratamento da hipospádia é cirúrgico, e seu objetivo é
da genitália masculina (5:1.000) e está associada em 30% retificar o pênis e posicionar o meato uretral o mais distal-
dos casos com criptorquidia. mente possível, permitindo um fluxo urinário direcionado.

109
UROLO G I A

A cirurgia visa, também, melhorar o aspecto cosmético do púcio redundante.


pênis, corrigindo o capuz dorsal e dando à glande um as-
pecto cônico. C - Tratamento
- Tratamento clínico: com esteroides tópicos, mostra
eficiência de aproximadamente 60%. Devem-se evitar
manobras forçadas de retração prepucial;
- Tratamento cirúrgico: denominado “postectomia”,
deve ser considerado eletivamente para casos de fi-
mose persistente após os 3 anos de vida.
Crianças com balanopostites recorrentes ou ITU de re-
petição com anomalia do trato urinário têm indicação de
tratamento cirúrgico em qualquer idade.

Figura 12 - Tratamento cirúrgico da hipospadia

5. Fimose
A - Introdução
É a incapacidade de realizar a retração do prepúcio, im-
pedindo a exposição da glande. Nos recém-nascidos mas-
culinos, o prepúcio é retrátil somente em 4%, aos 6 meses,
em 20%, aos 3 anos, em 90% e aos 17 anos, em 99%. Basi-
camente, são 2 entidades: a congênita e a adquirida, base-
adas na idade e na fisiopatologia. Ambas se referem à difi-
culdade ou à incapacidade de retrair o prepúcio distal sobre
a glande, sendo esta última em decorrência de repetidos Figura 14 - Cirurgia de postectomia
episódios de infecção local (postites) ou ferimentos secun-
dários associados à retração prepucial forçada. 6. Enurese

A - Definição
É como uma micção involuntária, ou seja, corresponde ao
ato miccional normal que ocorre involuntariamente em local
e ou momento inadequado. Pode ser classificada de acordo
com o horário em que ocorre, sendo diurna e noturna. Apro-
ximadamente 15% das crianças de 5 anos de idade apresen-
tam perdas noturnas de urina. A partir desta idade, o índice
de resolução espontânea é de 15% ao ano, sendo que, aos 15
anos, cerca de 1% da população apresenta enurese. A enure-
se noturna é mais frequente em meninos (75%).

Figura 13 - Fimose puntiforme


B - Classificação
a) Quanto à evolução
B - Diagnóstico - Primária: quando a criança sempre teve enurese, isto
É feito pelo exame físico. Devem-se diferenciar os diag- é, nunca teve período prolongado de continência no-
nósticos de fimose, de aderência balanoprepucial e de pre- turna. Representa a maioria dos casos, e considera-se

110
U R O LO G I A P E D I Á T R I C A

que seja causada por um retardo na maturação neu- Tabela 3 - Vantagens e desvantagens dos tratamentos
rológica; Tratamento Vantagens Desvantagens
- Secundária: quando a criança volta a apresentar epi- - Demora semanas para
- Efetivo;
sódios de enurese após um período de controle mic- obter resultados;
Alarmes - Baixa recor-
cional de pelo menos 6 meses. - Pode ser problemático

UROLOGIA
rência.
para a família.
b) Quanto aos sintomas
Desmopressina - Rápido resul-
- Simples ou monossintomática: quando a enurese no- 10 a 40μg spray tado;
- Altos índices de recor-
rência quando desconti-
turna não se associa a nenhum sintoma miccional ou nasal 0,2 a 0,6mg - Poucos efei-
nuado o tratamento.
vesical diurno, nem a anomalias neurológicas e do tra- comprimidos tos colaterais.
to urinário. Corresponde a 70 a 90% dos enuréticos. Imipramina 0,9
- Alto risco de recorrência
Frequentemente existem antecedentes familiares de a 1,5mg/kg 6 a 8
- Baixo custo; quando descontinuado
enurese; anos: 25mg 1x/dia
- Rápido resul- o tratamento;
- Polissintomática: quando a enurese está associada a 8 a 12 anos: 50mg
tado. - Cardiotoxicidade, quan-
1x/dia >12 anos:
sintomas diurnos, como micções infrequentes, polaci- do em altas doses.
75mg 1x/dia
úria, urgência, incontinência de urgência e jato miccio-
nal fraco. Também podem estar presentes a infecção
urinária, a obstipação intestinal e a encoprese.

C - Fisiopatologia
- Fatores genéticos e familiares;
- Fatores psicológicos;
- Alterações vesicais: redução da capacidade vesical fun-
cional;
- Produção noturna de urina: redução ADH.
- Fatores relacionados ao sono:
• Imaturidade do SNC;
• Evolução para cura.

D - Avaliação clínica
a) História
- Geral e exame físico:
• Descrever desenvolvimento físico e neuropsicomotor;
• Antecedentes familiares de enurese ou de outros
problemas urológicos.
- Documentação da enurese:
• Caracterizar a enurese como primária ou secundária.
b) Exames complementares
- Urinálise; Figura 15 - Diagnóstico e tratamento

- Ultrassonografia do trato urinário;


- Exame urodinâmico.
E - Tratamento
- Considerações gerais:
• Terapia comportamental;
• Alarme noturno;
• Terapia medicamentosa;
• Outras.

111
UROLO G I A

CAPÍTULO

20
Urina I

Natália Corrêa Vieira de Melo

1. Introdução - Vinho: porfirias;


- Turva/leitosa: infecções, piúria, quilúria, fungos, cris-
A análise de amostra de urina, também conhecida como tais de fosfato, propofol;
“biópsia renal sem agulha” e “espelho do rim”, é um dos
principais exames em Nefrologia, pois é de simples execu-
- Rosa: cristalúria de ácido úrico maciça;
ção, barato, acessível e muito elucidativo. A nomenclatura
- Azul/verde: azul de metileno, pseudomonas, amitrip-
tilina, propofol.
da urinálise varia nas diversas regiões do Brasil: pode ser
chamada de urina I, EAS e sumário de urina.
Por meio da urinálise, faz-se uma avaliação qualitativa 3. Odor
de certos constituintes químicos e do sedimento urinário. Algumas condições patológicas podem conferir odor ca-
A urina utilizada para exame deve ter sido recém-emitida, racterístico à urina:
preferencialmente sem cateterismo vesical. Para a coleta de - Odor fétido: infecção urinária;
urina na mulher, a genitália deve ser cuidadosamente lim- - Odor adocicado: cetonúria;
pa. Em homens e mulheres, o jato miccional inicial deve ser
desprezado, coletando-se o jato intermediário. A amostra
- Odor de óleo de peixe: hipermetioninemia;
pode ser avaliada no máximo 120 minutos após a coleta,
- Odor de mofo: fenilcetonúria.
desde que mantida durante esse período em refrigerador
(4°C). 4. Densidade
Grande parte dos dados no exame de urina pode ser ob- A densidade urinária normal varia de 1.015 a 1.025.
tida por meio de fitas reativas, porém estas não substituem Densidade urinária de 1.000 a 1.003 é compatível com
o exame microscópico do sedimento urinário. hiperdiluição urinária, que pode ocorrer no diabetes insi-
pidus e na polidipsia psicogênica. Densidade >1.032 pode
2. Cor e aspecto ser compatível com glicosúria, e, quando >1.040, devem-se
considerar agentes osmóticos extrínsecos, como manitol ou
A 1ª análise da urina refere-se à coloração e ao aspecto
contrastes osmóticos.
dela, o que já pode indicar algumas patologias:
- Amarelo claro/âmbar: normal;
- Amarelo escuro: urina concentrada; 5. Parâmetros químicos
- Amarelo escuro/marrom: bilirrubina (colúria), cloro-
quina, nitrofurantoína; A - pH
- Laranja: rifampicina; Embora seja determinado rotineiramente, o pH não
- Vermelha/marrom: hematúria, hemoglobinúria, mio- identifica nem exclui patologia renal. Pode variar entre 4,5
globinúria, necrose tubular aguda, rabdomiólise, feni- e 8, porém o valor esperado para urina normal está entre 5
toína, beterraba; e 6, na 1ª urina da manhã. Urina com pH alcalino (≥7) pode

112
URINA I

sugerir infecção urinária ou proliferação de bactérias que tidade de corpos cetônicos, ácido ascórbico e metabólitos
desdobram a ureia, como ocorre quando há demora na re- da fenazopiridina (Pyridium®) pode alterar a reação.
alização do exame. Outras causas que elevam o pH urinário Além de ocorrer em pacientes com aumento da glice-
são uso de diuréticos, dieta vegetariana, vômitos e uso de mia (diabetes mellitus, gestação), a glicosúria pode estar
substâncias alcalinas. Por outro lado, indivíduos em acido- presente em casos de lesão tubular (em que a reabsorção

UROLOGIA
se metabólica ou com dieta rica em carnes apresentam pH de glicose não ocorre adequadamente), como na glicosúria
urinário baixo. renal ou na síndrome de Fanconi.
O pH urinário pode ser útil no diagnóstico das acidoses
tubulares renais (reabsorção inadequada de bicarbonato E - Corpos cetônicos
ou incapacidade de acidificar apropriadamente a urina), em Acetoacetato e acetona podem aparecer na urina de
que a urina tende a ficar alcalina, apesar de o organismo pacientes em jejum prolongado, cetoacidose diabética ou
apresentar-se em acidose. alcoólica. Geralmente, são detectados com a reação de ni-
troprussiato. Entretanto, o beta-hidroxibutirato, principal
B - Bilirrubina e urobilinogênio corpo cetônico (80%), não é detectado pela reação com ni-
Apenas a bilirrubina direta (conjugada) é hidrossolúvel troprussiato.
e pode, portanto, ser excretada na urina. Assim, na esta-
se biliar por obstrução ou drogas, a pesquisa de bilirrubina F - Hemoglobina e mioglobina
na urina é positiva. Já em situações de hemólise, em que A fita reativa usa a atividade peroxidase-like da hemo-
aumenta a bilirrubina indireta (que não é hidrossolúvel), a globina para catalisar a reação. A presença de hemoglobina,
pesquisa de bilirrubina na urina é negativa. mioglobina ou hemácias resulta em positividade da reação.
O urobilinogênio urinário é negativo nas icterícias obs- Quando a capacidade da haptoglobina do plasma em se
trutivas, pois não há quebra de bilirrubina na luz intestinal; ligar à hemoglobina livre é excedida, surge a hemoglobinú-
entretanto, pode ser positivo em casos de hemólise e he- ria. A principal causa de hemoglobina livre é a hemólise. A
morragias digestivas. A quantidade de urobilinogênio consi- presença de mioglobinúria se deve à rabdomiólise.
derada normal na urina é de 0,2 a 1mg/dL. Quando o teste é positivo para hemoglobina, porém
com quantidade de hemácias normal, sugere-se que o pa-
C - Esterase leucocitária e nitrito ciente tenha hemoglobinúria (hemólise) ou mioglobinúria
Tanto a positividade do nitrito quanto a da esterase leu- (rabdomiólise). Nessas circunstâncias, o aspecto do plas-
cocitária são achados indiretos que podem sugerir infecção ma pode ajudar, pois na hemoglobinúria sua coloração é
urinária. avermelhada e, na mioglobinúria, sua coloração está inal-
O método da esterase leucocitária baseia-se na detec- terada.
ção da esterase liberada por granulócitos através de fita O resultado negativo dessa reação afasta, com seguran-
reativa. Quando há contaminação vaginal, podem ocorrer ça, hematúria, hemoglobinúria e mioglobinúria. A presença
resultados falsos positivos. Falsos negativos podem ocorrer de urina vermelha, com reação negativa na fita, pode re-
na presença de grande quantidade de glicose, albumina, presentar a excreção de pigmentos após a ingestão de me-
ácido ascórbico, tetraciclina, cefalexina, cefalotina ou ácido dicamentos (fenazopiridina, rifampicina) ou de alimentos
oxálico. (beterraba) ou a presença de porfiria.
Algumas bactérias (principalmente Enterobacteriaceae)
convertem nitrato em nitrito. A presença de nitrito também 6. Proteinúria
é detectada através de reação com fita reativa, e podem
Normalmente, são filtrados pelos glomérulos 170 a
ocorrer resultados falsos negativos quando há demora na
180L de plasma diariamente, e cada litro filtrado contém
realização do exame, o que causa a degradação prévia do
cerca de 70g de proteína. No entanto, os túbulos apre-
nitrito.
sentam um eficiente mecanismo de reabsorção da pro-
Deve ser considerado o fato de que alguns patógenos
teína filtrada, portanto menos de 150mg são excretados
não convertem nitrato em nitrito, como o Streptococcus fa-
por dia.
ecalis e a Neisseria gonorrhoeae.
Dos 150mg de proteínas excretadas diariamente, 30 a
50mg são compostos pela proteína de Tamm-Horsfall (mu-
D - Glicose
coproteína formada na porção espessa da alça de Henle e
A maior parte das fitas usa o método glicose oxidase/ porção inicial do túbulo distal), e o restante, por globulinas
peroxidase, que normalmente detecta níveis baixos de gli- e albumina (menos de 30mg/dia).
cose urinária (50mg/dL). Como o limiar renal de glicose é de Em geral, as proteinúrias ocorrem por lesão tubular ou
160 a 180mg/dL, a presença de glicosúria geralmente indica glomerular, porém existem situações em que ocorre protei-
glicemia superior a 210mg/dL. A presença de grande quan- núria transitória, sem lesão tubular ou glomerular, como na

113
UROLO G I A

infecção urinária, febre, exposição ao frio ou calor, exercício proteinúria intensa. Além disso, na presença de proteinúria,
físico, postural (proteinúria ortostática) e convulsões. ocorre também a degeneração gordurosa das células epite-
liais, com a inclusão de partículas de gordura no interior dessas
A - Determinação qualitativa da proteinúria células, as quais passam a ser chamadas de corpúsculos ovais.
Leucócitos e hemácias podem ser provenientes tanto
Existem diferentes métodos para detecção de proteí-
dos rins como de qualquer parte do trato urinário. É consi-
na na urina. Os resultados podem ser expressos em g/dL
derada normal a presença de até 10 leucócitos por campo e
ou em cruzes (0 a ++++), de acordo com a intensidade da
3 hemácias por campo no sedimento urinário.
reação. É importante ressaltar que, para a interpretação
Como o aumento do número de hemácias (hematúria)
correta desses resultados, deve-se levar em conta o valor
pode indicar tanto lesão glomerular (hematúria alta) como
da densidade urinária, pois, em situação de fluxo urinário
do trato urinário inferior (hematúria baixa), sugere-se com-
elevado (urina diluída, com densidade baixa), a concentra-
plementar a investigação com a pesquisa de dismorfismo
ção de proteína é baixa, podendo não ser detectada pelos
eritrocitário. Na hematúria de origem glomerular, encontra-
métodos habituais.
-se um grande número de hemácias dismórficas (Figura 1),
B - Determinação quantitativa da proteinúria pois essas células têm sua forma alterada ao passarem pela
barreira glomerular; o mesmo não ocorre na hematúria bai-
A avaliação quantitativa é feita colhendo-se urina de 24h e xa. Adicionalmente, na hematúria de origem glomerular, a
determinando-se o conteúdo de proteína pelo método de pre- urina tem coloração amarronzada (ou cor de “coca-cola”)
cipitação. A quantidade diária de proteínas na urina não deve da urina e não há formação de coágulos. Essas característi-
ultrapassar 150mg/dia, portanto valores superiores a esse li- cas auxiliam na distinção da hematúria de origem glomeru-
mite significam alterações importantes na permeabilidade glo- lar daquela de origem nas vias urinárias baixas, que possui
merular ou na função tubular. Proteinúria acima de 3,5g/24h, coloração vermelho-viva e com coágulos.
em adultos, é considerada proteinúria em faixa nefrótica. A presença de hematúria associada à proteinúria sugere
Quando existe dificuldade para ser coletada urina de doença glomerular; já a presença de hematúria isolada pode
24h, pode-se utilizar a relação proteína/creatinina em ser encontrada em casos de litíase, tumores, doença renal
amostra isolada de urina. Normalmente, essa relação é me- policística, mas pode também estar presente em algumas
nor do que 0,2mg/mg, portanto valores maiores indicam doenças glomerulares, como nefropatia por IgA, doença da
excesso de proteína na urina. membrana basal glomerular fina e síndrome de Alport.
A leucocitúria reflete infecção ou inflamação do trato
C - Albuminúria urinário, portanto pode estar presente em quadros de in-
A quantificação de albumina urinária é usada para scre- fecção do trato urinário, pielonefrite, glomerulonefrites,
ening e acompanhamento de nefropatia diabética. Existem nefrite intersticial aguda, entre outros.
diferentes métodos utilizados para determinação da albu-
mina urinária: radioimunoensaio, ELISA, nefelometria. A in-
terpretação dos valores encontrados deve ser realizada da
seguinte forma:
- Até 30mg/dia: normoalbuminúria;
- 30 a 300mg/dia: microalbuminúria;
- Maior que 300mg/dia: macroalbuminúria.

7. Sedimento urinário
O exame microscópico do sedimento urinário pode indi-
car a presença de nefropatia e, muitas vezes, a natureza e a
extensão das lesões. A seguir, serão especificadas as subs-
tanciais e células normalmente presentes no sedimento uri- Figura 1 - Microscopia óptica de fase mostrando hemácias dismór-
nário e as indicativas de patologias renais. ficas, acantócitos (seta), na urina de um paciente com sangramen-
to glomerular
A - Células
As células encontradas no sedimento urinário podem
B Cilindros
ser provenientes de descamação do epitélio do trato uri- Os cilindros são elementos do sedimento urinário de
nário ou dos elementos celulares do sangue (eritrócitos, grande importância na distinção entre nefropatia primária e
linfócitos, neutrófilos). doença do trato urinário baixo. São normalmente formados
Nas nefropatias, as células epiteliais degeneram e são por uma matriz proteica, onde se podem aglutinar células e
eliminadas em grande número, particularmente quando há gotículas de gordura.

114
URINA I

- Principais tipos de cilindros ficado diagnóstico algum, já que essas substâncias podem
• Hialinos: são os cilindros compostos principalmente cristalizar em decorrência de alterações de pH e temperatu-
por mucoproteína de Tamm-Horsfall, sem inclusões. ra. No entanto, cristais de ácido úrico podem estar presen-
Clinicamente, têm pouco significado, podendo ser tes na IRA por lise tumoral pós-quimioterapia (Figura 2C) e
fisiológicos (Figura 2A); cristais de oxalato de cálcio podem sugerir intoxicação por

UROLOGIA
• Leucocitários: são compostos por mucoproteína de etilenoglicol (Figura 2D).
Tamm-Horsfall e leucócitos. Aparecem na inflama- Cristais de estruvita (fosfato amoníaco-magnesiano) são
ção intersticial; incomuns e podem estar relacionados à litíase associada a
• Hemáticos: são compostos por mucoproteína de infecções por bactérias produtoras de uréase (Klebsiella,
Tamm-Horsfall e hemácias. A presença desse tipo Proteus). Os cristais de cistina também são incomuns, e a
de cilindro no exame do sedimento urinário é pa- cistinúria deve ser investigada.
tognomônica de doença glomerular (Figura 2B);
• Celulares/epiteliais: são compostos por mucopro-
teína de Tamm-Horsfall e células epiteliais desca-
madas. A presença de cilindros epiteliais renais é
indicativa de lesão tubular;
• Granulosos: cilindros epiteliais com fragmentos de
células que se desintegraram. Podem ser fisiológi-
cos ou estarem associados a quadro de lesão tubu-
lar, como a necrose tubular aguda;
• Céreos: são cilindros muito largos, que refletem
a fase final da dissolução dos cilindros epiteliais.
Estão associados à estase urinária e ocorrem nos
estágios finais de doença renal crônica;
• Gordurosos: são cilindros hialinos impregnados de
gotículas de gordura, também chamados de corpos
lipoides. Ocorrem em casos de síndrome nefrótica.

C - Cristais
Os cristais encontrados na urina I podem ser de diferen-
tes composições e significados. A presença de cristais de Figura 2 - Sedimento urinário: (A) cilindro hialino; (B) cilindro he-
ácido úrico, fosfato e oxalato de cálcio pode não ter signi- mático; (C) cristal de ácido úrico e (D) cristal de oxalato de cálcio

8. Resumo
Quadro-resumo
- A análise de amostra de urina, também conhecida como urina I, EAS e sumário de urina, é um dos principais exames em Nefrologia,
pois é de simples execução, barato, acessível e muito elucidativo;
- Através da urinálise, faz-se uma avaliação qualitativa de certos constituintes químicos e do sedimento urinário;
- A presença de glicosúria geralmente indica glicemia superior a 210mg/dL;
- A presença de urina vermelha, com reação negativa para hemoglobina na fita, pode representar a excreção de pigmentos após a inges-
tão de medicamentos (fenazopiridina, rifampicina) e alimentos (beterraba) ou a presença de porfiria;
- Em geral, as proteinúrias ocorrem por lesão tubular ou glomerular, porém existem situações em que ocorre proteinúria transitória,
sem lesão tubular ou glomerular, como infecção urinária, febre, exposição ao frio ou calor, exercício físico, postural (proteinúria ortos-
tática) e convulsões;
- As células encontradas no sedimento urinário podem ser provenientes de descamação do epitélio do trato urinário ou dos elementos
celulares do sangue (eritrócitos, linfócitos, neutrófilos);
- Os cilindros são elementos do sedimento urinário de grande importância na distinção entre nefropatia primária e doença do trato
urinário baixo. São normalmente formados por uma matriz proteica, onde se podem aglutinar células e gotículas de gordura;
- Cristais de estruvita são incomuns e podem estar relacionados à litíase associada a infecções por bactérias produtoras de uréase
(Klebsiella, Proteus).

115
urologia – oncologia – cirurgia vascular

volume 5

cirurgia vascular
oncologia
urologia
ONCOLOGIA

Ernesto Reggio
Eduardo Bertolli
Luciana Ragazzo
ONC O LO G I A

CAPÍTULO

1
Princípios de cirurgia oncológica
Eduardo Bertolli

Pontos essenciais A - Biópsia


- Noções básicas de cirurgia oncológica; A biópsia consiste na retirada de tecido para diagnóstico
- Particularidades no manejo dos sarcomas de partes moles. anatomopatológico. Pode ser incisional, quando retira um
fragmento da lesão, ou excisional, quando retira toda a le-
1. Introdução são. A biópsia por punção com agulha grossa (tipo Tru-cut®
ou core-biopsy, Figuras 1A, 1B e 1C) permite a avaliação
Câncer significa o crescimento anormal de células em histológica, enquanto a punção com agulha fina permite a
qualquer tecido corporal do hospedeiro. Essas células anor- avaliação citológica e tem indicações precisas (exemplo: ti-
mais se proliferam localmente, invadem e atravessam as reoide, linfonodos; Figura 1D).
barreiras tissulares normais, reproduzindo-se indefinida-
mente. As massas de células neoplásicas disseminam-se
pelo organismo, levando à morte se não forem erradicadas.
Durante muito tempo, a cirurgia era considerada o úni-
co método curativo no tratamento do câncer. Atualmente,
com os avanços da farmacologia e os estudos da biologia
tumoral, foi possível compreender a evolução dos tumores
e o uso terapêutico de drogas antineoplásicas. A radiação
ionizante de alta energia também se mostrou útil na terapia
do câncer. Utilizam-se ondas eletromagnéticas de raio x e Figura 1 - Esquematização da biópsia com agulha tipo Tru-cut®
raios-gama ou partículas subatômicas, como as partículas (esquerda) e esquematização da biópsia com agulha fina (direita)
betas, elétrons e nêutrons. Dessa maneira, cirurgia e radio- Deve-se planejar a biópsia de modo a não comprome-
terapia constituem medidas de tratamento locorregional, ter o tratamento definitivo. Assim, as biópsias de membros
enquanto a quimioterapia pode ser utilizada em esquema devem ser feitas sempre no sentido longitudinal, seguindo
de adjuvância ou neoadjuvância; ou ainda como tratamen- o maior eixo do membro. Já as biópsias em tronco e dorso
to sistêmico, nos casos em que há metástases. devem acompanhar as linhas de força da pele. Biópsias mal
Devido às particularidades oncológicas, serão aborda- planejadas podem comprometer o restante do tratamen-
dos neste capítulo os sarcomas de partes moles.
to e, em alguns tumores, são consideradas fatores de pior
prognóstico.
2. Tratamento do tumor primário Em alguns tipos de tumores, é comum a biópsia de con-
Tabela 1 - Princípios propostos por Halsted gelação. O material retirado durante a cirurgia é imediata-
- Determinação do diagnóstico histopatológico por meio de bi- mente avaliado pelo patologista que pode determinar com-
ópsias; prometimento de margens, linfonodos etc.
- Assepsia oncológica;
B - Cirurgia
- Remoção em bloco do(s) órgão(s) acometido(s) pela doença
maligna com margens cirúrgicas livres, macro e microscópi-
A disseminação dos tumores pode ocorrer por contigui-
cas, associadas à retirada da área de drenagem linfática lo- dade, via linfática e hematogênica. Esses mecanismos justi-
corregional; ficam a retirada em bloco e a necessidade da linfadenecto-
- Reparação, reconstrução e restauração das funções dos órgãos. mia nas cirurgias com intuito curativo.
Essa etapa depende da extensão da ressecção e do local anatô- A retirada da área de drenagem linfática faz parte da
mico, podendo ser uma simples sutura até as grandes recons- cirurgia de diversos tipos de tumores. Em alguns casos,
truções ósseas e de partes moles com retalhos pediculados, pode ser feita com intuito de amostragem (exemplo: linfa-
retalhos microcirúrgicos e próteses.
denectomia ilíaco-obturatória na prostatectomia radical),

116
PRINCÍPIOS DE CIRURGIA ONCOLÓGICA

para completar estadiamento (exemplo: linfadenectomia


regional no câncer colorretal) ou até com valor terapêutico
(exemplo: linfadenectomia em cadeia acometida por mela-
noma maligno ou câncer de mama).
A radioterapia e a cirurgia proporcionam melhor contro-
le locorregional em alguns tumores e podem ser emprega-
das antes e depois do procedimento. Atualmente, é pos-
sível empregar a radioterapia intraoperatória, que consiste
em aplicar, no próprio leito cirúrgico, a radiação ionizante,
após a retirada do tumor primário (Figura 2), como em al-
guns casos de sarcomas ou em câncer de mama. A radiação
local proporciona um campo local ideal com menor dose
ionizante. Poucos centros médicos no Brasil dispõem desse

ONCOLOGIA
recurso nos dias de hoje.

Figura 2 - Radioterapia intraoperatória após amputação abdomi-


noperineal de reto por neoplasia avançada de canal anal, realiza-
da no Hospital A. C. Camargo, São Paulo/SP – Brasil

O uso de quimioterapia intraperitoneal hipertérmica é


indicado em alguns casos específicos, como pseudomixoma
peritoneal, câncer gástrico localmente avançado e dissemi-
Figura 3 - Citorredução com quimioterapia intraperitoneal hiper-
nação peritoneal de câncer colorretal e ovário. Também são
térmica, realizada no Hospital A. C. Camargo, São Paulo/SP – Bra-
poucos os centros médicos que realizam esse procedimen-
sil: (A) disseminação peritoneal; (B) tumor mucinoso de apêndice
to (Figura 3). cecal; (C) cavidade abdominal com cânulas de perfusão e termô-
metros e (D) sistema de perfusão intraperitoneal hipertérmico

A cirurgia pode ser empregada para tratamentos pa-


liativos, oferecendo maior qualidade de vida ao paciente
com tumores avançados ou em casos de recorrência tu-
moral, e para alívio de sintomas obstrutivos, controle de
hemorragia e anemia, fixação de fraturas patológicas, en-
tre outros. Em algumas condições, a cirurgia mesmo palia-
tiva pode trazer aumento da sobrevida (exemplo: câncer
gástrico).
A radioterapia proporciona um controle local com taxas
semelhantes às da cirurgia em alguns tipos de tumores.
Essa modalidade é utilizada nos casos em que o risco de
complicações cirúrgicas é grande (exemplo: câncer de prós-
tata), nos locais onde se desejam manter as funções orgâni-

117
ONC O LOG I A

cas preservadas (exemplo: câncer de laringe) ou em locais célula mesenquimal primitiva, que reproduzem os com-
de difícil reconstrução pós-operatória (exemplo: tumores ponentes de partes moles, exceto os tumores ósseos e
de cabeça e pescoço). Nesses casos, os pacientes devem as neoplasias de origem hematolinfopoética (Tabela 2).
realizar seguimento rigoroso e, em caso de recorrência, a Incluem-se, nesse conceito, músculos, tendões, tecidos
cirurgia de resgate pode ser empregada. fibrosos, gordura, vasos sanguíneos, nervos e tecidos ao
redor das articulações (tecido sinovial). São mais comuns
nas extremidades do corpo e em volta de órgãos. Qua-
3. Sarcomas de partes moles renta e três por cento ocorrem nas extremidades, 34% ao
redor de órgãos (exemplo: retroperitônio), 10% no tron-
A - Definição
co e 13% em outros locais. Podem ocorrer em adultos e
Os Sarcomas de Partes Moles (SPM) correspondem crianças, com diferenças epidemiológicas e de abordagem
histogenicamente a neoplasias malignas com origem na (Tabelas 2 e 3).
Tabela 2 - Exemplos de sarcomas em adultos
Tecido de origem Tipo de câncer Localização habitual no corpo
- Fibrossarcoma; - Braços, pernas e tronco;
Tecido fibroso - Histiocitoma maligno; - Pernas;
- Dermatofibrossarcoma. - Tronco.
Gordura - Lipossarcoma. - Braços, pernas e tronco.
Estriado - Rabdomiossarcoma; - Braços e pernas;
Músculos
Liso - Leiomiossarcomas. - Útero e trato digestivo.
- Hemangiossarcoma; - Braços, pernas e tronco;
Vasos sanguíneos
- Sarcoma de Kaposi. - Pernas, tronco.
Vasos linfáticos - Linfangiossarcoma. - Braços.
Tecidos sinoviais (envolvendo as cavidades articulares,
- Sarcoma sinovial. - Pernas.
bainhas dos tendões)
Nervos periféricos - Neurofibrossarcoma. - Braços, pernas e tronco.
- Condrossarcoma; - Pernas;
Cartilagem e tecidos ósseos
- Osteossarcoma. - Pernas e tronco.
- Hemangiopericitoma;
Outros tipos
- Miofibrossarcoma.

Tabela 3 - Exemplos de sarcomas na infância


Tecido de origem Tipo de câncer Localização habitual no corpo Idade
- Rabdomiossarcoma
- Cabeça, pescoço e geniturinário; Lactente a 4 anos
embrionário;
Músculos estriado/liso
- Alveolar; - Braços, pernas, cabeça e pescoço; Lactente a 19 anos
- Leiomiossarcoma. - Tronco. 15 a 19 anos
- Fibrossarcoma; - Braços e pernas;
- Histiocitoma fibroso
Tecido fibroso - Pernas; 15 a 19 anos
maligno;
- Dermatofibrossarcoma. - Tronco.
Gordura - Lipossarcoma. - Braços e pernas. 15 a 19 anos
- Hemangiopericitoma
Vasos sanguíneos - Braços, pernas, tronco, cabeça e pescoço. Lactente a 4 anos
infantil.
Tecido sinovial - Sarcoma sinovial. - Pernas, braços e tronco. 15 a 19 anos
- Tumores da bainha
nervosa periférica
(também chamados de
Nervos periféricos - Braços, pernas e tronco. 15 a 19 anos
neurofibrossarcomas,
schwannomas, sarcomas
neurogênicos).
Cartilagem e tecidos - Condrossarcoma mixoide;
- Pernas. 10 a 14 anos
ósseos - Osteossarcoma.

118
PRINCÍPIOS DE CIRURGIA ONCOLÓGICA

B - Fatores de risco do gene FH) e retinoblastoma hereditário (alterações no


gene RB1).
A origem de muitos SPMs não é conhecida. Entretanto,
exposição à radiação ionizante e certos produtos químicos C - Quadro clínico
podem ser os fatores de risco mais conhecidos para a maio-
ria dos tumores. A apresentação clínica é, geralmente, o surgimento de um
nódulo ou massa, mas raramente são dolorosos ou causado-
A radiação externa é o fator de risco mais bem estabele-
res de outros sintomas. São dados que sugerem malignidade
cido para os SPMs. Pacientes que foram tratados com radio-
nos SPMs o tamanho maior que 5cm, o crescimento rápido
terapia para cânceres de retina, mama, cabeça e pescoço,
e a consistência da lesão. A história de traumas prévios não
testículos ou sistema linfático têm maior probabilidade de
tem nenhuma relação com o aparecimento da lesão.
desenvolverem o SPM. Outro fator de risco é a exposição A biópsia deve ser bem planejada, tomando-se todos
a certos produtos químicos, incluindo substâncias como os cuidados previamente citados. O procedimento deve ser
arsênico, herbicidas e conservantes de madeira à base de realizado sem que haja a contaminação do trajeto e/ou da

ONCOLOGIA
clorofenóis. pele, pois isso dificultaria o tratamento cirúrgico e a progra-
Outras doenças associadas podem aumentar o risco mação de reconstrução (retalhos).
para SPM. Muitos estudos demonstraram que têm alto Para a investigação e o estadiamento, utilizam-se méto-
risco, para o desenvolvimento dos SPM, os portadores de dos de imagem como a Tomografia Computadorizada (TC)
síndrome de Li-Fraumeni (associada a alterações do gene e a ressonância magnética, em especial a última por ser
supressor tumoral - p53); doença de von Recklinghausen, bastante adequada à visualização de partes moles (Figura
também chamada de neurofibromatose tipo 1 (associa- 4). Como o principal sítio de metástases dos sarcomas são
da a alterações no gene NF-1); leiomiomatose hereditá- os pulmões, é indispensável a TC de tórax no estadiamento
ria; a síndrome do câncer de células renais (alterações dos pacientes.

Figura 4 - Imagens de RNM de sarcoma de membro inferior

119
ONC O LOG I A

O sistema RNM é o mais comumente usado no estadia-


mento dos SPMs e considera o tamanho do tumor, se su-
perficial ou profundo, a situação dos linfonodos regionais
e a presença ou ausência de metástases. O grau histológico
de malignidade também pode ser classificado como: G1 –
bem diferenciado; G2 – moderadamente diferenciado; G3
– pouco diferenciado; G4 – indiferenciado.

D - Tratamento
O planejamento terapêutico de pacientes com SPM
deve ser multidisciplinar. O ideal, sempre que possível, é
a ressecção com margens tridimensionais de pelo menos
2cm (Figura 5). Entretanto, em sarcomas retroperitone-
ais, esse tipo de ressecção é inviável na maioria das vezes,
sendo necessárias ressecções marginais. Para os pacientes
cujos tumores não são passíveis de ressecção com margem
adequada, o grau histológico é o fator determinante da con-
duta a ser adotada. Alguns grandes tumores de baixo grau
respondem razoavelmente bem à radioterapia e à quimio-
terapia pré-operatórias, a ponto de permitir cirurgia com
preservação do membro.

Figura 5 - Lipossarcoma de baixo grau no braço esquerdo: (A) deli-


mitação da área a ser ressecada; (B) status pós-ressecção; (C) peça
ressecada e (D) reconstrução com retalho lateral do braço

4. Resumo
Quadro-resumo
- O tratamento das neoplasias pode ser feito por meio de medi-
das de controle locorregional (cirurgia e radioterapia) ou sistê-
mico (quimioterapia);
- São princípios básicos de cirurgia oncológica a biópsia adequa-
da, a remoção em bloco dos tecidos comprometidos com a lin-
fadenectomia regional e a reconstrução;
- É possível associar cirurgia com radioterapia intraoperatória ou
quimioterapia intraoperatória, em casos especiais;
- O manejo dos sarcomas pode ser complexo e exige equipe mul-
tidisciplinar;
- A biópsia deve ser cuidadosamente planejada para não com-
prometer o resultado final.

