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A glória

da Sua
graça
The Glory of His Grace
© 2006 Assembly Testimony
49 Glenburn Rd, Dunmurry,
Belfast, BT17 9AN, N Ireland

Primeira Edição Brasileira — Feveriro 2011


Primeira Edição Digital — Janeiro de 2013

Tradução: S. R. Davidson J. Watterson


Correção e Revisão Final: M. Janeta Watterson

Nenhum dos editores, autores, revisores, ou


colaboradores envolvido na preparação das
publicações da eSd recebe qualquer tipo de
pagamento ou gratificação. Todo o dinheiro re-
cebido com a venda das publicações é usado na
propagação do Evangelho através da literatura.

Publicado no Brasil com a devida autorização,


e com todos os direitos reservados, por:

Editora Sã Doutrina
Caixa Postal 241
Pirassununga-SP
13630-000
Abreviações:
AT ����������� Almeida Revista e Revisada fiel ao
texto original. Versão da Bíblia em
Português da Sociedade Bíblica
Trinitariana.
ARC ������� Almeida Revista e Corrigida. Versão
da Bíblia em Português da Socieda-
de Bíblica do Brasil.
ARA ������� Almeida Revista e Atualizada. Versão
da Bíblia em Português da Socieda-
de Bíblica do Brasil.
VB ���������� Versão Brasileira.
AV ���������� Authorized Version. Versão da Bíblia
em Inglês.
JND ������� Versão da Bíblia em Inglês de J. N.
Darby.
H. e C. �� Hinos e Cânticos.
N. do E. Nota do Editor
Índice
Prefácio à edição em Inglês...................... 5
Introdução................................................... 9
Prefácio à edição em Português............ 13
Cap. 1 — Pecado........................................ 15
Cap. 2 — Arrependimento....................... 79
Cap. 3 — Salvação...................................140
Cap. 4 — Justificação............................. 193
Cap. 5 — Substituição............................233
Cap. 6 — Propiciação .............................266
Cap. 7 — Redenção................................. 313
Cap. 8 — Reconciliação.......................... 367
Cap. 9 — Regeneração........................... 404
Cap. 10 — Santificação...........................468
Cap. 11 — Consagração.........................515
Cap. 12 — O pecado imperdoável........566
Cap. 13 — O castigo eterno...................595
Prefácio à edição
em Inglês
Este livro originou-se quando surgiu
no coração do editor da revista Assembly
Testimony* o desejo de colocar ensino
sadio e bíblico nas mãos especialmente
de jovens salvos. Quando isso foi compar-
tilhado com os demais responsáveis pela
revista, esta aspiração foi logo apoiada por
eles, de todo coração.

Reconhecemos que muitos jovens


irmãos têm muitas obrigações finan-

* Uma revista gratuita publicada por irmãos que


se reúnem ao nome do Senhor Jesus Cristo na
Irlanda do Norte. Maiores informações: www.
assemblytestimony.org
A glória da Sua graça 6

ceiras, e que para alguns é difícil ter o


dinheiro para comprar bons livros não-
-denominacionais, mas é justamente
neste período, quando são jovens e estão
se desenvolvendo espiritualmente e suas
mentes estão mais abertas, que precisam
destes ensinos. A ideia proposta foi que
Assembly Testimony produziria este pri-
meiro livro e o distribuiria gratuitamente
àqueles que o pedissem. Em conformida-
de com os princípios da revista decidimos
não cobrar nada, mas confiar no Senhor
para suprir as necessidades desta publi-
cação. Se o Senhor quiser que este seja
o primeiro de uma série de livros, então
Ele suprirá o necessário para que mais
volumes sejam publicados, futuramente.

Os irmãos convidados para contribuir


A glória da Sua graça 7

artigos concordaram prontamente, e o


fato que todos serem expositores bíblicos
bem conhecidos aumenta o valor deste
volume. Sem dúvida, eles serão recom-
pensados pelo Senhor por sua diligência,
mas cada um deles merece também o
nosso agradecimento pela sua participa-
ção cordial neste projeto.

Devemos notar que, pela natureza


desta publicação, inevitavelmente have-
rá alguma repetição nos vários escritos.
Também, visto que os irmãos trabalharam
independentemente e sem contato uns
com os outros, não devemos esperar con-
cordância total em tudo que foi escrito.

Apreciamos a maneira meticulosa e


completa com que nosso irmão Roy Rey-
A glória da Sua graça 8

nolds executou o trabalho editorial deste


livro. Também, a nossa irmã Joanna Cur-
rie merece nosso agradecimento por ter
cooperado na revisão e correção do livro.

Este livro vem acompanhado das


nossas orações para que seja para a glória
de Deus e a edificação do Seu povo.

Brian Currie,
Irlanda do Norte,
Fevereiro de 2006.
Introdução
O alegre e glorioso Evangelho, pro-
clamando tão grande salvação, a remissão
dos pecados e o perdão imerecido de um
Deus contra quem transgredimos, enche
o coração de todos que já conhecem a
redenção da escravidão do pecado. Esta
mensagem abençoada, cuja propagação
foi confiada a homens e não a anjos, re-
vela o coração de “Deus nosso Salvador,
que quer que todos os homens se salvem,
e venham ao conhecimento da verdade”
(I Tm 2:3-4). O Seu amor inefável, Sua
justiça inescrutável, Sua graça infinita e
Seu poder ilimitado são revelados nesta
A glória da Sua graça 10

mensagem. A sua importância é enfati-


zada pelas últimas palavras de Cristo na
Sua comissão aos Seus discípulos antes
de subir à glória: “Ide por todo o mundo,
pregai o evangelho a toda criatura” (Mc
16:15).

Assim, é a nossa incumbência pregar


o Evangelho, “a verdade”, num mundo
tenebroso que está sendo cada vez mais
enganado por uma multiplicidade de
seitas falsas e propaganda satânica. Que
o Senhor nos dê mais fervor evangélico,
para que no final desta época singular da
graça, possamos ter o gozo de ver nossos
entes queridos e nossos vizinhos gozando
da bênção sublime de ter os seus pecados
perdoados.
A glória da Sua graça 11

É importante que as doutrinas asso-


ciadas com o Evangelho sejam preserva-
das intactas, como reveladas na Palavra
de Deus; não deve haver qualquer dis-
torção, desvio ou diluição que resultaria
na pregação de “outro evangelho, o qual
não é outro …” (Gl 1:6-7). Estas doutrinas
são sagradas para nós, são “fatos que
entre nós se cumpriram”* (Lc 1:1), e são
gozadas, experimentalmente, por todos
os que amam “… o evangelho de Deus …
acerca de seu Filho … Jesus Cristo nosso
Senhor” (Rm 1:1-4).

Os contribuintes deste proveitoso


livro são irmãos bem conhecidos entre

* No inglês da AV, a tradução é mais sugestiva: “…


as coisas cridas com plena convicção entre nós
…”. (N. do E.).
A glória da Sua graça 12

as igrejas locais, e muitos deles estão


ocupados na frequente proclamação
desta mensagem sublime. Nenhum deles
diria que sua obra é uma consideração
completa do assunto tratado, mas a nossa
oração é que, por este meio, os irmãos
mais novos na fé possam chegar a co-
nhecer melhor as preciosas doutrinas do
Evangelho, e que nosso amor por estes
maravilhosos temas possa nos inspirar a
adorar melhor Aquele em cujo coração
de amor estas verdades estavam desde a
eternidade passada, e amar melhor Aque-
le que, pela Sua morte expiatória, permitiu
que Deus seja “justo, e justificador daque-
le que tem fé em Jesus” (Rm 3:26).

Roy Reynolds, Irlanda do Norte.


Prefácio à edição
em Português
Devido à ótima aceitação deste livro
entre os cristãos que se reúnem ao nome
do Senhor Jesus Cristo no Reino Unido,
os responsáveis pela revista Assembly
Testimony tiveram o desejo de ver este
livro (e os demais desta série) traduzido
para o Português. Diversos irmãos e irmãs
voluntariamente ofereceram seu tempo
e talentos para tornar este desejo uma
realidade. Agradecemos a Deus pela
oportunidade que Ele nos deu, através
dos Seus servos na Irlanda do Norte e no
Brasil, de oferecer este livro gratuitamente
A glória da Sua graça 14

aos nossos irmãos e irmãs no Brasil, Por-


tugal e Angola.

Nossa oração é que o estudo das


verdades aqui apresentadas sirva para edi-
ficar os salvos, ajudando-nos a conhecer
melhor a glória da graça do nosso Sal-
vador, e a grandeza dos Seus propósitos
para conosco. Na permissão do Senhor
queremos também publicar os demais
livros desta série, que tratam da glória do
Pai, do Filho, do Espírito Santo e da igreja
local. Escreva-nos se você tem interesse
em receber estes livros.

Louvado seja Deus pela glória da


Sua graça.

Pirassununga, Janeiro de 2011.


Cap. 1 — Pecado
James Patterson Jnr., Escócia.

Introdução
Basicamente, o conceito bíblico de
pecado é um relacionamento incorreto
com Deus, por causa de uma ofensa
contra Ele. Qualquer coisa, seja um pen-
samento, uma palavra ou uma ação, que
interrompa o relacionamento do homem
com Deus, é pecado. Este relacionamento
interrompido pode ser o resultado de
transgressão voluntária, ou uma falta de
apreciação de Deus, deixando de acei-
A glória da Sua graça 16

tar a Sua salvação. Isso é enfatizado no


significado básico da palavra pecado:
carecer, perder o alvo, como é traduzida
mais ou menos 200 vezes. O pecado é
qualquer coisa que interrompe o nosso
relacionamento com Deus, por causa do
nosso fracasso em atingir o padrão divi-
no. O pecado é também descrito como
o desvio do homem dos caminhos de
Deus. “Todos nós andávamos desgarra-
dos como ovelhas; cada um se desviava
pelo seu caminho …” (Is 53:6). O caminho
correto é aquele que tem Deus como seu
centro e que conduz a Ele. O homem, no
seu estado natural como pecador, não
consegue permanecer neste caminho e
se desvia para os seus próprios caminhos,
e por isso sofre as consequências. “Há um
A glória da Sua graça 17

caminho que parece direito ao homem,


mas o seu fim são os caminhos da morte”
(Pv 16:25). Nós podemos ver em Lúcifer,
e também na tentação de Eva, que há a
tentativa de competir com Deus. Lúcifer
queria um lugar para si mesmo (Is 14:13).
Eva foi tentada com a oferta de ter um
conhecimento igual ao de Deus: “E sereis
como Deus, sabendo o bem e o mal”
(Gn 3:5).

A essência do pecado é vista na Pala-


vra de Deus como a mente, o coração e a
vontade do homem, todos, colocados em
rebelião ativa contra Deus. Jeremias 17:9
afirma: “Enganoso é o coração, mais do
que todas as coisas, e perverso”, mostran-
do a profunda e corruptível concentração
do pecado. O Senhor Jesus disse: “Porque
A glória da Sua graça 18

do coração procedem os maus pensa-


mentos, mortes, adultérios, prostituição,
furtos, falsos testemunhos e blasfêmias”
(Mt 15:19).

Nas Escrituras, isto é evidenciado no


homem como:

• Andando contrariamente para com


Deus (Lv 26:21);
• Rejeitando o Senhor (Nm 11:20);
• Negando a existência de Deus (Sl
14:1);
• Rebelando contra Deus (Is 1:2);
• Contendendo com seu Criador (Is
45:9);
• Levantando-se como inimigo de
Deus (Mq 2:8);
• Resistindo a Deus (At 7:51);
A glória da Sua graça 19

• Aborrecendo a Deus (Rm 1:30);


• Blasfemando contra Deus (Tg 2:7).

O dr. C. Ryrie, citado por Lehman


Strauss em The Doctrine of Sin, fornece
uma lista bem útil de palavras gregas e
hebraicas que descrevem o pecado.
“No hebraico do Velho Testamen-
to há pelo menos 8 palavras básicas
usadas: ra, mau (Gn 38:7); rasha, in-
justo (Êx 2:13); chata, pecar (Êx 20:20);
avon, iniquidade (I Sm 3:13); pasha,
transgressão (I Rs 8:50); taah, extraviar
(Ez 48:11); shagag, desencaminhar (Is
28:7); asham, culpado (Os 4:15).
No grego do Novo Testamento há
13 palavras básicas usadas para des-
crever o pecado. Elas são: enochos,
culpa (Mt 5:21); poneros, mau (Mt
5:45); agnoein , ser ignorante (Rm
1:13); asebes, impiedade (Rm 1:18);
parabates, ofensa (Rm 5:14); hamartia,
A glória da Sua graça 20

destituídos (Rm 3:23); kakos, obras


más (Rm 13:3); planan, pecar (I Co
6:18); adikia , injustiça (I Co 6:9);
paraptomai, ofensa (Gl 6:1); anomos,
impiedade (I Tm 1:9); hypocrites, hi-
pocrisia (I Tm 4:2).”
O pecado no homem evolui e
desenvolve, contaminando a vida,
destruindo o corpo, fazendo o incré-
dulo perecer, até que “o pecado, sendo
consumado, gera a morte” (Tg 1:15).

Como foi que esta terrível epidemia


se manifestou e criou uma condição de
separação entre o homem e seu Criador?
Não foi o homem criado na inocência?
Embora o pecado fizesse a sua entrada
dramática no mundo “por um só homem”
(Rm 5:12), onde foi a sua terrível presença
primeiramente manifestada?
A glória da Sua graça 21

A entrada do pecado

A expressão do pecado no
Universo — “Eu”
Se pudéssemos voltar no tempo e
olhar para dentro do Céu e ver as hostes
de Deus, os seres angelicais, um anjo se
destacaria de todos os outros. De acordo
com Ezequiel 28, Lúcifer (como é cha-
mado* somente em Isaías 14) é o mais
elevado dos seres criados por Deus. Este
capítulo é uma das poucas passagens

* O autor se refere a Is 14:12, onde Satanás é


chamado “Lúcifer” nas versões em inglês. Em por-
tuguês, os tradutores preferiram dar o significado
do nome: “estrela da manhã” (N. do E.).
A glória da Sua graça 22

que nos falam da origem do Diabo e do


mal, retratado na ilustração do rei de Tiro.
Que quadro de perfeição e beleza: “toda
a pedra preciosa era a tua cobertura” (Ez
28:13). A resplendente pompa desta cria-
tura deve ter sido uma evidência majes-
tosa do poder criador de Deus. Seu nome
significa “estrela brilhante”, e ele é descrito
como a “estrela da manhã [Lúcifer], filha
da alva!” (Is 14:12). Não era somente uma
pompa visível, mas também audível! Eze-
quiel escreve sobre a perfeição dos seus
tambores e pífaros; de fato parece pelo
que vemos nesta descrição, que Lúcifer
era não somente músico, mas a música
personificada! Ele era o querubim ungido
para cobrir (proteger) o trono de Deus,
perfeito em seus caminhos desde o dia
A glória da Sua graça 23

em que foi criado (Ez 28:14-15). Quanta


glória, posição, poder e presença — no
entanto, o Senhor Jesus descreve um
acontecimento que Ele testemunhou
quando o pecado surgiu. “Eu via Satanás,
como raio, cair do céu” (Lc 10:18). Outra
tradução diz: “vi Satanás caído” (indicando
algo já passado); entretanto, isto pode
ter uma aplicação profética ao dia de
Apocalipse 12:9. O que foi que causou
este ato irrevogável? Ezequiel 28:15-16
registra a mudança: “até que se achou
iniquidade em ti … e pecaste”. Qual foi
o pecado desta criatura mais elevada do
que qualquer outra?

Em Isaías 14:13-14 lemos as cinco


A glória da Sua graça 24

vezes* que Lúcifer disse “eu”. Ele colocou


a sua vontade acima da vontade de Deus.
“Eu subirei ao céu; acima das estrelas de
Deus [eu] exaltarei o meu trono; no mon-
te da congregação [eu] me assentarei.
[Eu] Subirei sobre as alturas das nuvens,
[eu] serei semelhante ao Altíssimo”. Esta
evidência sugere que Lúcifer tinha livre
arbítrio — ele podia escolher. Ele desejou
ser como Deus. Como o homem mais tar-
de faria, ele desviou-se pelo seu caminho
(Is 53:6). O grande pecado de Lúcifer foi o
orgulho. Ele obstinadamente foi contra a
vontade de Deus. Ele foi criado como um
anjo de luz: ele era o “filho da alva”, mas

* A maioria destas ocorrências estão implícitas na


versão em português, sendo inseridas no texto a
seguir (N. do E.).
A glória da Sua graça 25

as trevas do pecado permearam a esfera


do Céu, e ele caiu. Ele se elevou tanto que
seu verdadeiro desejo foi, não somente
ser como Deus, mas realmente ser Deus.
Ao colocar a sua vontade acima e além
da vontade de Deus, ele desejou colocar-
-se no lugar de Deus, e por esta razão se
colocou sob o juízo de Deus. Além do
pecado de orgulho, podemos acrescen-
tar os pecados de cobiça (agarrando-se
àquilo que não era seu) e mentira (reivin-
dicando ser o que não era). Para aquele
que procura subir acima do seu estado
permitido, Deus só tem um juízo: “levado
serás ao inferno, ao mais profundo do
abismo” (Is 14:15). Aquele cujo desejo era
habitar nas alturas das nuvens (aos lados
do norte), habitará no mais profundo do
A glória da Sua graça 26

abismo. Aquele que era “a estrela, a filha


da alva” antes da criação do homem, será
o grande dragão, a antiga serpente, Sata-
nás (o adversário de tudo que é de Deus),
o Diabo (o acusador, o enganador de todo
o mundo — Ap 12:9). Lançado fora, mas
ainda retendo o título de “Príncipe das
potestades do ar” (Ef 2:2). Lançado fora
da presença de Deus. Lançado abaixo
para “rodear a terra, e passear por ela” (Jó
1:7), para ser amarrado por mil anos (Ap
20:2), solto por um pouco de tempo, mas
finalmente lançado dentro do lago de
fogo para ser atormentado para sempre
(Ap 20:10). “O príncipe deste mundo está
julgado” (Jo 16:11). A sua destruição é o
resultado daquele desejo desenfreado,
que se desenvolveu e se transformou na
A glória da Sua graça 27

sua ambição resoluta: “Eu serei”.

Em Ezequiel 28 parece que há uma


resposta de Deus para a vontade própria
de Lúcifer. Seis vezes Deus relata a Sua
vontade em juízo contra Satanás, deixan-
do-o, finalmente, em cinzas sobre a terra.

• “[Eu] Trarei sobre ti estrangeiros, os


mais terríveis dentre as nações, os
quais desembainharão as suas espa-
das contra a formosura da tua sabe-
doria, e mancharão o teu esplendor”
(Ez 28:7).
• “[Eu] te lançarei, profanado, do mon-
te de Deus”(v. 16, ARA).
• “[Eu] te farei perecer, ó querubim
cobridor”(v. 16, ARA).
• “por terra [Eu] te lancei” (v. 17).
A glória da Sua graça 28

• “diante dos reis [Eu] te pus” (v. 17).


• “[Eu] te tornei cinzas sobre a terra”
(v. 18).

Junto com o poderoso Lúcifer havia,


obviamente, um grupo de seres angelicais
que seguiram o seu exemplo ou se en-
volveram no pecado, o que fez com que
Deus agisse. “Deus não perdoou aos anjos
que pecaram, mas, havendo-os lançado
no inferno, os entregou às cadeias da es-
curidão, ficando reservados para o juízo”
(II Pe 2:4). Judas acrescenta: “E aos anjos
que não guardaram o seu principado, mas
deixaram a sua própria habitação, reser-
vou na escuridão e em prisões eternas até
ao juízo daquele grande dia” (v. 6).
A glória da Sua graça 29

A entrada do pecado no
mundo — “por um homem”
As atividades de Satanás, como ele
mesmo as descreve em Jó 1:7 são quase
como as de alguém que faz a ronda da
Terra. O uso da expressão “em” ao invés de
“sobre” a Terra* é interessante, sugerindo
o envolvimento de Satanás nos assuntos
dos homens. É na Terra, no jardim, que
ele é mencionado pela primeira vez nas
Escrituras.

Novamente, a cena é maravilhosa;


perfeição, agora na Terra. Seis dias de

* O autor se refere à versão em inglês da AV, que


diz que Satanás andava “in the earth”, e não “on
the earth”. Nas versões em Português isto não se
aplica (N. do E.).
A glória da Sua graça 30

criação resultaram numa profusão de vida


vegetal, numa abundância de animais
do campo, o potencial da raça humana
no homem e na mulher, a aprovação de
Deus de tudo, e Seu dia de descanso. A
perfeição seria estragada, o descanso des-
pedaçado, a terra amaldiçoada, o homem
arruinado, o relacionamento destruído,
a morte transmitida a todos. Por que tal
mudança catastrófica numa condição
perfeita? A resposta é encontrada nova-
mente naquele que foi lançado fora, que
apareceu no Jardim de Éden, e que na sua
sutileza começou uma obra de tentação
que derrubaria e arruinaria o homem, por
causa do seu pecado de desobediência
(Rm 5:12, 19). O pecado surge na Terra na
A glória da Sua graça 31

forma ostentadora de serpente.*

Vale a pena observar que a queda


do homem refuta as teorias de evolução
propostas pelos homens. Por exemplo,
o Darwinismo teoriza que o homem
começou de uma forma inferior e foi
evoluindo (de forma ascendente), mas
as Escrituras mostram, em Gênesis 1-3,
que o homem começou em perfeição,
direto da mão do Criador, e que ele caiu
(de forma descendente). Estes primeiros
capítulos da história do homem também
mostram que não é o ambiente social do
homem que causa o seu desvio, mas sim

* Em inglês, o autor escreve: “hydra-headed dis-


play”, fazendo uma referência à Hidra de Lerna,
a mitológica serpente de muitas cabeças que se
tornou símbolo de algo difícil de ser esmagado ou
derrotado (N. do E.).
A glória da Sua graça 32

é o seu pecado que causa a decadência


no seu ambiente social. A narrativa bí-
blica é a única explicação possível para
a condição da raça humana. Nenhuma
outra explicação poderia ser apresentada
para a universalidade do pecado quando,
independentemente de cultura, educação
e orientação, lembramos, diariamente,
que “não há quem faça o bem” (Sl 14:3).
“Pois não há homem que não peque” (I Rs
8:46). “Não há homem justo sobre a terra,
que faça o bem, e nunca peque” (Ec 7:20).
“Todos se extraviaram, e juntamente se
fizeram inúteis. Não há quem faça o bem,
não há nem um só” (Rm 3:12).

Esta entrada do pecado no mundo


está ligada diretamente a Satanás. Ele
aproximou-se da mulher, desmentiu a
A glória da Sua graça 33

palavra de Deus, diluiu o mandamento de


Deus e, em efeito, duvidou da autoridade
de Deus. Embora a palavra pecado não
seja mencionada no relato de Gênesis
3, o fato do pecado certamente é, como
vemos em Romanos 5:12. O resultado
é um processo que aparece através de
todas as eras, desde o ato inicial de Eva.

Ela viu “que aquela árvore era boa


para se comer” (Gn 3:6). É interessante
notar que foi somente depois da sua
conversa com Satanás que “ela viu”. Pare-
ce que a sutileza e o engano de Satanás
despertaram algo na sua mente inocente,
fazendo-a questionar o que ela já sabia,
e fazendo germinar a semente da dúvida.
Será que a sugestão da mesma ambição
de Satanás foi implantada na mente da
A glória da Sua graça 34

mulher quando ela ouviu as palavras “e


sereis como Deus” (v. 5)? Não havia nada
inerentemente vil na árvore ou no fruto,
mas Deus havia dito: “dela não comerás”
(2:17). Embora ela conhecesse a Palavra
de Deus e poderia tê-la repetido a Sata-
nás, houve uma alteração daquilo que ela
ouviu diretamente de Deus junto com seu
marido, ou que foi repassado a ela depois
pelo seu marido. Vemos isso nas cinco
alterações da palavra de Deus registrada
em Gênesis 2:

i) Ela alterou a capacidade da provisão


ao omitir “toda” (3:2).

ii) Ela reduziu a condição da provisão


ao omitir “livremente” (3:2).

iii) Ela deslocou o centro do jardim — a


A glória da Sua graça 35

árvore da Vida é que estava no centro


(2:9).

iv) Ela acrescentou à comunicação ao


incluir “nem nele tocareis” (3:3).

v) Ela diluiu a condenação ao omitir a


palavra de Deus “certamente morre-
rás” (2:17).

Mesmo sabendo o que Deus ha-


via dito, ela não estava preparada para
prender-se a isso, e seu olhar fomentou
um desejo — “árvore desejável” (3:6). O
seu desejo transformou-se em ação —
“tomou … e comeu, e deu também a seu
marido [primeira menção de marido na
Bíblia], e ele comeu com ela. Então foram
abertos os olhos de ambos, e conheceram
…” (3:6-7). Embora fosse a mulher quem
A glória da Sua graça 36

foi tentada, Adão voluntariamente com-


partilha com ela do fruto proibido. Há
uma estranha qualidade passiva no seu
comportamento no v. 6 e também no v.
12. O pecado da cobiça é manifestado, e
ele sempre começa com um olhar, segui-
do por um desejo, depois apropriação, e
finalmente a morte. Este princípio é visto
em todas as Escrituras relacionadas com
a cobiça. Para achar exemplos, o leitor
deve considerar Ló, Acã e Davi.

Adão comeu o fruto em desobediên-


cia total à instrução de Deus, e como
resultado começou a morrer. Quão trági-
co! Este é aquele que recebera o próprio
sopro de Deus quando era um objeto
inanimado, e “foi feito alma vivente” (Gn
2:7). Agora, entretanto, com a entrada do
A glória da Sua graça 37

pecado no homem, e consequentemente


no mundo através da descendência de
Adão, rompeu-se aquele relacionamento
e iniciou-se o processo da morte. Adão se
tornou o possuidor de uma natureza caí-
da. Não somente ele se tornou um peca-
dor, mas cada um dos seus descendentes
herdou a mesma natureza. Romanos 5:12
é claro: “por um homem entrou o pecado
no mundo, e pelo pecado a morte, assim
também a morte passou a todos os ho-
mens por isso que todos pecaram”.

Porém, alguns podem perguntar:


“Como poderia existir pecado quando a
lei ainda não fora dada?” No sentido exato
da palavra, não poderia haver pecado
individual até que houvesse uma lei para
ser quebrada, mesmo embora possamos
A glória da Sua graça 38

ver evidências de consciência em Adão,


e ele soube que seus atos tiveram con-
sequências. Antes da instituição da lei, a
morte obviamente prevaleceu, e isto é a
prova e a consequência da presença do
pecado. Assim, o pecado de Adão, como
homem, trouxe a morte sobre toda a
humanidade, “porque … todos morrem
em Adão …” (I Co 15:22). O pecado que
então prevaleceu, com efeitos tão grandes
e desastrosos, foi o de Adão.

Portanto, entendemos que, como diz


Romanos 5:12: “por isso que todos peca-
ram”, não é realmente o ato do pecador
individual, mas a implicação de todos no
pecado de Adão. Paulo afirma em Ro-
manos 5:15-19 que a universalidade do
pecado e da morte é devido ao pecado de
A glória da Sua graça 39

um só homem. Como o representante da


raça, o agente causador nele foi distribuí-
do a todos que o seguiram: “assim tam-
bém a morte passou a todos os homens
por isso que todos pecaram” (em Adão).
Vemos a confirmação disso pelo fato que
crianças pequenas inocentes, que nun-
ca pecaram conscientemente, também
morrem. Este é o resultado do pecado de
Adão sendo imputado à sua descendên-
cia. O efeito disso é mais graficamente
descrito em outra Escritura: “Alienam-se
os ímpios desde a madre; andam errados
desde que nasceram, falando mentiras” (Sl
58:3). Também: “e vos vivificou, estando
vós mortos em ofensas e pecados, em
que noutro tempo andastes segundo o
curso deste mundo, segundo o príncipe
A glória da Sua graça 40

das potestades do ar, do espírito que


agora opera nos filhos da desobediência.
Entre os quais todos nós também antes
andávamos nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pen-
samentos; e éramos por natureza filhos
da ira, como os outros também” (Ef 2:1-
3). Que descrição conclusiva do homem
não regenerado! Esta condição não pode
ser mudada, o Senhor Jesus disse: “o que
é nascido da carne é carne” (Jo 3:6). Jó
entendeu o problema progressivo do
pecado. “Que é o homem, para que seja
puro? E o que nasce da mulher, para ser
justo?” (Jó 15:14).

As boas novas que se desenvolvem


deste assunto são que, embora um só
ato trouxesse o pecado e a morte sobre
A glória da Sua graça 41

todos, o ato único do Redentor trouxe


vida e graça sobre todos os que crêem.
“Porque, como pela desobediência de um
só homem, muitos foram feitos pecado-
res, assim pela obediência de um, muitos
serão feitos justos” (Rm 5:19). O Redentor
viria na Pessoa do Senhor Jesus Cristo,
“o qual se deu a si mesmo por nós para
nos remir de toda a iniquidade” (Tt 2:14).

O pecado no mundo não somente


afeta o mundo dos homens, mas também
é visto no mundo físico, ou seja, na Terra
em que estamos. A perfeição sumiu; a
Terra está sob a maldição (“maldita é a
terra por causa de ti”, Gn 3:17); os Céus
estão impuros à vista de Deus (“nem os
céus são puros aos seus olhos”, Jó 15:15);
o melhor da humanidade é vaidade (“todo
A glória da Sua graça 42

homem, por mais firme que esteja, é to-


talmente vaidade”, Sl 39:5); toda a criação
geme (“porque sabemos que toda a cria-
ção geme e está juntamente com dores
de parto até agora”, Rm 8:22). Tudo isso
é o efeito direito do pecado no mundo.

O efeito do pecado

O efeito do pecado no Soberano


A essência do pecado é maldade. É
contrário à santidade de Deus, pois Deus
é santo. “Deus é luz, e não há nele trevas”
(I Jo 1:5).

Sua santidade significa que Ele mes-


A glória da Sua graça 43

mo não pode pecar, e que Ele não é a


causa do pecado em qualquer outro. Ele
não manda que o pecado seja cometido,
pois isto seria contrário à Sua natureza.
Ele não aprova o pecado de ninguém;
alias, Ele o odeia com ódio santo. “Tu és
tão puro de olhos, que não podes ver o
mal” (Hc 1:13). O pecado, portanto, é con-
tra o próprio caráter de Deus e Sua san-
tidade. Ele o odeia, e precisa castigá-lo,
portanto Ele o expulsa da Sua presença
para sempre. Se não fosse pela obra sa-
crificial de Cristo, Deus não poderia tratar
com o homem pecador, a não ser para
expulsá-lo eternamente da Sua presença
para o Lago de Fogo.
A glória da Sua graça 44

O pecado faz Deus sofrer


Sofrer no sentido de afligir o Seu
santo caráter. Deus revela o Seu ódio
contra o pecado por prometer um casti-
go severo contra ele. Deus disse a Adão:
“dela não comerás; porque no dia em que
dela comeres, certamente morrerás” (Gn
2:17). O pecado da desobediência era tão
sério aos olhos de Deus que Ele deu um
aviso muito solene, que foi implementado
imediatamente depois do homem pecar.
Nesta ocasião o homem se separou de
Deus e foi banido do Jardim. Que tristeza
foi para Deus, o Criador, olhar para Sua
criatura agora arruinada pelo pecado e
exilada da Sua presença. Na época do
dilúvio foi a maldade do homem que
A glória da Sua graça 45

entristeceu a Deus de tal forma que


Ele se arrependeu de tê-lo feito. “Então
arrependeu-se o Senhor de haver feito
o homem sobre a terra e pesou-lhe em
seu coração” (Gn 6:6). Há quatro palavras
que enfatizam como esta condição do
homem pesou no coração de Deus. “E
viu o Senhor que a maldade do homem
se multiplicara sobre a terra e que toda
a imaginação dos pensamentos de seu
coração era só má continuamente” (Gn
6:5). Tal era a corrupção da humanida-
de por causa do pecado; e a profunda
tristeza de Deus é vista na inundação
que seguiu. Nós nunca devemos nos es-
quecer neste contexto da longanimidade
de Deus, mesmo num mundo de tanto
pecado. Enquanto Metusalém, o filho de
A glória da Sua graça 46

Enoque vivesse, o mundo estaria seguro


e Deus reteria a Sua mão. Novecentos
e sessenta e nove anos, que grande de-
monstração da misericórdia de Deus!

O pecado faz Deus


buscar os pecadores
A posição de Deus é buscar os pe-
cadores. Não pode ser diferente. “Não há
ninguém que busque a Deus” (Rm 3:11).
Não foi Adão que procurou a Deus, mas
Deus procurou Adão: “onde estás?” (Gn
3:9). Foi Deus que procurou e chamou
Abraão quando ele ainda era um idólatra
(Gn 12:1). Do meio da sarça Ele chamou
Moisés enquanto ele estava em Midiã
(Êx 3:4). Cristo buscou os discípulos nas
A glória da Sua graça 47

suas várias localidades, e também nos


buscou, até virmos a Ele. “Porque o Filho
do Homem veio buscar e salvar o que
se havia perdido” (Lc 19:10). Assim Ele
pode dizer: “Não me escolhestes vós a
mim, mas eu vos escolhi” (Jo 15:16). Em-
bora Deus busque, o homem ainda tem
a responsabilidade de aceitar ou não as
ofertas de Deus.

O pecado fez Deus


providenciar um Salvador
Mais será escrito sobre esta Pessoa
abençoada, o Salvador, o Senhor Jesus
Cristo, mas não podemos deixar de men-
cionar Aquele que é Deus, mas também
veio de Deus, quando “vindo a plenitude
A glória da Sua graça 48

dos tempos, Deus enviou seu Filho, nasci-


do de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4:4). O
propósito daquela vinda, como veremos
mais detalhadamente, foi “para aniquilar o
pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb
9:26). Paulo novamente exulta no propó-
sito dAquele que foi enviado: “Esta é uma
palavra fiel, e digna de toda a aceitação,
que Cristo Jesus veio ao mundo, para
salvar os pecadores” (I Tm 1:15).

O efeito do pecado no pecador


A presença do pecado
Depois que Adão pecou, os olhos
do homem e da mulher foram abertos e
A glória da Sua graça 49

eles se viram como a sua desobediência


os fez ver, nus e envergonhados. Eles
sucumbiram à tentação de Satanás, e
à perspectiva de serem “como deuses”,
que realmente os impeliu às profunde-
zas da destruição. Que compreensão de
vergonha eles devem ter sentido. Seu
pensamento imediato foi cobrir a sua
nudez com aventais de folhas de figuei-
ra. Contudo, esta tentativa de restaurar
a pureza foi inútil para fazê-los voltar ao
estado em que foram criados. Eles não
somente sentiram a vergonha, mas eles
entenderam, pela primeira vez, que eram
culpados de desobedecerem a Deus. A
verdadeira culpa emana do reconheci-
mento de violar as leis de Deus.

O pecado que mergulhou a humani-


A glória da Sua graça 50

dade no pecado foi o de desobediência.


Isso mostra que o homem não era capaz
de decidir o que era bom e mal, mas
precisava confiar em Deus neste assunto.

Deus, como Criador, tem o direito de


estabelecer leis, tanto espirituais como
materiais. Guardar ou quebrar estas leis
é a escolha do homem, por causa do
seu livre arbítrio. Nesta primeira ocasião
o homem escolheu desobedecer a Lei de
Deus. Portanto, ele precisa arcar com as
consequências.

Imediatamente depois de pecar, o


efeito do pecado foi evidenciado, primei-
ramente no seu entendimento, depois na
sua separação de Deus (Gn 3:8-10). Quan-
do Deus veio, na viração do dia como era
A glória da Sua graça 51

Seu costume, o homem se escondeu.


O efeito do pecado não foi que Deus
afastou a Sua presença do homem, mas
sim que o homem se afastou de Deus. “E
temi, porque estava nu, e escondi-me”
(Gn 3:10). O homem, é claro, não pode se
separar do seu Criador. O pecador perante
a face de Deus está totalmente indefeso.
“Então disse eu: Ai de mim! Pois estou
perdido; porque sou homem de lábios
impuros, e habito no meio de um povo
de impuros lábios; os meus olhos viram o
Rei, o Senhor dos Exércitos” (Is 6:5).

O problema do pecado
Os resultados do pecado. Os resulta-
dos do pecado no mundo são vistos cedo
A glória da Sua graça 52

na história do homem. Em Gênesis cap.


3 temos a primeira menção de medo (v.
10); de auto justificação (vs. 12-13); dos
sofrimentos multiplicados à mulher ao
dar à luz filhos (v. 16); da sua sujeição
ao seu marido decretada por Deus; da
tristeza também para o homem no seu
trabalho na terra (vs. 17-19); do homem
lançado fora do lindo jardim por Deus (v.
24), e da resultante separação que dura-
rá não somente por todo o tempo, mas
também por toda a eternidade, se não
houver reconciliação.

A revelação do pecado. O pecado


é revelado pela mente, pela boca e pelo
intento moral do coração: “Mas, o que
sai da boca, procede do coração, e isso
contamina o homem. Porque do cora-
A glória da Sua graça 53

ção procedem os maus pensamentos,


mortes, adultérios, prostituição, furtos,
falsos testemunhos e blasfêmias” (Mt
15:18-19). De fato todas as faculdades
físicas do homem são usadas na prática
do pecado. O homem pragueja com sua
boca, engana com suas ações, olha com
concupiscência, tem orgulho no seu
coração, fecha seus ouvidos à Palavra
de Deus, comete atos maus com suas
mãos, anda nos caminhos errados com
seus pés. A descrição dada em Romanos
3:10-18 é conclusiva: “Não há um justo,
nem um sequer. Não há ninguém que
entenda; não há ninguém que busque a
Deus. Todos se extraviaram, e juntamente
se fizeram inúteis. Não há quem faça o
bem, não há nem um só. A sua garganta
A glória da Sua graça 54

é um sepulcro aberto; com as suas lín-


guas tratam enganosamente; peçonha de
áspides está debaixo de seus lábios; cuja
boca está cheia de maldição e amargura.
Os seus pés são ligeiros para derramar
sangue. Em seus caminhos há destruição
e miséria; e não conheceram o caminho
da paz. Não há temor de Deus diante de
seus olhos”.

A repugnância causada pelo pe-


cado. Vemos isto ao nosso redor no
mundo inteiro. Não precisamos entrar em
detalhes aqui para descrever a natureza
repugnante do pecado praticado e goza-
do pelo homem no mundo. A falta de pa-
drões morais no mundo é a evidência do
pecado desenfreado e da complacência
do homem com tal condição. A atitude
A glória da Sua graça 55

desta era causa preocupação ao verda-


deiro crente, mas quanto mais Deus sente
repulsa deste pecado ostensivo. Romanos
1:21-32 é suficientemente descritivo do
caráter degradado do homem, chegando
ao seu clímax no v. 32: “não somente
as fazem, mas também consentem aos
que as fazem”. Nada pode ultrapassar a
enormidade desta afirmação final à lista
anterior. Os homens gostam do pecado
simplesmente porque é vil, e têm prazer
em ver outros no mesmo estado de
condenação em que eles mesmos estão.
“Que se alegram de fazer o mal, e folgam
com as perversidades dos maus” (Pv 2:14).
“Porque o ímpio gloria-se do desejo da
sua alma; bendiz ao avarento, e renuncia
ao Senhor” (Sl 10:3).
A glória da Sua graça 56

Nos Evangelhos, a figura do leproso


é usada para descrever a natureza repug-
nante do pecado. Era uma condição que
precisava do poder purificador do Senhor
Jesus, e que sob a lei precisava ser pro-
vada, indicando a obra da Santificação
que Ele mesmo efetuaria. A importância
de purificação será desenvolvida mais
adiante neste livro; entretanto, em nossos
dias, vale a pena perguntar se uma vida
de práticas impuras pode ter, algum dia,
provado uma santificação inicial?

A posição remota do pecador. Esta


posição foi vista primeiramente no Jardim
quando o homem se escondeu de Deus
(Gn 3:10). Paulo se refere àqueles que
“chegaram perto”, ou foram reconciliados,
mas que antes “estavam longe” (Ef 2:13).
A glória da Sua graça 57

A razão desta distância entre Deus e o


homem é devido à condição do pecador:
“morto em ofensas e pecados” (Ef 2:1).
O distanciamento de Deus não é devido
somente ao pecado do homem, mas à
ira de Deus contra o pecado. “Deus é juiz
justo, um Deus que se ira todos os dias”
(Sl 7:11). O efeito do pecado é que os
pecadores são cortados do contato ínti-
mo com Deus. Pode haver reconciliação
pelo arrependimento do pecado e fé no
Senhor Jesus Cristo, mas fora de Cristo,
o pecado rompe o relacionamento do
homem com Deus.

A recompensa do pecador. A re-


compensa do pecado é o triste destino da
morte. Já temos visto que o pecado traz a
morte. Esta morte é tanto espiritual quan-
A glória da Sua graça 58

to física. Quando o homem pecou ele


morreu espiritualmente, separando-se da
fonte de vida, que é Deus. Com o tempo
o pecado faz o seu trabalho, e finalmente
todos os homens morrem. “O salário do
pecado é a morte” (Rm 6:23). Depois da
morte vem o juízo de Deus: “como aos
homens está ordenado morrerem uma
vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9:27).
Este juízo, sob o olhar justo dAquele que
se assenta no trono (Ap 20:11), é seguido
pela “segunda morte” (Ap 20:14), que é a
perda eterna e a separação de Deus, e
de tudo que é bom, e o sofrimento no
lago de fogo. Entretanto, também há o
sentido em que a prática contínua das
ações pecaminosas do homem, e dos
vícios resultantes, traz uma recompensa à
A glória da Sua graça 59

sua vida. O caráter repulsivo do pecado é


visto nas vidas de tantas pessoas que têm
rejeitado a misericórdia de Deus, preferin-
do o lamaçal dos pecados da carne que
resultam na sua destruição física.

A progressão do pecado
O pecado na raça humana logo se
tornou evidente na próxima geração. O
pecado de Caim começou como qual-
quer outro pecado, com uma atitude
hostil para com Deus. Quando Caim viu
que Abel estava adorando a Deus corre-
tamente, ele ficou zangado e com inveja.
Ele odiou seu irmão e o matou (I Jo 3:12).
Embora o seu clamor fosse de remorso,
não era verdadeiro arrependimento, mas
A glória da Sua graça 60

era o resultado do seu egoísmo e temor


de vingança (Gn 4:15).

As gerações passaram e o pecado


abundou em toda a parte. “E viu o Senhor
que a maldade do homem se multiplicara
sobre a terra… porque toda a carne havia
corrompido o seu caminho sobre a terra”
(Gn 6:5, 12).

Assim através de 6.000 anos o pe-


cado continua, tocando e contaminando
tudo, “porque todos pecaram” (Rm 3:23),
afetando todos, porque “a morte passou a
todos os homens” (Rm 5:12), até que no
final haverá o juízo: “vindo depois disso o
juízo” (Hb 9:27). Veja também Apocalipse
20:15. O tema do juízo pelo pecado tam-
bém pode ser traçado através das Escri-
A glória da Sua graça 61

turas, desde o jardim, através do dilúvio,


nas chamas que consumiram as cidades
da planície, e através de muitos outros
exemplos, inclusive do juízo de crentes
que pecaram (At 5:1-11; I Co 11:30), até
que finalmente a morte, o inferno, o des-
crente e o próprio Satanás serão lançados
no Lago de Fogo, como já descrevemos.
“E o pecado, sendo consumado, gera a
morte” (Tg 1:15).

Isso é, finalmente, a penalidade do


pecado.

O efeito do pecado no Salvador


Precisamos enfatizar cuidadosamen-
te a verdade fundamental que nosso Se-
nhor Jesus Cristo não tinha a capacidade
A glória da Sua graça 62

de pecar. É extremamente fraco somente


afirmar que Ele não pecou, sem enfatizar
o fato da Sua impecabilidade. As Escritu-
ras são claras: “Aquele que não conheceu
pecado” (II Co 5:21), “nele não há pecado”
(I Jo 3:5), “o qual não cometeu pecado”
(I Pe 2:22).

Ao seguirmos os Seus passos através


dos relatos da Sua vida, nos Evangelhos,
vemo-lO entrar em contato com a morte,
a doença, os demônios e os que estavam
mergulhados no pecado. Estas eram cir-
cunstâncias que, sob a lei, teriam tornado
o homem imundo, mas nosso bendito
Senhor não foi contaminado pelo am-
biente em que se achava, por causa do
Seu caráter santo e impecável.
A glória da Sua graça 63

Se a reconciliação precisa ser efetua-


da e a justiça imputada, então precisa ser
pela Sua obra realizada na cruz. Jerusa-
lém e “a morte da cruz” estavam sempre
diante do Senhor, durante a Sua trajetória
aqui na Terra. Ele “manifestou o firme pro-
pósito de ir a Jerusalém” (Lc 9:51). A cada
passo na Sua caminhada aqui na Terra,
diante dEle estava a lembrança terrível
de que o pecado teria que ser tratado
e que Ele seria feito pecado. Depois da
consumação da obra do Calvário, Paulo
escreveu: “Àquele que não conheceu
pecado, o fez pecado por nós; para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus” (II
Co 5:21). Os sofrimentos de Cristo foram
profetizados, em figuras e pelos profetas,
e o evento aconteceria quando chegasse
A glória da Sua graça 64

a hora. Embora Ele fosse feito pecado,


o Salvador conservou em Si mesmo a
perfeição intrínseca que sempre teve
como Deus.

Ele Se fez pecado


Esta afirmação de que Ele Se fez (foi
feito) pecado é muito profunda:
Ele se fez pecado — para a satisfação
de Deus.
Ele se fez pecado por nós — uma
substituição completa.

“Àquele que não conheceu pecado,


o fez pecado por nós; para que nele fôs-
semos feitos justiça de Deus” (II Co 5:21).

O Senhor Jesus é apresentado nas


A glória da Sua graça 65

Escrituras como Um que Deus contem-


plava como isento de pecado. A afirma-
ção feita neste versículo é o fato que Ele
era sem pecado. Esta era uma condição
indispensável para que Ele fosse feito pe-
cado por nós. Ele somente se fez pecado
no sentido que Ele carregou a culpa do
pecado. O grande contraste neste versícu-
lo é entre o pecado e a justiça. Ele Se fez
pecado, enquanto nós fomos feitos justos.
Ele foi condenado para que nós pudésse-
mos ser justificados. O único sentido em
que nós somos feitos justiça de Deus é
que somos constituídos justos em Cris-
to. Portanto, o sentido em que Cristo Se
tornou pecado é que Ele foi considerado
e tratado como pecado. Os sofrimentos
de Cristo foram profetizados muito antes,
A glória da Sua graça 66

nos tipos e pela palavra profética, mas


estes foram cumpridos quando “o Senhor
fez cair sobre Ele a iniquidade de nós
todos” (Is 53:6).

Através desta obra, os que crêem são


agora feitos justos, e se tornam a justiça
de Deus em Cristo. A justiça de Deus, aqui
e em Romanos 3:21-22, não é somente a
justiça que Ele dá e aquela que Ele exige,
mas também é aquela que pertence a
Ele como parte essencial do Seu cará-
ter. Como crentes em Jesus Cristo, nós
somos feitos participantes desta justiça
providenciada por Deus.

Este versículo em II Coríntios 5 en-


fatiza a verdade da obra de Cristo como
Substituto “por nós”, isto é em prol de
A glória da Sua graça 67

nós, ou em nosso lugar. A verdade de


substituição é: aquilo que alguém faz
no lugar de outro e que tem o mesmo
valor como se fosse feito pelo outro. Ele
foi condenado para que pudéssemos ser
justificados. Ele foi desamparado para
que pudéssemos ser perdoados. A ben-
dita verdade é que o propósito de Deus,
na morte expiatória de Cristo, não foi
somente para que os homens pudessem
escapar do juízo, mas que eles se tornas-
sem justos.
Ó, ouça que penetrante brado! Quem entenderá
tal clamor?
Deus Meu! Deus Meu! Porque Me desampa-
raste em Teu furor?
Foi porque sobre Ele Deus nosso pecado lançou;
Quem não podia pecar, pelos pecadores pecado
Se tornou.
A glória da Sua graça 68

T. Haweis (tradução literal)

Ele levou nossos pecados


“Levando ele mesmo em seu corpo
os nossos pecados sobre o madeiro, para
que, mortos para os pecados, pudésse-
mos viver para a justiça; e pelas suas
feridas fostes sarados” (I Pe 2:24).

Temos visto que o pecado está na


natureza; contudo, a evidência de uma
natureza pecaminosa é revelada nos
pecados na vida. Visto que a fonte é
corrupta, segue-se que tudo que proce-
de daquela fonte estará manchado com
aquela corrupção. Portanto, assim como
Cristo morreu para tratar da questão do
pecado, Ele “padeceu pelos pecados” (I Pe
A glória da Sua graça 69

3:18), e “os levou no madeiro” (I Pe 2:24).


Esta afirmação explícita é uma das verda-
des fundamentais do Evangelho. O fato
que Cristo levou nossos pecados significa
que Deus atribuiu os nossos pecados a Ele
e “fez cair sobre Ele a iniquidade de nós
todos” (Is 53:6). “Ele foi contado com os
transgressores, mas ele levou sobre si o
pecado de muitos” (Is 53:12). O propósito
de Cristo levar o nosso pecado foi para
que nós, tendo morrido para o pecado,
pudéssemos viver para a justiça.

A verdade que Cristo levou nossos


pecados é repetida em muitos lugares no
Novo Testamento: “Assim, também Cris-
to, oferecendo-se uma vez para tirar os
pecados de muitos” (Hb 9:28). “Cristo nos
resgatou da maldição da lei, fazendo-se
A glória da Sua graça 70

maldição por nós” (Gl 3:13). Quão pessoal


é a linguagem de I Pedro 2:24: “Ele mes-
mo … em seu corpo … nossos pecados”.
Tão certo como foi Cristo mesmo que
sofreu na cruz, foram também os nossos
próprios pecados que Ele levou no Seu
corpo no madeiro. Neste versículo, parece
que Pedro está lembrando seus leitores
da maldição associada com o castigo
judicial pelo pecado em Deuteronômio
21:23: “porquanto o pendurado é maldito
de Deus”. A maldição daquele que levou
o nosso pecado é enfatizada por Paulo:
“maldito todo aquele que for pendurado
no madeiro” (Gl 3:13), e foi pregado por
Pedro em Atos 5:30, 10:39, 13:29.

Esta expiação é final e completa. Ele


levou, mas não leva mais. O pecador e
A glória da Sua graça 71

o Fiador do pecador ambos estão livres.


A lei foi vindicada. Deus está satisfeito.
O sacrifício substituinte foi consumido
inteiramente. Ele terminou a Sua obra. O
clamor “está consumado” (Jo 19:30) foi
enfaticamente afirmado. O pecado foi
tratado de uma vez por todas.

Ele sofreu pelos pecados


“Também Cristo padeceu uma vez
pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos a Deus” (I Pe 3:18). Seu
sofrimento na cruz, pelos pecados, foi
uma única vez. Cristo sofreu para tratar
da separação e alienação causadas pelo
pecado, e assim nos conduzir a Deus. Este
fato se torna ainda mais claro quando
A glória da Sua graça 72

Pedro acrescenta “o justo pelos injustos”.


Sendo justo, Cristo não tinha culpa Sua a
pagar, portanto Ele podia ser o Substituto
que morreu em nosso lugar, sofrendo o
castigo que nós merecíamos.

Seu sofrimento pelos pecados é


uma parte básica e essencial da nossa
pregação, como Paulo afirma: “Expondo
e demonstrando que convinha que o
Cristo padecesse e ressuscitasse dentre
os mortos. E este Jesus, que vos anun-
cio, é o Cristo” (At 17:3). O lugar do Seu
sofrimento foi fora da cidade, isto é em
separação total do mundo político, e fora
do arraial, isto é longe do mundo religioso
— as duas esferas que O haviam rejeitado.
“E por isso também Jesus, para santificar
o povo pelo seu próprio sangue, padeceu
A glória da Sua graça 73

fora da porta” (Hb 13:12).

O efeito benéfico do Seu sofrimento


é repetido em I Pedro 2:24: “e pelas suas
feridas fostes sarados”. A palavra “feridas”
usada aqui e em Isaías 53:5 está no sin-
gular (no original), enfatizando que Deus
administrou juízo pelo pecado, durante
o terrível período de trevas, desde a hora
sexta até a hora nona. Este juízo foi pro-
fetizado no Velho Testamento: “Todavia,
ao Senhor agradou moê-lo” (Is 53:10).
Pedro usa esta ideia do efeito curativo da
ferida em Isaías 53:5, e aplica a palavra no
sentido moral: pela ferida de Cristo nós
fomos sarados do pecado. Aqui, de novo,
temos a ideia do castigo de um substituto.
Cristo tomou sobre Si o castigo que nós
merecíamos, e assim nos fez, moral e
A glória da Sua graça 74

espiritualmente, sadios.
A Sua espada Deus chamou;
Ó Cristo, contra Ti alçou!
Teu sangue sua lâmina banhou,
Teu coração bainha se tornou,
Tudo foi por mim, para me dar paz,
E a espada agora no sono jaz.
A. R. Cousin (tradução literal)

O efeito do pecado no salvo


Embora tenhamos o perdão dos
pecados, somos justificados pela fé,
reconciliados com Deus, santificados,
constituídos justos, e remidos pelo Seu
precioso sangue, ainda lutamos com o
problema do pecado. Quanto ao pecado,
gozamos do benefício da obra judicial de
Cristo, e por causa da Sua obra sacrificial,
A glória da Sua graça 75

nunca seremos condenados, pois “quem


crê nele não é condenado” (Jo 3:18).
“Portanto, agora nenhuma condenação
há para os que estão em Cristo Jesus”
(Rm 8:1). Contudo, as Escrituras nos fa-
zem lembrar que o pecado ainda é um
poder que temos que enfrentar na nossa
vida, diariamente. Paulo resume isto da
seguinte maneira: “Porque eu sei que em
mim, isto é, na minha carne, não habita
bem algum; e, com efeito, o querer está
em mim, mas não consigo realizar o bem.
Porque não faço o bem que quero, mas
o mal que não quero esse faço. Ora, se
eu faço o que não quero já o não faço
eu, mas o pecado que habita em mim”
(Rm 7:18-20).

Pecados confessados são pecados


A glória da Sua graça 76

perdoados. “Se confessamos os nossos


pecados, ele é fiel e justo para nos per-
doar os pecados, e nos purificar de toda
a injustiça” (I Jo 1:9).

O pecado na vida do salvo merece a


mão disciplinadora de Deus, como explica
Hebreus 12:1-11. A falta de discernimento
na Ceia do Senhor é pecado, e o seu juízo
em Corinto era que havia “muitos fracos
e doentes, e muitos que dormem” (I Co
11:30).

O pecado na vida de um salvo tam-


bém precisa ser tratado na igreja local
onde ele reúne. Temos exemplos disto.
Pecado moral (I Co 5:1-8); pecado dou-
trinário (Hb 3:12-13); pecado pessoal (Mt
18:15-20).
A glória da Sua graça 77

Conclusão
O pecado é, portanto, uma força
problemática no Universo, no mundo,
e nas almas das pessoas. Tem existido
no mundo desde que Adão pecou, e
tem criado caos de geração em geração,
deixando um resultado permanente no
homem e no Universo. Deus revelará o
pecado nas vidas das pessoas, e julgará
o pecador impenitente, no Seu devido
tempo. Como então pode este problema
do pecado ser resolvido? Como pode o
homem escapar do poder do pecado,
evitar a penalidade do pecado que é a
morte e o juízo, e finalmente se ver livre
da presença do pecado?
A glória da Sua graça 78

A resposta só pode ser encontrada no


Salvador dos pecadores, no bendito Filho
de Deus. Por intermédio dEle, Deus pode
ser justo na justificação dos pecadores.
Uma obra plena, completa e meritória
pelo pecado foi efetuada, e agora o crente
não é somente perdoado, mas justificado,
e isto nos dá “paz com Deus por nosso
Senhor Jesus Cristo” (Rm 5:1).
Pela morte do Santo Salvador
Minha alma vil liberta foi,
E Deus, o Justo, tem prazer
Em ver a Cristo e me salvar.

C. L. Bancroft (tradução literal)


Cap. 2 — Arrependimento
Walter A Boyd, Irlanda do Norte.

Introdução
O Senhor Jesus colocou grande
ênfase no assunto do arrependimento
quando afirmou: “se não vos arrepen-
deres, todos de igual modo perecereis”
(Lc 13:3). Com a mesma ênfase Paulo,
pregando no Areópago, disse: “Deus …
anuncia agora a todos os homens, e em
todo lugar, que se arrependam” (At 17:30).
De fato, no livro de Atos o arrependi-
mento é muito destacado na pregação
A glória da Sua graça 80

de todos os servos do Senhor. Por causa


desta ênfase bíblica sobre este assunto, é
importante que entendamos o que a Bí-
blia quer dizer com a palavra arrepender-
-se, nas suas várias formas. Há opiniões
diferentes sobre o que o arrependimento
significa, e isto acrescenta à confusão nas
mentes daqueles que procuram conhecer
a verdade.

A doutrina bíblica do arrependimento


forma uma ponte entre o pecado e o
perdão. Não existe outro caminho para
se obter o perdão de pecados a não ser
pelo arrependimento. O pecado é um
assunto muito popular; nenhum outro
é mais discutido, amado ou praticado
pela raça humana. Transcende todas as
barreiras conhecidas da humanidade:
A glória da Sua graça 81

raciais, geográficas, sociais, ou religio-


sas. Lamentavelmente, muitos cometem
pecado sem qualquer consideração do
Santo Deus que coloca exigências sobre
Suas criaturas: eles não sentem qualquer
responsabilidade para com Deus. Outros,
que são mais responsáveis, procuram
exercer algum domínio moral nas suas
vidas. Os que lêem, ou têm algum conhe-
cimento da Bíblia, conhecem, até certo
ponto, o que Deus chama de pecado. A
única fonte confiável de informação so-
bre o pecado e suas consequências é a
Palavra de Deus. Se as pessoas não come-
tessem pecados, não existiria necessidade
de arrependimento. Contudo, estamos
cercados, diariamente, pelo pecado, e
sem arrependimento não há livramento
A glória da Sua graça 82

dos seus efeitos mortíferos. Cada pecado,


qualquer que for a sua magnitude, é uma
afronta grave contra Deus. No entanto,
Deus, que é tão gravemente ofendido
pelo nosso pecado, planejou um caminho
pelo qual pecados podem ser perdoados.
É aqui que o arrependimento se encaixa
no esquema da bênção divina. O arrepen-
dimento é essencial para o perdão, por-
tanto precisamos aceitar a exigência que
Deus faz dela e a sua definição na Bíblia.

O que é o
arrependimento?
O arrependimento aparece tanto no
Velho como no Novo Testamento, prin-
A glória da Sua graça 83

cipalmente nas seguintes palavras:

Velho Testamento:

Nachan (Êx 13:17) — suspirar, respirar


profundamente. Significa lamentar
ou entristecer-se.

Shuwb (I Rs 8:47) — recuar, voltar atrás.

Novo Testamento:

Metanoia (Mt 3:8) — mudar de opinião.

Metanoeo (Mt 3:2) — pensar diferente-


mente depois.

Seja como substantivo ou como


verbo, a ideia predominante no arrepen-
dimento bíblico é pensar posteriormente,
ou reconsiderar. Vale a pena notar que
esta reconsideração nem sempre é sobre
A glória da Sua graça 84

o pecado, mas é às vezes uma mudança


de mente em relação a uma maneira de
agir (Gn 6:6, Êx 13:17). Contudo, durante
os séculos, uma série de ideias e confu-
sões sobre traduções levou à ideia subje-
tiva de tristeza, ou sentir arrependimento
pelos pecados cometidos. Os Pais Latinos
traduziram metanoia como paenitentia,
que veio a significar penitência, ou atos
de penitência. Assim, a doutrina bíblica
do arrependimento se tornou ofuscada e
confusa, a tal ponto que chegou ao erro
total, quando pecadores foram ensinados
a sentir tristeza e praticar atos de penitên-
cia para obter o perdão dos seus pecados.
No verdadeiro arrependimento há um
elemento de remorso pelos pecados, que
leva a uma mudança definitiva de atitude
A glória da Sua graça 85

e de ação. Mas a atividade associada ao


arrependimento não é a prática de um
ato religioso para remediar os pecados.
Antes, é uma mudança de opinião sobre
atos pecaminosos, parando de fazê-los
imediatamente. O conceito fundamental
do Novo Testamento é que o arrependi-
mento é uma mudança de opinião em
relação aos pecados. Esta mudança de
opinião resultará num modo de vida em
harmonia com a atitude ao pecado vista
em Mateus 3:8: “Produzi, pois, frutos dig-
nos de arrependimento”. Contudo, des-
viar-se do pecado não é o suficiente para
a salvação; é necessário aproximar-se de
Cristo pela fé, como Paulo menciona em
Atos 20:21: “Testificando, tanto aos judeus
como aos gregos, a conversão a Deus, e
A glória da Sua graça 86

a fé em nosso Senhor Jesus Cristo”.

A prioridade do
arrependimento no NT
Um leitor atento do Novo Testamen-
to não pode deixar de ver a prioridade
dada ao assunto do arrependimento.

1. João Batista
Em Mateus 3:1-2 vemos que a men-
sagem de João dá prioridade ao arrepen-
dimento, que é mencionado em primeiro
lugar. “E, naqueles dias, apareceu João o
Batista pregando no deserto da Judéia,
e dizendo: Arrependei-vos porque é
A glória da Sua graça 87

chegado o reino dos céus”. A pregação


de João sobre o arrependimento era o
cumprimento da promessa do anjo, dada
a Zacarias seu pai, antes do seu nasci-
mento. “Mas o anjo lhe disse: Zacarias não
temas, porque a tua oração foi ouvida, e
Isabel, tua mulher, dará à luz um filho, e
lhe porás o nome de João … E converte-
rá muitos dos filhos de Israel ao Senhor
seu Deus” (Lc 1:13, 16). Seu ministério de
converter muitos ao Senhor foi visto no
arrependimento deles; eles mudaram de
opinião em relação ao seu pecado e às
exigências de Deus nas suas vidas.

2. O Senhor Jesus Cristo


“E, depois que João foi entregue à
A glória da Sua graça 88

prisão, veio Jesus para a Galiléia, pre-


gando o evangelho do reino de Deus,
e dizendo: O tempo está cumprido, e o
reino de Deus está próximo. Arrependei-
-vos, e crede no evangelho” (Mc 1:14).
Devemos notar a grande semelhança
entre a pregação de João Batista e a do
Senhor Jesus. Ambos ligaram o arrepen-
dimento com o reino, mas o Senhor agora
introduz o conceito adicional da fé, com
as palavras “Arrependei-vos, e crede no
evangelho”. Atualmente há dois reinos; o
reino de Deus e o reino de Satanás. Um
é caracterizado pela justiça, luz e Cristo;
o outro é caracterizado pelo mal, trevas e
Satanás. A cidadania num reino é obtida
por se nascer nele. Nós nascemos no
reino deste mundo, e por natureza o nos-
A glória da Sua graça 89

so caráter é mau e injusto. Aqueles que


são salvos nasceram no reino de Deus, e
agora têm uma natureza que manifesta
luz e justiça. O novo nascimento é pelo
Espírito Santo: “na verdade, na verdade, te
digo que aquele que não nascer de novo,
não pode ver o reino de Deus” (Jo 3:3); e
é, exclusivamente, o resultado da fé: “para
que todo aquele que nele crê, não pereça,
mas tenha a vida eterna” (Jo 3:15).

Devemos entender claramente que o


arrependimento não é a entrada no reino
de Deus; é a renúncia, pelo pecador, do
reino onde o pecado reina. Como cida-
dãos daquele reino mau nós não temos
condições de sermos súditos do reino
da justiça; temos de renunciar nossos
pecados. O arrependimento do pecado e
A glória da Sua graça 90

a fé em Cristo, como Salvador, são coisas


simultâneas. A fé e o arrependimento são
dois lados da mesma moeda, ou os dois
pés no passo da conversão. Além de ser
o primeiro tema na pregação do Senhor
Jesus, o arrependimento foi também o
tema final na Sua pregação. Depois da Sua
ressurreição Ele estava falando com Seus
discípulos, e “abriu-lhes o entendimento
para compreenderam as Escrituras. E lhes
disse: Assim está escrito, e assim convi-
nha que o Cristo padecesse, e ao terceiro
dia ressuscitasse dentre os mortos, e em
seu nome se pregasse o arrependimento
e a remissão dos pecados, em todas as
nações, começando por Jerusalém” (Lc
24:45-47).
A glória da Sua graça 91

3. Os discípulos
Em Marcos 6:12 temos o relato dos
doze enviados para pregar. “E, saindo eles,
pregavam que se arrependessem”. A prio-
ridade da sua pregação foi exatamente
aquela do Senhor Jesus, que substituiu
a pregação sobre o arrependimento feita
pelo Seu precursor João Batista. Eles se-
guiram os passos de todos os pregadores
enviados por Deus, com sua mensagem
clara de arrependimento, que também
estava ligada a uma proclamação do rei-
no: “E, indo, pregai, dizendo: É chegado
o reino dos céus” (Mt 10:7).
A glória da Sua graça 92

4. O apóstolo Pedro
No dia de Pentecostes, em Jerusa-
lém, Pedro pregou a primeira mensagem
desta presente dispensação da graça. Sua
mensagem foi simples, objetiva e no po-
der do Espírito Santo, ao ponto de seus
ouvintes serem compungidos em seus
corações e perguntarem: “Que faremos,
homens irmãos” (At 2:37). A resposta de
Pedro começou com a palavra toda im-
portante, arrependei-vos. “E disse-lhes
Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós
seja batizado em nome de Jesus Cristo,
para o perdão dos pecados; e recebereis
o dom do Espírito Santo” (At 2:38). Mais
tarde, quando Pedro e João foram ao
templo para orar, eles curaram um ho-
A glória da Sua graça 93

mem paralítico, e houve grande alvoroço


entre o povo. A sua curiosidade e admira-
ção forneceu uma boa oportunidade para
Pedro pregar o Evangelho, e ao fazê-lo ele
disse: “Arrependei-vos, pois, e convertei-
-vos, para que sejam apagados os vossos
pecados, e venham assim os tempos do
refrigério pela presença do Senhor” (At
3:19). Perto do final do ministério de Pedro
no Novo Testamento, temos a sua última
menção deste mesmo tema em II Pedro
3:9: “O Senhor não retarda a sua promes-
sa; ainda que alguns a têm por tardia; mas
é longânimo para conosco, não querendo
que alguns se percam, senão que todos
venham a arrepender-se”. Através de toda
a sua vida de serviço útil como pregador
do Evangelho a mensagem de Pedro não
A glória da Sua graça 94

mudou, e ela continuará a mesma até a


consumação do século.

5. O apóstolo Paulo
Pregando no Areópago, Paulo mani-
festa a ignorância do coração do homem
não regenerado, e diz: “Mas Deus, não
tendo em conta os tempos da ignorância,
anuncia agora a todos os homens, e em
todo lugar, que se arrependam” (At 17:30).
A reação dos corações de alguns à sua
mensagem foi uma reação de fé: “todavia,
chegando alguns homens a ele, creram.
Entre os quais foi Dionísio, areopagita,
uma mulher por nome Damaris, e com
eles outros” (At 17:34). Mais tarde, quando
Paulo chama os anciãos de Éfeso a Mileto,
A glória da Sua graça 95

ele relata a sua vida e ministério na Ásia,


e ele lhes diz: “Nada, que útil seja, deixei
de vos anunciar, e ensinar publicamente
e pelas casas, testificando, tanto a judeus
como aos gregos, a conversão a Deus, e
a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At
20:20-21). Em Romanos 2:3-4, Paulo es-
creve: “E tu, ó homem, que julgas os que
fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as
tu, escaparás ao juízo de Deus? Ou des-
prezas tu as riquezas da sua benignidade,
e paciência e longanimidade, ignorando
que a benignidade de Deus te leva ao ar-
rependimento?” A bondade e benignidade
de Deus deve fazer o pecador reconside-
rar a sua atitude para com Deus e para
com o seu pecado contra Deus.
A glória da Sua graça 96

6. O apóstolo João
João não menciona o arrependi-
mento no seu Evangelho ou nas suas
epístolas, mas em Apocalipse caps. 2 e 3
ele repassou a mensagem de arrependi-
mento, enviada pelo Cristo ressurrecto,
a cinco das sete igrejas locais. Para elas,
o arrependimento não era para obter
entrada no reino, por meio da salvação,
mas mesmo assim, era para o perdão dos
pecados. O perdão tanto para o incrédulo
como para o salvo exige arrependimento
e o abandono do pecado.
A glória da Sua graça 97

O elo entre o
arrependimento e a fé
Como é que o arrependimento e a
fé estão ligados? Qual é mais importante?
Será que um produz o outro? Perguntas
como estas têm ocupado a mente de
ensinadores e comentaristas durante
séculos. Alguns têm colocado mais ên-
fase em um do que no outro, causando
confusão onde deveria haver clareza e
convicção. Colocar um em oposição ao
outro, ou priorizar um mais que o outro,
é falhar no ensino das Escrituras. As duas
verdades são inseparáveis na experiência
da conversão. O verdadeiro arrependi-
mento está intimamente ligado à verda-
A glória da Sua graça 98

deira fé — nenhum dos dois se mantém


sozinho. O pecador não pode deixar o
pecado e voltar-se ao nada; isso não seria
verdadeiro arrependimento. Também, o
pecador não pode voltar-se a Deus em
verdadeira fé sem mudar a sua opinião
sobre o pecado, de outra forma não seria
verdadeira fé. É necessário voltar de para
poder voltar para. Quando um pecador
se arrepende, ele vira as costas a si mes-
mo e ao pecado; e quando ele crê em
Cristo, ele confia inteiramente nEle como
Salvador. Deixar o pecado sem confiar
em Cristo seria somente uma reforma; e
chegar-se a Cristo sem arrependimento
nada mais é do que emoção religiosa.

Alguns versículos mencionam so-


mente o arrependimento, ou somente a
A glória da Sua graça 99

fé em Cristo. Isso significa que o pecador


é salvo somente pelo arrependimento
sem fé em Cristo? Ou será que alguns
versículos ensinam que o pecador pode
ser salvo somente pela fé em Cristo,
sem arrependimento? Se adotarmos
este raciocínio, então a Bíblia apresenta
dois caminhos de salvação — um pela fé
e outro pelo arrependimento! Mas não
é assim, e precisamos prestar atenção
ao ensino completo das Escrituras so-
bre a salvação. As palavras do Senhor:
“Arrependei-vos e crede no Evangelho”
(Mc 1:15), e a afirmação clássica de Pau-
lo: “Arrependimento para com Deus e fé
em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20:21,
ARA), colocam ambos os conceitos jun-
tos, porque ambos são essenciais para a
A glória da Sua graça 100

salvação. Como já foi mencionado, são os


dois pés necessários no passo único da
conversão que tira o pecador das trevas
e o conduz à luz. Onde somente a fé é
mencionada, o contexto revela por que
a verdade do arrependimento é omitida.
Por exemplo, em Atos 16: 30-31, o carce-
reiro tremulo perguntou: “Que devo fazer
para que seja salvo?” Paulo e Silas res-
ponderam: “Crê no Senhor Jesus Cristo, e
serás salvo”. Por que eles não menciona-
ram o arrependimento? O apóstolo podia
ver, claramente, que o carcereiro estava
convicto do seu pecado e não precisava
ser instruído a deixá-lo. O Espírito Santo
já lhe havia revelado a corrupção do seu
coração. Foi por isso que ele clamou “que
devo fazer para que seja salvo?” Ele queria
A glória da Sua graça 101

ser salvo da terrível calamidade e castigo


do seu pecado.

Algumas observações
sobre o arrependimento
Visto que o verdadeiro arrependi-
mento e a verdadeira fé são necessários
para a salvação, não nos surpreende ver
que Satanás procura subverter aquele que
sinceramente busca a salvação. Ele é o
mestre das falsificações, e tem consegui-
do iludir muitos e levá-los a aceitar o erro
em relação ao arrependimento. A maior
tragédia pessoal é crer em algum erro
propagado por Satanás para a salvação
eterna, portanto vamos agora identificar,
A glória da Sua graça 102

resumidamente, alguns dos erros comuns


relacionados com o arrependimento.

1. Reforma de vida não


é arrependimento
Um sentimento de responsabilida-
de moral leva muitos a desejarem viver
uma vida melhor, não importa qual a sua
crença religiosa. Muitos que negam a Bí-
blia têm um desejo inato de ser pessoas
melhores. Por isso eles deixam alguns dos
seus hábitos indesejáveis e conseguem,
até certo ponto, melhorar o seu compor-
tamento. Qualquer pessoa pode “mudar
de vida”, e renunciar alguns pecados aqui
e ali durante a vida — isso não requer a
ajuda de Deus, mas isso não transforma
A glória da Sua graça 103

o pecador numa pessoa melhor. Não im-


porta quanto as pessoas tentam reformar
o seu caráter, isso não é arrependimento.

2. Remorso não é
arrependimento
O autor se lembra que uma das
primeiras lições que aprendeu na escola
foi que arrependimento significa sentir
tristeza pelos seus pecados. Embora seja
verdade que em cada caso de arrependi-
mento verdadeiro há tristeza por causa do
pecado, é possível sentir grande tristeza e
ainda não estar arrependido. Às vezes a
tristeza é por causa das consequências, e
não por causa do pecado em si. Frequen-
temente, a tristeza é porque um pecado
A glória da Sua graça 104

específico foi descoberto e a pessoa fica


envergonhada. Em II Coríntios 7:10, Paulo
nos mostra a função da tristeza no arre-
pendimento: “Porque a tristeza segundo
Deus opera arrependimento para a sal-
vação, do qual ninguém se arrepende;
mas a tristeza do mundo opera a morte”.
Tristeza produz arrependimento, mas não
o substitui.

3. Penitência não é
arrependimento
Para muitos, a tristeza por causa dos
pecados produz um desejo profundo de
fazer algo para reparar o dano, e afligir-
-se por causa daquele pecado. No século
XV, a igreja de Roma já tinha introduzido
A glória da Sua graça 105

o sacramento da penitência como dou-


trina formal e prática. Este terrível erro
se aproveita das emoções daqueles que
sentem a necessidade de fazer algo por
causa dos seus pecados. Ensina que pela
contrição, confissão e castigo de si mes-
mo, a pessoa se torna apta a receber a
absolvição do sacerdote. Até mesmo os
escribas no tempo de Cristo, que eram
Seus inimigos, sabiam melhor, como
vemos pela sua pergunta: “Por que diz
este assim blasfêmias? Quem pode per-
doar pecados, senão Deus?” (Mc 2:7). A
tradução “Douay-Rheims” das Escrituras,
feita pela Igreja Católica Romana, troca
a palavra “arrependimento” pela palavra
“penitência”. Isso apoia o seu grande
erro, que tem sido responsável por levar
A glória da Sua graça 106

milhões a seguir uma vida de boas obras


na tentativa de ganhar o perdão e o céu.
Penitência é como pesar, não chega a
reconhecer a posição do pecador perante
Deus — culpado e depravado. O pesar
leva o pecador a pensar que, por meio
de tristeza suficiente, ele pode pagar
pelos seus pecados. Penitência leva a
igreja e seus sacerdotes a pensarem que
eles podem perdoar pecados. Ambos são
erros fundamentais que negam o âmago
da mensagem do Evangelho, de que o
perdão vem somente pela graça de Deus.
Não existe base bíblica para apoiar a ideia
de penitência. A Bíblia afirma claramen-
te que a salvação é pela graça de Deus
somente, com base somente na fé, e so-
mente em Cristo. “Porque pela graça sois
A glória da Sua graça 107

salvos, por meio da fé; e isto não vem de


vós, é dom de Deus. Não vem das obras,
para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9).
“Mas quando apareceu a benignidade e
amor de Deus, nosso Salvador, para com
os homens, não pelas obras de justiça que
houvéssemos feito, mas segundo a Sua
misericórdia, nos salvou pela lavagem da
regeneração e da renovação do Espírito
Santo” (Tt 3:4-5). O perdão não pode ser
comprado com boas obras, indulgências,
ou dinheiro.

4. Arrependimento é um ato
único e uma atitude contínua
Quando uma pessoa é convenci-
da de um pecado específico, há uma
A glória da Sua graça 108

necessidade de deixar imediatamente


aquele pecado. Mas, além daquele ato de
arrependimento por um pecado especí-
fico, há também a necessidade de uma
atitude de arrependimento em relação à
sua atitude para com o pecado. No mo-
mento da conversão, um ato inicial de
arrependimento e fé em Cristo produz
uma atitude contínua de fé e arrependi-
mento. Com alguns, parece haver uma
repetição continua de arrependimento,
sem nunca estarem verdadeiramente
arrependidos — eles continuam a voltar
aos seus velhos caminhos. O verdadeiro
arrependimento exige uma mudança de
atitude permanente, uma completa mu-
dança de direção, que se manifesta num
novo estilo de vida.
A glória da Sua graça 109

5. Arrependimento significa
abandonar o que sou
e o que tenho feito
Depois de Natã, o profeta, ter con-
frontado Davi com o seu pecado, e depois
dele receber o perdão porque se arrepen-
deu, Davi, no Salmo 51:3, 5, escreveu as
seguintes palavras: “Porque eu conheço
as minhas transgressões, e o meu peca-
do está sempre diante de mim … Eis que
em iniquidade fui formado, e em pecado
me concebeu minha mãe”. Davi sentiu
profundamente o que ele era (v. 5) e o
que ele fizera (v. 3). Por isso ele clamou
por misericórdia pelo que tinha feito:
“Purifica-me com hissope, e ficarei puro;
A glória da Sua graça 110

lava-me, e ficarei mais branco do que


a neve” (v. 7). Seus pecados precisavam
de purificação e perdão, que somente
Deus podia dar. Sua convicção de peca-
do também o levou a declarar o que ele
era: “Cria em mim, ó Deus, um coração
puro, e renova em mim um espírito reto”
(v. 10). O fato dele ser pecador também
precisava ser corrigido por Deus; seu
homem interior (“coração” e “espírito”)
também precisava ser mudado. Davi reco-
nheceu que todo pecado é a expressão de
uma natureza pecaminosa. O verdadeiro
arrependimento precisa ir além de reco-
nhecer o que fiz; precisa também incluir
um reconhecimento do que sou — um
pecador por nascimento e por natureza.
O arrependimento é ter novos pensa-
A glória da Sua graça 111

mentos sobre a raiz e também sobre o


fruto do pecado. Eu não mais aprecio e
amo os meus pecados; eu também odeio
o que sou como uma pessoa pecadora.
Escondidos debaixo dos pecados estão
as raízes do orgulho, egoísmo e incredu-
lidade. Estas raízes perniciosas produzem
uma variedade de frutos venenosos, e
enquanto as raízes não forem tratadas em
arrependimento perante Deus, elas pro-
duzirão fruto em abundância. Este aspec-
to do arrependimento desafia o próprio
cerne dos pensamentos modernos sobre
o homem. O homem não regenerado é
enaltecido como o exemplo perfeito de
tudo que é bom e louvável, e deve pensar
muito bem de si mesmo. A maioria dos
conselhos sobre como progredir na vida
A glória da Sua graça 112

incluem muitos elogios de si mesmo e


maneiras de aumentar a auto estima,
mas tudo isso é estranho ao conceito das
Santas Escrituras sobre o homem caído e
em necessidade de perdão.

Evidências de
arrependimento
Em II Coríntios 7 o apóstolo Paulo
dá um relato analítico do verdadeiro
arrependimento da igreja em Corinto.
Na sua primeira epístola ele identificou
os seus vários pecados, e apresentou
como deveriam ser tratados. Ele diz, em
II Coríntios 7:8-9, que sua carta anterior
causou-lhes tristeza, mas que ele estava
A glória da Sua graça 113

satisfeito com isto: “Porquanto, ainda


que vos contristei com a minha carta,
não me arrependo, embora já me tivesse
arrependido por ver que aquela carta vos
contristou, ainda que por pouco tempo.
Agora folgo, não porque fostes contrista-
dos, mas porque fostes contristados para
arrependimento; pois fostes contristados
segundo Deus; de maneira que por nós
não padecestes dano em coisa alguma”.
Ele não estava contente pela tristeza que
sentiram quando foram convictos através
da sua primeira epístola; mas ele estava
alegre porque sua tristeza produzira o
arrependimento. Ele também mostra que
há um tipo de tristeza causada pelo pe-
cado que é experimentado pelo mundo;
mas que não é o resultado da convicção
A glória da Sua graça 114

do pecado. É simplesmente tristeza por


causa das consequências do pecado, e
não por causa do pecado. Há uma grande
diferença! Quer seja na salvação do peca-
dor ou na restauração do salvo desviado,
é necessário haver arrependimento, e
em ambos os casos as evidências serão
as mesmas. Há princípios fundamentais
vistos em todo caso de arrependimento;
estes são listados em II Coríntios 7:11:
“Porque, quanto cuidado não produziu
isto mesmo em vós que, segundo Deus,
fostes contristados! Que apologia, que
indignação, que temor, que saudades,
que zelo, que vingança! Em tudo mos-
trastes estar puros neste negócio”. Os
sete princípios que são as evidências do
verdadeiro arrependimento são: cuidado,
A glória da Sua graça 115

apologia, indignação, temor, saudades,


zelo e vingança.

Cuidado (“diligência”, JND). Os coríntios


foram sinceros no seu arrependimen-
to; eles deram atenção diligente ao
arrependimento dos pecados que
tinham cometido. A tristeza de co-
ração criada pelo Espírito Santo pro-
duziu uma determinação de colocar
as coisas em ordem com diligência e
cuidado. O arrependimento não pode
ser leviano ou relaxado.

Apologia (“desculpas”, JND). Todo sinal de


culpa precisava ser removido — eles
queriam ser justos. Isso não era auto
defesa, mas colocar as coisas em
ordem para que nenhuma acusação
A glória da Sua graça 116

contra os seus pecados anteriores


pudesse ser mantida.

Indignação. A tristeza de Deus produziu


neles uma profunda ira contra os
seus pecados. Indignação significa
sentir ira ao ponto de tristeza incon-
solável. Eles se tornaram tão cônscios
das suas ações pecaminosas que
odiaram o seu pecado.

Temor. Quando a gravidade do seu pe-


cado se apoderou das suas almas,
isso produziu neles um santo temor
do Senhor e uma repulsa daqueles
pecados. Este temor agiria como um
preservativo contra outros pecados
ou pecados repetidos.

Saudades (“desejo ardente”, JND). En-


A glória da Sua graça 117

quanto estes aspectos precedentes


foram prendendo seus corações, eles
desenvolveram um desejo ardente
de corrigir as coisas que estavam
erradas. Eles estavam com pressa de
se arrepender e fazer mudanças. O
verdadeiro arrependimento nunca é
negligente ou indolente — ele quer
retificar o que está errado o mais
rápido possível.

Zelo. Zelo significa colocar este “desejo


ardente” em prática. Quando come-
çaram a se arrepender eles conti-
nuaram até o fim, não pararam no
meio. Eles saíram à procura de cada
pecado e buscaram o perdão com-
pleto e total.
A glória da Sua graça 118

Vingança. Seu zelo os levou a um senti-


mento de punição contra si mesmos,
no sentido de desejarem colocar
tudo em ordem, até mesmo satisfazer
qualquer exigência por restituição,
que seu pecado tivesse causado.

O arrependimento em Corinto se
manifestou desta maneira sétupla e re-
sultou numa mudança no seu compor-
tamento, assim evitando que mais acu-
sações pudessem ser feitas contra eles.
A glória da Sua graça 119

Como é que o
arrependimento
é efetuado?
Sendo que o arrependimento é tão
essencial ao perdão e bênção divina,
como pode ser produzido? A Bíblia apre-
senta quatro princípios que devemos
considerar.

1. É preciso haver convicção


Se a pessoa não sabe que é pecador,
não haverá nenhum sentimento de preci-
sar fazer algo. Se ela não for convencida
de que cometeu pecado, não verá a ne-
A glória da Sua graça 120

cessidade de arrependimento. Convicção


é o sentimento de necessidade pessoal,
criado pela consciência do pecado. Em
Romanos 1, Paulo mostra que os gentios
pagãos são pecadores porque são culpa-
dos de pecado contra Deus, como Ele é
revelado na criação e nas suas próprias
consciências. Em Romanos 2, ele mostra
que os judeus que têm a revelação de
Deus nas Escrituras têm pecado contra
elas. Então ele pergunta em 3:9: “Pois
que? Somos nós [judeus] mais excelen-
tes [que os gentios]?” Ele também dá a
resposta: “De maneira nenhuma, pois já
dantes demonstramos que, tanto judeus
como gregos, todos estão debaixo do
pecado”. Para enfatizar esta declaração
da culpa universal, ele continua, nos vs.
A glória da Sua graça 121

10-18, citando as Escrituras do Velho


Testamento como testemunha destas
acusações: “Como está escrito: Não há
justo, nem um sequer. Não há ninguém
que entenda; não há ninguém que
busque a Deus. Todos se extraviaram, e
juntamente se fizeram inúteis. Não há
quem faça o bem, não há nenhum só. A
sua garganta é um sepulcro aberto; com
as suas línguas tratam enganosamente;
peçonha de áspides está debaixo de seus
lábios; cuja boca está cheia de maldição
e amargura. Os seus pés são ligeiros para
derramar sangue. Em seus caminhos há
destruição e miséria; e não conheceram
o caminho da paz. Não há temor de Deus
diante de seus olhos”.

Que lista de acusações! Elas são


A glória da Sua graça 122

apresentadas “para que toda boca esteja


fechada e todo o mundo seja condená-
vel diante de Deus” (Rm 3:19). Quando o
Espírito Santo aplica estas verdades ao
coração não regenerado, o resultado é
convicção do pecado, sem a qual não
pode haver arrependimento.

2. É preciso haver contrição


Quando uma pessoa está profunda-
mente convencida do seu pecado e da
sua necessidade de perdão, há contrição
genuína perante Deus. Davi fala disto no
Salmo 51:17: “Os sacrifícios para Deus são
o espírito quebrantado; a um coração
quebrantado e contrito não desprezarás,
ó Deus”. Contrição é um sentimento de
A glória da Sua graça 123

quebrantamento perante Deus. É a ausên-


cia do orgulho e auto estima. Em Mateus
5:3 o Salvador fala de contrição como um
meio de bênção: “bem aventurados os
pobres de espírito, porque deles é o reino
dos céus”. O verdadeiro arrependimento
nunca será visto numa pessoa que tem
um sentimento de orgulho quando con-
frontada com os seus pecados.

3. É preciso haver um
espírito humilde
A convicção do pecado produz con-
trição e a contrição produz humildade.
“A soberba do homem o abaterá, mas a
honra sustentará o humilde de espírito”
(Pv 29:23). Não há evidência de arre-
A glória da Sua graça 124

pendimento no pecador orgulhoso que


recusa se prostrar e chegar a Deus com
um espírito de humildade: “Ainda que o
Senhor é excelso, atenta todavia para o
humilde; mas ao soberbo conhece-o de
longe” (Sl 138:6). “Aquele que murmura do
seu próximo às escondidas, eu o destrui-
rei; aquele que tem olhar altivo e coração
soberbo, não suportarei” (Sl 101:5). Prova-
velmente o orgulho é o maior obstáculo à
bênção e ao perdão, quer na salvação de
pecadores ou na restauração dos salvos.
Não podemos obter misericórdia se não
nos humilharmos perante Deus. A humil-
dade é obrigatória para o arrependimento
e o perdão.
A glória da Sua graça 125

4. É preciso haver confissão


Através do Velho e do Novo Tes-
tamentos, há uma constante exigência
de confissão dos pecados para se obter
o perdão. Quando o pecado entrou no
jardim do Éden, as perguntas de Deus
a Adão e Eva pretendiam provocar con-
fissão: “Onde estás? Quem te mostrou
que estavas nu? Comeste tu da árvore
de que te ordenei que não comesses?”
(Gn 3:9-11). Será que Deus não conhecia
as respostas? Claro que sim! Ele estava,
em graça, confrontando-os com os seus
pecados e dando-lhes uma oportuni-
dade para confessá-los. “O que encobre
as suas transgressões nunca prosperará,
mas o que as confessa e deixa, alcançará
A glória da Sua graça 126

misericórdia” (Pv 28:13). Esta exigência de


confissão se aplica também ao salvo que
pecou. Cometer pecados ocultos requer
uma confissão pessoal a Deus, depois da
qual o perdão e purificação são dados:
“Se confessarmos os nossos pecados, ele
é fiel e justo para nos perdoar os peca-
dos, e nos purificar de toda a injustiça”
(I Jo 1:9). O pecado público precisa ser
confessado, em primeiro lugar a Deus e
depois àqueles que foram prejudicados
pelo nosso pecado: “Confessai as vossas
culpas uns aos outros, e orai uns pelos
outros, para que sareis” (Tg 5:16). Tanto
nos casos de pecado pessoal ou público
a retribuição precisa ser feita quando
exigida, como parte do ato de arrepen-
dimento. Vemos isso no caso de Zaqueu,
A glória da Sua graça 127

quando ele disse: “Senhor, eis que eu dou


aos pobres metade dos meus bens; e, se
nalguma coisa tenho defraudado alguém,
o restituo quadruplicado” (Lc 19:8). A
confissão deve ser feita com cuidado e
consideração para não causar obstáculo
a outros, e precisa ser completa e total.

Uma parábola sobre


arrependimento
Provavelmente a parábola tríplice
em Lucas 15 é a mais bem conhecida de
todas as parábolas do Senhor. É também
a mais extensa, e dá mais ensino detalha-
do do que qualquer outra. É necessário
incluí-la aqui, pois o seu tema principal
A glória da Sua graça 128

é o arrependimento. A parábola foi em


resposta às murmurações dos escribas e
fariseus: “E chegavam-se a ele todos os
publicanos e pecadores para o ouvir. E
os fariseus e os escribas murmuravam,
dizendo: Este recebe pecadores, e come
com eles”. Eles reclamavam da associa-
ção do Salvador com pecadores. Através
de uma parábola, o Senhor explicou que
Ele tinha prazer em estar na companhia
daqueles que os líderes religiosos des-
prezavam. Há três casos no Evangelho
de Lucas que falam da murmuração dos
escribas e fariseus. A reação do Senhor
nestas três ocasiões nos fornece o Seu
ensino sobre o arrependimento.

Em 5:30 eles “murmuravam contra


seus discípulos, dizendo: por que comeis
A glória da Sua graça 129

e bebeis com publicanos e pecadores?”.


Jesus respondeu a esta murmuração di-
zendo que “não necessitam de médico os
que estão sãos, mas, sim, os que estão en-
fermos. Eu não vim para chamar os justos,
mas, sim, os pecadores, ao arrependimen-
to”. Em 15:2, a murmuração é diretamen-
te contra o Senhor Jesus mesmo, quando
eles disseram: “Este recebe pecadores, e
come com eles”. O Senhor respondeu a
esta reclamação explicando novamente
que Sua aceitação de pecadores é com
base no seu arrependimento. No cap. 19,
quando Zaqueu se arrependeu, novamen-
te houve murmuração; mas aqui foi por
“todos” que “vendo isto murmuravam” (v.
7). A murmuração dos líderes tinha, como
o fermento, se espalhado a todo o povo.
A glória da Sua graça 130

Em cada um destes três trechos há


uma reclamação contra o Senhor e Seus
discípulos:

5:30 — “Por que comeis e bebeis com


publicanos e pecadores?”

15:2 — “Este recebe pecadores e come


com eles”.

19:7 — “… entrara para ser hóspede de um


homem pecador”.

Na Sua resposta a cada reclamação,


há uma afirmação clara do Salvador para
explicar o ato de amor e misericórdia
divina para com os que se arrependem.

5:32 — “Eu não vim chamar os justos,


mas, sim, os pecadores, ao arrepen-
dimento”.
A glória da Sua graça 131

15:7 — “Digo-vos que assim haverá ale-


gria no céu por um pecador que se
arrepende”.

19:10 — “Porque o Filho do Homem veio


buscar e salvar o que se havia per-
dido”.

Em cada resposta o Senhor coloca


uma ênfase diferente, mas todas falam
sobre o arrependimento. No cap. 5 Ele
enfatiza a necessidade do pecador; no
cap. 15 é a alegria do pecador e do Pai; e
no cap. 19 é a bênção do pecador.

Não há nenhuma outra parábola


tão cheia de detalhes sobre a verdade
evangélica como esta parábola tríplice
em Lucas 15. Seria além do alcance deste
artigo expor tudo, mas escolheremos os
A glória da Sua graça 132

princípios salientes relacionados com o


arrependimento. Não há dúvida de que
temos de interpretar a parábola como
falando da salvação de um pecador, e não
da restauração de um salvo. Embora haja
semelhanças no arrependimento de am-
bos, o contexto e conteúdo aqui mostram
que o ensino é sobre o arrependimento
para a salvação. A plateia nesta ocasião
era composta de “publicanos e pecado-
res” (15:1). O pecado do filho o levou a
uma terra distante onde ele é descrito
como estando “perdido e morto” (v. 32).
Seu arrependimento o trouxe a um lugar
de gozo e bênção onde ele foi “achado
e vivo” (v. 32). Estas descrições são apro-
priadas à salvação, e não à restauração.

Ao tratar da ovelha perdida e da


A glória da Sua graça 133

moeda de prata perdida, o Senhor não


fala nada sobre qualquer ação por parte
do perdido; toda a atividade é dos donos
enquanto buscam o que é realmente seu.
O pastor vai atrás da ovelha perdida, caso
contrário ela morreria. A mulher procura
diligentemente até que encontra a moeda
perdida, senão ela ficaria no escuro. O
ensino é claro: Se Deus não agir primei-
ro em misericórdia para com o pecador
perdido, não haverá salvação. Um peca-
dor nunca se arrependerá, nem sentirá o
desejo de se arrepender, se Deus não co-
meçar a trabalhar no coração através do
Espírito Santo. Contudo, para completar
o quadro, a ênfase muda na parábola do
filho perdido. Não é somente Deus que
precisa trabalhar no coração em convic-
A glória da Sua graça 134

ção, mas o pecador precisa responder à


convicção. Se o pecador não quiser se
arrepender, não haverá bênção. O filho
era responsável pelos seus pecados, e
também era responsável pelo seu próprio
arrependimento.

Os problemas do filho pródigo co-


meçaram com a sua cobiça, quando
disse “dá-me” (15:12). Os problemas da
raça humana começaram quando uma
cobiça semelhante surgiu no coração de
Adão e o levou a comer do fruto de uma
árvore proibida por Deus. Tanto para Adão
como para o filho pródigo, o problema
rapidamente os mergulhou em trevas e
desespero. Para o Pródigo não poderia
haver bênção até que ele começasse
a desejar uma mudança. Na descrição
A glória da Sua graça 135

do Salvador sobre os pensamentos do


pródigo sobre si mesmo, seu pecado, e
seu pai, temos uma explicação do que é
arrependimento.

O arrependimento do pecador é
exatamente isso — uma mudança de
pensamento sobre si mesmo, sobre seu
pecado, e sobre Deus. A mente do rapaz
começou a funcionar — “tornando em
si” (v. 17); ele mudou suas opiniões sobre
suas escolhas passadas e para onde o
levaram. Sua memória começou a fun-
cionar e ele se lembrou da casa do seu
pai (v. 17); ele mudou sua opinião sobre
a grande provisão que havia na casa do
pai. Sua miséria começou a operar — “eu
aqui pereço de fome” (v. 17); ele mudou
sua opinião sobre a sua condição atual.
A glória da Sua graça 136

Isso nos mostra onde começa o verda-


deiro arrependimento: na mente. Envolve
uma mudança de mente. Mas, se ele não
agisse em relação aos seus novos pen-
samentos, ele teria morrido no campo;
é preciso haver também uma mudança
de coração em relação ao seu pai. Ele
resolveu se levantar e voltar ao seu pai e
confessar o seu pecado (v. 18). Que mo-
mento quando a mudança de mente e do
coração foi manifestada numa mudança
de direção, e “ele levantando-se, foi para
seu pai” (v. 20). No começo da história ele
“partiu para uma terra longínqua” (v. 13),
mas agora ele está de volta. Ele resolveu
ser honesto com seu pai sobre:

Suas obras — “pequei …” (v. 13).


A glória da Sua graça 137

Seu valor — “não sou digno de ser cha-


mado teu filho” (v. 19).

Seu desejo — “faze-me como um dos teus


jornaleiros” (v. 19).

Entretanto, quando seu pai correu


ao seu encontro, e o rapaz expressou
sua confissão sobre suas obras e in-
dignidade (v. 21), a coisa parou por ali.
Ele não teve oportunidade de expressar
seu desejo de ser um jornaleiro. Ele foi
acolhido pelo abraço amoroso e pela
expressão de graça do seu pai. Há uma
interrupção bendita do pai, no v. 22: “Mas
o pai disse aos seus servos …”. Este é o
grande princípio da graça no perdão. O
pai não escutará propostas; a bênção
não pode ser negociada ou trocada por
A glória da Sua graça 138

penitência. Semelhantemente, a bênção é


nos termos de Deus, inteiramente: não é
para o pecador arrependido dizer a Deus
o que ele está preparado a fazer para ser
aceito. O arrependimento traz o pecador
da “terra longínqua” para confessar aos
pés do Pai, onde a remissão é concedida
sem retribuição, a graça é estendida sem
relutância por Deus, e o pecador arrepen-
dido é colocado na esfera de bênção sem
qualquer condição. A bênção é sempre
de acordo com “as abundantes riquezas
da sua graça pela sua benignidade para
conosco em Cristo Jesus” (Ef 2:7). O Pai
se deleita em receber de volta o pecador
“são e salvo” (Lc 15:27).

Esta parábola nos dá um retrato


completo do verdadeiro arrependimento.
A glória da Sua graça 139

Não foi no momento quando ele mudou


sua opinião sobre si mesmo e sobre o
seu pecado que ele foi abençoado. O
arrependimento exige uma mudança de
coração sobre Deus o Pai, e uma mudan-
ça de direção que nos leva a Ele. Todos
estes aspectos eram necessários para
completar o seu arrependimento.

Finalmente, o Salvador ensina que


quando um pecador se arrepende isso
produz alegria no céu, para os anjos (v.
7), para o Pai; e para o pecador arrepen-
dido (vs. 23-24). O arrependimento é ter
novos pensamentos sobre o pecado e
sobre Deus, que resultam em convicção,
contrição, humildade e confissão.
Cap. 3 — Salvação
James B. Currie, Japão.

Se o pecado não tivesse contamina-


do o universo perfeito de Deus, e apa-
rentemente o fez duas vezes, a salvação
nunca teria sido necessária. A primeira
ocorrência de pecado foi na revolta
angelical relatada em Isaías 14, quando
Lúcifer quis conquistar, ilegalmente, o que
o trono divino representava. É no contex-
to deste acontecimento importante que
Apocalipse 12 deve ser interpretado. A lin-
guagem metafórica do capítulo descreve
como Satanás, chamado “o dragão”, levou
com “sua cauda” a terça parte dos seres
A glória da Sua graça 141

celestes para seus propósitos malignos.


A resposta de Deus a esta insurgência
foi precipitar, imediatamente, os partici-
pantes para um estado onde estão presos
em “cadeias da escuridão”, esperando o
juízo futuro, sem qualquer esperança de
salvação.

Em contraste com a decisão imutá-


vel, em relação à iniquidade de “Satanás e
seus anjos”, temos a revelação da infinita
misericórdia de Deus para com o homem
quando, pela sua desobediência, o peca-
do invadiu o seu domínio. Apesar de Adão
e Eva terem, voluntariamente, escolhido
um caminho de rebelião, naquela mes-
ma ocasião Deus deu evidências claras
do Seu propósito para a restauração das
Suas criaturas pecadoras. Este processo,
A glória da Sua graça 142

mencionado pela primeira vez no jardim


do Éden, e que permeia todas as Escritu-
ras, é chamado, “salvação”. Enquanto os
transgressores angelicais estão reservados
para o fogo eterno preparado para eles
(Mt 25:41), a transbordante benevolência
de Deus (Tt 3:3-5) decretou um caminho
pelo qual o homem pode ser reconciliado
com seu Criador e resgatado das conse-
quências terríveis do pecado. Logo vemos
que a salvação, nos seus muitos aspectos,
tem a ver com o pecado e o livramento
das suas consequências.

A palavra “salvação” aparece na ver-


são AV em inglês 163 vezes (118 vezes
no VT e 45 vezes no NT*). Este fato em

* Nas versões em Português, as ocorrências são


semelhantes. Na AT são 170 ocorrências (124 no
A glória da Sua graça 143

si prova como este assunto é tão difun-


dido na Palavra de Deus. Em ambos os
Testamentos a palavra significa a mesma
coisa: resgate, libertação, segurança
e perseverança. Sem dúvida, é a mais
compreensiva doutrina das Escrituras da
Verdade. Este assunto reúne todos os
principais temas da Bíblia, dando uma
revelação extensiva da obra salvadora de
Deus em prol da Sua criação pecadora e
perdida. A primeira e a última menção da
palavra nas Escrituras são significantes.
Jacó, em Gênesis 49:18, diz: “a tua sal-
vação espero, ó Senhor”. Sua afirmação

VT e 46 no NT), na ARC são 167 ocorrências


(120 no VT e 47 no NT), e na ARA são 148
ocorrências (104 no VT e 44 no NT). A diferença
ocorre porque algumas vezes palavras sinônimas
são usadas, ao invés de “salvação” (N. do E.).
A glória da Sua graça 144

é feita no contexto do comportamento


traiçoeiro de Dã. Lembrando que, no
começo, o Maligno assumiu a forma de
uma serpente e que foi ele mesmo que
inspirou o mau comportamento de Dã,
especialmente como é enfatizado no livro
de Juízes, Jacó mostra plena confiança na
consumação final da salvação. A última
menção da palavra é em Apocalipse 19:1.
A confiança de Jacó não foi mal coloca-
da. O pecado já foi tratado e as últimas
etapas angustiosas da ira do Deus Todo
Poderoso estão prestes a cair, quando a
“salvação” com sua resultante “glória, e
honra, e poder” é atribuída “ao Senhor
nosso Deus”. Assim, este grande assunto
de salvação pode ser chamado “a pedra
angular” de todo o ensino bíblico.
A glória da Sua graça 145

Para que possamos considerar o


assunto geral da salvação de uma ma-
neira sistemática, seguiremos o seguinte
esboço:

1. Descobrindo a origem
a) As possibilidades limitadas
b) A importância singular
c) A doutrina inflexível
2. Definindo o propósito
a) O significado admirável
b) A base justa
c) A motivação divina
3. Descrevendo a obra
a) O meio misericordioso
b) O alcance universal
c) Os termos incondicionais
4. Detalhando os resultados
a) A provisão maravilhosa
A glória da Sua graça 146

b) As exigências rigorosas
c) A consumação gloriosa

1. Descobrindo a origem

a) As possibilidades limitadas
A nossa primeira consideração
precisa ser sobre a origem da salvação.
Visto que o Diabo e os espíritos maus
associados com ele, por causa do seu
caráter pernicioso, estão empenhados
na destruição de tudo o que é bom e
santo, eles estão imediatamente fora de
qualquer consideração quanto à origem
desta grande obra. Como é também evi-
dente que a libertação do homem das
A glória da Sua graça 147

consequências do pecado não pode ser


acidental, as opções são claras. Se esta
condição tão feliz pode ser experimen-
tada, então o próprio homem, ou Deus,
ou uma associação de ambos, precisa
ser o responsável por ela. Em desacordo
com a opinião mal orientada de muitos,
é contrário tanto à história como à ex-
periência pessoal afirmar que o homem
pode salvar-se a si mesmo. Paulo, falando
da escolha feita por Deus, a chama de “a
eleição da graça”, e continua dizendo: “se
é por graça, já não é pelas obras; de outra
maneira, a graça já não é graça. Se, po-
rém, é pelas obras, já não é mais graça; de
outra maneira a obra já não é obra” (Rm
11:5-6). Na sua carta a Tito, ele também
afirma: “não pelas obras de justiça que
A glória da Sua graça 148

houvéssemos feito, mas segundo a sua


misericórdia, nos salvou” (Tt 3:5). Os es-
critores do Velho Testamento concordam
com isto. Veja, por exemplo, Isaías 64:6:
“Mas todos nós somos como o imundo,
e todas as nossas justiças como trapo da
imundícia, e todos nós murchamos como
a folha, e as nossas iniquidades como um
vento nos arrebatam”. Não há nenhum
versículo nas Escrituras que, lido no seu
contexto, pode ser usado para provar que
a libertação do homem pode ser efetua-
da pelo seu próprio esforço. Também,
a obra da salvação não pode ser con-
siderada como um esforço corporativo,
efetuado em parte por Deus e em parte
pelos homens. Aos olhos de um Deus
santo o estado do homem é tão ruim
A glória da Sua graça 149

que somente o poder divino é capaz de


efetuar a sua salvação. Como as palavras
de Romanos 11 (citadas acima) dizem, o
bem estar espiritual do homem precisa
ser inteiramente da graça, ou inteiramente
de obras. Não pode ser uma combinação
de ambos. Do ventre do grande peixe Jo-
nas clamou: “Do Senhor vem a salvação”
(2:9). Aqueles que seguem nas pegadas
do profeta podem dizer com J. M. Gray:
Abandonando a vanglória, humilho meu orgulho;
Sou só um pecador salvo pela graça.
(tradução literal)

Não podemos nem pensar em al-


guém a não ser Deus como sendo a
origem, a fonte e o consumador final da
salvação, e de todos os seus resultados.
A glória da Sua graça 150

b) A importância singular
O autor da carta aos Hebreus es-
creve de “tão grande salvação” (2:3). Tal
é a grandeza desta obra Divina que a
participação intrínseca de todas as três
Pessoas da Divindade é especificamente
mencionada na Palavra de Deus. A mes-
ma epístola aos Hebreus, em 9:14, liga a
participação singular do Pai, do Filho e
do Espírito Santo na realização desta obra
maravilhosa. O Senhor Jesus ofereceu-se
a Si mesmo a Deus e operou com todo o
poder do “Espírito eterno”, uma referência
ao Espírito Santo. O sacrifício do Senhor
Jesus para satisfazer as justas exigências
do trono de Deus foi proposto na eter-
nidade passada, e naquele plano e no
A glória da Sua graça 151

seu cumprimento o Espírito Santo estava


incluído com todo o Seu imenso poder.
A salvação da qual falamos foi proposta
pelo Pai, providenciada pelo Filho e é
perfeita pelo poder do Espírito Santo. O
que o Senhor Jesus conseguiu quando
“Se ofereceu a si mesmo imaculado a
Deus” foi a vindicação da santidade de
Deus. No mesmo tempo Ele lançou a base
pela qual Deus podia, em harmonia com
Seu caráter justo, proclamar: “Livra-o [a
humanidade], para que não desça à cova;
já achei resgate” (Jó 33:24).

c) A doutrina inflexível
Em Atos 4, quando o sumo sacer-
dote e muitos do seu grupo estavam
A glória da Sua graça 152

reunidos em Jerusalém para interrogar


Pedro e os outros apóstolos sobre a cura
do homem paralítico, Pedro testificou,
categoricamente, sobre o fato que o
homem fora curado “em nome de Jesus
Cristo, o Nazareno, aquele a quem vós
crucificastes e a quem Deus ressuscitou
dentre os mortos” (v. 10). Em relação
àquele Nome, ele também declarou: “E
em nenhum outro há salvação, porque
também debaixo do céu nenhum outro
nome há, dado entre os homens, pelo
qual devamos ser salvos” (v. 12). Com este
testemunho inflexível todos os outros es-
critores do Novo Testamento concordam,
e o fazem de maneiras diferentes. Num
contexto completamente diferente, ao
enfatizar o fato que Deus, quanto ao Seu
A glória da Sua graça 153

Ser essencial, é Um só, Paulo escreveu


“… Deus nosso Salvador, que quer que
todos os homens se salvem, e venham ao
conhecimento da verdade. Porque há um
só Deus, e um só Mediador entre Deus e
os homens, Jesus Cristo homem, o qual
se deu a si mesmo em preço de redenção
por todos” (I Tm 2:3-6). Mas não precisa-
mos ir além da palavra do próprio Senhor
Jesus para confirmar este fato. Ele mesmo
disse: “Eu sou o caminho, a verdade e
a vida; ninguém vem ao Pai, senão por
mim” (Jo 14:6). Somente alguém sofrendo
de um falso sentimento de grandeza faria
tal reivindicação se ela não fosse verda-
deira, mas o que os quase 40 autores dos
vários livros da Bíblia fazem é confirmar
esta reivindicação, de várias maneiras, e
A glória da Sua graça 154

o fazem sem uma única voz discordante.

Pelo que a Bíblia ensina deparamos


com os seguintes fatos:

i) A salvação é exclusivamente a obra


de Deus em prol de homens peca-
dores.

ii) Tal é a grandeza envolvida nesta obra


que o Deus Triúno está interessado
em cada um dos seus aspectos.

iii) O único meio de Deus suprir tal sal-


vação é o dom de Seu Filho, preorde-
nado para “dar a Sua vida em resgate
de muitos” (Mt 20:28).
A glória da Sua graça 155

2. Definindo o propósito

a) O significado admirável
Dizer que a salvação foi planejada
pelo Pai, providenciada pelo Senhor
Jesus e aperfeiçoada pelo Espírito Santo
é, talvez, limitar demais as respectivas
atividades das Pessoas da Divindade para
providenciar a salvação. No entanto, sem
dúvida alguma, todas as três Pessoas da
Trindade são participantes integrais no
seu começo e sua consumação. Sendo
tal participação uma realidade, o desejo
de procurar entender o significado básico
da salvação é não somente importante,
mas muito importante, para todos que
A glória da Sua graça 156

querem conhecer a mente de Deus em


relação a ela.