120
CAPÍTULO

2
Câncer de pele
Eduardo Bertolli

Ceratose actínica e cornos cutâneos podem preceder o


Pontos essenciais carcinoma espinocelular (Figuras 2B e C). A doença de Bo-
wen (Figura 2C) equivale ao carcinoma espinocelular in situ
- Principais aspectos do câncer de pele não melanoma; que, quando ocorre no pênis, recebe o nome de eritroplasia
- Principais aspectos na abordagem do melanoma. de Queyrat (Figura 1).
Papilomatose oral corresponde ao carcinoma in situ da
cavidade oral. A remoção cirúrgica é indicada para diagnós-
1. Introdução tico e tratamento das lesões.
As neoplasias de pele constituem o tipo de câncer mais
comum no Brasil. Infelizmente, a maioria dessas lesões é
negligenciada por parte do paciente ou, até mesmo, do mé-
dico que presta o 1º atendimento. Ainda hoje, é comum a
retirada de lesões cutâneas que não são enviadas para es-
tudo anatomopatológico.
Pelo comportamento biológico e pela incidência, as ne-
oplasias de pele podem ser divididas nos casos de não me-
lanomas e melanomas.

2. Lesões pré-malignas
As lesões cutâneas são queixas frequentes na prática
médica. Existem lesões benignas e outras de comporta-
mento incerto, que podem ser consideradas pré-malignas
(Tabela 1).

Tabela 1 - Lesões cutâneas benignas e pré-malignas


- Ceratose seborreica (Figura 2A); Figura 1 - Eritroplasia de Queyrat
- Nevo epidérmico linear (nevo verrucoso);
- Nevo comedônico;
Lesões benignas
- Acantoma de células claras;
- Cistos;
- Disceratoma verrucoso.
- Ceratose actínica;
- Leucoplasia oral;
- Papilomatose oral florida;
Lesões pré-malignas - Doença de Bowen;
- Eritroplasia de Queyrat;
- Corno cutâneo;
- Ceratoacantoma.

121
ONC O LOG I A

O CBC é o tipo mais comum, compreendendo 75% dos


tumores epiteliais malignos e localiza-se, preferencialmen-
te, em áreas do corpo expostas ao sol, como face, orelhas,
pescoço, couro cabeludo e tronco (Figura 3).
Clinicamente, o CBC foi classificado em papulonodular,
noduloulcerado, superficial, terebrante, vegetante, pigmen-
tado, esclerodermiforme, planocicatricial e cístico. Na forma
nodular, o CBC apresenta-se como pápula rósea, com bordas
perláceas e aparência translúcida com finas telangiectasias,
de progressivo crescimento. Conforme a progressão da lesão,
há a possibilidade de ulceração (forma noduloulcerativa). O
CBC tende a ser agressivo localmente, com baixa incidência
de metástases linfonodais e sistêmicas.

Figura 2 - Lesões benignas e pré-malignas: (A) ceratose seborreica;


(B) ceratose actínica; (C) doença de Bowen e (D) corno cutâneo

3. Câncer de pele não melanoma


Os principais tipos de câncer de pele não melanoma são
o carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular
(CEC).

122
CÂNCER DE PELE

Não há critério uniforme na literatura a respeito das


margens cirúrgicas de ressecção nos cânceres de pele não
melanomas. Como orientação geral, para um CBC nodular
bem definido, ≤2cm de diâmetro, margens de 4mm são
adequadas na maioria dos casos. Entretanto, para tumores
de alto risco de recidiva (subtipo esclerodermiforme, radio-
terapia prévia ou tumores já recidivados) o ideal é obter
margens cirúrgicas de 10mm.
Quanto ao CEC, normalmente a margem de 5mm tam-
bém costuma ser suficiente. Pacientes com linfonodos cli-
nicamente suspeitos, ou com diagnóstico confirmado após
estudo anatomopatológico, têm indicação de linfadenec-
Figura 3 - Apresentações do carcinoma basocelular: (A) nodular; tomia radical ou seletiva e avaliação quanto à radioterapia

ONCOLOGIA
(B) esclerodermiforme; (C) multifocal; e (D) plano cicatricial adjuvante.
A radioterapia também pode ser considerada 1ª opção
O CEC, além de aparecer nas áreas já descritas, aparece em alguns casos. Pacientes idosos, com múltiplas lesões,
também no lábio inferior, nos membros superiores, no pê- principalmente na face, podem beneficiar-se dessa mo-
nis e em locais que sofreram algum tipo de trauma, como dalidade terapêutica, pois, além da menor morbidade, há
queimaduras ou cicatrizes. Ao contrário do CBC, raramente menor defeito estético e menor necessidade de grandes
apresenta coloração perlácea translúcida e telangiectasias, reconstruções.
sendo a apresentação mais comum a presença de placas ou
nódulos com graus variáveis de crostas, erosão e ulceração 4. Melanoma maligno
(Figura 4). Seu componente biológico é mais agressivo, com
maiores chances de metástases a distância, sendo a metás- A - Introdução
tase linfonodal mais frequente que a visceral. O melanoma é a neoplasia maligna de pele mais agressi-
va, com altos índices de mortalidade (75% de todas as mor-
tes por câncer de pele). No Brasil, o estado com maior inci-
dência é o Rio Grande do Sul (8,61 casos/100 mil habitantes
no sexo masculino e 7,68 casos/100 mil habitantes do sexo
feminino), seguido de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Desenvolve-se a partir de melanócitos presentes na epi-
derme, globo ocular e, mais raramente, mucosas genital e
oral. A prevalência é maior em adultos, podendo originar-se
de um nevo pigmentado ou de um lentigo maligno. A expo-
sição solar intermitente e intensa, principalmente de crian-
ças de pele clara, aumenta o risco de melanoma. História
familiar de câncer de pele, mesmo não melanoma, também
aumenta o risco de desenvolver essa neoplasia.

B - Diagnóstico
Nas fases iniciais, a forma cutânea caracteriza-se por
proliferação de células na junção dérmico-epidérmica, que
logo invade os tecidos adjacentes. As células variam em
número e na pigmentação do citoplasma, os núcleos são
relativamente grandes e, frequentemente, têm formato bi-
zarro, com nucléolos acidófilos proeminentes, e as figuras
de mitose são numerosas.
Dentre os tipos de melanoma, o mais comum é o exten-
sivo superficial (70%), seguido do nodular (15%), lentigino-
so maligno (10%) e acral (5%). O tipo lentiginoso maligno
ocorre, principalmente, entre idosos com exposição prolon-
gada ao sol e é o de melhor prognóstico. O tipo nodular,
por sua vez, é o de pior prognóstico. O tipo acral ocorre fre-
Figura 4 - Carcinoma espinocelular: (A) na região temporal e (B) quentemente em extremidades, tem crescimento rápido e
no lábio inferior é mais comum entre negros.

123
ONC O LOG I A

São consideradas lesões suspeitas ao exame físico aque- Franco comprometimento da derme reticular por cé-
las que apresentam características didaticamente conheci- Nível IV
lulas tumorais.
das como a regra do ABCD (Assimetria, Bordas irregulares, Infiltração das células tumorais no tecido celular sub-
Coloração mal-definida com variação na tonalidade e Diâ- Nível V
cutâneo.
metro >6mm – Figura 5). Diante da suspeita clínica de me-
lanoma, é preciso investigar o tempo de aparecimento da O crescimento radial do melanoma atinge os níveis I e II
lesão e variações recentes, além de fatores de risco pessoal de Clark. Os níveis III, IV e V correspondem à fase de cresci-
e história familiar. mento vertical.
Breslow classifica o melanoma em função da profundi-
dade linear da invasão e consiste no principal fator prog-
nóstico. As lesões com espessura entre 0,1 e 0,4mm são de
melhor evolução; aquelas entre 0,5 e 0,75mm apresentam
risco intermediário; e lesões acima de 0,75mm, são de alto
risco para metástases linfonodais.
Outros fatores prognósticos são a presença de ulceração
e/ou regressão, taxa mitótica e margens comprometidas. O
laudo de anatomia patológica da lesão inicial deve fornecer
todas essas informações.
Para estadiamento sistêmico, preconizam-se o raio x de
tórax, a ultrassonografia abdominal e a dosagem de DHL.
Outros exames, como ressonância magnética de crânio e o
PET-CT, devem ser solicitados quando há forte suspeita clí-
nica de metástases linfonodais ou a distância.
Figura 5 - Lesões suspeitas de melanoma: (A) assimetria; (B) bor-
das irregulares; (C) coloração heterogênea e (D) diâmetro >6mm D - Tratamento
O tratamento adequado, após a biópsia excisional, con-
C - Estadiamento siste na ampliação de margens e na pesquisa de linfonodo
sentinela em alguns casos.
O estadiamento do melanoma tem importância prog- A medida da ampliação de margens depende da espes-
nóstica e orienta o tratamento. É feita uma análise anato- sura da lesão. Melanomas in situ devem ter as margens am-
mopatológica e do nível de invasão, de acordo com Clark e pliadas em 0,5cm; melanomas com infiltração de até 1mm
Breslow (Figura 6).
necessitam de 1cm de margem; infiltração de até 2mm ne-
cessita de 2cm de margem. Não há benefício comprovado
de ampliações maiores que 2cm, mesmo que a infiltração
seja superior a 2mm.
O conceito de linfonodo sentinela foi proposto por
Morton em 1992 e corresponde ao 1º linfonodo a receber
a drenagem linfática do tumor. Sua pesquisa está indicada
aos casos de melanoma com Breslow maior que 0,75 mm.
Com o novo estadiamento proposto pela AJCC-UICC, mela-
nomas com índice mitótico >1/10 CGA (ou acima de 0mm3)
também têm indicação de pesquisa de linfonodo sentinela,
independentemente da espessura. Outras indicações são
Figura 6 - Níveis de Clark e Breslow àqueles com Breslow menor que 0,75mm, mas com fatores
de risco como Clark IV ou V; fase vertical; ulceração ou re-
gressão e invasão angiolinfática.
Tabela 2 - Níveis de propagação em profundidade da lesão do me- O estudo do linfonodo sentinela pode ser feito no pré-ope-
lanoma segundo Clark
ratório pela linfocintilografia, que consiste no mapeamento
Proliferação intraepidérmica sem componente invasi- por medicina nuclear após a injeção de dextrana marcada com
Nível I
vo (melanoma in situ).
isótopo radioativo. Também pode ser feito no intraoperatório
Nível II Infiltração de células isoladas na derme papilar. por meio da injeção de azul patente no plano intradérmico. A
Comprometimento da derme papilar por células tu- associação dos 2 métodos permite a identificação do linfono-
Nível III
morais chegando próximas à derme reticular. do sentinela em cerca de 98% dos casos (Figura 7).

124
CÂNCER DE PELE

A retirada do linfonodo permite analisar seu compro-


metimento (histologia e imuno-histoquímica). Quando o
resultado é negativo, a segurança de que não há dissemina-
ção tumoral linfática é alta. Por outro lado, se ocorre conta-
minação metastática dos linfonodos estudados, indica-se o
esvaziamento linfonodal radical da cadeia comprometida.
Quando o paciente já apresenta linfonodos palpáveis
na região de drenagem linfática correspondente à região
do melanoma maligno, deve-se proceder ao esvaziamento
linfonodal radical. Nos acometimentos da região inguinal,
realiza-se o esvaziamento inguinal superficial e profundo na
cirurgia inicial de retirada da lesão.
Metástases a distância devem ser avaliadas caso a caso,

ONCOLOGIA
e a indicação de remoção depende de cada situação em
estudo, discutida em reunião multidisciplinar na instituição
hospitalar.
a) Quimioterapia
A quimioterapia complementar é empregada nos casos
de alto risco de recidiva e nos casos de doença sistêmica
(metástases). As drogas antitumorais têm pouco efeito na
doença metastática. Os agentes mais utilizados são dacar-
bazina (DTIC), nitrosureias, interleucina-2 e alfa-interferon
(taxas de resposta de 10 a 20%). Atualmente, o ipilimuma-
be vem ganhando espaço como a 1ª medicação capaz de
alterar a história natural da sobrevida de pacientes com
melanoma. Entretanto, seu uso não está disponível em lar-
ga escala e os efeitos colaterais ainda não são plenamente
conhecidos.
b) Perfusão/infusão isolada hipertérmica de membros
A autoperfusão e a infusão isolada de membros com hi-
pertermia, modalidades terapêuticas empregadas em cen-
tros especializados, são indicadas a pacientes que apresen-
tam recidiva em trânsito nos tecidos profundos dos mem-
bros inferiores ou satelitose, e sem evidência de doença
metastática visceral. Realiza-se a circulação extracorpórea
isolada do membro, e aplicam-se as drogas antineoplásicas
em hipertermia. Usa-se mais comumente o melfalana, as-
sociado ou não à dactinomicina.

5. Resumo
Quadro-resumo
- O câncer de pele é a neoplasia mais comum no Brasil;
- Os CBCs costumam apresentar agressividade local, mas baixo
potencial de metástases;
- Os CEC têm maior potencial de disseminação linfonodal e a
distância;
- O melanoma é o tumor de pele com maior mortalidade. O
tratamento dependerá da espessura da pele acometida e do
comprometimento linfonodal.
Figura 7 - Sequência da pesquisa de linfonodo sentinela: injeta-se
o azul patente no plano intradérmico, após a injeção prévia de ra-
diofármaco, e considera-se linfonodo sentinela aquele corado pelo
azul patente e com captação pelo gama-probe

125
ONC O LO G I A

CAPÍTULO

3
Mastologia
Flávia Fairbanks Lima de Oliveira Marino / Eduardo Bertolli

Parte I
Doenças benignas da mama
1. Doenças infecciosas da mama
As mastites dividem-se em 2 grandes grupos, agudas e crônicas, cujas características são descritas a seguir.
Tabela 1 - Principais características das mastites
Mastites agudas Mastite crônica recorrente Mastite da ectasia ductal
O agente mais frequente é o Staphylococcus
Etiologia: Gram negativos e anaeróbios. Não há processo infeccioso.
aureus.
90% em tabagistas, ocorre por metaplasia escamosa Dilatação crônica dos ductos
dos ductos terminais e consequente obstrução das terminais, acúmulos de detritos
Mais comum em primíparas. mamas (tabagismo), causando infecção crônica e e extravasamento para o tecido
recorrente com abscessos que se fistulizam para a intersticial, causando reação
região periareolar, drenando-se espontaneamente. inflamatória.
Ocorre, geralmente, entre a 2ª e a 5ª semanas Ocorre por volta da 6ª década de
4ª e 5ª décadas de vida e não associada à lactação.
de puerpério. vida.
Diagnóstico clínico: tumoração
Quadro clínico: dor local, febre, hiperemia, Diagnóstico clínico: abscesso com fístula periareolar,
dolorosa retroareolar com fibrose e
edema. febre baixa e linfonodomegalia dolorosa axilar.
retração papilar.
Tratamento:
- Suspensão das mamas;
- Drenagem do leite excedente;
- Limpeza adequada do mamilo;
- Não suspensão da amamentação; Tratamento:
- Calor local; - Cessação do tabagismo;
- Analgésicos e AINHs; - AINHs e antibióticos (metronidazol e cefalosporinas
Tratamento: AINHs e cuidados
- Antibióticos (cefalosporina de 1ª geração), de 1ª e 2ª gerações) para esfriar o processo
locais.
2g/dia, de 7 a 10 dias. infeccioso;
- Em caso de abscesso: - Ressecção cirúrgica dos ductos acometidos e do
· Drenagem cirúrgica; trajeto fistuloso.
· Cultura de secreção;
· Antibióticos de 2º espectro;
· Suspensão da amamentação;
· Compressa fria e agonista dopaminérgico.

A - Mastites agudas
Em geral, as mastites agudas são associadas à lactação. Na maior parte das vezes, ocorrem unilateralmente e apresen-
tam boa evolução, sendo mais frequentes em primíparas, por volta da 2ª e da 5ª semanas de puerpério (Figura 1A). As
mastites lactacionais são classificadas, segundo a Epidemiologia:

126
M A S T O LO G I A

a) Epidêmica -areolares. A dilatação é seguida de acúmulo de detritos da


A forma epidêmica está associada a infecções por cepas descamação do próprio ducto e subsequente rotura da pa-
altamente virulentas de Staphylococcus aureus em recém- rede ductal, com extravasamento de material para o tecido
-nascidos nos berçários e nas maternidades, sendo, portan- intersticial adjacente, ocasionando uma reação inflamató-
to, uma infecção hospitalar. Dessa forma, tende a ocorrer ria. Em geral, não há concomitância de quadro infeccioso.
precocemente, até o 4º dia de puerpério. O diagnóstico é O diagnóstico é clínico, e pode, muitas vezes, ser detec-
clínico, podendo ser realizadas cultura para abscessos e ul- tada tumoração dolorosa retroareolar com fibrose e retra-
trassonografia para confirmação. ção da papila. A mamografia mostra aumento da densidade
Realiza-se antibioticoterapia intravenosa segundo o an- na região retroareolar e pode ou não evidenciar ductos di-
tibiograma, e, devido à alta chance de recorrência, sugere- latados, enquanto a ultrassonografia mostra ectasia ductal.
-se a suspensão da amamentação com drogas agonistas O tratamento é feito com anti-inflamatórios e cuidados
dopaminérgicas e compressas frias. Não deve ser realizado locais. A cirurgia fica restrita aos casos com tumor associa-
o esvaziamento manual, o que pode estimular a produção do e em que não haja resposta ao tratamento clínico.

ONCOLOGIA
de leite. O abscesso é drenado e explorado cirurgicamente. c) Outras
b) Não epidêmica (esporádica) A mama pode, ainda, ser acometida por outros proces-
A forma esporádica é a mais comum e acontece, geral- sos inflamatórios e/ou infecciosos, porém em menor inci-
mente, após a 2ª semana de puerpério. Os agentes envol- dência. Dentre eles, podem-se citar a tuberculose mamária
vidos são o Staphylococcus aureus e, em menor frequência, que, frequentemente, causa o aparecimento de fístulas crô-
o Staphylococcus epidermidis e o Streptococcus do grupo B. nicas não periareolares (Figura 1B); as mastites parasitárias
A principal forma de contaminação é a inoculação da bacté- como miíase, filariose e outros; e a sífilis, que pode acome-
ria, a partir da orofaringe do lactente, por meio de fissuras ter a mama nas suas fases primária, secundária ou terciária.
do mamilo ou pelos orifícios ductais. O diagnóstico é feito Vale alegar ainda a mastite oleogranulomatosa, comum
da mesma maneira que o da forma epidêmica. em indivíduos de ambos os sexos que injetam silicone lí-
O tratamento pode ser realizado com antibioticoterapia quido, parafina ou cera de abelha nas mamas. Estas podem
por via oral ou intravenosa, nos casos mais severos. Não é ne- também ser acometidas por processos fúngicos, como can-
cessária a suspensão da amamentação, e o esvaziamento da didíase, e virais, como herpes-simples ou zóster. O trata-
mama comprometida deve ser estimulado. Em caso de abs- mento é específico para cada caso.
cesso, pode-se suspender temporariamente a amamentação
na mama acometida, e o acúmulo de pus deve ser drenado.

B - Mastites crônicas
a) Abscesso periareolar recidivante (recorrente)
É uma infecção crônica, com recorrências frequentes e
evolução para fístulas que, em geral, aparecem na transição
da aréola com a pele da mama. Acomete, principalmente,
as mulheres fumantes na 4ª e na 5ª décadas de vida, rara-
mente no sexo masculino. Não se associa à lactação, mas ao Figura 1 - Doenças inflamatórias da mama: (A) mastite puerperal
tabagismo, uma vez que este leva à metaplasia escamosa e e (B) tuberculose mamária
à obstrução por queratina nos ductos terminais da mama.
Consequentemente, ocorrem estase das secreções mamá-
rias, dilatação dos ductos terminais e colonização destes 2. Lesões benignas da mama
por bactérias, mais comumente anaeróbias e Gram nega-
tivas. O processo tende a fistulizar no local de menor resis- A - Cistos mamários
tência da pele, ou seja, na região periareolar.
O diagnóstico é clínico e, na fase de abscesso, deve ser São lesões consideradas decorrentes do processo de
tratado com antibioticoterapia (em geral, metronidazol e involução das mamas e são mais frequentes em mulheres
cefalosporinas de 1ª ou 2ª geração) e anti-inflamatórios. Es- na pré-menopausa, por volta dos 40 anos. Consistem na
friado o processo, realiza-se a cirurgia para a ressecção dos dilatação e no consequente acúmulo de secreção de uma
ductos acometidos e do trajeto fistuloso. É muito importan- unidade ductolobular terminal. Assim, são lesões arredon-
te que a paciente seja orientada e desestimulada a fumar. dadas, circunscritas e móveis, que podem ter consistência
amolecida ou endurecida ao exame físico.
b) Mastite da ectasia ductal A melhor maneira de diferenciá-los das lesões sólidas é por
Ocorre em mulheres por volta da 6ª década de vida, em meio da ultrassonografia das mamas, que mostra lesões cir-
decorrência da dilatação crônica dos ductos terminais infra- cunscritas e anecoicas, com reforço acústico posterior (Figura 2).

127
ONC O LOG I A

Quando muito pequenos (em geral, <3mm) ou quando o con- - Lesões arredondadas, circunscritas e móveis;
teúdo do cisto é espesso, pode ser difícil, mesmo à ultrassono- - USG de mamas é o melhor exame para diferenciar
Quadro
grafia, diferenciá-los de lesões sólidas. Nessa situação, a punção cistos de lesões sólidas na mama (lesão circunscrita
clínico
com agulha fina (PAAF) esclarece o diagnóstico. e anecoica com reforço acústico posterior);
- Cisto simples tem frequência de malignidade <1%.
- Conduta expectante na maioria dos casos.
- Indicar Punção Aspirativa com Agulha Fina
(PAAF):
1 - Cistos dolorosos.
2 - Cistos que causem prejuízo estético.
3 - Diferenciação de lesões sólidas.
- Cirúrgico:
1 - Citologia suspeita.
Tratamento
2 - Recidiva após 2 a 3 punções.
3 - Massa residual pós-punção.
4 - Vegetação intracística (não deve ser puncionado
previamente).
5 - Cistos gigantes (volume aspirado >50mL).
6 - Líquido sanguinolento no PAAF.
7 - Achados mamográficos suspeitos após o
Figura 2 - Aspecto ultrassonográfico de cisto mamário anecoico esvaziamento do cisto.
com reforço acústico

Os cistos podem ser classificados, segundo seu diâme- B - Fibroadenoma


tro, em microcistos e macrocistos. Os valores para tal classi- O fibroadenoma (FA) é o tumor sólido benigno mais fre-
ficação variam na literatura, podendo ser de 3mm, segundo quente das mamas e acomete cerca de 10 a 15% das mu-
Cooper, 5mm ou até 1cm, para Harris. Há ainda uma clas- lheres, sobretudo na faixa etária entre 20 e 30 anos. Alguns
sificação de acordo com as características histológicas dos autores não o consideram um tumor propriamente dito,
cistos, que os divide em tipo I, ou apócrinos, e tipo II. Os do mas o classificam, juntamente com os cistos, nas chama-
tipo I são mais associados à multiplicidade e às recidivas. das Alterações do Normal Desenvolvimento e Involução das
A conduta pode ser expectante ou ativa, por meio PAAF. mamas (ANDI).
Esta última é reservada a cistos dolorosos ou que causem Na maioria das vezes, são lesões unilaterais, móveis,
prejuízo estético à paciente, ou ainda quando se deseja bem delimitadas, ovais ou lobuladas, de consistência fibro-
diferenciá-los de lesões sólidas (Figura 3). A frequência de elástica, que atingem dimensões de até 3cm (Figura 4B).
malignidade em cistos simples é menor do que 1%, o que
Quando acometem mulheres mais jovens e apresentam
leva alguns autores a não sugerirem, de rotina, a análise ci-
crescimento rápido e tamanhos superiores a 5cm, deve-se
tológica do líquido do cisto, desde que seja citrino.
suspeitar da variante juvenil do FA.
Após a punção, a paciente deve ser reavaliada dentro de
São lesões hormônio-dependentes que, microscopica-
3 a 6 semanas quanto à recidiva.
mente, apresentam componente epitelial e conjuntivo e
expressam receptores para estrogênio e progesterona.

Figura 3 - Conduta nos cistos

Tabela 2 - Lesões benignas da mama


- Mais frequente na pré-menopausa (4ª década de
Incidência
vida).

128
M A S T O LO G I A

ONCOLOGIA
Figura 4 - Fibroadenoma de mama: (A) aspecto ultrassonográfico
(lesão de forma geralmente elíptica com sombra acústica) e (B)
aspecto macroscópico

Quanto à relação com doenças malignas da mama, pa-


rece haver um risco aumentado, porém pequeno, de desen-
volvimento de carcinoma. A transformação do próprio FA em
lesão maligna é rara (0,1%); quando ocorre, o tipo mais fre-
quente é o carcinoma lobular in situ – lesão de risco, mas não
considerado um câncer – em mulheres acima dos 40 anos.
Embora se chegue com altos índices de certeza ao diag-
nóstico de um FA, por meio do quadro clínico e da ultrassono-
grafia, recomenda-se o tríplice diagnóstico, somando-se aos
2 métodos citados a PAAF ou a biópsia com agulha grossa.
Na certeza diagnóstica, a conduta pode ser expectante,
com seguimento clínico e ultrassonográfico semestral nos
Figura 5 - Aspecto mamográfico dos tumores phyllodes
primeiros 2 anos, em mulheres jovens (Figura 4A). A litera-
tura apresenta divergências quanto a partir de que idade
deve ser preconizada a exérese cirúrgica do FA, variando D - Papiloma
entre 25, 35 e 40 anos de idade. De qualquer modo, se a
paciente se sente ansiosa quanto à presença do FA, se há O papiloma é uma lesão proliferativa dos ductos maio-
prejuízo estético ou, ainda, se a paciente apresenta fatores res, subareolares, em geral única, que acomete mulheres
de risco para o desenvolvimento de câncer de mama, a exé- na pré-menopausa e se manifesta como fluxo papilar he-
rese deve ser recomendada, independentemente da idade. morrágico, espontâneo e intermitente. Pode haver espessa-
mento retroareolar palpável. Em pacientes após os 60 anos,
C - Tumor phyllodes com fluxo papilar sanguinolento, o diagnóstico diferencial
deve ser feito com carcinoma papilífero.
O tumor phyllodes, também denominado Cystosarcoma Em cerca de 10% das vezes, encontra-se a chamada
phyllodes em razão das projeções foliáceas de tecido tumo- papilomatose ou a síndrome do papiloma múltiplo. Nesse
ral no interior de cavidades císticas, é uma neoplasia mista caso, as lesões são múltiplas e periféricas, e o fluxo papilar
de tecido epitelial e conectivo, caracterizando-se por um é menos frequente. A papilomatose tem maior associação a
crescimento rápido e podendo apresentar grandes dimen- carcinoma ductal in situ e lesões atípicas da mama.
sões no momento do diagnóstico (Figura 5). Seu crescimen- O tratamento consiste na exérese cirúrgica do ducto
to depende de alguns fatores, como traumatismo, lactação acometido.
e gravidez. É um tumor raro, que representa 0,5% de todos
os tumores mamários. A recidiva é frequente, porém rara-
mente metastatiza e, quando isso ocorre, geralmente é por
3. Dor mamária
via hematogênica. A bilateralidade é rara, representando A dor mamária compreende uma das principais queixas
cerca de 1%. em consultórios de ginecologistas e mastologistas e desper-

129
ONC O LOG I A

ta grande preocupação por parte das pacientes. O 1º passo no mínimo, 4 meses. Em menor frequência, utilizam-se ago-
na abordagem da mulher com dor mamária consiste na ten- nistas dopaminérgicos, complexos vitamínicos, analgésicos,
tativa de determinar se, de fato, a dor é de origem mamária anti-inflamatórios, diuréticos e antiestrogênicos.
ou não. Quadros inflamatórios da parede torácica, nervos
intercostais e de outras estruturas podem causar dor re- Tabela 3 - Alteração funcional benigna das mamas
ferida nas mamas, sem que estas estejam acometidas por Principal causa de dor mamária na menacme, antigamente
qualquer processo patológico. A dor mamária pode ser cí- chamada de displasia mamária: dor cíclica e intumescimento
clica (dor piorada no período pré-menstrual) e acíclica (não mamário, principalmente pré-menstrual, bilateral.
relacionada com o período menstrual). A dor acíclica pode Principais hormônios envolvidos: estrogênio e, em 2º plano, a
estar relacionada a afecções mamárias próprias (processos prolactina (retenção hídrica e de sódio e produção de mediadores
inflamatórios, traumas etc.) ou a afecções ligadas à pare- inflamatórios).
de torácica (mialgias, neurites, dores ósseas e articulares, Fatores emocionais potencializam a reação dolorosa (não é um
dermatites e flebites). A intensidade pode ser: leve (mais evento psicossomático).
comum) – não interfere nas atividades diárias da paciente; Fatores agravantes:
moderada – incomoda, mas sem interferir nas atividades - Cafeína e outras metilxantinas;
diárias; e intensa – interfere nas atividades diárias, sendo - Estresse;
necessário o frequente uso de medicamentos. - Tabagismo;
- Hipotireoidismo.
A - Alteração funcional benigna das mamas Quadro histológico: fibrose, proliferação epitelial leve e
microcistos.
A principal causa de dor mamária em mulheres na me-
Não eleva o risco de câncer de mama.
nacme são as chamadas Alterações Funcionais (ou Fibro-
císticas) Benignas das Mamas (AFBM), termo que substitui, Diagnóstico: principalmente clínico.
desde 1994, o antigo termo displasia mamária. Embora Tratamento:
algumas pacientes ainda o utilizem, há confusão, uma vez - Orientação verbal, esclarecimento e tranquilização do paciente
em 1º plano.
que engloba, sob a mesma denominação, lesões com dife-
- Sintomáticos (restritos a pacientes com sintomatologia intensa):
rentes riscos para o desenvolvimento de câncer de mama.
· Ácido gamalinoleico;
Assim, com o conhecimento anatomopatológico das dife- · Analgésicos e AINHs;
rentes lesões mamárias, as lesões foram renomeadas, e · Diuréticos ou ansiolíticos;
apenas algumas alterações se encaixam, hoje, na denomi- · ACO (se desejar anticoncepção);
nação AFBM. · Casos graves: antiestrogênicos (tamoxifeno, danazol).
A AFBM caracteriza-se por quadro de dor cíclica geral-
mente acompanhada de intumescimento mamário, sobre- B - Ectasia ductal
tudo no período pré-menstrual. Sua fisiopatologia envolve
Ectasia ductal é a dilatação dos ductos com consequen-
fatores emocionais e hormonais, que levam à retenção hí-
drica e de sódio e à produção de substâncias mediadoras te acúmulo de secreção e inflamação periductal (Figura 6).
de inflamação nas células mamárias. O principal hormônio Geralmente, é assintomática, podendo ser causa de dor
envolvido é o estrogênio, seguido pela prolactina. não cíclica. Acomete, principalmente, mulheres na pós-
A mastalgia da AFBM não é um evento psicossomático, -menopausa. O tratamento é feito com analgésicos e anti-
mas os fatores emocionais desempenham um papel impor- -inflamatórios e, raramente, por meio da exérese cirúrgica
tante, potencializando a reação dolorosa. Não raramente, a dos ductos acometidos.
mastalgia é apenas a exteriorização do medo de desenvol-
ver câncer de mama. A ingesta excessiva de metilxantinas
e de cafeína parece estar relacionada à maior sensibilidade
das mamas aos hormônios.
O quadro histológico consiste em fibrose, proliferação
epitelial leve e microcistos, alterações que não elevam o ris-
co de desenvolvimento de câncer de mama. Esse dado é de
extrema importância durante a abordagem. A 1ª conduta
na AFBM deve ser sempre a orientação verbal e esclareci-
mentos; a terapêutica medicamentosa fica restrita aos ca-
sos que não responderem ou aos quais a sintomatologia for
muito intensa.
Na falha da orientação verbal, a droga mais utilizada é o
ácido gama-linoleico, que aumenta a síntese de prostaglan-
dina E1 pelas células da mama. O tratamento deve ser de, Figura 6 - Aspecto ultrassonográfico da ectasia ductal

130
M A S T O LO G I A

C - Dor de origem extramamária sarcomas também são tumores malignos que podem com-
prometer as mamas, porém se originam do componente es-
Os principais diagnósticos diferenciais incluem: tromal e perfazem 0,5 a 1% do total das afecções malignas
- Costocondrite (síndrome de Tietze); desses órgãos.
- Radiculopatia cervical; Podem ainda ser sede de metástases de outros tumo-
- Neurite intercostal; res, como linfoma e carcinoma espinocelular de diferentes
- Tromboflebite da veia epigástrica superficial (doença órgãos. A incidência delas é ainda mais rara.
de Mondor); O câncer de mama é a principal causa de morte por cân-
- Angina, dispepsia e pleurite. cer entre as mulheres no Brasil. Os dados do INCA estima-
O tratamento é específico para cada etiologia. vam, para 2010, 49.240 novos casos com uma incidência de
68,04 casos para 100.000 mulheres, somente no estado de
4. Alteração da fisiologia mamária: galac- São Paulo.
A incidência aumenta com o decorrer da vida, sendo
torreia

ONCOLOGIA
de 1:6.000 aos 30 anos, chegando a 1:8 aos 80 (dados de
Denomina-se galactorreia a produção inapropriada, não estatística americanos; no Brasil, é de, aproximadamente,
fisiológica de leite. Em geral, é multiductal e bilateral, uma 1:20). Metade do risco durante toda a vida acontece após
vez que é provocada por ação hormonal. Múltiplos fatores os 50 anos.
estão envolvidos na síntese e na liberação de prolactina, e, As maiores incidências estão nos EUA e no Norte Euro-
dessa forma, existem diferentes patologias que podem le- peu, seguidas do Sul e Leste Europeus e América do Sul;
var à galactorreia. as menores incidências são encontradas no continente asi-
A secreção de prolactina pode estar aumentada pela ático. No Brasil, a incidência global, a partir dos 35 anos,
presença de adenomas hipofisários ou por hipotireoidismo. é de 60 a 100/100.000 mulheres-ano. As regiões de maior
Inúmeros medicamentos podem ter, como efeito adverso, incidência da doença são, em ordem decrescente, Sudes-
inibição da produção e/ou dos receptores de dopamina com te, Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Norte. A maior incidência
consequente aumento da secreção de prolactina e galactor- está no Rio Grande do Sul, com 81,57 casos novos/100.000
reia, uma vez sabido que a dopamina inibe a produção de mulheres-ano.
prolactina pelo hipotálamo. Os principais são fenotiazina e
derivados – metildopa, opioides, reserpina e derivados, an- 2. História natural e fatores de risco
fetaminas, benzodiazepínicos e antidepressivos tricíclicos.
Todo câncer de mama tem origem genética, embora
Anticoncepcionais orais combinados, sobretudo os de do-
apenas 10 a 15% sejam de causa familiar. Isso significa que,
sagens mais elevadas, podem elevar os níveis de prolactina,
para que um câncer possa surgir, é necessária uma altera-
causando secreção inapropriada de leite.
Outras situações menos frequentes, mas que podem ção no DNA da célula. Porém, em apenas 10 a 15% das ve-
zes, tal alteração é herdada das gerações anteriores.
causar galactorreia, são estresse, tumores renais ou pul-
monares e estímulo persistente e prolongado dos mamilos A célula mamária alterada geneticamente perde sua ca-
como sucção, presença de cicatrizes, herpes-zóster e, até pacidade de reparo do DNA e de autorregulação da morte
mesmo, piercing. celular. Com essa perda de controle da proliferação, ocorre
O tratamento consiste, na maioria das vezes, no uso de um crescimento indiscriminado daquele clone de células, as
drogas agonistas dopaminérgicas, e a cirurgia transesfenoi- quais, à medida que se tornam mais indiferenciadas, adqui-
dal fica reservada a casos raros, uma vez que seu índice de rem capacidade de invadir tecidos vizinhos e de enviar me-
recidiva é bastante elevado. As principais drogas são a bro- tástases a distância. No caso do câncer de mama, a principal
mocriptina e a cabergolina, com menos efeitos colaterais e via de disseminação a distância é a cadeia linfática axilar.
maior facilidade posológica. Até o momento, foram identificados alguns genes envol-
vidos no processo de carcinogênese mamária. Os principais
são BRCA-1, BRCA-2, pT53, C-erb B2, bcl-2, ras e c-myc.
Parte II No entanto, nem todas as mulheres com células geneti-
camente alteradas desenvolvem câncer de mama. Sabe-se
Doenças malignas da mama que, além do dano ao DNA, alguns fatores estimulam essas
células a se reproduzirem. São os chamados fatores de pro-
1. Introdução moção, e o principal envolvido no carcinoma de mama é o
estrogênio. Este, portanto, não causa lesão genética, mas
As mamas podem ser sede de diferentes doenças ma- estimula a proliferação de células previamente alteradas.
lignas. As mais comuns são representadas pelos carcino- Dessa forma, os fatores de risco para câncer de mama
mas, tumores malignos originados nas células epiteliais dos são aqueles que aumentam a chance da mulher ser geneti-
ductos e lóbulos mamários. Correspondem a cerca de 98% camente alterada ou que a submetem a uma exposição es-
dos casos e podem apresentar diferenças histológicas. Os trogênica prolongada (Tabela 4). Hoje, sabe-se que a proges-

131
ONC O LOG I A

terona, considerada como exercendo efeito protetor nas cé- à microscopia, de invasão da membrana basal. Do ponto de
lulas mamárias até alguns anos, na verdade age em conjunto vista histológico, o CDIS apresenta diferentes padrões, sen-
com o estrogênio na promoção do carcinoma de mama. do mais comum a classificação que o divide em comedocar-
cinoma, sólido, micropapilar, cribiforme, papilífero.
Tabela 4 - Fatores de risco para o câncer de mama Atualmente, alguns patologistas não utilizam essa dife-
A proporção de câncer de mama entre mu- renciação; pode-se encontrar comedonecrose nos diferen-
Sexo
lheres e homens é de 100:1. tes padrões, não mais como um subtipo independente.
Idade O risco é maior entre mulheres de 45 a 55 anos. De qualquer maneira, a identificação de áreas de come-
Menarca precoce Após 55 anos, há aumento de 3% no Risco Re- donecrose, como um padrão independente ou como parte
e menopausa lativo (RR) por ano retardado. O risco é menor de outro, é de extrema importância, uma vez que os tumo-
tardia para as menopausadas antes dos 45 anos. res com comedonecrose têm maior chance de recidiva e de
História repro- Há maior risco para nuligestas e menor para microinvasão do que os que não apresentam esse padrão
dutiva as que tiveram a 1ª gestação até os 25 anos. (comedocarcinoma).
Terapia de repo- Após 5 anos de uso, há aumento de RR de Em 65% das vezes, o CDIS é detectado na sua forma sub-
sição hormonal 1,35 em mulheres sadias. clínica, por meio de mamografias de rastreamento. Quando
Evidências de discreto aumento no risco clinicamente evidente, pode aparecer como fluxo papilar, ge-
Contraceptivos
para usuárias de ACOs de alta dosagem (eti- ralmente espontâneo, uniductal e unilateral, tipo “água de
hormonais orais
nilestradiol, 50mg), após 5 a 10 anos de uso. rocha” ou sanguinolento, ou ainda como nódulo palpável.
Radiação ioni- Aumento do risco em idades precoces. A ra- A mamografia mostra microcalcificações pleomórficas,
zante diação da mamografia não aumenta o risco. lineares ou indeterminadas ou, mais raramente, nódulo ou
Câncer de mama assimetrias focais.
O RR é 5 vezes maior.
prévio O diagnóstico pode ser feito por meio de biópsia por
A hiperplasia atípica confere aumento do RR agulha grossa (core-biopsy), biópsia a vácuo (mamotomia)
Presença de
de 4 a 5 vezes. Esse risco aumenta para 11 ou biópsia cirúrgica. No caso de microcalcificações, a aná-
lesões mamárias
se, além disso, há parente de 1º grau com lise intraoperatória de congelação é bastante falha; dá-se
com atipia
câncer de mama. preferência ao estudo anatomopatológico em parafina. A
O risco é maior se mãe, irmãs ou filhas tive- PAAF, muito utilizada no passado, permite a identificação
Antecedente fa-
ram a doença, sobretudo na pré-menopausa de células neoplásicas, mas não a diferenciação do tumor
miliar de câncer
e se foi bilateral. RR de 2 a 4 vezes; se houver in situ e invasivo.
de mama
2 parentes, o RR aumenta para 14. O tratamento deve ser adequado a cada caso, a de-
Com presença de BRCA-1 e BRCA-2 mutados pender das características anatomopatológicas da lesão. A
(85% de risco ao longo da vida). Recente meta- fim de diminuir as recidivas locais pós-tratamento do CDIS,
História compro- -análise mostrou uma taxa de risco menor, de Silverstein propôs o índice prognóstico de Van Nuys, que
vada de heredita- 55% de risco até os 70 anos para BRCA-1 e de
confere um escore de risco de recidiva local para os CDIS,
riedade 47% para BRCA-2. A ausência de mutação nes-
considerando tamanho do tumor, características histológi-
ses genes não exclui a paciente do grupo de
risco, quando outros fatores estão presentes. cas e distância das margens cirúrgicas (Tabela 5). Em 2003,
esse índice foi modificado, passando a levar em conta, tam-
Obesidade, dieta
Aumento de risco, sobretudo na pós-meno- bém, a idade das pacientes, sendo de maior risco aquelas
rica em gordura,
pausa. com idade inferior a 40 anos. Assim, os tumores são pon-
álcool
tuados seguindo parâmetros e, então, analisados quanto
Diversos modelos estatísticos tentam predizer o risco a maior ou menor probabilidade de recidivar localmente.
de uma mulher desenvolver câncer de mama ao longo da Os de maior probabilidade são tratados de maneira mais
vida. Os mais utilizados são o de Gail, Claus, BRCAPRO e agressiva (incluindo radioterapia ou mastectomia) do que
de Tyrer-Cuzick; este último é o que apresenta maior acu- os outros (Tabela 6).
rácia. De qualquer forma, nenhum deles foi desenvolvido
para a população brasileira, com isso podem apresentar Tabela 5 - Índice de Van Nuys
distorções. 1 2 3
Tamanho
≤15 16 a 40 ≥40
(mm)
3. Tipos histológicos
Margem
≥10 1a9 ≤1
(mm)
A - Carcinoma ductal in situ Alto grau
Baixo grau sem Baixo grau com
O Carcinoma Ductal In Situ (CDIS) caracteriza-se pela Histologia com ou sem
comedonecrose comedonecrose
comedonecrose
presença de células tumorais intraductais, sem evidência,

132
M A S T O LO G I A

Tabela 6 - Tratamento de CDIs, segundo índice de Van Nuys nam-se aumentados, endurecidos e coalescentes, quando
Soma dos pontos Tratamento* comprometidos pela neoplasia.
3a4 Conservador Quanto aos exames complementares, a mamografia tí-
5a7 Cirurgia conservadora + radioterapia
pica de CDI mostra nódulo de alta densidade radiológica,
espiculado, podendo ou não conter microcalcificações. Fre-
8a9 Mastectomia
quentemente, quando presentes, estas manifestam áreas
8 a 9 com comedonecrose Mastectomia + linfonodo sentinela de extensão intraductal. A mamografia pode, ainda, mos-
* Deve-se realizar a análise de receptores tumorais nos tumores. trar área de distorção do parênquima, geralmente com o
Se positivo, associar hormonoterapia após o tratamento proposto. centro de alta densidade. Ao ultrassom, os nódulos são hi-
poecogênicos, irregulares ou arredondados, com margens
Quando a soma dos pontos for 3 ou 4, realiza-se tra-
indefinidas, e produzem sombreamento acústico posterior.
tamento conservador; entre 5 e 7, cirurgia conservadora e
irradiação das mamas; e 8 ou 9, indica-se a mastectomia.
Nos casos extensos e com comedonecrose, pela possi-

ONCOLOGIA
bilidade de focos de microinvasão não detectadas, faz-se
a análise do linfonodo sentinela ou esvaziamento axilar do
nível I de Berg. O Linfonodo Sentinela (LS) é o 1º linfonodo
axilar para onde drena a linfa e a metástase do câncer de
mama, geralmente contido no nível I de Berg.
Apenas nos tumores receptores hormonais positivos está
indicada a hormonoterapia após o tratamento primário, a
fim de diminuir os riscos de recidiva e de novos tumores. Figura 7 - Apresentações clínicas do câncer de mama

B - Carcinoma lobular in situ O diagnóstico histológico é feito por core-biopsy, mamo-


Na verdade, o Carcinoma Lobular In Situ (CLIS) é uma tomia ou biópsia incisional ou excisional e exame de conge-
lesão de risco para o desenvolvimento de carcinoma inva- lação ou parafina.
O CDI metastatiza, principalmente, para ossos, pleura,
sor, não um câncer propriamente dito. Não apresenta sin-
pulmão e fígado. A pesquisa primária de metástases é feita
tomatologia nem achado mamográfico característico. Na
por meio de radiografia de tórax, cintilografia óssea, ultras-
maioria das vezes, é detectado quando da biópsia por outra
som de abdome e dosagem do marcador tumoral CA-15-3.
lesão ou sintomas suspeitos. O risco de desenvolvimento
de carcinoma invasor é de 10 a 25%, podendo ser ductal ou
D - Carcinoma lobular invasivo
lobular, homo ou contralateral à lesão.
Detectado o CLIS, deve ser oferecido à paciente segui- O Carcinoma Lobular Invasivo (CLI) corresponde a 5 a
mento com exame clínico semestral e mamografia anual, 10% dos casos de câncer de mama. Microscopicamente, di-
complementada com ultrassom de mamas e ressonância fere do CDI por apresentar células pequenas e monótonas,
magnética, se necessário. Tamoxifeno profilático deve ser em arranjo linear tipo “fila indiana”. Apresenta alta porcen-
oferecido, considerando sempre os riscos e os seus bene- tagem de multifocalidade e bilateralidade. Clinicamente,
fícios. apresenta-se como espessamento mal definido, muitas ve-
zes de difícil percepção ao exame clínico.
C - Carcinoma ductal invasivo ou infiltrante A mamografia mostra, mais comumente, área de assi-
metria focal e distorção. O ultrassom pode mostrar área de
O Carcinoma Ductal Invasivo ou Infiltrante (CDI) é o
alteração textural. Para o diagnóstico anatomopatológico,
tipo mais frequente dentre os tumores malignos da mama
utilizam-se os mesmos métodos descritos para CDI.
(75%). Histologicamente, caracteriza-se pela presença de
células neoplásicas com intenso pleomorfismo, formação E - Outros
tubular e grupos pouco coesos, com invasão da membrana
basal e estroma adjacente. É frequente a presença de áreas Em frequência bem mais baixa, variando de 2 a 5%, en-
de CDIS estendendo-se além dos limites do CDI (componen- contram-se outros subtipos histológicos:
te intraductal extenso). - Carcinoma tubular;
O quadro clínico mais comum é um nódulo único, de - Carcinoma medular;
consistência pétrea, pouco móvel e indolor. Os nódulos - Carcinoma mucinoso ou coloide;
tornam-se clinicamente evidentes a partir de 1cm e podem - Carcinoma papilar;
ser detectados precocemente por meio de exames de ras- - Carcinoma apócrino.
treamento. Outros sintomas que podem estar associados
ao CDI são retração ou abaulamento de pele e fluxo papilar Esses tipos não apresentam quadros clínico ou radio-
semelhante ao do CDIS (Figura 7). Os gânglios axilares tor- lógico específicos e podem apresentar-se como quaisquer

133
ONC O LOG I A

dos achados já descritos. Os 4 primeiros tipos têm menor Com o intuito de identificar tais pacientes, foi desenvol-
incidência de comprometimento axilar e, portanto, melhor vido um teste genético (21 genes) denominado Oncotype-
prognóstico. -DX. Aplicado em mulheres com tumores positivos para
receptor de estrogênio, axila negativa, o teste confere um
F - Tipos especiais: carcinoma inflamatório e do- escore de risco de recorrência. Com base nesses resulta-
ença de Paget dos, a equipe médica poderá, então, adotar uma conduta
mais agressiva quanto à prescrição de quimioterapia para
a) Carcinoma inflamatório pacientes que, se julgadas apenas pelo status axilar, não se-
O mais agressivo dos tumores malignos da mama carac- riam submetidas a tal tratamento.
teriza-se por evolução rápida e prognóstico desfavorável, O estudo NSABP-20 determinou os níveis de corte como
com mortalidade de cerca de 90% em 1 ano se não trata- baixo risco (≤18), intermediário (entre 18 e 31) e alto risco
do com quimioterapia. Em 50% dos casos, há envolvimento (≥31). As pacientes que se enquadram no escore de alto ris-
axilar no momento do diagnóstico e, em 25%, metástases co devem receber quimioterapia adjuvante.
a distância. A frequência é rara: corresponde a 1 a 3% dos
tumores malignos da mama. B - Tamanho do tumor
Clinicamente, caracteriza-se por aumento súbito do vo- Quanto maior o tumor, maiores as chances de compro-
lume mamário, dor, eritema, espessamento difuso da pele metimento axilar.
(peau d’orange) e calor local. A mamografia mostra espes-
samento da pele e aumento difuso da densidade. Deve-se Tabela 7 - Relação entre tamanho tumoral e comprometimento
iniciar o tratamento com quimioterapia neoadjuvante, pois axilar
a doença é considerada sistêmica desde o diagnóstico. Se- Tamanho do tumor (cm) % de comprometimento axilar
gue-se, então, com cirurgia e/ou radioterapia, seguida de ≤1 20%
quimioterapia adjuvante. Comumente, são tumores recep- ≤3 Até 50%
tores negativos para estrogênio e progesterona, mas as pa-
cientes com positividade dos mesmos podem se beneficiar C - Tipos histológicos
de hormonoterapia adjuvante.
Os de pior prognóstico são lobular invasivo e ductal in-
b) Doença de Paget vasivo; os subtipos medular, mucinoso, tubular e papilar
A doença de Paget caracteriza-se por alterações eczema- puros têm melhor prognóstico. Mais do que o tipo histoló-
tosas da aréola e da papila, é geralmente unilateral e corres- gico, hoje em dia, busca-se analisar o comportamento tu-
ponde a até 4% dos casos de câncer de mama. Associa-se à moral com base na expressão de seus genes. Dessa forma,
lesão palpável em 48% dos casos. As células de Paget são cé- fala-se, atualmente, em assinatura genética do câncer de
lulas in situ e, frequentemente, estão associadas a CDIS. Pode mama. Usando microensaios baseados na expressão gênica
ocorrer a associação com carcinoma ductal invasivo. dos tumores, diversos autores classificaram os tumores de
O diagnóstico é clínico, e a confirmação ocorre por meio mama em luminal A, luminal B, basal (basaloide ou triplo
de biópsia da pele da aréola. No tumor adjacente, a massa negativo), HER-2 positivo e normal-like. Os tumores basa-
deve sofrer biópsia. A mamografia e a ultrassonografia po- loides e os que apresentam superexpressão de gene ERBB2
dem ser normais ou mostrar nódulo suspeito, geralmente são os de pior prognóstico.
retroareolar.
O prognóstico está mais relacionado à lesão subjacente D - Grau histológico e nuclear
do que à extensão da doença na pele. Desse modo, o tra- Quanto mais indiferenciado, pior o prognóstico. Assim,
tamento é feito de acordo com o tipo e o estadiamento do os de grau III têm sobrevida livre de doença e sobrevida glo-
tumor associado. Se houver apenas a lesão areolopapilar, bal consideravelmente menores do que os de graus I e II.
poderá ser realizada a quadrantectomia central.
E - Receptores hormonais
4. Fatores prognósticos
Melhor prognóstico para mulheres com tumores recep-
A - Status axilar tores positivos para estrogênio e progesterona, pois podem
beneficiar-se com antiestrogênicos.
É o principal fator prognóstico. As pacientes com 1 a 3
linfonodos comprometidos têm prognóstico melhor do que
aquelas com 4 ou mais. Embora se saiba que o status axilar
F - C-erb B2
é ainda o fator prognóstico mais importante, algumas pa- Os tumores com elevada expressão desse gene têm maior
cientes com axila negativa comportam-se como axila positi- chance de não responderem adequadamente à quimiotera-
va no que se refere à recorrência e à Sobrevida Livre de Do- pia; são, portanto, tumores de pior prognóstico. Cerca de
ença (SLD) e, portanto, podem beneficiar-se de tratamento 25% dos tumores ductais invasivos de mama apresentam su-
quimioterápico adjuvante. perexpressão desse gene. Há 2 técnicas para identificá-lo: o

134
M A S T O LO G I A

Herceptest, que identifica por imuno-histoquímica e confere - N1: micrometástase ou metástase para linfonodos au-
um escore em cruzes, podendo variar de zero a 3, e são consi- xiliares ipsilaterais móveis:
derados positivos os casos 3+; e o teste que se baseia em téc- • N1mi: micrometástase ≥0,2mm, mas <2cm;
nica de imunofluorescência (FISH). Apresenta maior acurácia • N1a: de 1 a 3 linfonodos axilares comprometidos,
e custo bem mais elevado, ficando como 2ª linha, quando nenhum >2mm;
o Herceptest é duvidoso (2+). As pacientes que apresentam • N1b: metástases macro ou micro em cadeia mamá-
FISH positivo ou Herceptest 3+ beneficiam-se do tratamento ria interna, detectada por linfonodo sentinela, mas
adjuvante com o anticorpo monoclonal trastuzumabe. sem evidência clínica;
Os fatores tipo histológico, BRCA e P53 mostraram-se de • N1c: de 1 a 3 linfonodos axilares e em mamária in-
menor valor prognóstico do que os outros, ficando a maior terna, detectada por linfonodo sentinela, mas sem
importância para o status axilar, o tamanho do tumor e o evidência clínica.
grau histológico.
- N2: metástases axilares ipsilaterais ou mamária interna:

ONCOLOGIA
5. Estadiamento • N2a: metástase para 4 a 9 linfonodos axilares ipsi-
laterais coalescentes ou aderidos a estruturas adja-
O carcinoma de mama é estadiado segundo o sistema centes, pelo menos um >2mm;
TNM, desenvolvido na França entre 1943 e 1952 e atualiza- • N2b: metástases clinicamente aparentes na cadeia
do de tempos em tempos. Atualmente, usa-se a 7ª edição, ganglionar da mamária interna na ausência de me-
proposta a partir de 2010 pelo American Joint Committee tástase axilar.
on Cancer (AJCC – Tabela 8).
- N3: metástase infraclavicular ipsilateral, ou axilar e
A - Classificação T – Tumor primário mamária interna cinicamente detectáveis, ou supra-
clavicular:
- Tx: tumor primário não pode ser avaliado; • N3a: metástase para linfonodo infraclavicular ou
- T0: não há evidência de tumor primário; acima de 10 linfonodos axilares;
- Tis: carcinoma in situ: • N3b: metástase para linfonodos da mamária inter-
• Carcinoma ductal in situ; na e axilar;
• Carcinoma lobular in situ; • N3c: metástase para linfonodo supraclavicular.
• Doença de Paget da papila sem tumor associado. ** Casos em que a metástase linfonodal consiste apenas de células
- T1: tumor ≤2cm: tumorais isoladas ou formando agrupamentos <0,2mm, que, em
• T1mic: carcinoma microinvasor, ≤0,1cm; sua maioria, são detectados pela imuno-histoquímica (I) ou por
biologia molecular (MOL), são classificados como pN0, pois,
• T1a: tumor maior que 0,1cm e ≤0,5cm;
tipicamente, não mostram evidência de atividade metastática.
• T1b: tumor maior que 0,5cm e ≤1cm;
• T1c: tumor maior que 1cm e ≤2cm. C - Classificação M – Metástase a distância
- T2: tumor maior que 2cm e ≤5cm; - Mx: metástase a distância não pode ser avaliada;
- T3: tumor >5cm; - M0: ausência de metástase a distância;
- T4: tumor de qualquer tamanho, com extensão para: - M1: presença de metástase a distância.
• T4a: parede torácica;
Tabela 8 - Classificação por estadios
• T4b: edema ou ulceração da pele;
Estadio 0 Tis N0 M0
• T4c: 4a + 4b;
Estadio I T1* N0 M0
• T4d: carcinoma inflamatório.
T0 N1 M0
Parede torácica inclui arcos costais, músculos intercostais e Estadio IIA T1* N1 M0
músculo serrátil anterior, mas não o músculo peitoral. Doença de T2 N0 M0
Paget associada a tumor é classificada de acordo com o tamanho Estadio IIB T2 N1 M0
do tumor. T3 N0 M0
T0 N2 M0
B - Classificação N – linfonodos regionais T1* N2 M0
Estadio IIIA
- Nx: linfonodos regionais não podem ser avaliados; T2 N2 M0
- N0: ausência de metástases para linfonodos regionais; T3 N1, N2 M0
- pN0: ausência de metástases para linfonodos regio- Estadio IIIB T4 N0, N1, N2 M0
nais: Estadio IIIC Qualquer T N3 M0
• pN0 - (I-/+)**; Estadio IV Qualquer T Qualquer N M1
• pN0 - (MOL -/+)**. * T1 inclui T1 mic.

135
ONC O LOG I A

6. Tratamento é somente paliativa, quando a radicalidade do tratamento


local não mais modificará o prognóstico já comprometido
O tratamento cirúrgico do câncer de mama envolve as de uma paciente.
chamadas cirurgias radicais, que são as mastectomias, e as A setorectomia é bastante semelhante à tumorectomia,
conservadoras, em que são preservadas variáveis porções porém com retirada de um pouco de tecido mamário ao
das mamas. redor do tumor, e é usada apenas nas mesmas situações
A 1ª cirurgia de fato racional para o tratamento do câncer descritas ou nos casos de carcinoma in situ de baixo grau
de mama foi descrita por William Halsted em 1894 e ampla- histológico e pequena extensão.
mente utilizada até meados do século XX, quando alguns es- A quadrantectomia clássica consiste na retirada do tu-
tudos passaram a questionar a real necessidade da retirada
mor com parte da mama ao redor, fragmento de pele e
completa da glândula mamária e mostraram que, em deter-
esvaziamento dos 3 níveis axilares. Classicamente, era in-
minadas situações, a retirada de parte da mama, seguida de
dicada para tumores de até 2 a 2,5cm. Atualmente, mais
radioterapia, apresentava semelhantes taxas de recorrência e
do que o tamanho tumoral, muitos grupos analisam a re-
sobrevida, com melhor resultado estético. A quadrantectomia
lação tamanho do tumor x tamanho da mama e realizam
seguida de radioterapia (QUART) foi proposta por Umberto Ve-
quadrantectomias em tumores maiores, desde que sejam
ronesi, do Instituto Europeu de Oncologia em Milão, e passou
bem analisadas as margens de tecido ao redor e que elas
a ser amplamente adotada a partir da década de 1970.
estejam livres de tumor. O conceito de “livre” pode variar
A mastectomia radical à Halsted consiste na retirada de
um pouco de um serviço para outro; é mais aceita a presen-
toda a glândula mamária, músculos peitorais maior e me-
ça de uma unidade ductoalveolar livre de doença.
nor e esvaziamento axilar dos níveis I, II e III de Berg. Anos
Outra variação da QUART de Veronesi é a não retirada de
mais tarde, Patey propôs a chamada mastectomia radical
pele, possível apenas quando o tumor se encontra distante
modificada, em que se preserva o músculo peitoral menor.
Auchincloss-Madden descreveu a mastectomia preservan- dela. É importante ressaltar que, sempre que for feita qual-
do-se ambos os músculos peitorais e realizando-se somente quer cirurgia conservadora de mama para o tratamento de le-
o esvaziamento dos gânglios da base da axila (nível I). Essas sões malignas, será mandatória a radioterapia, salvo em raros
são as 3 modalidades mais utilizadas de cirurgias radicais casos de tumorectomia paliativa. Diversos estudos têm sido
das mamas. Sempre que possível, quando a indicação cirúr- realizados com o objetivo de avaliar a eficácia de uma dose
gica for de mastectomia, tentam-se preservar os músculos única de radiação, realizada no intraoperatório, em substitui-
peitorais (Figura 8). Sua retirada só deve ser realizada se há ção à radioterapia convencional, pós-operatória. Os resultados
comprometimento tumoral deles. Pacientes com tumores da IORT têm sido satisfatórios quanto às taxas de recidiva local.
maiores que 5cm, localmente avançados ou com mais de 4 O esvaziamento linfonodal também evoluiu ao longo
linfonodos axilares comprometidos, devem ser submetidas dos anos. Pela técnica de Halsted, eram retirados linfono-
à radioterapia, mesmo após a mastectomia. dos axilares, da mamária interna, supra e infraclaviculares,
o que aumentava a morbidade e pouco acrescentava à so-
brevida. Passou-se, então, a realizar apenas a dissecção dos
linfonodos axilares, nos seus 3 níveis (Figura 9). A principal
complicação desse procedimento é o surgimento de linfe-
dema, que pode comprometer, consideravelmente, a movi-
mentação e a função daquele membro superior.

Figura 8 - Aspecto intraoperatório após mastectomia radical mo-


dificada à esquerda, com preservação do peitoral maior e menor

As cirurgias conservadoras de mama são tumorectomia,


setorectomia e quadrantectomia. A 1ª consiste na exérese
apenas do tumor, muito pouco ou quase nunca utilizada nos
casos de tumores malignos das mamas. Sua utilização para
câncer fica restrita às situações em que a retirada do tumor Figura 9 - Os 3 níveis linfonodais axilares

136
M A S T O LO G I A

Visando minimizar os efeitos deletérios da linfadenecto- segurança para tumores de até 5cm (T1-T2), desde que a
mia axilar completa, alguns grupos, dentre eles o de Milão axila não esteja comprometida clinicamente.
(Veronesi), passaram a estudar a possibilidade da retirada A melhor acurácia é verificada quando ambas as téc-
de apenas 1 ou poucos linfonodos. Descobriu-se que a dre- nicas são utilizadas concomitantemente. O uso do radioi-
nagem tumoral axilar respeita, em 99% das vezes, os níveis sótopo apresenta maior custo, porém a técnica com azul
axilares, comprometendo, primeiramente, o nível I e depois patente apresenta como inconvenientes a possibilidade de
os níveis II e III. Descobriu-se, também, a existência do que causar tatuagem na pele, a reação anafilática (rara, cerca de
se passou a chamar linfonodo sentinela, o 1º linfonodo a 1%), a propagação muito rápida do corante após a injeção
receber a drenagem linfática do tumor. Assim, depois de e a impossibilidade de identificação de sítios extra-axilares.
inúmeros estudos, concluiu-se que, se o linfonodo sentinela Quando o linfonodo sentinela se apresenta comprome-
estiver livre de doença, nos casos de tumores de até 3cm, a tido, há chance de 50% de estar acontecendo o mesmo com
outros linfonodos. Nesse caso, preconiza-se o esvaziamento
possibilidade de comprometimento de outro gânglio da ca-
axilar completo. Alguns autores aceitam a retirada apenas
deia é próxima a zero. Assim, passou-se a estudar o linfono-

ONCOLOGIA
dos níveis I e II.
do sentinela por meio de técnicas que utilizam corantes ou
O tratamento adjuvante sistêmico do câncer de mama
radiofármacos. O tamanho do tumor para o qual se realiza o
é realizado com quimioterapia e hormonoterapia. As indi-
sentinela também varia de serviço para serviço; segundo o cações e esquemas terapêuticos, bem como doses e tipos
guideline da ASCO 2005, a técnica pode ser empregada com de medicações e associações utilizadas, variam caso a caso.

Tabela 9 - Tratamento do câncer de mama


Categoria de risco Tratamento adjuvante
- Linfonodos negativos; - Nenhum ou hormonoterapia isolada;
- ER* ou PR** positivos;
- Tu ≤1cm ou grau I;
Baixo risco
- Ausência de invasão (linfática e perivascular); - Considerar Oncotype.
- HER*** 2 negativo;
- Idade ≥35 anos.
- Linfonodos negativos associados a, pelo menos, 1 dos
fatores:
· Tu >2cm ou grau II/III; - HT**** ou QT***** seguida de HT para os casos
Risco intermediário · Invasão presente; ER ou PR positivos;
· Idade <35 anos;
· HER 2 positivo.
- Um a 3 linfonodos positivos e HER 2 negativo. - Somente QT para os casos receptores negativos.
- HT ou QT seguida de HT para os casos ER ou PR
- Um a 3 linfonodos positivos e HER2 positivo;
Alto risco positivos;
- Quatro ou mais linfonodos positivos. - Somente QT para os casos receptores negativos.
* Positivo para o receptor de estrogênio.
** Positivo para o receptor de progesterona.
*** Positivo ou negativo para o receptor HER.
**** Hormonoterapia.
***** Quimioterapia.

7. Doença metastática A partir desses dados, avalia-se se o paciente será mais


bem conduzido com quimioterapia e/ou hormonoterapia.
Os sítios mais comuns para o aparecimento de metás-
Os objetivos devem ser controle da doença e manutenção
tases no câncer de mama são pulmão, fígado, ossos e cére-
da qualidade de vida.
bro. O tratamento da doença metastática deve ser realizado
A cirurgia fica restrita a procedimentos paliativos, como
considerando a biologia do tumor (receptores hormonais e
mastectomias higiênicas nos casos de infecção e toracocen-
HER-2), o estado menopausal, o sítio e o número de metás-
tese seguida de pleurodese nos derrames pleurais de difícil
tases, o intervalo livre de doença, tratamentos previamente
controle.
recebidos (e respostas obtidas) e, principalmente, as condi-
ções clínicas do paciente.

137
ONC O LOG I A

CAPÍTULO

4
Oncologia ginecológica
Flávia Fairbanks Lima de Oliveira Marino / Eduardo Bertolli

Introdução A - Etiologia
O sistema reprodutor feminino é sede de diversas pa-
tologias oncológicas, muitas de tratamento cirúrgico. O ci-
rurgião deve estar familiarizado com as doenças mais pre-
valentes e saber conduzi-las, pelo menos no que tange ao
diagnóstico, ao estadiamento e às orientações terapêuticas.
Este capítulo abordará, resumidamente, as principais neo-
plasias do corpo e colo uterino, além dos principais tumores
de ovários.

I - Útero
1. Neoplasias intraepiteliais cervicais
As Neoplasias Intraepiteliais escamosas do Colo uterino Figura 2 - Evolução das lesões pré-malignas
(NIC) correspondem a um grupo de alterações da matura-
Vários estudos mostram a relação direta entre a pre-
ção celular restritas ao epitélio (não invadem a membrana
sença do HPV e as NIC. Alguns tipos de HPV agregam-se ao
basal) e graduadas segundo a proporção de células imatu-
genoma celular e fazem que as células se desviem de seu
ras atípicas e grau de discariose.
processo natural de maturação, formando um novo tipo ce-
Essas lesões caracterizam-se pelo aumento da relação
lular anárquico e displásico e iniciando a carcinogênese do
núcleo/citoplasmática, atipias nucleares e mitoses e, geral-
colo uterino.
mente, são acompanhadas de sinais citológicos indicativos
Há cerca de 70 tipos de HPV, alguns de baixo risco (6, 11,
de infecção pelo papilomavírus (HPV). Podem ser classifi-
42, 43, 44; relacionados com condilomas) e outros de alto
cadas em 3 graus de intensidade: NIC I, II ou III. Por outro
risco (16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58; relacionados
lado, atualmente, há uma tendência a classificar tais lesões com NIC).
em 2 grupos: as de baixo grau (NIC I) e as de alto grau (NIC
II e III). Embora tal classificação sugira um aspecto evolutivo B - Diagnóstico
entre as NICs, tal padrão não é necessariamente observado.

Figura 3 - Evolução da neoplasia intraepitelial cervical até carci-


noma invasor

O diagnóstico das NICs baseia-se no tripé colpocitologia,


colposcopia e exame anatomopatológico. A colpocitologia,
pela nova classificação de Bethesda, de 1988, modificado
Figura 1 - Padrões histológicos das neoplasias intraepiteliais em 1991, propõe os seguintes achados para a citologia:

138
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

- Normal;
- Inflamatório;
- Achados anormais;
- Lesões intraepiteliais de significado indeterminado;
- Lesões intraepiteliais de baixo grau (NIC I e condiloma
plano);
- Lesões intraepiteliais compatíveis com carcinoma epi-
dermoide, adenocarcinoma e carcinoma de células
claras.

E a classificação citológica de Papanicolaou, de 1942,


prevê 5 grupos distintos:
- Classe I: epitélio normal;

ONCOLOGIA
- Classe II: alterações inflamatórias;
- Classe III: displasias:
• Classe IIIa: leve;
• Classe IIIb: moderada;
• Classe IIIc: acentuada.
- Classe IV: carcinoma in situ; Figura 5 - Espectro de achados da colposcopia. Extraído de www.
- Classe V: carcinoma invasor. colposcopia.com.br

Nas lesões pré-cancerosas, o que se nota é uma acen-


tuação das figuras descritas como os achados colposcópi-
cos anormais, tornando-as distintas de simples alterações
inflamatórias/infecciosas. Não é possível determinar, com
exatidão, o grau da lesão por meio da colposcopia, mas ape-
nas supor a sua existência e determinar a topografia correta
para exploração mais detalhada e seu eventual tratamento.