Nos tempos do Velho Testamento


a palavra tinha um pano de fundo inte-
ressante. Veio de uma raiz que significa
“largo ou espaçoso”, em contraste com
aquilo que é “estreito ou apertado”. Ime-
diatamente pensamos em liberdade,
emancipação e proteção. É usada neste
sentido em contextos espirituais e físicos.
Quando Zacarias, cheio do Espírito Santo,
falou da “salvação poderosa que o Deus
de Israel levantou”, ele falava claramente
da libertação física dos inimigos de Israel
(Lc 1:68-71). Quando Pedro clamou: “Se-
nhor, salva-me!” (Mt 14:30), ele queria ser
salvo do perigo de se afogar. Contudo,
na grande maioria das ocasiões em que
A glória da Sua graça 157

a palavra é usada, ela fala da salvação


da alma da perdição eterna, culminando
na preservação eterna e no bem estar
de todos aqueles que são participan-
tes das suas bênçãos. Este significado
espiritual indica o processo divino pelo
qual homens pecadores são libertos das
terríveis consequências do seu pecado e
feitos idôneos para serem filhos de Deus
e herdeiros do Seu reino.

Este processo é sem dúvida alguma


em relação ao homem, ocorre na Terra
e contém fundamentalmente consequên-
cias eternas. Mas as palavras usadas em
conjunto com a palavra “salvação”, ou
com outras intimamente relacionadas,
mostram como seu significado abrange
muito mais. Em primeiro lugar, a obra
A glória da Sua graça 158

da salvação, quanto ao indivíduo, certa-


mente traz libertação da penalidade do
pecado, mas isto é iniciado pela graça
de Deus. Quando Paulo escreveu: “Tudo
sofro por amor dos escolhidos, para que
também eles alcancem a salvação que
está em Cristo Jesus com glória eterna”
(II Tm 2:10), ele estava se referindo aos
indivíduos que seriam salvos através do
seu ministério, porque eram os escolhidos
de Deus. O apóstolo escreveu ainda mais
apoiando este ponto de vista: “Como tam-
bém nos elegeu nele antes da fundação
do mundo, para que fôssemos santos e
irrepreensíveis diante dele, em amor” (Ef
1:4). Pedro também concorda com Pau-
lo quando ele escreve aos estrangeiros
espalhados na Ásia, e os descreve como
A glória da Sua graça 159

“eleitos segundo a presciência [onisciên-


cia infalível] de Deus Pai” (I Pe 1:2). Os
“eleitos” são aqueles que são escolhidos
por Deus para a salvação. O recebimento
desta salvação é efetuado pelo chamado
do Evangelho, ao qual o indivíduo inte-
ressado responde livremente. Sem dúvida,
o primeiro passo nesta “resposta ao cha-
mado do Evangelho” é a convicção do
pecado que, de acordo com as palavras
do Senhor Jesus, é obra unicamente do
Espírito Santo: “E, quando ele vier, con-
vencerá o mundo do pecado, e da justiça
e do juízo” (Jo 16:8). Para que esta imensa
obra da salvação possa ser efetuada em
uma alma, esta convicção do pecado é
absolutamente essencial. Aceitar o fato
que Deus é verdadeiro, mesmo se todo
A glória da Sua graça 160

homem é mentiroso, e reconhecer que


eu, como indivíduo, sou réu condenado
perante o tribunal de Deus, é uma convic-
ção que não deve ser renegada ou futu-
ramente abandonada. Num contexto um
pouco diferente, Paulo escreveu: “Porque
a tristeza segundo Deus opera arrependi-
mento para a salvação, da qual ninguém
se arrepende” (II Co 7:10). O poder do
Espírito Santo, que produz convicção,
conduz ao verdadeiro arrependimento,
tão certo quanto o faz a benignidade de
Deus (Rm 2:4).

b) A base justa
Falar da salvação no sentido de efe-
tuar a libertação é chamar atenção ao
A glória da Sua graça 161

conceito da redenção e ao pagamento


de um resgate, que já mencionamos
resumidamente. As Escrituras provam
que o homem é um escravo na servidão
do pecado, e a experiência universal
concorda com este fato. Para se obter
uma libertação como a que estamos
contemplando, um resgate precisa ser
pago. O pecado tem levado o homem à
extremidade de falência moral com uma
dívida incalculável, por assim dizer, para
com seu Criador e Deus. Para que esta
vasta incumbência seja removida e o
pecador seja libertado da sua opressiva
responsabilidade final, todas as exigências
da justiça de Deus precisam ser satisfei-
tas. Este aspecto da salvação, de redimir,
resgatar, pagar o preço ou comprar de
A glória da Sua graça 162

volta, é encontrado em três palavras usa-


das no Novo Testamento. Em Efésios 1:7,
está escrito: “Em quem [Cristo] temos a
redenção pelo seu sangue, a remissão das
ofensas”. A mesma verdade é enfatizada
nas palavras do Senhor Jesus em Marcos
10:45: “O Filho do Homem veio … para
dar a Sua vida em resgate de muitos”.
Paulo esclarece mais, quando ele escreve:
“Fostes comprados por preço” (I Co 7:23).
Estes versículos, entre muitos, declaram
que o resgate é inegavelmente essencial e
além de qualquer capacidade do homem;
veja também o Salmo 49:7-8. Só Deus
pode resgatar. No assunto do pecado
do homem, as palavras de Hanameel ao
seu sobrinho Jeremias: “tens o direito
de resgate para comprá-la” (Jr 32:7), só
A glória da Sua graça 163

podem ser aplicadas a Deus. A vastidão


insuperável da dívida do homem e a
Quem é devida, é ilustrada na parábola
dos devedores, proferida pelo Senhor
em Mateus 18. O credor, na parábola, é
chamado de “o Senhor do servo”, que,
“movido de íntima compaixão, soltou-o e
perdoou-lhe a dívida” (v. 27). Tais palavras
só podem ser aplicadas a Deus. É isso que
o Senhor Jesus faz quando Ele diz: “Assim
vos fará meu Pai celestial” (v. 35). O Deus
contra Quem o homem tem uma dívida
é Aquele que “quer que todos os homens
se salvem, e venham ao conhecimento da
verdade”. Neste mesmo contexto, é afir-
mado que há “um só Medidor entre Deus
e o homem”, que “se deu a si mesmo em
preço de redenção por todos, para servir
A glória da Sua graça 164

de testemunho a seu tempo” (I Tm 2:5-6).


Obviamente, então, a salvação, nos seus
detalhes, inclui a ideia de um resgate sen-
do pago para conseguir a libertação dos
cativos do pecado. Ela mostra as portas
da prisão do devedor sendo abertas am-
plamente, para que todos que aceitam a
oferta Divina possam sair de graça (veja
Is 61:1 e Lc 4:19).

c) A motivação divina
O pecado constitui o homem como
um “inimigo de Deus”. Na epístola aos Co-
lossenses, Paulo, lamentando a influência
maligna das “filosofias, e vãs sutilezas, se-
gundo as tradições dos homens, segundo
os rudimentos do mundo” (2:8), lembra os
A glória da Sua graça 165

salvos que “vós também … noutro tempo


éreis estranhos, e inimigos no entendi-
mento pelas vossas obras más” (1:21).
A inimizade natural dos homens contra
Deus é o resultado da natureza vil que
herdamos do nosso primeiro antepassa-
do. Isso é agravado pela “lei dos manda-
mentos” (Ef 2:15). Esta afirmação, no seu
contexto, tem a ver com as ordenanças
que antes separavam os judeus dos gen-
tios, mas que agora foram abolidas por
Cristo na Sua morte. No entanto temos
muitas provas em outros lugares de que
os homens “odeiam a luz”, e temem as
qualidades reveladoras da Palavra de Deus
(Jo 3:20). Para gozar de um relaciona-
mento correto e feliz, inimigos precisam
ser incondicionalmente reconciliados. Em
A glória da Sua graça 166

dar o Seu Filho à morte de cruz Deus tem,


em infinito amor, providenciado os meios
pelos quais “não fique banido dele o seu
desterrado” (II Sm 14:14).

Devemos notar aqui que a causa da


inimizade é encontrada na humanidade,
e que a atitude de Deus para com todos
os homens está resumida na mensagem
de reconciliação. Esta mensagem, es-
tendida aos povos de todos os tempos,
climas, línguas e classes é “que vos re-
concilieis com Deus” (II Co 5:20). Este é
o apelo constante feito pelos pregadores
do Evangelho, motivados por um amor
infinito. Por causa da obra da reconcilia-
ção realizada pelo Senhor Jesus Cristo,
todos os homens estão incluídos no
convite e têm a possibilidade de serem
A glória da Sua graça 167

salvos. Infelizmente, por causa da in-


credulidade, nem todos serão salvos. As
palavras “salvação” e “reconciliação” são
encontradas juntas também em Roma-
nos 5:9-10. Como pecadores crentes em
Cristo, fomos “justificados” pelo sangue
de Cristo; “seremos salvos da ira [futura]
por Ele”, e quando éramos “inimigos, fo-
mos reconciliados com Deus pela morte
do Seu Filho”. Este plano misericordioso
depende inteiramente do amor de Deus.
“Deus prova o seu amor para conosco,
em que Cristo morreu por nós, sendo nós
ainda pecadores” (v. 8); e “em amor” Ele
“nos predestinou para filhos de adoção
por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo
o beneplácito de sua vontade” (Ef. 1:4-5).
A glória da Sua graça 168

3. Descrevendo a
obra da salvação

a) O meio misericordioso
Em contraste total com a graça de
Deus está o pecado corrupto e deprava-
do do homem. Sabemos muito bem que
o homem é capaz de fazer o bem ao
seu próximo, até mesmo sem qualquer
interesse próprio, mas também é muito
claro que ele não pode fazer nada para
merecer o favor de Deus e obter dEle a
salvação. Quando o povo de Cafarnaum
Lhe perguntou: “Que faremos para execu-
tarmos as obras de Deus?”, o Senhor Jesus
A glória da Sua graça 169

respondeu: “A obra de Deus é esta: que


creiais naquele que Ele enviou” (Jo 6:28-
29). As Escrituras consistentemente afir-
mam que a salvação é conferida somente
na base da fé: “Creu Abraão em Deus, e
isso lhe foi imputado como justiça” (Rm
4:3); “Porque pela graça sois salvos, por
meio da fé” (Ef 2:8). Trazendo o assunto à
sua conclusão, Pedro acrescenta: “alcan-
çando o fim da vossa fé, a salvação das
vossas almas” (I Pe 1:9). Nem o arrepen-
dimento, nem as orações, nem o desejo
humano podem efetuá-la. Somente a fé
salva, e o objetivo da fé salvadora é que
“Deus enviou Seu Filho para ser o Salvador
do mundo” (I Jo 4:14). O meio escolhido
por Deus para providenciar a salvação foi
ilustrado e profetizado durante séculos,
A glória da Sua graça 170

antes da vinda do Senhor Jesus, provando


que este plano não foi de modo algum
um plano posterior de Deus, ou um plano
de emergência, forçado pelas circunstân-
cias. As revelações cumulativas de que
uma morte seria necessária para satisfa-
zer todas as santas exigências de Deus, e
que ao mesmo tempo manifestaria o Seu
maravilhoso amor, foram concretizadas
na dádiva de Deus do Seu Filho. “Deus
enviou … Seu Filho ao mundo …” (Jo
3:17). O significado verdadeiro das figuras
e profecias é que a morte necessária para
a salvação seria a morte do próprio Filho
de Deus. Ele é designado “o Cordeiro que
foi morto desde a fundação do mundo”
(Ap 13:8). A morte do Senhor Jesus em
prol de todos é o meio maravilhoso de
A glória da Sua graça 171

Deus de garantir a salvação dos muitos


que crêem.
Nenhum anjo meu lugar podia ter tomado;
Mesmo que tivesse o principado.
Ali na cruz, desprezado e desamparado;
Estava Um da Divina Trindade”.

J. M. Gray (tradução literal)

E também cantamos nas palavras de


Isaac Watts:
Amor tão maravilhoso, tão divino,
Merece meu coração, minha vida, e meu todo.
(tradução literal)

b) O alcance universal
É surpreendente como muitas pes-
soas instruídas e capacitadas, no seu
zelo para limitar o alcance da salvação
A glória da Sua graça 172

obtida, não vêem a sua inconsistência ao


dar interpretações diferentes às mesmas
palavras, para assim reforçar a sua pró-
pria opinião. Um destes chega a dizer:
“A Bíblia frequentemente usa as palavras
mundo e todos num sentido limitado”,
e conclui dizendo: “É claro que todos
não são todos”. Um antigo e sábio dizer
mostra o erro neste tipo de pensamento:
“Se a Bíblia não quer dizer o que diz, en-
tão ninguém pode dizer o que ela quer
dizer!” Quando Paulo escreve que “todos
pecaram e destituídos estão da glória de
Deus” (Rm 3:23), ou quando João escreve:
“o mundo inteiro jaz no maligno” (I Jo
5:19), e todo mundo aceita que nenhuma
restrição deve ser colocada nestas pala-
vras, como pode uma exposição ser con-
A glória da Sua graça 173

siderada sadia quando ela coloca limites


a palavras idênticas usadas pelo próprio
Senhor Jesus, e por alguns dos apósto-
los? Num livro escrito perto do final da
era apostólica, e aparentemente dirigido
a leitores gentios, não faz sentido regis-
trar as palavras do Senhor: “Porque Deus
amou ao mundo …” se estas palavras
não significam exatamente o que dizem!
Quando Paulo escreveu: “Cristo … mor-
reu a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5:6),
o contexto era sobre a afirmação legal
de que “não há justo, nem um sequer”, e
“todo o mundo … seja condenável diante
de Deus” (Rm 3:10,19). Paulo não queria
dizer que Cristo morreu por alguns dos
ímpios! Também, quando o Senhor Jesus
enviou Seus discípulos, a ordem foi: “Ide
A glória da Sua graça 174

a todo o mundo e pregai o Evangelho a


toda criatura” (Mc 16:15). É inacreditável
que o Senhor daria esta comissão se Ele
soubesse que os benefícios da Sua morte
recente não estavam disponíveis a todos
a quem os discípulos foram enviados.

Estas Escrituras, e muitas outras,


afirmam que é necessário crer que o
Evangelho, em todo seu grande poder,
é oferecido a todos, sem limite. A versão
JND* expressa esta verdade com clare-
za: “Mas, não será o ato de favor como
foi a ofensa? Porque se pela ofensa de
um os muitos têm morrido, muito mais
tem a graça de Deus, e o dom gratuito

* Apresentamos no texto uma tradução, o mais


literal possível, da versão em inglês de J. N. Darby
(N. do E.).
A glória da Sua graça 175

em graça, que é pelo um Homem Jesus


Cristo, abundado aos muitos … assim
então como foi por uma ofensa para a
condenação de todos os homens, assim
também por uma justiça para todos os
homens para a justificação de vida” (Rm
5:15, 18).

Embora reconheçamos que nem to-


dos serão participantes da “tão grande sal-
vação”, temos que insistir que a salvação
é oferecida e está ao alcance de todos os
homens, sem limite. É a vontade de Deus
que a morte de Cristo deveria prover a
salvação para todos os homens e forne-
cer a salvação a todos os que crêem. A
onisciência de Deus engloba o fato que
devido à incredulidade rebelde, muitos
permanecem destituídos de todas as bên-
A glória da Sua graça 176

çãos que a salvação traz. Concordando


com isso, não por causa disso, o Senhor
se certifica de que alguns, “compelidos”
pela graça, virão a participar da grande
ceia preparada (Lc 14:16-24). Assim, “o
propósito de Deus, segundo a eleição”,
permanece firme (Rm 9:11).

c) Os termos incondicionais
É tão comum, em muitos lugares,
pensar que as boas obras são uma parte
essencial para se obter a salvação, que isto
se torna aceito sem qualquer questiona-
mento. Alguns afirmam que é isto que as
Escrituras ensinam, e dizem: “As bênçãos
eternas no Céu são a recompensa pelas
boas obras realizadas nesta Terra”. Para
A glória da Sua graça 177

apoiar esta crença falsa, palavras das Es-


crituras que não estão relacionadas com
a obra inicial da salvação da alma são
muitas vezes usadas — versículos como
Filipenses 2:12 (“operai a vossa salvação
com temor e tremor”) e Romanos 2:6-7
(“O qual recompensará cada um segundo
as suas obras; a saber: a vida eterna aos
que, com perseverança em fazer o bem,
procuram glória, honra e incorrupção”).
Em vista das muitas Escrituras que es-
pecificamente negam que obras, por si
mesmas ou em conjunto como ritos e
credos, possam dar a salvação, continuar
a crer nisto é aceitar que a Bíblia é um
livro muito inconsistente. No contexto
exato onde Paulo insiste que é a graça
de Deus que traz a salvação a todos os
A glória da Sua graça 178

homens, e que não é “pelas obras de jus-


tiça que houvéssemos feito, mas segundo
a sua misericórdia”, que Deus nos salvou,
ele também enfatiza que tais salvos são
“um povo especial [comprado], zeloso
de boas obras” (Tt 2:13-3:5). É óbvio que
colocar boas obras como uma condição
para se obter a salvação não se sustenta
debaixo de investigação, e que os textos
oferecidos como provas devem ter outras
interpretações, como têm. Na igreja em
Filipos surgiram problemas evidente-
mente de natureza pessoal. O apóstolo,
estando ausente naquele tempo, encoraja
os crentes a resolverem estas diferenças e
colocar as coisas em ordem com temor
e tremor. Como crentes ele os chama,
não a procurar merecer a salvação por
A glória da Sua graça 179

meio de trabalho, mas a imitar o grande


exemplo do seu Senhor e Salvador, que
Se humilhou e foi obediente até a mor-
te de cruz. Mais ou menos no mesmo
tempo, escrevendo a Tito, o contexto da
sua exortação é o caráter moral dos cre-
tenses, que deixava muito a desejar. Os
habitantes da ilha de Creta, que creram
em Cristo, pela fé, são lembrados de que
se espera uma grande mudança no com-
portamento de cada um deles.

“Crê no Senhor Jesus e serás salvo”


(At 16:31); “para que todo aquele que nele
crê não pereça, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3:15). Dezenas de Escrituras, todas
afirmando a mesma coisa, poderiam ser
citadas aqui mostrando, sem medo de
contradição, que a salvação é obtida, sim-
A glória da Sua graça 180

plesmente, plenamente e totalmente por


uma única condição; isto é, fé no Senhor
Jesus Cristo como o único Salvador dos
pecadores.

4. Detalhando
os resultados

a) A provisão maravilhosa
De todos os temas interligados rela-
cionados à salvação, os mais fundamen-
tais são: o arrependimento, o perdão
dos pecados, a reconciliação e a justi-
ficação. Atos 20:21 revela quão intima-
mente o arrependimento está associado
A glória da Sua graça 181

com a fé. O testemunho de Paulo, tanto


a judeus como a gregos, era “o arrepen-
dimento para com Deus e a fé em nosso
Senhor Jesus Cristo”. O arrependimento
é uma mudança completa da mente em
relação a Deus, a si mesmo, ao pecado
e ao juízo. É absolutamente necessário
para a salvação, como parte intrínseca da
“fé para com Deus”. Realmente, um não
pode ocorrer sem o outro. O perdão dos
pecados apresenta o pecador acusado
e convicto com uma “cédula riscada”
(Cl 2:14), enquanto a justificação lhe dá
uma posição completamente nova aos
olhos de Deus. Na sua grande epístola
judicial, a carta aos Romanos, o apóstolo
Paulo apresenta o homem como tendo
rebelado contra a revelação que Deus
A glória da Sua graça 182

lhe deu, seja pela natureza ao seu redor,


ou pela comunicação especial das Santas
Escrituras. Isso, por necessidade, contém
também uma rejeição de uma das prin-
cipais afirmações divinas: “Deus se mani-
festou em carne” (I Tm 3:16), na Pessoa
do Seu Filho, o Senhor Jesus. Na mesma
carta aos Romanos ele também expôs o
homem como corrupto em pensamento,
palavras e atos, e as raízes de tal com-
portamento voltam até Adão, o primeiro
homem. O veredicto do qual não se pode
escapar é registrado, em 3:19, em palavras
inegavelmente claras, e que já mencio-
namos: “Toda a boca … fechada, e todo
o mundo seja [ou declarado] condenável
diante de Deus”. Temos que enfatizar aqui
também que a culpa do homem é tal que
A glória da Sua graça 183

somente o perdão divino pode limpar a


conta. Embora isso seja visto nos escritos
dos profetas, o Senhor mesmo se mani-
festou como “um Deus rico em perdoar”
(Ne 9:17 e Is 55:7). O perdão dos pecados
não apaga o crime original. Isto é um fato
histórico, mas o perdão cancela o registro
para que a responsabilidade final não seja
mais imputada ao pecador. “Outro” tomou
o seu lugar e assumiu aquela divida como
se fosse dEle mesmo.

Da mesma forma, a justificação preci-


sa ser considerada como parte indivisível
do processo da salvação. O perdão dos
pecados, que acabamos de considerar, é
o outro lado da moeda. Se, por um lado,
o homem é declarado inocente, por outro
ele é declarado como tendo uma posição
A glória da Sua graça 184

justa diante de Deus, o que também lhe


dá aceitação com Deus. A justificação em
si não torna o crente justo, mas o con-
sidera, ou julga, assim. Antes de chegar
à sua grande declaração em Romanos
5:1 (“tendo sido, pois, justificados pela fé,
temos paz com Deus, por nosso Senhor
Jesus Cristo”), Paulo usa a expressão
“imputar” ou “levar em conta”, mais ou
menos dez vezes (veja Rm 4:3-24). Em
cada uma destas ocasiões a expressão
poderia ser traduzida: “creditado”. Este
fato enfatiza o que já foi afirmado. Este
aspecto da salvação é uma afirmação
jurídica de que o pecador que creu teve
todas as suas acusações quitadas, e agora
ele é declarado absolutamente justo pelo
próprio Deus da Santidade. Por causa da
A glória da Sua graça 185

morte do Senhor Jesus Cristo em prol do


pecador, Deus pode eternamente fechar a
conta do pecado do crente, e sem qual-
quer injustiça, declarar que Seus filhos,
um e todos, são justos diante dEle. Esta
é a bondosa e maravilhosa provisão que
Deus fez para o pecador, ao entregar o
Seu Filho à morte de cruz.

b) As exigências rigorosas
A salvação é o dom gratuito de Deus,
mas a salvação não é sem preço. Ela tem
exigências que não podem ser ignoradas.
Não existe uma doutrina dizendo que
podemos continuar em pecado, para que
a graça abunde, como lemos na pergunta
retórica de Paulo, e sua resposta, em Ro-
A glória da Sua graça 186

manos 6:2. Isso pode ser entendido corre-


tamente quando lembramos que a salva-
ção tem três aspectos, passado, presente
e futuro. As Escrituras apóiam esta bem
conhecida verdade. Em pelo menos três
ocasiões nas cartas aos Coríntios, Paulo
fala daqueles que já são salvos: “a palavra
da cruz … para nós que somos salvos, é o
poder de Deus”; “o evangelho … pelo qual
sois salvos” (I Co 1:18; 15:2-3). “Porque …
somos o bom perfume de Cristo, nos que
se salvam” (II Co 2:15). De igual modo a
fase presente da salvação é mencionada
até com mais frequência. Encontramos
um exemplo muito importante disto na
carta aos Efésios, que é uma carta que
descreve a riqueza espiritual possuída
por todos os crentes em Cristo. Ligado às
A glória da Sua graça 187

riquezas concedidas pela graça há muitas


referências ao andar diário do salvo, e
neste contexto as palavras de 4:1 e 17 são
notáveis: “Rogo-vos … que andeis como
é digno da vocação com que fostes cha-
mados”, e “digo isto, e testifico no Senhor,
para que não andeis mais como andam
também os outros gentios”. Também não
faltam palavras sobre o aspecto futuro e
perfeito da salvação. Paulo estimula os
santos romanos a reconhecer “que já é
hora de despertarmos do sono; porque
a nossa salvação está agora mais perto
de nós do que quando aceitamos a fé”
(Rm 13:11). Em relação às recompensas
para os servos de Deus notamos que in-
fidelidade trará perda, mas o servo “será
salvo; todavia como pelo fogo” (I Co 3:15).
A glória da Sua graça 188

A salvação, propriamente dita, é o dom


gratuito de Deus, a possessão da qual
sempre produz uma mudança notável na
vida daquele que professa tê-la recebido.
As exigências da salvação são tais que,
onde a evidência prática estiver ausente,
esta profissão nada mais é do que uma
anomalia. Nós que pertencemos a Cristo
pelo direito da redenção devemos andar
de tal modo que a imagem de Cristo seja
refletida em nós. Salvação não é somente
salvação da penalidade do pecado, mas
o salvo conhece também uma libertação
progressiva do seu poder.

c) A consumação gloriosa
A obra da salvação é tão gloriosa
A glória da Sua graça 189

que inclui todo o empreendimento re-


midor de Deus para livrar os homens
do seu estado pecaminoso e culpado e
apresenta-los, finalmente, “irrepreensíveis,
com alegria, perante a sua glória” (Jd v.
24). Deus ainda não terminou com Seu
povo! Um dia radiante de glória ainda está
por vir! No presente, estes nossos corpos
físicos estão constantemente sujeitos às
táticas invasoras do pecado e, lamenta-
velmente, tal é a nossa natureza fraca
que frequentemente cedemos. O idoso
João disse que seu motivo em escrever
sua primeira epístola era “para que não
pequeis” (2:1). Desde o novo nascimento
e o recebimento do Espírito Santo, o salvo
não tem nenhum incentivo para pecar,
no entanto ele ainda peca. Esta mesma
A glória da Sua graça 190

carta nos traz à memória que a nossa


comunhão com Deus o Pai é mantida
pelo sangue purificador do Senhor Jesus
e pela confissão e abandono do pecado.
Temos um Advogado com o Pai, nosso
Senhor Jesus Cristo: “E ele é a propiciação
pelos nossos pecados” (2:1-2). Por isso, o
salvo tem mais razão ainda para almejar
ardentemente o tempo quando ele terá
terminado para sempre com o pecado
em todas as suas formas. Todos os sal-
vos naquele dia bendito serão trazidos
ao completo “conhecimento do Filho de
Deus, a homem perfeito, à medida da
estatura completa de Cristo” (Ef 4:13).
“Esperamos o Salvador, o Senhor Jesus
Cristo, que transformará o nosso corpo
abatido para ser conforme o seu corpo
A glória da Sua graça 191

glorioso [corpo de glória]” (Fp 3:20-21).


Naquele tempo o Senhor Jesus “apare-
cerá segunda vez, sem pecado, aos que
o esperam para salvação” (Hb 9:28). Por
enquanto toda a criação geme, esperando
ser libertada da escravidão da corrupção
causada pelo pecado. “E não só ela, mas
nós mesmos, que temos as primícias
do Espírito, também gememos em nós
mesmos, esperando a adoção, a saber,
a redenção do nosso corpo. Porque em
esperança fomos salvos” (Rm 8:20-24).
Então se ouvirá “uma grande voz de uma
grande multidão”, trovejando em todo o
universo e dizendo: “Aleluia! Salvação,
e glória, e honra, e poder pertencem ao
Senhor nosso Deus” (Ap 19:1).

Nós, que estamos gozando das


A glória da Sua graça 192

bênçãos de “tão grande salvação” acres-


centamos as nossas vozes àquele coro
celestial, com as palavras do hino escrito
por Muir:
Como amamos cantar do Senhor que morreu,
E Seu grande amor proclamar;
Falando de vida e paz pelo Crucificado,
E salvação pelo Seu nome.
Salvação! Salvação!
Vasta, plena, gratuita;
Pelo sangue precioso do Filho de Deus
Que foi morto no Calvário.
(tradução literal)
Cap. 4 — Justificação
James D. McColl, Austrália.

A justificação exigida
judicialmente
“… para que toda boca esteja fechada
e todo o mundo seja condenável diante
de Deus” (Rm 3:19). “… para que ele seja
justo e justificador daquele que tem fé
em Jesus” (Rm 3:26).

O ponto central da mensagem de


Deus ao mundo, que revela o Seu pro-
pósito de redenção, é a condenação e
A glória da Sua graça 194

a justificação. Romanos 3:19 proclama,


categoricamente, a condenação universal,
e Paulo usa a analogia de um tribunal
judicial para ilustrar este assunto.

Todos já foram julgados perante o


tribunal da justiça Divina, e declarados
culpados e condenados. A mensagem
de Deus também proclama alegremente
a justificação para os culpados, mas nesta
ordem. Se o homem não é pecador, não
há necessidade de justificação. O pano
de fundo da graça justificadora de Deus
é a culpa da raça humana. Em Romanos
1:18-3:31, Paulo, inspirado pelo Espírito
Santo, é visto como o advogado oficial
de acusação. Ele identifica três classes
na humanidade, e isto inclui todos, sem
exceção. Cada membro da raça de Adão
A glória da Sua graça 195

é acusado e achado culpado.

1. Ele acusa o pagão


pervertido (Rm 1:18-32)
Deus revelou-Se a eles na criação,
externamente, e nas suas consciências,
internamente. O homem, sendo um ser
racional e moral, tem a responsabilidade
e a capacidade de responder à revelação
de Deus na criação, e à voz de Deus na
sua própria consciência. Quer ouça ou
não o Evangelho, aquela pessoa não tem
desculpa e é responsável perante Deus
para aprovar o que é certo e rejeitar o
que é errado. Os pagãos, ao negligen-
ciarem sua responsabilidade, se tornaram
culpados de:
A glória da Sua graça 196

i) Perversão — “que detêm a verdade


em injustiça”, literalmente, “subjugam
a verdade em injustiça” (1:18).

ii) Irreverência — “não O glorificam


como Deus” (1:21).

iii) Orgulho — “se desvaneceram e o seu


coração insensato se obscureceu”
(1:21b-22).

iv) Idolatria — “mudaram a glória do


Deus incorruptível em semelhança
da imagem de homem corruptível,
e de aves, e de quadrúpedes, e de
répteis … mudaram a verdade de
Deus em mentira” (1:23, 25).

v) Sensualidade — “Deus os entregou às


concupiscências … paixões infames …
A glória da Sua graça 197

sensualidade … sentimento perverso”


(1:24, 26-28).

vi) Maldade — “cheios de toda a iniqui-


dade, prostituição, malícia, avareza,
maldade; cheios de inveja, homicídio,
contenda, engano, malignidade …”
(1:29).

Paulo conclui em 1:32: “… são dignos


de morte os que tais coisas praticam”. Ser
“dignos de morte” é o veredicto da pena-
lidade de Deus sobre o pecado, e significa
a morte eterna.

2. Ele acusa o filósofo


polido (Rm 2:1-16)
“Portanto, és inescusável quando
A glória da Sua graça 198

julgas, ó homem, quem quer que sejas,


porque te condenas a ti mesmo naquilo
em que julgas o outro; pois tu, que julgas,
fazes o mesmo” (2:1).

Este grupo pode incluir o gentio


culto e também o judeu religioso. Havia
muitos moralistas cultos e filósofos, na
Grécia e em Roma, que não se afunda-
ram nas condições sórdidas mencionadas
em Romanos 1, e cujos dons intelectuais
eram usados para exaltar sua mitologia
pagã, que era realmente a adoração de
demônios. Estes atos deploráveis de ado-
ração nos lembram que a civilização e a
religiosidade não são proteção alguma
contra o mal ou a injustiça. Este espírito
de justiça própria era demonstrado no
fariseu religioso que agradeceu a Deus
A glória da Sua graça 199

por não ser “como os demais homens”


(Lc 18:11).

Estas pessoas imaginam que estão


assentadas no banco do juiz, quando na
realidade estão em pé diante do tribu-
nal, perante o juiz, e expostos à mesma
condenação.

3. Ele acusa o fariseu


privilegiado (Rm 2:17-3:8)
“Eis que tu que tens por sobrenome
judeu, e repousas na lei, e te glorias em
Deus; e sabes a sua vontade e aprovas
as coisas excelentes, sendo instruído por
lei” (2:17-18) .

O judeu ritualista é confrontado aqui


A glória da Sua graça 200

nos seus próprios termos. Suas reivindica-


ções, privilégios, superioridade e ortodo-
xia lhe davam a aparência de estar certo,
mas sua vida o condenava. Ele abusava
da confiança recebida, fazendo com que
o nome em que se gloriava viesse a ser
“blasfemado entre os gentios” (2:24).

a) Os privilégios do judeu
são examinados (2:17-20)
O judeu tinha uma linhagem e po-
dia traçar sua família até Abraão. Saulo
de Tarso também se vangloriava nisto:
“Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem
de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu
de hebreus; segundo a lei, fui fariseu” (Fp
3:5). O privilégio do judeu tinha se torna-
A glória da Sua graça 201

do uma capa com a qual ele procurava


esconder a sua iniquidade e cobiça.

b) As práticas do judeu
são expostas (2:21-24)
O v. 23 diz: “Tu, que glorias na lei,
desonras a Deus pela transgressão da
lei?” Seu comportamento contradizia e
condenava seu orgulho.

c) A posição do judeu é
explicada (2:25-29)
“Se tu és transgressor da lei, a tua cir-
cuncisão se torna em incircuncisão”. Aqui,
o judeu ritualista foi avisado contra o pe-
A glória da Sua graça 202

rigo de descansar num símbolo exterior


enquanto faltava-lhe a realidade interior.

O veredicto final sobre o judeu e


o gentio aparece em Romanos 3:19-20.
Ambos eram réus perante o tribunal. A
Palavra de Deus, entronizada no selo da
justiça, resumiu o caso e pronunciou a
sentença justa: “… que toda boca esteja
fechada e todo mundo seja condenável
diante de Deus” (3:19).

Todas as vozes de defesa e justiça


própria foram silenciadas para sempre.
Deus podia então falar em misericórdia
e graça aos culpados.
A glória da Sua graça 203

A justificação definida
biblicamente
Os assuntos da culpa humana e da
graça de Deus são plenamente e fielmen-
te considerados em Romanos caps. 1-4. A
graça de Deus, independentemente da lei,
tem procurado a bênção da justificação
para cada pecador que crê. Isso foi con-
seguido “pela redenção que há em Cristo
Jesus” (Rm 3:24).

Mas o que significa ser justificado?


Qual é sua definição bíblica?

A palavra “justificado” muitas vezes é


definida “como se nunca tivesse pecado”.
Mas isso significaria um estado de ino-
A glória da Sua graça 204

cência, e esta definição não é bíblica. A


justificação sempre está ligada à culpa,
como Romanos 5:16 claramente explica:
“E não foi assim o dom como a ofensa.
Porque o juízo veio de uma só ofensa,
na verdade, para a condenação”. Paulo
está dizendo que aquela uma só ofensa
de Adão trouxe o juízo inevitável, e o
veredicto foi “condenação”. Mas, o dom
gratuito de Cristo tratou eficazmente com
muitas ofensas, não somente uma — e
o resultado do veredicto foi “absolvição”.
Ele enfatiza as diferenças entre o terrível
resultado de um só pecado e a tremenda
libertação efetuada para muitos pecados
e, no final, entre os veredictos de conde-
nação e justificação.

Além disso, a justificação não signi-


A glória da Sua graça 205

fica que o crente é “feito justo”, pois isto


o tornaria igual a Deus no Seu caráter
essencial. De acordo com o Dicionário
de Palavras do Novo Testamento de W. E.
Vine, “ser justificado” significa “declarado
justo ou pronunciado justo”.

Uma consideração cuidadosa de


todas as Escrituras ligadas com o as-
sunto nos permite compreender que a
justificação significa a absolvição dos
culpados perante o tribunal da justiça de
Deus, declarados justos e trazidos a um
novo e correto relacionamento com Ele.
A justificação é a absolvição legal e formal
de culpa, e Deus é o Juiz. Ser justificado
através da Pessoa e morte do Senhor Je-
sus Cristo muito ultrapassa, em bênçãos,
o que o ato de Adão e os seus resultados
A glória da Sua graça 206

causaram de perda e ruína.

A justificação
dispensada
gratuitamente
Muitos séculos atrás, Bildade fez
duas perguntas importantes. Sua primei-
ra pergunta foi: “Como, pois, seria justo
o homem para com Deus?” (Jó 25:4).
A resposta a esta pergunta se encontra
em Romanos 5:1-11: “Tendo sido, pois,
justificados pela fé, temos paz com Deus”
(5:1). Sua segunda pergunta foi: “E como
seria puro aquele que nasce de mulher?”
(Jó 25:4). Encontramos a resposta a esta
A glória da Sua graça 207

pergunta em Romanos 5:12-21, “Portanto,


como por um homem entrou o pecado
no mundo … assim pela obediência de
um muitos serão feitos [constituídos]
justos”. Já foi estabelecido nos cap. 1-5
que a humanidade é culpada e precisa
ser justificada, e que sendo culpada está
sujeita ao justo juízo de Deus por causa
do pecado. Vemos claramente que, antes
da necessidade do pecador poder ser
suprida, ainda há a mais urgente questão
sobre como satisfazer as reivindicações
de Deus. Estas reivindicações da justiça
de Deus precisam ser satisfeitas, antes que
um único pecador possa ser justificado.
Romanos 3:24-26 mostra claramente que
tais exigências foram totalmente satisfei-
tas na Pessoa e sacrifício propiciatório do
A glória da Sua graça 208

Senhor Jesus Cristo. Agora 3:26 declara


triunfantemente: “… para que Ele seja
justo e o justificador daquele que tem fé
em Jesus”.

Está escrito que o crente é justifi-


cado:

1. Pela graça — sua fonte


“Sendo justificados gratuitamente
pela sua graça, pela redenção que há em
Cristo Jesus” (Rm 3:24).

Isto é dado gratuitamente. A palavra


“gratuitamente” é traduzida em João 15:25
“Odiaram-me sem causa”. É pela graça,
porque a liberalidade espontânea de Deus
é a única razão para tal ato da parte de
A glória da Sua graça 209

Deus. O Evangelho da graça de Deus


conta como Ele justifica pecadores por
um dom gratuito e por um ato de favor
imerecido. Não pode ser obtido em troca
de algo. Só pode ser aceito. Visto que é
pela graça, não pode ser merecido. É dado
e recebido sem nenhum merecimento.
Soberana graça! Sobre o pecado abundando,
Almas remidas a nova vão apregoar:
É profunda, qualquer medida desafiando;
Quem suas dimensões pode contar?
Nas suas glórias quero sempre meditar.

J. Kent (tradução literal)

2. Pelo sangue — sua causa


“Logo muito mais agora, tendo sido
justificados pelo seu sangue, seremos por
ele salvos da ira” (Rm 5:9).
A glória da Sua graça 210

É pelo sangue, porque é necessário


haver uma base justa sobre a qual Deus
pode agir, e uma que dará uma resposta
indisputável ao universo. Esta resposta
está no Seu sangue: “justificados pelo [em,
no grego] seu sangue”. Esta é a aplicação
da Sua morte, apropriada pela fé, reco-
nhecendo que o Seu sangue foi o preço
que foi pago.

3. Pela fé — seu meio


“Tendo sido, pois, justificados pela fé,
temos paz com Deus, por nosso Senhor
Jesus Cristo” (Rm 5:1).

É pela fé, porque este é o princípio


pelo qual todas as bênçãos são recebidas
de Deus. É a mão vazia estendida para
A glória da Sua graça 211

receber o dom da justificação. Fé é des-


cansar na Palavra de Deus. É a certeza de
que o que Ele prometeu, Ele fará.

A apresentação magistral de Paulo


deste assunto da justificação, na Epís-
tola aos Romanos, tem suas origens na
parábola contada pelo Senhor Jesus em
Lucas 18:9-14. A parábola do publicano e
do fariseu foi dirigida aos “que confiavam
em si mesmos, crendo que eram justos, e
desprezavam os outros”. A história revela
que embora a justificação esteja disponí-
vel a todos, uma atitude apropriada e cor-
reta é necessária. O homem que “desceu
justificado para sua casa” foi aquele que
reconheceu que era pecador, e fez a sua
súplica baseado em um sacrifício.
A glória da Sua graça 212

Considere:

a) A sua aproximação
Em contraste com o fariseu que se
posicionou no átrio externo do templo,
o publicano ficou “em pé, de longe”. Ele
percebeu a sua indignidade de estar entre
os adoradores, e de estar dentro dos limi-
tes sagrados. Ele sabia que, moralmente,
ele estava longe de Deus.

b) A sua atitude
Para ele, o Céu era tão santo que ele
“nem ainda queria levantar seus olhos”
naquela direção. Não era lugar para um
homem como ele.
A glória da Sua graça 213

c) A sua ação
O publicano “batia no peito” em auto
condenação, estando inteiramente con-
victo dos seus pecados. Em contraste, o
fariseu exibia as suas aparentes virtudes
e atos de piedade —sua oração era ego-
cêntrica, chamando atenção a si mesmo.
Como Caim, ele trouxe a Deus o produto
das suas próprias mãos. Ele contou a Deus
o que ele não era e o que ele fazia, mas
ele não disse o que ele era.

d) O seu apelo
“Ó Deus, tem misericórdia de mim,
pecador!” Este foi seu único pedido. Lá
no átrio estava o grande altar de bron-
A glória da Sua graça 214

ze, onde o sacrifício era colocado. Suas


palavras também podem ser traduzidas:
“Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”
(ARA). O sangue da propiciação é a única
esperança para os culpados. O sacrifício
perfeito do Senhor Jesus deu a Deus a
resposta para a culpa humana e o direito
de justificar o culpado.

e) A absolvição e afirmação
“Digo-vos que este desceu justificado
para sua casa, e não aquele”. Que palavras
preciosas! O Deus que declarou todos
culpados, pela virtude do infinito sacrifício
do Seu Filho, agora pode declarar o crente
justo. O paralelo entre esta parábola em
Lucas 18 e Romanos caps. 1-5 é de fato
A glória da Sua graça 215

impressionante e muito precioso.

i) O publicano não tinha mérito pes-


soal, não ofereceu nenhuma obra,
mas foi justificado gratuitamente.
Isso corresponde a “justificados pela
graça” (Rm 3:24).

ii) Sua única esperança era o sacrifício


de propiciação. Isso corresponde a
“justificados pelo sangue” (Rm 5:9).

iii) Aquele que confessou ser pecador,


fazendo a sua petição, foi declarado
justo. Isso corresponde a “justificados
pela fé” (Rm 5:1).
A glória da Sua graça 216

A justificação decidida
irrevogavelmente
Romanos 8:31-39 é a gloriosa consu-
mação da parte doutrinária desta Epístola.
O escritor já destacou a justiça e graça
de Deus em relação aos assuntos de
condenação, justificação, santificação e
glorificação, de uma maneira magnífica.
Os versículos finais do capítulo são um
resumo maravilhoso, salientando quatro
perguntas e respostas importantes.

1. Nenhuma refutação
“Se Deus é por nós, quem será contra
nós?” (Rm 8:31,32)
A glória da Sua graça 217

a) A declaração
“Se (sendo que) Deus é por nós …”.
Que segurança maravilhosa! Os versículos
anteriores deixam este fato muito claro,
mostrando que Ele está trabalhando para
o bem eterno do Seu povo: “porque os
que dantes conheceu também os predes-
tinou para serem conformados à imagem
de Seu Filho, a fim de que ele seja o pri-
mogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou a estes também chamou; e
aos que chamou a estes também justifi-
cou; e aos que justificou a estes também
glorificou” (Rm 8:29-30).
“Conheceu … predestinou … cha-
mou … justificou … glorificou. Estas
palavras descrevem o plano Divino
A glória da Sua graça 218

em ação. Estes dois versículos (Rm


8:29-30) contêm uma das mais abran-
gentes declarações da Bíblia, e contêm
também algumas das palavras mas
importantes do vocabulário cristão,
e abrangem uma vasta área dos fatos
e natureza da fé cristã. O v. 29 atribui
toda a atividade do plano de Deus à
Sua presciência, enquanto que o v. 30
descreve como o próprio Deus está
cumprindo este plano no tempo. Foi
Ele que conheceu; Ele predestinou, Ele
chama; Ele justifica; Ele glorifica. Méri-
to humano, ou justiça própria, ou rea-
lizações estão totalmente excluídos.”*

b) A pergunta
“Quem será contra nós?” Isso não
sugere a ausência de adversários, mas

* Borland, A. Romans Chapter 8. John Ritchie Ltd.


A glória da Sua graça 219

confirma que nada no universo impedirá


o cumprimento da vontade de Deus em
assegurar o eterno bem dos Seus santos.

c) A resposta
“Aquele que nem mesmo a Seu pró-
prio Filho poupou, antes o entregou por
todos nós, como nos não dará também
com ele todas as coisas?” (8:32). A dádi-
va generosa de Deus, dando Seu Filho
singular, é a garantia de todos os outros
benefícios. A magnificência deste amor
somente pode ser medida pela grandeza
infinita dAquele que é descrito como “Seu
próprio Filho”. Isso significa que Deus não
tem outro Filho igual, e este relaciona-
mento exclusivo com o Filho colocou-O
A glória da Sua graça 220

separado de todos os outros no vasto uni-


verso de Deus, sejam eles a humanidade
redimida ou os anjos não caídos.

2. Nenhuma acusação
“Quem intentará acusação contra
os escolhidos de Deus? É Deus quem os
justifica” (Rm 8:3).

Aqui temos uma referência clara ao


desafio do perfeito Servo de Deus. “Perto
está o que me justifica; quem contende-
rá comigo? … Quem é meu adversário?
Chegue-se para mim. Eis que o Senhor
Deus me ajuda; quem há que me con-
dene?” (Is 50:8-9). Quem pode levar ao
juízo aqueles que são os eleitos de Deus?
Será que Deus os acusará depois de tê-
A glória da Sua graça 221

-los declarado inocentes? Os primeiros


capítulos de Romanos confirmaram que
nenhuma acusação será bem sucedida
se Deus, que é o Juiz, os declara justos.

3. Nenhuma condenação
“Quem é que condena? Pois é Cristo
quem morreu, ou antes, quem ressuscitou
dentre os mortos, o qual está à direita
de Deus, e também intercede por nós”
(Rm 8:34).

Neste versículo vemos quatro gran-


des fatos:

a) O fato da sua morte


A ênfase está na natureza da Pessoa
A glória da Sua graça 222

que morreu. Deus silencia toda conde-


nação porque foi Cristo que morreu. Ele
não era sujeito à penalidade de morte,
mas pagou a penalidade em prol de ou-
tros. Em II Coríntios 5:21, Paulo deixa isto
muito claro: “Aquele que não conheceu
pecado, o fez pecado por nós; para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus”. O
crente no Senhor Jesus se torna tudo que
Deus requer e o que ele nunca poderia
ser por si mesmo. É “nEle” que somos
considerados justos. A expressão em
Romanos 4:11: “… a fim de que também
a justiça lhes seja imputada” pode ser
traduzida: “a fim de que sejam contados
ou considerados justos”. A palavra grega
logizomai, usada onze vezes em Roma-
nos 4, é traduzida de maneiras diferentes:
A glória da Sua graça 223

“atribuído”, “tomar em conta”, “imputado”.


Significa levar em conta ou calcular. A
fé de Abraão foi imputada como justiça.
Isso não significa “a fim de ser justo”, ou
“no lugar da justiça”. II Coríntios 5:21 está
destacando o fato que o crente tem uma
posição perfeita no Senhor Jesus Cristo.
A fé coloca o crente numa união funda-
mental com Deus em Cristo.

b) O fato da sua ressurreição


“Quem ressuscitou dentre os mortos
…”. Paulo já mostrou este fato: “o qual por
nossos pecados foi entregue, e ressusci-
tou para nossa justificação” (Rm 4:25). As
preposições “por” e “para” neste versículo
são traduções de dia (“por causa de”);
A glória da Sua graça 224

Cristo foi entregue para fazer expiação


pelos pecados e foi ressuscitado para
garantir a justificação deles.

c) O fato da sua ascensão


“O qual está à direita de Deus”. A
ressurreição do nosso Senhor Jesus pro-
vou, conclusivamente, que Ele não estava
preso à morte. A Sua ascensão à direita
de Deus complementa esse fato.

d) O fato da sua intercessão


“Também intercede por nós”. Se
o Senhor Jesus, a quem todo juízo foi
dado, não sentencia o acusado, mas an-
tes intercede por ele, então não há mais
A glória da Sua graça 225

ninguém que teria uma razão válida para


condená-lo.

4. Nenhuma separação
“Quem nos separará do amor de
Cristo?” (Rm 8:35). Paulo agora lança o
desafio, e com eloquência notável torna
o assunto incontestável. Ele nomeia sete
poderes ameaçadores, mas nenhum de-
les pode quebrar o vínculo, ou separar o
crente do Senhor Jesus Cristo. Este é o
clímax da declaração de Paulo sobre a
segurança eterna do salvo.
A glória da Sua graça 226

A justificação
demonstrada
pelas evidências
“Vedes então que o homem é jus-
tificado pelas obras e não somente pela
fé” (Tg 2:24).

Uma leitura superficial desta afirma-


ção parece contradizer a grande doutrina
bíblica de justificação pela fé, que tem
sido o tema central do nosso estudo.
Paulo insiste: “Concluímos, pois, que o
homem é justificado pela fé sem as obras
da lei” (Rm 3:28).

Se Paulo e Tiago estão em conflito,


A glória da Sua graça 227

então o Novo Testamento todo está em


ruínas, e a autoridade e unidade das
Escrituras estão destruídas. Martinho Lu-
tero descreveu a Epístola de Tiago como
“uma epístola de palha”. Mas não há ne-
nhuma contradição! Quando Paulo trata
do assunto da justificação, ele foca na
experiência inicial, no momento quando
o pecador aceita o Senhor Jesus como
Salvador. Quando Tiago escreve sobre a
justificação, ele enfatiza a evidência da fé
como uma realidade presente e prática.
Precisamos deixar muito claro que Tiago
não está dizendo que boas obras, auto-
maticamente, significam que a pessoa
tem uma fé genuína. Antes, ele está pro-
curando estabelecer, com clareza, o fato
que para uma pessoa professar ser cristã
A glória da Sua graça 228

sem qualquer evidência de boas obras é


uma profissão falsa. Tiago não está dizen-
do que as boas obras são a causa, mas a
consequência da justificação. Ele ilustra
isto com as vidas de Abraão e Raabe.
Esta passagem em Tiago, que é de suma
importância, deve ser vista da perspectiva
da fé. Observe três assuntos ligados com
a fé de Abraão:

1. O princípio da fé
“Bem vês que a fé cooperou com as
suas obras” (Tg 2:22). Nesta afirmação
Tiago está ligando a fé às obras, ele não
está separando-as. Ele está concordando
plenamente com Hebreus 11:17: “Pela fé
ofereceu Abraão a Isaque, quando foi pro-
A glória da Sua graça 229

vado”. Esta é a linguagem de cooperação,


não de conflito. Sua fé, evidenciada nas
suas obras, era uma fé ativa. Não há nesta
Epístola — como alguns parecem imagi-
nar — uma tentativa de colocar as obras
contra a fé como a base da justificação.
Obras nunca são rivais da fé.

2. A prova da fé
“Pelas obras a fé foi aperfeiçoada”
(Tg 2:22). Tiago não está sugerindo que
a fé de Abraão era de alguma maneira
deficiente. A força desta palavra “aperfei-
çoada” é explicada em II Coríntios 12:9:
“A minha graça te basta, porque o Meu
poder se aperfeiçoa na fraqueza”. O poder
de Deus não foi produzido pela fraqueza
A glória da Sua graça 230

de Paulo, mas foi evidenciado na sua fra-


queza. Semelhantemente, a fé de Abraão
foi demonstrada, e provada ser real, pelo
seu estupendo ato de obediência.

A fé sempre se expressa por meio de


obras — obras da fé, não simplesmente
em fazer o bem. Sem a evidência de tais
boas obras, as pretensões da fé são infun-
dadas, porque “a fé sem obras é morta”
(Tg 2:20). A fé é o espírito animador da
verdadeira vida cristã; o sopro vital das
obras que “glorificam vosso Pai que está
nos céus” (Mt 5:16).

3. A promessa da fé
“E cumpriu-se a Escritura, que diz:
E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso
A glória da Sua graça 231

imputado como justiça” (Tg 2:23). Aqui,


Tiago está citando um incidente na vida
de Abraão que acontecera trinta anos
antes, quando Deus prometera que a
sua descendência seria muito grande (Gn
15:6). Quando Paulo enfatizou o grande
tema de justificação somente pela fé, ele
também usou este mesmo incidente de
Gênesis 15. Abraão, pela sua prontidão em
sacrificar Isaque, não acrescentou nada à
sua justificação pela fé, nem contribuiu
nada a ela. O que temos aqui não é fé
acrescida de obras, mas a evidência da
fé. Paulo concorda plenamente com este
fato. “Porque somos feitura sua, criados
em Cristo Jesus para as boas obras, as
quais Deus preparou para que andásse-
mos nelas” (Ef 2:10).
A glória da Sua graça 232

Em conclusão, vamos sempre lem-


brar que a justificação, como a regenera-
ção, é um ato singular, isolado, que nunca
é repetido.
Ó gozo do justificado, gozo da alma liberta,
Fui lavado na fonte para mim aberta;
Em Cristo, meu Redentor, permaneço com
satisfação,
Apontando para o sinal do cravo na Sua mão.

F. Bottome (tradução literal)


Cap. 5 — Substituição
David E. West, Inglaterra

Substituição — a
palavra e o conceito
De acordo com o Oxford English
Dictionary (Dicionário Inglês Oxford), o
significado da palavra “substituição” é “a
colocação de uma pessoa ou coisa no
lugar de outra”.

Embora as palavras “substituto” e


“substituição” não apareçam na Bíblia, a
verdade da substituição é fundamental e
A glória da Sua graça 234

plenamente bíblica, e “substituição” é um


termo teologicamente sadio. A essência
da substituição é que um é colocado no
lugar de outro.

A verdade que a palavra “substituição”


expressa é encontrada vez após vez nas
Escrituras. Assim, em Isaías 53 o conceito
é encontrado mais ou menos dez vezes;
só no v. 5 quatro vezes: “Mas ele foi feri-
do por causa das nossas transgressões, e
moído por causa das nossas iniquidades;
o castigo que nos traz a paz estava sobre
ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”.
A glória da Sua graça 235

Ilustrações de
substituição
O Velho Testamento oferece várias
ilustrações de substituição; vejamos al-
guns exemplos:

i) Evidentemente Eva considerou Sete


como um substituto de Abel, morto
pelo seu irmão, pois ela disse: “Deus
me deu outro filho em lugar de Abel,
porquanto Caim o matou” (Gn 4:25).

ii) A fé de Abraão foi provada até o li-


mite, ao ponto de oferecer seu único
filho, Isaque, como holocausto. Con-
tudo, o Senhor interveio no último
momento e “um carneiro, travado
A glória da Sua graça 236

pelos seus chifres, num mato”, foi


providenciado como substituto de
Isaque: “e foi Abraão, e tomou o car-
neiro, e ofereceu-o em holocausto,
em lugar de seu filho” (Gn 22:13).

iii) Labão astutamente substituiu Rebeca,


a quem Jacó amava, por Lia: “Labão
… tomou Lia, sua filha, e trouxe-a a
Jacó que a possuiu” (Gn 29:22-23).

iv) O primogênito de uma jumenta tinha


de ser resgatado com um cordeiro;
o jumento escapava porque outro
morria no seu lugar: “todo o primo-
gênito da jumenta resgatarás com
um cordeiro” (Êx 13:13).

v) No caso de um homicídio misterioso,


Moisés decretou que os anciãos “da
A glória da Sua graça 237

cidade mais próxima ao morto” deve-


riam em primeiro lugar declarar a sua
própria inocência, e então sacrificar
uma novilha no lugar do homicida
desconhecido: “os anciãos … lavarão
suas mãos sobre a novilha degolada
no vale” (Dt 21:3, 6).

vi) O profeta Miquéias evidentemente


entendeu bem o conceito de subs-
tituição quando disse: “Darei o meu
primogênito pela minha transgressão,
o fruto do meu ventre pelo pecado
da minha alma?” (Mq 6:7).
A glória da Sua graça 238

Propiciação versus
substituição
Embora nosso assunto neste capítulo
seja substituição, é difícil apresentar este
assunto sem mencionar a verdade da
propiciação. O assunto de propiciação
será tratado separadamente no cap. 6.

As duas palavras (propiciação e


substituição) expressam os dois grandes
aspectos da morte expiatória de Cristo.
Embora sejam mutuamente complemen-
tares, é necessário distinguir entre as duas
doutrinas. Aqueles que entendem bem
esta diferença podem pregar o Evangelho
com claridade e consistência.
A glória da Sua graça 239

Propiciação é o lado divino do sacri-


fício de Cristo; Deus está satisfeito com
este sacrifício. Para ter valor expiatório,
o sacrifício tinha que satisfazer todas as
exigências da santidade de Deus e do
Seu trono justo, e vindica-lO inteiramen-
te, como também ser capaz de ajudar o
pecador, removendo os seus pecados.

Quando a morte de Cristo é consi-


derada no seu aspecto substitutivo, ela
não está sendo considerada do ponto
de vista de Deus, mas do ponto de vista
do pecador. A consideração, portanto,
não é como o sacrifício de Cristo satisfez
o Credor, mas como Ele interveio ple-
namente em favor dos devedores e da
completa liberação que eles receberam
como consequência.
A glória da Sua graça 240

O fato da propiciação permite ao


evangelista aproximar-se de qualquer
homem e dizer-lhe que Cristo morreu
por ele e, consequentemente, o perdão
de pecados é oferecido a ele: “por este se
vos anuncia a remissão dos pecados” (At
13:38). Entretanto, o perdão dos pecados é
somente dado àqueles que crêem, porque
inclui a substituição. Em outras palavras,
o perdão dos pecados pode ser pregado
a todos os homens, mas somente os que
crêem são perdoados.

O Dia da Expiação
Podemos ver, com clareza, a dupla
verdade de propiciação e substituição nos
A glória da Sua graça 241

dois bodes usados no Dia da Expiação:


“o bode sobre o qual cair a sorte pelo
Senhor”, e “o bode sobre que cair a sorte
para ser bode emissário” (Lv 16:9-10).

Arão trazia o bode sobre o qual a


sorte do Senhor havia caído e o ofere-
cia como oferta pelo pecado. O sangue
era então levado para dentro do véu e
aspergido sete vezes sobre o propiciató-
rio e perante o propiciatório. Este bode
tipificava a morte de Cristo como aquilo
no qual Deus foi perfeitamente glorifi-
cado em relação ao pecado em geral.
A morte de Cristo vindicou plenamente
a santidade e a justiça de Deus. Satisfez
todas as exigências do Seu trono divino.
A propiciação foi efetuada.
A glória da Sua graça 242

O bode emissário, entretanto, tipifica


Cristo levando os pecados reais do Seu
povo para nunca mais serem lembrados;
para nunca mais serem lançados con-
tra eles, para sempre. Embora a oferta
pelo pecado tenha sido sacrificada, e
seu sangue levado para dentro do lugar
santíssimo e aspergido diante e sobre
o propiciatório, o povo ainda levava os
seus pecados até que o sumo sacerdote
pusesse suas mãos sobre a cabeça do
bode expiatório e colocasse nele todos
os pecados do povo.

Provavelmente o bode expiatório,


como um substituto, seja a figura mais
perfeita em todas as Escrituras da obra
de Cristo como nosso substituto.
A glória da Sua graça 243

A preposição grega
huper em relação ao
resgate de Cristo
Paulo escreve: “há um só Deus, e um
só Mediador entre Deus e os homens,
Jesus Cristo Homem. O qual se deu a si
mesmo em preço de redenção por todos,
para servir de testemunho a seu tempo”
(I Tm 2:5-6).

A palavra “por” neste trecho é a tra-


dução da preposição grega huper (que
significa “em prol de”), e revela a única
base sobre a qual alguém pode ser res-
gatado, e que a obra redentora de Cristo
foi suficiente para todos.
A glória da Sua graça 244

O contexto desta afirmação deve ser


notado. Paulo está tratando do assunto de
oração pública na igreja local. “Admoesto-
-te, pois, antes de tudo, que se façam
deprecações, orações, intercessões, e
ações de graças, por todos os homens” (I
Tm 2:1). Este é o campo de ação sugerido
para as orações da igreja. Assim os irmãos
nunca devem estar sem saber pelo que
devem orar na reunião de oração.

Esta exortação sobre oração é ba-


seada no desejo de Deus, “que quer que
todos os homens se salvem, e venham
ao conhecimento da verdade” (I Tm 2:4).
Este versículo descreve a disposição de
Deus; é uma expressão de boa vontade,
não de determinação. Que todos os ho-
mens sejam salvos é o desejo e atitude
A glória da Sua graça 245

do coração de Deus.

“Todos” em I Timóteo 2:6 certamente


significa “todos os homens”, portanto, é
universal na sua aplicação e corresponde
à propiciação. Paulo está relembrando Ti-
móteo do Evangelho que ele deve pregar,
“para servir de testemunho a seu tempo”.
O testemunho desta verdade deve ser
dado no tempo certo; e este tempo é
agora. Este versículo está ensinando o
valor essencial do resgate pago por Cris-
to Jesus; foi suficiente para satisfazer as
necessidades de todos os homens, para
que ninguém desespere. Ele Se deu em
resgate por todos, assim satisfazendo as
exigências da santidade e justiça de Deus,
e, ao mesmo tempo, tirando a possibi-
lidade de alguém reclamar, com razão,
A glória da Sua graça 246

que não teve a oportunidade de ser salvo.

O ensino de I João 2:2


João escreve: “E Ele é a propiciação
pelos nossos pecados, e não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo
o mundo”.

João escreve a sua epístola àqueles


que são membros da família de Deus —
“meus filhinhos” (I Jo 2:1). A ênfase no
trecho é que “Ele é a propiciação pelos
nossos pecados”, isto é, a propiciação
pelos pecados dos crentes a quem João
escreve. Esta verdade é apresentada
mais tarde nesta epístola: “Deus enviou
seu Filho para propiciação pelos nossos
A glória da Sua graça 247

pecados” (I Jo 4:10). O uso do adjetivo


possessivo “nosso”, nos dois trechos, deve
ser notado; os benefícios do Seu sacrifício
propiciatório são desfrutados somente
por aqueles que crêem.

Na parte final de I João 2:2, apren-


demos que Cristo é a propiciação, num
modo geral, “de todo o mundo”; o valor
daquele sacrifício é universal no seu al-
cance. Cristo, como a propiciação através
da Sua morte sacrificial, é a base justa
sobre a qual a misericórdia e o perdão
podem ser oferecidos a todos.

A preposição grega anti


O significado da preposição grega
A glória da Sua graça 248

anti é “em troca de” ou “como igual a”.


Assim, é a preposição de equivalência,
descrevendo um preço pago, ou um ba-
lanço feito, como numa balança. Portanto,
anti significa uma coisa colocada contra
outra, uma coisa no lugar de outra, ou
algo dado em troca. A expressão “no lugar
de” descreve bem o seu significado; anti
é, de fato, a preposição de substituição.

O presente escritor tem conhecimen-


to de que há um estudo feito sobre o uso
de anti na Versão Septuaginta (a tradução
grega do Velho Testamento), e que trinta
e oito passagens foram encontradas onde
anti é traduzida corretamente “em lugar
de” na versão inglesa Revisada. Seguem
alguns exemplos:
A glória da Sua graça 249

i) “Foi Abraão, e tomou o carneiro, e


ofereceu-o em holocausto, em lugar
de seu filho” (Gn 22:13).

ii) “Agora, pois, fique teu servo em lu-


gar deste moço por escravo de meu
senhor, e que suba o moço com os
seus irmãos” (Gn 44:33) — estas são
as palavras de Judá a José.

iii) “E eu, eis que tenho tomado os levi-


tas do meio dos filhos de Israel, em
lugar de todo primogênito, que abre
a madre, entre os filhos de Israel” (Nm
3:12) — o Senhor falando com Moisés.

Estas três passagens, sem dúvida,


tratam de substituição.

A seguir, veja exemplos do uso da


A glória da Sua graça 250

preposição anti no Novo Testamento


grego:

i) “Arquelau reinava na Judéia em lugar


de Herodes, seu pai” (Mt 2:22) — um
reinando no lugar do outro.

ii) “Ouvistes que foi dito: Olho por olho,


e dente por dente” (Mt 5:38) — a pre-
posição é usada de um equivalente
dado por uma perda.

iii) “Vai ao mar, lança o anzol, tira o


primeiro peixe que subir, e abrindo-
-lhe a boca, encontrarás um estáter;
toma-o, e dá-o por mim e por ti” (Mt
17:27) — palavras do Senhor Jesus
a Pedro; aqui anti é usada para um
pagamento exigido.
A glória da Sua graça 251

iv) “Ou, também, se lhe pedir peixe,


lhe dará por peixe uma serpente?”
(Lc 11:11) — o Senhor Jesus falando
com Seus discípulos; a preposição é
empregada aqui para algo dado no
lugar de outra coisa.

v) “A ninguém torneis mal por mal”


(Rm 12:17) — algo que não deve ser
devolvido no lugar de algo recebido.

vi) “Olhando para Jesus … o qual pelo


gozo que lhe estava proposto, su-
portou a cruz, desprezando a afronta”
(Hb 12:2) — o Senhor Jesus colocan-
do de lado uma coisa por outra.
A glória da Sua graça 252

A preposição anti em
relação ao resgate
de Cristo
A preposição anti é encontrada,
duas vezes, ligada à morte de Cristo, em
passagens paralelas nos dois primeiros
Evangelhos sinópticos:

i) “Bem como o Filho do homem não


veio para ser servido, mas para servir,
e para dar a sua vida em resgate por
[anti] muitos” (Mt 20:28).

ii) “Porque o Filho do homem também


não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida em resgate de
A glória da Sua graça 253

[anti] muitos” (Mc 10:45).

No contexto de cada uma destas pas-


sagens, o Senhor Jesus estava mostrando
aos Seus discípulos como a autoridade
nas mãos de homens sempre produz
domínio, mas que Ele, pelo contrário,
não exercia autoridade, antes servia, e
isto produziu liberdade (um pensamento
incluído na palavra “resgate”). Ao usar-Se
como exemplo, Ele estava mostrando aos
Seus discípulos o caminho da verdadeira
grandeza.

A frase “dar a sua vida”, em si, pode


significar simplesmente dedicar inteira
devoção; mas aqui a ideia de “resgate”
(o pagamento para livrar da escravidão)
inclui a submissão até à morte.
A glória da Sua graça 254

Estes dois versículos apresentam a


verdade essencial de substituição, “um
resgate por [no lugar de] muitos”. Os
“muitos” são aqueles que, com base na-
quele resgate já pago com sangue, no
Calvário, realmente vêm e aproveitam
desta bondosa provisão. Usando assim
esta preposição como um balanço feito
(anti), o Senhor Jesus estava mostrando
que Sua própria morte seria aceita por
Deus como uma substituição válida para,
ou no lugar de, “muitos”.

Os “muitos”
Devemos enfatizar que quando o
assunto nas Escrituras é o de levar os
A glória da Sua graça 255

pecados, a linguagem usada não é “todos”,


mas “muitos”.

O escritor aos Hebreus diz: “E, como


aos homens está ordenado morrerem
uma vez … assim também Cristo, ofere-
cendo-se uma vez para tirar os pecados
de muitos” (Hb 9:27-28). Esta Escritura
considera a Sua morte do ponto de vista
da substituição. Assim, como os homens
morrem uma vez, por ordem divina,
Cristo morreu uma vez — Ele ofereceu-
-se “para tirar os pecados de muitos”. Isso
nos lembra de Isaías 53:12: “Ele levou
sobre si o pecado de muitos”. De fato, no
mesmo contexto, Isaías escreve: “… com
o Seu conhecimento justificará a muitos;
porque as iniquidades deles levará sobre
si” (Is 53:11).
A glória da Sua graça 256

No relato de Mateus sobre o que ago-


ra chamamos a Ceia do Senhor, o Senhor
Jesus diz: “Porque isto é o meu sangue,
o sangue do novo testamento, que é
derramado por muitos, para remissão
dos pecados” (Mt 26:28), e no evangelho
de Marcos as palavras são: “Isto é o meu
sangue, o sangue do novo testamento,
que por muitos é derramado” (Mc 14:24).
Marcos enfatiza a ideia de pessoas e
apresenta o caráter da oferta pelo peca-
do do sacrifício de Cristo, enquanto que
Mateus enfatiza mais o caráter da oferta
pela culpa.
A glória da Sua graça 257

O uso da preposição
huper quando
substituição está
em vista
Vários versículos mostram o lugar
que a substituição ocupa nas Escrituras,
em relação aos outros aspectos da morte
de Cristo.

Foi por nossos pecados


i) “Cristo morreu por nossos pecados,
segundo as Escrituras” (I Co 15:3).
O uso aqui do adjetivo possessivo
“nossos” indica que foi uma morte
A glória da Sua graça 258

substitutiva; Ele morreu em favor


de nós. Foi uma morte expiatória,
porque foi por causa dos nossos
pecados, visando a expiação deles.

ii) “… nosso Senhor Jesus Cristo, o


qual se deu a si mesmo por nossos
pecados” (Gl 1:3-4). Ele “se deu a si
mesmo” — em toda a grandeza da
Sua Pessoa — “por nossos pecados”
— assim Ele Se ofereceu num sentido
vicário e sacrificial, levando o julga-
mento merecido por eles. Ele estava
ali como nosso substituto. No con-
texto da epístola aos Gálatas, se for
assim, não há nenhuma necessidade
de ser complementada por guardar
a lei. Se “Ele se deu a si mesmo por
nossos pecados”, então Deus está
A glória da Sua graça 259

satisfeito.

Foi por aqueles que crêem


i) “Isto é o meu corpo, que por vós é
dado … Este cálice é o novo testa-
mento no meu sangue, que é derra-
mado por vós”. Estas são as primeiras
afirmações claras dadas aos seus
(“por vós”) de que Ele não somente
iria sofrer e morrer, mas que Ele iria
morrer no lugar deles, como seu
substituto.

ii) “Mas Deus prova o seu amor para


conosco, em que Cristo morreu por
nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm
5:8). Embora seja verdade que “Cristo
morreu a seu tempo pelos ímpios”
A glória da Sua graça 260

(Rm 5:6), no sentido geral que Ele


morreu no lugar daqueles que eram
abertamente ímpios, todavia, Deus
expressa e prova o Seu próprio amor
“para conosco” (o apóstolo aqui inclui
a si mesmo), em que, “sendo nós ain-
da pecadores”, não desejando nem
merecendo Seu amor, “Cristo morreu
por nós”.

iii) “Aquele que nem mesmo a seu pró-


prio Filho poupou, antes o entregou
por todos nós, como nos não dará
também com ele todas as coisas?”
(Rm 8:32). O desafio triunfante no
versículo anterior (“Se Deus é por nós,
quem será contra nós?”) permite que
Paulo faça outra pergunta retórica e
dê provas do interesse de Deus nos
A glória da Sua graça 261

Seus. Se Deus estava preparado para


fazer a coisa mais difícil e entregar o
Seu Filho, nunca podemos duvidar
do que Ele fará pelos Seus santos.
Os “todos nós” são chamados no
versículo seguinte de os “escolhidos
de Deus”.

iv) “Àquele que não conheceu pecado,


o fez pecado por nós” (II Co 5:21).
Embora alguns tenham sugerido
que Cristo foi feito uma oferta pelo
pecado, parece-nos que a expressão
“o fez pecado” não é adequadamente
explicada pelo fato dEle ter sido feito
uma oferta pelo pecado. De fato, as
palavras sugerem que, durante as três
horas de escuridão, na cruz, Ele foi
tratado por Deus como se Ele fosse
A glória da Sua graça 262

o próprio pecado. Assim, na cruz,


Cristo foi feito pecado e suportou o
juízo como pecado, e isto “por nós”.

v) “Cristo nos resgatou da maldição da


lei, fazendo-se maldição por nós” (Gl
3:13). Realmente, “nós” aqui se refere
aos judeus que creram em Cristo.
Cristo tomou o lugar daqueles que
tinham desobedecido a lei (Ele foi
seu substituto), e levou a penalidade
que eles mereciam, porém, Ele pes-
soalmente nunca tinha quebrado a
lei.

vi) “… nosso Salvador Jesus Cristo; o qual


se deu a si mesmo por nós” (Tt 2:13-
14). A morte de Cristo foi voluntária
(“o qual se deu”); também foi vicária
A glória da Sua graça 263

(“por nós”); também foi intencional,


negativamente (“para nos remir de
toda a iniquidade”) e positivamente
(“e purificar para si um povo seu es-
pecial, zeloso de boas obras”).

Como é maravilhoso saber que cada


salvo pode, junto com o apóstolo, falar
do “Filho de Deus, o qual me amou, e
entregou a si mesmo por mim” (Gl 2:20).

Conclusão
É uma bendita verdade que “Jesus
Cristo … se deu a si mesmo em preço
de redenção por todos” (I Tm 2:5-6); Ele
morreu para abrir o caminho ao céu, para
“quem quiser”. Contudo, se dissermos
A glória da Sua graça 264

que Cristo levou os pecados de todos,


nós estamos indo além dos limites das
Escrituras. Se Cristo levou os pecados de
todos, em geral, então do que os perdidos
serão julgados no grande trono branco?
Apocalipse 20:12 ensina claramente que
“os mortos foram julgados pelas coisas
que estavam escritas nos livros, segundo
as suas obras”.

Ao pregar para os descrentes, os


apóstolos nunca disseram: “os teus peca-
dos foram levados por Cristo”. Mas Pedro,
escrevendo aos seus irmãos salvos, podia
dizer: “levando Ele mesmo em seu corpo
os nossos pecados sobre o madeiro” (I
Pe 2:24). Portanto, podemos cantar de
coração:
A glória da Sua graça 265

Eis o Cordeiro, por pecadores oferecido!


Para de toda a mancha nos limpar
Seu sangue precioso foi vertido;
Ele tomou no madeiro nosso lugar;
Feito pecado, Ele sofreu nosso castigo,
Para os cativos culpados livrar,
Morrendo em nosso lugar.

G. W. Frazer (tradução literal)


Cap. 6 — Propiciação
John M. Riddle

Leia Lc 18:9-14; Rm 3:9-26; Hb 2:17-


18; I Jo 2:1-2; 4:9-10.

Na Sua parábola sobre os dois ho-


mens orando no templo (Lc 18:9-14) o
Senhor Jesus falou o seguinte: “O publi-
cano, porém, estando em pé, de longe,
nem ainda queria levantar os olhos ao
céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus
tem misericórdia de mim, pecador!” Ao
contrário do fariseu, que pertencia a uma
classe “que confiava em si mesmo que
era justo”, o publicano “desceu justificado
para sua casa”.
A glória da Sua graça 267

Embora a grande doutrina bíblica da


justificação pela fé tenha sido tratada no
cap. 4 deste livro, e nenhum comentário
detalhado seja necessário, a parábola do
Senhor enfatiza a base da justificação.
O publicano, que ultrapassou muito o
fariseu em inteligência espiritual, estava
convencido que a bênção que ele pro-
curava, e que encontrou, dependia de
sangue derramado. Vemos isto nas suas
palavras: “Ó Deus, tem misericórdia de
mim pecador”, onde a palavra traduzida
“misericórdia” (hilaskomai) significa “ser
propício” (W. E. Vine), e ocorre também
em Hebreus 2:17: “para expiar os pecados
do povo”. O fato do Senhor Jesus Cristo,
como “misericordioso e fiel sacerdote
naquilo que é de Deus”, incumbir-Se deste
A glória da Sua graça 268

trabalho, claramente se refere ao Dia de


Expiação, quando o sangue “do bode da
expiação, que será pelo povo”, era asper-
gido “sobre o propiciatório, e perante a
face do propiciatório” (Lv 16:15). Como C.
I. Scofield comenta: “o publicano, como
um judeu instruído, está pensando, não
meramente na misericórdia, mas no san-
gue aspergido sobre o propiciatório … Sua
oração poderia ser parafraseada: ‘Seja para
comigo como Tu és quando olhas para
o sangue expiador’. A Bíblia não conhece
perdão Divino sem um sacrifício”.

Como o publicano, nós compreen-


demos que nunca poderíamos esperar
gozar de uma sequer das bênçãos de
Deus a menos que as exigências da Sua
justiça fossem plenamente satisfeitas.
A glória da Sua graça 269

Assim cantamos:
O sangue de Cristo, Teu Cordeiro imaculado,
É, ó Deus, minha única confiança;
Nada mais meu pecado poderia expiar;
Em mim nenhuma virtude consigo achar
Que poderia trazer à Tua presença.

W. S. W. Pond (tradução literal)

O Oxford Pocket Dictionary (“Dicio-


nário de Bolso Oxford”) define “propicia-
ção” como: “aplacar; um presente ou ato
feito para ganhar o favor ou a tolerância
de outro”. Conforme esta definição, o
favor ou a tolerância tinha de ser conquis-
tada. No Velho Testamento, Jacó disse:
“Eu o [Esaú] aplacarei com o presente”
(Gn 32:20). A ideia de aplacar é ilustrada
também em Provérbios 21:14: “O presente
dado em segredo aplaca a ira, e a dádiva
A glória da Sua graça 270

no regaço põe fim à maior indignação”.


Mas, embora o uso normal da palavra
“propiciar”, no grego, significa conciliar
ou aplacar, este não é seu uso no Novo
Testamento. A ideia pagã de propiciação
era que os deuses irados precisavam ser
aplacados antes de concederem algum
favor aos seus devotos. O ensino da Bíblia
é diferente: o amor de Deus para com os
homens pecadores providencia o próprio
sacrifício, por meio do qual seus pecados
podem ser removidos com justiça: “Nisto
está o amor, não em que nós tenhamos
amado a Deus, mas em que ele nos amou
a nós, e enviou seu Filho para propiciação
pelos nossos pecados” (I Jo 4:10). Propi-
ciação não significa que a ira de Deus foi
trocada por uma disposição favorável para
A glória da Sua graça 271

conosco, por causa da morte de Seu Filho


no Calvário, mas significa que Seu amor
por nós providenciou o sacrifício sobre o
qual a nossa maior bênção pudesse ser
assegurada.

A morte do Senhor Jesus Cristo


como “a propiciação pelo nosso pecado”
é o alicerce da nossa salvação. O Salmista
disse: “Se forem destruídos os fundamen-
tos, que poderá fazer o justo?” (Sl 11:3), e
os justos podem responder: “Eu sei que
tudo quanto Deus faz durará eternamen-
te; nada se lhe deve acrescentar e nada
se lhe deve tirar” (Ec 3:14).

Com isto em mente, é muito impor-


tante observar que as passagens do Novo
Testamento que falam de propiciação,
A glória da Sua graça 272

fazem referência ao Dia de Expiação, mas


há uma grande diferença entre expiação e
propiciação. “Expiação” não é uma palavra
do Novo Testamento*, e não é um assun-
to do Novo Testamento. É essencialmente
uma palavra do Velho Testamento, pois:

i) significa “cobrir”, e

ii) exigia repetição.

i) Pensando no significado de “cobrir”,


devemos lembrar que em vista da

* A palavra no texto em inglês deste livro é “ato-


nement”, e o autor cita uma única ocorrência na
versão AV em inglês (Rm 5:11). Em português,
“expiar” ou “expiação” não ocorrem no texto do
NT da versão ARA. Nas versões ARC e AT, há só
uma ocorrência no NT: “expiar”, Hb 2:17, tradu-
zido “fazer propiciação” na ARA. Cinco parágrafos
adiante, o autor cita Hb 2:17 como uma das seis
ocorrências de “propiciação” no NT (N. do E).
A glória da Sua graça 273

morte de Cristo, Deus passou por


cima dos pecados do período do
Velho Testamento: “Ao qual Deus
propôs para propiciação pela fé no
seu sangue, para demonstrar a sua
justiça pela remissão dos pecados
dantes cometidos, sob a paciência
de Deus” (Rm 3:25). O comentário
de J. N. Darby aqui nos ajuda: “Deus
passou por cima e não julgou os
pecados dos crentes do Velho Tes-
tamento”. Contudo, aqueles pecados
precisam ser julgados, e por isto o
valor da morte de Cristo abrangeu
tanto o passado como o futuro.
No Velho Testamento, Deus “pas-
sou pelo” pecado, tendo em vista a
morte futura do Seu Filho. Ele agora
A glória da Sua graça 274

julgou aqueles pecados exatamente


da mesma maneira como julgou os
pecados de cada crente, hoje. Por-
tanto, estritamente falando, não é
apropriado falar da “morte expiatória
de Cristo”. As palavras usadas em al-
guns hinos podem nos levar a pensar
de maneira errada neste ponto, mas,
em sua defesa, temos de reconhecer
que muitos dos escritores destes hi-
nos usam expressões como “a única
expiação” e “a completa expiação”.

ii) Pensando agora na repetição da


expiação, necessária no Velho Tes-
tamento, o Novo Testamento nos
lembra que, “nesses sacrifícios, po-
rém, cada ano se faz comemoração
dos pecados” (Hb 10:3), mas agora
A glória da Sua graça 275

“uma só oblação aperfeiçoou para


sempre os que são santificados” (Hb
10:14). Deus pode declarar: “jamais
me lembrarei de seus pecados e de
suas iniquidades” (Hb 10:17). Falando
da morte de Cristo, lemos: “… nem
também para a si mesmo se oferecer
muitas vezes, como o sumo sacer-
dote cada ano [no Dia da Expiação]
entra no santuário com sangue
alheio; de outra maneira, necessário
lhe fora padecer muitas vezes desde
a fundação do mundo. Mas agora na
consumação dos séculos uma vez se
manifestou, para aniquilar o pecado
pelo sacrifício de si mesmo” (Hb 9:25-
26).

No Novo Testamento, o assunto da


A glória da Sua graça 276

propiciação é apresentado de várias ma-


neiras complementares. A palavra ocorre
seis vezes no texto grego original (Lc
18:13; Rm 3:25; Hb 2:17; Hb 9:5; I Jo 2:2;
I Jo 4:10) e seria útil considerar estas pas-
sagens na seguinte ordem cronológica,
começando com a fonte da propiciação e
concluindo com as bênçãos conseguidas
por meio da propiciação:

i) propiciação e o amor de Deus em


Cristo;

ii) propiciação e o sangue de Cristo;

iii) propiciação e fé em Cristo;

iv) propiciação e o sacerdócio de Cristo;

v) propiciação e a advocacia de Cristo.

Robert McClurkin chama nossa aten-


A glória da Sua graça 277

ção ao “pano de fundo nas três epístolas


onde a palavra ‘propiciação’ é encontrada
— Romanos, Hebreus e I João. Três gran-
des verdades são expostas nestes livros:
justificação, santificação e o relaciona-
mento espiritual na família de Deus. Em
Romanos a propiciação possibilita a Deus
justificar, e a Cristo Se tornar Salvador. Em
Hebreus, a propiciação possibilita a Deus
santificar, e a Cristo Se tornar Sacerdote.
Em I João, a propiciação possibilita a Deus
se tornar Pai, e a Cristo Se tornar Advo-
gado para manter o prazer e a alegria
daquele relacionamento. Em Romanos,
é o aspecto da oferta pelo pecado que é
destacado na propiciação. Em Hebreus,
é o aspecto da oferta queimada, e em I
João é o aspecto da oferta pacífica, re-
A glória da Sua graça 278

conciliando Deus num relacionamento


familiar, com toda a inimizade destruída”.

A propiciação e o amor
de Deus em Cristo
“Nisto se manifesta o amor de Deus
para conosco; que Deus enviou seu Fi-
lho unigênito ao mundo, para que por
ele vivamos. Nisto está o amor, não em
que nós tenhamos amado a Deus, mas
em que ele nos amou a nós, e enviou
seu Filho para propiciação pelos nossos
pecados” (I Jo 4:9-10).

O Senhor Jesus “Se manifestou para


tirar os nossos pecados” (3:5); “se mani-
A glória da Sua graça 279

festou; para desfazer as obras do diabo”


(3:8); e “se manifesta … para que por ele
vivamos” (4:9). Porque “o amor é de Deus”
(4:7), e “Deus é amor” (4:8), cada bênção
que gozamos tem sua fonte no amor de
Deus para conosco. Nunca cansamos
de repetir as palavras preciosas: “Porque
Deus amou o mundo de tal maneira, que
deu o seu Filho unigênito” (Jo 3:16). O
amor divino tomou a iniciativa ao realizar
a nossa salvação, e vale a pena destacar
que isto se torna claro bem no início da
Bíblia: “E chamou o Senhor Deus a Adão,
e disse-lhe: Onde estás?” (Gn 3:9). Deus
não estava procurando informações, mas
queria ensinar a Adão que o pecado tinha
destruído a sua comunhão e aberto um
grande abismo entre eles. A lição é clara:
A glória da Sua graça 280

o reconhecimento da alienação de Deus é


o primeiro passo na salvação. O amor que
buscou Adão, caído no Éden, finalmente
trouxe o Salvador do Céu. Ele veio para
“buscar e salvar o perdido” (Lc 19:10), e
para que Ele pudesse efetuar a salvação
dos perdidos Ele Se tornou “a propiciação
pelos nossos pecados”.

Neste contexto, devemos notar três


assuntos importantes. Em primeiro lugar,
o amor de Deus foi “manifestado”. Seu
amor não é somente teórico, não é uma
teologia abstrata, não é somente uma
ideia emocional. O Seu amor foi demons-
trado através da história. É um fato: “Cristo
morreu pelos nossos pecados segundo as
Escrituras; e … foi sepultado e … ressusci-
tou ao terceiro dia segundo as Escrituras;
A glória da Sua graça 281

e … foi visto …” (I Co 15:3-5). A salvação


é baseada em fatos bem confirmados e
autenticados. Em segundo lugar, o amor
de Deus foi manifestado no “Seu Filho
unigênito”. Esta é uma expressão da mais
profunda afeição, como podemos provar
de Hebreus 11:17: “… aquele que recebera
as promessas ofereceu o seu unigênito”.
Abraão tinha outros filhos, mas somente
Isaque é chamado “seu filho unigênito”,
e foi dele que Deus disse: “Toma agora o
teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem
amas …” (Gn 22:2). O amor de Deus foi
demonstrado na morte do próprio Filho
a quem Ele amava infinita e eternamente.
Em terceiro lugar, o Senhor Jesus não Se
tornou o Filho de Deus pela encarnação,
Ele foi enviado como Filho.
A glória da Sua graça 282

Só pensar que Deus nos teria amado


é muito maravilhoso. Mas pensar que Seu
amor para conosco foi manifestado na
morte do Seu Amado Filho, nos faz ex-
clamar: “Tal conhecimento é maravilhoso
demais para mim; elevado é, não o posso
atingir” (Sl 139:6, VB). Até mesmo isto é
excedido quando lemos: “Ele nos amou a
nós, e enviou seu Filho para propiciação
pelos nossos pecados”. A palavra “propi-
ciação”, aqui, é um substantivo (hilasmos)
e se refere ao sacrifício do Senhor Jesus.
Ele é a propiciação, significando que “Ele
Mesmo, através do sacrifício expiatório
da Sua morte, é a maneira pessoal pela
qual Deus mostra misericórdia ao pe-
cador que crê em Cristo como Aquele
assim providenciado” (W. E. Vine). Como
A glória da Sua graça 283

a propiciação, Ele enfrentou toda a ira de


Deus contra o nosso pecado. Tudo isto,
por causa do amor de Deus para conosco,
e isso nos faz cantar:
Tão perdidos e sem esperança nós, pecadores,
teríamos ficado,
Se Ele não nos tivesse amado até nos purificar
do nosso pecado!

A. T. Pierson

Não podemos deixar este aspecto da


propiciação sem destacar que a morte
do Senhor Jesus desta maneira não foi
somente “a grande expressão do amor de
Deus para com o homem”; mas é também
“a razão pela qual os salvos devem amar
uns aos outros” (W. E. Vine). Vemos isso
como uma exortação: “amemo-nos uns
aos outros” (I Jo 4:7); como uma obriga-
A glória da Sua graça 284

ção: “nós devemos amar uns aos outros”


(I Jo 4:11), e como um mandamento: “E
dele temos este mandamento: que quem
ama a Deus, ame também a seu irmão” (I
Jo 4:21). Visto que o amor de Deus é real
e tangível, nosso amor uns para com os
outros deve ser “por obra e em verdade”
(I Jo 3:18).

A propiciação e
o sangue de Cristo
“Mas agora se manifestou sem a lei
a justiça de Deus, tendo o testemunho
da lei e dos profetas; isto é, a justiça de
Deus pela fé em Jesus Cristo para todos
e sobre todos os que crêem … sendo
A glória da Sua graça 285

justificados gratuitamente pela sua graça,


pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao
qual Deus propôs para propiciação pela
fé no seu sangue, para demonstrar a sua
justiça pela remissão dos pecados dan-
tes cometidos, sob a paciência de Deus;
para demonstração da sua justiça neste
tempo presente, para que ele seja justo e
justificador daquele que tem fé em Jesus”
(Rm 3:21-26).

Se em I João 4 aprendemos que a


propiciação tem sua origem no amor de
Deus, aqui em Romanos 3 aprendemos
que a propiciação é demonstrada na
presença de Deus, pelo sangue de Cristo.
Isso é evidente pelo fato que neste caso a
palavra “propiciação” (hilasterion) fala do
propiciatório que cobria a arca da aliança.
A glória da Sua graça 286

A mesma palavra ocorre em Hebreus 9:5:


“E sobre a arca os querubins da glória,
que faziam sombra no propiciatório”, e,
segundo W. E. Vine, é também usada
frequentemente do propiciatório na Ver-
são Septuaginta do Velho Testamento.
Devemos lembrar que o propiciatório
não era o lugar exato onde a expiação
de pecado era feita. Isso era feito no
altar de bronze (Lv 16:9), mas o sangue
da vitima era aspergido sobre, e perante,
o propiciatório para demonstrar que a
propiciação fora completa, assim prefigu-
rando a apresentação da Obra completa
de Cristo na presença de Deus, pois “nem
por sangue de bodes e bezerros, mas por
seu próprio sangue, entrou uma vez no
santuário, havendo efetuado uma eterna
A glória da Sua graça 287

redenção” (Hb 9:12).

Não é apenas no sentido literal e


físico que encontramos referências ao
sangue. O sangue representa a vida da
vítima. O sangue de Cristo foi derramado
por causa do juízo Divino. Como W. E.
Vine destaca, “por metonímia, o ‘sangue’
às vezes é usado significando ‘morte’;
visto que a vida está no sangue (Lv 17:11),
quando o sangue é derramado, a vida
termina”. O princípio fundamental pelo
qual Deus trata os pecadores é expresso
nas palavras: “sem o derramamento de
sangue [isto é, sem morte] não há remis-
são” (Hb 9:22).

Três grandes palavras bíblicas apa-


recem em Romanos 3:24-25: “… sendo
A glória da Sua graça 288

justificado gratuitamente, pela sua graça,


pela redenção que há em Cristo Jesus,
ao qual Deus propôs para propiciação.”
Se a redenção enfatiza o efeito da obra
de Cristo para com pecadores, então a
propiciação enfatiza o efeito da obra de
Cristo para com um Deus justo e santo. O
pecado tem um efeito duplo; em primeiro
lugar desonra a Deus. “O pecado afrontou
a Sua santidade, insultou a Sua majestade,
e desafiou o Seu governo justo” (W. R.
Newell). Em segundo lugar, destrói o pe-
cador. As exigências de Deus precisam ser
satisfeitas antes que pecadores possam
ser libertos da culpa, e a morte do Senhor
Jesus tornou isto possível. Como W. R.
Newell observa: “Devemos aprender que
a cruz não somente traz bênçãos eternas
A glória da Sua graça 289

a nós, mas em primeiro lugar glorifica a


Deus!” Somos redimidos somente porque
Deus foi propiciado e, como notamos
acima, Romanos 3 enfatiza o lugar onde
a propiciação é manifestada.

É de suma importância lembrar que


no Dia da Expiação, foi o sangue do bode
“sobre o qual cair a sorte pelo Senhor” (Lv
16:9) que tornou o propiciatório eficaz. O
sangue não foi aspergido sobre o povo,
foi todo aspergido na presença de Deus.
Diferentemente dos outros sacrifícios pelo
pecado, neste sacrifício o pecado pessoal
do ofertante não era imputado à vítima.
É por isto que é chamado “o bode sobre
o qual cair a sorte pelo Senhor”. Este sa-
crifício não exigia fé para torná-lo eficaz.
Não era aplicado sobre qualquer homem,
A glória da Sua graça 290

nem mesmo o sumo sacerdote. O sangue


do bode morto testificava que a morte
tinha acontecido e que as exigências
de Deus contra o pecado tinham sido
plenamente satisfeitas. Deus e o homem
só podiam se encontrar no propiciatório
quando este tivesse sido aspergido com
sangue derramado. Caso contrário, sig-
nificava morte instantânea a quem quer
que se atrevesse a aproximar. Contudo,
Deus tinha dito: “E ali virei a ti, e falarei
contigo de cima do propiciatório” (Êx
25:22), fazendo-nos lembrar que Deus, e
somente Ele, que conhecia as exigências
da Sua própria justiça, as tinha satisfeito
através da morte do Seu Filho.

O Senhor Jesus se tornou o verdadei-


ro “propiciatório”, não somente pela Sua
A glória da Sua graça 291

encarnação, nem somente pela Sua vida,


mas pela Sua morte. Assim lemos: “Ao
qual Deus propôs para [ser] propiciação
… no seu sangue” (Rm 3:25). Pelo Seu
sangue derramado Ele Se tornou o lugar
de encontro entre Deus e o homem. Esta
provisão é ilimitada. Ninguém é excluído
do benefício. “Ele Se deu a si mesmo em
preço de redenção por todos” — quer
aproveitem disto, quer não. Deus está
numa posição para salvar todos os ho-
mens. “E Ele é a propiciação [hilasmos]
pelos nossos pecados, e não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo
o mundo” (I Jo 2:2).

Temos que enfatizar novamente que


a morte do Senhor Jesus Cristo é a única
base sobre a qual Deus sempre tratou
A glória da Sua graça 292

com o pecado humano. Em Romanos


3:25 Paulo apresenta a posição dos ho-
mens e mulheres antes da Sua morte,
e no v. 26 ele apresenta a posição dos
homens e mulheres depois da Sua morte.

i) A morte do Senhor Jesus declara a


“Sua justiça pela remissão [passar por
cima] dos pecados dantes cometi-
dos, sob a paciência de Deus” (Rm
3:25). Mas isto não significou que
Deus tenha “esquecido ou diminuído
a Sua ira contra aquele pecado” (W. R.
Newell). Aqueles pecados precisam
ser castigados, mas Deus reteve o
castigo naquele tempo, e este foi ple-
namente satisfeito pelo Senhor Jesus.
Deus agora “demonstra” (esclarece) a
base sobre a qual Ele tinha retido o
A glória da Sua graça 293

juízo, e demonstra que Ele foi perfei-


tamente justo em “deixar impunes os
pecados anteriormente cometidos”
(ARA). Obviamente, o perdão gozado
nos tempos do Velho Testamento
não era baseado nos sacrifícios de
animais: “Porque é impossível que
o sangue dos touros e dos bodes
tire os pecados … sacrifício e ofertas
não quiseste, nem te agradaram”
(Hb 10:4-8). Os sacrifícios do Velho
Testamento, incluindo os sacrifícios
do Dia de Expiação, não tinham valor
intrínseco, mas tiveram um valor ex-
terior, em que pelo sacrifício exigido
por Deus, as pessoas se colocavam
numa posição onde poderiam ser
beneficiadas pela obra futura do Se-
A glória da Sua graça 294

nhor Jesus Cristo.

ii) A morte do Senhor Jesus Cristo


declara a “Sua justiça, neste tempo
presente, para que ele seja justo e
justificador daquele que tem fé em
Jesus” (Rm 3:26). Claramente, então,
os pecados cometidos antes da cruz,
e os pecados cometidos depois da
cruz, foram tratados na mesmíssima
base: a morte do Senhor Jesus no
Calvário. A Sua morte permite a Deus
tratar a questão do pecado com jus-
tiça. Sem a morte de Cristo, a justifi-
cação teria sido injusta e impossível.
Mas, por intermédio da morte do
Senhor Jesus, “Deus é [a] justo, e [b]
o justificador daquele que tem fé em
Jesus”. A fé no Senhor Jesus permite
A glória da Sua graça 295

que Deus, por causa do sangue der-


ramado do Seu amado Filho, declare
justo o pecador culpado. Diferente
dos tribunais humanos de hoje, onde
às vezes há falhas e alterações, esta
declaração nunca pode ser desfeita.
Deus é “o Juiz de toda a terra” e Ele
Se assenta no mais elevado e justo
Tribunal do universo.

A propiciação e
a fé em Cristo
É importante compreender correta-
mente as palavras: “Ao qual Deus propôs
para propiciação pela fé no seu sangue,
para demonstrar a sua justiça pela re-
A glória da Sua graça 296

missão dos pecados dantes cometidos


…” (Rm 3:25). O significado se torna mais
claro quando colocamos vírgulas antes e
depois de “pela fé”: “Ao qual Deus propôs
para propiciação, pela fé, no seu sangue
…” Na versão ARA lemos: “A quem Deus
propôs, no seu sangue, como propicia-
ção, mediante a fé, para manifestar sua
justiça, por ter Deus, na sua tolerância,
deixado impunes os pecados anterior-
mente cometidos”. W. E. Vine explica que
a tradução “fé no seu sangue” é incorreta,
pois a fé sempre descansa numa Pessoa
viva, nunca no sangue. A fé é a maneira
de tomar posse do perdão; o sangue é o
meio pelo qual o perdão é efetuado.

Todavia, é importante lembrar que é


a fé no Senhor Jesus Cristo que nos intro-
A glória da Sua graça 297

duz às bênçãos da Sua obra no Calvário.


As palavras “pela fé” ocorrem aqui como
parte da ênfase na passagem sobre o
meio da justificação. Já foi enfatizado que
as palavras “a propiciação pelos nossos
pecados” é a linguagem da fé, e que todos
podem clamar: “Ó Deus, tem misericórdia
de mim, pecador!”

A propiciação e o
sacerdócio de Cristo
“Por isso convinha que em tudo fosse
semelhante aos irmãos, para ser miseri-
cordioso e fiel sumo sacerdote naquilo
que é de Deus, para expiar os pecados
[“fazer propiciação pelos pecados”, ARA]
A glória da Sua graça 298

do povo. Porque naquilo que ele mesmo,


sendo tentado, padeceu, pode socorrer
aos que são tentados” (Hb 2:17-18). A
palavra aqui traduzida “expiação” na AT
é hilaskomai, “propiciação”. A diferença*
entre “reconciliação” e “propiciação” é que
pessoas são reconciliadas e pecados são
propiciados.

Se em Romanos 3 a propiciação é a
base da nossa justificação, e em I João 2
ela é a base da advocacia de Cristo, então
em Hebreus 2 a propiciação é a base do
Seu sacerdócio. É importante lembrar que

* O autor menciona a diferença entre “propiciação”


e “reconciliação” (ao invés de “expiação”) porque
a versão inglesa usada (AV) traduz hilaskomai por
“reconciliação” em Hb 2:16, onde a AT traduz
“expiação”. “Propiciação” seria a tradução mais
exata (N. do E.).
A glória da Sua graça 299

Hebreus apresenta dois aspectos da obra


de Cristo como sumo sacerdote, e ambos
são mencionados aqui. O Senhor Jesus é
“um misericordioso e fiel sumo sacerdote
naquilo que é de Deus”, em primeiro lugar
para “fazer propiciação pelos pecados do
povo”, e, em segundo lugar “para socor-
rer aos que são tentados”. O primeiro é
completo: a obra nunca será repetida. O
segundo é contínuo: a obra continua dia
a dia. O significado da palavra “socorrer”
pode ser ilustrado na referência ao minis-
tério de Melquisedeque para com Abraão.
Ele reanimou e fortaleceu o guerreiro
cansado e o ajudou a resistir o rei de
Sodoma (Gn 14). No Velho Testamento, o
sumo sacerdote aspergia o sangue no Dia
de Expiação, lançando assim a base de
A glória da Sua graça 300

aproximação a Deus, e com esta base, ele


podia representá-los perante Deus. A obra
propiciatória do Senhor Jesus é a base do
Seu ministério como sumo sacerdote em
nosso favor. Ele já tratou da questão do
nosso pecado e injustiça, e por isto, com
razão, podemos cantar:
Jesus, Grande Sumo Sacerdote meu,
Ofereceu Seu sangue e morreu;
Minha consciência culpada nenhum outro sacrifício
quer;
Seu sangue uma vez propiciou, e agora, ante o trono,
vem interceder.

I. Watts (tradução literal)


A glória da Sua graça 301

A propiciação e a
advocacia de Cristo
“Meus filhinhos, estas coisas vos
escrevo, para que não pequeis; e, se al-
guém pecar, temos um Advogado para
com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E ele é a
propiciação pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos, mas também pelos
de todo o mundo” (I Jo 2:1-2).

Em I João, a palavra “pecado” é usada


para traduzir, não duas palavras diferentes,
mas dois tempos diferentes. Por exemplo,
em 3:9, as palavras “qualquer que é nasci-
do de Deus não comete pecado”, signifi-
cam que salvos não vivem na prática do
A glória da Sua graça 302

pecado. Mas, aqui, em 2:1, as palavras “se


alguém pecar” significam pecado num
momento de tempo. “Não é uma questão
da prática do pecado, mas de uma falha
específica” (H. A. Ironside). É importante
entender a diferença entre estes dois
exemplos. Pessoas salvas “andam na luz”.
Elas aborrecem o pecado, e amam a
santidade. O pecado as entristece quando
aparece nas suas vidas: eles certamente
não vivem na prática do pecado. Pessoas
que dizem ser salvas, mas que continuam
sem mudança nas suas vidas, não são
salvas. Elas “andam nas trevas”.

Quando um salvo peca, a confissão


é necessária: “Se confessarmos os nossos
pecados, ele é fiel e justo para nos per-
doar os pecados, e nos purificar de toda
A glória da Sua graça 303

a injustiça” (I Jo 1:9). Mas o Senhor Jesus


está envolvido na nossa restauração.
“Se alguém pecar, temos um Advogado
para com o Pai, Jesus Cristo, o justo” (I
Jo 2:1). A palavra “Advogado” é traduzida
“Consolador” em João 14:26; 15:26; 16:7.
Segundo W. E. Vine, a palavra “era usada
no tribunal de justiça para descrever um
assistente legal, um conselheiro para a
defesa, e um advogado; assim significa,
de um modo geral, alguém que intercede
em favor de outro, intercessor, defensor,
como em I João 2:1”.

Embora o sentido mais amplo da


palavra — “alguém chamado ao lado para
ajudar” — seja bem aplicado às referências
citadas no evangelho de João caps. 14
a 16, onde o Senhor Jesus Se refere ao
A glória da Sua graça 304

trabalho do Espírito Santo, é importante


lembrar que as palavras da Bíblia devem
sempre ser entendidas no seu contex-
to. Em I João, o contexto certamente é
legal — pecado foi cometido — e assim
as implicações legais de um “advogado”
são aplicáveis. A passagem não diz: “Se
confessarmos nosso pecado, temos Ad-
vogado para com o Pai”, mas: “Se alguém
pecar, temos Advogado para com o Pai”. O
Senhor Jesus age em nosso favor imedia-
tamente que pecamos; Ele trata o caso
no exato momento da falha. Ele age, não
perante Deus, mas perante o Pai. “Temos
Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o
justo”. Esta diferença é muito importante.
Quando pecamos, nossa posição perante
Deus não é alterada, e, portanto, não pre-
A glória da Sua graça 305

cisamos de um Advogado para com Deus.


Se o versículo dissesse: “temos Advogado
para com Deus” implicaria que a questão
do pecado não fora resolvida. Mas, graças
a Deus, está resolvida. “O sangue de Jesus
Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o
pecado” (I Jo 1:7). A questão do pecado
para com Deus foi tratada justamente e
judicialmente. Se ainda precisássemos
de um “Advogado para com Deus” não
poderíamos mais falar da salvação me-
diante a “obra consumada” de Cristo. No
nível humano, um pai pode ter filhos er-
rantes, mas continuam sendo seus filhos
e, citando W. Lincoln: “Há toda diferença
no mundo entre ‘nosso Pai’ vendo nosso
pecado e ‘Deus’ vendo nosso pecado”. O
pecado entristece o Pai, mas já está resol-
A glória da Sua graça 306

vido eternamente perante Deus. Quando


salvos pecam, seu relacionamento com
Deus não é mudado, mas seu relaciona-
mento com o Pai foi mudado. Em outras
palavras, nossa união com Deus não
pode ser quebrada, mas nossa comunhão
com o Pai pode ser quebrada. Alguém
expressou isto de maneira encantadora:
o propósito da advocacia de Cristo não
é colocar filhos na família de Deus, mas
mantê-los na família!

O Senhor Jesus pode agir como


nosso “Advogado para com o Pai” porque,
em primeiro lugar, Ele é “Jesus Cristo, o
Justo” e, em segundo lugar, porque “Ele é
a propiciação pelos nossos pecados”. Nos-
so Advogado já esteve aqui, Sua justiça
perfeita já foi demonstrada num mundo
A glória da Sua graça 307

pecaminoso, portanto Ele é perfeitamente


qualificado para agir em nosso favor. Ele
faz isto, não apresentando circunstâncias
atenuantes ou desculpas vãs, mas como
“a propiciação pelos nossos pecados”.
Quem melhor para interceder nossa
causa perante o Pai do que Aquele que
enfrentou a ira de Deus contra o pecado?
Ele apresenta a Sua própria morte como
a base sobre a qual o Pai pode mostrar
misericórdia ao Seu filho errante. É muito
importante notar que João não diz: “Ele
era o propiciação pelo nosso pecado”,
mas “Ele é a propiciação pelo nosso pe-
cado”. Isso enfatiza a eficácia permanente
da Sua Obra no Calvário. Como em 4:10,
João usa a palavra hilasmos, enfatizando
que Cristo é, Ele mesmo, o sacrifício pelo
A glória da Sua graça 308

qual Deus pode mostrar misericórdia.


Quando nós pecamos, o Senhor Jesus
apresenta a Sua morte em nosso favor
como a base da restauração da nossa
comunhão com o Pai.

Resumindo, podemos dizer que en-


quanto o sacerdócio do Senhor depende,
entre outras coisas, da Sua semelhança
conosco, Sua advocacia depende da
Sua falta de semelhança conosco. Seu
sacerdócio tem o propósito de nos for-
talecer; o propósito da Sua advocacia é
nos restaurar.

Precisamos considerar mais um


assunto de grande importância. Lemos
em I João 2:2: “Ele é a propiciação pelos
nossos pecados, e não somente pelos
A glória da Sua graça 309

nossos, mas também pelos de todo o


mundo”; mas a tradução de J.N.D con-
tém uma alteração importante: “Ele é a
propiciação pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos, mas também por
todo o mundo”; somente o salvo pode
dizer, “Ele é a propiciação pelos meus
pecados”. Se Cristo é a propiciação “pelos
pecados de todo o mundo”, então todo o
mundo é salvo e está caminhando para o
céu. Mas não é isso que é afirmado aqui.
Antes, “Ele é a propiciação … por todo
o mundo”. Isso é ilustrado com clareza
quando consideramos novamente o que
acontecia no Dia da Expiação, relatado
em Levítico 16. Como já observamos, o
primeiro dos dois bodes era “do Senhor”;
era o bode sobre o qual caiu a sorte “pelo
A glória da Sua graça 310

Senhor” (vs. 8-9). Seu sangue era asper-


gido “sobre o propiciatório, e perante a
face do propiciatório” (v. 15). Nenhum
pecado era confessado sobre este bode;
o sangue satisfez as exigências de Deus
contra o pecado. Nenhum pecado podia
ser remido até que aquele sangue esti-
vesse na presença de Deus vindicando e
honrando Seu nome. O sangue do Senhor
Jesus satisfez perfeitamente as exigên-
cias de Deus, e o servo de Deus pode
“rogar e suplicar, até aos Seus inimigos,
que se reconciliem com Deus” (W. Kelly).
A propiciação é a base do Evangelho;
mostra-nos como Deus está numa posi-
ção para salvar “todo aquele que invocar
o nome do Senhor”. Ninguém é excluído
do alcance desta mensagem. “Ninguém
A glória da Sua graça 311

é, por predeterminação divina, excluído


do alcance da misericórdia de Deus” (W.
E. Vine). A doutrina da “expiação limitada”
é totalmente estranha às Escrituras.