C - Tratamento
Figura 4 - Aparência no Papanicolaou
Não haveria razão para deixar de tratar as NICs. Con-
Sempre que se encontra um achado citológico alterado, tudo, atualmente, há quem questione essa assertiva. Evi-
propõe-se a investigação com a colposcopia. As principais dências atuais sugerem que as lesões de alto grau (NIC II e
indicações de sua realização são clínicas (alterações do exa- NIC III) devem ser tratadas com métodos excisionais (coni-
me físico) ou citológicas. A função mais importante da col- zação), ao passo que lesões de baixo grau (NIC I) permitem
poscopia é identificar a lesão e delinear sua extensão para a uma conduta mais conservadora, contanto que haja a ade-
realização de uma biópsia dirigida. quação dos métodos diagnósticos e a adesão da paciente
O exame consiste na visualização do colo e da vagina por (Figura 6).
meio de um colposcópio que permite um aumento de 6 a Assim, os princípios do tratamento baseiam-se em algu-
40 vezes da imagem da zona que está sendo analisada. Tal mas evidências:
exame é realizado com o auxílio de soluções, como soro fi- - A gravidade da lesão é definida pela histopatologia
siológico, ácido acético a 2 e a 5% e solução iodada de lugol. (não se pode tirar conclusão a partir do exame de Pa-
A partir da aplicação da solução de ácido acético, sur- panicolaou, e é necessária a confirmação histológica);
girão as figuras colposcópicas, algumas compatíveis com - Técnicas de biologia molecular (captura híbrida, PCR
a normalidade (achados colposcópicos normais) e outras para HPV) podem ser úteis, mas não indicam trata-
sugestivas de alterações no epitélio estudado (achados col- mento;
poscópicos anormais – Figura 5). - Tratar sempre as lesões de alto grau por métodos ex-
- Epitélio acetobranco: plano, micropapilar ou microin- cisionais (NIC II e NIC III), pois se sabe que, caso não
volução; sejam tratadas, 1 em cada 10 evoluirá para câncer in-
- Pontilhado; vasor em algum momento durante a vida da mulher;
- Mosaico; - Quanto às lesões de baixo grau (NIC I), as evidências
- Leucoplasia; sugerem que regressões espontâneas devem ocorrer,
- Vasos atípicos. e que esse grupo de lesões não está necessariamente

139
ONC O LOG I A

associado à progressão para o câncer invasor ao longo 2. Neoplasia do colo uterino


do tempo. O tratamento conservador exige a adesão
da paciente e a disponibilidade de material para acom-
panhamentos colpocitológico e colposcópico. A - Epidemiologia
O câncer de colo uterino representa cerca de 23% das
neoplasias ginecológicas, precedido apenas pelo câncer de
mama. Acomete, em média, mulheres entre 40 e 50 anos,
principalmente em regiões brasileiras mais carentes e com
piores indicadores de saúde. No Brasil, eram esperados
cerca de 18.430 novos casos para 2010, segundo dados do
INCA (Instituto Nacional do Câncer).
Possui fácil diagnóstico e baixo custo, o que favorece a
prevenção por meio do rastreamento pela citologia oncóti-
ca (Papanicolaou) e a educação sexual, visando à redução
dos principais fatores de risco: contaminação genital pelo
HPV. Vale ressaltar que a evolução para a forma invasora é
lenta e sucede, na maioria dos casos, a lesões intraepiteliais
(NIC). Estima-se que a progressão da doença de lesão intra-
epitelial para o câncer invasor ocorra em torno de 7 anos.
Os principais fatores de risco são início precoce de ativi-
dade sexual, multiparidade, promiscuidade, uso de contra-
ceptivos hormonais, carência nutricional (hipovitaminose
Figura 6 - Conduta na abordagem às neoplasias intraepiteliais cer-
vicais A, C e E), tabagismo, imunossupressão, infecção pelo vírus
HIV e infecção pelo vírus HPV (principalmente, os subtipos
O tratamento baseia-se nos métodos excisionais (retira- 16 e 18), considerado o principal fator etiológico da doença.
da da área acometida) ou de destruição local. Os métodos
excisionais são biópsia por bisturi, conização do colo uteri- B - Quadro clínico e diagnóstico
no com laser ou cirurgia de alta frequência, histerectomia As lesões precursoras do colo uterino (NIC) podem ser
total abdominal ou vaginal. assintomáticas ou oligossintomáticas. As pacientes porta-
Em caso de suspeita de câncer invasor, o método exci- doras da forma invasora da doença podem apresentar cor-
sional deve ser o de escolha. Caso a lesão penetre no canal rimento fétido, sangramento genital irregular, sinusorragia
endocervical, está contraindicado o método de destruição (sangramento às relações sexuais), caquexia, disúria/oligú-
local. No caso de discordância dos exames citológicos, col- ria/perda involuntária de urina por fístulas, dispareunia ou
poscópicos e anatomopatológico, indica-se o método exci- dor constante no baixo-ventre.
sional. O exame do abdome, em geral, é pouco informativo, já
o exame dos órgãos genitais internos é mais rico, podendo
Tabela 1 - Tratamento de lesões pré-invasivas do colo uterino
apresentar desde um aumento global do colo uterino com
NIC I - Realizar tratamento conservador com controle preservação de seu contorno e superfície até a presença de
colpocitológico trimestral no 1º ano e semestral no 2º. Cerca massas tumorais exofíticas, crateriformes, vegetantes, que
de 70% dos NICs I regridem espontaneamente. Indicações de
não têm quaisquer semelhanças anatômicas com o colo
conização em NIC I:
uterino normal (Figura 7A). A presença de necrose na su-
- Imunossupressão;
perfície dessas lesões é comum, ocasionando fáceis sangra-
- NIC I persistente por mais de 1 ano;
- NIC I recidivante.
mentos e infecções secundárias por germes anaeróbios que
exalam o odor característico.
NIC II e III - Realizar conização por:
- Bisturi frio;
- Laser de CO2;
- CAF (Cauterização de Alta Frequência).
A conização é um método diagnóstico e terapêutico se o grau
histológico é de lesão neoplásica intraepitelial.
Grau histológico indicando câncer de colo uterino invasor sugere
estadiamento específico, para avaliar o tipo de tratamento.
Figura 7 - Carcinoma avançado no colo de útero: (A) aspecto do
Lembramos que o diagnóstico de NIC deve ser feito com base na
colo uterino e (B) cirurgia de Wertheim-Meigs (histerectomia total
citologia e na colposcopia; a confirmação é dada somente com a
com parametrectomia e linfadenectomia pélvica; neste caso, um
histologia (biópsia dirigida ou conização). dos ovários foi preservado devido à idade da paciente)

140
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

A avaliação retal, por meio do exame digital, é um tem-


po imprescindível, pois avalia o comprometimento dos li-
gamentos paramétricos, mucosa retal, definindo aspectos
fundamentais do estadiamento da doença.
Pode-se, ainda, lançar mão de alguns exames subsidi-
ários para complementação propedêutica, como hemo-
grama completo, provas de função renal, ultrassonografia
pélvica e de vias urinárias; urografia excretora, cistoscopia e
retossigmoidoscopia; ressonância magnética e tomografia
de pelve; além de radiografia de tórax para estadiamento.

C - Patologia e estadiamento
O tipo histológico mais comum é o carcinoma de células

ONCOLOGIA
escamosas (CEC), que representam 90% dos casos. O ade-
nocarcinoma encontra-se em seguida. O grau de diferencia-
ção dos tumores, independente de seu tipo histológico, é
de suma importância prognóstica.
O câncer de colo uterino é o único tumor genital cujo
estadiamento é clínico. O estadiamento proposto pela FIGO
(Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) ba- Figura 8 - (A) Câncer de colo estadio IIa; (B) câncer de colo estadio
seia-se nos seguintes parâmetros: IIb; (C) câncer de colo estadio IIIa e (D) câncer de colo estadio IIIb

a) Estadio zero: câncer in situ.


D - Tratamento
b) Estadio I: restrito ao colo uterino.
O tratamento do câncer de colo uterino envolve cirur-
Câncer de colo microinvasor:
gia, rádio e quimioterapia, em associação ou isoladamente,
- Ia: câncer invasor diagnosticado apenas por microscopia de acordo com o estadiamento do tumor.
(invasão do espaço vascular não altera estadiamento).
• Ia1: invasão de até 3mm de profundidade e 7mm a) Estadio zero
de extensão; Trata-se de carcinoma in situ e deve ser tratado por mé-
• Ia2: invasão de 3 a 5mm de profundidade e 7mm todos excisionais do colo uterino por meio da conização
de extensão. clássica, ou da cirurgia de alta frequência. Essa conduta é
diagnóstica (pois confirma o câncer in situ ou pode revelar
- Ib: lesão clínica confinada ao colo e maiores que o es- a presença de doença invasora, que então merecerá outra
tadio Ia2. abordagem) e terapêutica.
• Ib1: lesão clínica não maior que 4cm;
• Ib2: lesão clínica maior que 4cm. b) Estadio Ia (carcinoma microinvasor)
Para o diagnóstico de carcinoma microinvasor e planeja-
c) Estadio II: envolvimento da vagina, mas não o 1/3 in- mento terapêutico, pressupõem-se a realização de coniza-
ferior ou invasão de 1 ou ambos os paramétrios sem invadir ção e a análise anatomopatológica que define a extensão e
a parede pélvica. a profundidade das lesões à microscopia.
- IIa: envolvimento da vagina, sem o 1/3 inferior; No estadio Ia1, a incidência de comprometimento linfo-
- IIb: envolvimento dos paramétrios sem atingir a pare- nodal é de, aproximadamente, 1%. Dessa forma, a amputa-
de pélvica. ção do colo uterino é tratamento suficiente, desde que não
haja comprometimento de margens ou invasão linfovascu-
d) Estadio III: envolvimento da vagina até seu 1/3 infe- lar nas mulheres com desejo reprodutivo.
rior ou de 1 ou ambos os paramétrios até a parede pélvica. Havendo invasão linfovascular, deve-se proceder à his-
- IIIa: envolvimento da vagina até o 1/3 inferior; terectomia total com parametrectomia e linfadenectomia
- IIIb: envolvimento de 1 ou ambos os paramétrios até pélvica.
a parede pélvica; urétero-hidronefrose com exclusão No caso de comprometimento das margens cirúrgicas,
renal por comprometimento ureteral. sem invasão linfovascular, pode-se apenas complementar
a cirurgia, realizando a histerectomia total abdominal, sem
e) Estadio IV: extensão da neoplasia para fora do trato exérese de paramétrios ou ligamentos uterossacros e vagina.
genital. No estadio Ia2, a terapêutica cirúrgica indicada é a re-
- IVa: envolvimento de reto e/ou bexiga; alização de histerectomia total por via abdominal, para-
- IVb: metástases a distância. metrectomia, retirada do 1/3 superior da vagina e linfade-

141
ONC O LOG I A

nectomia pélvica sistemática (cirurgia de Wertheim-Meigs Estadio IIb


– Figura 7B). Nesta cirurgia, indicada nos casos em que a Estadio IIIa
infiltração tumoral esteja acima de 5mm e naqueles em que Tratamento paliativo (quimioterapia, radiotera-
Estadio IIIb
o tumor invasivo restrinja-se ao colo uterino e 1/3 superior pia, cirurgia paliativa).
Estadio IVa
da vagina, removem-se o útero e seus ligamentos, o que
Estadio IVb
possibilita margem cirúrgica adequada, e também os linfo-
nodos pélvicos. E - Seguimento e prognóstico
c) Estadios Ib e IIa
Devem ser realizadas reavaliações clínicas e colpocitoló-
No estadio Ib1, o tratamento pode ser tanto cirúrgico gicas a cada 3 a 4 meses nos primeiros 2 anos. Os intervalos
como radioterápico. O 1º é reservado a pacientes jovens, aumentam para 6 meses do 3º ao 5º ano do seguimento, e
não obesas e sem comorbidades, com a vantagem da pre- o retorno torna-se anual após 5 anos.
servação dos ovários, manutenção de elasticidade vaginal e Os exames de imagem devem ser individualizados de
possibilidade de seguimento clínico morfológico mais fide- acordo com o estadiamento inicial da paciente e as queixas
digno. A radioterapia pode ocasionar vaginite, retite e cis- clínicas. O prognóstico (sobrevida em 5 anos) depende do
tite actínicas que provocam desconforto. A sobrevida após estadiamento (Tabela 3).
5 anos, no entanto, para os 2 tipos de tratamento, está em Tabela 3 - Prognóstico no câncer de colo de útero
torno de 80 a 90%.
Estadiamento SV em 5 anos
Nos estadios Ib2 e IIa, o tratamento cirúrgico é a mesma
Linfonodos negativos 85 a 90%
cirurgia de Wertheim-Meigs, mas, a depender do volume
Linfonodos comprometidos 25 a 66%
da massa tumoral inicial, propõe-se a radioterapia neoad-
Estadio I 80 a 95%
juvante (alguns autores propõem, ainda, o emprego da qui-
mioterapia neoadjuvante) para reduzir a massa tumoral e Estadio IIa 64 a 83%
diminuir a morbidade cirúrgica (lesão inadvertida de órgãos Estadio IIb 58 a 66%
pélvicos vizinhos, sangramento e infecção). Nesses casos, Estadio IIIa 45%
ressalta-se que o emprego da radioterapia exclusiva (sem Estadio IIIb 36%
o tratamento cirúrgico) apresenta resultados próximos do Estadio IV 14 %
tratamento com a cirurgia radical.
No caso de o estudo anatomopatológico da peça cirúrgi- 3. Câncer de endométrio
ca da operação de Wertheim-Meigs evidenciar comprome-
timento linfonodal, é imperativa a radioterapia adjuvante
A - Epidemiologia
(após a cirurgia) para complementação terapêutica.
Todos os casos de câncer de colo, cujo tipo histológico A média de idade do câncer de endométrio é de 62
evidencia um adenocarcinoma, merecem tratamento radio- anos; 15% dos casos em mulheres com menos de 50 anos,
terápico adjuvante, independente do estado de comprome- e de 20 a 25% em pacientes em pré-menopausa. O câncer
timento linfonodal. de endométrio é a neoplasia maligna genital feminina mais
comum nos países desenvolvidos – sem contar o câncer de
d) Estadios IIb, III e IV mama – e também a de melhor prognóstico em sua apre-
No estadio avançado da doença, o tratamento torna-se sentação típica.
paliativo, com assistências nutricional e higiênica à paciente. O adenocarcinoma endometrioide (tipo I de câncer de
Quando há comprometimento das vias urinárias com endométrio) é o tumor mais facilmente diagnosticável por
apresentar sintomas precocemente (sangramento), an-
obstrução delas, realiza-se nefrostomia para drenagem e
tes de atingir estadios avançados de invasão uterina, pela
tentativa de preservação da função renal. A colostomia é
disseminação linfática e pela cavidade abdominal. O tipo
indicada aos casos de obstrução intestinal. II do câncer de endométrio (adenocarcinoma seroso) tem
apresentações menos características: não tem relação com
Tabela 2 - Tratamento de câncer de colo uterino para cada estadio
estímulo estrogênico, mas com mutações genéticas. Essa
Estadio zero Colonização e estudo de margens e comprometi- forma é menos prevalente, responsável por menos de 20%
Estadio Ia1 mento linfovascular. dos tumores de endométrio, porém tem alta taxa de corre-
Estadio Ia2 lação com as “falhas” terapêuticas e recorrências, e se de-
Estadio Ib1 senvolve em permeio ao endométrio atrófico, portanto, em
Cirurgia de Wertheim-Meigs + radioterapia (Ib2
e IIa). mulheres mais velhas (acima de 65 anos).
Estadio Ib2
Algumas características epidemiológicas podem ser
Estadio IIa observadas entre as portadoras do câncer endometrial. A

142
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

base comum entre todos esses “fatores de risco” é a maior Em mulheres em uso de terapia hormonal, considera-se
exposição aos estrogênios, endógenos ou exógenos. Os normal o valor de espessura endometrial até 10mm. Se a
principais fatores são obesidade, nuliparidade, ciclos ano- mulher ainda não está na menopausa, mas apresenta um
vulatórios, terapia hormonal exclusiva com estrogênio ou endométrio denso, espesso e heterogêneo com quadro de
uso de tamoxifeno, alterações genéticas, a tríade obesida- sangramento irregular, também se recomenda avaliação
de-hipertensão-diabetes, entre outros. histológica do tecido endometrial.

C - Patologia e estadiamento
Os principais tipos histológicos dos cânceres de endo-
métrio são:
a) Adenocarcinoma
É o principal tipo histológico (88,2%); na prática, quando

ONCOLOGIA
se fala sobre câncer de endométrio, quase sempre se trata
desse tipo. Como subtipo, encontra-se o adenocarcinoma
clássico (59,6%), seguido do adenoacantoma (21,7%) e do
carcinoma adenoescamoso (6,9%).
b) Carcinoma de células claras
Representa 5,7% dos tumores do corpo uterino.
c) Adenocarcinoma seroso papilífero
Figura 9 - Fisiopatologia da hiperplasia endometrial
Cerca de 4,7% dos tumores.
B - Quadro clínico e diagnóstico d) Outros
O principal sinal e sintoma referido é o sangramento Carcinoma secretor (1,5%) e sarcoma (0,5%).
anormal em mulheres na perimenopausa e na pós-meno- Além do tipo, o grau histológico apresenta importante
pausa, o que não significa que a principal causa do sangra- papel no prognóstico da doença. Os graus variam de I a III:
mento pós-menopausa seja o câncer endometrial; pelo grau I significa componente sólido ≤5%; grau II, entre 5 e
contrário, os pólipos e, principalmente, a atrofia endome- 50%; e grau III, >50%.
trial são as causas mais comuns. No entanto, como dentre O estadiamento, obrigatoriamente cirúrgico, consiste na
todas as causas de sangramento genital pós-menopausa, as laparotomia, coleta de líquido peritoneal em que será anali-
neoplasias representam as mais graves, é mandatório pen- sada a presença de células neoplásicas, histerectomia total
sar em câncer endometrial na vigência de sinal/sintoma e com salpingooforectomia bilateral e linfadenectomia pélvi-
ca e retroperitoneal (para-aórtica, intercavoaórtica e para-
investigar adequadamente. Além de sangramento, outros
caval – Figura 10). O estadiamento varia de zero (carcinoma
sintomas possíveis são dor pélvica, corrimento, massa ab-
in situ) a 4b (metástase a distância) e está diretamente re-
dominal e emagrecimento.
lacionado às taxas de sobrevida em 5 anos. Outros fatores
Como rotina na investigação propedêutica de mulheres
prognósticos são o grau e o tipo histológico do tumor.
na perimenopausa com sangramento anormal ou mulheres
pós-menopausa, é obrigatória a solicitação de ultrassono-
grafia pélvica ou transvaginal para a avaliação da espessura
endometrial. Nas mulheres menopausadas sem reposição
hormonal, essa espessura endometrial não deve ultrapas-
sar 5mm. Quando isso acontece, torna-se necessária a aná-
lise do endométrio para diagnóstico histológico por meio
de histeroscopia com biópsia.

Tabela 4 - Correlação entre sintomas e avaliação ultrassonográ-


fica
Sintomas USG
Sangramento pós- Espessamento endometrial
menopausa. >5mm.
Dor pélvica. Aumento do volume uterino.
Leucorreia purulenta ou Doppler com vasos de baixa
sanguinolenta. resistência.

143
ONC O LOG I A

Tabela 5 - Estadiamento do câncer endometrial


0 Carcinoma in situ
I Confinado ao corpo do útero
Ia Endométrio
Ib Infiltra até 50% da espessura do miométrio
Ic Além de 50% da espessura do miométrio
II Corpo e colo do útero
IIa Glândulas cervicais
IIb Estroma cervical
III Restrito à pelve
IIIa Infiltra serosa, anexo ou citologia peritoneal positiva
IIIb Metástase vaginal
IIIc Linfonodos pélvicos
IV Além da pelve
IVa Mucosa da bexiga ou reto
IVb Metástases inguinais
Estadiamento completo deve acompanhar avaliação do grau
histológico (G1, G2, G3) – importante fator prognóstico.

D - Tratamento
A etapa cirúrgica inicial é fundamental para a confirmação
diagnóstica, e o estadiamento consiste na arma terapêutica
mais importante. Um bom resultado cirúrgico, com remoção
adequada dos órgãos já mencionados, da porção superior da
vagina ou mesmo omentectomia, também é fundamental
para facilitar as outras etapas terapêuticas que sucedem.
Tabela 6 - Cirurgia completa para estadiamento
- Coleta de citologia peritoneal;
- HTA + anexectomia bilateral;
- Linfadenectomia pélvica;
- Linfadenectomia para-aórtica;
- Omentectomia;
- Exérese de tumores pélvicos;
- Biópsias peritoneais.

Quando houver comprometimento linfonodal, deve-se


indicar a radioterapia pélvica complementar. Outras abor-
dagens para casos avançados podem ser a hormonoterapia
com altas doses de progestágenos (acetato de megestrol,
160mg/dia) e quimioterapia com drogas usadas habitual-
mente para tratamento de carcinoma de ovário (platina,
ciclofosfamida e taxol).

E - Seguimento e prognóstico
O seguimento é semelhante ao preconizado às pacien-
tes com câncer de colo de útero. O prognóstico também
Figura 10 - Cirurgia para câncer de endométrio: (A) aspecto do úte- depende do estadiamento e do grau histológico (Tabela 7).
ro removido e seccionado, evidenciando tumoração endometrial;
(B) aspecto intraoperatório após linfadenectomia retroperitoneal Tabela 7 - Prognóstico no câncer de endométrio
até a altura das renais; (C) aspecto intraoperatório após linfade- Estadio Sobrevida (%)
nectomia pélvica e (D) aspecto intraoperatório após linfadenecto-
mia ilíaco-obturatória Ia 91

144
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

Estadio Sobrevida (%) Do ponto de vista epidemiológico, atingem a mesma


Ib 88 faixa etária da população que os tumores malignos (5ª dé-
cada, em média), também têm menor incidência entre as
Ic 81
mulheres que foram usuárias de contraceptivos orais e po-
IIa 77 dem apresentar-se na forma totalmente assintomática ou
IIb 67 com sintomas como dismenorreia, alterações menstruais,
IIIa 60 dor e/ou aumento do volume abdominal.
IIIb 41 Há, também, tendência familiar à neoplasia de modo
IIIc 32 similar aos tumores malignos, e o diagnóstico costuma ser
feito por meio da ultrassonografia associada ao CA-125. A
IVa 20
ultrassonografia mostra imagem típica de tumoração sóli-
IVb 5
do-cística com septos espessos, normalmente maiores que
Grau Sobrevida (%) 1mm; o CA 125 costuma estar, normalmente, até 35U/mL.

ONCOLOGIA
1 92 O tratamento, de acordo com a FIGO, para pacientes
2 87 sem desejo reprodutivo, é a histerectomia total abdominal
3 74 com salpingooforectomia bilateral, eventualmente acom-
panhada de apendicectomia (quando for a variante muci-
II - Ovários nosa intestinal). Nos casos de mulheres jovens com tumo-
res estadio Ia, pode-se optar pela anexectomia unilateral.
1. Tumores de baixo potencial maligno ou Além disso, sugere-se que a cirurgia radical seja realizada
após a paciente ter completado a sua prole.
tumores proliferativos atípicos do ovário
Tais tumores costumam ter evolução mais próxima dos 2. Câncer de ovário
tumores benignos. Antigamente, eram conhecidos como
tumores borderline, mas o termo foi condenado pela FIGO Os tumores malignos de ovário representam um grande
(Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia). Re- desafio à prática médica atual, devido ao estado avançado
conheceu-se, também, que não se trata de um estágio ini- em que costumeiramente são diagnosticados, à sua parca
cial dos tumores malignos e, por outro lado, têm a mesma sintomatologia no início da doença e, também, às altas ta-
origem proliferativa dos outros mesoteliomas que acome- xas de mortalidade que ainda os acompanham.
tem tanto o ovário como o peritônio. Dentre os diferentes tipos histológicos que compõem o
No ovário, de acordo com o tipo de tecido a que mais se quadro das neoplasias malignas ovarianas, os tumores epi-
assemelham, recebem denominações distintas. Quando as- teliais representam cerca de 80%, sendo a variante serosa
sumem características de endotélio similar ao revestimento a mais frequente.
das trompas, são chamados serosos; similares ao endomé- Os métodos diagnósticos atualmente disponíveis são
pouco sensíveis e específicos; o exame clínico completo da
trio, endometrioides; similares ao epitélio endocervical,
pelve ainda parece ser o mais útil em termos de suspeita
mucinosos; e ainda similares às células transicionais da be-
de tumoração anexial; de modo que, independentemente
xiga, chamados de células claras.
da idade, qualquer aumento de volume ovariano deve ser
Os tipos mais frequentes são, em concordância com os
seguido criteriosamente, e toda tumoração do ovário con-
tumores tipicamente benignos e malignos, os serosos e mu-
siderada suspeita para neoplasia.
cinosos. Os serosos podem ser bilaterais, mas costumam
No Brasil, o câncer de ovário é o 8º em prevalência no
atingir dimensões inferiores às dos mucinosos (que são os
sexo feminino, e sua incidência está relacionada às melho-
de maiores volumes – Figura 11). Os tumores endometrioi-
res condições socioeconômicas da população. Em países
des são outra variante mais rara, como os tumores prolife-
desenvolvidos, exceto o Japão, a incidência do câncer de
rativos atípicos de células claras e os de Brenner (tumor de
ovário é de 3 a 7 vezes maior do que nos países em desen-
células transicionais).
volvimento.
Os fatores de risco absolutos ainda não estão totalmen-
te estabelecidos, mas, atualmente, alguns fatores são con-
siderados, como hereditariedade, raça branca, maior nível
socioeconômico e de desenvolvimento, menarca precoce e
menopausa tardia, nuliparidade, distúrbios na diferencia-
ção, distúrbio endócrino, irradiação prévia e endometriose.
Ainda não se conseguem estabelecer, com certeza, os
fatores protetores, mas, aparentemente, as mulheres que
Figura 11 - Tumores benignos de ovário: (A) cistoadenofibroma e usaram anovulatórios orais por mais de 1 ano, além daquelas
(B) cistoadenoma mucinoso que tiveram caxumba, estariam menos suscetíveis à doença.

145
ONC O LOG I A

A - Classificação dos tumores epiteliais especificidade do método para diagnosticar uma neoplasia
como maligna não é ideal; melhora um pouco quando asso-
Os carcinomas ovarianos podem ser classificados de
ciada à dopplerfluxometria, que permite ver vasos neofor-
acordo com sua origem:
mados com desarranjo arquitetural estimulados pelos fato-
a) Epitélio celômico res angiogênicos que acompanham os tumores malignos.
Cistoadenocarcinoma seroso. Quanto aos marcadores tumorais, o mais utilizado é o
É, também, o epitélio que dará o revestimento das tubas CA-125. Nas pacientes com câncer de ovário, ele se encon-
uterinas. É o tumor mais comum (40% dos tumores epite- tra elevado em mais de 80% dos casos. Assim como a ul-
liais), a faixa etária predominante é dos 40 aos 60 anos; em trassonografia, o CA-125 também não pode ser masculino
metade dos casos, pode ser bilateral. o método ideal de rastreamento, pois se apresenta elevado
em condições benignas (endometriose, MIPA, mioma, por
b) Epitélio semelhante ao canal endocervical exemplo) e não se altera em todas as mulheres com câncer
Cistoadenocarcinoma mucinoso. de ovário.
Corresponde a 15 a 20% dos carcinomas primários do Por todos os fatores já comentados, ainda hoje o diag-
ovário. Tem a característica de atingir os maiores volumes e nóstico de confirmação do câncer de ovário acontece na
é preenchido com conteúdo viscoso amarelado de aspecto própria cirurgia, a qual também já permite o estadiamento
gelatinoso. Como todos os tumores mucinosos, pode apre- da doença.
sentar o pseudomixoma peritoneal, como complicação, si-
tuação em que a cavidade abdominal se encontra preenchi- C - Estadiamento
da pelo material amarelo gelatinoso.
O estadiamento atual foi estabelecido pela FIGO (1988).
c) Cistoadenocarcinoma endometrioide - I: tumor limitado aos ovários.
É o câncer em que o epitélio se assemelha ao de reves- • Ia: tumor limitado a um ovário, sem ascite, cápsula
timento da cavidade endometrial. Corresponde a 15% dos íntegra sem tumor;
carcinomas primários do ovário, de aspecto macroscópio • Ib: tumor limitado a ambos os ovários, sem ascite,
parecido com o endometrioma ovariano. cápsulas íntegras sem tumor;
d) Outros tipos: • Ic: estadiamento A ou B com ascite ou lavado peri-
toneal positivo, tumor na superfície externa do ová-
- Tumor mesodérmico misto; rio ou cápsula rota.
- Carcinoma de células claras;
- Tumor de Brenner (células transicionais). - II: tumor envolvendo 1 ou ambos os ovários, com ex-
tensão para a pelve.
B - Quadro clínico e diagnóstico • IIa: envolvimento de útero ou tubas;
• IIb: envolvimento de outros órgãos pélvicos (peri-
Conforme já comentado, o diagnóstico ainda perma-
tônio, bexiga);
nece um grande desafio. O início do processo patológico é
• IIc: A ou B com ascite, lavado peritoneal positivo,
silencioso, assintomático ou com sintomas leves que não
cápsula rota ou tumor na superfície ovariana.
sugerem se tratar de uma neoplasia maligna. A doença pro-
gride com maior ou menor velocidade, e, com isso, surgem - III: tumor envolvendo 1 ou ambos os ovários com im-
os sintomas de aumento do volume abdominal, dispepsia, plantes peritoneais fora da pelve ou linfonodo retro-
flatulência, eructações e azia, associados a emagrecimento, peritoneal positivo. Tumor limitado à pelve verdadeira
inapetência e fraqueza. A ascite instala-se quando já existe com metástase para omento, intestino delgado ou su-
um avanço maior do processo, e, tardiamente, a paciente perfície hepática.
torna-se caquética. • IIIa: tumor limitado à pelve verdadeira com linfo-
Aceita-se, como premissa, e devido aos bons resulta- nodos negativos, mas microtumor (histológico) na
dos obtidos quando o tumor é tratado ainda em estados superfície peritoneal;
iniciais, que o diagnóstico precoce é o único recurso de que • IIIb: tumor ≤2cm de diâmetro limitado à pelve ver-
se dispõe para combater a doença. Armas de prevenção pri- dadeira com linfonodos negativos;
mária são desconhecidas; logo, é na prevenção secundária
• IIIc: tumor em 1 ou ambos os ovários, com derra-
que está a grande oportunidade de cura das pacientes.
me pleural positivo ou metástase em parênquima
Embora não haja um exame específico de rastreamento
hepático.
do câncer de ovário, utiliza-se a ultrassonografia como mé-
todo de diagnóstico de tumores anexiais, principalmente se
realizada por via transvaginal devido à maior proximidade
D - Tratamento
do transdutor com o órgão em questão, o que permite a A cirurgia constitui a arma terapêutica mais importante,
visualização mais detalhada dos ovários. Infelizmente, a principalmente quando se consegue aplicar o princípio da

146
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

citorredução, que consiste em deixar a menor massa tu- c) Carcinomas com baixo grau de malignidade – tumor
moral possível. O ideal é que restem, no máximo, 2cm de borderline
tumor para que se possam aplicar, posteriormente, os tra- - Estadio I: 95%;
tamentos adjuvantes, como quimioterapia e radioterapia. - Estadio II: 75 a 80%;
A cirurgia, obrigatoriamente, inclui a histerectomia total - Estadio III: 65 a 70%.
abdominal com salpingooforectomia bilateral, além de pes-
quisa de células neoplásicas em líquido ascítico ou, se a as- d) Tumores derivados do cordão sexual-estroma (so-
cite estiver ausente, pesquisa no lavado peritoneal (coloca- brevida em 5 anos por tipo tumoral)
-se soro fisiológico na cavidade e recupera-se uma amostra - Neoplasia confinada ao ovário: sobrevida de 85 a 90%;
em que se faz a pesquisa). Procede-se, também, à biópsia - Neoplasia com extensão extraovariana: sobrevida de
múltipla do peritônio pélvico, goteiras parietocólicas e dia- 55 a 60%;
fragma, além dos linfonodos pélvicos e para-aórticos. - Tumores de células de Sertoli e Leydig: pouco diferen-
O câncer de ovário dissemina-se por contiguidade, por ciados têm pior prognóstico.

ONCOLOGIA
via linfática e pelo implante de células que ficaram sobre-
e) Tumores germinativos do ovário (taxa de sobrevida
nadando no líquido ascítico ou que se mobilizaram com os
por tipo de tumor e intervalo de tempo)
movimentos respiratórios ou peristálticos. Com base nesse
conhecimento, dependendo do estadiamento cirúrgico en- - Disgerminomas (5 anos):
contrado, realiza-se ou não a linfadenectomia. • Estadio I: 90 a 95%;
A citorredução cirúrgica, seguida de quimioterapia in- • Outros estágios: 60 a 90%.
traperitoneal hipertérmica, pode ser utilizada em casos se- - Tumores do seio endodérmico (2 anos):
lecionados, mas ainda não é consenso. A radioterapia pode
• Estadio I e II: 90%;
ser empregada para terapêutica e também como tratamen-
• Estadio III e IV: 50%.
to paliativo; também tem melhores resultados quanto me-
nores as massas tumorais a serem abordadas, o que reforça - Teratomas imaturos (5 anos):
o princípio da citorredução. • Estadio I: 90 a 95%;
A quimioterapia também tem papel fundamental no • Todos os estágios: 70 a 80%;
tratamento adjuvante. Diversas drogas são empregadas: • Grau 1: 80%;
agentes alquilantes, drogas do grupo da cisplatina, taxol, • Grau 2: 60%;
antraciclinas, metotrexato, fluorouracil. O tamoxifeno e os • Grau 3: 30%.
progestógenos têm pouco efeito no tratamento do câncer
de ovário. Atualmente, o esquema de 1ª linha consiste na - Carcinoma embrionário (5 anos):
associação de platina a taxol. Outros esquemas utilizados • Todos os estadios: 40%.
são cisplatina + ciclofosfamida ou cisplatina + doxorrubicina
+ ciclofosfamida, e este tem maior toxicidade e não muda 3. Outros tipos de tumores ovarianos
o prognóstico em termos de intervalo livre de doença e de
sobrevida. não epiteliais
E - Prognóstico A - Tumores dos cordões sexuais
O prognóstico no câncer de ovário depende do tipo his- a) Estroma
tológico e do estadiamento. Cinco por cento de todos os tumores ovarianos são neo-
a) Carcinomas epiteliais do ovário plasias com potencial esteroidogênico.
- Estadio I: Ia = 85%, Ib = 70%, Ic = 60%; b) Tumores de células da granulosa
- Estadio II: IIa = 60%, IIb = 50%, IIc = 45%; De 1 a 3% das neoplasias ovarianas acometem a faixa
- Estadio III: IIIa = 30%, IIIb = 40%, IIIc = 20%; da menacme e pós-menopausa. Têm atividade hormonal
- Estadio IV: 8%. com produção estrogênica ou androgênica, logo seu qua-
dro clínico varia conforme a faixa etária acometida, desde
b) Doença residual, em todos os estadiamentos, após pseudopuberdade precoce isossexual, disfunção menstrual
cirurgia citorredutora inicial (hipermenorragia, espaniomenorreia, anovulia, esterilida-
- Microscópica: sobrevida de 40 a 60%; de) ou sangramento genital pós-menopausa, hiperplasia
endometrial, hirsutismo e virilização.
- Macroscópica (citorredução ótima): sobrevida de 30
a 35%; c) Tecomas
- Macroscópica (citorredução subótima): sobrevida de Um por cento dos tumores ovarianos é normalmente
5%. benigno.