O Senhor Jesus não morreu somente


em favor dos eleitos. Mas somente aque-
les que vem a Cristo, confessando os seus
pecados, confiando nEle, pela fé, para a
salvação, podem dizer: “Ele é a propi-
ciação pelos meus pecados”. Assim eles
tomam a posição descrita em relação ao
segundo bode (o bode expiatório) em Le-
vítico 16:21: “E Arão porá ambas as mãos
sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele
confessará todas as iniquidades dos filhos
de Israel, e todas as suas transgressões, e
todos os seus pecados; e os porá sobre
a cabeça do bode”.
A glória da Sua graça 312

Nas palavras do Conde N. L. Von


Zinzendorf:
Senhor, creio que Teu sangue expiatório,
Que diante do Divino propiciatório
Pelos pecadores para sempre é apresentado,
Por mim, por minha alma, foi derramado.
Senhor creio que se houvesse mais pecadores
Que toda a areia nas praias dos mares,
Tu pagaste para todos o resgate tão grande,
E a todos a expiação completa abrange.

Podemos proclamar a todos, confian-


tes, a grande mensagem do Evangelho,
que “Deus amou o mundo de tal maneira
que deu o seu Filho unigênito, para que
todo aquele que nele crê, não pereça, mas
tenha a vida eterna” (Jo 3:16).
Cap. 7 — Redenção
James M. Flanigan, Irlanda do Norte

Uma ilustração
Em tempos passados, quando a
escravidão era uma prática comum, o
mercado de escravos era bem conheci-
do. Nestes mercados, homens, mulheres
e crianças eram vendidos por meio de
leilões, como animais são vendidos hoje
em dia. O resultado disso era geralmente
uma vida de escravidão da qual era quase
impossível escapar.
A glória da Sua graça 314

Imagine alguém, amável e bondoso,


não familiarizado com o mercado de es-
cravos, passeando por ali com um amigo.
A crueldade de tudo o deixa horrorizado e
escandalizado. Uma menininha, sozinha,
infeliz, e com medo, esperando ser ven-
dida a um dono desconhecido, chama a
sua atenção. O seu coração fica profun-
damente sensibilizado quando pensa no
futuro sem esperança e provavelmente
cruel que a espera. Ele pergunta ao seu
companheiro: “Será que nada pode ser
feito para salvar esta pequena criança
desta triste situação?” A resposta vem:
“Sim! Você pode comprá-la, e sendo sua,
você teria o direito de libertá-la”.

O leilão começa. Alguém faz um


lance, e o homem faz um maior. Outros
A glória da Sua graça 315

oferecem ainda mais, mas cada vez o


homem faz um lance maior, até que os
lances cessam. O lance do homem é
aceito e a criança se torna sua proprie-
dade. Com que medo e incerteza sobre
o futuro aquela criança olharia para seu
novo dono. Mas não há necessidade de
medo. Longe do barulho daquele lugar,
ele explica carinhosamente que ele a
comprou para deixá-la ir livre. Ele a com-
prou no mercado para tirá-la do mercado.
Ele pagou o preço do resgate e assim a
remiu da escravidão. Ela não é mais uma
escrava. Ela está livre! Bem pode ser que
ela olharia para o seu benfeitor e com
amor exclamaria: “Meu redentor!” Ele
pagou o preço exigido e, por intermédio
dele, ela foi emancipada da escravidão.
A glória da Sua graça 316

Liberta! Redimida! E, bem pode ser que


ela iria desejar permanecer com ele e
servir com gratidão alguém tão bondoso
como ele.

Paulo compreendeu isto quando


ele escreveu de si mesmo: “vendido sob
o pecado … Miserável homem que eu
sou! Quem me livrará?” Com alegria, ele
acrescenta: “Dou graças a Deus por Jesus
Cristo nosso Senhor” (Rm 7:14, 24-25).
Um Redentor pagou o resgate, não com
prata e ouro, mas com sangue precioso,
como outro apóstolo explica em I Pedro
1:18-19, e o pecador impotente está livre.
Paulo também escreveu: “fostes compra-
dos com preço” (I Co 6:20), e repete as
mesmas palavras em I Coríntios 7:23. Será
que ele está pensando nisto quando ele
A glória da Sua graça 317

diz: “O qual se deu a si mesmo por nós


para nos remir …” (Tt 2:14)? Escrevendo
também aos Gálatas ele diz: “O Filho de
Deus, o qual me amou, e se deu a si mes-
mo por mim” (Gl 2:20). Entretanto, repare
que tanto Pedro como Paulo, mais tarde,
sentem prazer em se chamar “servos”
de Jesus Cristo (II Pe 1:1; Rm 1:1). Eles, e
todos os que amam o Senhor Jesus, es-
tão satisfeitos por estarem em voluntária
servidão de amor Àquele que os redimiu
e os libertou.

Uma introdução
Há duas coisas muito interessantes
no estudo da redenção. Uma é que um
A glória da Sua graça 318

assunto aparentemente tão lindo e sim-


ples pode se tornar tão complicado e difí-
cil. A outra é que um assunto tão compli-
cado e difícil pode ser tão lindo e simples!
A linda palavra “redenção” ocorre quinze*
vezes na versão AT — quatro destas
ocorrências estão no Velho Testamento
e onze estão no Novo Testamento. A re-
denção naturalmente exige um redentor,
e a palavra “redentor” ocorre dezenove†

* O autor menciona vinte ocorrências da palavra na


versão AV em inglês, sendo nove no VT e onze
no NT. Substituímos este número pelas quinze
ocorrências na versão AT em português, que são:
Sl 14:7; 49:8; 111:9; 130:7; Lc 2:38; 21:28; Rm 3:24;
8:23; I Co 1:30; Ef 1:7, 14; 4:30; Cl 1:14; I Tm 2:6; Hb
9:12. Na versão ARC as ocorrências são idênticas
às da AT, e na ARA são doze referências (N. do
E.).
† Novamente há uma diferença na quantidade de
ocorrências em inglês e português. Em inglês (na
A glória da Sua graça 319

vezes no Velho Testamento, mas nunca


no Novo Testamento. A palavra cognata
“remir” ocorre mais de cinquenta vezes*,
das quais somente duas estão no Novo
Testamento (Gl 4:5 e Tt 2:14). A palavra
associada “remido” aparece mais de ses-
senta vezes†, mas quase todas estão no

AV) são dezoito ocorrências: Jó 19:25; Sl 19:14;


78:35; Pv 23:11; Is 41:14; 43:14; 44:6, 24; 47:4; 48:17;
49:7, 26; 54:5, 8; 59:20; 60:16; 63:16; Jr 50:34. Em
português, as versões ARC e AT usam “redentor”
nas dezoito referências acima, e acrescentam Jr
14:8, onde a AV traduz “saviour” (“salvador”). A
ARA usa a palavra apenas doze vezes (N. do E.).
* As cinquenta ocorrências são da AV em inglês. Em
português, a maioria destas ocorrências é traduzida
“resgatar” ou “livrar”. “Remir” só ocorre quatro
vezes na AT e ARA, e cinco vezes na ARC (N. do
E.).
† Sessenta e duas vezes na AV em inglês, mas ape-
nas uma vez (Zc 10:8) na AT, ARC e ARA. Nas
demais ocorrências, a palavra é traduzida “livre”,
A glória da Sua graça 320

Velho Testamento, e somente sete no


Novo Testamento.

Se tudo isto parece complicado, en-


tão para complicar o assunto mais um
pouco, temos que observar que estas
palavras comuns realmente são traduções
de várias palavras hebraicas e gregas dife-
rentes. A única palavra sempre traduzida
da mesma maneira é “redentor”, que é
sempre* a tradução da palavra hebraica
goel, e isto será explicado mais adiante.
Também, devemos observar que estas
palavras originais hebraicas e gregas são

“resgatado”, etc. (N. do E.).


* O autor se refere à versão inglesa AV. Em por-
tuguês, existe uma ocorrência de “redentor” que
não é tradução de goel — Jr 14:8, onde a palavra
hebraica é yasha (N. do E.).
A glória da Sua graça 321

frequentemente traduzidas por ainda ou-


tras palavras, como “resgate”, “livramento”,
“comprar” e “comprado”, etc.

Contudo, a complexidade desta


grande variedade de palavras pode ser
reduzida quando notamos que há um elo
entre todas elas. Citando as definições dos
dicionários Bíblicos bem conhecidos, as
palavras simplesmente significam “com-
prar de volta algo que foi perdido, pelo
pagamento de um resgate” (Easton). Ou,
“libertar ao pagar o preço de resgate …
especialmente na compra de um escra-
vo, tendo em vista a sua liberdade” (W. E.
Vine), como na nossa ilustração inicial.
Todos irão concordar que uma conside-
ração detalhada de tão grande variedade
de palavras nas línguas originais e suas
A glória da Sua graça 322

traduções seria uma tarefa enorme. En-


tretanto, será necessário considerarmos
algumas destas palavras, mas não seria
proveitoso se um estudo acadêmico frio
nos roubasse da maravilha da nossa re-
denção e do gozo de conhecer a Cristo
como nosso Redentor. Todos os crentes
no Senhor Jesus sabem que, embora a
teologia e a doutrina tenham seu lugar
apropriado, a redenção está em uma
Pessoa, um Redentor.

Pensando nisso, é interessante notar


que a expressão “meu Redentor” é en-
contrada somente duas vezes* na nossa
Bíblia. Contudo, os salvos gostam de citar

* As ocorrências são Jó 19:25 e Sl 19:14. As versões


AT e ARA traduzem “Redentor meu” no Salmo
19, e a ARC “Libertador meu” (N. do E.).
A glória da Sua graça 323

e falar sobre isto, e como gostamos de


cantar:
“Redentor”, Ó que beleza, nesse Nome Teu se
vê!
Só Jesus, na Sua glória, de levá-lo, digno é.
Redentor meu! Redentor meu!
Que alegria seres meu!

H. e C. Nº 262 (Anônimo)

Como dissemos, ocorre somente


duas vezes na Bíblia, em Jó 19:25 e Salmo
19:14. Jó e Davi, na sua época, se uniram
para exaltar este lindo título. Naquele Sal-
mo Davi tinha falado muito sobre o peca-
do. Houve pecados por ignorância. Houve
pecados secretos. Houve pecados de
presunção e grandes transgressões. Para
onde podia ele olhar para obter ajuda? No
versículo final do Salmo, ele eleva os seus
A glória da Sua graça 324

olhos a Deus e exclama: “Senhor, Rocha


minha e Redentor meu!” Jó também tinha
um problema, não tanto em relação ao
pecado, mas sobre sofrimento e tristeza,
coisas que ele teve em abundância. Ele
tinha perdido a maior parte de sua família,
suas riqueza e sua saúde. Aqueles que
eram presumidamente seus amigos nada
mais eram do que “consoladores moles-
tos” (Jó 16:2), e até a sua esposa não o
compreendera. Como Davi, ele desviou o
olhar de tudo isso, e disse: “Eu sei que o
meu Redentor vive”. Quer seja em livrar
do pecado ou libertar da tristeza, estes
santos do passado tinham encontrado a
resposta — meu Redentor! É nisto que os
santos de hoje se regozijam. Em Cristo há
uma libertação presente do pecado, da
A glória da Sua graça 325

sua penalidade, do seu poder e da sua


escravidão. Um dia, quando o Redentor
vier, haverá libertação total da tristeza e
do sofrimento da Terra. Quão bom poder
levantar os olhos, olhar para frente, e dizer
com Davi e Jó: “Meu Redentor!”

Uma explicação
Talvez a palavra hebraica mais co-
nhecida em qualquer estudo acerca da
Redenção é goel, que ocorre mais de cem
vezes no Velho Testamento. É traduzida
de várias maneiras: “vingador” (Nm 35:19,
Dt 19:6); “remidor” (Rt 3:12), “redentor”
(Jó 19:25), etc. Na sua forma adjetiva,
“remidos”, a encontramos em Isaías 35:9
A glória da Sua graça 326

e 51:10. Há muitas outras ocorrências da


palavra “remido”, e o estudante diligente
deve consultar e compará-las todas.

A primeira ocorrência de goel é em


Gênesis 48:16. O patriarca Jacó estava
velho e morrendo, e José trouxe seus dois
filhos para receberem a sua bênção. Jacó
estendeu as mãos sobre eles e disse: “O
anjo que me livrou [goel] de todo o mal,
abençoe estes rapazes”. Isso tem criado
um problema para alguns, visto que goel
parece indicar um relacionamento de
parente remidor, como visto tantas vezes
no livro de Rute, e assim surge a pergunta:
“quem seria o Anjo que livrou Jacó de
todo o mal?” Parece óbvio que precisaria
ser uma Pessoa divina, formando uma
trindade com as outras duas menções
A glória da Sua graça 327

de Deus [Elohim] no versículo anterior. O


Deus dos seus pais, o Deus que o tinha
sustentado durante toda a vida, é o Anjo
que livrou* o patriarca. Isso deve ser uma
“Cristofania”, um ministério de Cristo an-
tes da Sua encarnação. Antecipa Aquele
que voluntariamente iria tomar carne e
sangue para ser nosso Parente Remidor.
Há outras referências ao Anjo do Senhor,
como por exemplo: Gn 16:7; 22:15; 31:11;
Êx 3:2. Estes são somente alguns exem-
plos. Há mais de cinquenta outras refe-
rências, dez no livro de Números, todas
no cap. 22, e dezoito no livro de Juízes.

Entretanto, a palavra goel é mais


proeminente no pequeno e lindo livro de

* Literalmente, “remiu” (N. do E.).


A glória da Sua graça 328

Rute, onde ocorre mais que vinte vezes


nos quatro pequenos capítulos. W. E. Vine
escreve: “O livro de Rute é um lindo relato
do Parente Remidor. Sua responsabilidade
é resumida em 4:5: “No dia em que com-
prares a terra da mão de Noemi, também
a comprarás da mão de Rute, a moabita,
mulher do falecido, para suscitar o nome
do falecido sobre a sua herança”.

Há três coisas necessárias num goel,


ou parente remidor. Ele precisa ter o di-
reito, a capacidade e a vontade de cum-
prir o seu papel. O nosso Redentor tem
todas estas qualidades. Ele tem o direito,
pois de fato é nosso parente. O milagre
da encarnação trouxe o Filho de Deus
para nosso mundo como um Homem.
Ele, na verdade, se tornou um Homem
A glória da Sua graça 329

entre homens. Com Sua humanidade,


única e impecável, mas verdadeira, Ele
assumiu parentesco conosco e, portanto,
tem o direito do Parente Remidor. Ele tem
também a capacidade e o poder, porque
todos os recursos necessários para pagar
o alto preço do nosso resgate são Seus. O
parente remidor anônimo no livro de Rute
possivelmente tinha o direito e a capaci-
dade, mas por alguma razão ele não tinha
a vontade, e por isso seu direito passou
a Boaz. Os privilégios e responsabilidades
do parente remidor são descritos em
Deuteronômio 25 e também em Levítico
25, que diz: “Portanto em toda a terra não
se venderá em perpetuidade, porque a
terra é minha; pois vós sois estrangeiros
e peregrinos comigo. Portanto em toda
A glória da Sua graça 330

a terra da vossa possessão dareis resgate


à terra. Quando teu irmão empobrecer e
vender alguma parte da sua possessão,
então virá o seu resgatador, seu parente,
e resgatará o que vendeu seu irmão. E
se alguém não tiver resgatador, porém
conseguir o suficiente para o seu resgate,
então contarão os anos desde a sua ven-
da, e o que ficar restituirá ao homem a
quem vendeu, e tornará à sua possessão.
Mas se não conseguir o suficiente para
restituir-lha, então a que foi vendida fica-
rá na mão do comprador até ao ano do
jubileu; porém no ano do jubileu sairá, e
ele tornará à sua possessão” (Lv 25:24-28).
Jeová ordenara que tanto pessoas como
propriedades podiam ser resgatadas, e
isso era uma sombra do grande Parente
A glória da Sua graça 331

Remidor que viria para resgatar tudo que


o primeiro homem perdera por causa de
seu pecado.
Tua esperança nossa é também,
Senhor, queremos ver
A Criação, na terra e além,
Por Ti remida e abençoada ser.

(E. Denny)

A segunda ocorrência de goel é em


Êxodo 6:6, e ali encontramos mais in-
formações sobre a história da redenção.
“Portanto, dize aos filhos de Israel: Eu sou
o Senhor, e vos tirei de debaixo das cargas
dos egípcios, e vos livrarei da servidão,
e vos resgatarei com braço estendido e
com grandes juízos. E eu vos tomarei por
meu povo e serei vosso Deus” (vs. 6-7).
Jeová então acrescenta: “E eu vos levarei
A glória da Sua graça 332

à terra” (v. 8).

Esta é a única referência a goel no


livro de Êxodo, mas depois disto, o povo
de Israel é sempre chamado de um povo
redimido e, subsequentemente, há mais
ou menos vinte e duas ocorrências de
goel no livro de Levítico. Jeová, das altu-
ras, tinha visto e ouvido. Ele tinha visto as
aflições e ouvido os gemidos da nação.
O povo estava numa escravidão triste e
amarga e aqui, em Êxodo 6:6-8, Ele lhes
dá aquela promessa sétupla:

i) Eu vos tirarei de debaixo das cargas…


ii) Eu vos livrarei da servidão…
iii) Eu vos resgatarei…
iv) Eu vos tomarei por meu povo…
v) Eu serei vosso Deus…
A glória da Sua graça 333

vi) Eu vos levarei à terra…


vii) Eu vo-la darei por herança…

O povo, naturalmente, não sabia na-


quela ocasião que a sua redenção seria
comprada por preço. Talvez, nem Moisés
mesmo sabia, até o tempo narrado em
Êxodo 12. Para cada casa remida, um
cordeiro seria morto, sangue seria der-
ramado, e uma vida seria dada como o
preço da sua redenção. Todos os detalhes
essenciais de um plano futuro de reden-
ção estavam incorporados na seleção e
morte do cordeiro Pascal e na aspersão
do seu sangue. O cordeiro precisava ser
sem defeito, um macho ativo de um ano.
No tempo ordenado o cordeiro seria mor-
to. Com um molho de hissope seu sangue
seria aplicado nas duas ombreiras e na
A glória da Sua graça 334

verga da porta das suas casas, e dentro,


protegidos pelo sangue, o povo comeria
do cordeiro assado, com seus lombos cin-
gidos e com seus pés calçados, prontos
para sair do Egito, redimidos!

Quantos pregadores do Evangelho


têm se deleitado com esta história, esta
antiga sombra do Cordeiro de Deus.
Como o cordeiro pascal tinha de ser sem
defeito, assim nosso Redentor, o Próprio
Cordeiro, era absolutamente sem defeito,
e Sua impecabilidade não era o resultado
de uma existência monástica. Ele não
ficou enclausurado, como um monge,
longe da contaminação do mundo ao Seu
redor, mas Ele era ativo, como “macho de
um ano”, morando em Nazaré por trinta
anos, andando pelas suas ruas, frequen-
A glória da Sua graça 335

tando a sua sinagoga, fazendo negócios


com o povo de Nazaré, como o carpintei-
ro da cidade. A maior parte dos detalhes
daqueles anos foram divinamente ocul-
tados, mas Ele mesmo nos informa que
estava sempre tratando dos negócios de
Seu Pai (Lc 2:49). De fato, Ele era “santo,
inocente, imaculado, separado dos peca-
dores” (Hb 7:26). Verdadeiramente, Ele era
sem defeito, impecável, incomparável, e
incorruptível.
Sua vida imaculada, Seu lindo andar,
Perfeitos em cada aspecto.
Da corrupção que O cercou
Nenhuma mancha o afetou!

M. Wylie (tradução literal)

Após trinta anos extraordinários, Ele


foi morto. Pedro, que O conhecia mui-
A glória da Sua graça 336

to bem, escreve aos salvos cujas vidas


tinham sido gastas nas cerimônias e ri-
tuais do judaísmo: “Sabendo que não foi
com coisas corruptíveis, como prata ou
ouro, que fostes resgatados … mas com
o precioso sangue de Cristo, como de
um cordeiro imaculado e incontaminado,
o qual, na verdade, em outro tempo foi
conhecido, ainda antes da fundação do
mundo, mas manifestado nestes últimos
tempos por amor de vós; e por ele credes
em Deus, que o ressuscitou dentre os
mortos, e lhe deu glória” (I Pe 1:18-21).
Paulo concorda com isto, dizendo: “Por-
que Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado
por nós” (I Co 5:7).

Assim, a redenção de Israel da escra-


vidão do Egito, comprada pelo sangue do
A glória da Sua graça 337

cordeiro e conseguida pelo braço do Se-


nhor, é uma sombra eloquente da nossa
redenção pelo sangue do Senhor Jesus.

Um esclarecimento
Na versão inglesa (AV) do Novo Tes-
tamento a palavra “redenção” ocorre onze
vezes e “remido” ocorre sete vezes. “Re-
mir” ocorre somente duas vezes (Gl 4:5 e
Tt 2:14), e “remindo” ocorre também duas
vezes (Ef 5:16 e Cl 4:5) na versão AV. Algu-
mas destas referências foram menciona-
das na introdução deste capítulo. Como já
foi mencionado, o substantivo “redentor”
não é encontrado no Novo Testamento.
Também, como no Velho Testamento,
A glória da Sua graça 338

estas palavras no Novo Testamento nem


sempre são a tradução da mesma palavra
grega. Estas palavras, com seus diversos
significados, precisam ser consideradas e
explicadas. Descobrimos que há quatro
palavras usadas para traduzir as seguintes
palavras gregas, e o significado destas
palavras nos ajudará muito a entender
melhor a grande verdade da redenção.

Agorazo
Esta palavra ocorre mais de trinta
vezes* no Novo Testamento, no grego.

* As ocorrências são: Mt 13:44, 46; 14:15; 21:12; 25:9,


10; 27:7; Mc 6:36, 37; 11:15; 15:46; 16:1; Lc 9:13;
14:18, 19; 17:28; 19:45; 22:36; Jo 4:8; 6:5; 13:29; I
Co 6:20; 7:23, 30; II Pe 2:1; Ap 3:18; 5:9; 13:17; 14:3,
4; 18:11 (N. do E.).
A glória da Sua graça 339

Seu significado básico é “comprar”, e por


isto quase sempre é traduzida “comprar”
ou “comprado”. É a palavra usada por
Paulo em I Coríntios 6:20 e 7:23, onde
escreve: “… porque fostes comprados por
bom preço”.

Vemos claramente destas referências


que um preço foi pago para providenciar
a redenção gozada por tantos. Foi aquele
preço que deu ao Senhor o direito de
tomar o livro da mão dAquele que es-
tava sentado no trono em Apocalipse 5.
Também comprou o livramento de um
futuro remanescente fiel de Israel, em
Apocalipse 14:3, e o louvor e a adoração
deste remanescente, em Apocalipse 14:4.
A glória da Sua graça 340

Exagorazo
Esta palavra, como podemos ver, é
uma combinação de agorazo, que acaba-
mos de considerar, e ex, que a precede.
Ex é uma preposição que significa “para
fora de”. Assim, se agorazo significa “com-
prar”, então exagorazo significa “comprar
para fora de”. O comentário de W. E.
Vine é muito útil; ele define exagorazo
como uma expressão mais forte do que
agorazo, usada especialmente no sentido
de comprar um escravo da escravidão,
para lhe dar liberdade. Como notamos
na ilustração no início deste capítulo, um
escravo podia ser comprado por outro
dono e continuar sendo escravo, mas
quão melhor seria ser comprado para fora
A glória da Sua graça 341

do mercado, fora da escravidão, emanci-


pado, colocado em liberdade através do
pagamento de um resgate. Remido!

Paulo usa esta palavra quatro ve-


zes nas suas epístolas. Em duas destas
ocorrências a palavra não está ligada
ao assunto de redenção que estamos
considerando agora. Em Efésios 5:16 e
também em Colossenses 4:5, ele fala de
“remir o tempo”. Com isto ele quer dizer
que, como os dias são maus, e porque
os incrédulos estão sempre observando
a vida dos salvos, devemos, durante o
tempo que nos resta aqui, comprar cada
momento. Do tempo que Deus nos dá
aqui na Terra, precisamos comprar tem-
po para servir ao Senhor e para edificar
um testemunho para Ele. Este tempo
A glória da Sua graça 342

será comprado por um preço. Este preço


talvez seja renunciar eventos sociais para
estar sozinho com o Senhor, ou se ocupar
no Seu serviço. Pode significar o sacrifí-
cio de outras coisas, que em si mesmas
são legítimas, para nos ocuparmos com
o estudo da Sua Palavra. Pode significar,
como se diz, “queimar o óleo da meia
noite”*. De qualquer forma, um preço
precisa ser pago se quisermos remir o
tempo, comprando momentos para Ele.

Em Gálatas 3:13; 4:5, esta palavra


exagorazo deve ter sido especialmente
preciosa para os crentes judeus. Estes
irmãos conheciam bem o que signifi-

* No inglês, “burning of the midnight oil”, uma ex-


pressão idiomática que significa ficar acordado até
tarde, geralmente para estudar (N. do E.).
A glória da Sua graça 343

cava estar em servidão. Como podiam


regozijar-se e dizer com Paulo: “Cristo nos
resgatou [exagorazo] da maldição da lei”.
Cada judeu sincero e zeloso teria vivido
e trabalhado debaixo deste pesado jugo.
A lei exigia o que ele não podia dar — a
perfeição — e quem não podia satisfazer
as suas exigências vivia debaixo da sua
maldição. Mas Cristo os tinha resgatado.
Ele os tinha comprado para fora da esfera
da servidão, e tinha lhes concedido uma
nova liberdade, para servirem a Deus por
amor e gratidão pela sua redenção.

Não devemos pensar que isso excluiu


os gentios que também tinham sido re-
midos. As palavras de Paulo em Gálatas
provavelmente tinham uma aplicação pri-
mária aos judeus convertidos, mas as pa-
A glória da Sua graça 344

lavras do Comentário Jamieson, Fausset,


Brown sobre Cristo nosso Redentor me-
recem ser mencionadas: “A palavra ‘nós’
aqui se refere inicialmente aos judeus, a
quem a lei pertencia, essencialmente, em
contraste com os gentios … Mas não está
restrita somente aos judeus … pois este
povo representa o mundo em geral, e a
sua lei mostra o que Deus exige do mun-
do todo”. A maldição por desobedecer a
lei também afeta os gentios, através dos
judeus, porque a lei representa a justiça
que Deus exige de todos e que, visto que
os judeus falharam, os gentios também
não podem cumprir. “Todos aqueles, pois,
que são das obras da lei estão debaixo da
maldição” (Gl 3:10) se refere claramente
não somente aos judeus, mas a todos, até
A glória da Sua graça 345

mesmo aos gentios (como os gálatas) que


procuravam a justificação através da lei.
A lei dos judeus representa a lei universal
que também condena os gentios, embora
com menos consciência do seu pecado
(Rm 2:1-29). A revelação da ira de Deus
pela lei da consciência preparou, até certo
ponto, os gentios para poderem apreciar
a redenção em Cristo, quando esta foi
revelada a eles. A maldição tinha que ser
removida dos pagãos, como dos judeus,
para que “a bênção por intermédio de
Abraão pudesse chegar a eles”. Barnes
concorda com isso, e escreve que é “a
maldição que a lei ameaçava, e que a
execução da lei infligiria — o castigo do
pecado. Isso deve significar que Ele nos
salvou das consequências da transgressão
A glória da Sua graça 346

no mundo de aflição. Ele nos salvou do


castigo que os nossos pecados mereciam.
A palavra ‘nós’ aqui se refere a todos que
são remidos, isto é, aos gentios como
também aos judeus. A maldição da lei é
uma maldição devida ao pecado, e não
pode ser considerada como aplicada es-
pecificamente a uma classe de pessoas.
Todos que violam a lei de Deus, não im-
porta como a lei foi revelada, estão expos-
tos à sua penalidade”. Ele acrescenta: “O
mundo está por natureza debaixo desta
maldição, e está correndo rapidamente
para a sua ruína”.

Romanos 3:19 confirma que as exi-


gências da lei são reivindicadas de todos
os homens: “Ora, nós sabemos que tudo
o que a lei diz, aos que estão debaixo
A glória da Sua graça 347

da lei o diz, para que toda a boca esteja


fechada e todo o mundo seja condená-
vel diante de Deus”. Note a abrangência
das afirmações, “toda a boca fechada …
todo o mundo seja condenável”. O judeu
talvez seja mais privilegiado, e, portanto,
mais responsável, mas mesmo assim o
pecador gentio está igualmente debaixo
da maldição da lei, se não for remido.
“O salário do pecado é a morte” é uma
sentença universal, como também: “a
alma que pecar, essa morrerá” (Rm 6:23,
Ez 18:4, 20). Todos os homens, portanto,
judeus e gentios, igualmente, precisam
de um redentor.

O salvo pode dizer com Paulo: “Cristo


nos resgatou da maldição da lei, fazendo-
-se maldição por nós” (Gl 3:13). Ele nos
A glória da Sua graça 348

comprou para fora da maldição de uma


lei desobedecida. Com que preço o Se-
nhor Jesus Se tornou voluntariamente
nosso Redentor, tirando-nos daquela mal-
dição! Ó, a vergonha de ser pendurado
num madeiro (Dt 21:23). Aquele que não
conheceu pecado foi feito pecado por
nós — este foi o preço da nossa redenção
(II Co 5:21). Ele foi contado com os trans-
gressores, pendurado num madeiro como
os malfeitores ao Seu lado, e com a nossa
iniquidade sobre Si (Is 53). O Cordeiro
imaculado de Deus, eternamente santo
como as antigas ofertas pelo pecado (Lv
6:25, 29), foi desamparado por Deus como
o substituto voluntário, pagando o preço
da nossa redenção.
Sua a maldição, as feridas, o fel,
A glória da Sua graça 349

Suas as chagas — tudo Ele suportou;


Seu o brado doloroso da morte,
Quando nossos pecados Ele carregou.

J. Cennick (tradução literal)

Foi com razão que o Salmista disse


“Pois a redenção da alma é caríssima”
(Sl 49:8). É tão preciosa como Aquele de
quem está escrito: “E assim para vós, os
que credes, é [pedra] preciosa” (I Pe 2:7).

Apolutrosis
Esta é a palavra normalmente tra-
duzida “redenção” no Novo Testamento.
Nove vezes* é traduzida assim, e uma
* O autor se refere à versão AV em inglês. Na versão
AT em português, a palavra é traduzida “redenção”
oito vezes, “remissão” uma vez, e “livramento” uma
vez. As dez ocorrências são: Lc 21:28; Rm 3:24; 8:23:
A glória da Sua graça 350

vez é traduzida “livramento” (Hb 11:35), e


isto nos ajuda a entender seu significado
básico. A definição de Thayer é: “resgatar
alguém, pagando o preço; deixar alguém
sair livre ao receber o pagamento do
preço; uma libertação efetuada pelo pa-
gamento do resgate; redenção, libertação,
liberação obtida pelo pagamento de um
resgate”.

Como podíamos esperar, apolutrosis


é frequentemente associada com a liber-
tação do salvo da penalidade do pecado,
como em Romanos 3:24: “Sendo justifi-
cados gratuitamente pela sua graça, pela
redenção [apolutrosis] que há em Cristo
Jesus”, e em Efésios 1:7: “Em quem temos

I Co 1:30; Ef 1:7, 14; 4:30; Cl 1:14; Hb 9:15; 11:35


(N. do E.).
A glória da Sua graça 351

a redenção [apolutrosis] pelo seu sangue,


a remissão das ofensas, segundo as rique-
zas da sua graça”, e como num versículo
semelhante em Colossenses 1:14: “Em
quem temos a redenção [apolutrosis]
pelo seu sangue, a saber, a remissão dos
pecados”.

Há, entretanto, um outro uso interes-


sante de apolutrosis. Enquanto gozamos
agora da nossa redenção por meio do
sangue de Cristo, Sua obra de redenção
por nós ainda não está completa. Paulo
fala do “dia da redenção” como algo ain-
da futuro (Ef 4:30). Ele escreve também
da redenção do nosso corpo, dizendo:
“gememos em nós mesmos, esperando
a adoção, a saber, a redenção do nosso
corpo” (Rm 8:23). Aquele dia final da re-
A glória da Sua graça 352

denção trará “a redenção da possessão


adquirida, para louvor da sua glória” (Ef
1:14).

Muitos salvos ainda estão no corpo,


vivendo e testemunhando num mundo
perverso e mau. Muitos sofrem no cor-
po pelo seu testemunho ao Salvador, e
também muitos sofrem as enfermidades
e fraquezas comuns desta vida. Alguns
sofrem as limitações e enfermidades cau-
sadas pelos anos avançados, e quantos
têm sofrido as tristezas e as dores do luto.
Enquanto estamos no corpo podemos es-
perar dificuldades de vários tipos. Haverá
tristezas e lágrimas, mas um dia o Re-
dentor virá. Ele comprou a Sua igreja por
um preço muito elevado, e Ele virá para
redimir a Sua possessão comprada. Ela é
A glória da Sua graça 353

Seu tesouro peculiar, e Ele virá buscá-la.


Aquele dia será “o dia da redenção” e a
“redenção do nosso corpo”.

Alguns, porém, podem perguntar


sobre nossos irmãos em Cristo que já
faleceram e nos precederam. Foi exata-
mente para esclarecer a posição destas
pessoas, no dia da redenção, que Paulo
escreveu aos coríntios e aos tessaloni-
censes. Não devemos nos entristecer
por eles, como aqueles que não têm
esperança se entristecem. Nós, que esti-
vermos vivos quando o Redentor chegar,
não teremos precedência sobre nossos
irmãos falecidos. “Dizemo-vos, pois, isto,
pela palavra do Senhor: que nós, os que
ficarmos vivos para a vinda do Senhor,
não precederemos os que dormem.
A glória da Sua graça 354

Porque o mesmo Senhor descerá do céu


com alarido, e com voz do arcanjo, e com
trombeta de Deus; e os que morreram em
Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós,
os que ficarmos vivos, seremos arreba-
tados juntamente com eles nas nuvens,
a encontrar o Senhor nos ares, e assim
estaremos sempre com o Senhor … Eis
que vos digo um mistério: Na verdade,
nem todos dormiremos, mas todos se-
remos transformados. Num momento,
num abrir e fechar de olhos, ante a última
trombeta; porque a trombeta soará, e os
mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós
seremos transformados” (I Ts 4:15-17, I Co
15:51-52). Aquele será o dia da redenção,
quando seremos libertados destes corpos
da nossa humilhação, corpos em que nós
A glória da Sua graça 355

temos sofrido e pecado. A nossa reden-


ção então será completa.

Em muitos sepulcros solitários po-


demos ler esta inscrição simples: “Remi-
do”. A palavra é retrospectiva e também
esperançosa. Olhando para trás, o salvo
sepultado foi de fato remido, comprado
fora do mercado da escravidão do peca-
do e unido, com todos os seus pecados
perdoados, a Cristo o Redentor. Por mui-
tos anos alguns viveram no gozo da sua
redenção e dos pecados perdoados. Mas,
olhando para frente e para cima, com
antecipação santa e inteligente, o melhor
ainda está por vir. Os corpos de todos os
salvos que já morreram esperam o dia da
redenção, quando serão ressuscitados e
arrebatados para a glória. Como é precio-
A glória da Sua graça 356

so antecipar a redenção do corpo! Não


pecaremos mais! Não sofreremos mais!
Não nos cansaremos mais! Não sentire-
mos mais a solidão! Seremos redimidos!
Já temos privilégio de, pela fé, prever.
A divinal herança que vamos receber.
A dor e o sofrimento jamais terão lugar
Quando Cristo triunfante aqui reinar.

D. W. Whittle (H. e C. Nº 290)

Lutroo; lutrosis
Estas são palavras cognatas de
apolutrosis e provocam uma pergunta
interessante em relação à redenção, que
devemos considerar. As definições resu-
midas de W. E. Vine são:

lutroo: “libertar ao receber um resgate”


A glória da Sua graça 357

(semelhante a lutron, um resgate), é


usada na voz média (no grego), e sig-
nifica “libertar mediante o pagamento
do preço do resgate, remir”.

lutrosis: “uma redenção”, usada no sentido


geral de “libertação”.

A pergunta que surge é: “Se há um


preço a ser pago, a quem foi pago? Sendo
que algumas das palavras já menciona-
das, como agorazo e lutron, parecem
exigir o pagamento de um resgate, para
muitos parece ser razoável perguntar:
quem recebeu o resgate?” A pergunta
é antiga, e como A. McCaig escreve na
International Bible Encyclopaedia : “A
pergunta ‘Quem recebe o resgate?’ não
aparece diretamente nas Escrituras, mas
A glória da Sua graça 358

é uma pergunta que surge naturalmente


na mente, e os teólogos a têm respondido
de diversas maneiras.

i) Não Satanás. A ideia de alguns dos


antigos, como Irineu e Origenis, era
que o resgate foi dado a Satanás, que
é considerado como tendo, por causa
do pecado do homem, algum direito
justo sobre ele, que Cristo reconhe-
ceu e pagou. Esta sugestão é absurda
e sem qualquer base bíblica.

ii) A Justiça Divina. Entretanto, ao re-


pudiar a primeira resposta, não de-
vemos ir ao extremo de negar que
houve uma transação real de resgate.
O que temos dito é para mostrar que
a afirmação, Cristo deu a ‘Sua vida
A glória da Sua graça 359

em resgate’ não é meramente uma


figura de retórica, mas uma tremenda
realidade. Se nós precisamos saber
a quem o resgate foi pago, parece
razoável pensar que foi à justiça
de Deus, ou a Deus no Seu caráter
de Governador Moral, exigindo e
recebendo-o”.

Embora estas respostas possam ser


interessantes e estimular nossas mentes,
há certo sentido em que a pergunta em
si não é importante. Como W. E. Vine e
outros explicam, o tempo do verbo lutroo
está na voz média (no grego), e portanto
não necessita de outra pessoa. Para ilus-
trar, imaginemos um homem que recebeu
um conselho, mas o recusou; depois ele
diz: “eu paguei o preço”. Outro vê um avi-
A glória da Sua graça 360

so de perigo, mas o ignora e depois diz:


“eu paguei o preço”. Um homem recebe
um medicamento para uma doença, mas
não o toma, e depois ao reconhecer a sua
negligência ele diz: “eu paguei o preço”.
Sabemos que há um preço a ser pago
para poder alcançar muitas das honras
deste mundo. Também, na esfera espiri-
tual, homens como Paulo, e outros már-
tires que vieram depois dele, pagaram o
preço pela sua fidelidade. Mas, a quem foi
pago este preço? A pergunta realmente
não é necessária.

Assim, o Senhor Jesus Se tornou nos-


so fiador e substituto, e pagou o preço.
Voluntariamente, “Ele se deu a si mesmo
em preço de redenção por todos” (I Tm
2:6). No lugar chamado Gólgota, Ele pa-
A glória da Sua graça 361

gou o preço, ao dar a Sua vida e derramar


o Seu sangue, e assim assegurou a nossa
liberdade. Ele é nosso Redentor.

As implicações
Os que são descritos como “os
resgatados do Senhor” (Is 35:10) estão
profundamente gratos Àquele que os res-
gatou. Cristo não pediu nada, e eles nada
contribuíram ao preço da sua redenção.
O Redentor pagou tudo. Contudo, tendo
sido resgatados, agora há uma responsa-
bilidade solene sobre eles, de viver para
Aquele que pagou o seu resgate. Isto
não deve ser como uma obrigação; pois
não é um fardo pesado que é imposto,
A glória da Sua graça 362

mas é um privilégio agradável viver para


Aquele que morreu por nós. Como disse
um dos Seus servos: “Se Cristo é Deus, e
se Ele morreu por mim, então não existe
sacrifício grande demais que eu possa
fazer por Ele” (C. T. Studd).

“Não sois de vós mesmos”, diz Pau-


lo, “fostes comprados por bom preço”;
depois ele acrescenta: “glorificai, pois, a
Deus no vosso corpo, e no vosso espírito,
os quais pertencem a Deus” (I Co 6:20).
A implicação óbvia disto é que agora nós
pertencemos exclusivamente, e por di-
reito, Àquele que nos comprou, e nossas
vidas devem ser vividas para a Sua glória.
Lamentavelmente, havia muito entre os
coríntios para entristecer o Senhor. Havia
erro doutrinário e moral, e havia também
A glória da Sua graça 363

divisões sociais no seu meio. Tudo isto era


uma negação dos Seus direitos, a quem
agora pertenciam. Corpo, alma e espírito
pertenciam ao Redentor. Eles deveriam
estar, por causa dEle, vivendo vidas san-
tas. O resgate que Ele pagou merecia e
exigia esta vida santa. Note como Paulo
usa a palavra “pois”. A sua santidade não
era opcional: “fostes comprados por bom
preço, glorificai, pois, a Deus”.

Em outro lugar ele usa novamente a


mesma expressão (“fostes comprados por
bom preço”), e acrescenta: “não vos façais
servos de homens” (I Co 7:23). Adam
Clarke comenta: “Alguns interpretam
isto como sendo uma pergunta: Fostes
comprados por bom preço? Então, não
voltem a ser escravos de homens”. Todos
A glória da Sua graça 364

irão concordar que a nossa redenção não


livra empregados das suas obrigações
para com seus empregadores. Também,
naquele tempo, não livrou os escravos
cristãos do serviço aos seus senhores,
mesmo embora aquele sistema de escra-
vidão fosse deplorável. Seja no emprego
secular normal, ou na escravidão daquele
tempo, os salvos têm um dever de obede-
cer aos seus senhores. A lembrança desta
exortação de Paulo afetaria muito todo
serviço, tanto dos servos pagos como dos
escravos: “Porque o que é chamado do
Senhor, sendo servo, é liberto do Senhor;
e da mesma maneira também o que é
chamado sendo livre, servo é de Cristo”
(I Co 7:22). Note também a exortação de
Paulo aos efésios: “Vós, servos, obedecei
A glória da Sua graça 365

a vossos senhores segundo a carne, com


temor e tremor, na sinceridade de vosso
coração, como a Cristo; não servindo à
vista, como para agradar aos homens. Mas
como servos de Cristo, fazendo de cora-
ção a vontade de Deus” (Ef 6:5-6). Aos
colossenses a sua exortação é a mesma:
“Vós, servos, obedecei em tudo a vossos
senhores segundo a carne, não servin-
do só na aparência, como para agradar
aos homens, mas em simplicidade de
coração, temendo a Deus. E tudo quan-
to fizerdes, fazei-o de todo o coração,
como ao Senhor, e não aos homens” (Cl
3:22-24). O salvo, portanto, deve servir de
uma maneira aceitável e leal, lembrando
sempre que ao servir os homens, ele está
servindo a Deus. Nunca podemos nos tor-
A glória da Sua graça 366

nar escravos dos homens em assuntos de


religião, tradição, superstição, ou cerimo-
nialismo. Nossa lealdade suprema é para
com o nosso Redentor. Nós pertencemos
a Ele. Somos os “remidos do Senhor” (Sl
107:2; Is 51:11; 62:12).

De todas estas considerações, por-


tanto, é evidente que a redenção não é
somente um assunto da assim chamada
“teologia sistemática”. É uma verdade e
experiência cordial e vibrante. Traz gran-
de gozo e alegria ao coração do salvo,
dá sentido à vida, decide o passado e
assegura o futuro, e, acima de tudo, traz
glória ao Próprio Redentor, nosso Senhor
Jesus Cristo.
Cap. 8 — Reconciliação
Thomas Bentley, Malásia

Um estimado expositor afirma: “A pa-


lavra do Novo Testamento que descreve
melhor o propósito da expiação é recon-
ciliação”. Sir Robert Anderson diz: “Recon-
ciliação é um passo além da redenção na
sua plenitude ao incluir tanto a justiça
como a santidade. Reconciliação é … o
cumprimento do propósito da redenção”.*

* Anderson, Sir Robert. The Gospel and its Ministry.


Kregel Publications, 1978.
A glória da Sua graça 368

As ocorrências
O uso da palavra “reconciliação” no
Velho Testamento não ajuda muito na
exegese dos termos no Novo Testamento.
Em Levítico 6:30; 8:15; 16:20; Ezequiel
45:15, 17, 20; Daniel 9:24, a palavra hebrai-
ca kaphar é traduzida “reconciliação” na
versão AV (em inglês), mas nas versões RV
e JND*, esta palavra é traduzida ‘expiação’,
que melhor transmite o significado da
palavra original.

Há aqueles que usam de maneira er-


rada esta tradução da palavra, nas passa-

* RV é Revised Version, a Versão Revisada em inglês.


JND é a tradução de J. N. Darby. Repare que a
versão AT em português também traduz kaphar
como “expiação” (N. do E.).
A glória da Sua graça 369

gens mencionadas, pois eles pressupõem


que os tradutores da King James enten-
deram reconciliação como tendo um
aspecto relacionado com Deus, sugerindo
que Deus necessitava ser reconciliado,
uma interpretação que vamos contestar
firmemente, mais adiante.

Em II Crônicas 29:24 (ARC) onde


ocorre a palavra “reconciliação”, ela é a
tradução de outra palavra hebraica. Aqui,
novamente, a RV (em inglês) se adapta
ao significado geral da palavra hebraica
e a traduz “oferta pelo pecado”, ou “puri-
ficação” (JND). I Samuel 29:4 é uma pas-
sagem onde ainda outra palavra hebraica
é traduzida “reconciliar”*. Infelizmente

* Na versão AV em inglês. A AT traduz “agradar”


(N. do E.).
A glória da Sua graça 370

aqueles que propagam o fato que Deus


precisava ser reconciliado, como nós
precisávamos, usam esta passagem para
ilustrar o seu conceito do assunto.

Embora nem todos vão concordar, é


necessário mencionar aqui as seguintes
passagens da Apócrifa, porque é espe-
cialmente nestes versículos que muitos
encontram apoio para o seu argumento
que Deus precisava ser reconciliado. As
passagens são II Macabeus 1:5; 5:20;
7:33; 8:29. O judaísmo não é diferente da
religião helenística, nas quais é sempre o
ser humano que procura a restauração do
favor do seu deus, através de tudo quanto
o respectivo sistema determina.

No Novo Testamento há duas passa-


A glória da Sua graça 371

gens não-doutrinárias onde a palavra “re-


conciliação” ocorre; uma em Mateus 5:24
e a outra em I Coríntios 7:11. Na passagem
onde Mateus escreve: “vai reconciliar-te
primeiro com teu irmão”, temos uma das
ocorrências de uma de suas palavras-
-chave: “primeiro”. É uma tragédia da
comunhão o fato de que podemos falar
com Deus e dar-Lhe adoração e ações
de graças e, ao mesmo tempo, termos
relações cortadas com nossos irmãos. Em
seguida temos o teste da comunhão: “vai
reconciliar-te primeiro com teu irmão”.
Não importa quem é o responsável pelo
problema, eu ou meu irmão, é preciso
obedecer a Palavra e a ordem do Salvador
e sermos reconciliados. Tendo feito isto,
então os termos da comunhão estarão
A glória da Sua graça 372

verdadeiramente concretizados: “depois,


vem e apresenta a tua oferta”.

Na passagem em I Coríntios 7:11,


Paulo usa a palavra chave relacionada
com reconciliação ao falar sobre a su-
posta situação de uma esposa que está
separada do seu marido, e é aconselhada
a permanecer sem casar ou a reconciliar-
-se com seu marido. Aqui, novamente,
é o caso de obediência aos requisitos
de Deus e da Sua Palavra que levarão à
situação desejada e aprovada por Deus, e
Ele sempre supre a graça para obedecer.

Vamos agora considerar em mais


detalhe as referências doutrinárias à “re-
conciliação” no Novo Testamento.

Estas referências doutrinárias são as


A glória da Sua graça 373

seguintes:
a) II Co 5:18-21 — Sua Pessoa — “em
Cristo”;
b) Rm 5:10-11 — Sua Paixão — “pela
morte de Seu Filho”;
c) Ef 2:16 — Seu Padecimento — “pela
cruz”;
d) Cl 1:20-22 — Seu Preço — “pelo san-
gue da sua cruz”.

a) II Co 5:18-21 — Sua
Pessoa (“em Cristo”)
v. 18
• O Autor — “Tudo isto provém de
Deus”;
A glória da Sua graça 374

• O ato — “que nos reconciliou consi-


go mesmo”;
• O Auxiliador — “por Jesus Cristo”;
• A anunciação — “o ministério da
reconciliação”.

Paulo é o único escritor no Novo Tes-


tamento que usa o substantivo katallage
(“reconciliação”) e o verbo katallassõ
(“reconciliar”). O significado básico des-
tas palavras gregas é “mudar” ou “fazer
diferente”. Nos escritos do apóstolo, Deus
é sempre o Reconciliador. Só Deus, em
graça maravilhosa e grande poder, pode
mudar um relacionamento de inimizade
para amizade. Isto Ele realizou “por meio
de Cristo”. O uso da preposição grega
dia (“por meio de”) nos dá a certeza de
que a reconciliação é algo completo. Às
A glória da Sua graça 375

vezes cantamos: “Sua graça não oferece


nada pela metade”*, que expressa bem a
verdade afirmada pelo uso desta preposi-
ção. A Bíblia de Estudo Newberry mostra
como dia sempre significa algo completo,
como na palavra “diâmetro”, que significa
a medida total de um círculo. Este ato de
Deus não somente é permanente, mas
também é precioso, pois é “por meio de
Cristo”. Como o único Mediador entre
Deus e o homem, o Senhor Jesus é Aque-
le que fez a grande obra e pagou o enor-
me preço da reconciliação. A força vital
deste versículo é poderosa e incompará-
vel, porque Deus fez ainda outra coisa que
produz nosso louvor, como há também

* “No part-way measures doth His grace provide”,


no inglês (N. do E.).
A glória da Sua graça 376

uma contínua proclamação. Temos este


vasto ministério de amor para proclamar
a todos os homens, como Paulo faz mais
adiante no seu apelo: “Rogamo-vos, pois
… que vos reconcilieis com Deus”.

v. 19
• O Iniciador — “Isto é, Deus estava”
• O Intermediário — “em Cristo recon-
ciliando”;
• O alvo — “o mundo”;
• O anunciador — “pôs em nós a pala-
vra da reconciliação.”

A repetição não deve ser ignorada,


embora multidões o façam: é Deus que
reconcilia. Ele é o Iniciador desta ma-
jestosa obra de graça, não o Alvo. Ao
A glória da Sua graça 377

lermos a próxima expressão: “Deus es-


tava em Cristo”, poderíamos pensar que
Paulo estava se referindo à encarnação
de Cristo, mas o presente escritor pensa
que temos aqui o que podemos chamar
o aspecto soteriológico* do assunto:
que Deus usou a morte de Cristo para
efetuar a reconciliação. Assim, a expres-
são poderia ser traduzida: “Deus estava
reconciliando o mundo consigo mesmo
por meio de Cristo”. Obviamente, então, o
Senhor Jesus verdadeiramente é o Inter-
mediário; é por meio da Sua morte que a
reconciliação é realizada. A reconciliação
existe não com base em Deus imputando
a nós os nossos pecados. “Lhes imputan-

* De “soteriologia”, o estudo da doutrina da salvação


(N. do E.).
A glória da Sua graça 378

do” (logizomenos autois), na linguagem


moderna comercial, é calcular o valor
devido (como é comum, por exemplo,
em encargos com cartões de crédito) que
o dono tem a responsabilidade legal de
pagar. Note o uso da palavra “transgres-
sões” (ARA), que especifica a natureza
dos pecados cometidos. Por exemplo, a
oferta pelo pecado expiava os pecados
em geral, mas a oferta pela culpa* expiava
pecados específicos. Obviamente, nossa
falha específica pode ser vista na nossa
negligência em pagar o que devemos e,
pior do que isso, nossa incapacidade de
fazê-lo. Paulo reconhece o impacto de

* Em inglês, a expressão “oferta pela culpa” é


“trespass-offering”, e a palavra traduzida “trans-
gressão” na ARA é “transgression”. O autor está
relacionando as duas palavras (N. do E.).
A glória da Sua graça 379

tudo isto em que nele, e em todos os re-


conciliados, Deus “pôs a palavra (logos) da
reconciliação”. O verbo themenos (“pôs”)
indica uma nomeação divina, demons-
trando novamente a sabedoria e graça de
Deus, para que esta mensagem da graça
reconciliadora de Deus possa ser anun-
ciada deliberadamente, universalmente e
com autoridade a todos os homens.

v. 20
• Responsabilidade digna — “embaixa-
dores … de Cristo”;
• Ministério distinto — “Deus por nós
rogasse”;
• Identificação divina — “Rogamos …
da parte de Cristo”.
A glória da Sua graça 380

Como Paulo, cada pessoa salva


possui esta responsabilidade distinta e
divina. Vamos corresponder, dando ao
mundo algo do caráter da nossa vocação
digna, enquanto anunciamos a palavra
da reconciliação, sabendo que ninguém
precisa perecer, todos podem viver por-
que Cristo morreu. Não negligenciemos
os termos usados pelo Espírito Santo,
como é especialmente essencial na pa-
lavra “reconcilieis” neste versículo. O que
é de valor essencial nesta palavra é que
está na voz passiva*; portanto, não é que
nós temos de nos reconciliar com Deus,
mas temos que aceitar o que Deus já
realizou na obra do Seu Filho. Também,
o verbo está no modo imperativo, indi-

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 381

cando como a mensagem que temos de


anunciar e afirmar é vital e essencial. Este
versículo nos apresenta a dignidade, a
realidade e o ministério da reconciliação.
Amado leitor, lembre-se de que a provisão
é universal e que a necessidade é tão real
quanto a notícia é vital.

v. 21
• A angústia da mensagem — Ele “O
fez pecado por nós” — Seu sacrifício
redentor;
• O alicerce da mensagem — Ele “não
conheceu pecado” — Sua santidade
real;
• O amor da mensagem — “fôssemos
feitos justiça de Deus” — Nosso sta-
A glória da Sua graça 382

tus recebido.

Romanos 8:3 concorda com a ver-


dade expressa no início deste versículo:
“Porquanto, o que fora impossível à lei,
no que estava enferma pela carne, isso
fez Deus enviando seu próprio Filho em
semelhança da carne pecaminosa e no
tocante ao pecado, e, com efeito, con-
denou Deus, na carne, o pecado” (ARA).
Compare também Isaías 53:10: “Todavia,
ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o
enfermar; quando a sua alma se puser
por expiação do pecado ….”. Certamen-
te é isto que Paulo, pelo Espírito, está
afirmando: o Santo, impecável Filho de
Deus Se tornou responsável, e pela Sua
morte pagou as nossas dívidas e limpou
a nossa conta não paga (e, humanamente
A glória da Sua graça 383

falando, impossível de pagar) com Deus.