147
ONC O LOG I A

d) Androblastomas néticas dos pseudo-hermafroditas, tornando necessária a


Tumores de células de Leydig-Sertoli. realização do cariótipo. Pode-se tentar a cirurgia conserva-
- Células de Sertoli do ovário: com a função de susten- dora em mulheres jovens, cujo estadiamento seja Ia; após
tação, podem produzir pequenas quantidades de es- a prole estar completa, devem ser submetidas à cirurgia
trogênios; radical. Nos estadios mais avançados, a cirurgia radical já
estará indicada, independente da idade ou da paridade da
- Células de Leydig: têm grande capacidade de produ- paciente.
ção de androgênios no ovário normal em desenvolvi-
mento. Tais grupamentos celulares são substituídos c) Tumor do seio endodérmico
pelos folículos primordiais, mas podem restar dessas É o 2º tumor maligno, em incidência, em crianças, ado-
células, e, a partir daí, desenvolvem-se as neoplasias. lescentes e mulheres jovens, representando 1 a 2% dos
São tumores raros, com comportamento benigno ou tumores ovarianos. As células neoplásicas assemelham-se
maligno, e podem ser bilaterais. a estruturas precoces do embrião como vesícula vitelínica.
Pode estar associado a outros tumores germinativos (tera-
B - Tumores de células germinativas tomas, coriocarcinomas) e é marcado por níveis elevados
Estes tumores correspondem aos oriundos das células de alfa-fetoproteína e, infelizmente, altamente letal. A qui-
germinativas da gônada embrionária. Representam 20% de mioterapia pós-operatória é obrigatória por 12 a 18 meses.
todos os tumores ovarianos, costumeiramente acometem d) Teratoma imaturo
mulheres jovens, portanto seu tratamento dependerá do ris- É o 3º tumor maligno mais comum em jovens e repre-
co de recidiva, do tipo histológico e do desejo reprodutivo. senta 1% dos tumores ovarianos. Composto de estruturas
imaturas derivadas dos 3 folhetos germinativos (ectoder-
me, mesoderme, endoderme), o prognóstico é determina-
do pela quantidade de elementos neurais imaturos. Tam-
bém é muito letal, o que torna obrigatória a associação de
cirurgia e quimioterapia.
e) Tumores altamente especializados
- Struma ovarii: neoplasia constituída totalmente ou
em grande parte por tecido tireoidiano; acomete a 4ª
e a 5ª décadas de vida, podendo ser assintomática ou
com sintomas tireotóxicos em 25% dos casos.
f) Tumor carcinoide
Tem a capacidade de sintetizar a serotonina, logo o qua-
dro clínico típico, quando presente, é a síndrome carcinoi-
de (rubor facial fugaz, diarreia, broncoespasmo, alterações
Figura 12 - Teratoma maduro: visão laparoscópica cardiovasculares).
g) Fibroma
a) Teratoma maduro
Representa de 1,5 a 6% dos tumores ovarianos benig-
É o tumor mais comum das mulheres jovens (40% de nos, acometendo, principalmente, a faixa dos 30 aos 50
todos os tumores ovarianos dessa faixa etária). Também anos. Tem sintomatologia inespecífica ou é assintomático
denominado cisto dermoide, é o tipo histológico mais fre- quando pequeno; quando maior que 6cm, pode associar-se
quente na infância, na adolescência e na gravidez (Figura à ascite e ao derrame pleural, constituindo a síndrome de
12). Raramente, é maligno (só 2% dos casos), e, em seu in- Meigs.
terior, podem-se identificar restos de cabelos, ossos, den-
tes, cartilagens e outros tecidos. O risco de malignização é h) Metástases do ovário
maior conforme mais avançada é a faixa etária da mulher. Normalmente, são secundárias às neoplasias de mama
Logo, nas jovens, o tratamento é mais conservador (tumo- ou do trato gastrintestinal.
rectomia ou ooforectomia, se necessário), e, nas pacientes Um tumor que se destaca é o tumor de Krukenberg, ca-
idosas, é mais radical (histerectomia total com salpingoofo- racterizado pela presença de células “em anel de sinete”,
rectomia bilateral). com característica mucossecretora. Costuma ser a metás-
tase ovariana de tumores malignos do trato gastrintestinal
b) Disgerminoma que se disseminaram por implantes da descamação das
Acomete, principalmente, a faixa entre 12 e 22 anos. células neoplásicas. Frequentemente, o tumor primário é
Eventualmente, podem desenvolver-se nas gônadas disge- o de estômago. Acomete mulheres na 4ª e na 5ª décadas

148
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

de vida, tem quadro clínico inespecífico, é, na maioria das


vezes, bilateral e deve ser sempre tratado cirurgicamente
com exérese do tumor primário e histerectomia total + ane-
xectomia bilateral + omentectomia. O prognóstico é muito
ruim, com altas taxas de mortalidade já no 1º ano pós-ci-
rurgia.
i) Outros tipos mais raros
Carcinoma embrionário, coriocarcinoma primitivo do
ovário, tumores de células germinativas mistos.

ONCOLOGIA

149
ONC O LOG I A

CAPÍTULO

5
Tumores do sistema nervoso central
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Mauro Augusto de Oliveira

1. Classificação Tumores das meninges


- Tumores mesenquimais;
Há diversas maneiras de classificar os tumores do
Sistema Nervoso Central (SNC): primário versus secundário - Lesões melanocíticas primárias;
(tumores metastáticos), pediátrico versus adulto, por locali- - Outros.
zação no sistema nervoso, pela célula de origem ou por sín- Linfomas e outros neoplasmas do tecido hematopoético
dromes típicas causadas pelo tumor. Não há um esquema Tumores de células-tronco
de classificação ideal. A classificação WHO (World Health Tumores da região selar
Organization) cita mais de 150 tipos diferentes de tumo- Tumores metastáticos
res cerebrais primários divididos em 7 categorias. Aqui, Fonte: OMS (2007).
serão divididos os tumores mais frequentes em primários
(benignos e malignos) e secundários (metástases do SNC).
2. Quadro clínico
Até 50% de todas as neoplasias do SNC são metástases de
cânceres de outros sítios, destacando-se pulmão e mama. Independente do tipo histológico da lesão, as manifes-
Dos tumores primários do SNC, 35% são de linhagem glial tações dos tumores intracranianos podem dever-se a inva-
(astrocitomas, por exemplo), 40% meninges e 25% outros são cerebral local, compressão de estruturas adjacentes ou
(neurônios, linfócitos). Os tumores cerebrais primários in- aumento da pressão intracraniana, podendo levar a edema
cluem tumores do parênquima cerebral, meninges, nervos perilesional, hidrocefalia ou desvio de estruturas críticas. O
cranianos e outras estruturas intracranianas (como hipófise quadro neurológico pode ter, como sintomas:
e glândula pineal).
- Déficitneurológico progressivo: é a apresentação
Tabela 1 - Classificação dos tumores cerebrais - WHO abreviada mais comum (68%), frequentemente fraqueza motora;
Tumores do tecido neuroepitelial
- Cefaleia: em 54%, normalmente, na forma de cefaleia
- Tumores dos astrócitos; do tipo tensional;
- Tumores oligodendrogliais;
- Tumores dos oligoastrócitos;
- Convulsão: em cerca de 26% dos casos.
- Tumores das células ependimárias;
O diagnóstico é obtido pela característica evolutiva e pro-
- Tumores do plexo coroide;
gressiva dos sintomas e, principalmente, por meio dos exa-
- Outros tumores neuroepiteliais; mes de neuroimagem, como Tomografia Computadorizada
- Tumores neuronais e neurogliais mistos; Contrastada (TCC), e pela Ressonância Nuclear Magnética
- Tumores da região da glândula pineal; (RNM) com contraste (gadolínio), que hoje constitui o exa-
- Tumores embrionários. me de escolha para a avaliação das lesões. Em linhas ge-
Tumores craniais e dos nervos paraespinhais rais, tumores de alto grau histológico manifestam-se com
- Schwannomas; achados neurológicos focais e alterações progressivas do
- Neurofibromas; estado mental; cefaleia e vômitos são comuns. Em tumores
de baixo grau histológico, a apresentação inicial mais carac-
- Tumores malignos da bainha de nervos periféricos.
terística é de convulsões, podendo não haver cefaleia, náu-
Tumores das meninges
seas ou sinais focais possivelmente ocasionados por edema
- Meningiomas; discreto.

150
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

Tabela 2 - Apresentação neurológica dos tumores cerebrais


Generalizadas Focais
Dor de cabeça Crise convulsiva
Crise convulsiva Fraqueza
Náuseas e vômitos Perda sensitiva
Depressão do nível de consciência Afasia
Disfunção neurocognitiva Disfunção visuoespacial
Fonte: UpToDate.

3. Tumores benignos primários

ONCOLOGIA
A - Meningioma
O meningioma constitui um tumor de crescimento len-
to extra-axial. Origina-se da aracnoide (não da dura-máter),
localiza-se mais comumente ao longo da foice, mas pode
ocorrer em qualquer local onde haja células aracnoides
(entre o cérebro e o crânio, ângulo pontocerebelar, forame
magno, dentro dos ventrículos e ao longo da medula espi- Figura 1 - RNM axial T1 com contraste: meningioma parietal direito
nal). Tem crescimento lento, circunscrito (não infiltrativo)
Tabela 3 - Características básicas dos meningiomas
e caráter potencialmente benigno. Pode ser múltiplo em
- Origem nas células meningoteliais da aracnoide;
até 8% dos casos, achado mais comum na neurofibroma-
- Grau variável de malignidade (semelhante aos gliomas): benig-
tose. Frequentemente se calcifica e causa hiperosteose do
no, atípico e maligno ou anaplásico;
osso adjacente. Ocorre, principalmente, entre os 40 e os 50
- Meningioma atípico: atividade micótica aumentada;
anos, com pico de incidência aos 45 anos. A proporção mu-
- Meningioma anaplásico: sinais positivos de malignidade.
lher X homem é de 1,8:1.
O tipo histológico mais comum é o meningoteliomatoso B - Neurinoma do acústico
ou sincicial. O quadro clínico dependerá da localização da
lesão, porém não é raro haver sintomas inespecíficos, ou O termo schwannoma vestibular tem sido proposto
como a denominação de escolha, uma vez que o tumor se
mesmo como achado de exame.
origina da bainha neurilemal da divisão superior do ner-
À TCC, aparece como massa de impregnação densa e
vo vestibular (VIII nervo craniano), não a divisão acústica.
homogênea, com uma ampla base de ligação ao longo da
Tipicamente, torna-se sintomático após os 30 anos. Pelo
borda dural. Pode haver pouco edema cerebral, ou este
menos 95% são unilaterais; na neurofibromatose tipo 2,
ser acentuado e estender-se através da substância branca
são bilaterais. Os sintomas estão relacionados a tamanho
de todo o hemisfério. À RNM, uma boa sequência para es-
do tumor, e os mais frequentes são zumbido, perda auditiva
tudar essa lesão é o T2WI. Além de avaliá-la em vários pla-
neurossensorial e dificuldades de equilíbrio. Tumores maio-
nos (axial, sagital e coronal), mostra a relação com os seios res podem causar dormência facial ou sintomas de tronco;
durais, que podem estar invadidos pela lesão; são isoin- raramente, produzem hidrocefalia. Na patologia, os tumo-
tensos na RM tanto em T1 como em T2. A imagem com res são compostos de fibras de Antonio A (células bipolares
contraste mostra realce brilhante e vascularização proe- estreitas e alongadas) e B (reticuladas frouxas). O principal
minente. A angiografia por subtração digital é importante diagnóstico diferencial é o meningioma e, menos frequen-
para avaliar a irrigação da lesão e possibilita, por meio de temente, com o neurinoma do nervo trigêmeo. A avaliação
procedimento endovascular, uma desvascularização de auditiva prévia é importante para o tratamento. A RNM é
sua irrigação, facilitando o controle do sangramento tran- o exame de escolha, sendo uma lesão ovalada ou redonda
soperatório e favorecendo um melhor plano de clivagem. com impregnação homogênea, centrada no canal auditivo
A cirurgia é o tratamento de escolha para os meningiomas interno. Grandes lesões podem mostrar áreas de aspecto
sintomáticos, e a sobrevida em 5 anos a pacientes com cístico. O tratamento pode ser expectante, radioterápico ou
meningiomas é de 91,3%. cirúrgico. O tumor é, quase sempre, ressecável.

151
ONC O LOG I A

Figura 3 - (1) Glândula hipofisária; (2) haste hipofisária; (3) quias-


ma óptico; (4) nervo oculomotor; (5) giro reto; (6) crista etmoidal;
(7) seio esfenoidal; (8) célula etmoidal; (9) bulbo olfatório

Tabela 5 - Manifestações do adenoma de hipófise


- Microadenomas: (1) galactorreia; (2) acromegalia/gigantismo;
(3) Cushing; (4) hipertireoidismo com TSH elevado (raro); (5)
falha primária da tireoide; (6) hormônio basal baixo/normal;
- Macroadenomas e carcinoma da hipófise: (1) paralisia dos
movimentos oculares, causando visão dupla ou visão turva; (2)
Figura 2 - Neurinoma do acústico em crianças sem associação a perda da visão periférica; (3) cegueira súbita; (4) dormência ou
neurofibromatose. Fonte: Arq. Neuro-Psiquiatr. vol. 57, n. 1, São dor facial; (5) dor de cabeça; (6) tontura; (7) perda de consci-
Paulo, Mar., 1999 ência (desmaio).

Tabela 4 - Características básicas dos neurinomas do acústico


4. Tumores malignos primários
- Neurinoma (schwannoma) acomete mais comumente o VIII
nervo, mas também podem ter sua origem no V par; São classificados em tumores gliais (gliomas), heman-
gioblastomas, meduloblastomas e linfomas primários do
- Neurinoma do acústico pode alargar o meato acústico interno;
SNC. Os gliomas podem ser divididos, principalmente, em
- Devido ao seu crescimento lento, pode comprimir estruturas astrocitomas (astrocitoma pilocítico, anaplásico e glioblas-
adjacentes (no neurinoma do acústico, pode haver manifesta- toma multiforme) e oligodendrogliomas.
ções clínicas relacionadas ao nervo facial e/ou trigêmeo).
A - Astrocitoma pilocítico
C - Adenoma de hipófise
Também chamado de astrocitoma cístico cerebelar ou
Os tumores da hipófise originam-se, primariamente, astrocitoma pilocítico juvenil, constitui um dos tumores
na adeno-hipófise e podem ser classificados pela função cerebrais pediátricos mais comuns e compreende de 27 a
endócrina (funcionais – prolactinomas, tumores produto- 40% dos tumores pediátricos da fossa posterior. É classifi-
res de ACTH, tumores produtores de GH e não funcionais) cado como grau I, com bom prognóstico. Frequentemente
ou pelo tamanho (microadenomas e macroadenomas). cístico, metade tem nódulos murais. O tratamento cirúrgico
São mais comuns na 3ª e na 4ª décadas de vida e afetam quase sempre é curativo.
igualmente ambos os sexos. O quadro clínico mais comum
é o distúrbio endócrino, com secreção aumentada em
75% dos pacientes com adenoma hipofisário. Em tumo-
res maiores, pode ocorrer efeito compressivo no quiasma
óptico, levando a uma hemianopsia bitemporal. O diag-
nóstico requer um perfil hormonal e exames de neuroima-
gem. O adenoma hipofisário é hipodenso na ressonância
magnética no estudo com contraste, e o tratamento clíni-
co é indicado, aos casos de prolactinomas, com agonistas
dopaminérgicos, como a bromocriptina e a cabergolina.
No caso de lesões maiores, o tratamento cirúrgico é reco-
mendado e pode ser abordado por via transesfenoidal ou
mesmo por craniotomia.
A Figura a seguir mostra a hipófise e suas relações com
as diferentes estruturas:

152
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

B - Astrocitoma anaplásico
É classificado como grau III e tem evolução agressiva,
com aspecto heterogêneo. É o 2º tumor mais comum.

C - Glioblastoma multiforme (GBM)


É o tumor cerebral primário mais comum e o astrocito-
ma mais maligno, classificado como grau IV. Tem péssimo
prognóstico, devido a seu comportamento agressivo e infil-
trativo, e apresenta-se nos exames de imagem com morfo-
logia multiforme, impregnação heterogênea do contraste e
áreas de necrose. Possui sobrevida média de 5 meses.
O GBM ocorre mais habitualmente na substância branca

ONCOLOGIA
subcortical dos hemisférios cerebrais. A localização combi-
nada frontotemporal é particularmente típica. A infiltração
do tumor muitas vezes se estende para o córtex adjacente
ou gânglios da base. Quando um tumor no córtex frontal
se espalha através do corpo através do corpo caloso para o
hemisfério contralateral, que cria a aparência de uma lesão
bilateral simétrica, surge o termo “glioma em borboleta”.
Locais menos frequentes de GBM são tronco cerebral (que
muitas vezes é encontrada em crianças afetadas), cerebelo
e da medula espinhal.
Claramente, são necessárias novas abordagens para o
tratamento do GBM. Um maior número de pacientes em
estudos clínicos gerará novas informações sobre terapias
em investigação. Novas abordagens, como uso de terapia
gênica e imunoterapia, bem como métodos aperfeiçoados
para o surgimento de terapias antiproliferativa, antiangio-
gênica e não invasivo, são auspiciosas.

Figura 4 - Ressonâncias magnéticas de astrocitomas em diversos Figura 5 - TC com contraste: glioblastoma multiforme de corpo
cortes anatômicos caloso

153
ONC O LOG I A

D - Oligodendrogliomas G - Linfomas do SNC


São tumores de crescimento lento e habitualmente se Podem ser primários ou secundários, ambos os tipos pa-
apresentam com convulsões. Calcificações são comuns. tologicamente idênticos. Suspeita-se deles nas lesões que
Apresentam características histológicas clássicas de cito- se contrastam homogeneamente na porção central da mas-
plasma de “ovo frito” e vascularização “em tela de arame”. sa cinzenta ou corpo caloso. Podem apresentar-se com pa-
Seu tratamento envolve cirurgia para alguns, quimioterapia ralisias múltiplas dos nervos cranianos e estar relacionados
para todos e radioterapia para transformação anaplásica. à AIDS. Seu principal diagnóstico diferencial é obtido com
neurotoxoplasmose. Tem boa resposta com radioterapia e
E - Hemangioblastoma corticoterapia, porém o prognóstico não é bom, devido à
É o tumor intra-axial mais comum na fossa posterior em alta taxa de recorrência (78%).
adultos. Pode ocorrer esporadicamente ou como parte da
doença de von Hippel-Lindau e estar associado à eritrocito- 5. Metástases do SNC
se (policitemia).
São os tumores mais comumente vistos clinicamente.
F - Meduloblastoma Segundo dados de necrópsia, 25% dos indivíduos com neo-
É o tumor maligno do SNC mais comum na Pediatria, plasias sistêmicas têm metástase cerebral. A via de dissemi-
com pico de incidência na 1ª década de vida. Geralmente, nação é principalmente hematogênica. As fontes mais co-
origina-se no vermis cerebelar, no assoalho do IV ventrícu- muns são câncer de pulmão (44%), mama (10%), rim (7%),
lo – localização que predispõe à hidrocefalia precoce –, e TGI (6%) e melanoma (3%).
aparece como uma lesão sólida, mediana, que se intensi- O tumor com maior taxa de sangramento é o melano-
fica com contraste. É altamente radiossensível e modera- ma. Nos exames de imagem, apresenta-se como lesão ar-
damente quimiossensível. Tem alta disseminação no eixo redondada, originando-se na junção da substância branca/
cranioespinal, e a recorrência é comum. Recomenda-se o cinzenta, com edema profundo da substância branca (“de-
tratamento cirúrgico. dos de edema”); pode ter impregnação anelar, que pode
ser confundida com abscesso. Múltiplas lesões em exames
de imagem sugerem o diagnóstico de metástases, porém
estas podem manifestar-se como lesão solitária em 50%
dos casos.
Lesões únicas com controle tumoral primário podem ter
tratamento cirúrgico. Em lesões múltiplas, o tratamento é
feito com radioterapia ou radiocirurgia estereotáxica, sem
cirurgia. Quimioterapia tem valor limitado para tumores do
SNC, devido à barreira hematoencefálica.

Figura 7 - RNM axial T1 com contraste: múltiplas metástases

Os glicocorticoides reduzem o edema vasogênico rela-


cionado com o tumor e são úteis no tratamento de alguns
pacientes com tumores intracranianos. Entretanto, não são
necessários em todos aqueles com neoplasia intracraniana,
a menos que haja evidência de hipertensão intracraniana,
Figura 6 - Correlação radioanatomopatológica dos tumores ence- cujos sinais e sintomas incluem cefaleia e vômitos, rebaixa-
fálicos. Fonte: Neurology and Clinical Neuroscience mento do nível de consciência, papiledema e evidência, em

154
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

neuroimagem, de efeito de massa significativo, apagamen- - O meningioma é um tumor benigno, de crescimento lento, com
to de sulcos, ou desvio da linha média. Um neurocirurgião calcificações e frequentes hiperosteoses do osso adjacente;
deve ser consultado em adição à administração de corticoi- - O glioblastoma multiforme é o tumor cerebral primário mais
de, uma vez que a deterioração produzida pela hipertensão comum e o astrocitoma mais maligno. Apresenta-se nos exa-
intracraniana pode evoluir rapidamente. O esquema usual mes de imagem com morfologia multiforme e impregnação
compreende dexametasona, 10mg IV, seguida por 4mg de heterogênea do contraste em áreas de necrose;
6/6h, podendo ser diminuída posteriormente, na depen- - Os tumores cerebrais mais vistos clinicamente são as metásta-
dência da resposta clínica. ses para SNC. As principais fontes são pulmão, mama, rim, TGI
Outro sítio de metástase para o SNC é a medula. Deve- e melanoma;
se suspeitar de metástases vertebrais em todo paciente - Com relação a metástases, os fatores de resultado associados
com história de malignidade, com dor na coluna vertebral a melhor prognóstico são: pontuação de Karnofsky alta, >70%;
de início subagudo, independente de achados neurológicos idade <70 anos; nenhuma doença sistêmica ou doença sistêmi-
ca controlada; nenhuma metástase sistêmica dentro de 1 ano
ao exame. A compressão da medula espinal secundária à

ONCOLOGIA
após o diagnóstico da lesão primária; paciente do sexo femi-
metástase ocorre em 5% de todos os pacientes com pro- nino;
cessos malignos ou pode ser a 1ª manifestação de uma ne-
- Cirurgia e WBRT (radioterapia em cérebro total) permanecem o
oplasia subjacente. Tumores mais comumente associados padrão de tratamento.
a essa complicação têm origem no pulmão, na próstata e · Dados emergentes sugerem que a quimioterapia e a radioci-
na mama. rurgia são tão promissoras quanto a cirurgia e WBRT, especial-
Na apresentação inicial, 95% dos pacientes têm dor, mente em pacientes com mais de 1 lesão cerebral;
localizada na coluna vertebral, 75% têm fraqueza neurogê- · Além disso, nenhuma diferença significativa foi observada en-
nica, e um nível sensitivo pode estar presente, indicando tre a radiocirurgia estereotáxica e a quimioterapia combinadas e
comprometimento medular. Sinais inequívocos de mielopa- a radiocirurgia nesta população de pacientes;
· Assim, os doentes de RAP (analise de participação de recur-
tia (Babinski, retenção urinária) não devem ser aguardados
sos) classe 2 ou 3 podem não ter vantagem de sobrevivência com
para solicitar neuroimagem, uma vez que, na ocasião em o tratamento agressivo e prolongado, e a radiocirurgia sozinha
que esses sintomas aparecem, já pode haver incapacidade pode ser uma opção terapêutica mais sensata.
permanente.
Radiografias da coluna podem mostrar evidências de
metástases em até 80% dos casos, porém o exame de es-
colha, na suspeita, é a RNM. A compressão da medula es-
pinal é uma emergência neurológica, e o tratamento deve
ser iniciado antes que se desenvolvam déficits neurológi-
cos. Altas doses de dexametasona constituem o tratamento
inicial de escolha. Radioterapia deve ser instituída o mais
precocemente possível. A cirurgia pode ser indicada a casos
de instabilidade medular. E a analgesia adequada é outro
aspecto importante do tratamento.
Processos malignos sólidos e hematológicos podem ge-
rar metástases nas meninges, produzindo carcinomatose
leptomeníngea. Os sinais e sintomas incluem alteração do
estado mental, hidrocefalia, neuropatias cranianas, fraque-
za e dor radicular. RNM é o exame de escolha nesses ca-
sos, e as metástases aparecem como área de impregnação
anômala dos meios de contraste, com aspecto nodular ou
linear, sendo focais ou difusas.
O exame citológico do LCE tem sensibilidade de 60%,
que pode elevar-se para até 90% com 3 punções.

6. Resumo
Quadro-resumo
- Cefaleia e convulsões são 2 das principais formas de apresenta-
ção dos tumores do SNC;
- Podem ocorrer hidrocefalia e sintomas focais que dependem do
tamanho e da localização dos tumores;

155
urologia – oncologia – cirurgia vascular

volume 5

cirurgia vascular
oncologia
urologia
CIRURGIA VASCULAR

Ernesto Reggio
Eduardo Bertolli
Luciana Ragazzo
CI RUR G I A V ASC U L A R

CAPÍTULO

1
Obstrução arterial crônica de MMII
Luciana Ragazzo / Fernando Esteves

1. Introdução hipertrofia ventricular esquerda é fator preditivo de claudi-


cação intermitente em ambos os sexos.
A isquemia crônica de MMII, também conhecida como
Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP), é uma das
causas mais comuns da perda da capacidade de andar. A
C - Hiperlipidemia
manifestação geralmente se dá por dor de diversos tipos e Relação entre níveis elevados de lípides plasmáticos e
graus variados de isquemia muscular, levando aos sintomas desenvolvimento de arteriosclerose.
de claudicação até isquemia crítica. A arteriosclerose cons-
titui a principal causa de insuficiência arterial crônica nos D - Idade e sexo
membros inferiores.
Predominam na faixa etária de 50 a 70 anos, principal-
mente nos homens. O risco de arteriosclerose aumenta de
2. Epidemiologia 1,5 a 2 vezes a cada 10 anos na idade.
Estima-se que a prevalência da arteriopatia obstrutiva
crônica periférica avaliada pelos sintomas da claudicação 4. História natural
intermitente seja menor que 2% para homens com menos
de 50 anos, aumentando para mais de 5% naqueles com Pacientes com DAOP assintomática podem desenvolver
mais de 70 anos. Em mulheres, essa prevalência é quase sintomas que inicialmente se caracterizam pela claudicação
semelhante, considerando 1 década de diferença. intermitente e raramente progridem para dor de repouso e
Quando são utilizados testes não invasivos, como índice isquemia crítica.
tornozelo-braço com uso do Doppler, a incidência aumenta Independentemente dos sintomas, pacientes com índi-
de 3 a 4 vezes, com prevalência de 5% abaixo de 50 anos e ce tornozelo-braço (razão entre a medida da pressão arte-
chegando a 20% em homens com mais de 70 anos. rial sistólica medida no tornozelo pela do braço, com apa-
relho de Doppler para detecção de fluxo) abaixo de 0,9 têm
3. Fatores de risco maior morbimortalidade que pacientes com índice normal.
Os riscos são inversamente proporcionais à quantidade de
atividade física feita por dia. Atividade física reduzida está
A - Tabagismo
relacionada a um aumento de eventos cardiovasculares, e
Principal fator predisponente com impacto em ambos morte, relacionada a eles.
os sexos, dobrando o risco. O risco de amputação entre os claudicantes é de apro-
ximadamente 1,4% ao ano. A expectativa de vida desses
B - HAS casos é menor do que a da população sem claudicação da
Com o aumento da pressão, aumenta o risco nos ho- mesma faixa etária, estimando-se índice de mortalidade de
mens em 2,5 vezes, e nas mulheres, 4 vezes. A presença de 3 a 5% ao ano.

156
OBSTRUÇÃO ARTERIAL CRÔNICA DE MMII

A doença aterosclerótica, de caráter sistêmico, também


compromete principalmente os territórios coronariano e
carotídeo. A principal causa de óbito é a isquemia miocár-
dica, em 10 a 15% dos claudicantes, e a doença cerebro-
vascular.

5. Aspectos fisiológicos Figura 3 - Resistência fixa ao fluxo < resistência periférica da arte-
As artérias constituem um sistema de condução com ríola: fluxo insuficiente
alta pressão e baixa resistência. Assim, do coração até as
artérias terminais, o sangue é transportado com pequena
6. Quadro clínico
perda de pressão e pequeno gasto de energia.
As artérias terminais e as arteríolas têm alta resistência A arteriosclerose acomete, principalmente, artérias de
e grande capacidade de variar seu calibre, regulando a re- grande e médio calibre. Nos membros inferiores, a sintoma-
sistência ao fluxo. Desta forma, é nessa região do sistema tologia pode variar de assintomática à presença de úlcera
ou gangrena.
arterial que se concentra quase todo o controle da resistên-
cia periférica (PA e pulso). A - Claudicação intermitente
Quando ocorre estenose ou obstrução em um tronco ar-
terial, surge uma resistência fixa ao fluxo (r1). Em repouso, Dor em aperto ou tipo cãibra, acometendo a musculatu-
ra isquêmica, durante caminhada e melhora com repouso.

CIRURGIA VASCULAR
se a resistência periférica nas arteríolas (r2) distalmente à
A dor corresponde ao território da obstrução arterial,
obstrução for maior do que essa resistência (r1), não haverá
ou seja, quando a obstrução é femoropoplítea, a manifes-
sinal de isquemia.
tação dolorosa se dá na panturrilha. Nas obstruções mais
altas, aortoilíacas, a dor pode estender-se à musculatura
glútea e da coxa.

B - Dor isquêmica em repouso


O paciente tem dor mesmo em repouso, a qual aconte-
ce nas porções distais da extremidade. O indivíduo dorme
Figura 1 - Resistência periférica da arteríola ≥ resistência fixa ao sentado com o pé pendente, o que favorece o aparecimen-
fluxo: sem sinais de isquemia to do edema e, em uma fase mais avançada, até de peté-
quias (lesão isquêmica capilar).
Em condições de exercícios, há aumento do metabolis-
mo muscular, e a resistência (r2) cai. C - Úlceras e gangrenas
Podem ocorrer pós-trauma ou espontaneamente, ca-
racterizando estágio avançado da doença.
Observação:
A chamada síndrome de Leriche ocorre aos pacientes com in-
suficiência arterial crônica aortoilíaca bilateral com trombo na
bifurcação aórtica, e caracteriza-se pela tríade de Leriche, cujos
componentes são ausência de pulso femoral bilateral, claudica-
Figura 2 - Resistência periférica da arteríola < resistência fixa ao ção de glúteos, além de impotência nos homens e amenorreia
fluxo: fluxo insuficiente secundária nas mulheres.

Quando há fluxo insuficiente, as células musculares uti-


lizam o metabolismo anaeróbio acumulando catabólitos
7. Diagnóstico
ácidos, responsáveis pelo aparecimento da dor tipo clau- a) História e exame físico
dicação.
Queixa de dor tipo claudicação intermitente indica do-
Em caso de progressão da doença troncular, a resistên- ença arterial do membro.
cia fixa aumenta, desencadeando a isquemia de repouso, - Inspeção estática: alterações decorrentes da diminui-
pois o volume de sangue que irriga a extremidade é insufi- ção do fluxo sanguíneo como rarefação dos pelos, pele
ciente para promover as necessidades metabólicas básicas brilhante, edema de extremidades, palidez, cianose,
teciduais. atrofia muscular, úlceras e necrose;

157
CI RUR G I A V ASC U L A R

- Inspeção dinâmica: elevando o membro, há palidez da f) Angiotomografia


extremidade; abaixando, há hiperemia reativa, tempo
A introdução dos tomógrafos com múltiplos detectores,
de enchimento venoso prolongado no pé;
sobretudo os de 64 canais, trouxe vários benefícios, como a
capacidade de examinar grandes extensões com espessura
de corte de cerca de 0,6mm, gerando imagens de alta re-
solução, que guardam ótima correlação com os achados da
arteriografia. Desta forma, o método no momento tem sido
utilizado como pré-operatório.

Figura 4 - Pé isquêmico

- Palpação: ausência de pulsos distais (indica o nível da


obstrução), hipotermia, frêmito;
- Ausculta: sopros sistólicos nos trajetos vasculares indi-
cam pontos de estenose.
b) Índice tornozelo-braço
É obtido a partir da relação das medidas da pressão na
artéria tibial posterior ou dorsal do pé e na artéria braquial
utilizando o Doppler. Deste modo:
- ≥0,9: sem isquemia; Figura 5 - Obstrução arterial infrapatelar
- 0,5 a 0,9: claudicação;
- ≤0,5: isquemia crítica.
Em diabéticos, como consequência da calcificação, não
há a compressão nem a oclusão total das artérias pelo
manguito, e a determinação da pressão nas artérias pode
revelar-se normal ou até aumentada. Nesses casos, pode-se
utilizar a medida da pressão digital.
c) USG duplex
Não invasivo e sem risco que depende da habilidade do
examinador. Permite avaliar a parede vascular e identificar
as placas de ateroma; além de apontar os efeitos hemodi-
nâmicos das lesões arteriais. A medida de estenose é feita
de forma indireta através da medida, de velocidade do fluxo.
d) Angiorressonância
Método não invasivo, que não utiliza contraste iodado e
fornece informações anatômicas do sistema arterial. É con-
traindicado para pacientes com marca-passo cardíaco ou
clipes metálicos. A qualidade da imagem não é totalmente
satisfatória, já que o método tende a superestimar graus de
estenose arterial.
Figura 6 - Obstrução aortoilíaca
e) Arteriografia
É um método de estudo da circulação arterial periférica, 8. Classificações
que fornece apenas informações anatômicas. Além disso, é
invasivo e atualmente utilizado como método de avaliação Há 2 classificações clínicas utilizadas para insuficiência
intraoperatória e procedimentos cirúrgicos. arterial crônica (Tabelas 1 e 2).

158
OBSTRUÇÃO ARTERIAL CRÔNICA DE MMII

Tabela 1 - Classificação de Fontaine do colesterol total e das lipoproteínas de baixa densidade


- Assintomático; (LDL). Manter LDL <100mg/dL ou <70 em alto risco.
- Claudicação intermitente:
· Grandes distâncias; D - Controle do diabetes mellitus
· Pequenas distâncias. O diabetes mellitus constitui fator de risco aterogênico,
- Dor de repouso. uma vez que induz a dislipidemia (aumento dos triglicéri-
- Lesão trófica: des) e a alterações enzimáticas, responsáveis por dificultar
· Pododáctilos; a destruição dos lipídios que penetram na parede por meio
· Antepé;
do endotélio.
· Retropé.

Tabela 2 - Classificação de Rutherford E - Controle da hipertensão arterial sistêmica


Grau Categoria Dados clínicos A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) predispõe a le-
0 0 Assintomático sões endoteliais específicas; algumas precedem a elevação
1 Claudicação leve da pressão sistêmica. Ainda não se sabe se o tratamento
I 2 Claudicação moderada da pressão arterial reverte esses processos. Seu controle é
3 Claudicação grave capaz de reduzir a morbimortalidade cardiovascular em ar-
II 4 Dor de repouso teriopatas (manter PA <140x90mmHg).
5 Necrose menor
III
6 Necrose maior
F - Combate ao estresse
Aumenta o nível de catecolaminas circulantes, com efei-

CIRURGIA VASCULAR
to vasoconstritor importante e até trombogênico.
9. Tratamento clínico
O tratamento da insuficiência arterial crônica visa re- G - Proteção contra o frio
tardar a progressão da doença de base, melhorar o aporte A proteção contra o frio e a perda de calor deve ser feita
sanguíneo nas extremidades e evitar complicações locais e de forma passiva (cobertores e meias), na tentativa de dimi-
cardiovasculares. nuir a vasoconstrição periférica compensatória, que pode
Independente da classificação clínica, todos os pacien-
ser fator de descompensação do membro.
tes devem ser orientados a realizar controle rigoroso dos
fatores de risco, bem como modificações de certos hábitos H - Medicações
de vida diários:
Com relação ao uso de medicamentos, todos os pacien-
A - Controle do fumo tes devem fazer uso de antiagregantes plaquetários, como
AAS, clopidogrel, ticlopidina, dentre outros. Essa classe de
O efeito aterogênico do tabaco consiste na afinidade
drogas tem a propriedade de reduzir os eventos trombóti-
do monóxido de carbono com a hemoglobina, competin-
do com o oxigênio. Como resultado da hipóxia tecidual, há cos nos territórios arteriais acometidos pela aterosclerose,
rearranjo da estrutura endotelial, ponto de partida para a minimizando complicações, em longo prazo, da insuficiên-
lesão vascular no processo aterosclerótico. Além do efeito cia arterial crônica de MMII, bem como a morbimortalidade
aterogênico, o tabaco tem ainda os efeitos vasoconstritor e por eventos cardiovasculares e cerebrovasculares.
trombogênico, que podem prejudicar o fluxo nas extremi- Outra classe de drogas que deve ser utilizada por todos
dades. O tratamento clínico conservador oferece melhora os pacientes são as estatinas, dados seus efeitos, em longo
sintomática em 85% dos pacientes que pararam de fumar, prazo, no controle de dislipidemias e estabilização de placas
em comparação com 20% dos que não pararam. Desta for- ateromatosas.
ma, a interrupção do fumo é o que, isoladamente, mais faz
diferença na evolução clínica. I - Medidas gerais
Os pacientes claudicantes devem somar as orientações
B - Controle da hiper-homocisteinemia citadas anteriormente com outras medidas, visando à me-
Apresenta um risco maior do que 6 vezes para o desen- lhora dos resultados da marcha e ao aumento das distân-
volvimento de aterosclerose. A elevação da homocisteína cias de claudicação:
estaria ligada a processos que propiciam a lesão endotelial, - Condicionamento físico: programas de exercícios, de
além da adesividade e agregação plaquetária, estas propi- preferência supervisionados, que mostram efeitos me-
ciando a trombose nas áreas do endotélio lesado. lhores do que os realizados em casa. A marcha deve
ser feita em terreno plano, por pelo menos 30 minu-
C - Controle da dislipidemia tos, diariamente, até o ponto de dor ou até a fadiga
Os distúrbios dos lipídios séricos constituem um impor- muscular, quando será interrompida; após o alívio (2 a
tante fator na aterogênese. São aterogênicos os aumentos 3 minutos), deve ser novamente iniciada, tendo como

159
CI RUR G I A V ASC U L A R

meta alcançar distâncias progressivamente crescentes B - Tromboendarterectomia


com o menor número possível de interrupções;
Abertura da artéria com retirada da placa, evitando o
- Uso de drogas vasodilatadoras: drogas que podem uso de prótese. É mais utilizada no território aortoilíaco, mas
apresentar efeitos múltiplos como antiagregação pla-
também pode ser usada no segmento femoropoplíteo. Pode
quetária e propriedades hemorreológicas, além de
ser feita pela técnica aberta, por eversão ou ainda por anel.
ação na musculatura lisa dos vasos ou estimulação dos
receptores beta-adrenérgicos, determinando, assim,
efeito vasodilatador. Atualmente, o medicamento mais
utilizado é o cilostazol, que age inibindo a fosfodieste-
rase 3, a qual, em última análise, por meio do acúmulo
de AMPc na célula, produz o relaxamento da parede
muscular lisa, causando vasodilatação.