“Para que nele fôssemos feitos justiça de
Deus” confirma a natureza objetiva da
nossa posição, isto é, uma posição justa
perante Deus.

b) Rm 5:10-11 — Sua paixão


(“pela morte de Seu Filho”)
v. 10
• Um epíteto acrescentado — “inimi-
gos”;
• Um propósito realizado — “reconci-
liado com Deus”;
• Um preço reconhecido — “a morte
do Seu Filho”;
A glória da Sua graça 384

• Um proveito reafirmado — “seremos


salvos pela Sua vida”

A palavra-chave que resume o


tema dos versículos anteriores (vs. 1-9)
é trocada, no v. 10, de justificação para
reconciliação. Esta mudança é necessária
por causa do quarto epíteto que Paulo
acrescenta ao terminar a sequência que
começou com a palavra “fraco” no v. 6,
afirmando a nossa impotência; em segui-
da temos “ímpios” (v. 6), que mostra nossa
impiedade, seguida por “pecadores”, que
mostra nossa imperfeição, e agora “ini-
migos”, mostrando nossa impropriedade.
Éramos insubordinados, rebeldes, hostis à
vontade de Deus e opostos a tudo que Ele
é em Si Mesmo. Toda a evidência aponta
para a natureza ativa da palavra que te-
A glória da Sua graça 385

mos aqui (“inimigos”), como também em


8:7 e Colossenses 1:21. A palavra echthroi
é usada também em Romanos 11:28,
onde é colocada ao lado de “amados”. O
que mais enfatiza a generosidade de Deus
em tomar a iniciativa, é a inimizade que
manifestamos para com Ele.

A justificação muda a nossa posição


perante Deus, enquanto a reconciliação
muda a nossa condição. Sendo justi-
ficado, o pecador não é mais culpado
perante Deus; sendo reconciliado, a sua
inimizade contra Deus é removida. A base
em ambos os casos é a morte de Cristo.
Em nenhum lugar nas Escrituras é afir-
mado, ou sugerido, que Deus precisava
ser reconciliado conosco. Nenhum dos
atributos divinos está em conflito, nem
A glória da Sua graça 386

podemos concluir que a inimizade era


mútua, como muitos fazem, sugerindo,
e até afirmando, que Deus precisava ser
reconciliado com o pecador. Se con-
cluirmos, por nós sermos inimigos, que
Deus precisava ser reconciliado, então o
que vamos fazer com as palavras “fracos”,
“ímpios” e “pecadores”? Com gratidão, re-
conhecemos firmemente que a sequência
decrescente que descreve a nossa con-
dição sem esperança, está em contraste
total com o amor de Deus manifestado
e dirigido ao homem, através da morte
expiatória do Seu Filho.

Embora haja diferença entre justifi-


cação e reconciliação, as duas coisas são
paralelas porque ambas trazem a certeza
da salvação futura. As frases “pelo Seu
A glória da Sua graça 387

sangue” e “pela Sua vida” não se contra-


dizem, mas se complementam.

Devemos notar que a preposição


“por” neste versículo é en no original
(traduzida “mediante” na ARA). Assim, esta
preposição é instrumental, e demonstra
a preciosa segurança que a vida presente
de Cristo nos dá, agora, e dará até ao Dia
da Redenção. Deus efetuou uma obra po-
derosa em nos reconciliar pela morte do
Seu Filho, e certamente podemos acres-
centar, reverentemente, que é relativa-
mente fácil para Deus efetuar a salvação
final e completa dos reconciliados por
meio daquele mesmo Cristo, mas agora
ressurrecto e glorificado.
A glória da Sua graça 388

v. 11
• Um motivo adicional para louvar —
“nos gloriamos em Deus”;
• Um Mediador aceito para louvar —
“por nosso Senhor”;
• Uma dádiva assegurada para louvar
— “a reconciliação”.

Paulo agora ajunta os elementos


chave dos versículos anteriores em uma
única frase, usando os termos fundamen-
tais do começo e do final do parágrafo,
que são: “nos gloriamos” (ou “nos rego-
zijamos”, vs. 2-3) e “reconciliados” (v. 10),
e acima de tudo, ele repete a verdade
gloriosa que tanto este regozijo, como
a reconciliação, são por intermédio do
A glória da Sua graça 389

Senhor Jesus (veja o uso de dia [por,


pela, pelo] nos vs. 1-2, 9-11). Podemos
perguntar: o que motiva esta jactância
de Paulo em Deus? Sem dúvida alguma,
a resposta é que quando consideramos
tudo que Ele fez para nosso bem espiritual
e eterno, certamente podemos regozijar
na esperança da glória de Deus. Contudo
regozijar em Deus certamente vai além
das grandes e vastas bênçãos recebidas,
e encontra gozo absoluto no Deus que
nos tem abençoado.

Tendo chegado ao clímax do pará-


grafo, que termina em adoração a Deus, o
apóstolo repete suas referências ao minis-
tério mediador do Senhor Jesus com mais
uma menção de “por” (dia). O retorno ao
título completo do nosso Senhor Jesus
A glória da Sua graça 390

Cristo enfatiza a Sua função em nosso


favor. A palavra “agora” nos faz lembrar
de Romanos 3:21 e 5:9, e indica como a
morte do Salvador produziu muito fruto.
Todos os salvos que, pelo ato decisivo de
fé no Senhor Jesus, agora estão se regozi-
jando historicamente e pessoalmente nas
bênçãos da reconciliação, se regozijarão
eternamente nela. A palavra “alcançamos”,
estando no tempo aoristo*, representa a
grandeza destas abençoadas realidades.
A expressão usada em Romanos 11:15,
“a reconciliação do mundo”, sem dúvida
se refere também ao que o apóstolo está
expondo nestes versículos.

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 391

c) Ef 2:16 — Seu padecimento


(“pela cruz”)
• A paz — “fazendo a paz” (v. 15b);
• O propósito — “reconciliar”;
• O povo — “ambos”;
• O preço — “a cruz”;
• O prêmio — “matando com ela as
inimizades”.

Neste versículo achamos, novamen-


te, a palavra “reconciliar”, e aqui ela está
rodeada de muitas outras verdades cuja
exposição seria útil e proveitosa. Contudo,
sendo que não se tratam especificamente
do tema da nossa consideração, vamos
somente notar o contexto e alguns títulos
descritivos sugeridos pelo escritor.
A glória da Sua graça 392

• Nossa identificação passada:


• “sem Cristo” — sem perdão;
• “estranhos” — sem privilégios;
• “sem esperança” — sem perspecti-
va;
• “sem Deus” — sem poder;
• Nossa inclusão presente: — “mas ago-
ra”; “chegastes perto”; “em”;
• Nossa indescritível paz — “Ele é a
nossa paz”; “fazendo a paz”;
• Nossa inimitável posição — “de ambos
fez um”.

O aspecto duplo da reconciliação,


neste versículo, apresenta ricas áreas da
verdade. Tanto o judeu como o gentio,
de quem Paulo fala aqui, conheciam a
reconciliação, não somente com Deus,
A glória da Sua graça 393

mas também uns com os outros. O verbo


apokatallasso, que significa “reconciliar”,
é encontrado somente aqui e em Co-
lossenses 1:20, 22, e confirma que uma
fidelidade absoluta às palavras das Escri-
turas evitará qualquer sugestão de Deus
precisar ser reconciliado. Devemos notar
bem a palavra “um” nos vs. 14-16. Esta
palavra, nos vs. 14 e 16, está no gênero
neutro*, indicando que Paulo está se
referindo à obra de Cristo, que transfor-
mou duas posições em uma. Mas no v.
15 a palavra “um” é masculina, indicando
que aqui as duas pessoas, o judeu e o
gentio, são uma. Assim, no v. 14 não há
diferença entre os reconciliados; no v.

* Aqui e na próxima frase, ao tratar do v. 15, o autor


se refere ao texto grego (N. do E.).
A glória da Sua graça 394

15 não há diversidade, e no v. 16 não há


distância. Enquanto nós nos regozijamos
na sabedoria maravilhosa e na bondade
de Deus em efetuar estas grandes mu-
danças, não devemos esquecer o gran-
de preço de tudo isto, pois aqui somos
novamente lembrados de que a obra foi
realizada por Cristo na cruz. Que grande
preço Ele pagou! Note também que é
“pela cruz”, ou “por intermédio da cruz”
(dia). No v. 13, a obra do Senhor Jesus
na cruz é mencionada como “o sangue
de Cristo”, e no v. 15 é “na Sua carne”. É
muito claro que a reconciliação exigiu
um preço que nenhum recurso humano
poderia satisfazer. Finalmente, a expressão
“matando com ela as inimizades”, não
deve ser entendida como sendo a mesma
A glória da Sua graça 395

inimizade mencionada no v. 15. Ali, fala


da inimizade que existia entre judeus e
gentios, mas no v. 16 se refere à inimiza-
de ou hostilidade entre Deus e os seres
humanos. Devemos entender claramente
e aceitar prontamente que Paulo está se
referindo à cruz.

d) Cl 1:20-22 — Seu preço


(“pelo sangue da Sua cruz”)
v. 20
• O Mediador — “e por meio dEle”;
• O ministério — “reconciliasse”;
• O material — “todas as coisas”;
• A misericórdia — “havendo … feito a
A glória da Sua graça 396

paz”;
• O meio — “pelo sangue da Sua cruz”;
• A medida — “por ele … coisas … na
terra … nos céus”.

Paulo está novamente enfatizando


o trabalho do Salvador como Mediador.
Ele é o meio Divino pelo qual a obra da
reconciliação, tão vasta e fundamental, é
efetuada com justiça. Como já mencio-
namos, a palavra aqui traduzida “recon-
ciliação” é a mesma que Paulo usou em
Efésios 2:16. É uma palavra profunda, e
como W. E. Vine explica, significa “mudar
de uma condição a outra, para assim re-
mover toda a inimizade e não ter nenhum
impedimento à unidade e paz”. Em Efésios
2 reconhecemos a natureza étnica da
reconciliação relacionada com pessoas,
A glória da Sua graça 397

mas em Colossenses é a sua natureza


cósmica, por isso temos a expressão “to-
das as coisas”. A paz foi alcançada, mas
a um preço tremendo: o “sangue da Sua
cruz”. Esta é uma de cinco menções que
Paulo faz da cruz nas suas epístolas de
prisão. Estas cinco referências são:

• Ef 2:16 — “a cruz” — sua distinção;


• Fp 2:8 — “a morte de cruz” — sua
dimensão;
• Fp 3:18 — “a cruz de Cristo” — sua
dignidade;
• Cl 1:20 — “o sangue da Sua cruz” —
sua demanda;
• Cl 2:14 — “Sua cruz” — sua devoção.
A glória da Sua graça 398

v. 21
• O povo — “a vós”;
• O problema — “éreis estranhos e
inimigos”;
• O processo — “agora, contudo vos
reconciliou”.

O apóstolo está afirmando que os co-


lossenses compartilharam das bênçãos da
reconciliação quando receberam Cristo.
A palavra “estranhos” (apellotriomenous)
testifica da Queda. Quando Adão pe-
cou, ele se afastou de Deus (compare Ef
2:12-13, “separados”). A palavra “inimigos”
expressa hostilidade (compare Mt 13:38 e
Rm 8:7). A mente (dianoia) é a fonte; as
obras (ergois) a esfera, e o mal (ponerois)
é a força. Parece haver bastante autori-
A glória da Sua graça 399

dade textual para iniciar o v. 22 depois


da palavra “obras” (veja JND). Contudo,
prontamente reconhecemos que Deus é
o Reconciliador. A palavra “agora” indica
que é o tempo presente da graça que está
em vista. Não o exato momento presente,
mas a época presente, caracterizada pela
graça salvadora de Deus, constantemente
apresentada no Evangelho.

v. 22
• O canal da reconciliação — “no cor-
po da Sua carne”;
• O custo da reconciliação — “pela
morte”;
• A consumação da reconciliação:
• “apresentar-vos santos” — além de
A glória da Sua graça 400

contaminação;
• “irrepreensíveis” — além de crítica;
• “inculpáveis” — além de culpa;
• A centralidade da reconciliação —
“perante Ele”.

Esta referência, com sua menção


especial de “corpo” e “carne”, cumpre um
propósito duplo:

i) Distingue entre o corpo físico de


Cristo (como em Rm 7:4) e o corpo
místico de Colossenses 1:18.

ii) Combate o erro:

a) Os Gnósticos consideravam toda


matéria como má.

b) O erro Docético postulava que o


Senhor Jesus Cristo existiu na terra
A glória da Sua graça 401

somente como um fantasma.

A verdade da Encarnação é estabe-


lecida aqui sem deixar qualquer dúvida,
e propositadamente, pois o Espírito de
Deus previu os erros que iriam confundir
os santos de então, e de hoje. O relacio-
namento íntimo entre a encarnação de
Cristo e a Sua morte sacrificial é também
declarado nesta passagem incomparável.
Ela nos conta:

i) Que o corpo de Cristo era real — não


era um fantasma;

ii) Que o corpo de Cristo estava sujeito


à morte, tendo em vista Filipenses
2:6-9.

iii) Que Sua morte reconciliou o homem


A glória da Sua graça 402

com Deus.

O infinitivo parastesai (“apresentar”)


revela o propósito final de Deus na Sua
obra de reconciliação. Ele nos colocará
perante Si mesmo, livres de qualquer si-
nal ou mancha de pecado. Três adjetivos
são usados para descrever nossa posição
completa e perfeita perante Ele. William
Lincoln* os descreve como: “santos pe-
rante Deus, inculpáveis perante os outros,
e irrepreensíveis perante Satanás”. Embora
isso possa ser verdade, o assunto central e
principal que Paulo, pelo Espírito de Deus,
enfatiza, é “perante Ele”.

Enquanto consideramos estas verda-

* Lincoln, William. Lectures on the Epistle to the


Colossians, John Ritchie Ltd.
A glória da Sua graça 403

des maravilhosas podemos cantar com


mais inteligência:
Sou mensageiro aqui de um grande Salvador,
Que me livrou do mal e fez-Se meu Senhor;
E manda me falar do Seu amor sem par
Aos companheiros meus aqui.
Proclamo o nome de Jesus,
Que me remiu por Sua cruz.
Há nEle salvação, paz, reconciliação;
Há nEle vida, graça e luz
Desejo anunciar a todo pecador
Que salvação do mal, por Cristo, o Redentor,
Já pode desfrutar, querendo confiar
NAquele que morreu na cruz.
É graça singular, é bênção sem igual,
Que aos homens, pela cruz, Deus dá perdão real
Quando contritos vêm a Cristo, o Sumo Bem,
Pra salvação obter por fé.

E. T. Cassel (H. e C. nº 124)


Cap. 9 — Regeneração
Brian Currie, Irlanda do Norte

Introdução
A palavra “regeneração” ocorre so-
mente duas vezes* na Bíblia. Estas duas
referências são:

i) “E Jesus disse-lhes: Em verdade vos


digo que vós, que me seguistes,
quando, na regeneração, o Filho do
homem se assentar no trono da sua

* Nas versões AV (em inglês), e AT e ARC (em


português). A ARA usa a palavra somente em Mt
19:28 (N. do E.).
A glória da Sua graça 405

glória, também vos assentareis sobre


doze tronos, para julgar as doze tri-
bos de Israel” (Mt 19:38).

ii) “Não pelas obras de justiça que hou-


véssemos feito, mas segundo a sua
misericórdia, nos salvou pela lava-
gem da regeneração e da renovação
do Espírito …” (Tt 3:5).

No evangelho de Mateus o assunto


é nacional; tem a ver com a Criação e
está no futuro.

Na carta de Paulo a Tito é pessoal;


tem a ver com cristãos e está no pre-
sente.
A glória da Sua graça 406

Definição
Há três termos que, embora intima-
mente ligados, precisam ser distinguidos.
São “vivificar”, “nascer de novo”, e “rege-
neração”, que é o assunto deste capítulo.

As palavras “vivificar”, “vivifica”, “vi-


vificou”, “vivificarão”, “vivificante”, e “vivi-
ficado”, ocorrem 26 vezes* na Bíblia: 14
vezes no Velho Testamento e 12 no Novo
Testamento. A ideia central nesta palavra
“vivificar” é a imputação da vida divina.

* Na versão AV (em inglês). Em português (na


versão AT) são 33 ocorrências (18 no VT e 15 no
NT): II Rs 5:7; Nm 4:2; Sl 85:6;119:25, 37, 40, 50,
88, 93, 107, 149, 154, 156, 159; 143:11; Is 57:15; Os
14:7; Jo 5:21; 6:63; Rm 4:17; 8:11; I Co 15:22, 36,
45; II Co 3:6; Gl 3:21; Ef 2:1, 5; Cl 2:13; I Tm 6:13;
I Pe 3:18 (N. do E.).
A glória da Sua graça 407

Para que isso possa acontecer todo o


poder divino, todas as Pessoas divinas e
toda a revelação divina estão envolvidos.

Das ocorrências no Velho Testamen-


to, 11 estão no Salmo 119. Assim, há um
vinculo íntimo entre vivificar e a Palavra
de Deus, que é o assunto principal da-
quele Salmo.

Não somente a Palavra está envol-


vida, mas também o Espírito de Deus.
Assim lemos: “O Espírito é o que vivifica
…” (Jo 6:63).

Notamos que o Filho de Deus está


envolvido também, “pois, assim como o
Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, as-
sim também o Filho vivifica aqueles que
quer” (Jo 5:21).
A glória da Sua graça 408

Muitas referências provam que o


próprio Pai está envolvido. “E vos vivi-
ficou, estando vós mortos em ofensas e
pecados” (Ef 2:1); “E, quando vós estáveis
mortos nos pecados, e na incircuncisão
da vossa carne, vos vivificou juntamente
com ele, perdoando-vos todas as ofensas”
(Cl 2:13).

Estas referências provam o que já


afirmamos, que vivificar tem a ver com a
imputação da vida. Romanos 4:17 e 8:11,
que falam da ressurreição, também enfa-
tizam esta verdade. Vemos isto também
na esfera da agricultura (I Co 15:36), e em
relação ao Senhor Jesus (I Pe 3:18).

Temos ilustrações bíblicas disto nas


três ocasiões quando o Senhor Jesus
A glória da Sua graça 409

ressuscitou pessoas que tinham morri-


do: uma menina, um rapaz, e um ho-
mem. Dois eram jovens, mas Lázaro já
era homem maduro. Aprendemos que
idade e gênero não importam, porque
todos precisam ser vivificados. A menina
tinha acabado de morrer, o rapaz estava
a caminho do sepulcro e Lázaro estava
morto já quatro dias e cheirava mal. Aqui
aprendemos que não importa a profun-
didade a que a pessoa tem-se afundado
no pecado — Ele pode vivificar a todos.

Em seguida, pensemos na expressão


“nascer de novo”, que indica inclusão
na família.

É quando nascemos que nos tor-


namos parte da família do nosso pai.
A glória da Sua graça 410

Assim também é espiritualmente. É so-


mente quando “nascemos de novo” que
entramos na família de Deus. Isso não
acontece por meio de batismo, nem por
relacionamentos naturais, ritos religiosos
ou qualquer outra coisa feita por ou sobre
a pessoa, pessoalmente ou por outra. O
novo nascimento é de Deus. É por isso
que o Senhor Jesus disse a Nicodemos:
“Na verdade, na verdade te digo que
aquele que não nascer de novo, não pode
ver o reino de Deus … Não te maravilhas
de te ter dito: Necessário vos é nascer de
novo” (Jo 3:3, 7).

A palavra aqui traduzida “de novo” é


usada por João em três outros lugares*

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 411

no seu evangelho:

i) 3:31 — “Aquele que vem de cima é


sobre todos”;

ii) 19:11 — “Nenhum poder terias contra


mim, se de cima não te fosse dado
…”;

iii) 19:23 — “A túnica porém, tecida toda


de alto a baixo, não tinha costura”.

Assim, o novo nascimento é uma


obra de Deus porque vem de cima. João
confirma isto na sua primeira epístola,
onde ele nos lembra sete vezes que so-
mos nascidos de Deus ou nascidos dEle
(veja 2:29; 3:9; 4:7; 5:1, 4, 18). Nunca le-
mos que somos nascidos de Cristo.

Aprendemos de I Pedro 1:23 que o


A glória da Sua graça 412

novo nascimento é produzido por Deus,


usando a Sua Palavra: “Sendo de novo
gerados, não de semente corruptível, mas
da incorruptível, pela palavra de Deus,
viva, e que permanece para sempre”. Para
entendermos este versículo corretamen-
te, é necessário considerar as preposições
usadas nele. Lendo o versículo, literal-
mente, temos: “Sendo de novo nascidos,
não de [ek] semente corruptível, mas da
incorruptível, por intermédio [dia] da Pa-
lavra de Deus vivendo e permanecendo
para sempre”. Assim, a palavra de Deus
é o instrumento pelo qual a semente
incorruptível da vida divina é concedida
à alma que crê.

Podemos ver uma ilustração bíblica


disso na história de Naamã em II Reis 5,
A glória da Sua graça 413

onde lemos no v. 14: “… sua carne tornou-


-se como a carne de um menino …”.

Chegamos agora ao assunto deste


capítulo, Regeneração, que significa a
introdução de uma nova condição.

Antes de expor este assunto, pode-


mos considerar a ilustração bíblica que
vemos no gadareno endemoninhado.
Ele encontrou o Senhor Jesus e foi total-
mente mudado, sendo introduzido a uma
situação completamente nova. Assim, o
encontramos “vestido, e em seu juízo,
assentado aos pés de Jesus” (Lc 8:35).
Houve uma mudança nos seus trajes, ele
estava “vestido”; houve uma mudança na
sua atitude, estava “em seu juízo”; houve
uma mudança na sua posição, estava “as-
A glória da Sua graça 414

sentado aos pés de Jesus”; e houve uma


mudança na sua apreciação, “rogou-lhe
que o deixasse estar com Ele” (v. 38).

Exposição
Já notamos que o assunto da Rege-
neração tem dois aspectos, que são:

a) Nacional, ligado à Criação, no fu-


turo. Isto é Mateus 19:28: “E Jesus
disse-lhes: Em verdade vos digo
que vós, que me seguistes, quando
na regeneração, o Filho de homem
se assentar no trono da sua glória,
também vos assentareis sobre doze
tronos, para julgar as doze tribos de
Israel.”
A glória da Sua graça 415

b) Pessoal, ligado aos cristãos, no pre-


sente. Isto é Tito 3:5: “Não pelas obras
de justiça que houvéssemos feito,
mas segundo a sua misericórdia, nos
salvou pela lavagem da regeneração
e da renovação do Espírito Santo…”.

a. Nacional
Este aspecto, mencionado por Ma-
teus, trata da nação de Israel e é pro-
fético. Com o Arrebatamento da Igreja,
a influência que tem refreado o avanço
da rebeldia será removida, e consequen-
temente o mundo será mergulhado em
dias terríveis de desastres naturais, como
fomes e terremotos; anarquia social;
A glória da Sua graça 416

grandes problemas políticos internacio-


nais, com guerras civis e internacionais,
todos numa escala nunca vista.

Quando o Salvador vier como Rei,


Ele subjugará todos os Seus inimigos,
produzindo uma grande renovação, e Ele
introduzirá condições inteiramente novas.

Apocalipse 19 nos informa que Ele


virá do Céu num cavalo branco, o símbolo
da realeza, e tratará com aqueles que es-
tarão reunidos ao redor de Jerusalém para
destruí-la. Os dois homens de Satanás, a
besta e o falso profeta, serão “lançados
vivos no lago de fogo que arde com en-
xofre” (v. 20), e todos os que os seguiam
serão mortos.

Então o Rei tratará com Satanás. Ele


A glória da Sua graça 417

será “amarrado” durante o período dos


mil anos do reino milenar do Senhor (Ap
20:1-3).

Alguns duvidam se este período de


mil anos será literal, e outros sugerem
que se refere aos dias em que vivemos.
Contudo, notamos os seguintes detalhes:

i) A prisão de Satanás não acontecerá


até que o Rei vier, portanto não pode
ser durante esta era presente.

ii) Os tempos mencionados em Apoca-


lipse são literais.

iii) Em Apocalipse o símbolo usado


para um ano é “tempo”. Lemos em
12:14, que Israel “é sustentada por
um tempo, e tempos, e metade de
A glória da Sua graça 418

um tempo”.

iv) No Novo Testamento há duas pala-


vras usadas para “ano”, e ambas são
usadas em Apocalipse. A primeira
está em 9:15: “E foram soltos quatro
anjos, que estavam preparados para
a hora, e dia, e mês, e ano, a fim de
matarem a terça parte dos homens”.
Esta palavra ocorre 14 vezes no Novo
Testamento, e significa muitas vezes
um período de tempo. Por exemplo,
a primeira referência está em Lucas
4:19: “o ano aceitável do Senhor”.
Contudo, a palavra usada em Apo-
calipse 20:2-7, é primeiramente usada
em Mateus 9:20: “uma mulher que
havia já doze anos padecia de um
fluxo de sangue”. Observe também
A glória da Sua graça 419

como João usa esta palavra: “Em


quarenta e seis anos foi edificado
este templo” (Jo 2:20). “E estava
ali um homem que, havia trinta e
oito anos, se achava enfermo” (5:5).
“Ainda não tens cinquenta anos, e
viste Abraão?” (8:57). Estes exemplos
provam incontestavelmente que a re-
ferência aqui é a anos reais e literais.

Transformação — o
que acontecerá nesta
grande regeneração?
Muitas esferas serão afetadas, tanto
em relação a Israel como à humanidade
em geral. As seguintes referências bíblicas
A glória da Sua graça 420

mostram a imensidão destas mudanças,


que acontecerão em, pelo menos, sete
aspectos diferentes.

i) Espiritualmente
Jeremias 31:33-34: “Mas esta é a
aliança que farei com a casa de Israel
depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei
a minha lei no seu interior, e a escreverei
no seu coração; e eu serei o seu Deus e
eles serão o meu povo. E não ensinarão
mais cada um o seu próximo, nem cada
um a seu irmão, dizendo: Conhecei ao
Senhor; porque todos me conhecerão,
desde o menor até ao maior deles, diz
o Senhor; porque lhes perdoarei a sua
maldade, e nunca mais me lembrarei dos
A glória da Sua graça 421

seus pecados”.

Isaías 11:9: “… a terra se encherá do


conhecimento do Senhor, como as águas
do mar”.

Habacuque 2:14: “Porque a terra se


encherá do conhecimento da glória do
Senhor, como as águas cobrem o mar”.

ii) Geograficamente
Isaías 40:4-5: “Todo o vale será exal-
tado, e todo o monte e todo o outeiro
será abatido, e o que é áspero se aplai-
nará. E a glória do Senhor se manifestará,
e toda a carne juntamente a verá, pois a
boca do Senhor o disse”.

Zacarias 14:4, 10: “E naquele dia


A glória da Sua graça 422

estarão os seus pés sobre o monte das


Oliveiras, que está defronte de Jerusalém
para o oriente; e o monte das Oliveiras
será fendido pelo meio, para o oriente e
para o ocidente, e haverá um vale muito
grande; e a metade do monte se apartará
para o norte, e a outra metade dele para
o sul…Toda a terra em redor se tornará
em planície, desde Geba até Rimom, ao
sul de Jerusalém.”

iii) Botanicamente
As condições do Éden voltarão: Isaías
35:1-2: “O deserto e o lugar solitário se
alegrarão disto; e o ermo exultará e flo-
rescerá como a rosa. Abundantemente
florescerá, e também jubilará de alegria
A glória da Sua graça 423

e cantará”.

Salmo 72:16, “Haverá um punhado


de trigo na terra sobre as cabeças dos
montes; o seu fruto se moverá como o
Líbano”.

iv) Zoologicamente
Isaías 11:6-8: “E morará o lobo com
o cordeiro, e o leopardo com o cabrito
se deitará, e o bezerro, e o filho de leão
e o animal cevado andarão juntos, e um
menino pequeno os guiará. A vaca e a
ursa pastarão juntas, seus filhos se deita-
rão juntos, e o leão comerá palha como o
boi. E brincará a criança de peito sobre a
toca da áspide, e a desmamada colocará
A glória da Sua graça 424

a sua mão na cova do basilisco”.

Ezequiel 47:8-9: “Estas águas saem


para a região oriental, e descem ao de-
serto, e entram no mar; e, sendo levadas
ao mar, as águas tornar-se-ão saudáveis.
E será que toda a criatura vivente que
passar por onde quer que entrarem estes
rios viverá; e haverá muitíssimo peixe,
porque lá chegarão estas águas, e serão
saudáveis, e viverá tudo por onde quer
que entrar este rio”.

v) Naturalmente
Zacarias 14:6-7: “E acontecerá que
naquele dia, não haverá preciosa luz,
nem espessa escuridão. Mas, será um dia
A glória da Sua graça 425

conhecido do Senhor; nem dia nem noite


será; mas acontecerá que ao cair da tarde
haverá luz”.

vi) Socialmente
Zacarias 14:11: “E habitarão nela, e
não haverá mais destruição, porque Je-
rusalém habitará segura”.

Isaías 2:4: “e estes converterão suas


espadas em foices; uma nação não le-
vantará espada contra outra nação, nem
aprenderão mais a guerrear”.

Miquéias 4:3-4: “E julgará entre mui-


tos povos, e castigará nações poderosas e
longínquas, e converterão as suas espadas
em pás, e as suas lanças em foices; uma
A glória da Sua graça 426

nação não levantará a espada contra ou-


tra nação, nem aprenderão mais a guerra.
Mas, assentar-se-á cada um debaixo da
sua videira, e debaixo da sua figueira, e
não haverá quem os espante, porque a
boca do Senhor dos Exércitos o disse”.

vii) Nacionalmente
Deuteronômio 28:13: “E o Senhor te
porá por cabeça, e não por cauda; e só
estarás em cima, e não debaixo …”.

Vindicação
Nós apreciamos todas estas mudan-
ças e antecipamos estes dias com cora-
ções cheios de gozo e devoção, porque
A glória da Sua graça 427

haverá a vindicação do Senhor Jesus aqui


na Terra, onde Ele foi rejeitado.

Note os contrastes entre a Sua posi-


ção quando rejeitado na Terra e durante
estes dias de Glória Milenar:

Na Terra No Milênio
Humilhação Glória
Panos Envolto em glória
Uma jumenta Um cavalo branco
Derramou lágrimas Olhos como chama de
fogo
Túnica de púrpura Vestes reais
Uma coroa de espi- Muitos diademas
nhos
Uma cana de escárnio Uma vara de ferro
Poucos discípulos Os exércitos dos céus
tímidos
Seu sangue O sangue dos Seus ini-
migos
A glória da Sua graça 428

Na Terra No Milênio
Acima dEle: “Rei dos Na Sua coxa: “Rei dos Reis
Judeus” e Senhor dos Senhores”
Homens reunidos Homens reunidos para se-
para condená-lO rem condenados por Ele.
Sozinho na cruz Com todas as hostes
celestes.

b. Pessoal
Muitos irmãos têm negligenciado a
epístola de Paulo a Tito. Contudo nos
seus 46 versículos temos muitas verda-
des doutrinárias. De fato, há três grandes
passagens doutrinárias na epístola:

i) 1:1-3. Aqui encontramos a grande


verdade da eleição; acontecimentos
antes da criação do mundo; a fé; e a
A glória da Sua graça 429

pregação. É uma miniatura da carta


aos Efésios.

ii) 2:11-14. Estes versículos apresentam a


chegada da graça; a mudança na vida
presente; a segunda vinda do Senhor
Jesus. É uma miniatura da carta aos
Tessalonicenses.

iii) 3:4-7. Nesta parte aprendemos sobre


a corrupção do homem; a justifica-
ção pela graça; somos herdeiros; e
temos uma esperança. É uma minia-
tura da carta aos Romanos.

Nossa intenção agora é meditar sobre


Tito 3, especialmente os vs. 1-7, que nos
apresentam o assunto da Regeneração e
como isso afeta os cristãos, no presente.
A glória da Sua graça 430

Estes versículos podem ser com-


preendidos se fizermos, e respondermos,
três perguntas:

i) Por que a regeneração foi necessária?


A resposta se encontra no v. 3.

ii) Como aconteceu a regeneração? A


resposta se encontra nos vs. 4-6.

iii) Que diferença fez a regeneração?


A resposta se encontra nos vs. 1 e
2, que se relacionam com a nossa
responsabilidade presente, e no v. 7
que se relaciona com nosso destino
futuro.
A glória da Sua graça 431

i) Por que a regeneração


foi necessária?
Tito 3:3: “Porque também nós éramos
noutro tempo insensatos, desobedientes,
extraviados, servindo a várias concupis-
cências e deleites, vivendo em malícia
e inveja, odiosos e odiando-nos uns aos
outros”.

Paulo se inclui nesta descrição, usan-


do a palavra “nós”, mas rapidamente ele
acrescenta que sua maneira de viver tinha
mudado e que ele, e eles, não viviam mais
daquela maneira. Assim, ele usa o tempo
imperfeito: “Nós … éramos”.

Uma acusação sétupla é feita contra


nós, e como é comum com o uso de
A glória da Sua graça 432

números na Bíblia, sete se divide em 3


+ 4 ou 4 + 3. Sendo sete o número da
perfeição, ou algo completo, isto mostra
a total depravação do nosso estado espi-
ritual, antes da regeneração.

As primeiras três acusações são inte-


riores, e as outras quatro são exteriores.
São dadas nesta ordem porque o proble-
ma maior da humanidade não regenerada
é interior. Esta foi a conclusão de Deus no
Salmo 14:1: “Têm-se corrompido, fazem-
-se abomináveis em suas obras …”. Repare
que começa com o que “são”, não com
o que “fazem”. “Têm-se corrompido” se
refere ao estado interior e, como resulta-
do disso, lemos o que fazem: “fazem-se
abomináveis”. Este problema interior não
pode ser solucionado por algum remédio
A glória da Sua graça 433

exterior. A dificuldade do homem não


pode ser resolvida por meio de coisas
exteriores como ritos religiosos, batismo,
ou participar da “Santa Comunhão”; nem
pelas obras de bondade ou filantropia;
nem pela provisão de casas melhores,
emprego, benefícios sociais. Nada exterior
pode tocar o problema interior. A necessi-
dade interior precisa ser tratada antes que
a necessidade exterior possa ser corrigida.

a) Interiormente
i) “insensatos”. Significa irracionais,
sem capacidade para discernir coisas
espirituais, e está relacionado com a
mente. A palavra é também traduzida
“insensatos” (Gl 3:1, 3); “loucas” (I Tm
A glória da Sua graça 434

6:9); “néscios” (Lc 24:25) e “ignoran-


tes” (Rm 1:14). Podemos nos orgulhar
do nosso intelecto e raciocínio em
muitas esferas da vida, mas não em
coisas espirituais.

ii) “desobedientes”. É o oposto de ser


persuadido, e esta atitude nos dei-
xou endurecidos e rebeldes. Isso
está relacionado com o coração.
Os únicos outros usos desta palavra
como adjetivo são: Lc 1:17 (traduzido
“rebeldes”); At 26:19; Rm 1:30; II Tm
3:2; e Tt 1:16.

iii) “extraviados”. Este verbo é um parti-


cípio presente na voz passiva*, que

* As quatro referências a tempos verbais nesta lista


referem-se ao texto grego (N. do E.).
A glória da Sua graça 435

significa que estávamos sendo enga-


nados. Traz a ideia de ser desviado,
e está relacionado com a vontade.
Em outras passagens é traduzida de
várias maneiras, por exemplo: “des-
garrou” (Mt 18:12); “errados” (Hb 5:2);
“errantes” (Hb 11:38).

Assim, interiormente, a minha mente,


coração e vontade estavam todos afeta-
dos pelo pecado. Isso produziu problemas

b) Exteriormente.
iv) “servindo a várias concupiscências e
deleites”.

“servindo” é um particípio presente


na voz ativa, significando que quando
A glória da Sua graça 436

não éramos salvos, constantemente


seguíamos este caminho. Esta é a
palavra doulos, conhecida de muitos
cristãos, mostrando que servíamos
como escravos. Não importa o que
os incrédulos pensam, eles não são
livres.

O que é que eles servem? “Concupis-


cências”. Repare que esta palavra, e
“deleites”, estão no plural. “Concupis-
cências” significa todo tipo de desejo
depravado. Ocorre 38 vezes como
substantivo no Novo Testamento.
Somente não é traduzida “concupis-
cência” nas seguintes referências: Mc
4:19 (“ambições”); Lc 22:15 (“desejei”);
II Tm 2:22 (“paixões”); e Jo 8:44; Ef
2:3; Fp 1:23; I Ts 2:17; Ap 18:14, onde
A glória da Sua graça 437

é traduzida “desejo(s)”.

“deleites”. Refere-se a todo tipo de


desejo natural e sensual. Além desta
passagem, a palavra só se encontra
em: Lc 8:14; II Pe 2:13 e Tg 4:1, 3.

v) “vivendo em malícia e inveja”.

“Vivendo”. Aqui temos outro particípio


presente na voz ativa, significando,
novamente, que este modo de viver
era constante.

“Malícia”. Significa extrema maldade,


com uma dureza depravada que
deseja prejudicar os outros. É encon-
trada no Novo Testamento em: Mt
6:34 (“mal”); At 8:22 (“iniquidade”); II
Pe 2:16 (“transgressão”); I Co 5:8 e Rm
A glória da Sua graça 438

1:29 (“maldade”); I Co 14:20; Ef 4:31;


Cl 3:8; II Pe 2:1 e Tg 1:21 (“malícia”).

“Inveja”. Esta palavra ocorre nove ve-


zes no Novo Testamento, e é sempre
traduzida* “inveja”. Significa querer o
que o outro tem. É mais forte que
“ciúmes”, que significa querer algo
semelhante àquilo que o outro tem.
“Inveja” não fica satisfeita quando
outra pessoa vai bem e prospera.
Uma pessoa invejosa não obedece
à exortação: “Alegrai-vos com os
que se alegram; chorai com os que
choram” (Rm 12:15).

* Na versão AT em português, a única exceção é


Tg 4:5, onde é traduzida “ciúmes”. As outras oito
referências são: Mt 27:18; Mc 15:10; Rm 1:29; Gl
5:21; Fp 1:15; I Tm 6:4; Tt 3:3; I Pe 2:1 (N. do E.).
A glória da Sua graça 439

vi) “odiosos”. Aqui temos a única menção


desta palavra no Novo Testamento.
Ela significa ser detestável ou ofen-
sivo. Provavelmente descreve o que
éramos para com os outros.

vii) “e odiando-nos”. Todas as quarenta


e duas menções desta palavra têm
o significado de ser detestável. No-
vamente é um particípio presente
na voz ativa. A implicação é que não
existe amor ou amizade profunda e
durável entre os incrédulos.

ii) Como aconteceu a


regeneração?
Tito 3:4-6: “Mas quando apareceu
A glória da Sua graça 440

a benignidade e amor de Deus, nosso


Salvador, para com os homens, não pelas
obras de justiça que houvéssemos feito,
mas segundo a sua misericórdia, nos
salvou pela lavagem da regeneração e da
renovação do Espírito Santo, que abun-
dantemente ele derramou sobre nós por
Jesus Cristo nosso Salvador”.

Assim como havia uma acusação sé-


tupla contra nós, agora temos sete passos
tomados por Deus, mostrando como a
nossa salvação é completa.

Notamos que isto “apareceu”. Esta


palavra, na forma verbal, é encontrada
também em: Lc 1:79 (traduzida “ilumi-
nar”); At 27:20 (“aparecendo”) e Tt 2:11
(“há manifestado”).
A glória da Sua graça 441

Significa “resplandecer”, “brilhar”.


Antes estava escondido, mas agora foi
manifestado. Esta mensagem gloriosa da
regeneração, pela morte do Senhor Jesus,
não se encontrava no Velho Testamento,
mas é um assunto da revelação do Novo
Testamento. Procuraremos em vão, no
Velho Testamento, por esta ou outra
doutrina relacionada com a igreja.

Também, devemos apreciar que a


regeneração não se originou no coração
do homem. Não a merecíamos e nem
poderíamos merecê-la, e assim Deus teve
que tomar a iniciativa. Por esta razão, nes-
tes sete passos tomados por Deus, lemos
da Trindade: Deus (v. 4), o Espírito Santo
(v. 5) e Jesus Cristo (v. 6).
A glória da Sua graça 442

Estes sete atos são:

i) “Benignidade”. Esta palavra é tradu-


zida “bondade” em Romanos 11:22;
“bem” em Romanos 3:12; “benignida-
de” em Romanos 2:4; II Coríntios 6:6;
Efésios 2:7; Colossenses 3:12; Gálatas
5:22. É a benignidade ou bondade
que se manifesta na vida pelas obras
assim caracterizadas. Poderia ser des-
crita como “bondade em ação” (W. E.
Vine).

ii) “Amor”. Esta é a nossa palavra “filan-


tropia”, que aqui significa o amor de
Deus para com o homem. Não pode
ser explicado, somente desfrutado.
Obviamente está em grande con-
traste com a descrição “odiosos e
A glória da Sua graça 443

odiando-nos uns os outros”. Quem


nos amou foi “Deus nosso Salva-
dor”. Este título é característico das
Epístolas Pastorais, e revela o poder
e a grandeza dAquele que salva. A
salvação é uma obra muito além da
capacidade de qualquer homem, ou
grupo de homens. Agora mais uma
explicação é dada, e para que não
haja nenhuma dúvida, lemos como
não aconteceu, e como aconteceu.
Como vemos na expressão no v. 5:
“não … mas”, temos o ensino negati-
vo e também o positivo. “Não pelas
obras da justiça que houvéssemos
feito, mas segundo a Sua misericórdia
Ele nos salvou, pela lavagem da rege-
neração e da renovação do Espírito
A glória da Sua graça 444

Santo” (3:5).

a) Negativamente. A primeira parte do


versículo ensina a verdade funda-
mental que as obras do homem não
têm nenhuma parte na sua salvação.
Literalmente diz: “Não de [ek] obras
em [en] justiça”. A fonte não é “obras”,
e a esfera não é “justiça”. Deus não
nos salva por causa do que temos
feito ou do que faremos; nossas boas
obras não influenciam Deus na Sua
maneira de tratar com indivíduos.
Neste grande assunto, nosso esforço
é inútil e sem valor. Este fato é cons-
tantemente enfatizado nos escritos
de Paulo, como podemos facilmente
observar considerando as seguintes
Escrituras: Rm 3:28; 4:5; Gl 2:16; Ef
A glória da Sua graça 445

2:8,9; e II Tm 1:9.

b) Positivamente:

iii) “Sua misericórdia”. Esta é a origem


desta grande bênção — vem dEle,
como resultado da Sua misericórdia.
Misericórdia “é a manifestação ex-
terior de compaixão; ela reconhece
a necessidade de quem a recebe
e reconhece que aquele que a de-
monstra tem os recursos suficientes
para suprir a necessidade” (W. E.
Vine). É a compaixão de Deus para
com o afligido, com o desejo e a
capacidade de ajudar. Nós podemos
visitar um hospital e ver ali pessoas
em muito sofrimento. Podemos nos
sentir comovidos, mas não temos os
A glória da Sua graça 446

recursos para suprir aquela necessi-


dade. Louvamos o Seu nome que Ele
teve a capacidade para suprir o que
a Sua compaixão sentiu.

iv) “Ele nos salvou”. Isto é o que Ele


realizou — a salvação completa. Es-
tando no tempo aoristo*, indica que
houve um momento quando isto
aconteceu, e que naquela ocasião o
acontecimento foi completo em si
mesmo. A salvação não é um pro-
cesso, é instantânea, no momento
em que um pecador coloca a sua
fé no Senhor Jesus Cristo como seu
Salvador. Nós não lemos: “Ele nos
ajudou”. Ele fez tudo!

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 447

Já vimos acima que estávamos


errados interiormente e exteriormente.
Portanto, duas coisas são necessárias.

Para o exterior há a lavagem;


Para o interior há a renovação.

Ambas estas coisas acontecem na


conversão.

v) “Lavagem da regeneração”. Num cer-


to sentido, isto é externo, e removeu
toda a contaminação e pecado. Em
João 13, o Senhor estava para lavar os
pés dos discípulos e Pedro reclamou.
Quando o Senhor explicou as conse-
quências de não ter seus pés lavados,
Pedro queria ser lavado completa-
mente. Lemos, no v. 10, que o Senhor
lhe disse: “Aquele que está lavado não
A glória da Sua graça 448

necessita de lavar senão os pés, pois


no mais todo está limpo”. Parece uma
expressão estranha até que notamos
que duas palavras diferentes são
usadas aqui, no grego, para “lavar”. A
primeira significa banhar, uma lava-
gem completa. A segunda significa
lavar parte do corpo, e é usada em
João 13:5, 6, 8, 10, 12, 14. Assim há
uma lavagem completa que não pre-
cisa ser repetida, e há outra lavagem
parcial, como dos pés, que precisa
ser repetida. Esta primeira lavagem
completa é chamada, aqui em Tito
3, “a lavagem da regeneração”. Talvez
uma ilustração poderia ajudar nossa
compreensão. No Velho Testamento
os sacerdotes estavam acostumados
A glória da Sua graça 449

com várias lavagens. Entretanto,


havia duas que eram essenciais no
seu serviço. Em Levítico 8:6, na sua
consagração, lemos que “Moisés fez
chegar a Arão e a seus filhos, e os
lavou com água”. Esta era uma lava-
gem que acontecia uma única vez
e era realizada por Moisés, agindo
por Deus. Entretanto, quando eles se
aproximavam para servir, eles tinham
que constantemente usar a bacia
para lavar suas mãos e seus pés. Isto
eles faziam por si mesmos. A primeira
destas lavagens se compara com Tito
3, e a segunda com João 13. Note
também Hebreus 10:22: “Cheguemo-
-nos com verdadeiro coração, em
inteira certeza de fé, tendo os cora-
A glória da Sua graça 450

ções purificados de má consciência


e o corpo lavado com água limpa”.
Alguns sugerem que esta lavagem
é literal e que fala do batismo, mas
se interpretarmos o “corpo” literal-
mente, então precisamos também
interpretar literalmente “corações
purificados”. Esta é outra referência à
“lavagem da regeneração”. Outra Es-
critura intimamente ligada com este
assunto é João 3:5: “… aquele que
não nascer da água e do Espírito, não
pode entrar no reino de Deus”. Para
completar, devemos mencionar que
I Coríntios 6:11 é diferente. A palavra
ali significa “lavar embora” e, estando
na voz média* significa ‘lavar-se a si

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 451

mesmo’. W. E. Vine diz que a pala-


vra “indica que os convertidos em
Corinto, pela sua obediência à fé,
voluntariamente deram testemunho
da mudança completa que foi divi-
namente efetuada neles”.

vi) “e pela renovação do Espírito San-


to”. Isto é algo interno e inclui uma
renovação completa, uma mudança
completa para o melhor. Como já
descrito anteriormente, é a introdu-
ção de uma condição inteiramente
nova. O Espírito Santo, que usa a Pa-
lavra de Deus para atingir o pecador
arrependido que crê, efetua esta re-
novação. Encontramos o que temos
exposto nos parágrafos v) e vi) em
um só versículo, em II Coríntios 5:17:
A glória da Sua graça 452

“Portanto, se alguém está em Cristo,


nova criatura é; as coisas velhas já
passaram [a lavagem]; eis que tudo
se fez novo [a Renovação]” .

vii) “Ele derramou sobre nos abundante-


mente”. Este verbo “derramar”, estan-
do no tempo aoristo*, não permite
um processo contínuo. Assim como
“salvou”, no v. 5, é completo e não
um processo, assim também este
derramamento aconteceu somente
uma vez. Achamos a mesma expres-
são em Atos 2:33: “… tendo recebido
do Pai a promessa do Espírito Santo,
derramou isto que vós agora vedes
e ouvis”. É a mesma palavra que é

* As referências aos tempos verbais neste parágrafo


se referem ao texto grego (N. do E.).
A glória da Sua graça 453

usada para o derramamento das


taças em Apocalipse 16. No dia de
Pentecostes (Atos 2) o Senhor Jesus
derramou o Espírito Santo em rica
profusão, e Ele nunca foi retirado.
Assim, não devemos esperar outro
derramamento nos nossos dias. O Es-
pírito Santo é uma Pessoa Divina, não
uma influência. Não podemos ima-
ginar uma parte desta Pessoa sendo
derramada. Naquele grande dia Ele
foi derramado integralmente, e o
Senhor Jesus disse: “… para que fique
convosco para sempre” (Jo 14:16).
Enquanto a Igreja estiver aqui, Ele
também estará. Alguns podem usar
o fato que a mesma palavra é usada
em Atos 10:45 como evidência de
A glória da Sua graça 454

que há um derramamento contínuo


do Espírito Santo: “maravilharam-se
de que o dom do Espírito Santo se
derramasse também sobre os gen-
tios”. Devemos notar que o tempo
do verbo, aqui, não é o mesmo que
em Atos 2:33, onde está no aoristo,
indicando uma ação completada
naquele tempo. Em Atos 10:45 está
no tempo perfeito, significando que
a ação é vista como tendo sido
completada no passado, mas com
efeitos contínuos no presente. Assim,
em Atos 10, os gentios entraram na
bênção do que aconteceu em Atos 2.
Não houve um novo derramamento
do Espírito depois de Atos 2. Hoje,
quando alguém se torna cristão pela
A glória da Sua graça 455

fé no Senhor Jesus Cristo, naquele


momento ele entra na bênção do
acontecimento descrito em Atos 2.

3) Que diferença fez


a regeneração?
A resposta está em Tito 3:1-2 com
respeito à nossa responsabilidade pre-
sente, e Tito 3:7 com respeito ao nosso
destino futuro.

a) Tito 3:1-2 —
Responsabilidade presente
“Admoesta-os que se sujeitem aos
principados e potestades, que lhes obe-
A glória da Sua graça 456

deçam, e estejam preparados para toda


boa obra; que a ninguém infamem, nem
sejam contenciosos, mas modestos, mos-
trando toda a mansidão para com todos
os homens”.

Já que pertencemos a uma nova or-


dem de coisas, mudanças são esperadas.
Nestes versículos duas destas mudanças
são enfatizadas:

i) 3:1 — nada de anarquia política;


ii) 3:2 — nada de antagonismo social.

3:1 —nada de anarquia política.

“Admoesta-os”. Esta é uma ordem


apostólica de Paulo a Tito. Ele deve con-
tinuamente e constantemente lembrar os
A glória da Sua graça 457

salvos desta responsabilidade.

“Que se sujeitem”. Eles, e assim nós


também, devemos submeter-nos, ou
obedecer, como fariam soldados à sua
liderança militar. A mesma palavra já foi
traduzida “sujeitar” duas vezes nesta epís-
tola, em 2:5, 9. Também é usada por Paulo
no mesmo contexto em Romanos 13:1:
“Toda a alma esteja sujeita às potestades
superiores”.

“Que lhes obedeçam”. As únicas ou-


tras menções desta palavra estão no livro
de Atos: 5:29, 32, traduzida “obedecer”, e
27:21, traduzida “ouvido”.

O ensino para nós é prático. A menos


que esta sujeição impeça nossa obediên-
cia à Palavra de Deus, devemos obedecer
A glória da Sua graça 458

todo tipo de governo, local ou nacional.


Não importa se gostamos ou não das
pessoas, não importa se concordamos
ou não com as leis estabelecidas ou se
as consideramos injustas. Nós nos sub-
metemos e pagamos as taxas locais e
nacionais, e vivemos a vida mais quieta
possível.

O lembrete constante é necessá-


rio, porque quando surgem novas leis
das quais não gostamos, a tendência é
esquecer nossa posição e nos envolver
politicamente. Em I Timóteo 2:1-2, apren-
demos que nosso único ponto de contato
com o mundo tenebroso da política é
em oração: “Admoesto-te, pois, antes de
tudo, que se façam deprecações, orações,
intercessões, e ações de graças, por todos
A glória da Sua graça 459

os homens; pelos reis, e por todos os que


estão em eminência, para que tenhamos
uma vida quieta e sossegada, em toda
a piedade e honestidade”. Note que não
oramos que certo partido prevaleça, mas
oramos para que aqueles em autoridade
possam agir de tal maneira que possamos
viver e assim servir a Deus com tranqui-
lidade e paz.

No Novo Testamento há muitos


incentivos para sermos sujeitos às au-
toridades. Aqui é a regeneração. Em
Romanos 13:1 (“Toda a alma esteja sujeita
às potestades superiores”), é baseado na
justificação. Em I Pedro 2:13 (“Sujeitai-
-vos, pois, a toda a ordenação humana
por amor ao Senhor”), tem como moti-
vação o assunto da redenção.
A glória da Sua graça 460

3:2 — nada de antagonismo social.

“Que a ninguém infamem, nem se-


jam contenciosos, mas modestos, mos-
trando toda a mansidão para com todos
os homens”.

“Ninguém infamem”. Significa, li-


teralmente, blasfemar, prejudicar com
palavras, injuriar, ultrajar. Os exemplos
clássicos são achados no tribunal do Se-
nhor Jesus e quando Ele estava na cruz:
Mateus 26:65 (“… blasfemou”); 27:39 (“e
os que passavam blasfemavam dele …”).
Esta palavra já foi usada por Paulo nesta
epístola em 2:5: “a fim de que a palavra
de Deus não seja blasfemada”. Esta lingua-
gem e comportamento desagradável não
A glória da Sua graça 461

têm lugar na vida daqueles que entraram


nesta nova condição de regeneração.

“Nem sejam contenciosos”. A única


outra menção desta palavra no Novo
Testamento é em relação aos bispos em
I Timóteo 3:3: “… não contencioso”. Indica
que não devemos ser inclinados a discu-
tir, a estar sempre brigando, ou dados a
contendas. Algumas pessoas têm um jeito
infeliz de estar sempre causando proble-
mas, em todo lugar e sobre nada. Se nós
estamos sempre reclamando acerca de
coisas insignificantes e sem importância,
quando surgir algo sério, a nossa reclama-
ção dificilmente será considerada.

Agora aprendemos que nem tudo


é negativo, há também o lado positivo.
A glória da Sua graça 462

“Modestos”. Esta palavra ocorre cinco


vezes no Novo Testamento. Em Tiago
3:17 é traduzida “tratável”; em I Pedro
2:18 é “humanos”; em I Timóteo 3:3 é
“moderado”, e em Filipenses 4:5, “equida-
de”. Significa ser razoável, comportar-se
de maneira conveniente, “não exigindo
a letra da lei” (W. E. Vine). Uma pessoa
modesta não será precipitada nem ten-
denciosa nas suas conclusões, mas levará
em consideração todos os fatos, de uma
maneira justa. Em assuntos pessoais, esta
pessoa prefere sofrer o mal do que causar
escândalo. Não haverá insistência que o
outro peça desculpas, nem haverá amea-
ças se as desculpas não forem pedidas.

“Mostrando toda a mansidão”. Esta


pessoa não será arrogante e egoísta. Esta
A glória da Sua graça 463

é uma característica do Senhor Jesus (II


Co 10:1), e é parte do “fruto do Espírito”
(Gl 5:23).

No mundo esta característica é inter-


pretada como fraqueza, e assim os em-
pregados são aconselhados a fazer cursos
sobre como defender os seus direitos. Isso
está longe do padrão que Deus deseja do
Seu povo. Mansidão não é fraqueza, mas
é realmente poder sob controle.