10. Tratamento cirúrgico


As indicações cirúrgicas ocorrem fundamentalmente
nas seguintes condições:
- Claudicação com sintomas limitantes, que acarretam
dificuldade para a realização de atividades, sem res-
posta ao tratamento clínico;
- Dor isquêmica de repouso;
- Úlceras ou gangrena.
O estudo angiográfico deve demonstrar lesões passíveis Figura 8 - Lesão obstrutiva de território aortoilíaco e segmento de
de restauração, ou seja, leito distal adequado que permita placa de ateroma retirado após tromboendarterectomia
bom fluxo de sangue para as extremidades.
As alternativas cirúrgicas dependem da localização e da C - Tratamento endovascular
extensão das lesões. São elas:
Consiste na passagem de um fio-guia pela lesão arterial
e na posterior dilatação com um balão. Podem ser utiliza-
A - Derivações ou pontes
dos stents, que são colocados sobre a lesão previamente
São as cirurgias mais frequentes, indicadas em lesões obs- dilatada para diminuir as chances de oclusão da artéria. No
trutivas arteriais extensas. O princípio é derivar o local de obs- território aortoilíaco, os stents são preferencialmente colo-
trução com pontes que podem ser tanto com substituto autó- cados nas artérias ilíacas, como o são nas artérias femorais.
geno como próteses. O substituto autógeno mais utilizado é Na artéria poplítea, o uso é restrito, por tratar-se de região
a veia safena interna, e as próteses de dácron ou PTFE. O tipo de dobra com grande chance de oclusão do stent. Nas arté-
de enxerto a ser realizado vai depender do ponto de origem, rias de perna, a angioplastia é o método mais usado devido
vaso com fluxo, para uma artéria receptora com luz pérvia e a índices de perviedade menores com stents. Pode ser feita
bom escoamento. Podem ser principalmente pontes aortoilía- tanto pela luz verdadeira do vaso como subintimal. Nesta
ca, aortofemoral ou ilíaco-femoral nos segmentos proximais e técnica, a abertura da luz do vaso se faz com ponto de en-
femoropoplítea, poplíteo-distais (artérias de perna). trada pela camada subintimal do vaso com reentrada para a
luz verdadeira e comunicação com o ponto de origem.

Figura 7 - Enxerto aortobifemoral

160
OBSTRUÇÃO ARTERIAL CRÔNICA DE MMII

mal ou progressão da doença aterosclerótica;


- Fístula aortoentérica: é complicação rara, mas poten-
cialmente fatal, ocorre pela erosão da linha de sutura
proximal e a 3ª ou 4ª porção do duodeno;
- Pseudoaneurisma anastomótico: 1 a 5% dos casos,
ocorre por fraqueza da linha de sutura por fadiga ou
degeneração do material;
- Infecção: principalmente envolvendo próteses, sua
incidência varia de acordo com a indicação e o local
do implante da prótese. A maior parte é causada por
S. aureus e S. epidermidis e bactérias Gram negativas.
O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas,
Figura 9 - Recanalização de artéria femoral superficial com colo- geralmente tardias, após 4 meses (20% de diagnóstico
cação de stent precoce). As infecções relacionadas a próteses confi-
nadas no abdome podem se manifestar como sepse
de origem indeterminada, íleo adinâmico prolongado,
D - Amputação
distensão abdominal, dor ou massa pulsátil. Nas regi-
Está reservada aos pacientes no estágio avançado da ões inguinais, podem apresentar sinais evidentes de
doença arterial com necrose e gangrena não passíveis de reação inflamatória, celulite, fístula purulenta, hemor-
revascularização. Podem ser realizadas amputações maio- ragia ou pseudoaneurisma anastomótico palpável.
res (transfemoral, transtibial) ou menores (transmetatársi-

CIRURGIA VASCULAR
ca, transtársica). As opções de tratamento são baseadas em:
- Retirada da prótese com revascularização extra-ana-
E - Complicações tômica: opção de escolha; o princípio fundamental é
que a prótese, por ser um material sintético, funcio-
As complicações podem ser divididas em precoces ou
na como corpo estranho e, por conseguinte, deve ser
tardias:
removida, a fim de que a infecção seja erradicada. O
a) Precoces novo enxerto deve estar fora do local contaminado e,
- Clínicas: infarto agudo do miocárdio, complicações portanto, fora do trajeto anatômico anterior;
pulmonares (decorrentes DPOC), IRA (pode correr - Retirada de prótese sem revascularização: alta taxa
principalmente se o clampeamento for suprarrenal), de mortalidade e de amputação;
isquemia medular (oclusão de ramos lombares asso- - Retirada da prótese com revascularização in situ: a
ciados a hipoperfusão e clampeamento das artérias substituição por outra prótese tem grande chance de
hipogástricas); infecção;
- Técnicas: podem decorrer da própria dificuldade téc- - Preservação da prótese e manejo local da infecção:
nica ou ainda ser inerentes ao procedimento em si, limitadas à região inguinal ou à extracavitária, para os
como a torção da veia durante a tunelização, anas- casos em que as anastomoses não estão envolvidas
tomose inadequada, tensão local, substituto venoso nos sinais de sepse.
inadequado, entre outras. Podem ainda ocorrer san-
gramento ou trombose do enxerto. Nos procedimen-
tos endovasculares podem ocorrer também dissecção,
perfuração, oclusão do vaso etc.;
- Sangramento: mais associado a endarterectomia pela
extensão na dissecção, pontos de sangramento na li-
nha de sutura, lesões venosas inadvertidas, lesão da
parede da aorta pelo clamp;
- Isquemia intestinal: 2% dos casos, geralmente multi-
fatorial; embora a ligadura de vias colaterais para ir-
rigação do cólon seja a mais comum causa do evento,
hipotensão perioperatória e ateroembolismo podem
contribuir.
b) Tardias
- Trombose do enxerto: mais frequente, 30% dos casos,
geralmente unilateral por progressiva hiperplasia inti-

161
CI RUR G I A V ASC U L A R

CAPÍTULO

2
Doença cerebrovascular extracraniana
Luciana Ragazzo / Fernando Esteves

1. Introdução Tabela 1 - Causas de insuficiência vascular cerebral


- Arteriosclerose;
A insuficiência vascular cerebral é a 3ª causa de óbito
- Arterite de Takayasu;
na população, a 2ª causa de óbito entre as moléstias car-
- Displasia fibromuscular;
diovasculares e a principal causa de óbito de origem neu-
- Aneurisma;
rológica. A incidência de AVC é de 150 para cada 100.000
- Dissecção;
habitantes por ano nos EUA. Além de ser uma importante - Acotovelamento da artéria carótida;
causa de óbito, a disfunção decorrente do infarto cerebral é - Embolia de origem cardíaca;
um fator socioeconômico relevante. - Tumores de pescoço;
- Radioterapia.
2. Etiopatogenia
O fluxo sanguíneo cerebral corresponde a 20% do dé- 3. Quadro clínico
bito cardíaco. A vascularização encefálica apresenta um A insuficiência cerebrovascular causada pela doença
mecanismo de autorregulação que implica proteção à ins- carotídea leva a manifestações neurológicas por alterações
talação de isquemia. Quando há alguma região isquêmica, isquêmicas nas artérias da retina e dos hemisférios cere-
pequenos ramos arteriais formam a circulação colateral, brais, frontal, parietal e temporal do mesmo lado da lesão,
podendo haver recuperação total ou parcial do trofismo do com repercussões sensitivas e motoras contralaterais. A
tecido nervoso. sintomatologia pode ser maior ou menor, de acordo com o
A aterosclerose é a causa mais frequente de Acidente território acometido. Podem ocorrer os seguintes sintomas:
Vascular Cerebral (AVC) e de Ataque Isquêmico Transitório - Amaurose fugaz homolateral;
(AIT) em doentes com lesões das artérias extracranianas. - Hemianopsia homolateral;
Na sua localização extracraniana, o ponto mais frequen- - Cefaleia;
temente acometido é a bifurcação carotídea, seguida das - Sonolência;
artérias carótida comum, subclávia e vertebral. - Deterioração mental;
A isquemia cerebral decorre não só do estreitamento
- Sensação de fraqueza e de cansaço;
provocado pela placa arteriosclerótica, mas também de
alterações dentro dela, principalmente as hemorrágicas
- Hemiparesia e hemiplegia;
(acidente intraplaca). A microembolização de fragmen-
- Déficit sensitivo hemicorpo.
tos da placa aterosclerótica ou de trombos murais das As manifestações clínicas podem variar de episódios de
artérias carótidas é muito comum, sendo mais frequen- ligeira disfunção cerebral com rápida recuperação a qua-
te na retina e no território da artéria carótida interna dros de acentuado comprometimento cerebral, que deixam
(Tabela 1). sequelas definitivas ou culminam em óbito.

162
D O E N Ç A C E R E B R OV A S C U L A R E X T R A C R A N I A N A

Considerando o período de duração dos sintomas, o avaliar a estenose das artérias carotídeas. Porém, o método
tempo de demora para o estabelecimento definitivo do tem algumas limitações, pois calcificações arteriais, tortu-
quadro clínico e a recuperação, é possível classificar os qua- osidade arterial, bifurcação alta e pescoço curto limitam a
dros clínicos em: confiabilidade diagnóstica. Por ser um método barato, se-
guro e sensível, é a escolha inicial para a avaliação da doen-
A - Ataque Isquêmico Transitório (AIT) ça carotídea. É um método indireto que avalia a estenose
através da medida da velocidade de fluxo.
Aparecimento súbito dos sintomas, que desaparecem
em até 24 horas, sem deixar sequelas. O principal exemplo
é o distúrbio visual denominado amaurose fugaz, associado
C - Tomografia computadorizada de crânio
ou não às manifestações motoras contralaterais. A Tomografia Computadorizada (TC) é de grande impor-
tância, principalmente na manifestação aguda da doença is-
- AIT “em crescendo” quêmica cerebral. Estabelece o diagnóstico diferencial entre
Caracteriza-se pela ocorrência de AITs consecutivos. hemorragia e isquemia e identifica lesões antigas que ocor-
Alguns doentes apresentam vários episódios em períodos rem de forma assintomática. A angiotomografia é de fácil
curtos. É considerado uma emergência cirúrgica. execução, não é examinador-dependente, e a reconstrução
3D é muito utilizada para o planejamento cirúrgico. Há uma
B - Déficit neurológico reversível concordância de aproximadamente 95% com a arteriografia.
Como no AIT, também não deixa sequelas, porém a sua
duração é superior a 24 horas. D - Ressonância nuclear magnética de crânio
Assim como a TC, a Ressonância Nuclear Magnética
C - Acidente Vascular Cerebral (AVC)

CIRURGIA VASCULAR
(RNM) pode mostrar alterações cerebrais em pacientes
O AVC caracteriza-se pela perda súbita da função neu- com doença carotídea, é mais sensível e é capaz de detec-
rológica, decorrente de lesão cerebral provocada por isque- tar pequenas lesões isquêmicas no cerebelo, as quais são
mia aguda, e deixa sequelas variáveis. oriundas de embolização das artérias vertebrais.
- AVC em progressão E - Oculopletismografia
Caracteriza-se por ser progressivo, ou seja, as manifes-
tações tornam-se mais intensas, acometendo um maior nú- A pressão negativa aplicada sobre a esclera de um olho
mero de áreas com o passar do tempo. Pode ser considera- anestesiado leva ao aumento da pressão intraocular até a
do uma emergência cirúrgica. parada da circulação da artéria oftálmica. A partir desse
momento, é reduzida a pressão de forma gradativa até a
D - Isquemia cerebral generalizada detecção do 1º fluxo pela artéria oftálmica.
A medida é feita em ambos os olhos simultaneamente.
Perda contínua da função cerebral, decorrente de isque- O valor absoluto da pressão sistólica é comparado com a
mia crônica. É notada em pacientes que apresentam oclusões pressão braquial, que é medida ao mesmo tempo.
e estenoses significativas das artérias que irrigam o cérebro.
F - Doppler transcraniano
4. Diagnóstico Demonstra a velocidade e o sentido do fluxo das arté-
As lesões obstrutivas ou estenosantes das artérias caró- rias do polígono de Willis e, indiretamente, a presença de
tidas podem ser detectadas pelo quadro clínico já descrito, lesões proximais ao ponto estudado.
pelo exame físico e por exames de imagem e de fluxo.
G - Arteriografia
A - Exame físico
O exame físico deve ser completo, iniciando-se pelos
sinais vitais, com observação de arritmias e sopros cardía-
cos. Segue o exame físico vascular, com a palpação de todos
os pulsos (especialmente cervicais e da artéria temporal
superficial), ausculta dos trajetos vasculares na busca de
sopros, e, em seguida, deve-se realizar o exame físico neu-
rológico, visando avaliar possíveis déficits estabelecidos em
quadros isquêmicos prévios.

B - USG Doppler
A ultrassonografia Doppler é um exame de avaliação
não invasivo com alta sensibilidade e especificidade para Figura 1 - Arteriografia das artérias carótidas

163
CI RUR G I A V ASC U L A R

É o método mais objetivo na avaliação da relação da do- A monitorização do fluxo cerebral durante o ato cirúr-
ença carotídea com o quadro clínico. Além disso, mostra os gico e o consequente clampeamento carotídeo podem ser
detalhes anatômicos da circulação cerebral e a concomitân- feitos com:
cia, ou não, com doenças obstrutivas. Por ser um método - Anestesia locorregional: o paciente mantém-se acor-
invasivo, atualmente tem sido utilizado como exame intrao- dado, e monitora-se o nível de consciência durante o
peratório seguido de angioplastia em alguns casos. clampeamento;
- Pressão de refluxo: a pressão é medida com o pin-
5. Tratamento çamento das artérias carótidas comum e externa. O
O tratamento da doença carotídea é diferenciado nos refluxo da artéria carótida interna deve ser acima de
pacientes sintomáticos e nos assintomáticos. 50cm de água, caso contrário é necessário o uso de
derivação temporária;
A - Sintomáticos - Monitorização com eletroencefalograma: com a is-
Consideram-se sintomáticos os pacientes que já tenham quemia, pode-se observar alteração nas ondas cere-
apresentado, em algum momento, quadro de AIT, AVC ou brais;
amaurose fugaz. Nesse grupo, ficou estabelecido, a par- - Doppler transcraniano: é capaz de detectar emboli-
tir de vários estudos clínicos (European Carotid Surgery zação durante o ato cirúrgico e mostrar, por estudos
Trial – ECST –, North American Symptomatic Carotid específicos (teste com acetazolamida ou CO2), a reati-
Endarterectomy Trial – NASCET – e VAST), que lesões caro- vidade vascular das artérias intracranianas.
tídeas com estenose maior do que 50% devem ser tratadas
cirurgicamente. De acordo com esses estudos, o benefício
da cirurgia é maior do que o risco de AVC não tratado, de
modo que esse benefício aumenta quanto maior o grau de
estenose. Nesses casos, a cirurgia reduz em 65% a incidên-
cia de AVC nos pacientes com ulceração carotídea.

B - Assintomáticos
Quatro grandes estudos tentaram demonstrar o me-
lhor tratamento para os pacientes com estenose carotídea
assintomática: CASANOVA (Carotid Artery Stenosis with
Asymptomatic Narrowing: Operation Versus Aspirin), Mayo
Trial, VA Asymptomatic Trial, ACAS (Asymptomatic Carotid
Atherosclerosis Study).
A conduta baseia-se no grau de estenose da bifurcação
carotídea. Se a estenose for <50%, a melhor opção será o
Figura 2 - Dissecção das artérias carótidas
tratamento clínico, com controle dos fatores de risco (hiper-
tensão, obesidade, fumo e hiperlipidemia) e antiagregante
plaquetário (AAS, clopidogrel).
Caso o grau de estenose esteja acima de 70%, o trata-
mento mais adequado é o cirúrgico, pois 15% destes pa-
cientes terão AVC em 3 anos, e a maior parte destes ocorre-
rá nos primeiros 6 meses.
Se o grau de estenose variar entre 50 e 70%, vários fato-
res deverão ser observados: idade do paciente, característi-
cas da placa e habilidade da equipe cirúrgica. Apesar disso,
há uma tendência a não indicar correção cirúrgica para esse
grupo, dada a baixa taxa de complicações isquêmicas com o
tratamento clínico isolado.
a) Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico predominante é a cirurgia aber-
ta. A endarterectomia das carótidas pode ser feita sob anes-
tesia geral ou locorregional, com ou sem o uso de derivação Figura 3 - Monitorização da pressão de refluxo artéria da carótida
temporária. interna

164
D O E N Ç A C E R E B R OV A S C U L A R E X T R A C R A N I A N A

b) Complicações da endarterectomia artérias vertebrais. Nesses casos, as principais manifesta-


- Precoces ções clínicas serão:
• Trombose aguda carotídea; - Diplopia;
• Embolia para SNC; - Disartria;
• AVC; - Disfasia;
• Lesões de nervos cranianos: - Desequilíbrio;
* Nervo hipoglosso; - Distúrbios visuais bilaterais;
* Nervo vago; - Nistagmo;
* Ramo mandibular do nervo facial; - Ataxia.
* Nervo laríngeo superior;
* Hematoma cervical. O diagnóstico é feito pelo quadro clínico associado aos
- Tardias métodos não invasivos, como Doppler, TC, RNM e, princi-
palmente, arteriografia digital por subtração.
• Reestenose;
Deve ser realizado o tratamento cirúrgico:
• AVC. - Estenose severa sintomática;
Outro tratamento das estenoses carotídeas pode ser o - Estenose sintomática das artérias vertebrais cujos sin-
endovascular, com angioplastia de carótida com colocação tomas não amenizam após a correção das lesões ca-
de stent. Classicamente, era indicado aos pacientes com rotídeas;
pescoço hostil (como presença de retrações cicatriciais - Estenose sintomática das artérias vertebrais e oclusão
cervicais e radioterapia cervical) e aos casos de bifurcação carotídea;

CIRURGIA VASCULAR
carotídea alta ou com alto risco para complicações cardio- - Embolização cerebelar.
lógicas. Após o advento dos filtros de proteção cerebral du-
rante o procedimento, o método vem apresentando bons Para as artérias vertebrais, uma boa opção terapêutica é
resultados e menores índices de complicação, sendo, então, a endovascular, já que os troncos supra-aórticos necessitam
empregado de forma mais liberal. A técnica endovascular de acesso cirúrgico amplo, e os episódios embólicos são in-
diminui os riscos de complicações cervicais, como as lesões frequentes nessa localização.
nervosas; em contrapartida, há um aumento das complica-
ções na via de acesso, como pseudoaneurismas da artéria
femoral.

Figura 4 - Angioplastia de carótida

6. Artérias vertebrais
Algumas vezes, os sintomas neurológicos podem estar
associados a comprometimentos isquêmicos por lesões nas

165
CI RUR G I A V ASC U L A R

CAPÍTULO

3
Obstrução arterial aguda
Luciana Ragazzo / Fernando Esteves

1. Introdução Células distintas têm tolerância variável à isquemia e são


dependentes da taxa metabólica da célula em questão.
A Obstrução Arterial Aguda (OAA) é a interrupção súbita
A via comum da isquemia tissular inicia-se com a di-
do fluxo sanguíneo de uma artéria, levando à diminuição da
minuição do fluxo arterial e a consequente diminuição da
perfusão do tecido irrigado por ela e causando isquemia de
oferta de oxigênio aos tecidos, que gera diminuição do me-
intensidade e repercussões sistêmicas variáveis.
tabolismo e depleção das reservas de ATP.
Constitui uma condição de grande importância pela A diminuição do oxigênio leva à ativação do metabolis-
morbidade e pela mortalidade consideráveis, além de, mo anaeróbio, com consequente produção de ácido láctico
na maior parte das vezes, indicar a existência de arterio- e energia insuficiente para manter certos mecanismos vi-
patia prévia ou fonte emboligênica potencial não diag- tais, como a bomba de Na/K ATPase.
nosticada. Desta forma, sem o funcionamento adequado da bom-
É bastante comum e vem crescendo em frequência, ba iônica, há o influxo de íons para a célula, instabilidade do
devido ao aumento da idade na população e à incidência meio citoplasmático, edema e morte celular.
de doenças cardiovasculares de natureza aterosclerótica.
Sua incidência aproximada é de 17 casos por 100.000 ha- ↓Fluxo sanguíneo
bitantes.
A OAA deve ser prontamente diagnosticada, pois a de- ↓Oferta oxigênio
mora no tratamento pode resultar em uma série de eventos
com danos irreversíveis ao membro acometido, com amea-
ça da sua viabilidade, lesões de órgãos como os rins e, não Metabolismo anaeróbio
raramente, óbito.
As causas são variáveis, e é importante conhecer a fisio-
patologia do déficit agudo do fluxo arterial. ↑ Ácido láctico
As causas mais comuns são: ↓ATP
- Embolia;
- Trombose;
- Trauma; ↓Bomba ATPase

- Dissecção arterial aguda.


Influxo íons para célula
2. Fisiopatologia
A OAA resulta em hipoperfusão grave do membro e, se Morte celular
não tratada, inevitavelmente progride para infarto do teci-
do e morte celular. Figura 1 - Fisiopatologia da OAA

166
OBSTRUÇÃO ARTERIAL AGUDA

Com isso, há liberação, pelos miócitos, de grande quan- quadro mais insidioso, e em geral menos grave, nas trom-
tidade de mioglobina e de enzimas, como creatinofosfoqui- boses em relação às embolias.
nase (CPK), além do íon K+.
Iniciado esse processo, os derivados do O2 reagem com E - Trombose venosa associada
ácidos graxos da membrana lesada, formando radicais livres
que potencializam a lesão celular, mesmo havendo a reper- Estase venosa e lesão isquêmica do endotélio venoso
fusão do tecido em sofrimento. estão frequentemente presentes na OAA e são fatores pre-
A gravidade das lesões varia de acordo com alguns fa- disponentes de TVP. Causam piora no prognóstico pelo au-
tores, como: mento no edema e na isquemia, além do risco de TEP após
revascularização.
- Local da oclusão;
- Espasmo arterial; F - Condições gerais do paciente
- Presença de circulação colateral;
Pacientes com OAA que apresentam baixo débito car-
- Trombose venosa associada; díaco secundário à ICC ou à arritmia podem ter o quadro
- Condições hemodinâmicas e gerais do paciente; isquêmico agravado. Da mesma forma, pacientes com is-
- Resistência dos tecidos à hipóxia; quemias agudas traumáticas com grande perda sanguínea
- Tempo de isquemia. ou outros traumas associados à instabilidade hemodinâmi-
ca apresentam-se com condição clínica pior do membro em
A - Local da oclusão relação aos hemodinamicamente estáveis.

Quanto maior a quantidade de tecido isquêmico, maior G - Resistência dos tecidos à hipóxia

CIRURGIA VASCULAR
a quantidade de catabólitos como potássio e mioglobina
liberados na circulação, determinando, assim, maior inten- A resistência dos tecidos à isquemia é variável e inversa-
sidade e repercussão sistêmica das alterações descritas. mente proporcional à intensidade e à seletividade do meta-
Oclusão na artéria ulnar tem repercussão diferente da oclu- bolismo aeróbio do tecido.
são na artéria ilíaca comum, por exemplo. Após meia hora, o sofrimento nervoso se manifesta com
alterações de sensibilidade e de motricidade. Já o endotélio
B - Trombose secundária vascular, tanto arterial como venoso, passa a sofrer signifi-
cativamente após 6 a 8 horas.
A trombose é secundária à diminuição do fluxo san- A seguir, a musculatura esquelética perde a contratili-
guíneo e à estase do fluxo. Esta ocorre na árvore arterial dade a partir de 4 horas do início do quadro, e há alteração
proximal e principalmente distal ao ponto de obstrução, irreversível após 12 a 24 horas de isquemia.
determinando oclusão de vasos colaterais em graus va- Pele, tecido celular subcutâneo, ossos e cartilagem, pelo
riados que leva à piora da perfusão do membro como seu metabolismo relativamente baixo, têm grande resistên-
um todo. A trombose secundária é agravada quando as cia à isquemia, com alterações reversíveis em até 48 horas
células endoteliais começam a sofrer os efeitos da isque- de evolução.
mia, já que antes da morte celular elas secretam fatores
teciduais trombolíticos que minimizam a coagulação in-
H - Tempo de isquemia
travascular.
Fator de importância variável, não constitui critério defi-
C - Espasmo arterial nido de conduta ou de prognóstico. Já outros fatores, como
a circulação colateral, podem manter viável um membro
O espasmo arterial distal ao ponto ocluído pode piorar
com oclusão aguda por longos períodos de tempo.
as condições locais da perfusão. Esse evento tem incidên-
cia proporcionalmente mais elevada em indivíduos mais
jovens e em crianças, mas seus papéis na proteção do or- 3. Classificação
ganismo ou no favorecimento da formação do trombo são
discutíveis. Tabela 1 - Graus de isquemia
Descrição/ Sem ameaça imediata
D - Circulação colateral prognóstico ao membro

Este é o fator de maior importância na OAA, uma vez Perda sen-


Nenhuma
sorial
que a integridade tecidual distalmente à obstrução é dire- I - Viável
tamente proporcional ao estado funcional das vias arteriais Fraqueza
Nenhuma
muscular
colaterais. A presença de rede colateral mais desenvolvida
nos pacientes submetidos a um regime de insuficiência ar- Arterial/venoso
Sinal Doppler
Audível/audível
terial crônica explica a ocorrência de isquemias agudas com

167
CI RUR G I A V ASC U L A R

Descrição/ Salvamento se tratado gênica. Em 2º lugar, estão as alterações valvares (de origem
prognóstico prontamente reumática muitas vezes), sendo a estenose mitral a principal.
Perda sen- Nenhuma a mínima O êmbolo desprendido segue o fluxo arterial, e a princi-
A - Margi- sorial (dedos) pal localização da impactação são as artérias femorais, com
nalmente mais de 70% dos casos envolvendo os membros inferiores.
ameaçado Fraqueza
Nenhuma Isso se deve, em parte, ao componente hemodinâmico,
muscular
Arterial inaudível/ve-
pois o êmbolo tende a seguir pelo vaso de maior fluxo: a
II - Risco Sinal Doppler
noso audível aorta. Além disso, pode ocasionar embolia para os mem-
de perda
do mem- bros superiores em cerca de 10% dos casos.
Descrição/ Salvamento com ime-
bro prognóstico diata revascularização
A embolia pode ainda decorrer de placas ateromatosas
nas paredes das artérias proximais ao ponto de obstrução,
Perda sen- Mais do que os dedos,
de trombos murais que se desprendem das paredes de aneu-
B - Ameaça sorial dor em repouso
rismas e de lesões inflamatórias (arterites) ou traumáticas.
imediata Fraqueza
Leve a moderada
muscular Tabela 2 - Principais causas cardíacas de formação de êmbolos
Arterial Inaudível/ve- - Fibrilação atrial;
Sinal Doppler
noso audível
- Lesões orovasculares;
Perda de tecido ou
Descrição/ - IAM;
dano nervoso irrever-
prognóstico - ICC;
sível
Perda sen- - Arritmia por crise tireotóxica;
Anestesia
III - Irreversível sorial - Aneurisma ventricular;
Fraqueza - Miocardiopatia;
Paralisia
muscular - Cardioversão;
Arterial inaudível/ve- - Endocardites;
Sinal Doppler
noso inaudível - Materiais protéticos;
Os pacientes com classe I de isquemia podem ser tra- - Mixoma atrial.
tados conservadoramente na fase inicial, já os de classe
Há uma condição pouco habitual, denominada embo-
III não têm indicação para revascularização. Os de classe II
lia paradoxal. Na presença de trombose venosa profunda,
requerem intervenção, nos IIa há tempo para investigação
o trombo desprendido da veia alcança o coração direito e,
diagnóstica, enquanto nos IIb qualquer atraso na revascu-
por um defeito septal, ganha o coração esquerdo e, conse-
larização pode levar a isquemia irreversível. Desta forma, a
quentemente, a rede arterial, causando a oclusão. Outras
distinção entre classes IIa e IIb é essencial e determinará o
causas raras são êmbolos decorrentes de invasão tumoral
tratamento e o prognóstico.
do coração esquerdo, aneurismas arteriais, próteses, em-
bolias sépticas e embalia (embolia de projéteis de fogo).
4. Etiopatogenia Cabe lembrar que as embolias sépticas têm prognóstico
especialmente grave, tanto pela gravidade da doença em si
A - Embolia quanto pela repercussão local do êmbolo séptico na artéria
que o abriga.
A embolia compreende a movimentação e a posterior Um fenômeno embólico de pequena proporção, deno-
impactação de um êmbolo distante do seu local de origem. minado síndrome do dedo azul, consiste na obstrução de
O êmbolo pode ser trombo, fragmentos de placas ateroma- artérias digitais, principalmente de membros inferiores,
tosas, células tumorais, gases ou outros corpos estranhos, pela migração de pequenos fragmentos de placas de ate-
desprendidos ou introduzidos num local qualquer do apa- roma. O quadro clínico é a cianose digital acompanhada
relho cardiovascular e que podem ocasionar a oclusão total de dor, com pulsos preservados no membro acometido. O
ou parcial da artéria. dedo mais acometido é o 1º pododáctilo, e a fonte mais
A impactação se dá principalmente nas bifurcações ar- comum de êmbolos é a artéria femoral superficial ao nível
teriais, por serem os locais de diminuição abrupta de cali- do canal dos adutores.
bre, sendo a da artéria femoral a mais frequente (30 a 50%
dos casos). a) Quadro clínico
A principal fonte emboligênica é a cardíaca, em cerca O quadro clínico frequentemente é súbito, de gravidade
de 95% dos casos (Tabela 2), sendo as arritmias e as lesões variável. Os sinais e sintomas acontecem no território afe-
valvares as principais causas. A fibrilação atrial, pelas altera- tado e são:
ções hemodinâmicas que acarreta, propicia a formação de - Palidez;
trombos murais, constituindo-se na principal fonte emboli- - Paresia;
168
OBSTRUÇÃO ARTERIAL AGUDA

- Parestesia; recer inicialmente medidas de suporte, como hidratação,


- Ausência de pulso; analgesia (sem sedar o doente) e anticoagulação com hepa-
- Dor; rina intravenosa. O uso de vasodilatadores não tem efeito
- Hipotermia. sobre a árvore arterial isquêmica. O procedimento cirúrgico
não deve ser retardado por causa dessas medidas.
A isquemia aguda afeta primeiramente os nervos sensi- O procedimento realizado nesses casos é a embolecto-
tivos com perda de sensação. Os nervos motores são afeta- mia por cateter de Fogarty, que mudou o prognóstico das
dos logo após, levando a fraqueza muscular. Em seguida, a embolias arteriais. Essa técnica simples e rápida permite
pele e os músculos são afetados pela redução da perfusão uma desobstrução anterógrada e retrógrada da artéria. A
arterial, e a pele fica pálida. Estabelecida a isquemia, ocor- abordagem nos membros inferiores é feita dissecando a
re a dilatação venosa, e a extremidade se torna azulada. O bifurcação das artérias femorais com controle proximal e
estágio terminal da isquemia da pele se dá com o extrava- distal, e nos membros superiores a artéria braquial pro-
samento de sangue dos capilares lesados, e, quando se faz ximal à prega do cotovelo. O diâmetro do cateter é de
a digitocompressão, a cor não se altera. Os principais sinais acordo com o calibre do vaso e é introduzido pela arterio-
e sintomas da OAA podem ser lembrados por meio do pro- tomia, geralmente transversal para evitar estenose após
cesso mnemônico dos 6 Os. seu fechamento. Após atravessar o trombo, o balão é insu-
flado e retirado lentamente carregando consigo o trombo.
Tabela 3 - Principais sinais e sintomas da OAA A presença de fluxo e refluxo sanguíneo indica o sucesso
- Pulseless: ausência de pulso; do procedimento. Pode ser feita arteriografia de controle
com o objetivo de confirmar a perviedade de todo o leito
- Pallor: palidez;
vascular.

CIRURGIA VASCULAR
- Pain: dor; A utilização de trombolíticos na oclusão arterial agu-
- Paresthesia: parestesia; da de membros inferiores (<14 dias) vem demonstrando
- Paralysis: paralisia/paresia; bons resultados. Mesmo naqueles pacientes em que não
- Poikilothermia: hipotermia. há revascularização total, a trombólise parece diminuir
a complexidade da cirurgia necessária para o salvamento
b) Diagnóstico do membro. Entretanto, o tempo necessário para a lise e a
trombose recorrente são os principais fatores limitantes à
Na maioria dos casos, a história e o exame físico são
utilização dessa técnica. Dependendo do sítio de oclusão,
suficientes para o diagnóstico. Entretanto, algumas vezes,
do número de segmentos arteriais envolvidos e do local de
a sobreposição dos dados pode dificultar na diferenciação
infusão do agente trombolítico, o índice de sucesso tera-
do quadro clínico com obstrução arterial crônica descom-
pêutico pode variar entre 50 e 88%, e o de reoclusão, entre
pensada. Nesses casos, se não causar prejuízo ao paciente, 20 e 50%.
podem-se utilizar métodos diagnósticos auxiliares, como o Com a reperfusão do membro, deve-se prestar atenção
ultrassom e a angiotomografia. aos sinais e sintomas da síndrome de reperfusão.
No 1º, identifica-se a interrupção do fluxo arterial, e
diferenciam-se artérias normais de artérias doentes (placas B - Trombose arterial
de ateroma, calcificação e trombo mural). Na tomografia,
podem-se visualizar a árvore arterial e possíveis locais de A trombose arterial implica a obstrução total ou parcial
fonte emboligênica. Na arteriografia, mais utilizada atual- de uma artéria previamente doente. A causa mais frequen-
mente como exame intraoperatório, observam-se rede de te é a doença degenerativa aterosclerótica, cuja evolução
artérias com poucas lesões parietais ateromatosas, poucas acaba em estenose progressiva da artéria e, finalmente, em
colaterais e a imagem de “taça invertida”, correspondente sua obstrução. Essa é a evolução natural da doença, e nem
ao local da impactação do êmbolo. sempre é possível caracterizá-la clinicamente. A cronicida-
Para a identificação da causa da fonte emboligênica, ini- de permite a formação de rede colateral, e a oclusão nem
cia-se com o ECG e o ecocardiograma, que podem revelar sempre é sintomática. O evento trombótico geralmente
a presença de arritmias e de trombos murais, entre outros. ocorre no local de uma estenose arterial de lesão endotelial
ou é consequente a um estado de hipercoagulabilidade. A
principal diferença entre embolia e trombose é que, nesta,
c) Tratamento há doença na parede arterial, placa de ateroma.
O tratamento visa ao restabelecimento do fluxo sanguí- Com o advento dos procedimentos intervencionistas,
neo e, na maioria dos casos, é feito pela abordagem cirúrgi- as tromboses arteriais iatrogênicas vêm aumentando sua
ca, para revascularização. incidência, sendo o cateterismo cardíaco a principal causa
Independente da causa da isquemia, deve-se iniciar o de trombose arterial pós-procedimento em nosso meio,
tratamento clínico, visando evitar a trombose secundária, esta, podendo ocorrer tanto em membro inferior quanto
que pode ocorrer distalmente à obstrução. Podem-se ofe- superior.

169
CI RUR G I A V ASC U L A R

Outras doenças menos frequentes estão relacionadas à c) Tratamento


trombose arterial, como os aneurismas (principalmente de O tratamento deve ser iniciado com as mesmas medidas
artéria poplítea), a síndrome do aprisionamento de poplí- iniciais para embolia. Nesse caso, somente a trombectomia
tea, a doença cística adventicial e as dissecções. não é suficiente, pois a trombose é consequência da doen-
ça arterial. O melhor tratamento é o cirúrgico, com a revas-
a) Quadro clínico
cularização do membro. Esta pode ser feita por meio das
A apresentação do quadro clínico tem a dor como seu pontes arteriais, usando as veias ou próteses como subs-
principal sintoma. Essa é progressiva e se torna intensa e de titutos, ou por meio de angioplastia. Nesse método, faz-se
difícil controle. Os demais sintomas podem ser semelhantes a punção arterial, e, com balões de dilatação, quebra-se a
aos da embolia, entretanto a presença de claudicação inter- placa de aterosclerose. Em alguns casos, conclui-se o proce-
mitente dos membros na história leva à suspeita de doença dimento com a passagem de um stent, para manter a per-
arterial prévia. Na trombose, o membro muitas vezes pode viedade do vaso.
ser compensado, pois a estenose arterial progressiva pode Em alguns casos, apesar do aspecto extenso da obstru-
levar à formação de rede colateral. ção arterial, esta é causada principalmente pela formação
de trombos secundários. Nessa situação, pode-se usar a in-
b) Diagnóstico fusão regional de fibrinolítico por cateter intratrombo e tra-
Muitas vezes, é difícil determiná-lo somente pela his- tar posteriormente o local doente que predispôs à oclusão.
tória e pelo exame físico. Assim, os exames auxiliares são Para a realização do tratamento fibrinolítico, o paciente
importantes. A ultrassonografia é o exame utilizado para deve apresentar 2 condições fundamentais: a presença de
investigação das doenças arteriais obstrutivas. A angioto- quadro de isquemia leve, suficiente para tolerar a infusão
mografia atualmente é a mais utilizada para o diagnóstico contínua de droga fibrinolítica por período prolongado sem
das doenças arteriais pela fácil execução, rapidez e qua- risco à vida do doente, e a ausência de leito distal à arterio-
lidade das imagens. A arteriografia é utilizada principal- grafia que permitisse a realização de enxerto arterial.
mente nos casos cirúrgicos e em geral apresenta lesões
ateroscleróticas difusas nas artérias livres de obstrução,
além de marcada circulação colateral (secundária ao re-
gime de insuficiência arterial crônica desses pacientes),
sendo que o ponto de obstrução é caracterizado habitual-
mente pela imagem de “ponta de lápis” ou “rabo de rato”
(Figura 2). A Tabela 4 demonstra as diferenças básicas no
quadro clínico e arteriografia dos pacientes com embolia
e trombose arterial.

Figura 3 - Tromboembolectomia de artéria femoral comum

Tabela 4 - Diferenças básicas entre embolia e trombose arteriais


Embolia Trombose
Início Agudo Agudo/gradual
Dor Aguda/intensa Moderada/intensa
Pálida/mosque-
Cor Mosqueada/pálida
ada
Antecedente de clau-
Ausente Presente
dicação
Doença cardíaca Frequente Incomum
Fonte de êmbolos Frequente Incomum
Déficit de pulso con-
Incomum Frequente
tralateral
Presença de frêmito
Incomum Frequente
contralateral
Figura 2 - Arteriografia trombose e embolia

170
OBSTRUÇÃO ARTERIAL AGUDA

5. Diagnóstico diferencial A perna e o antebraço são formados por musculatura en-


volta em aponeurose, que se dividem em compartimentos.
- TVP evoluindo com flegmasia cerúlea dolens; Apesar de a aponeurose ser deformável, o tecido é inelásti-
- Dissecção arterial; co. Com o edema muscular, há o aumento da pressão nesses
- Vasoespasmos (uso de derivados de “ergot”); compartimentos, com compressões arterial, venosa e nervo-
- Choque por baixo débito cardíaco; sa. Essa manifestação é chamada de síndrome compartimen-
- Uso de drogas vasoativas (vasoconstritoras). tal. O diagnóstico baseia-se em achados clínicos e laborato-
riais após a reperfusão: rigidez muscular, oligúria, acidose
6. Síndrome da reperfusão metabólica e elevação de enzimas, principalmente da CPK.
Independente da causa da obstrução arterial aguda, O tratamento deve ser prontamente iniciado com hidra-
todas têm em comum a ocorrência de isquemia muscular tação intravenosa, monitoração cardíaca e do débito uriná-
com necrose instalada ou não, em que há alterações da per- rio e diurese mantida entre 0,5 e 1mL/kg/h. A alcalinização
meabilidade da membrana celular e presença de conteúdo da urina e o uso de manitol podem auxiliar no tratamento
intracelular na corrente sanguínea. A isquemia muscular cli- das diversas alterações metabólicas e hidroeletrolíticas.
nicamente se manifesta com musculatura tensa, dolorosa, Nos casos de insuficiência renal aguda com altos níveis de
que piora com a sua mobilização. E pode haver colabamen- ureia, creatinina e potássio, devem-se utilizar procedimen-
to do sistema venoso superficial associado. tos dialíticos. A fasciotomia deve ser realizada sempre para
Com a morte celular, ocorrem acidose metabólica, hi- o tratamento da síndrome compartimental. A amputação
perpotassemia e elevação das enzimas da musculatura es- do membro é indicada quando há necrose extensa com le-
triada (DHL, TGO e CPK). Essas alterações variam de acordo são nervosa irreversível, refratária às medidas clínicas, aos
com a quantidade de massa muscular envolvida, o tempo curativos e aos debridamentos.
de evolução da isquemia, a capacidade motora da extremi-

CIRURGIA VASCULAR
dade e a contratura isquêmica.
Após a revascularização, o tecido isquêmico é irrigado Obstrução arterial aguda

por sangue oxigenado, que “limpa” o território arterioloca-


pilar dos produtos decorrentes do metabolismo anaeróbi-
co. Com isso, ocorrem alterações sistêmicas: a 1ª é a acido- ↓Diminuição do fluxo
sanguíneo
se metabólica, decorrente do acúmulo de radicais ácidos,
dependentes da diminuição da oxigenação aeróbica e da
formação de ácidos láctico e pirúvico.
A principal alteração eletrolítica é a hiperpotassemia, Metabolismo anaeróbico Ácido láctico e pirúvico
decorrente da morte celular e da liberação do íon. Pode
causar arritmia até morte imediata.
Hiponatremia, hipocalcemia e hiperfosfatemia podem es- Isquemia grave

tar associadas a alterações renais relacionadas à rabdomiólise.


O aumento da CPK é muito sensível e pode representar
fator prognóstico, pois está, em níveis elevados, associado a Morte celular
Vasodilatador
arteriolar
maior mortalidade. A DHL e TGO se elevam, mas têm baixa
sensibilidade.
Outro metabólito decorrente da isquemia muscular é a
↑ K+ ↑ Radicais livres
mioglobina. Quando há reperfusão, a mioglobina cai na cir-
culação sistêmica e consequentemente na circulação renal.
A mioglobina, por sua vez, é depositada nos túbulos renais,
Revascularização
e parte é excretada na urina, dando a esta uma coloração
acastanhada.
A mioglobinúria associada à hipovolemia é responsável
pela instalação da insuficiência renal aguda por necrose tu- Fluxo de sangue arterial
bular (NTA), que pode ser reversível. A NTA cursa com oligú-
ria, mioglobinúria e aumento da ureia e da creatinina.
Mais recentemente, têm-se estudado os efeitos dos ra- Hiperpotassemia
Ac. metabólica
dicais livres e da sua citotoxicidade, justificando assim o uso ↑ Rad. livres
de drogas como alfa-tocoferol, alopurinol e manitol, que te- Edema muscular

riam efeito citoprotetor.


Durante a fase de revascularização, as alterações funcio- Insuf. renal aguda
Arritmia
nais ocorridas durante a isquemia traduzem-se por edema Sd. compartimental
muscular e extravasamento de líquido e de hemácias para o Perda de membro
Morte
interstício, decorrentes do aumento da permeabilidade da
membrana celular no músculo, além da arteriolonecrose. Figura 4 - Fisiopatologia da síndrome da reperfusão

171
CI RUR G I A V ASC U L A R

CAPÍTULO

4
Aneurisma de aorta abdominal
Luciana Ragazzo / Fernando Esteves

1. Introdução c) Dissecantes: decorrentes da ruptura da camada inter-


na da artéria; o sangue está entre as outras camadas, com
A 1ª descrição de Aneurisma de Aorta Abdominal (AAA) consequentes abaulamento e dilatação arterial.
foi feita por Vesalius, no século XVI. Matas foi quem primei- O AAA afeta principalmente a população acima de 55
ramente realizou a endoaneurismorrafia, reparo definitivo anos e é de 2 a 6 vezes mais comum nos homens do que nas
de um aneurisma de aorta. Blakemore e Voorhees, 1954, mulheres. A incidência varia entre 2 e 5%, e é a 15ª causa
publicaram uma série de 17 casos de aneurismas corrigidos de morte geral nos EUA, e 10ª causa de morte em homens
utilizando uma prótese. Parodi, em 1991, foi o 1º a descre- acima de 55 anos. Em média, são mais de 8.500 mortes/
ver a correção intravascular do aneurisma de aorta abdo- ano, sendo subestimado, pois de 30 a 50% dos pacientes
minal. com AAAs rotos morrem antes de chegarem ao hospital e
Os aneurismas arteriais são dilatações localizadas e per- dos que chegam 30 a 40% morrem sem serem operados.
manentes de uma artéria com, pelo menos, 50% de aumen- Quando combinado com a taxa de mortalidade cirúrgica,
to do diâmetro, em comparação ao esperado para aquela atinge uma média de 80 a 90% de mortalidade.
artéria. A incidência vem aumentando, principalmente, pelo
A ectasia refere-se ao aumento do diâmetro arterial em crescimento do número de pacientes diagnosticados preco-
até 50% e difere da arteriomegalia, pois esta é um alarga- cemente e pelo aprimoramento dos métodos de imagem.
mento difuso, ou seja, não é focal e envolve vários segmen- A mortalidade da correção cirúrgica eletiva do AAA dimi-
tos da artéria. nuiu. O mesmo não ocorreu com os rotos, cuja mortalidade
O calibre normal da aorta pode ser avaliado por métodos permanece relativamente constante, apesar da melhora da
técnica e dos materiais nos últimos 20 anos.
diferentes, oferecendo resultados variados. Por arteriogra-
Aneurismas acontecem em toda a extensão da aorta,
fia, Malloney evidenciou, em 1995, um calibre de 18,7mm
desde a sua origem na sua parte ascendente. O tipo de
abaixo das artérias renais, enquanto da Silva encontrou, em
aneurisma de aorta mais comum é o degenerativo, locali-
1997, valores de 15,1 a 18,1mm em dissecção de cadáveres.
zado na porção infrarrenal da aorta abdominal; aneurismas
Na prática, pode-se definir aneurisma quando: torácicos isolados e toracoabdominais são menos frequen-
- Aorta abdominal: diâmetro transverso >3cm; tes. Os aneurismas das artérias ilíacas geralmente estão as-
- Ilíaca comum: diâmetro transverso >1,8cm. sociados aos de aorta, sendo os mais habituais de artéria
ilíaca comum, seguidos da artéria ilíaca interna.
Quanto à forma, os aneurismas apresentam-se como:
a) Saculares: desenvolvem-se quando há uma fraqueza
focal em uma porção da parede arterial resultando em dila- 2. Etiologia
tação assimétrica.
b) Fusiformes: com dilatação difusa para todas as dire-
A - Aneurismas degenerativos
ções de um segmento arterial, é o tipo mais comum e afeta O processo degenerativo é frequentemente atribuído à
todas as camadas da parede arterial. arteriosclerose, porém esta, como causa de AAA, falha na

172
A N E U R I S M A D E A O R TA A B D O M I N A L

tentativa de explicar algumas alterações na aorta presentes D - Aneurismas congênitos


nos pacientes. Recentemente, alguns estudos mostraram
São derivados de defeitos localizados na parede arterial
a relação de enzimas como a elastase na participação da
originados durante a embriogênese, podem aparecer em
degradação de fibras elásticas, que estariam presentes nos
qualquer época da vida e geralmente têm dimensões re-
doentes com AAA.
duzidas. Acometem ramos intracranianos e vasos viscerais,
O aumento da elastase acontece pela deficiência na pro-
como a artéria esplênica e as renais.
dução de fatores teciduais que inibem as metaloproteases,
grupo do qual a elastase faz parte, conforme a Figura 1:
3. Fatores de risco
- Tabagismo (principal fator de risco, aumenta com o nú-
↓Produção de ↑ Metaloproteinases mero de anos; 5 vezes maior do que na população não
fatores teciduais (elastase) tabagista);
- Sexo masculino;
Figura 1 - Influência dos fatores teciduais sobre a produção das
metaloproteinases
- Idade;
- História familiar de aneurisma;
Para alguns autores, esse aumento na produção da elas- - Doença coronariana;
tase é apenas uma resposta tecidual ao remodelamento do - Hipercolesterolemia;
vaso causado pela progressão das placas de ateroma. - DPOC.
Provavelmente, os AAAs são decorrentes da degenera-
ção arteriosclerótica, em indivíduos que, por constituição
4. Quadro clínico e diagnóstico

CIRURGIA VASCULAR
genética, carregam deficiência em inibir a elastase. Dessa
forma, a etiologia do AAA é multifatorial, e o termo aneu- Grande parte dos AAAs é assintomática, e em alguns
risma arteriosclerótico foi modificado para degenerativo ou casos o próprio paciente sente algo pulsátil no abdome e
não específico. procura o médico. Quando o paciente apresenta sintomas,
são inespecíficos decorrentes de compressão local ou ainda
B - Aneurismas inflamatórios de sua expansão. Os sintomas são raros e podem ser:
Apesar das diversas causas sugeridas, a etiologia destes
- Dor abdominal: geralmente incaracterística e modera-
da no epigástrio;
aneurismas permanece desconhecida. Há um envolvimen-
to de todas as camadas da parede aneurismática por uma
- Dor lombar (pode ser decorrente de erosão vertebral);
reação inflamatória intensa. Várias estruturas adjacentes - Dor localizada no aneurisma que se acentua com a pal-
podem estar parcial ou totalmente englobadas no proces- pação da aorta;
so. Na histopatologia, verifica-se infiltrado inflamatório que - Quadros de isquemia periférica;
compromete, principalmente, a camada adventícia. - Embolização (mais raramente);
Cerca de 4 a 10% dos AAAs apresentam essa camada - Sintomas de compressão (hidronefrose, TVP, náusea/
fibrosa. Acredita-se em um envolvimento de mecanismos vômito por compressão do duodeno);
autoimunes em sua gênese. O que se considera certo é que - Paralisia de MMII (isquemia medular);
a destruição da elastina leva à liberação de mediadores da - Náuseas, vômitos e empachamento pós-prandial.
resposta inflamatória, dentre eles a interleucina 1-b, envol-
vendo a parede aneurismática. Os aneurismas rotos podem se manifestar com dor ab-
dominal de início súbito, irradiada ou não para região lom-
C - Aneurismas micóticos ou infecciosos bar e massa abdominal pulsátil (pode ser difícil caracteri-
zar em pacientes obesos ou muito distendidos). A rotura,
Qualquer aneurisma associado diretamente a uma in- na maior parte das vezes, ocorre na parede posterior (80%
fecção, evidenciada por cultura positiva ou sinais da presen- dos casos) e pode por isso ser tamponada pelo retroperi-
ça de micro-organismos, pode ser denominado aneurisma tônio e estruturas adjacentes. A hipotensão pode variar
micótico ou infeccioso. de acordo com a perda sanguínea e o local da rotura. O
O aneurisma surge em função da destruição da camada quadro clínico clássico descrito se baseia na tríade presen-
média ou por contiguidade a processos infecciosos nos te- te em apenas 30% dos casos: dor abdominal ou lombar,
cidos vizinhos. hipotensão e massa abdominal pulsátil. Os pacientes com
Os mais frequentes são decorrentes da endocardite AAA roto devem ser encaminhados imediatamente para a
bacteriana e da septicemia por bacilos Gram negativos. sala cirúrgica.
Antigamente, a principal causa era a ação direta do Trepo- Embora a grande maioria dos AAAs clinicamente signifi-
nema pallidum sobre as fibras elásticas na camada média cativos possa ser palpável, a sensibilidade da técnica é vari-
da aorta torácica. ável e depende do tamanho do aneurisma, da obesidade do

173
CI RUR G I A V ASC U L A R

paciente e da procura ativa do examinador. Somente o exa- paciente. O dado mais importante para o risco de rotura
me físico pode diagnosticar cerca de 50% dos aneurismas atualmente é o diâmetro. Estudos mostram que o risco de
com diâmetro entre 4 e 4,9cm e até 75% dos aneurismas rotura em pacientes com AAAs menores do que 4,9cm é de
acima de 5cm. cerca de 1% ao ano, enquanto em aneurismas com diâme-
Ao exame físico, deve-se procurar um abaulamento ab- tro acima de 5cm o risco é cerca de 11% ao ano.
dominal pulsátil. O AAA muitas vezes pode ser falsamente Desta forma, os grandes centros indicam cirurgia ape-
suspeito em pacientes com aorta normal, mas tortuosa, nas para AAA com diâmetro máximo maior do que 5,5cm.
massa sobre a aorta com pulsatilidade por transmissão, e Outra indicação são aqueles com AAA entre 4 e 5cm que
pacientes com HAS e aumento da amplitude do pulso. tem um crescimento maior ou igual a 1cm por ano e que
Esses achados enfatizam a necessidade de um exame apresenta boas condições clínicas, ou ainda pacientes com
complementar diagnóstico. O exame mais indicado é a ul- aneurismas sintomáticos, caracterizados por isquemia de-
trassonografia, pois é de fácil execução e baixo custo, é sim- corrente de embolização, sintomas compressivos, corrosão
ples e muito apropriado para o diagnóstico. Desta forma, é de corpos vertebrais, entre outros.
o método mais utilizado para o rastreamento de AAA em O melhor tratamento para AAA menor que 4cm consiste
homens acima dos 50 anos. em observação clínica e seguimento com USG de controle
a cada 6 meses para acompanhar o diâmetro máximo e de-
terminar se há crescimento.
Homens >50 anos

USG abdome

Abdome Dilatação da aorta

Acompanhamento
3 a 5cm ≥5cm ou crescimento
≥0,5cm/ano

USG a cada 6
TC abdome
meses

Figura 2 - Rastreamento e seguimento dos AAAs

A tomografia computadorizada é o melhor exame para


análise anatômica do aneurisma, pois tem a capacidade de
avaliar de forma fidedigna sua real dimensão, bem como
sua relação com estruturas vizinhas. Além disso, com a to-
mografia computadorizada é possível avaliar relações entre
os óstios dos ramos da aorta e os limites do aneurisma, in-
formações importantes para a programação cirúrgica. Pode
ser realizada em pacientes no pré-operatório de cirurgias
eletivas ou ainda na urgência para pacientes estáveis he-
modinamicamente.
A ressonância nuclear magnética é realizada apenas nos
doentes com contraindicação à tomografia.

Figura 3 - AAA roto: hematoma retroperitoneal


5. História natural e indicação cirúrgica
Os AAAs tendem a crescer até se romperem. A velocida- 6. Tratamento cirúrgico
de de crescimento é progressiva e variável; quanto maior o
aneurisma, mais rapidamente ele cresce.
A escolha entre cirurgia e observação clínica para os
A - Avaliação pré-operatória
AAAs baseia-se principalmente em risco de rotura, risco Os pacientes com indicação de correção cirúrgica de-
cirúrgico, expectativa de vida ou ainda opção do próprio vem passar por uma avaliação clínica criteriosa, já que os

174
A N E U R I S M A D E A O R TA A B D O M I N A L

fatores de risco incluem comorbidades clínicas como DPOC,


doença coronariana, HAS, diabetes, hipercolesterolemia.
Os exames pré-operatórios devem incluir:
- Exame de sangue com perfil bioquímico;
- ECG e raio x de tórax;
- Avaliação cardíaca específica com ecocardiograma e/
ou cintilografia miocárdica, em pacientes com risco in-
termediário para eventos cardíacos durante e após o
procedimento cirúrgico (classificação de Detsky);
- Prova de função pulmonar (quando houver DPOC).
B - Cirurgia
a) Aberta
O tratamento consiste em substituir o segmento de aorta
doente por um tubo sintético de dácron, técnica denominada
endoaneurismorrafia. A técnica cirúrgica empregada visa subs- Figura 4 - Exemplos de correção aberta de aneurismas de aorta
tituir a parede doente do aneurisma, permitindo a anastomo-
se por dentro do saco aneurismático e evitando assim grandes b) Endovascular
dissecções e possíveis complicações decorrentes destas. Consiste no implante, através de acesso arterial, na

CIRURGIA VASCULAR
Permite ainda a ligadura das artérias lombares e o tratamen- maior parte das vezes femoral, de uma endoprótese que se
to da artéria mesentérica inferior, tanto ligando como reimplan-
fixa nas paredes das artérias proximais e distais ao aneuris-
tando quando necessário. Após a correção do aneurisma, o saco
ma, excluindo-o da circulação. Todo o procedimento é rea-
aneurismático é então suturado, isolando a prótese.
lizado por fluoroscopia, sem a necessidade de abordagem
O acesso cirúrgico pode ser feito tanto por laparotomia
cirúrgica direta do aneurisma.
mediana como por acesso extraperitoneal.
A eficácia do tratamento intravascular depende de uma
A mortalidade é de 5 a 15%, dependendo da seleção do
cadeia de eventos: fixação da endoprótese em uma artéria
doente e do centro em que é realizada. Como complicações
não dilatada proximal e distal ao aneurisma, exclusão da pa-
precoces, podem ocorrer:
rede do aneurisma da circulação arterial, redução da pres-
- Isquemia de membro: microembolização do trom- são no saco aneurismático, prevenção de rotura e dilatação.
bo e/ou placa durante a manipulação do aneurisma.
O sucesso técnico é evidenciado:
Pode, em última instância, evoluir com amputação;
- Isquemia intestinal: a mortalidade decorrente perma- - Nos pacientes em que a prótese ao término da cirur-
gia está localizada satisfatoriamente sem vazamentos
nece alta, cerca de 40 a 60%; vigilância e reconheci-
(endoleaks):
mento precoce são essenciais;
• Tipo I: quando há vazamento para dentro do saco
- Isquemia medular: complicação rara para cirurgias de aneurismático por falta de selamento proximal ou
aorta abdominal;
distal da prótese;
- Complicações clínicas: IAM, pneumonia, insuficiência • Tipo II : quando há vazamento por ramos arteriais
renal são as mais frequentes.
que enchem o saco aneurismático;
• Tipo III : quando há problemas na prótese, defeitos
na parede do dispositivo.
- Pela ausência de obstrução significativa (>30% de es-
tenose da luz).

Esse procedimento é indicado principalmente a pa-


cientes com alguma contraindicação para o procedimento
aberto, como idade avançada, cirurgias abdominais pré-
vias, doenças associadas (doença coronariana, DPOC, en-
tre outras).
Os estudos atuais mostram que os resultados com en-
dopróteses resultam em menos complicações, recuperação
mais rápida, internação mais breve em UTI e menor tem-
po de hospitalização. Esses procedimentos muitas vezes
necessitam de novas abordagens devido às complicações

175
CI RUR G I A V ASC U L A R

decorrentes das próprias endopróteses: migração, remode- aneurismas abdominais aortoilíacos. Os aneurismas dege-
lamento, fraturas, desgaste do material. As principais com- nerativos envolvem a artéria ilíaca comum (70 a 90%) ou
plicações são: ilíaca interna (10 a 30%) ou ambos juntos. Aneurismas iso-
- Clínicas: insuficiência renal e infarto agudo do mio- lados de artéria ilíaca externa são raros. Podem ser assinto-
cárdio; máticos ou ainda apresentar sintomas pélvicos compressi-
- Embolização distal; vos ou decorrentes de processo erosivo (obstrução uretral,
- Isquemia intestinal; hematúria, trombose de veia ilíaca, obstrução intestinal ou
- Relativas ao procedimento: mau posicionamento da déficit neurológico). O tratamento cirúrgico é indicado para
prótese (podem causar endoleaks, obstruções arte- os casos assintomáticos com diâmetro acima de 3cm tanto
pela técnica intravascular como pela aberta.
riais), dissecção pelo fio-guia, ruptura de vaso durante
a passagem da prótese, oclusão de ramo da prótese,
oclusão da artéria renal; 8. Aneurismas toracoabdominais
- Endotensão: pressurização do saco aneurismático mes- Os aneurismas toracoabdominais (ATAs) são pouco fre-
mo após a exclusão deste da circulação após a passa- quentes, devido à baixa prevalência (25 casos por 100.000
gem da endoprótese; habitantes) e à dificuldade de diagnóstico, mas vêm aumen-
- Conversão para laparotomia por dificuldade técnica. tando principalmente devido ao aumento da idade da po-
pulação.
Podem ser consideradas algumas contraindicações ao
O desenvolvimento é multifatorial e envolve uma inte-
procedimento:
ração complexa dos fatores genéticos, alterações celulares
- Insuficiência renal não dialítica (uso de contraste du- e fatores hemodinâmicos. Em cerca de 80% dos casos, há
rante o procedimento);
a degeneração da camada média, e 15 a 20% são decor-
- Tortuosidade importante das artérias ilíacas; rentes de dissecção da aorta secundárias a outras doenças
- Calibre pequeno das artérias femoral/ilíacas; de base, como doenças do tecido conectivo (síndrome de
- Trombo no colo proximal do aneurisma (dificulta o se- Marfan), doença arterial inflamatória (Takayasu ou de célu-
lamento e propicia migração da prótese); las gigantes) e a traumas.
- Colo proximal muito curto (não há espaço suficiente
entre as artérias renais e o início do aneurisma).

Figura 6 - (A) ATA tipo IV e (B) ATA

Os ATAs são geralmente fusiformes e assintomáticos,


Figura 5 - Correção intravascular de aneurisma de aorta
e o diagnóstico se faz durante a investigação para outras
Atualmente, outros modelos de próteses estão sendo doenças. Os principais sintomas, quando ocorrem, podem
confeccionados para a resolução de alguns problemas que ser:
seriam contraindicação para o implante destas próteses, - Dor vaga localizada no tórax, dorso, flanco e abdome;
como endopróteses fenestradas (aberturas para as artérias - Dor torácica por corrosões vertebrais, compressão de
renais) ou ainda ramificadas (para correção de aneurisma nervos intercostais, expansão do aneurisma;
de artéria ilíaca comum). - Dispneia e tosse por compressão da traqueia e dos
brônquios;
7. Aneurismas da artéria ilíaca - Disfagia por compressão esofágica;
Aneurismas de artéria ilíaca isolados sem o envolvimen- - Rouquidão por compressão do nervo laríngeo recor-
to da aorta abdominal constituem cerca de 0,6 a 2% dos rente;

176
A N E U R I S M A D E A O R TA A B D O M I N A L

- Hemoptise/hematêmese por ruptura para estruturas Os fatores que predispõem ao desenvolvimento da dis-
adjacentes; secção são:
- Sintomas neurológicos, como paraplegia e paraparesia. - Idade avançada;
- Hipertensão;
Ao exame físico em ATA com dilatação da aorta abdo- - Alterações estruturais da parede da aorta.
minal, pode-se palpar tumoração pulsátil sem limites níti-
dos junto ao bordo costal no epigástrio, caracterizando o A fisiopatologia caracteriza-se pela separação longitudi-
sinal de DeBakey. Para o diagnóstico, o exame de escolha nal da túnica média, iniciada por uma rotura ou laceração
é a angiotomografia de tórax e abdome (com reconstrução transversa da íntima e da vasa vasorum, que se alastra por
em 3D), para melhor avaliação da porção torácica e da tran- uma extensão variável da aorta; esta pode ocorrer tanto no
sição toracoabdominal da aorta. sentido proximal como no distal.
Os aneurismas de aorta toracoabdominal são classifica- A separação das camadas arteriais forma uma luz verdadei-
dos, de acordo com Crawford, em 4 grupos. ra e uma falsa luz, esta geralmente composta pelas camadas
dissecadas da parede da artéria. Com a progressão do sangue
Tabela 1 - Classificação de Crawford pelo falso lúmen, há um progressivo colabamento da luz ver-
I
Envolve a aorta torácica descendente desde a origem da dadeira. Assim, essa luz tende a ser menor do que a luz falsa.
artéria subclávia esquerda até a região das artérias viscerais. O maior problema da dissecção da aorta é a rotura da
Envolve a aorta torácica a partir da artéria subclávia esquer- falsa luz, com extravasamento do sangue para fora da aorta
II
da até a bifurcação da aorta abdominal.
e morte.
Compromete a aorta torácica descendente distal e porções
São várias as causas para a dissecção da aorta:
III variáveis da aorta abdominal; acomete entre a 6ª costela e
as artérias renais. - Arteriosclerose;

CIRURGIA VASCULAR
Acomete toda a aorta abdominal, inicia-se abaixo do diafrag- - Síndrome de Marfan;
IV
ma e se estende até as artérias renais. - Gestação;
Essa classificação engloba o tipo IV na classificação dos
- Coarctação da aorta;
ATAs (apesar de este não envolver a aorta torácica) porque - Sífilis;
seu tratamento cirúrgico é feito pela mesma via: toracofre- - Trauma.
nolaparotomia. A doença pode ser dividida em aguda, quando o diag-
A indicação cirúrgica tem, como critério, o diâmetro máxi- nóstico é feito em menos de 14 dias, e crônica, acima desse
mo acima de 6cm ou crescimento maior que 0,6cm por ano. período. Podem-se classificar as dissecções com base no lo-
A técnica cirúrgica é a via aberta, com toracofreno- cal do início e na extensão.
laparotomia e correção do aneurisma em toda a sua exten- - Stanford
são. Nos grupos de I a III, deve ser feito o reimplante das
• Tipo A: atinge a aorta ascendente, independente de
artérias intercostais, visando diminuir o risco de paraplegia
sua extensão;
pós-operatória.
• Tipo B: não atinge a aorta ascendente. Geralmente se
A cirurgia intravascular está restrita, ainda, aos aneuris-
inicia após a emergência da artéria subclávia esquerda.
mas apenas torácicos, ou quando associadas a procedimen-
tos abertos de revascularização das artérias viscerais (cirurgia - DeBakey
combinada) para os tipos III e IV. As complicações são seme- • Tipo 1: atinge a aorta ascendente e descendente;
lhantes às do AAA, incluindo paraplegia, complicações pulmo- • Tipo 2: atinge apenas a aorta ascendente;
nares, insuficiência cardíaca (clampeamento) e hemorragia. • Tipo 3: atinge apenas a aorta descendente.

9. Dissecção da aorta
A dissecção da aorta é a catástrofe mais comum afetan-
do a aorta. A 1ª descrição dessa dissecção e seu conceito de
luz verdadeira e falsa foram feitos por Shelton em meados
de 1800. Estima-se que, nos EUA, ocorram por ano cerca de
3.000 casos.
A dissecção da aorta é uma doença letal. Estudos indicam
que os pacientes que não são tratados morrem nos primei-
ros 3 meses do diagnóstico e poucos sobrevivem à fase crô-
nica, devido à degeneração aneurismática e à rotura.
Mesmo com a melhora nas opções terapêuticas, tanto
medicamentosa como cirúrgica, a mortalidade mantém-se
significativa. Figura 7 - Classificações de Stanford e DeBakey para dissecção de aorta

177
CI RUR G I A V ASC U L A R

O quadro clínico agudo caracteriza-se pela dor súbita, tipo a) Tratamento na fase aguda
“rasgando”, de grande intensidade, principalmente no início, Consiste em redução da pressão arterial sistêmica – be-
com tendência migratória (trajeto). Pode estar associada a: ta-bloqueadores seletivos de ação rápida associados a va-
- Síncope; sodilatadores (nitroprussiato de sódio) – e analgesia.
- ICC aguda, tamponamento cardíaco, infarto agudo do Se a dissecção for do tipo A, o tratamento definitivo será
miocárdio e insuficiência aórtica;
cirúrgico, com substituição da aorta ascendente por próte-
- Hipertensão pulmonar; se necessitando de circulação extracorpórea e parada cir-
- Manifestações neurológicas como AVC, oclusão de 1
ou mais artérias intercostais, neuropatia periférica, pa- culatória total.
raparesia ou paraplegia; Caso a dissecção seja do tipo B, só será cirúrgico caso
- Insuficiência arterial aguda; haja dilatação >6cm, rotura da falsa luz, oclusão de ramos
- Dor abdominal, hemorragia digestiva e irritação peri- aórticos ou dor intratável. Do contrário, o tratamento é clí-
toneal decorrentes de isquemia; nico, com a manutenção das medidas iniciais.
- Derrame pleural, hemotórax, fístulas aortodigestivas. O tratamento cirúrgico da dissecção do tipo B consiste
na substituição restrita da aorta após a emergência da ar-
O diagnóstico é feito por meio da história associada a téria subclávia por uma prótese, já que a extensão distal
exames de imagem. O ECG é importante para descartar IAM da correção pode causar isquemia medular e morte, desta
e arritmias. forma deve ser realizado apenas em condições especiais.
A radiografia de tórax demonstra em geral alargamento
Os procedimentos endovasculares são indicados para
de mediastino, podendo apresentar derrame pleural nos
dissecções do tipo B quando o objetivo é a cobertura do
casos de rotura da falsa luz.
O ecocardiograma tem alta acurácia, especialmente o local do início da dissecção, entrada, para expansão da falsa
transesofágico, para detecção de dissecções acometendo luz com restauração do fluxo das artérias viscerais, oclusão
aorta ascendente, crossa e aorta descendente proximal. da luz falsa com posterior trombose da mesma. Assim, de-
A TC e a RNM são excelentes para a identificação do flap vem ocorrer a remodelação da aorta e, consequentemente,
intimal e a extensão da dissecção, sendo de escolha para a prevenção da degeneração aneurismática futura.
confirmar a suspeição diagnóstica. b) Tratamento na fase crônica
A aortografia permite a avaliação do ponto do flap e de
ambas as luzes da dissecção e, atualmente, tem sido utiliza- Restringe-se aos casos de dissecção do tipo B quando a
da para a realização do tratamento. aorta se dilata. A indicação cirúrgica é a mesma dos aneu-
Como principais complicações agudas, têm-se: rismas da aorta, tanto torácica quanto abdominal. Pode ser
- Dissecção retrógrada e tamponamento cardíaco; feito de maneira convencional ou endovascular.
- Rotura do arco aórtico;
- Compressão do hematoma dissecante sobre as arté-
rias pulmonares;
- Lesão de órgão-alvo: causada pela isquemia, devido
à compressão e/ou à ausência do fluxo sanguíneo: is-
quemia renal, medular, membros, visceral etc.
A principal complicação crônica é a dilatação da aorta
dissecada.