“Para com todos os homens”. Esta


maneira de viver deve ser demonstrada
a todos os homens — não somente aos
salvos. É toda a mansidão para com
todos. Que padrão! Alguns podem ser
muito mansos nas reuniões aos domin-
gos, e muito difíceis no seu trabalho na
A glória da Sua graça 464

segunda-feira! Esta duplicidade não é um


comportamento cristão aceitável.

b) Tito 3:7 — Destino futuro.


“Para que, sendo justificados pela sua
graça, sejamos feitos herdeiros segundo
a esperança da vida eterna”.

“Sendo justificados pela sua graça”.


O assunto da justificação foi estudado
no cap. 4 deste livro, portanto precisa de
pouco comentário aqui. Somente obser-
ve que aqui é “sendo justificado pela [ek,
fora de] Sua graça”. Isso chama a nossa
atenção à motivação da justificação. Em
Romanos 5:1, lemos “tendo sidos justifi-
cados pela [ek, fora de] fé” — o princípio
A glória da Sua graça 465

da justificação. Também em Romanos


5:9 lemos: “tendo sido justificados pelo
[en, na virtude de] Seu sangue” — o poder
da justificação.

“Herdeiros segundo a esperança da


vida eterna”. Quando Paulo escreve sobre
a vida eterna, ele a considera como fu-
tura, enquanto que para João é presente
— veja, por exemplo, João 3:15 e 10:28.
João nos ensina que podemos gozar ago-
ra, nesta vida, daquilo que Paulo diz que
vamos apreciar melhor depois desta vida,
na eternidade. Estando “a esperança da
vida eterna” ligada, aqui, com “herdeiros”,
o pensamento provavelmente está liga-
do com a nossa herança. A glória deste
pensamento às vezes nos deixa maravi-
lhados — pensar que somos “herdeiros de
A glória da Sua graça 466

Deus, e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8:17).


Também Paulo nos ensina que “já não
és mais servo, mas filho; e, se és filho, és
também herdeiro de Deus por Cristo” (Gl
4:7). Pedro destaca a herança quando ele
escreve em I Pedro 1:4, que temos “uma
herança incorruptível, incontaminável, e
que não se pode murchar, guardada nos
céus para vós”.

“Incorruptível” — livre da morte — sugere


imortalidade;
“Incontaminável” — livre de mancha —
sugere pureza;
“Não se pode murchar” — livre de mur-
char — sugere beleza;
“Guardada nos céus” — livre de dissolução
— sugere certeza.
A glória da Sua graça 467

Isso deve produzir louvor e ações de


graças que subirão a Deus dos nossos co-
rações enquanto O adoramos, como Pau-
lo fez quando escreveu: “Dando graças ao
Pai que nos fez idôneos para participar da
herança dos santos na luz” (Cl 1:12).

Que este assunto da regeneração


possa tocar nas nossas vidas de maneira
prática, para que possamos refletir mais
do nosso Senhor Jesus até que O encon-
tremos nos ares!
Cap. 10 — Santificação
William M. Banks, Escócia

Introdução
A palavra grega hagiasmos é usada
dez vezes no Novo Testamento e, na
língua portuguesa, é sempre traduzida
“santificação”. As dez ocorrências são:
Rm 6:19, 22; I Co 1:30; I Ts 4:3, 4, 7; II Ts
2:13; I Tm 2:15; Hb 12:14 e I Pe 1:2. Há
substantivos cognatos usados também.

A nota de rodapé da tradução de


Romanos 1:4 de JND, diante da palavra
A glória da Sua graça 469

“santidade” na expressão “o espírito da


santidade”, vale a pena ser citada:
Hagiosunee, a natureza e qualida-
de em si mesma, como em II Coríntios
7:1 e I Tessalonicenses 3:13 — dife-
rente de hagiasmos, o efeito prático
produzido, o caráter em atividade,
traduzido santificação [veja as referên-
cias acima]. Outra palavra, hagiotes, é
usada somente em Hb 12:10 [contudo
Vine* sugere que é usada também em
II Co 1:12].

A palavra na forma verbal, hagiazo,


ocorre 26 vezes. Os escritores Hogg e
Vine† mostram que esta palavra tem uma
série de ligações interessantes.

* Vine, W. E. Amplified expository dictionary of New


Testament words. World ISBN 0-529-06947-4.
† Hogg, C. F. & Vine, W. E. The epistle to the
Thessalonians. Pickering and Inglis, 2º Edição.
A glória da Sua graça 470

O verbo correspondente hagiazo é


traduzido “santificado” em Mateus 6:9;
Lucas 11:2; Apocalipse 22:11. É usado
também para descrever:
a) o ouro que adorna o templo e
a oferta colocada sobre o altar (Mt
23:17, 19);
b) alimento (I Tm 4:5);
c) a esposa descrente de um salvo
(I Co 7:14);
d) a purificação cerimonial dos
Israelitas (Hb 9:13);
e) o nome do Pai, (Lc 11:2);
f) a consagração do Filho pelo Pai
(Jo 10:36);
g) o Senhor Jesus Se dedicando à
redenção do Seu povo (Jo 17:19);
h) a separação do salvo para Deus
(At 20:32, Rm 15:16).
i) o efeito da morte de Cristo no
A glória da Sua graça 471

salvo (Hb 10:10, por Deus; Hb 2:11;


13:12, por Cristo).
j) a separação do salvo do mundo
no seu comportamento — pelo Pai por
meio da Palavra (Jo 17:17, 19);
k) o salvo que se afasta das coisas
que desonram a Deus e Seu evangelho
(II Tm 2:21);
l) o reconhecimento do Senhorio
de Cristo (I Pe 3:15).

Destas considerações, fica claro que


o assunto da santificação não é limitado
a pessoas. Isto também é visto no Velho
Testamento onde, por exemplo, as vestes
de Arão eram santificadas (Êx 28:41 e Lv
8:30); também o azeite da santa unção
(Êx 30:25) e o sétimo dia (Gn 2:3). Tam-
bém fica claro que a palavra em si não
indica, necessariamente, um estado de
A glória da Sua graça 472

impureza antes da santificação ser reali-


zada. Isso é visto especialmente no caso
do Senhor Jesus, quando Ele diz em Jo
17:19: “Me santifico a mim mesmo”.

Qual o significado
da palavra?
Tudo que já escrevemos nos per-
mite agora chegar a uma definição da
santificação — o que significa? Não resta
dúvida que a ideia básica em santificação
é “separar para Deus”. Mas há mais que
isso. Obviamente, há um propósito nisto,
um alvo em vista. Assim a definição deve
ser estendida para incluir este propósito:
“separação para Deus (de uma pessoa ou
A glória da Sua graça 473

objeto) tendo em vista a realização de um


propósito divino”. No caso daqueles que
precisam de purificação antes da sua san-
tificação, há obviamente a necessidade
da santificação ter um aspecto negativo
(separado de algo), como também um
aspecto positivo (separado para algo). Por
isto a definição de Gooding e Lennox* é
a seguinte:
Santificação tem dois aspectos, um
negativo e o outro positivo:
1. Negativamente, envolve a sepa-
ração da sujeira e impureza; em outras
palavras, purificação.
2. Positivamente, significa a se-
paração para Deus e Seu serviço: em
outras palavras, consagração.

* Gooding, D and Lennox, J. Key Bible concepts.


Gospel Folio Press, 1997. ISBN 1-882701-41-0.
A glória da Sua graça 474

Ambas são apresentadas em He-


breus 9:13-14. Aqui o escritor está
contrastando os meios antigos de san-
tificação usados pelos judeus com os
usados agora pela cristandade. Ele liga
a santificação tanto com a purificação
da impureza, como com a consagra-
ção ao serviço de Deus.

Hogg e Vine* também têm um co-


mentário interessante:
Visto que todo salvo é santificado
em Cristo Jesus (I Co 1:2; compa-
re com Hb 10:10), um dos nomes
comuns a todos os salvos no Novo
Testamento é “santos” (hagioi), isto
é “santificados” ou “pessoas santas”.
Assim, ser santo, ou santificação, não é
algo merecido; é o estado para o qual
Deus, em graça, chama os pecadores,
e no qual eles começam sua carreira
como cristãos.

* Hogg and Vine, Ibid.


A glória da Sua graça 475

Hogg também observa*: “Santificação


significa, não uma mudança de natureza,
mas uma mudança de relacionamento”.

Isso é ilustrado na importante passa-


gem em I Coríntios 7:12-14, onde Hogg†
continua:
O caso do marido descrente e sua
esposa crente, ilustra o significado das
palavras “santificar” e “santo”. A esposa
crente deve continuar vivendo com
seu cônjuge descrente e recomendar
o Evangelho, pelo fiel desempenho
das suas responsabilidades no relacio-
namento conjugal. Mas, surge agora
a pergunta: Será que a continuidade
deste relacionamento não contamina-
rá o cônjuge salvo? A própria natureza
nos ensina muitas lições (I Co 11:14), e

* Hogg, C. F. Gospel facts and doctrines. Pickering


and Inglis, 1951.
† Hogg, C. F. Ibid.
A glória da Sua graça 476

aqui temos uma delas — nada justifica


uma mãe abandonar seus filhos. Será
que cuidar dos seus filhos contamina
uma mãe? Claro que não! A natureza
dos filhos continua como era antes
da mãe aceitar o Evangelho, mas as-
sociação com eles não a contamina;
ela não os abandona. Também, o seu
relacionamento com eles não garante
a sua salvação, mas dá-lhes a van-
tagem das suas orações e exemplo.
Assim é também com o marido (ou
esposa) descrente; a associação com
ele não contamina a mãe assim como
os filhos dele com ela não a contami-
nam. Pelo exemplo dela ele pode ser
ganho para Cristo “sem palavra”, como
I Pedro 3:1 diz.

Consideração detalhada
As cinco referências à santificação
A glória da Sua graça 477

no Novo Testamento* nos dão um es-


boço útil do assunto. Elas mostram que
a santificação é uma obra do Espírito
Santo antes da nossa conversão, em I
Pedro 1:2: “Eleitos, segundo a presciência
de Deus Pai, em santificação do Espírito,
para a obediência e aspersão do sangue
de Jesus Cristo”, e II Tessalonicenses 2:13:
“Mas devemos sempre dar graças a Deus
por vós, irmãos amados do Senhor, por
vos ter Deus elegido desde o princípio
para a salvação, em santificação do Es-
pírito, e fé da verdade”.Também vemos a
santificação como uma obra posicional
do Filho, em I Coríntios 1:30: “Mas vós

* O autor refere-se à AV em inglês, onde somente


cinco das dez ocorrências de hagiasmos são tra-
duzidas “santificação” (N. do E.).
A glória da Sua graça 478

sois dele, em Jesus Cristo, o qual para


nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça,
e santificação, e redenção”. Entretanto há
também um aspecto prático e progres-
sivo da santificação, e vemos isto em I
Tessalonicenses 4:3-4,“Porque esta é a
vontade de Deus, a vossa santificação;
que vos abstenhais da prostituição; que
cada um de vós saiba possuir o seu vaso
em santificação e honra”.

Vamos agora considerar o assunto


nesta ordem, seguindo o esboço sugerido
por Lovering*.

* Lovering, E. L. Spiritual blessings — sanctification.


Precious Seed. Sem data.
A glória da Sua graça 479

Santificação antes
da conversão
A obra do Espírito Santo antes da
conversão é vista, claramente, nos versí-
culos citados acima. Em II Tessalonicen-
ses 2:13, lemos que Deus os tinha esco-
lhido “desde o princípio” para a salvação.
Assim, a sua salvação “não originou com
eles mesmos, mas com Deus que os ti-
nha escolhido para serem o alvo da Sua
graça”*. Para efetuar esta escolha no tem-
po, e assim cumprir o propósito Divino,
a “santificação do Espírito” foi necessária
— foram separados para Deus por Ele. É
verdade que foi necessária também a “fé
* Hogg, C. F. Ibid.
A glória da Sua graça 480

da verdade”, por parte de cada pessoa,


porque “a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela
palavra de Deus” (Rm 10:17).

Hogg e Vine* fazem um comentário


interessante sobre “fé da verdade”. Eles
indicam que é literalmente “de verdade”,
porque o artigo não está presente.
Quando o artigo está presente,
o fato específico, ou os fatos apre-
sentados estão em vista, mas onde
o artigo está ausente é a qualidade
moral destes fatos que está em vista.
A vontade para crer em verdade é a
condição necessária antes que a obra
de Deus possa começar na alma. Aqui,
lembramos das palavras do Senhor Je-
sus: “Se alguém quiser fazer a vontade
dEle, pela mesma doutrina conhecerá
se ela é de Deus, ou se eu falo de mim

* Hogg, C. F. and Vine, W. E. Ibid.


A glória da Sua graça 481

mesmo” (Jo 7:17).


A capacidade pela qual a verdade
é reconhecida cresce com o uso; por
outro lado, o ministério do Espírito
Santo, que começa com a revelação
da verdade do Evangelho ao indivíduo,
continua a guiar o crente em toda a
verdade (Jo 16:13); renovando-o para
o conhecimento (Cl 3:10); por isso,
temos as orações do apóstolo pelos
convertidos, em Filipenses 1:9-10 e
Colossenses 1:9. Quando foram cha-
mados pelo Evangelho, foi para que
pudessem conhecer a verdade e para
que a verdade os libertasse (Jo 8:32).
Somente o amor pela verdade pode
salvar alguém de praticar o erro.

Há um lindo resultado desta obra de


santificação do Espírito Santo. A salvação
para a qual os tessalonicenses foram
chamados pelo Evangelho de Paulo (II
Ts 2:14), foi para “alcançardes a glória do
A glória da Sua graça 482

nosso Senhor Jesus Cristo”. Eles iriam


compartilhar na revelação da glória do
Senhor do céu! Veja também II Tessalo-
nicenses 1:7-10.

Assim descobrimos um desenvol-


vimento impressionante que pode ser
resumido da seguinte maneira:
• Deus elegeu — desde o princípio;
• O Espírito santificou;
• O Evangelho foi pregado (note sua
natureza: “nosso evangelho”);
• O chamado eficaz foi feito;
• Os tessalonicenses creram;
• A glória está por vir.

Notamos que tanto a eleição como o


chamado estão no tempo aoristo* — no

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 483

primeiro caso foi num ponto antes do


tempo, e no segundo foi num ponto de
tempo. Smith* tem observações interes-
santes em relação a esta escolha Divina
e, de fato, em relação a esta passagem
toda (II Ts 2:13-14):
“Elegeu” aqui é heilato (de
haireomai, escolher) e nas três oca-
siões em que esta palavra é usada no
Novo Testamento a ideia é de escolha
pessoal (veja Fp 1:22 e Hb 11:25). Está
no aoristo, mas mesmo que a escolha
fora selada num momento de tempo,
estava fora do tempo pois foi desde
o princípio, no sentido mais amplo
daquele passado da eternidade. Tam-
bém está no indicativo médio, Deus
fazendo a escolha para Si mesmo,
indicando o propósito da escolha e

* Smith, T. W. II Tessalonicenses no Comentário


Ritchie do NT. Editora Sã Doutrina, 1993.
A glória da Sua graça 484

não o tempo da escolha. As palavras


comuns para eleição são: exaireomai
(como para a escolha de Israel no
Velho Testamento), proorizo (predes-
tinados, escolhidos anteriormente), e
eklegomai (escolher, como em I Ts 1:4;
Ef 1:4; Lc 10:42; At 6:5).
Não é nossa intenção divagarmos
sobre o bendito assunto da eleição,
pois não é uma área para as nossas
mentes finitas se envolverem; pelo
contrário, é uma verdade a ser crida.
Entretanto, o apóstolo apresenta o
equilíbrio perfeito do assunto nestas
duas epístolas, pois, ao passo que em
I Tessalonicenses 2:13 ele dá graças a
Deus incessantemente por eles terem
recebido a palavra (a responsabilidade
do homem), aqui ele dá graças a Deus
por Sua escolha soberana.
A escolha foi “desde o princípio”
(ap’arches), um termo que Paulo não
usa em nenhum outro lugar, mas
A glória da Sua graça 485

que, como João 1:1(en arche) e II


Timóteo 1:9, nos leva de volta à era
“de eternidade”; veja também Mateus
19:4, I João 2:13. É obviamente errado
limitar a escolha soberana de Deus
a um ponto de tempo, ou atribuí-la
a algum mérito por parte do objeto
do Seu amor; (compare Ef 1:4; Ap
13:8; 17:8). … Além disso, o versículo
é expressivo de um princípio geral da
operação de Deus… Isto é enfatizado
no propósito da escolha, pois foi “para
a (eis) salvação” (veja I Ts 1:4-5); este
é o alvo de Deus para aqueles que Ele
escolheu em Sua soberania.
Há uma diferença que deve ser
notada entre a primeira e a segunda
epístolas, em relação ao propósito
da salvação; na primeira epístola é
“da” (ira), e na segunda “para” (gló-
ria). Mesmo assim, há os que ainda
considerariam a salvação, aqui, como
limitada à salvação da ira do dia do
Senhor, como em I Ts 1:10 e, 5:9, e
A glória da Sua graça 486

tal garantia teria sido suficiente para


os atribulados tessalonicenses. Entre-
tanto, o contexto imediato vai além,
colocando a salvação em contraste
com “perecendo” (v. 10), e “juízo” (v.
12), o terrível estado dos homens na
sua classificação final como perdidos.
Aqui, temos a salvação planejada des-
de o princípio (isto é, desde a eterni-
dade), e, no v. 14, Paulo irá falar dela,
primeiramente sendo efetuada no
tempo através do chamamento, e de-
pois, da sua consumação futura “para
alcançardes a glória de nosso Senhor
Jesus Cristo”. Assim, temos a salvação
na sua esfera total, passada, presente e
futura, concebida no coração de Deus
antes dos tempos, efetuada no tempo,
e Sua indescritível glória futura.
A operação da escolha de Deus
sendo efetuada no tempo, é “em (ou,
por) santificação do Espírito (genitivo
subjetivo e, portanto, operado pelo Es-
pírito), e fé da verdade”. A ausência do
A glória da Sua graça 487

artigo sugere a força moral da verdade


e não a verdade como tal, e sendo um
caso objetivo genitivo, indica “crença,
ou fé, na verdade”. Em nenhum senti-
do pode en, neste lugar, ser traduzido,
com relação à santificação, por “pela”
(como na ARA), ou por “para”, como
alguns sugerem. Apesar da ausência
do artigo antes de Espírito, como em
Rm 8:9; I Co 2:4 e I Pe 1:2 (onde em
cada caso é evidente que se refere
ao Espírito Santo), as palavras aqui
falam claramente da obra do Espírito
Santo, agora em separar para Deus os
objetos do Seu amor, trazendo-lhes a
palavra da verdade para que creiam e
continuem na fé. Este é o lado divino
da obra de salvação, da mesma forma
que o crer na verdade (sua aceitação
pela fé) descreve o lado humano. É
santificação posicional e não prática,
embora os resultados práticos devam
sempre ser considerados (I Ts 4:3;7). É
a energia do Espírito Santo em trazer a
A glória da Sua graça 488

graça de Deus aos homens, mortos em


ofensas e pecados (veja I Ts 1:5), e é o
prelúdio essencial para fé na verdade.
O versículo paralelo em I Pe 1:2
(veja também I Co 6:11) ajuda a en-
tender isto, e particularmente mostra
que a operação do Espírito Santo é a
iniciativa divina de separar o indivíduo
para Deus, quando então ele recebe o
evangelho. Bem disse M. Lutero: “Eu
não posso, pela minha própria razão
ou força, crer em Jesus Cristo ou vir a
Ele”. O Espírito precisa primeiramente
separar para Deus, despertar aqueles
fracos desejos iniciais de buscar a
Deus, convencer de pecados, levar a
Cristo e trazer fé ao coração. Estando
sob a influência do mundo, da carne
e do diabo, o homem natural preci-
sa, como um pré-requisito essencial
para um novo nascimento, da ação
do Espírito Santo, pois sem ela não
haveria salvação. Embora “o crer (ou
fé) na verdade” (não tem artigo) seja,
A glória da Sua graça 489

no final, o lado humano da salvação,


o Espírito Santo precisa primeiramente
introduzir, no coração, a atitude moral
para que o homem assim deseje, a
fim de que ele possa ser liberto pela
verdade (Jo 8:32). Note o contraste
em v. 12 .

Em relação ao v. 14, Smith continua:


A continuação da atuação do Es-
pírito Santo na salvação agora é expli-
cada. Querendo efetuar a obra inicial,
Deus chama por meio do evangelho:
“Para o que (salvação) vos chamou
(Deus)”. Da mesma forma que “elegi-
do”, este verbo está no tempo aoristo,
mas desta vez indicando um mo-
mento no tempo. É interessante notar
que se refere a uma ação apenas, em
contraste com o tempo presente de
“chama” em I Ts 2:12 e 5:24, indicando,
como na verdade a palavra implica,
um chamado para o qual houve uma
resposta. Este é o chamado efetivo,
A glória da Sua graça 490

não o chamado geral do evangelho,


como temos em Mt 20:16; 22:14.
Paulo escreve “pelo nosso evange-
lho”, porque mesmo sendo o “evan-
gelho de Deus … acerca de Seu Filho,
Jesus Cristo” (Rm 1:1-3), Deus, em
Sua graça, usa homens e não anjos
para proclamá-lo. Foi depositado com
Paulo como uma responsabilidade
sagrada, e ele, junto com seus coo-
peradores, se identificaram com este
evangelho, não apenas em sua procla-
mação, mas também como evidência
dos seus efeitos. Pertencia a eles, no
sentido de ser a mensagem que eles
pregavam, e que os tessalonicenses
tinham ouvido e recebido, mas mais
ainda, eles compartilhavam do seu
poder. O evangelho não é meramente
um tema, mas é o poder de Deus para
salvar. Paulo proclamava a mensagem
da qual ele era o principal beneficiário
(I Tm 1:11-16; II Tm 1:6-14), e pregava a
Cristo como O conhecera, um Homem
A glória da Sua graça 491

visto através da glória da ressurreição.


Compare “para alcançardes a glória
de nosso Senhor Jesus Cristo” com I
Ts 2:12. Não há artigo antes de “glória”
no texto grego, e isso indica que o
chamado do evangelho tem em vista
alcançar esta glória que é essencial-
mente a possessão de Cristo … A gló-
ria mencionada é obviamente a glória
de Cristo, como o último Adão, Aquele
que Deus glorificou (At 3:13), tendo
em vista aquilo que Ele alcançou na
cruz para a glória de Deus”.

A passagem em I Pedro 1:2 segue


muito de perto aquilo que já mencio-
namos em II Tessalonicenses 2:13-14.
“Eleitos segundo a presciência de Deus
Pai, em [en] santificação do Espírito, para
a obediência e aspersão do sangue de
Jesus Cristo”.
A glória da Sua graça 492

Isto foi parafraseado por Hogg e


Vine* da seguinte maneira: “… àqueles
que foram eleitos de acordo com a pres-
ciência de Deus o Pai, e separados pelo
Espírito Santo, para que possam obedecer
a verdade [veja v. 22], e assim receber a
proteção do sangue aspergido de Jesus
Cristo”.

Escrevendo em outro lugar, Hogg†


acrescenta: “O propósito é do Pai. Sua
é a graça predestinadora; para que este
propósito seja realizado, os homens são,
em primeiro lugar, separados para Deus
pelo Espírito Santo. No devido tempo,
segue-se o ouvir do Evangelho e o seu

* Hogg, C. F. and Vine, W. E. Ibid.


† Hogg, C. F. Ibid.
A glória da Sua graça 493

chamado ao arrependimento para com


Deus e fé no Senhor Jesus Cristo. A este
os eleitos rendem ‘a obediência da fé’ (Rm
1:5; 16:26, compare At 5:32; 6:7; II Ts 1:8;
Hb 5:9), que os coloca sob a proteção
do sangue de Cristo. Aqui, a referência
é à Páscoa no Egito, onde o sangue do
sacrifício foi aspergido nas ombreiras e na
verga das portas das casas dos israelitas
(Êx 12:7, 13)”.

Esta referência a Êxodo 12 é interes-


sante porque geralmente a referência é
Êxodo 24. O comentário de Nicholson*
é apto:
Aos eleitos, santificados para
obediência, se aplica todo o valor e

* Nicholson, J. B. I Pedro no Comentário Ritchie do


NT. Editora Sã Doutrina, 2002.
A glória da Sua graça 494

virtude do “sangue de Jesus Cristo”.


Isto não é o derramamento do sangue,
mas a aspersão dele. O sangue preci-
sava ser derramado antes de poder ser
aspergido, mas poderia ser derramado
e sua eficácia nunca ser aplicada ao
indivíduo. O derramamento do san-
gue é a entrega da vida como sacrifí-
cio pelo pecado. É a provisão feita. A
aspersão do sangue é a aplicação do
valor e da eficácia do sacrifício. Esta
é a comunicação do poder.
No Velho Testamento a aspersão
do sangue era vista em relação ao seu
poder para proteger o primogênito
no Egito, seu poder para purificar o
sacerdote para o serviço, seu poder
para preparar o caminho de entrada
ao lugar santíssimo, e seu poder para
purificar o leproso da sua imundícia
cerimonial. Porém, parece que aqui
se refere a Êxodo 24, quando Moisés
tomou o sangue do sacrifício e as-
pergiu a metade dele sobre o altar e
A glória da Sua graça 495

em seguida leu o livro da aliança na


presença do povo que respondeu,
prometendo obedecer. Moisés então
tomou a outra metade do sangue e
aspergiu o povo dizendo: “Eis aqui o
sangue da aliança …”. Aquele sangue
ligou o povo ao altar dos frequentes
e repetidos sacrifícios. Prendeu-os à
palavra da sua própria frágil promessa.
Sua aplicação era limitada à nação.
Quão gloriosamente diferente era a
porção dos cristãos a quem Pedro
estava escrevendo. Esta aspersão de
sangue associa os cristãos do NT com
uma obra consumada, um sacrifício
que nunca precisará ser repetido (Hb
10:11-12). liga o cristão à infalível
promessa de Deus (Hb 6:17,18). A sua
eficácia é ilimitada em favor de “quem
quiser”, seja judeu ou gentio.

Devemos observar a atividade da


Trindade em ambas as passagens con-
sideradas. O Deus Triúno está ativo na
A glória da Sua graça 496

salvação da humanidade!

Há duas outras passagens onde a


obra do Espírito Santo está ligada à san-
tificação, embora não necessariamente
neste aspecto de atividade antes da
conversão. A primeira destas é Romanos
15:16. Nesta passagem, “Paulo fala da gra-
ça de Deus que o fez ‘ministro [leitourgos,
usado de alguém que tem responsabili-
dades públicas] de Jesus Cristo para os
gentios, ministrando [hierourgeo, minis-
trando com sacrifícios] o evangelho de
Deus, para que o oferecimento [como um
sacrifício é oferecido] dos gentios possa
ser aceitável, sendo [tendo sido, particípio
perfeito] santificada pelo Espírito Santo’.
Aqui o apóstolo se apresenta como um
sacerdote oferecendo a Deus os gentios
A glória da Sua graça 497

que já tinham sido santificados, ou se-


parados para Deus pelo Espírito Santo.
(compare Jo 10:3.4,16 e Atos 18:10)”.*

A segunda passagem é I Coríntios


6:11. O apóstolo lembra os seus leitores
dos vícios que eram característicos do
mundo pagão. Continuar nestas coisas
era evidência de que não teriam futuro no
reino de Deus. Então ele diz: “e é o que
alguns têm sido, mas haveis sido lavados
[vos lavastes a vós mesmos]†, mas haveis
sido [fostes] santificados, mas haveis sido
[fostes] justificados em nome do Senhor
Jesus e pelo [no] Espírito do nosso Deus”.

* Hogg, C. F. Ibid.
† Neste versículo, as palavras entre colchetes são a
tradução em português da versão RV em inglês
(N. do E.).
A glória da Sua graça 498

O único outro lugar no Novo Testamento


onde achamos uma referência à lavagem
associada com pecado é em Atos 22:16,
onde o verbo também está na voz mé-
dia*, indicando algo obtido por si próprio.

O Espírito de Deus tinha operado


na sua santificação antes da conversão
levando-os a invocar o Nome do Senhor,
e receber a justificação.

Assim, vemos que a “santificação do


Espírito é o Seu ato soberano pelo qual o
crente, o objeto da graça predestinadora
de Deus, é separado para Deus; um ato
que precedeu até o seu ouvir do Evange-
lho; realmente sem data, pois, precedeu
‘a fundação do mundo’ (Ef 1:4)”.

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 499

A santificação posicional
No exato momento em que coloca-
mos nossa fé em Cristo, Deus nos dá a
bênção da santificação. Não é algo que
obtemos pelo nosso esforço — é algo que
temos. Além disto, esta santificação inicial
transforma cada salvo num santo. Como
na justificação, é efetuada com base na
morte de Cristo. Hogg e Vine* escrevem:
O efeito da morte de Cristo, no
relacionamento do crente com um
Deus Justo, é justificá-lo (Rm 5:9);
sendo removida a culpa do pecado,
o pecador justificado se apresenta
diante do tribunal sem condenação
(Rm 5:2). O efeito da morte de Cristo
no relacionamento do crente com um

* Hogg, C. F. and Vine, W. E. Ibid.


A glória da Sua graça 500

Deus Santo é santificá-lo (Hb 10:10;


13:12); sendo removida a impureza do
pecado, o pecador santificado entra
no Santo dos Santos (Hb 10:19).
Portanto, lemos que Deus fez com
que Cristo fosse “justiça e santificação”
para nós (I Co 1:30). Como é evidente
que não há graus de justificação, as-
sim também não há graus de santifi-
cação; uma coisa ou é separada para
Deus ou não é, não há meio termo;
uma pessoa está em Cristo, justificada
e santificada, ou está fora de Cristo
nos seus pecados e alienada de Deus.
Embora não haja graus de santifi-
cação, é evidente que pode e deve
haver progresso nesta santificação;
assim o salvo é exortado a “seguir … a
santificação”, e é avisado que sem esta
santificação “ninguém verá a Deus”
(Hb 12:14).

O assunto da justificação é o tema


principal da Epístola aos Romanos, en-
A glória da Sua graça 501

quanto que o assunto da santificação


neste contexto é o tema principal da
Epístola aos Hebreus. A cruz, certamente,
é o centro de ambos. “Temos sido santi-
ficados pela oblação do corpo de Jesus
Cristo, feita uma vez” (Hb 10:10); e “com
uma só oblação aperfeiçoou para sem-
pre os que são santificados” (Hb 10:14).
Assim o Senhor Jesus é o Santificador
e nós somos os santificados (Hb 2:11). A
ideia reaparece também mais tarde nesta
epístola. “E por isso também Jesus, para
santificar o povo pelo seu próprio sangue,
padeceu fora da porta” (Hb 13:12).

Assim o direito do salvo de estar no


Céu não depende nem do seu mérito
nem do seu esforço, mas daquilo que o
Senhor efetuou “com uma só oblação” —
A glória da Sua graça 502

“aperfeiçoando para sempre”.

A santificação prática
Não deve nos surpreender que esta
santificação posicional precisa ser de-
monstrada por nós no sentido prático.
Isso nos traz às três ocorrências da pa-
lavra “santificação” em I Tessalonicenses
4:3, 4, 7. O apóstolo diz: “Esta é a vontade
de Deus, a vossa santificação”. Wilson*
tem um excelente comentário sobre estes
versículos que merece ser citado.
O mandamento de Paulo tinha sido
entregue aos tessalonicenses quando
ele estivera entre eles (v. 2). Não foi

* Wilson,T. O que Deus ajuntou. Editora Sã Doutrina,


2010.
A glória da Sua graça 503

meramente um conselho que ele


deu, mas um mandamento dado pela
autoridade do Senhor Jesus Cristo, e
ele esperava que fosse repassado de
um santo para outro. Eles deveriam ter
sabido que o Senhor iria estabelecê-
-los “irrepreensíveis em santidade
diante de nosso Deus e Pai, na vinda
de nosso Senhor Jesus Cristo com
todos os Seus santos” (3:13). Assim,
como poderiam ficar surpreendidos
ao saber que a vontade de Deus para
eles era a sua santificação presente (v.
3)? Esta santificação foi explicada, aos
leitores, pelo apóstolo em três frases:
i) “que vos abstenhais da prostitui-
ção” (v. 3);
ii) “que cada um de vós saiba
possuir o seu vaso em santificação e
honra” (v. 4);
iii) “que ninguém oprima ou en-
gane a seu irmão em negócio algum”
(v. 6).
A glória da Sua graça 504

A primeira frase é semelhante aos


termos da assembléia em Jerusalém
(At 15:20, 29). A proibição da pros-
tituição (fornicação) incluiria uma
grande variedade de relacionamentos
sexuais ilícitos. O contexto não exclui
o adultério, o inclui, e também inclui
a atividade homossexual. A segunda
e terceira frases definem, respecti-
vamente, os limites de conduta em
relação a cada santo individual e o seu
próprio corpo; e em relação a cada
santo e seu irmão.
Um salvo deve dominar seu corpo,
não somente no sentido de I Co 9:27:
“subjugo o meu corpo, e o reduzo
à servidão, para que, pregando aos
outros, eu mesmo não venha de
alguma maneira a ficar reprovado”.
Por razões positivas, e também nega-
tivas, ele deve controlar o seu corpo
especificamente em relação aos seus
desejos sexuais. Positivamente, o seu
corpo deve estar ligado com “santifi-
A glória da Sua graça 505

cação e honra” (v. 4). Como estes dois


substantivos são qualificados por uma
única preposição no grego, temos
reforçada a verdade de que Deus tem
prazer na santidade. Negativamente,
viver uma vida dissoluta “na paixão
da concupiscência” é viver como os
gentios (v. 5). Percebemos quão ver-
gonhoso é este estado pela frase do
apóstolo: “que não conhecem a Deus”.
Os gentios idólatras serviam a deuses
que eram personificações das suas
próprias ambições e desejos. Como
resultado, a lascívia dos gentios era
“incontrolável”, às vezes levando uma
sociedade inteira aos juízos de Sodo-
ma e Gomorra (Gn 19), e de Pompéia e
Herculano nas encostas do Vesúvio. A
ignorância dos gentios produzia uma
vida imoral; a revelação divina exige
uma vida santa!
O Deus que não tem prazer na
morte dos ímpios encontra prazer no
Seu povo quando eles mantém os seus
A glória da Sua graça 506

corpos “em santificação e honra”.


No v. 6 outro assunto importante é
tratado: “Ninguém oprima ou engane
a seu irmão em negócio algum”. O
texto original não diz “negócio algum”,
mas como diz a ARA: “Nesta matéria,
ninguém ofenda, nem defraude a seu
irmão”. Paulo está tratando de um só
assunto neste trecho. A tradução de
J. N. Darby diz: “não prosseguindo
além dos direitos e ofendendo seu
irmão neste assunto”. Os assuntos do
contexto são as relações sexuais e o
perigo de ultrapassar os limites na
conduta, resultando no pecado de
violar os direitos de um irmão. Por
exemplo, adultério envolveria a esposa
de um irmão e assim violaria os direi-
tos do irmão. Qualquer tipo de prática
sexual ilícita está incluída na frase
“nesta matéria”. Paulo está claramente
advertindo que, onde não há controle
próprio do corpo, os relacionamentos
afetuosos entre os salvos poderiam
A glória da Sua graça 507

abrir a porta para a entrada do pecado,


que o Senhor mesmo vingaria (v. 6).
O escritor aos hebreus advertiu seus
leitores judaicos dizendo: “venerado
seja entre todos o matrimônio e o leito
sem mácula; porém, aos que se dão à
prostituição, e aos adúlteros, Deus os
julgará” (Hb 13:4). Paulo, aqui em I Ts
4:6, entrega uma advertência seme-
lhante aos leitores gentios. A vontade
de Deus para os santos, quer sejam
judeus ou gentios, é a sua santificação.

Ele continua:
O Deus que os chamou, quer
judeus ou gentios, os chamou à san-
tidade, literalmente “em santificação”.
Ninguém podia duvidar do Seu pro-
pósito. Talvez por estar escrevendo a
gentios Paulo não diz: “e sereis santos,
porque eu sou santo” (Lv 11:44), como
Pedro fez quando escreveu a judeus (I
Pe 1:16). A intenção de Deus não era
que eles permanecessem no pecado
A glória da Sua graça 508

(Rm 6:1). Ele os tinha chamado “em


santificação”. Eles eram fornicadores,
idólatras, adúlteros, efeminados, so-
domitas, ladrões, avarentos, bêbados,
roubadores, mas agora tinham sido
“lavados … santificados … justificados”,
agora o “corpo não é para a prostitui-
ção, senão para o Senhor, e o Senhor
para o corpo” (I Co 6:9-11, 13). Deus
os tinha chamado da noite tenebrosa
de “dissoluções” para a luz onde um
viver santo é praticado (Rm 13:12-14).

O meio pelo qual isso se torna possí-


vel na vida do salvo é indicado claramente
pelo Senhor Jesus na Sua oração em
João 17:17: “santifica-os na tua verdade;
a tua palavra é a verdade”. O Salmista
expressa o mesmo pensamento: “Com
que purificará o jovem o seu caminho?
Observando-o conforme a tua palavra”
(Sl 119:9). O conhecimento da Palavra de
A glória da Sua graça 509

Deus e obediência a ela nos guardarão


do lamaçal de iniquidade que nos cerca
hoje. O apóstolo expressa o mesmo pen-
samento: “a palavra de Cristo habite em
vós abundantemente, em toda sabedoria
…” (Cl 3:16).

A mente saturada com a Palavra — e


não há alternativa — é a base pela qual
podemos purificar-nos “de toda a imundí-
cia da carne e do espírito, aperfeiçoando
a santidade no temor de Deus” (II Co
7:1). Em Romanos 6, o apóstolo segue o
tema do relacionamento do salvo com o
pecado no contexto do nosso batismo.
Nos vs. 1-14 ele responde à pergunta
que ele fez no v. 1: “permaneceremos no
pecado?” No resto do capítulo (vs. 15-23),
a pergunta respondida é: “pecaremos
A glória da Sua graça 510

porque não estamos debaixo da lei, mas


debaixo da graça?” (v. 15). A resposta às
duas perguntas é clara — “De modo ne-
nhum”. Como pode isso ser efetuado? Na
primeira parte do capítulo ele mostra que
nosso batismo é uma expressão exterior
da nossa morte ao pecado — então não
podemos continuar no pecado; no resto
do capítulo ele trata do nosso serviço
(note as repetidas referências a serviço
nos vs. 16-20, 22). A conclusão aqui tam-
bém é clara: “Mas agora, libertados do
pecado, e feitos servos de Deus, tendes
o vosso fruto para santificação, e por fim
a vida eterna” (Rm 6:22). Servos precisam
ser obedientes: “… sois servos daquele a
quem obedeceis” (v. 16).

O resto desta parte de Romanos


A glória da Sua graça 511

(caps. 6-8) mostra os meios práticos pelos


quais a santificação pode ser efetuada.
Isto acontece de duas maneiras: nega-
tivamente no cap. 7, e positivamente no
cap. 8.

O propósito do cap. 7 é mostrar a


impossibilidade de santificação baseada
em guardar a lei. Não há nada errado
com a lei, ela “… é santa, justa e boa” (v.
12) — o problema está conosco; nós não
podemos guardá-la! Como então pode
a santificação ser efetuada? “… o que era
impossível à lei, visto como estava enfer-
ma pela carne, Deus, enviando o seu Filho
em semelhança da carne do pecado, pelo
pecado condenou o pecado na carne;
para que a justiça da lei se cumprisse em
nós, que não andamos segundo a carne,
A glória da Sua graça 512

mas segundo o Espírito” (Rm 8:3-4). É o


Espírito de Deus que dá o poder para viver
uma vida santificada.

Assim, a santificação prática é obti-


da pelo conhecimento da Palavra, uma
vontade de obedecê-la, um reconheci-
mento da nossa fraqueza e dependência
no Espírito de Deus. É algo que devemos
“seguir” (Hb 12:14), sabendo que sem ela
“ninguém verá a Deus”.

A santificação
perfeita e esperada
A santificação do salvo não será
completa até à segunda vinda de Cristo.
A glória da Sua graça 513

Então a oração do apóstolo será res-


pondida: “… e o mesmo Deus de paz
vos santifique em tudo; e todo o vosso
espírito, alma e corpo, sejam plenamente
conservados irrepreensíveis para a vinda
de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Ts 5:23).
Naquele momento o salvo será confor-
mado fisicamente, moralmente e espiri-
tualmente a Cristo. “Amados, agora somos
filhos de Deus, e ainda não é manifestado
o que havemos de ser, mas sabemos
que, quando ele se manifestar, seremos
semelhantes a ele; porque assim como é
o veremos” (I Jo 3:2). O contexto aqui nos
diz: “Ele é justo” (2:29); “Ele é puro” (3:3);
“nEle não há pecado” (3:5). Um dia tudo
isso será verdade do salvo! Justo, puro
e sem pecado — as implicações práticas
A glória da Sua graça 514

em antecipação daquele dia são claras.


Cap. 11 — Consagração
Thomas Wilson, Escócia
“A seguir-Te aqui, me consagro eu,
Constrangido pelo amor.”

(H. e C. nº 311; H. M. W.)

Estas palavras foram, muitas vezes,


a oração de pessoas sinceras, desde
que foram escritas em 1875 como parte
do famoso hino de Fanny Crosby.* No
entanto, a palavra “consagrar” ocorre so-
mente duas vezes no NT da versão AV†,

* Brightest and Best. New York: Biglow & Main, 1875.


† O autor refere-se à versão da Bíblia em inglês. No
português encontramos formas da palavra, no NT,
quatro vezes nas versões AT e ARC (Lc 2:23; Hb
2:10; 9:18; 10:20), e seis vezes na versão ARA (Lc
A glória da Sua graça 516

e ambas estas referências estão em He-


breus, uma em relação ao próprio Senhor
Jesus (“… constituiu o Filho consagrado
[ou aperfeiçoado] para sempre”, Hb 7:28),
e a outra sobre o caminho que Ele con-
sagrou: “Pelo novo e vivo caminho que
ele nos consagrou” (Hb 10:20). Contudo,
quando usamos a palavra “consagrar”,
geralmente não a usamos no sentido
destes versículos. Neste capítulo, vamos
pensar principalmente no sentido normal
em que usamos a palavra “consagração”.

2:23; At 6:4; I Co 7:35; 16:15; II Co 2:4; Hb 10:20)


(N. do E.).
A glória da Sua graça 517

Consagração no
Velho Testamento
No Velho Testamento, os tradutores
da versão AV usaram o verbo “consagrar”
para traduzir quatro grupos de palavras
hebraicas, que juntas nos dão uma boa
compreensão do que está envolvido em
consagração ao Senhor, algo que o Se-
nhor Jesus espera de cada filho de Deus.

1. Consagração exige santidade


Frequentemente usamos o verbo
“consagrar” quase como sinônimo de
“santificar, tornar santo”, e de fato os di-
cionários os dão como sinônimos. Uma
A glória da Sua graça 518

das palavras comuns do Velho Testamen-


to para “consagrar” é também traduzida
“santificar”. Salienta a necessidade de estar
limpo ou de ser santo. É usada de Arão
em Êxodo 30:30: “… ungirás a Arão e seus
filhos, e os santificarás [consagrarás] para
me administrarem o sacerdócio”. O que
isto significava para eles é explicado pelo
contexto. O v. 29, especificamente, fala
dos objetos santos como a arca, a mesa,
os altares, e a pia: “assim santificarás estas
coisas, para que sejam santíssimas”. Sendo
santíssimas elas estariam em condições
apropriadas para o lugar santo onde
somente o sacerdote santificado podia
entrar, ou ao lugar santíssimo onde Jeová
habitava entre os querubins. Nestes dois
versículos a palavra “santificar” é a mesma
A glória da Sua graça 519

palavra hebraica traduzida “consagrar” em


outras partes do VT; e o adjetivo “santo”
que aparece duas vezes é também do
mesmo grupo de palavras. Obviamente,
então, Arão e seus filhos deveriam estar
limpos, ou santos, como o padrão do
santuário exigia. Embora não usando a
mesma palavra hebraica, as exigências de
Isaías 52:11 são sobre a consagração: “não
toqueis coisa imunda … purificai-vos, os
que levais os vasos do Senhor”. Aqueles
homens, como Arão e seus filhos, deve-
riam se manter separados de tudo que
poderia contaminá-los.

Neste mundo perigoso, o cristão pre-


cisa estar cônscio de quanta coisa há que
não é santa. Não podemos ficar perto da
impureza sem sermos contaminados. A
A glória da Sua graça 520

nossa companhia pode nos contaminar,


como vemos em II Coríntios 6:17, onde
Paulo cita Isaías 52:11. A ordem para cada
cristão é ser separado daqueles que con-
taminam: “por isso saí do meio deles, e
apartai-vos, diz o Senhor”. Não é somente
no Velho Testamento que Deus diz: “sereis
santos, porque eu sou santo” (Lv 11:44;
19:2; 20:7); isto é citado também no Novo
Testamento em I Pedro 1:16, “Sede santos,
porque eu sou santo”. Deus é o Deus de
quem Maria disse: “.. . o Poderoso; e santo
é o seu nome” (Lc 1:49).

Nós temos o mais nobre dos motivos


para obedecer a este requisito apresen-
tado no Velho e no Novo Testamentos:
“sede santos, porque eu sou santo”. Sabe-
mos que a Obra de Cristo nos santificou:
A glória da Sua graça 521

“E por isso também Jesus, para santificar


o povo pelo seu próprio sangue, padeceu
fora da porta” (Hb 13:12). Quando nosso
coração é comovido pelo sofrimento
de Cristo para que nós pudéssemos ser
santos, nosso amor responde com dese-
jos por santidade. É o amor que nos leva
para fora do arraial a Cristo. O amor sabe
que haverá desprezo, mas o amor está
preparado para pagar o preço para ser
santo. A verdadeira consagração é o fruto
do amor profundo para com Cristo, que
se manifesta em santidade de vida num
mundo escarnecedor. A consagração
guarda o cristão fora dos prédios munda-
nos de prazeres abastecidos pelo álcool,
e da imoralidade que tão frequentemente
acompanha este estilo de vida dissoluto.
A glória da Sua graça 522

Mesmo nos nossos dias, a consagração


exige santidade, e é somente quando o
santo de Deus respira profundamente do
ambiente do lugar Santíssimo que ele
será santo na sua vida, uma necessidade
para todos que querem ser consagrados
ao Senhor.

2. Consagração é separação
para o Senhor
Um segundo grupo de palavras é
usado no Velho Testamento em relação
à consagração. Um homem, ou uma
mulher, podia fazer um voto voluntário,
chamado o voto do Nazireu, para ser
separado ao Senhor, de uma maneira
especial (Nm 6:2). Eles se absteriam, por
A glória da Sua graça 523

um período, de certas coisas que pode-


riam contaminá-los. Mesmo aproximar-se
do cadáver de um parente chegado era
proibido. Naquela sociedade era normal
beber vinho, mas eles não podiam beber
“alguma beberagem de uvas”, nem co-
mer “uvas frescas nem secas … desde os
caroços até as cascas” (Nm 6:3-4). Este
voto também exigia que deixassem cres-
cer os cabelos (v. 5), para que os outros
soubessem que estes não somente eram
separados de coisas que talvez pudessem
prejudicá-los, como vinho ou a morte,
mas também que eram separados para
o Senhor. Se, por acaso, o voto fosse
quebrado quando, por exemplo, alguém
morresse subitamente ao seu lado, tam-
bém isso seria conhecido pelos outros,
A glória da Sua graça 524

porque a cabeça teria de ser rapada e


consagrada novamente (Nm 6:9, 11). O
nazireado era rigoroso, e geralmente as
pessoas somente o podiam manter por
pouco tempo. Mas corações devotos ti-
nham esta oportunidade de se separarem
para o Senhor.

O Novo Testamento não encoraja


este tipo de voto. No período contido em
Atos, vemos que embora os judeus aban-
donassem seus caminhos tradicionais
de adoração, algumas práticas somente
foram abandonadas lentamente, e o voto
era uma delas. De fato, lemos de Paulo
“tendo rapado a cabeça em Cencréia,
porque tinha voto” (At 18:18), e também
dele estar associado com quatro homens
que “fizeram voto”, quando entraram no
A glória da Sua graça 525

templo “anunciando serem já cumpridos


os dias da purificação” (At 21:23-27). Am-
bas estas passagens parecem descrever
o voto do Nazireu, cujo período mínimo
era de 30 dias. Todavia, é notável que
o Novo Testamento não legisle, nem
fala com aprovação sobre votos. Nosso
Senhor Jesus fala de alguns que fizeram
votos, mas no sentido de condená-los
porque seu motivo era somente mostrar
sua piedade, enquanto negligenciavam os
assuntos mais importantes da lei (Mt 15:4-
6; Mc 7:10-13). Demorou alguns anos,
talvez, para os cristãos judeus deixarem
de fazer votos, mas Deus não desejou, e
não deseja hoje, que Seu povo se prenda
legalmente a votos. O que Deus deseja é
a nossa consagração, ao sermos separa-
A glória da Sua graça 526

dos a Ele e assim separados do mundo


corrompido ao nosso redor.

Todavia, no tempo de Moisés, o


nazireado era “uma expressão sincera e
correta da antiga fé hebraica”. Aqueles
que faziam este voto, homem ou mulher,
deveriam ser respeitados e seu exemplo
de separação ao Senhor observado. De
fato, Amós lamenta a terrível decadência
que existia em Israel nos seus dias. Ele
considerava que cada verdadeiro profeta
e cada Nazireu era o resultado de uma
obra profunda de Deus nas suas almas,
para que Ele pudesse produzir neles um
exemplo daquilo que O honrava. Ele re-
gistra o que o Senhor tinha falado sobre
eles: “E dentre vossos filhos suscitei pro-
fetas, e dentre vossos jovens nazireus”. A
A glória da Sua graça 527

nação, no entanto, mesmo sabendo que


o voto do Nazireu exigia abstinência total
de vinho e de bebida forte e também de
qualquer coisa relacionada com o fruto
da vinha, deliberadamente deu “aos na-
zireus … vinho a beber, e aos profetas
ordenastes, dizendo: Não profetizareis”
(Am 2:11-12). O povo se esforçou para
destruir o testemunho daqueles que Deus
tinha levantado. Aprendemos lições im-
portantes nestas palavras de Amós:

i) Deus mesmo tocava nos corações


dos Seus para tomarem voluntaria-
mente o voto do Nazireu (Nm 6:2).

ii) A disciplina evidente na vida do Nazi-


reu teria um efeito nos outros; alguns
se oporiam, outros os apoiariam, até
A glória da Sua graça 528

ao ponto de pagar o preço exigido do


voto — o custo dos sacrifícios — eles
fariam “por eles os gastos” (At 21:24).

iii) O voto traria prazer a Deus; seria “ao


Senhor” (Nm 6:2).

Os ritos de Números 6 pertencem


a uma era que terminou com a morte
de Cristo, mas, como já notamos, houve
um período de transição durante o qual
alguns ainda se apegavam a estes rituais
antigos. Não obstante, o Senhor ainda
deseja que nós O agrademos com vidas,
não temporariamente consagradas a Ele,
mas caracterizadas por esta mesma de-
voção, desde o momento da conversão
em diante.

Até Cristo, somente poucos dos gran-


A glória da Sua graça 529

des homens e mulheres foram Nazireus.


A esposa de Manoá e seu filho Sansão (Jz
13:7, 14; 16:17), Samuel (I Sm 1:11) e João
Batista (Lc 1:15) eram Nazireus, e portanto
separados ao Senhor. Mas, desde Cristo,
todos os grandes homens e mulheres são
separados ao Senhor. Tendo nos dado a
Sua Palavra e o Espírito Santo que habita
em nós, o Senhor tem providenciado tudo
que é necessário para que as nossas vidas
sejam inteiramente consagradas a Ele.
Ele não está pedindo uma consagração
periódica ou intermitente, e não ficará
satisfeito com somente um período de
consagração. Ele exige “nossos corações,
nossas vidas, nosso tudo”, para o resto da
nossa vida. Reconhecemos que poderá
haver falhas nas nossas vidas, como po-
A glória da Sua graça 530

deria acontecer na experiência do Nazireu


(Nm 6:9-12), mas há provisão para nossa
recuperação, para que as nossas vidas
possam ser, mais uma vez, caracterizadas
por consagração ao Senhor.

A separação do salvo precisa ser des-


crita tanto com negativos como positivos.
Ele (ou ela) absterá de tudo que estimula
o mundo. O uso de álcool e drogas é par-
te disso, mas o cristão inteligente também
perceberá muitos outros estimulantes
operando nas vidas das pessoas ao seu
redor. A imoralidade total é um vício de
muitos, como também a participação no
ambiente social em eventos esportivos,
cinema e teatro. Muitas outras práticas
também estimulam as pessoas mun-
danas. Estas coisas moldam a vida dos
A glória da Sua graça 531

incrédulos e continuamente mudam seus


padrões mentais, até que toleram coisas
que a Palavra condena e, finalmente, estas
coisas são aceitas como normais nas suas
vidas. Nenhuma geração precisou ouvir
este chamado à separação mais clara-
mente do que a nossa geração presente.

Entretanto, o salvo consagrado sa-


berá que há aspectos positivos também.
O Senhor deseja que a consagração seja
expressa em pelo menos três maneiras
distintas e positivas:

• “Se alguém quiser fazer a vontade


dele, pela mesma doutrina conhecerá
se ela é de Deus”, João 7:17.

• “Se alguém me ama, guardará a mi-


nha palavra”, João 14:23;
A glória da Sua graça 532

• “Se vós estiverdes em mim, e as


minhas palavras estiverem em vós,
pedireis tudo o que quiserdes, e vos
será feito”, João 15:7.

Que grande exemplo este tipo de


vida seria para qualquer observador salvo,
e como convenceria a geração incrédula!
A consagração é a separação para o Se-
nhor e de tudo que O desonra. Requer o
exercício da vontade (Jo 7:17); a energia
do amor (Jo 14:23), e a eficácia da co-
munhão contínua com o Próprio Senhor
(Jo 15:7). No dia privilegiado em que
vivemos, é a expressão sincera e correta
da nossa fé. Publicamente, pode começar
com o batismo e com associação com o
povo do Senhor na comunhão de uma
igreja local. A sua realidade interior será
A glória da Sua graça 533

demonstrada através de outras evidên-


cias externas. Consagração é separação
ao Senhor que afeta, não somente o
comportamento externo que os outros
observam, mas também o mais íntimo
do nosso coração. Também traz grande
prazer ao coração de Cristo, pois é para
Seu específico prazer.