Figura 9 - Dissecção aguda da aorta torácica

10. Aneurismas periféricos


Os aneurismas de membros inferiores são os mais co-
muns após os aneurismas de aorta abdominal infrarrenal.
Os aneurismas podem ser assintomáticos ou sintomáti-
cos. Os primeiros podem ser detectados através do exame
Figura 8 - Aortografia abdominal físico, no qual se palpa um abaulamento pulsátil, ou de exa-

178
A N E U R I S M A D E A O R TA A B D O M I N A L

me de imagem. Os sintomas principais são dor local, neu- sência de pulsos distais aumentam o risco de complicações
ralgia e edema por compressão nervosa e venosa, sintomas decorrentes do aneurisma, portanto são indicações para a
secundários de isquemia devido à embolização distal ou correção.
trombose do aneurisma. Rotura é rara. A técnica aberta por acesso medial é a mais utilizada
com a ligadura proximal e distal, e utilização de enxerto ve-
Aneurisma da artéria poplítea
noso para restabelecer o fluxo sanguíneo.
Entre os aneurismas periféricos, o da artéria poplítea Aproximadamente 30% dos pacientes com aneurisma
corresponde a 70% do total. São frequentemente bilaterais, da artéria poplítea têm sintomas isquêmicos como quadro
e comumente há outros associados. Quando bilaterais, a clínico inicial. Quando estudados por angiografia, 25 a 45
incidência de aneurisma de aorta é cerca de 60%. Quase ex- deles têm comprometimento do leito distal diminuindo as
clusivamente doença de homens, de 95 a 100% dos casos. chances de revascularização. Nesses casos, a trombólise
A principal etiologia é degenerativa. pode ser feita através de um cateter localizado na artéria
O diagnóstico pode ser um achado de exame como com injeção local de trombolítico, aumentando as chances
massa pulsátil assintomática na região posterior do joelho de uma revascularização.
ou causar sintomas de isquemia tanto por trombose distal As técnicas intravasculares são de exceção pela locali-
como por embolização. Uma minoria pode ter sintomas zação da artéria (local de dobra) e dos melhores resultados
compressivos como edema do membro, trombose venosa com as revascularizações abertas.
profunda ou ainda dor na perna. Na suspeita de aneuris-
ma de poplítea, deve ser feita a confirmação com ultrassom 11. Aneurismas viscerais
Doppler. Outros métodos utilizados são a angiorressonân-
cia e a angiotomografia. A vantagem desta é a avaliação Os aneurismas viscerais são relativamente raros, e a

CIRURGIA VASCULAR
da anatomia do leito distal, facilitando o planejamento complicação mais frequente é a rotura. Dos aneurismas vis-
pré-operatório. A arteriografia pode ser utilizada tanto na cerais, os mais comuns são os de artéria esplênica (60%),
avaliação do leito distal como nos casos de trombólise de seguidos pelos de artéria hepática (20%) e artéria mesenté-
pacientes com aneurisma trombosado. rica superior (5,5%).
O diagnóstico diferencial se faz com cisto de Baker, lipo-
mas e tumores benignos da região poplítea. - Aneurisma da artéria esplênica
A prevalência é baixa na população em geral (0,1 a 10%),
sendo mais frequente em mulheres (4:1) (média de idade de
52 anos), tende a ser sacular e a maioria se localiza no terço
médio ou distal da artéria esplênica ou ainda nos pontos de
bifurcação. Os fatores de risco mais comuns são: sexo femi-
nino, história de múltiplas gestações e hipertensão portal.
A principal complicação é a rotura que pode ocorrer em até
10% dos casos. E o quadro clínico pode ser de dor abdomi-
nal no flanco esquerdo ou sintomas compressivos, e quan-
do rotos podem evoluir com choque, distensão abdominal
e morte. A indicação cirúrgica de urgência se faz para os
casos de rotura ou sintomáticos. Para os assintomáticos, o
critério não é absoluto, mas geralmente é para aneurismas
acima de 2cm de diâmetro. O tratamento cirúrgico pode ser
tanto por técnica intravascular ou ainda cirúrgica aberta.

Figura 10 - Angiotomografia de aneurisma da artéria poplítea: (A)


reconstrução 3D e (B) corte transversal

A indicação cirúrgica deve ser feita pesando risco cirúr-


gico versus observação clínica. Em aneurismas pequenos
assintomáticos, o índice de salvamento de membros é de
cerca de 95%, com mortalidade perioperatória de 1 a 2%. Já
nos sintomáticos, com isquemia crítica, a mortalidade au-
menta em 3 a 4 vezes.
Desta forma, pacientes com aneurismas assintomáticos
podem ser operados quando o diâmetro é maior ou igual
a 2cm. Trombo intramural, tortuosidade importante e au-

179
CI RUR G I A V ASC U L A R

CAPÍTULO

5
Insuficiência venosa crônica
Luciana Ragazzo / Fernando Esteves

1. Introdução
A insuficiência venosa dos membros inferiores constitui
uma das doenças mais comuns, atingindo 1 em cada 5 mu-
lheres, e 1 em cada 15 homens, e, além da deformidade
estética, pode ser incapacitante, com complicações e se-
quelas graves.

Figura 2 - Microvarizes

As microvarizes são pequenas veias de trajeto tortuoso


ou retilíneo, com cerca de 1mm de largura, que não cau-
sam saliência na pele. Sua deformidade estética é causada
pela coloração azulada ou esverdeada, porém não constitui
doença nem leva a outras complicações. Muitas vezes são
veias normais, visíveis pela transparência da pele.
As telangiectasias são pequenos vasos, muito finos,
que podem aparecer isoladamente ou ser confluentes.
Consistem em pequenos capilares que não produzem da-
Figura 1 - Varizes
nos à saúde nem sintomas importantes.
Define-se como veia varicosa aquela que apresenta al- A incompetência das válvulas do sistema venoso pro-
terações permanentes de calibre e de comprimento (tortu- fundo e comunicante e o refluxo resultante causam a hi-
osidade). São salientes e visíveis, com alterações definitivas pertensão venosa. As principais causas da Hipertensão
e não reversíveis de suas propriedades funcionais e anatô- Venosa Crônica (HVC) são as varizes dos MMII e as seque-
micas, causando deformações estéticas e podendo levar a las de trombose venosa profunda. A estase venosa crônica
sintomas que variam de desconforto a úlceras da perna. acomete indivíduos de diferentes faixas etárias e pode de-

180
INSUFICIÊNCIA VENOSA CRÔNICA

terminar complicações estéticas e funcionais que evoluem - Gestações repetidas.


lentamente ao longo dos anos. As úlceras podem cicatrizar
e recidivar com certa frequência, e as sequelas cutâneas e Nas varizes primárias, a estase venosa crônica estabe-
funcionais, mesmo com a cura do processo, podem ser de- lece-se por dilatação, tortuosidade e insuficiência valvular
finitivas. das veias superficiais e de perfurantes comunicantes. A
As úlceras caracterizam uma das complicações impor- insuficiência valvular primária é constitucional e aumenta
tantes e características da doença, representando 73% das com a idade.
úlceras em MMII.
B - Secundárias
Decorrem de alterações do sistema profundo levando
à sobrecarga do sistema superficial e formação de varizes,
podendo ser:
- Congênitas: raras, ocorrem secundariamente a apla-
sias ou hipoplasias do sistema venoso profundo;
- Pós-trombóticas: ocorrem como sequela de episódios
de trombose venosa profunda. A síndrome pós-trom-
bótica consiste na HVC que se instala no membros de
um paciente com TVP prévia, ocorrendo tanto pela
oclusão das veias profundas acometidas em uma fase
inicial, como pelo refluxo venoso que pode se estabe-
lecer nessas veias após a recanalização e a consequen-

CIRURGIA VASCULAR
te perda valvular das mesmas;
- Pós-traumáticas: representadas pelas fístulas arterio-
venosas que determinam hipertrofia do sistema veno-
so por sobrecarga de pressão do sistema arterial.

3. Quadro clínico
Figura 3 - Telangiectasias Na maior parte dos casos, as varizes dos MMII apre-
sentam pouca ou nenhuma sintomatologia. Além das de-
formidades estéticas, alguns pacientes podem apresentar
2. Fisiopatologia e história natural sensação de peso ou desconforto dos MMII, que piora com
a postura ereta ou sentada e diminui com os pés elevados
As varizes dos MMII podem ser classificadas em primá- ou ao deambular.
rias e secundárias. Alguns pacientes apresentam edema principalmente
vespertino e perimaleolar predominantemente. Podem
A - Primárias ocorrer, também, prurido e cãibras.
São varizes nas quais não se demonstram relações cau- Com a progressão da Insuficiência Venosa Crônica (IVC) e
sais com outros processos mórbidos, como a TVP ou a FAV a instalação de HVC, ocorre eczema varicoso, mais frequen-
adquirida. Raramente, há insuficiência valvular associada, temente no terço distal da face medial da perna. O eczema é
como alterações morfológicas da veia e perda da capacida- uma lesão pré-ulcerada decorrente da hipertensão nas vênu-
de de sustentação da sua parede. Geralmente, apresentam las e do extravasamento de hemácias para o interstício.
fatores predisponentes e desencadeantes. Os predisponen- Com a degeneração dessas hemácias, há a deposição de
tes: hemossiderina, que precipita e agrava a reação inflamató-
- Hereditariedade; ria e exsudativa. Neste ponto, exacerba-se a melanogênese,
- Sexo feminino; evoluindo com a coloração acastanhada da pele. Qualquer
- Obesidade; trauma superficial ou até mesmo o ato de coçar para aliviar
- Outros defeitos de tecido de sustentação e da parede o prurido pode ser fator da instalação da úlcera varicosa.
venosa (hérnia e hemorroidas, respectivamente). A úlcera de estase venosa crônica inicia-se de forma es-
pontânea ou traumática, com tamanho e profundidade va-
Os desencadeantes são os imediatamente responsáveis riáveis; são frequentes curas e recidivas. Quando o membro
pelo aparecimento da doença, provocando sobrecarga no está pendente, observa-se a exsudação da ferida.
sistema venoso: A claudicação venosa é um sintoma raro e caracteriza-
- Períodos longos na posição sentada ou em pé; -se pela dor acentuada durante o exercício físico, indicando
- Obesidade; obstrução do sistema venoso.

181
CI RUR G I A V ASC U L A R

4. Classificação haverá indicação de insuficiência valvular da veia safe-


na interna proximal;
A classificação proposta para a IVC é a classificação
CEAP, responsável por dividir os diferentes quadros clínicos
- Compressão do óstio da veia safena externa: feita da
mesma forma que a anterior, só que no cavo poplíteo;
de acordo com clínica, etiologia, anatomia e patofisiologia:
- Determinação das veias perfurantes comunicantes da
a) Clínica perna: por meio da palpação de defeitos faciais, princi-
- C0: assintomática; palmente, na face medial da perna;
- C1: telangiectasias e veias reticulares; - Percussão venosa: com o paciente em pé, palpa-se o
- C2: varizes sem edema; trajeto venoso, enquanto, com a outra mão, realiza-se
- C3: varizes com edema; a percussão sobre ela, com o objetivo de determinar
- C4: alterações de pele (lipodermatoesclerose, atrofia refluxo neste segmento.
branca, dermatite ocre); d) Ultrassonografia
- C5: úlcera varicosa cicatrizada; Duplex-scan: permite o diagnóstico anatômico e topo-
- C6: úlcera varicosa ativa. gráfico de determinado vaso. Além do mapeamento, por
b) Etiologia meio de manobras, podem-se avaliar ainda a função das
válvulas e seu funcionamento, indicando os locais de reflu-
- Congênita; xo e de obstrução.
- Primária;
- Secundária. e) Flebografia
Exame invasivo considerado padrão-ouro no estudo da
c) Anatomia
HVC. É feito em 2 etapas: ascendente e descendente. A 1ª
- Sistema venoso superficial; mostra aspectos morfológicos, como paredes, válvulas e
- Sistema venoso profundo; luz, e a 2ª, aspectos funcionais, particularmente os refluxos
- Veias perfurocomunicantes. venosos.
d) Patofisiologia f) Tomografia computadorizada
- Obstrução; Atualmente, com este exame se pode obter, com inje-
- Refluxo; ção de contraste, uma boa visualização do sistema venoso.
- Obstrução e refluxo. É preciso técnica apropriada para o tempo do contraste,
permitindo assim não só análise do sistema venoso, como
também possíveis causas de compressão.
5. Diagnóstico
g) Pressão venosa ambulatória
a) História clínica característica Nesta técnica, insere-se uma agulha na veia do pé, co-
A história caracteriza-se, como dito, em dor nos mem- nectando-a a um transdutor de pressão. Esta é medida em
bros inferiores, em peso, vespertina, e pode estar acompa- repouso e após o exercício, diferenciando ainda as pres-
nhada de prurido e câimbras, dermatoesclerose e dermati- sões do sistema venoso superficial e profundo. Padrão-
te ocre, além das úlceras venosas. ouro para a monitorização hemodinâmica da insuficiência
venosa.
b) Exame físico
O exame físico é realizado inicialmente com o pacien- h) Ultrassonografia intravascular
te na posição ortostática. A inspeção e a palpação revelam A técnica utiliza um cateter com um probe para visuali-
os trajetos venosos dilatados e tortuosos, e demonstram zar a anatomia venosa e achar possíveis locais de obstrução.
o grau de alteração da pele provocado pela estase venosa
crônica, hipercromia, presença do eczema e úlcera. Muito 6. Complicações
importante é a palpação dos pulsos, pois podem mudar o
planejamento cirúrgico. a) Flebite superficial
c) Manobras Devido à estase venosa, há maior tendência à forma-
- Compressão do óstio da veia safena interna: com o ção de coágulos no sistema venoso superficial. Palpa-se o
membro elevado a 45°, comprime-se o óstio da veia cordão varicoso endurecido. O paciente apresenta dor, ver-
safena interna ao nível da prega inguinal com o pole- melhidão e inchaço no trajeto das varizes. Tem chance de
gar, colocando-se, em seguida, o paciente em posição embolia se acomete a veia safena interna (principalmente
ereta. Nesse momento, retira-se o polegar. Se houver quando localizada acima do joelho próxima à junção safe-
enchimento retrógrado do sistema venoso superficial, nofemoral).

182
INSUFICIÊNCIA VENOSA CRÔNICA

b) Eczema varicoso b) Escleroterapia


Presença de hemoglobina livre no tecido celular subcu- A finalidade é eliminar as pequenas microvarizes e te-
tâneo, que causa processo inflamatório crônico e exsudati- langiectasias por meio de injeção de substância que provo-
vo. O paciente apresenta queixa de prurido local. ca uma irritabilidade na superfície interna da veia. As subs-
tâncias utilizadas são:
c) Erisipela de repetição - Glicose hipertônica a 75%: principalmente em telan-
O paciente apresenta edema crônico propiciando in- giectasias, pode ser resfriada com nitrogênio líquido;
fecção de repetição de pele. É principalmente causado por - Etamolinato de sódio: pouco utilizado;
Streptococcus e por Staphylococcus e pode ser ascendente - Polidocanol: seu uso na forma de espuma tem sido
ou ainda evoluir com lesões bolhosas. Em alguns casos mais amplamente divulgado. Pode ser usado tanto em
graves é necessária a internação para antibioticoterapia in- veias reticulares como em varizes e, em alguns casos,
travenosa ou até debridamentos. Pacientes com úlcera es- na veia safena interna. É a principal indicação como
tão mais propensos a estas infecções. forma alternativa ao fechamento de úlceras venosas
em idosos. Pode causar manchas definitivas na pele.
d) Úlcera varicosa Se utilizado em veias maiores ou ainda na veia safena
Estas úlceras caracterizam-se por acometerem o terço interna, é recomendada a monitorização do procedi-
distal da perna, próximo ao maléolo medial. São indolores mento com ultrassonografia.
e podem evoluir com processos infecciosos secundários, c) Laser
apresentando-se como celulite periúlcera. As bordas são
Tem demonstrado eficácia clínica, principalmente quan-
elevadas, e o fundo, granuloso, coberto ou não de fibrina do associado à escleroterapia.
e secreção purulenta. Quando o membro está pendente,

CIRURGIA VASCULAR
observa-se a exsudação da ferida. d) Cirúrgico
- Retirada de microvarizes: podem ser feitas com anes-
tesia local e microincisões escalonadas;
- Retirada de colaterais: erradicação das veias por inci-
sões escalonadas, de pequeno tamanho;
- Safenectomia: retirada da veia safena interna ou ex-
terna, quando há sintomatologia importante e insufi-
ciência comprovada por exame de imagem. Está con-
traindicada a casos de TVP;
- Valvuloplastia: indicadas na insuficiência do sistema
venoso profundo, quando há safenectomia e a erra-
dicação das colaterais não foi suficiente para controle
Figura 4 - Úlcera varicosa dos sintomas. São mais utilizadas na IVC primária;
- Intravascular: utilizado principalmente para o trata-
Pode acontecer por 2 principais motivos: solução de con- mento das doenças venosas obstrutivas das veias ilía-
tinuidade da pele ou predisposição causada pelo edema. cas decorrentes de compressão extrínseca.
e) Hemorragia e) Conservador
Fragilidade de veias subdérmicas, com erosão da parede. Meias elásticas são práticas e eficientes, pois oferecem
compressão gradual, de valor segmentar constante, com
Tabela 1 - Complicações da IVC redução no sentido proximal. Diminuem a capacitância do
- Flebite superficial; sistema venoso superficial e profundo e corrigem alguns re-
fluxos e distúrbios de pressões tissulares.
- Eczema varicoso; O tratamento das úlceras se baseia em curativos locais
- Úlcera varicosa; e no controle da infecção que, uma vez presente, deve ser
- Erisipela de repetição; tratada com antibioticoterapia oral. A “bota de Unna” é um
- Hemorragia. curativo fechado que, além de atuar sobre a lesão, reduz a
estase venosa crônica.

7. Tratamento Tabela 2 - Tratamento da IVC


- Sintomático;
a) Sintomático
- Escleroterapia;
Atividades físicas e medicamentos vasoativos auxiliam - Laser;
no controle da sintomatologia. Esses medicamentos não
- Cirúrgico;
devem substituir o tratamento de compressão elástica nem
- Conservador.
os hábitos de vida que amenizem a estase venosa.

183
CI RUR G I A V ASC U L A R

CAPÍTULO

6
Trombose venosa profunda
Luciana Ragazzo / Fernando Esteves

1. Introdução - Hipercoagulabilidade;
A Trombose Venosa Profunda (TVP) ocorre com frequ- - Estase venosa.
ência, mas, pelo fato de muitas vezes apresentar sintoma- Na presença de lesão endotelial, há a exposição do su-
tologia escassa, nem sempre é reconhecida na sua fase bendotélio que determina aderência de plaquetas e glóbu-
aguda. A mais temível de suas complicações, o tromboem- los brancos sobre este e consequente ativação de mecanis-
bolismo pulmonar (TEP), é uma das causas mais comuns mos de coagulação. Ocorre liberação de ADP e tromboxano
de morte evitável em ambiente hospitalar, sendo também A2 pelas plaquetas, que determina a adesão de mais pla-
uma importante fonte de morbidade para as vítimas não quetas. Também há a liberação de fatores tissulares que,
fatais. Da mesma forma, a síndrome pós-trombótica e o por sua vez, ativam o fator VII, este, ativando fatores IX e X
importante quadro de insuficiência venosa crônica gerada que, na presença dos cofatores VIII e V, levam à formação
por ela também implicam grande morbidade e impacto na da trombina. A formação de trombina contribui para a ade-
qualidade de vida dos pacientes com TVP prévia. A TVP e o rência de novas plaquetas e a formação da fibrina que dará
TEP acometem hospitalizados no período pós-operatório, consistência ao trombo. Esse mecanismo de coagulação
gestantes, portadores de doenças inflamatórias ou dege- ocorre na presença de lesões endoteliais, devido à agressão
nerativas e, em algumas situações, até mesmo indivídu- direta, e provavelmente é o mecanismo mais importante na
os previamente saudáveis, sendo uma entidade com que gênese das tromboses após acessos centrais, cirurgias orto-
quase todas as especialidades clínicas ou cirúrgicas depa- pédicas, pélvicas, ginecológicas e urológicas.
ram no dia a dia.
A hipercoagulabilidade está relacionada a aspectos me-
Dá-se o nome de tromboflebite superficial à formação
tabólicos, fisiológicos ou patológicos (gestacional, puerpé-
de trombo no interior de veias do sistema venoso super-
rio, uso de anticoncepcional, reposição hormonal, neopla-
ficial, evento que apresenta manejo distinto em relação à
sias e septicemia), quando há aumento dos níveis sanguí-
TVP propriamente dita.
neos dos fatores de coagulação e diminuição dos níveis de
A incidência de TVP recorrente, fatal e não fatal, foi esti-
anticoagulantes naturais, inibidores da ativação dos meca-
mada em cerca de 900 mil casos por ano nos EUA. Ocorrem
nismos de coagulação.
cerca de 122 casos a cada 100 mil habitantes por ano, com
discreta predominância do sexo masculino. A maior parte A maioria dos trombos origina-se em áreas de fluxo san-
é secundária, ou seja, associada a outras doenças clínicas, guíneo baixo, como as veias soleares ou atrás das cúspides
pós-operatório, trauma ou pós-parto. valvares. Em condições de diminuição do fluxo sanguíneo
no interior das veias, o turbilhonamento de sangue nos
seios valvares leva à formação de redemoinhos com acúmu-
2. Fisiopatologia lo local de células sanguíneas, progressivamente estabiliza-
Os fatores desencadeantes da TVP, descritos há cerca de das naquele local com a formação de fibrina e, consequen-
1 século por Virchow, são: temente, de trombina. Esse processo leva à agregação de
- Lesão endotelial; mais fibrina com aderência do núcleo do trombo à parede

184
TROMBOSE VENOSA PROFUNDA

da veia e crescimento do mesmo, com obstrução venosa - Obesidade;


e formação de trombo secundário. Algumas situações, por - Anticoncepção oral;
hipo ou imobilidade do paciente, bem como por doença
- Doença inflamatória intestinal;
própria do sistema venoso, favorecem estase sanguínea e
predispõem ao TVP, o que é observado em imobilizações e - Policitemia vera;
paralisias, anestesia geral, obesidade, insuficiência cardíaca - Isquemia arterial;
e insuficiência venosa de MMII. - Vasculites.

A cirurgia constitui um espectro de risco influenciado


3. Fatores de risco pela idade do paciente, associação a outros fatores de risco
A Tabela 1 mostra todos os possíveis fatores de risco já coexistentes, tipo do procedimento, extensão do trauma ci-
descritos como relacionados à ocorrência de TVP. rúrgico, localização do procedimento, duração e localização
- Idade: tromboembolismo ocorre em todas as idades, da imobilização no pós-operatório. Podemos dividir em 3
mas tem sido mais associado a idades mais avançadas; categorias de risco:
- Imobilização: estases nas veias soleares e nas cúspides - Baixo: idade <40 anos, sem outros fatores de risco, ci-
das válvulas estão aumentadas na falta de atividade da rurgia torácica ou abdominal não complicada;
musculatura da panturrilha; - Médio: idade >40 anos, cirurgia torácica ou abdominal
- Viagens prolongadas: a síndrome da classe econômica >30 minutos;
acontece quando o paciente permanece muito tempo na - Alto: história recente de tromboembolismo venoso,
mesma posição, como ocorre nos longos voos de avião; procedimento abdominal ou pélvico por neoplasia,
- História de trombose: de 23 a 26% dos pacientes têm procedimentos ortopédicos maiores de MMII.

CIRURGIA VASCULAR
história prévia de trombose, e geralmente o trombo
agudo está associado à fibrose remanescente do trom- 4. Quadro clínico
bo prévio;
Os sintomas clínicos desenvolvem-se quando é ocluída
- Malignidade: 20% de todos os primeiros eventos fração suficiente do fluxo venoso, geralmente cerca de 24 a
trombóticos estão relacionados a ela;
36 horas após o momento em que o coágulo começa a se
- Cirurgia: alta incidência de trombose no pós-operató- formar.
rio (imobilidade, desidratação, idade); Os sintomas mais comuns são dor (86,7%), edema
- Trombofilias: mais comum é a mutação do fator V de (86,7%), empastamento muscular (86,7%), dilatação de
Leiden, mas também pode haver associação à muta- veias superficiais (48,6%) e cianose (17,5%). Em uma boa
ção do gene da protrombina, proteínas C e S e anti- parcela dos casos, os sintomas são frustros e a doença pode
trombina. até passar despercebida.
A gravidade e a extensão dos sintomas variam de acordo
Tabela 1 - Fatores de risco para TVP com a veia profunda acometida, sendo mais grave o quadro
- Idade; clínico quanto mais proximal à localização da trombose.
- Trombofilias;
- Cirurgia recente;
- Traumas;
- Gravidez e puerpério;
- Imobilidade cirúrgica;
- TVP ou embolia pulmonar prévias;
- Síndrome nefrótica;
- Reposição hormonal;
- ICC;
- AVC;
- Infecção;
- Punção central;
- Anestesia geral;
- Gravidade da doença de base;
- Síndrome do anticorpo antifosfolípide;
- Quimioterapia;
- Varizes; Figura 1 - TVP (edema unilateral)

185
CI RUR G I A V ASC U L A R

5. Complicações 6. Diagnóstico diferencial


A - Embolia pulmonar A - Celulite ou erisipela
A complicação mais grave da TVP é a Embolia Pulmonar Constituem processos infecciosos da pele e do tecido
(EP), que acontece em 20 a 50% em pacientes com TVP celular subcutâneo. Apresentam edema, dor e sinais infec-
proximal de MMII tratada de forma inadequada. A TVP de ciosos sistêmicos (febre, leucocitose, queda do estado ge-
MMSS também pode ser responsável por embolia pulmo- ral), podendo evoluir com linfedema secundário.
nar, que ocorre em cerca de 7 a 17% dos casos tratados ina-
dequadamente. Cerca de 25% dos casos de EP sintomática B - Rotura muscular
têm a morte súbita como 1ª apresentação clínica, e 11%
evoluem com óbito na 1ª hora após o início dos sintomas. A rotura de grupos musculares da panturrilha acontece
após esforço súbito, conhecido como síndrome da pedrada
B - Síndrome pós-trombótica (ou síndrome de Martorell), surgindo aumento de volume
A síndrome pós-trombótica, apesar de menos grave que de panturrilha e tensão à palpação.
a EP, é uma complicação tardia da TVP responsável por um
grau elevado de morbidade e impacto na qualidade de vida. C - Rotura de cisto de Baker
Constitui-se em um quadro de insuficiência venosa crônica Trata-se de um cisto sinovial localizado na parte poste-
grave com manifestações clínicas de dor, edema, hiperpig- rior do joelho. Pode mimetizar a TVP, por compressão da
mentação e aparecimento de úlceras secundárias à hiper- veia poplítea e diminuição do retorno venoso.
tensão venosa determinada pela insuficiência valvular e
pela persistência de pontos de obstrução no sistema veno- D - Miosite
so. Cerca de 29 a 79% dos pacientes com TVP evoluem com
Compreende o processo inflamatório das células mus-
síndrome pós-trombótica.
culares, ocasionando inflamação, edema e necrose muscu-
C - Flegmasias lar (rabdomiólise).
- Alba dolens: é a trombose do segmento ilíaco-femoral E - Outras
que cursa com vasoespasmo arterial reacional deter-
minando quadro clínico de dor, edema, palidez e até Vasculite cutânea e linfedema também devem ser consi-
diminuição de pulsos distais; derados no diagnóstico diferencial das TVPs.
- Cerúlea dolens: é a trombose do segmento ilíaco-femoral
que apresenta acometimento concomitante de sistema 7. Métodos diagnósticos
venoso superficial e profundo, prejudicando quase total-
mente o retorno venoso. O quadro clínico determinado
por essa condição cursa com edema intenso e muito do-
A - USG duplex-scan
loroso, associado à cianose, frialdade e formação de áre- Trata-se de um exame não invasivo, com boa resolução;
as de epidermólise contendo líquido sero-hemorrágico, a doença se manifesta como imagem hipoecogênica e não
situação habitualmente denominada gangrena venoso. colabável à compressão. É o exame de imagem mais utiliza-
do, em função de sua fácil execução.

B - Flebografia
Exame invasivo que depende da infusão de contraste
para o estudo da morfologia dos troncos venosos. É mais
utilizado na fase de sequelas, para estabelecer a presença
ou não de recanalização e de lesões valvares, e ainda consi-
derado o padrão-ouro.

C - Pletismografia
Mostra alteração de volume, decorrente da obstrução
venosa.

D - TC ou RNM
Pouco empregada nos dias atuais, traz benefício para ava-
Figura 2 - Gangrena venosa na flegmasia cerúlea dolens liação do acometimento da veia cava e suas tributárias e da EP.

186
TROMBOSE VENOSA PROFUNDA

E - D-dímero b) Anticoagulantes orais


Teste laboratorial com boa sensibilidade e baixa espe- São derivados cumarínicos ou da varfarina e interferem
cificidade, em que é feita a dosagem desse produto da de- na produção dos fatores vitamina K-dependentes, agindo
gradação da fibrina pela plasmina. A formação do D-dímero como antagonistas competitivos da vitamina K e na produ-
ocorre 1 hora após a formação do trombo e permanece ção dos fatores II, VII, IX e X. Os dicumarínicos agem sobre
detectável, em média, por 7 dias. Se for positivo, o pacien- os fatores sintetizados no fígado, e não sobre aqueles já cir-
te deverá seguir na investigação com outro exame comple- culantes. Devem ser iniciados juntamente com a heparina,
mentar. Se negativo, exclui TVP. mas seu efeito anticoagulante demora 3 a 5 dias para se es-
tabelecer. Deve ser mantido o INR entre 2 e 3 para o efeito
anticoagulante.
8. Tratamento
- Complicações:
A - Medidas gerais • Hemorragia: é a mais frequente, cerca de 20 a 30%
exteriorizada como hematúria microscópica ou san-
O objetivo do tratamento da TVP é: gue oculto nas fezes. Para reversão, devem ser ad-
- Prevenir a progressão do trombo; ministrados plasma fresco congelado e vitamina K;
- Prevenir a ocorrência de TEP; • Necrose hemorrágica de pele e de tecido celular
- Aliviar a estase venosa. subcutâneo: principalmente em mulheres (acúmu-
lo de gordura);
São adotadas medidas como Trendelenburg, analgési-
cos e anti-inflamatórios (pouco utilizados, pois a heparina • Reação alérgica: síndrome dos dedos roxos.

CIRURGIA VASCULAR
tem potente efeito anti-inflamatório). • Anticoagulantes orais: não devem ser utilizados du-
Com a amenização da dor e do edema, a deambulação rante o 1º trimestre da gestação, pois atravessam
pode ser iniciada com o uso de meia elástica, o que estimu- a placenta e causam malformações fetais, sendo
la o retorno venoso e melhora ainda mais o edema. proscritos também no 3º trimestre, por causarem
sangramento importante, e na amamentação.
B - Anticoagulantes
Atualmente, os agentes antitrombóticos têm uma sé-
a) Heparinas rie de limitações, como via de administração (intravenosa
ou subcutânea), risco de trombocitopenia, necessidade de
Pequenas concentrações de heparina podem inibir os
monitorização, entre outras. Desta forma, vêm surgindo no
estágios iniciais da coagulação, mas grandes concentrações
mercado alguns outros agentes trombóticos:
são necessárias para inibir a ação pró-coagulante da trom-
bina. Sua administração deve ser precoce tanto da forma - Inibidor de fator Xa:
não fracionada (venosa contínua ou subcutânea) como • Indiretos: fondaparinux – inibem seletivamente o
fracionada (subcutânea), devendo ser mantida até o pa- fator Xa através da mudança da conformação da
ciente apresentar anticoagulação adequada com droga por molécula de antitrombina;
via oral. A dose é controlada pelo TTPA, e os valores do RT • Diretos: rivaroxibana – inibem de forma seletiva e
devem ficar entre 1,5 e 2,5. As heparinas de baixo peso mo-
reversível o fator Xa.
lecular podem ser utilizadas de forma ampla e semelhante
à de outras heparinas. As de baixo peso podem ser contro-
- Inibidor direto da trombina:
ladas pela medida do fator X ativado, mas apresentam rela- • Dabigatrana: inibidor direto da trombina via oral,
ção dose-efeito muito confiável. rapidamente absorvido, e não precisa de exames
A anticoagulação pode ser feita com: para controle.
- Heparina não fracionada:
• Dose de ataque: 80UI/ kg de peso; C - Drogas fibrinolíticas
• Dose de manutenção: 18UI/kg peso/h. Atualmente, os fibrinolíticos têm sido a opção de es-
- Heparina de baixo peso molecular: colha para o tratamento de TVP proximal (MMSS e MMII)
• Enoxaparina: 1mg/kg em 2 doses a cada 12 horas; com melhores resultados em longo prazo para os sintomas
• 1,5mg/kg dose única diária. decorrentes da incompetência venosa residual e possíveis
sequelas da síndrome pós-trombótica. O uso de trombolíti-
- Complicações: co, nessa situação, é realizado com o emprego de cateteres
• Hemorragia; intratrombo com infusão locorregional da droga, sendo a
• Trombocitopenia (plaquetopenia e fenômenos trom- estreptoquinase e a rTPA as mais empregadas.
bóticos graves e recorrentes); A principal complicação é hemorrágica, e a reação alér-
• Osteoporose e fraturas (uso crônico >3 meses). gica é bastante comum.

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CI RUR G I A V ASC U L A R

D - Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico consiste na retirada do trombo
na fase aguda e é mais indicado para TVP do segmento
ilíaco-femoral nos pacientes com contraindicação à terapia
fibrinolítica. Além disso, tem altos índices de recidiva, o que
faz a indicação restringir-se aos casos de flegmasia cerúlea
dolens, em que a estase venosa é pronunciada e compro-
mete a viabilidade do membro e sua recuperação funcional.
O tratamento da tromboflebite aguda de veia safena
interna abaixo do joelho deve ser feito com o uso de anti-
-inflamatórios, analgésicos e repouso. Quando for acima
do joelho ou apresentar uma flebite ascendente, deverão
ser feitas a anticoagulação e a pesquisa de fatores predis-
ponentes para trombofilia. A ligadura da crossa da safena
é uma alternativa geralmente utilizada aos casos nos quais
a anticoagulação é contraindicada ou, ainda, aos trombos
que não chegaram até a veia femoral (pelo alto risco de em-
bolia durante o procedimento).

E - Filtro de cava
As indicações absolutas ao uso do filtro de cava são:
contraindicação ao uso de anticoagulação, TEP na vigência
de anticoagulação adequada, trombo ileofemoral flutuante
à flebografia e imediatamente após embolectomia pulmo-
nar. São indicações relativas: embolia séptica e baixa reser-
va pulmonar (pacientes que não toleram nenhum tipo de
perda funcional por TEP).

9. Recorrência e sequelas
A incidência cumulativa de TVP aumenta com o passar
dos anos e pode chegar a 30% ao final de 8 anos. A recor-
rência está relacionada à presença de neoplasias ou a es-
tados trombogênicos. Diminui nos pacientes com fator de
risco temporário, como TVP pós-procedimento cirúrgico,
imobilização por fraturas, reposição hormonal ou trauma.

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