3. Consagração é estar ocupado


com a obra do Senhor
A lição franca que aprendemos do
terceiro grupo de palavras é que pessoas
consagradas nunca são pessoas pregui-
çosas. Isso é ilustrado claramente em
Arão e seus filhos: “… e os consagrarás …
para que me administrem o sacerdócio”
A glória da Sua graça 534

(Êx 28:41). Esta palavra “consagrarás” li-


teralmente significa “encher as mãos” ou
“estar ocupado com”. No caso daqueles
sacerdotes, havia tempos quando, mi-
nistrando perante o Senhor, suas mãos,
literalmente, estariam cheias. O “carneiro
das consagrações” (Êx 29:22, 26), literal-
mente encheria as suas mãos. Mas, num
sentido mais completo, sua consagração,
e a nossa, deve significar ocupação com
o serviço e os interesses do Senhor. Para
cada sacerdote, depois de Arão, esta
consagração significava estar “cada dia
ministrando e oferecendo muitas vezes os
mesmos sacrifícios” (Hb 10:11). Também
era necessário ter compaixão daqueles
que eram “ignorantes” e daqueles que
estavam “errados” (Hb 5:2). Pelos estatu-
A glória da Sua graça 535

tos, eles também tinham outras incum-


bências, como cuidar do candelabro
no santo lugar (Êx 27:21; 30:7). Lemos
do sumo sacerdote com a estola sendo
chamado à presença de Davi para que
ele pudesse indagar do Senhor (Êx 28:30;
Nm 27:21; I Sm 23:2, 4, 6). Além disso,
tinham a responsabilidade de ensinar o
povo “todos os estatutos que o Senhor
lhes” tinha falado “por meio de Moisés”
(Lv 10:11). Assim lemos o que Malaquias
escreveu 1.100 anos mais tarde: “Porque
os lábios do sacerdote devem guardar o
conhecimento” (Ml 2:7). De fato, se em
Israel surgisse um caso “difícil demais
em juízo” para os cidadãos da terra, eles
deveriam ir aos sacerdotes para um jul-
gamento e seguir a sua sentença de juízo
A glória da Sua graça 536

(Dt 17:9-11). Os sacerdotes tinham muito


que fazer para que o serviço de Jeová
continuasse e Seu povo fosse apoiado e
guiado, corretamente. Literalmente, com
o carneiro da consagração, e metaforica-
mente com seus variados deveres, suas
mãos estavam cheias. Assim, também
devem as nossas estar!

Igualmente as mãos dos apóstolos


estavam cheias quando eles convocaram
a multidão dos discípulos e disseram:
“Não é razoável que nós deixemos a pa-
lavra de Deus e sirvamos às mesas” (Atos
6:2). Eles não estavam negligenciando a
administração da distribuição do sustento
às viúvas ligadas à igreja em Jerusalém;
antes foi para que pudessem se entregar
“à oração e ao ministério da palavra”.
A glória da Sua graça 537

Eles sabiam que a oração e o ministério


os ocupariam totalmente. Olhamos em
tudo que foi conseguido pelos apóstolos
naquela geração. Se avaliarmos pelas
distâncias que viajaram para alcançar
os pecadores perdidos; se avaliarmos
pelo número de almas salvas no período
curto descrito nos Atos dos Apóstolos;
se avaliarmos pelas muitas igrejas es-
tabelecidas; se avaliarmos pelas cartas
que escreveram, que compõem o nosso
Novo Testamento, chegaremos a uma só
conclusão — suas mãos estavam cheias,
cheias demais para estarem servindo às
mesas.

O exemplo de Atos 6:2 nos dá um


modelo que devemos seguir. Observamos
que a consagração não somente requere-
A glória da Sua graça 538

rá mãos cheias na obra de Deus, mas que


sob a direção de Deus façamos escolhas
apropriadas. Há muitas maneiras em que
podemos nos ocupar, mas todos nós não
devemos nos ocupar da mesma maneira.
I Coríntios 12 ensina que existem muitos
tipos de serviço e que nossos dons são
diferentes. Devemos trabalhar até cansar
naquilo que o Senhor nos deu para fazer,
para que Ele não tenha que nos exortar a
atentar “para o ministério que recebestes
no Senhor, para que o cumpras” (Cl 4:17).
Para sermos úteis devemos procurar a
direção do Senhor para sabermos o que
Ele quer que façamos. Então o nosso
trabalho será frutífero.

Timóteo foi descrito por Paulo como


alguém que trabalhava na obra de Deus,
A glória da Sua graça 539

como ele também (I Co 16:10). Que gran-


de recomendação! Certamente as mãos
de Paulo estavam cheias. Ele carregou
um tremendo peso de sofrimentos. Em
II Coríntios 11, ele lista não somente seus
“trabalhos, muito mais”, mas também seus
açoites, prisões, chicotadas e privações,
muito além dos limites normais de tole-
rância. E, tendo descrito as suas aflições,
ele acrescenta: “Além das coisas exterio-
res, me oprime cada dia o cuidado de
todas as igrejas” (II Co 11:28). Se Timóteo
trabalhava como Paulo, suas mãos certa-
mente estariam cheias. Todos nós, quer
sejam os mais velhos como Paulo ou os
mais novos como Timóteo, devemos ter
as mãos cheias porque há muito para se
fazer. Sabemos que somente podemos
A glória da Sua graça 540

trabalhar “enquanto é dia” (Jo 9:4). Este é


nosso tempo de serviço, quando nossas
mãos deveriam estar cheias. As mãos de
Dorcas estavam cheias e aquelas viúvas
que lamentaram a sua morte, estavam
vestidas por causa da habilidade e per-
sistência daquelas mãos (At 9:39). As
mãos de Maria também estavam cheias
de muito serviço para ajudar os servos de
Deus como Paulo (Rm 16:6). Os cristãos
consagrados sempre têm mãos cheias.

Quando viemos a Cristo para salva-


ção, confessamos:
Nada em minhas mãos eu trago,
Somente à Sua cruz me apego.

A. M. Toplady (tradução literal)

Um pecador somente pode vir a


A glória da Sua graça 541

Deus com mãos vazias. Ele não ousa


trazer o fruto do seu próprio trabalho,
como Caim fez. Mas, no momento da
salvação, o Senhor nos consagrou a Si
Mesmo para que nossas mãos purificadas
pudessem estar cheias com o Seu nobre
trabalho. Para cada um de nós que o Se-
nhor salvou há “boas obras, as quais Deus
preparou para que andássemos nelas” (Ef
2:10). O exemplo perfeito de uma vida
assim foi vista no Próprio Cristo, “o qual
andou fazendo o bem, e curando a todos
os oprimidos do diabo, porque Deus era
com ele” (At 10:38). Como eram bondosas
aquelas mãos, e quão cheias! Há trabalho
para nossas mãos fazerem. Ouvimos a
exortação que foi primeiramente ouvida
por Saul: “Faze o que achar a tua mão”
A glória da Sua graça 542

(I Sm 10:7). A consagração exige que as


nossas mãos estejam cheias.

4. Consagração é dar a
Deus com abnegação
O grupo final de palavras do Velho
Testamento que vamos considerar trata
com coisas reais, como um campo ou
animal sendo consagrado ao Senhor.
Neste quarto grupo, a palavra “consagrar”
significa “excluir”, e assim expressa a en-
trega total das coisas consagradas a Deus
“de uma maneira irrevogável e permanen-
te”, que excluía as coisas consagradas “do
seu uso e abuso por parte dos homens”.*

* Keil, C. F. & Delitzsch, F. Commentary on the Old


Testament Vol I. Grand Rapids: Erdmans Reprinted
A glória da Sua graça 543

Assim a palavra, como usada neste grupo,


enfatiza os direitos exclusivos de Deus
sobre nossos bens. Em Levítico 27 acha-
mos as leis governando um campo ou
animal consagrado a Deus. Este campo
ou animal se tornava propriedade do
Senhor. Miquéias 4:13 também usa a
linguagem de consagração acerca dos
espólios no dia futuro, quando o Senhor
vencerá seus inimigos e estabelecerá o
Seu reino na Terra. Todos os espólios
serão consagrados ao “Senhor de toda a
terra”. Naquele dia ninguém considerará
os espólios como seus, para serem usa-
dos para seu ganho ou prazer particular.
Da mesma maneira hoje em dia, não
devemos considerar o que temos como

1991, pág. 485


A glória da Sua graça 544

nosso. Tudo que somos e temos deve ser


consagrado ao Senhor.

No momento da conversão várias


coisas aconteceram simultaneamente.
Naquele momento recebemos o direito
de nos alegrar porque nossos nomes fo-
ram escritos no céu (Lc 10:20; Ap 20:15;
21:27); podíamos desfrutar da adoção
como filhos (Ef 1:5); fomos selados com
o Espírito Santo da promessa (Ef 1:3); pas-
samos a ser herdeiros de Deus e co-her-
deiros de Cristo (Rm 8:17), e recebemos
muitas outras bênçãos. Naquele mesmo
momento também é verdade que cessa-
mos de pertencer a nós mesmos, porque
fomos “comprados por preço” (I Co 6:19-
20). Sabemos que nosso nome nunca
será tirado do livro da vida, e que nunca
A glória da Sua graça 545

podemos anular a nossa adoção nem


remover o selo do Espírito Santo, nem
nos deserdar a nós mesmos. Também,
nunca podemos desfazer a transação que
nos fez irrevogavelmente a possessão de
Deus e do Seu Cristo. Tudo que somos e
tudo que temos agora pertence a Outro,
que nunca cederá os Seus direitos. No
momento da nossa conversão tudo foi
consagrado a Deus. No contexto de I
Coríntios 6, isto significa que o nosso
corpo, que poderia ser contaminado pela
fornicação, agora pertence a Deus como
o templo do Espírito Santo. Neste con-
texto, os direitos exclusivos que o Senhor
adquiriu através da redenção, operam de
tal modo que há práticas nas quais o san-
to não ousa se ocupar. Sua consagração
A glória da Sua graça 546

reconhece a necessidade de glorificar o


Senhor no seu corpo. Mas a consagração
reconhece que estes direitos vão além do
uso do corpo.

Quando os apóstolos testemunha-


vam da ressurreição com grande poder,
e em todos eles havia abundante graça,
lemos que “ninguém dizia que coisa algu-
ma do que possuía era sua própria, mas
todas as coisas lhes eram comuns … não
havia, pois, entre eles necessitado algum”
(At 4:31-35). A sua distribuição, para suprir
cada necessidade dos pobres entre eles,
foi uma evidência de que reconheceram
que seus bens materiais eram, de fato,
confiados a eles pelo seu Dono. Eles
reconheceram que aquelas coisas eram
consagradas a Ele e, como despenseiros
A glória da Sua graça 547

das Suas possessões, eles deveriam agir


com sabedoria e para a Sua glória, ao
distribuir a provisão celestial aos necessi-
tados. De fato, quando dois deles agiram
com hipocrisia para realçar a sua reputa-
ção entres os que foram consagrados a
Deus, Pedro expôs a sua mentira contra o
Espírito Santo e os lembrou: “guardando-a
não ficava para ti? E, vendida, não estava
em teu poder?” (At 5:1-4). Pedro não os
tratou de acordo com a sua profissão.
Eles professaram reconhecer os direitos
do Senhor sobre tudo que anteriormente
consideravam seu e que usavam para
o seu próprio bem. A sua ação foi uma
negação da consagração exclusiva que
professavam. Eles não podiam dizer com
verdade:
A glória da Sua graça 548

Toma minha prata e meu ouro,


Nem um centavo irei negar.

F. R. Havergal (tradução literal)

Deliberadamente, como parte do


seu planejado acordo, Ananias e Safira
“retiveram parte do preço”. Não reco-
nheceram que tudo que anteriormente
consideravam seu agora era consagrado
exclusivamente ao Senhor. Mas nós, com
razão, cantamos sobre nossa consagra-
ção e nosso compromisso de nada reter.
O filho pródigo, quando estava saindo
da casa do pai, disse: “dá-me”. A alma
redimida, tendo voltado do país distan-
te, observa que o Pai ainda dá, mas em
resposta é capaz de dizer, como Naamã:
“… peço-te que aceites uma bênção do
A glória da Sua graça 549

teu servo” (II Rs 5:15).

A passagem em Miquéias 4:13 prevê


os direitos do Senhor Jesus se estenden-
do além desta dispensação. Revela o que
acontecerá no dia em que Ele se levantar
para julgar o mundo, um acontecimento
que não acontecerá até depois do Ar-
rebatamento da Sua Igreja e da Grande
Tribulação, quando Ele derramará a Sua
ira sobre esta Terra. Miquéias registra a
gloriosa promessa a Israel sobre o poder
que aquela nação exercerá depois da
vinda do Senhor em poder. Durante a
Grande Tribulação o mundo vai pensar
que a exterminação da nação, que tem
sido tão procurada por muitos, é inevitá-
vel. Mas aquela nação esmiuçará os seus
inimigos, diz Miquéias. Israel será como
A glória da Sua graça 550

um touro selvagem com chifres de ferro


e unhas de bronze, para que os muitos
que têm esmiuçado a nação sejam es-
miuçados por ela. O que acontecerá com
os espólios daquela vitória?

Quando Jericó caiu houve muito


espólio. Tudo que havia na cidade seria
“consagrados ao Senhor” (Js 6:19), e nin-
guém deveria levar nada dela (Js 6:17; 7:1,
11-26). Mas Acã pereceu por causa da sua
desobediência à ordem do Senhor. Esta
desobediência revelou que ele não levou
em conta o direito do Senhor da terra
de fazer o que Ele queria com Jericó e
a sua riqueza.

Quando, no dia mencionado por


Miquéias, o Senhor exercer Seus direitos
A glória da Sua graça 551

exclusivos em Israel, Ele agirá como “o


Senhor de toda a terra” (Mq 4:13). “Desde
que houve nação” (Dn 12:1), os grandes
têm acumulado para si riquezas, a maior
parte da qual é dedicada à glória dos
seus líderes.

Estes andam pelos seus palácios


orgulhosamente, gloriando-se em tudo
que têm construído com as riquezas das
nações que saquearam. Eles assumiram o
direito de adquirir riquezas e demonstrar
seu esplendor com ostentação, nunca
pensando que o “Senhor de toda a terra”
talvez desaprove. Naquele dia, o Universo
admirado aprenderá que Deus de fato
desaprova. Também aprenderão que, no
Calvário, o Senhor pagou o preço, não
somente da nossa redenção, mas para
A glória da Sua graça 552

adquirir o mundo, como Ele ensinou


na Sua parábola do tesouro escondido
no campo.* Como Ele tem direito sobre
estas nossas almas redimidas, direito esse
que confessamos na nossa consagração,
assim também Ele tem direito sobre este
mundo, e Ele aparecerá para exercer estes
direitos exclusivos depois do Arrebata-
mento. Naquele tempo Ele reivindicará
das nações ímpias “seu ganho … e seu
sustento”.

Zacarias também testifica deste


grande acontecimento, enfatizando este
“ganho e sustento” dos quais Miquéias
fala. Ele diz: “E também Judá pelejará

* No contexto, o Senhor interpretou o campo onde


estava escondido o tesouro: “o campo é o mundo”
(Mt 13:38).
A glória da Sua graça 553

em Jerusalém, e as riquezas de todos os


gentios serão ajuntadas ao redor, ouro e
prata e roupas em grande abundância” (Zc
14:14). Tudo que pertence exclusivamente
ao Senhor será arrancado daquelas mãos
gananciosas. Uma resistência como esta
não deve ser vista em nós. Devemos re-
conhecer a grandeza da vitória do Senhor
e alegremente ceder a Ele o que Ele tem
colocado em nossas mãos.
Nada que tenho chamo meu,
Guardo tudo para Quem me deu:
Minha vida e força, e meu coração,
Tudo são dEle, e sempre serão.

J. G. Small

Sabemos que consagração significa


entregar a Deus o que Ele tem confiado
a nós. Significa recusar aprovar a ilusão
A glória da Sua graça 554

mundana de que é justo ou correto satis-


fazer nossas inclinações egoístas. Significa
descobrir o gozo de dar, aprendendo que
“mais bem aventurada coisa é dar do que
receber” (At 20:35).

Consagração no
Novo Testamento
Os quatro grupos de palavras do Ve-
lho Testamento que já consideramos nos
ajudam muito no nosso entendimento
de alguns dos aspectos incluídos no que
chamamos de “consagração”. Vamos ago-
ra considerar as duas referências no Novo
Testamento onde a palavra “consagrar”
A glória da Sua graça 555

ocorre na versão AV*.

5. O Filho perfeito
[consagrado] para sempre
Esta frase importante em Hebreus
7:28 não está descrevendo uma vida con-
sagrada à vontade e propósito de Deus
no sentido em que temos visto até aqui.
Sem dúvida, somente o Senhor Jesus
cumpriu absolutamente tudo que Deus
procura numa pessoa consagrada a Ele.
Ele cumpriu todas as exigências da santi-
dade. Ele era o Santo de Deus que andou

* Como explicado em nota de rodapé no início


deste capítulo, há duas ocorrências da palavra
na AV em inglês; as versões em português são
diferentes (N. do E.).
A glória da Sua graça 556

por este mundo, sem ser contaminado


pelo seu pecado. Ele estava totalmente
separado de tudo que teria sido ofensivo
ao Seu Deus, e firmemente separado para
o Seu Deus. Nenhum Nazireu poderia
ter mantido a devoção de vida que Ele
manteve. Suas mãos estavam sempre
cheias com o serviço de Deus; de fato,
Ele completou a obra que Seu Pai lhe
dera para fazer (Jo 17:4). Ele deu tudo
prontamente, nada retendo em vida ou na
morte, pois Ele “derramou a sua alma na
morte” (Is 53:12). Mas não julgamos que
a frase em Hebreus 7:28 esteja refletindo
estes aspectos daquela vida.

O verbo “aperfeiçoar” (teleeio, no


grego) ocorre na carta aos Hebreus em
2:10 (VB); 5:9 (VB); 7:19 (traduzido “per-
A glória da Sua graça 557

feito”), 29; 9:9; 10:1, 14; 11:40; o adjetivo


cognato ocorre em 5:14 e 9:11, e o subs-
tantivo em 6:1. Três destas ocorrências
estão relacionadas ao Senhor Jesus,
pessoalmente:

• “Aperfeiçoasse pelos sofrimentos ao


autor da salvação deles” (2:10, VB);

• “Tendo sido aperfeiçoado*, tornou-se


autor da salvação eterna” (5:9, VB);

• “… o Filho perfeito† para sempre”


(7:28).

Nestes versículos a nossa atenção é


dirigida a uma Pessoa gloriosa, por meio
de palavras infinitamente profundas. Este

* Particípio aoristo passivo, como destaca Zodhiates.


† Particípio perfeito passivo, como destaca Zodhiates.
A glória da Sua graça 558

é “o príncipe da nossa salvação”, “o autor


[ou causa] da eterna salvação”, e “o Filho”.
O assunto de Cristo sendo aperfeiçoado
está em consideração. O cristão sabe
que estes versículos não estão sugerindo
que houve qualquer imperfeição, moral
ou espiritual, em Cristo. Os versículos
comentam as experiências do Senhor
como Homem. É evidente, em cada um
dos três versículos, que o Senhor não está
ativamente criando as circunstâncias em
que Ele está envolvido. Em cada caso a
Pessoa em atividade é o Seu Deus: Ele
está tornando perfeito, ou aperfeiçoando.
Vemos também a ênfase em sofrimentos
em cada uma das referências. Os homens
tiveram sua parte nestes sofrimentos do
Salvador, mas isto não é mencionado
A glória da Sua graça 559

nestes versículos. Vemos que o Senhor


conheceria sofrimentos antes do Calvá-
rio, no Calvário e, tendo sofrido ali, Seu
currículo de sofrimentos terminou. Que
visão panorâmica da vida, morte e exalta-
ção de Cristo! O que estes versículos nos
ensinam é a importância de gloriar-nos
em nosso Deus, que trouxe o Seu plano
até a sua perfeita consumação em Cristo.
Este é o sentido do verbo “aperfeiçoar”.

O escritor se regozija em observar


que a palavra do juramento estabeleceu
o Filho como sacerdote. Isto aconteceu
depois do término dos Seus sofrimentos
e da realização da Sua oferta, uma úni-
ca vez, pelo pecado do Seu povo (Hb
7:27-28). A palavra do juramento não
constituiu Cristo como Filho, mas fez o
A glória da Sua graça 560

Filho sacerdote para servir “com o zelo


perfeito da afeição e gozo filial”.* O v. 28
não identifica quem é beneficiado pelo
Seu sacerdócio, mas o próximo versículo
esclarece quem é: “… nós temos um sumo
sacerdote …” (Hb 8:1). O amor se regozija
nesta Pessoa, “o sumo sacerdote aperfei-
çoado”, a quem Deus tem apresentado
“para confortar e sustentar o coração
contrito … Ele é apresentado pelo Espí-
rito à nossa fé para o estabelecimento
da nossa confiança e a permanência do
nosso gozo nEle”.†

Quando refletimos em consagração,


aprendemos no Filho que Deus está ope-

* Pridham, Arthur. Pridham on Hebrews. Segunda


edição, expandida. William Yapp, Londres, pág. 184.
† Pridham, Arthur. Ibid, pág. 183
A glória da Sua graça 561

rando onde Seu prazer está garantido. Ele


tem preparado um caminho para nós, um
que pode significar sofrimento. Temos
de completar cada passo neste caminho
antes de sermos convidados a dar mais
um passo no caminho da consagração.
Enquanto assim fazemos, devemos notar
que cada passo pode trazer bênção a
outros. Olhando para Jesus, vemos como
Deus é capaz de realizar isto.

6. O caminho consagrado
A outra ocorrência da palavra “con-
sagrar” no Novo Testamento está em
Hebreus 10:20: “Pelo novo e vivo caminho
que ele nos consagrou*, pelo véu, isto é

* No grego, egnainizo, “inaugurar”. é usada na LXX


A glória da Sua graça 562

pela sua carne”. A palavra traduzida aqui


“consagrou” é traduzida “dedicou” na ver-
são RV*. De fato, o mesmo verbo grego
é traduzido “dedicou” em Hebreus 9:18†.
Obviamente este verbo não nos ajuda,
diretamente, a compreender o que a Bí-
blia ensina sobre consagração. Entretanto,
sem este caminho aberto à presença
imediata de Deus, nós não poderíamos
entrar na presença de Deus para adorar,
uma parte importante do serviço de cada
coração consagrado. O novo caminho,
pela morte de Cristo, nos encoraja a nos
aproximarmos de Deus com confiança

da dedicação do altar e do Templo.


* Revised Version, outra versão da Bíblia em inglês
(N. do E.)..
† Na versão AV em inglês (N. do E.).
A glória da Sua graça 563

tranquila, sabendo que a obra de Cristo


abriu aquele caminho “para nós” e nos
deu a posição que precisamos: “a inteira
certeza de fé … tendo os corações pu-
rificados da má consciência, e o corpo
lavado com água limpa” (Hb 10:22). Estes
privilégios que pertencem a cada pes-
soa salva eram o desejo, não cumprido,
de corações sinceros desde Moisés até
Cristo. Nosso gozo neles é um indicador
da condição da nossa alma. Quem é
consagrado ao Senhor conhecerá muito
da Sua presença. Terá muita comunhão
com Cristo e terá prazer em louvar Àque-
le que deu aos Seus a oportunidade de
viver “no tempo que vos resta na carne,
não … mais segundo as concupiscências
dos homens, mas segundo a vontade de
A glória da Sua graça 564

Deus” (I Pe 4:2).

Conclusão
A consagração realmente começou
com Deus: era o desejo do Seu coração
ter um povo capaz de ter comunhão com
Ele. Foi a obra de Cristo que nos comprou
para Deus, para que pudéssemos ser um
povo peculiar, um povo para Seu exclu-
sivo prazer. Como temos observado, so-
mos consagrados à vontade de Deus no
momento da conversão. Mas no sentido
prático, seus efeitos são vistos nas nossas
vidas somente quando fazemos o que
fizeram as igrejas da Macedônia — nos
damos a nós mesmos ao Senhor (II Co
A glória da Sua graça 565

8:5). Somente quando nos ocupamos em


serviço santo, ativo e abnegado ao Se-
nhor, é que poderemos verdadeiramente
cantar as palavras de Fanny Crosby:
“A seguir-Te aqui, me consagro eu,
Constrangido pelo amor.”

(H. e C. nº 311; H. M. W.)


Cap. 12 — O
pecado imperdoável
James R. Baker, Escócia

Encontramos este assunto em Ma-


teus 12, Marcos 3 e Lucas 12. Cada um
dos escritores sinópticos revela que foi
mencionado numa ocasião quando os ju-
deus em geral, e os seus líderes religiosos
e civis em particular, estavam se opondo
ao Senhor Jesus Cristo. A influência
pessoal e os ensinos de Cristo estavam
produzindo arrependimento, amor e tra-
balho devoto nos corações de alguns, ou
então provocando ódio em muitos outros
corações humanos. Estes assuntos, como
A glória da Sua graça 567

também o incidente todo, são descritos


mais abrangentemente no evangelho
escrito por Mateus, e assim trataremos
com ele em mais detalhe.

Mateus 12:22-37
O tema geral do evangelho de Ma-
teus é provar que Jesus é o Cristo, o
único e verdadeiro Messias de Israel. Este
evangelho está dividido numa série de
cinco partes na forma de panfleto, que
são precedidas por uma introdução e
concluídas por um epílogo. A ordem é
a seguinte:
A glória da Sua graça 568

1:1 a 4:11 A introdução apresenta a vida par-


ticular do Rei
4:12 a 26:1 Esta parte extensa de Mateus con-
tém os cinco livros que apresentam
a vida pública do Rei:
• 4:12 a 7:28 — A pregação do Rei;
• 8:1 a 11:1 — O poder do Rei;
• 11:1 a 13:53 — As parábolas do Rei;
• 13:54 a 19:1 — O propósito do Rei;
• 19:2 a 26:1 — As profecias do Rei.
26:2 – O epílogo apresenta a paixão e
28:20 presença do Rei

Devemos notar que cada um dos cin-


co livros tipo panfleto começa com uma
narrativa e termina com um discurso que
se encerra com as palavras: “E aconteceu
que, concluindo Jesus este discurso” (veja
7:28;11:1; 13:53; 19:1 e 26:1).

O cap. 12 é um dos pontos críticos no


A glória da Sua graça 569

relato de Mateus sobre a vida e ministério


de Jesus o Messias. Registra a Sua rejeição
pela nação, apesar dos muitos aspectos
de evidências inegáveis que tinham rece-
bido. Aqui Ele afirma a Sua superioridade
ao sistema sacerdotal do judaísmo: “Pois
eu vos digo que está aqui quem é maior
do que o templo” (Mt 12:5-6). Ele é tam-
bém maior do que o maior e mais sábio
rei da nação: “E eis que está aqui quem é
maior do que Salomão” (12:42). Também,
Ele é preeminentemente superior a toda a
habilidade e grandeza histórica profética
da nação: “Os ninivitas ressurgirão ao
juízo com esta geração, e a condenarão,
porque se arrependeram com a pregação
de Jonas. E eis que está aqui quem é
maior do que Jonas” (12:41).
A glória da Sua graça 570

O pecado imperdoável (12:22-37)


Esta parte, que contém o nosso as-
sunto, começa com a evidência específica
do poder de Cristo sobre poderes satâni-
cos. Depois de ter curado o homem com
a mão mirrada, Ele se afastou da atenção
dos fariseus, mas logo voltou a ser o cen-
tro de atração. O próximo caso trazido
a Ele foi de um endemoninhado cego e
mudo, e o milagre que seguiu provocou
reações distintas e variadas.

i) Para o homem endemoninhado


houve a cura imediata da possessão,
que resultou na sua capacidade de
falar e ver.

ii) Quanto ao povo, eles podiam discer-


A glória da Sua graça 571

nir que tal poder era uma evidência


clara de que Jesus era o Messias que
a nação esperava, pois “toda a multi-
dão se admirava e dizia: Não é este
o Filho de Davi?” (v. 23).

iii) É fácil ver por que os fariseus fica-


ram irados quando ouviram estas
palavras do povo. Seus corações
ímpios ficaram perturbados ao ouvir
o povo comum novamente reco-
nhecendo publicamente que Jesus
era o Messias. Entretanto, os fariseus
sabiam, nos seus corações, que algo
absolutamente milagroso tinha acon-
tecido naquele dia. O fato de atribuí-
rem o milagre aos poderes do mal do
mundo invisível deixa bem claro que
sabiam que o que acontecera naque-
A glória da Sua graça 572

le dia era uma obra além do poder do


homem mortal; só poderia ser Divino
ou satânico. Suas mentes obstinadas
recusaram reconhecer a divindade de
Jesus de Nazaré e, portanto, disse-
ram: “este não expulsa os demônios
senão por Belzebu, príncipe dos
demônios” (v. 24). Quanta blasfêmia
contra Cristo! Eles estavam atribuin-
do a Satanás o poder que tinha sido
demonstrado pelo Filho de Deus; e,
muito pior ainda, estavam em efeito
dizendo que, longe de ser o Messias
da nação, nosso Senhor Jesus Cristo
era um mero homem sob o poder e
controle de Satanás. Vindo dos assim
chamados “líderes espirituais”, isto era
realmente pecado. Foi o pecado de
A glória da Sua graça 573

rejeição, já mencionado.

A resposta de Cristo é muito ins-


trutiva. Suas palavras revelam que a
Onisciência, um atributo divino, estava
nEle: “Jesus, porém, conhecendo os seus
pensamentos, disse-lhes …” (v. 25). Ele
sabia de tudo que tinham falado, e até
mesmo o que estava em suas mentes.
Ele também sabia que o propósito Divino
estava sendo cumprido em todas estas
circunstâncias, e que a Sua rejeição pela
nação de Israel seria usada para trazer
bênção aos gentios, como também a
Israel (veja vs. 18, 21). Suas palavras de
repreensão aos fariseus foram muito im-
portantes: “Todo o reino dividido contra
si mesmo é devastado” (v. 25). Aqui o
Senhor estava mostrando que os reinos
A glória da Sua graça 574

deste mundo geralmente não agem con-


tra seus próprios interesses nacionais, e
Satanás certamente nunca usaria os po-
deres do mal da sua administração para
agir contra seus próprios demônios. Isto
seria um divisor no seu reino mau, e deixa
claro a tolice destas suas acusações. De
fato, o Senhor está dizendo que, se fosse
assim, Satanás estaria expulsando Satanás
e, portanto, agindo contra si mesmo, para
destruir o seu próprio reino (v. 26).

Além disso, Ele os lembrou dos “vos-


sos filhos” (v. 27). Isso, sem dúvida, se
refere àqueles judeus que ao invocar o
nome do Deus Altíssimo, às vezes tinham
expulsado demônios. Esta atividade tinha
sido, e estava sendo exercitada dentro da
nação judaica. Lemos de João dizendo
A glória da Sua graça 575

ao Senhor Jesus: “Mestre, vimos um que


em teu nome expulsava demônios, o qual
não nos segue …” (Mc 9:38), e novamente
o Senhor Jesus disse: “Muitos me dirão
naquele dia: Senhor, Senhor, não profeti-
zamos nós em teu nome? E em teu nome
não expulsamos demônios?” (Mt 7:22).
Mais tarde lemos em Atos 19:13: “E alguns
dos exorcistas judeus ambulantes tenta-
vam invocar o nome do Senhor sobre os
que tinham espíritos malignos”. Nestes
casos, o Senhor não os proibiu, e parece
que também estavam livres da censura
dos líderes judaicos. Assim, o Senhor está
dizendo, aqui: “E se eu expulso os demô-
nios por Belzebu, por quem os expulsam
então os vossos filhos?” (v. 27) O Senhor
está, novamente, chamando atenção à
A glória da Sua graça 576

incoerência deles. Eles nunca tinham


acusado seu próprio povo como estavam
acusando o Senhor. Este argumento é ex-
tenso, mas é muito importante ao nosso
assunto ao chegarmos mais perto da sua
conclusão. Tendo exposto a fraqueza e
a inexatidão das suas reivindicações, o
Senhor Jesus agora começa a aplicar a
verdade que vem surgindo.

O reino de Deus foi revelado


“Mas, se eu expulso os demônios …
logo é chegado a vós o reino de Deus”
(v. 28). Houve evidência clara de que o
Messias, o Rei, estava no seu meio. Todo o
ministério no livro de Mateus conduzia a
este ponto, mas aqueles líderes religiosos
A glória da Sua graça 577

estavam rejeitando-O, apesar da verdade


das Suas reivindicações. Na vida de Cristo
eles estavam observando as condições
exatas que haviam sido profetizadas
sobre as características do reino. Ante-
riormente, João Batista, quando preso,
tinha enviado seus discípulos a Cristo
com a pergunta: “És tu aquele que havia
de vir, ou esperamos outro?” (Mt 11:2-6).
Realmente, ele estava perguntando: És tu
o prometido Messias de Israel? À primeira
vista, parece estranho que o Senhor não
lhe deu uma resposta direta, positiva ou
negativa; mas a resposta que Ele deu foi
muito clara, quando considerada à luz do
Velho Testamento. Foi: “Ide, e anunciai
a João as coisas que ouvis e vedes: os
cegos vêem, e os coxos andam, os le-
A glória da Sua graça 578

prosos são limpos, e os surdos ouvem; os


mortos são ressuscitados, e aos pobres é
anunciado o evangelho”. João bem sabia
que as profecias do Velho Testamento
continham promessas de que tais coisas
acompanhariam o ministério do Mes-
sias prometido (Is 35:5-6). Assim, aqui,
Ele estava revelando aos fariseus que o
poder que Ele acabara de demonstrar
sobre os espíritos maus que habitavam
no homem, era prova suficiente de que
o Reino de Deus verdadeiramente tinha
chegado a eles.

O reino seria caracterizado pelo


poder do Espírito Santo
“Mas, se eu expulso os demônios pelo
A glória da Sua graça 579

Espírito de Deus … é chegado o reino de


Deus” (v. 28). Eles ainda pensavam que
estavam tratando com um mero homem.
É neste ponto que o Espírito Santo é intro-
duzido no trecho. As obras do Senhor não
foram feitas pelo poder de Satanás; antes,
foram exercitadas no poder do Divino
Espírito Santo de Deus. Qualquer judeu
que conhecia as Escrituras do Velho Tes-
tamento saberia que, desde o princípio, o
Espírito Santo tinha sido revelado como
o poder ativo da Divindade (Gn 1:2). Eles
sabiam também que havia passagens que
ensinavam que a presença e o poder do
Espírito Santo identificariam Aquele que
viria (Is 11:1-2). Assim, havia evidência
de que a Divindade estava operando na
Nação, no poder do Espírito Santo.
A glória da Sua graça 580

O reino revelaria a
derrota de Satanás
“Ou, como pode alguém entrar em
casa do homem valente, e furtar os seus
bens, se primeiro não maniatar o valente,
saqueando então a sua casa?” (v. 29). O
Senhor Jesus já tinha encontrado Sata-
nás no deserto e provado que Ele era o
grande Vencedor sobre sua tentação e
poder. Além disso, os muitos milagres
realizados por Ele tinham provado Sua
habilidade sobre Satanás ao “furtar seus
bens”. Por ocasião da Tentação, o Senhor
foi conduzido ao deserto pelo Espírito
Santo, e quando a tentação terminou, Ele
voltou no poder do Espírito Santo. Estes
A glória da Sua graça 581

fatos todos enfatizam a importância do


poder do Espírito Santo na vida, minis-
tério e milagres feitos pelo nosso Senhor
Jesus Cristo.

O reino não estaria


livre de oposição
“Quem não é comigo é contra mim, e
quem comigo não ajunta, espalha” (v. 30).
O Senhor está dando uma advertência
solene àqueles que se opunham a Ele.
Toda a evidência tinha sido rejeitada; eles
eram contra Cristo. Aqui, novamente, te-
mos que enfatizar que esta oposição não
era somente contra o próprio Cristo, mas
contra os atos que Ele tinha operado no
poder e pela unção do Espírito Santo de
A glória da Sua graça 582

Deus. Na linguagem do v. 30, eles certa-


mente não ajuntavam, mas espalhavam.
Assim, a base estava sendo lançada para
o assunto da blasfêmia, na mui solene
afirmação que segue.

Uma afirmação geral sobre


o perdão dos pecados
“Portanto, eu vos digo: todo o peca-
do e blasfêmia se perdoará aos homens”
(12:31).Vemos aqui a grandeza do perdão
de Deus. Apesar da profundidade da
iniquidade praticada pela humanidade,
existe provisão para todos serem perdoa-
dos. A pregação do Evangelho do Novo
Testamento oferece perdão a todos, ba-
seado em arrependimento para com Deus
A glória da Sua graça 583

e fé em nosso Senhor Jesus Cristo. Estes


fatos são importantes à luz do assunto
considerado.

Muitos dos não salvos têm sido


confundidos pelo ensino que diz que há
aqueles que não podem ser perdoados
porque cometeram o pecado imperdoá-
vel. Isso não é verdade, como veremos.
E vemos, aqui, algo das diferentes formas
de culpa que podem ser descritas. Blasfê-
mia se refere à profanação e impiedade
expressa pela boca de homens ímpios.
Quão grande a graça do nosso Deus, que,
sendo intrinsecamente santo, perdoa tais
atos e palavras depravadas.
A glória da Sua graça 584

A blasfêmia contra o
Filho do Homem
Devemos considerar as seguintes
palavras: “se qualquer disser alguma pa-
lavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á
perdoado; mas, se alguém falar contra
o Espírito Santo, não lhe será perdoado,
nem neste século nem no futuro” (12:32).
Embora o apóstolo Paulo fosse um judeu
piedoso antes da sua conversão, ele se
chama de “blasfemo, perseguidor e inju-
rioso” (I Tm 1:13). Na sua ignorância ele
tinha falado e agido perversamente e sem
reverência, em relação a Jesus de Nazaré,
o Filho do Homem. Isso era semelhante
ao pecado de ignorância, mencionado
A glória da Sua graça 585

nos primeiros capítulos de Levítico, e este


pecado podia ser perdoado. Este era o
pecado contra o Filho do Homem, men-
cionado aqui em Mateus 12:32, e Paulo
certamente tinha cometido este pecado,
porém mais tarde ele escreveu: “alcancei
misericórdia, porque o fiz ignorantemen-
te, na incredulidade” (I Tm 1:13).

A blasfêmia contra o
Espírito Santo
Tendo falado sobre estes pecados de
ignorância, o Senhor volta ao assunto do
Pecado Imperdoável. Obviamente, este
não poderia ser um pecado de ignorân-
cia; já vimos que ele é atribuído a pes-
soas que receberam evidências claras e
A glória da Sua graça 586

indisputáveis. Este pecado não poderia ser


perdoado daqueles com quem o Senhor
falava naquele dia; também não poderia
ser perdoado “no futuro”. Os termos usa-
dos e o povo envolvido são extremamen-
te importantes na compreensão correta
deste assunto. A expressão “nos séculos
vindouros” (Ef 2:7) descreve a eternida-
de, mas “o mundo futuro” (Hb 2:5) é um
tempo específico no futuro; descreve o
período milenar vindouro.

Assim as palavras usadas pelo Senhor,


aqui, não deixam nenhuma dúvida: ao
falar impiamente e condenar as obras
e a pessoa do Espírito Santo, eles não
estavam somente blasfemando contra o
Espírito Santo de um modo geral. Cada
judeu bem instruído saberia que o Espí-
A glória da Sua graça 587

rito Santo é uma Pessoa Divina, e Ele era


assim conhecido no Velho Testamento.
Aqui, o Senhor fala da “blasfêmia contra
o Espírito Santo”. No contexto de Mateus
12 a blasfêmia era o que eles tinham fa-
lando sobre o poder da vida e milagres
do nosso Senhor Jesus Cristo. A eles,
todas as evidências anteriores tinham
sido apresentadas, e eles sabiam que Ele
tinha realizado milagres sobrenaturais;
eles sabiam que Ele não era um homem
qualquer, e no entanto eles atribuíam
tudo isto ao poder satânico. Estavam
realmente dizendo que nosso bendito Se-
nhor estava possuído e era controlado por
Satanás, e que Ele era, de fato, o Homem
do Pecado! Este é o significado de come-
ter o Pecado Imperdoável. Podemos ver,
A glória da Sua graça 588

então, que este pecado somente poderia


ser praticado enquanto o Senhor Jesus
estava aqui na Terra. Mas também poderá
ser cometido futuramente, no período do
milênio, quando o nosso Senhor Jesus
estará novamente na Terra, fisicamen-
te — o mundo futuro. No final daquele
dia futuro, aqueles que se revoltarem e
falarem contra Cristo e o Seu ministério
poderão, também, cometer o pecado para
o qual não há perdão.

O veredicto
A parte final da passagem (Mt 12:33-
37) revela ainda que a evidência tinha sido
dada e rejeitada pelos líderes religiosos,
os fariseus. A geração é má, a árvore é
A glória da Sua graça 589

corrupta e o homem mau tem tirado do


seu mau tesouro coisas más. Palavras
ociosas foram faladas e serão novamen-
te lembradas “no dia do juízo”, e serão
recompensadas com a condenação. Eis
aqui a resposta final à blasfêmia que es-
tava nos seus lábios.

Marcos 3:22-30
Esta passagem contém referências ao
Pecado Imperdoável, e quando a exami-
namos cuidadosamente, verificamos que
contém os mesmos elementos de verda-
de que já achamos na passagem paralela
no evangelho de Mateus. Geralmente é
aceito que este é o mesmo incidente que
A glória da Sua graça 590

vimos em Mateus. Começa com a visita


dos escribas que chegaram de Jerusalém.
Nos dias do Novo Testamento havia es-
cribas entre os fariseus e também entre
os saduceus, como lemos em Atos 23:9:
“levantando-se os escribas da parte dos
fariseus, contendiam, dizendo…”. Os escri-
bas desta passagem são aqueles fariseus
mencionados por Mateus. Assim, pouco
comentário é necessário. Devemos notar,
em confirmação, que a primeira parte de
Marcos 3 relata muito dos milagres que
tinham sido feitos, e os espíritos imundos
mencionados, sem dúvida, incluem o
caso específico mencionado em Mateus.
Marcos 3 termina da mesma maneira
que Mateus 12, e Marcos 4 começa
como Mateus 13. Assim, verificamos que
A glória da Sua graça 591

o argumento proferido sobre o Pecado


Imperdoável permanece incontestado
por Marcos.

Lucas 12:1-12
É mais difícil harmonizar cronologi-
camente o relato de Lucas sobre o tempo
quando estes versículos aconteceram. A
apresentação da vida de Cristo, por Lu-
cas, nem sempre segue uma ordem tão
estritamente cronológica como os outros
escritores sinópticos. Parece ter uma
abordagem moral e tópica. Leitores inte-
ressados nisto encontrarão informações
proveitosas no cap. 3 do livro According
to Luke por David Gooding.
A glória da Sua graça 592

Não é a nossa intenção tratar de


todos os 12 versículos desta passagem,
mas somente mostrar que o trecho co-
meça com as denúncias e advertências
do Senhor contra os fariseus. Aqui vemos
que o pano de fundo é semelhante à
nossa consideração anterior. Isso é con-
firmado ao notarmos como os versículos
que precedem se referem a falar contra
o Filho do homem e são seguidos pela
blasfêmia contra o Espírito Santo. Não
encontramos tantos detalhes aqui, mas a
mesma verdade permanece, e confirma a
importância do ministério e do poder do
Espírito Santo na vida do nosso Senhor
Jesus Cristo.
A glória da Sua graça 593

Conclusões
i) Pelo que estudamos, concluímos
que era possível cometer o Pecado
Imperdoável durante o tempo quan-
do nosso Senhor Jesus estava neste
mundo.

ii) O pecado era a Blasfêmia contra o


Espírito Santo.

iii) Esta Blasfêmia não era falar mal, de


um modo geral, do Espírito Santo.

iv) A Blasfêmia era específica, ao atribuir


os milagres e prodígios de Cristo aos
poderes satânicos, e em crer que o
Senhor Jesus era possesso por Sata-
nás.
A glória da Sua graça 594

v) A Blasfêmia foi cometida pelos líderes


religiosos da nação judaica.

vi) Este mesmo pecado poderá ser co-


metido, futuramente, quando Cristo
estiver novamente na Terra.

vii) Não é possível cometer este pecado


no presente dia da graça porque o
Senhor Jesus Cristo não está, fisica-
mente, na Terra agora.
Cap. 13 — O
castigo eterno
Samuel J. McBride, Irlanda do Norte

Introdução
Talvez não haja outra doutrina nas
Escrituras que tem produzido tanta oposi-
ção como o ensino de que o castigo eter-
no é o destino de todos os que deixam
este mundo sem a salvação. Não ficamos
surpreendidos quando vemos ateus e ag-
nósticos mostrando esta oposição, mas é
alarmante ver um aumento nos ataques
A glória da Sua graça 596

verbais de entre os assim chamados


evangélicos. O ataque moderno contra
esta doutrina fundamental não é novo,
mas recicla erros antigos e sofismas que
prevaleciam no século XIX. Naquele tem-
po o erro geralmente chamado “a espe-
rança maior” foi efetivamente combatido
por muitos escritores que reconheceram
o perigo de diluir o que o Espírito de Deus
fala sobre este assunto, e durante muitas
décadas as igrejas locais se beneficiaram
da herança escrita que foi deixada por
autores como F. W. Grant, Sir R. Anderson
e W. Hoste, cujas publicações sobre este
assunto merecem ser relidas.

Não é o propósito deste estudo falar


sobre as doutrinas falsas. O nosso alvo
é investigar algumas das Escrituras que
A glória da Sua graça 597

ratificam esta doutrina. Em livros teológi-


cos este assunto é chamado “Escatologia
Pessoal”, isto é, a doutrina das últimas
coisas que pertencem ao destino pessoal
— e não ao destino nacional.

Os erros sobre este assunto são mui-


to antigos. De fato, o primeiro propagador
foi o próprio Satanás quando, falando
com Eva, ele discordou de Deus e disse:
“Não morrerás”. A civilização antedilu-
viana era caracterizada por uma atitude
materialista para com Deus e as coisas
espirituais, e zombava das ideias de re-
compensa ou castigo futuro (Gn 4:19-24;
Jó 22:15-17). Mais tarde, no reino de Judá,
havia uma cultura hedonista reforçada
pelos pseudo-profetas que proclamavam
mensagens consoladoras falsas de paz e
A glória da Sua graça 598

imunidade contra castigo futuro (Jr 23:17,


38-40). Tais profetas são avisados da ver-
gonha e desgraça eterna que receberão,
semelhante aos avisos finais em Apoca-
lipse 22, sobre os que tiram palavras das
profecias de Juízo.

Os saduceus eram uma seita dos


judeus muito influente no tempo do
Novo Testamento, que rejeitavam com
veemência qualquer possibilidade de
ressurreição. Vamos considerar isto mais
tarde. Quando Paulo visitou Atenas em
Atos 17, ele encontrou pessoas gentias
intelectuais, algumas das quais conside-
ravam esta verdade sobre juízo futuro e
ressurreição um assunto de zombaria. “E,
como ouviram da ressurreição dos mor-
tos, uns escarneciam” (At 17:32).
A glória da Sua graça 599

Principais referências
no Velho Testamento
No Velho Testamento, o ensino sobre
morte e a vida depois da morte é eviden-
te, embora os detalhes não sejam muitos
nos primeiros livros. Não há dúvida que
os mortos ímpios não são simplesmente
aniquilados ou colocados em algum tipo
de “sono da alma”. Um juízo futuro os es-
pera, e até aquele tempo estão mantidos
numa prisão, às vezes chamado “a cova”,
que pertence ao Seol (a palavra do Velho
Testamento para descrever o destino das
almas depois da morte). Estas referências
à prisão, no Velho Testamento, devem ser
levadas a sério, como afirmações exatas,
A glória da Sua graça 600

porque esta linguagem é aprovada pelo


Novo Testamento.*

Há evidência suficiente de que os


salvos do Velho Testamento esperavam
uma ressurreição corporal, e enquanto
esperavam estariam num lugar de con-
forto onde teriam existência consciente
— não um sono da alma. As advertên-
cias divinas contra a prática proibida de
necromancia (Dt 18:9-12) apresentam
uma prova indireta, mas importante, de
que desde o começo de Israel havia uma
crença firme na existência consciente
contínua dos seres humanos depois da
morte. Aniquilação, ou sono da alma,
tornaria esta prática do oculto impossível,

* “Espíritos em prisão” são mencionados em I Pe


3:19.
A glória da Sua graça 601

e o triste exemplo da consulta do rei Saul


com a feiticeira de Endor (I Sm 28:7) é
uma prova impressionante da existência
consciente contínua das almas depois
da morte. Para os injustos, a condição
pós-morte — mesmo para um gentio
ímpio — era entendida como terrivelmen-
te diferente daquela dos justos, como a
exclamação de Balaão demonstra: “Que a
minha alma morra a morte dos justos, e
seja o meu fim como o seu” (Nm 23:10).
Esta exclamação seria desnecessária e
sem sentido se fosse meramente uma
referência à morte do corpo, que era
igualmente inevitável para o justo.

O cântico de Moisés faz uma ameaça


terrível de castigo futuro sobre a parte in-
crédula da nação de Israel, que é descrita
A glória da Sua graça 602

como “geração perversa, filhos em quem


não há lealdade”*. Parte do castigo é tem-
porário, mas é importante notar a referên-
cia ao fogo do inferno, que vai muito além
do alcance de retribuição meramente
terrena. “Porque um fogo se acendeu na
minha ira, e arderá até ao mais profundo
do inferno [seol]” (Dt 32:22). Esta é uma
das primeiras alusões à ideia de que no
Seol há divisão, e condições diferentes
para os mortos justos e ímpios.

A profecia de Isaías dá informações

* Dt 32:20. Compare as consequências do pecado


de incredulidade para os “tímidos e os incrédulos”
em Ap 21:8. Estas duas passagens são a primeira
e a última referência ao “fogo” como meio de
castigar os mortos ímpios. Também, em ambas
as passagens a incredulidade é uma característica
chave dos castigados.
A glória da Sua graça 603

interessantes sobre as condições dos ím-


pios depois da morte. O destino do rei da
Babilônia é revelado nas palavras solenes:
“O inferno desde o profundo se turbou
por ti, para te sair ao encontro na tua
vinda; despertou por ti os mortos … Estes
todos responderão, e te dirão: Tu também
adoeceste como nós, e foste semelhante
a nós?” (Is 14:9-10). A existência conscien-
te do indivíduo — sua capacidade para
lembrar e falar — são demonstradas nesta
passagem. Não podemos tentar escapar
das realidades terríveis desta e de outras
passagens semelhantes, dizendo que a
linguagem usada é hipérbole poética
para o sepulcro, pois esta passagem cla-
ramente exclui tal interpretação. “Porém
tu és lançado da sua sepultura, como um
A glória da Sua graça 604

renovo abominável … como um cadáver


pisado” (Is 14:19). Assim, aqueles versí-
culos anteriores sobre as condições no
Seol não podem ser somente uma figura
poética sobre o sepulcro, pois o rei da
Babilônia compartilha Seol com estes
outros, mesmo sem ser sepultado. Outra
passagem semelhante sobre a ruína de
Tiro declara: “Então te farei descer com
os que descem à cova, ao povo antigo, e
ti farei habitar nas mais baixas partes da
terra, em lugares desertos antigos, com
os que descem à cova” (Ez 26:20). Aqui
notamos que a cova já tem habitantes
desde tempos imemoráveis, antes de Eze-
quiel. Também é inaceitável considerar
que esta passagem seja meramente outra
referência ao sepulcro.
A glória da Sua graça 605

O castigo futuro é uma doutrina


explicitamente afirmada na seguinte
passagem, que combina exatamente com
os acontecimentos profetizados mais
detalhadamente em Apocalipse 20: “E
será naquele dia que o Senhor castigará
os exércitos do alto nas alturas, e os reis
da terra sobre a terra. E serão ajuntados
como presos num cárcere; e outra vez
serão castigados depois de muitos dias”
(Is 24:21-22).

Outra profecia sobre a ruína de um


futuro líder ímpio chamado “o rei” (consi-
derado corretamente como uma profecia
sobre a ruína do Anticristo) nos diz: “Por-
que Tofete já há muito está preparada;
sim, está preparada para o rei; ele a fez
profunda e larga; a sua pira é de fogo, e
A glória da Sua graça 606

tem muita lenha; o assopro do Senhor


como torrente de enxofre a acenderá” (Is
30:33)*. Esta é a primeira referência ao
que, no Novo Testamento, é conhecido
como o “Lago de Fogo”.

Estas três referências proféticas em


Isaías 14, 24 e 30 tratam de líderes ím-
pios futuros. Mas, e o futuro de pessoas
comuns? O destino daqueles que seguem
líderes ímpios não é diferente. A lamen-
tação futura da maioria ímpia em Israel
também é distintamente profetizada. Isso
trata do tempo tempestuoso quando a
aliança feita entre Israel e o Anticristo se
mostrará falsa, e um refúgio fútil de men-

* Veja as Lectures on Isaiah de W. Kelly, in loco.


A glória da Sua graça 607

tira*. “Os pecadores de Sião se assombra-


ram, o tremor surpreendeu os hipócritas.
Quem dentre nós habitará com o fogo
consumidor? Quem dentre nós habitará
com as labaredas eternas?” (Is 33:14).

Antigamente, os pregadores do Evan-


gelho aplicavam este versículo, e outros
semelhantes, com grande efeito. O versí-
culo avisa que não haverá escape e que
o fogo é eterno — algo que só de pen-
sar é amedrontador. Destas passagens,
vemos que os seguidores do Anticristo
compartilharão neste seu destino terrível
para sempre, um fato que é repetido mais

* Compare Is 28:15-18 com 33:7-14. A ruína amea-


çada para os hipócritas é vista novamente nas
condições no Geena, descritas pelo Senhor Jesus
em Mt 24:51.
A glória da Sua graça 608

explicitamente no Novo Testamento*.

A última passagem do Velho Testa-


mento a ser considerada é Daniel 12:1-3.
Aqui temos uma explicação das mais
claras possíveis sobre o futuro dos justos
e dos ímpios. Ambos experimentam a
ressurreição corporal, e ambos entram
numa condição eterna. Enquanto os jus-
tos têm vida eterna, para os ímpios haverá
vergonha e desprezo eterno. O “desprezo
eterno” (“horror eterno”, ARA) refere-se à
condição repugnante dos ímpios eter-
namente, e é a mesma palavra traduzida
“horror” em Isaías 66:26 — de fato, Daniel
12:3 provavelmente é uma alusão direta.
A irreversibilidade desta terrível ruína nos

* Mt 25:46; II Ts 2:10-12; Ap 20.


A glória da Sua graça 609

lembra que a condição do indivíduo é


permanente. “Quem é injusto, faça injusti-
ça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda”
(Ap 22:11). No estado eterno não haverá
melhora nem transformação.

Principais palavra
bíblicas relacionadas
ao inferno
Deixando o Velho Testamento vamos
agora considerar as palavras principais
usadas no Novo Testamento sobre o
destino de pessoas não salvas depois da
sua morte.
A glória da Sua graça 610

Seol
Seol é a palavra principal do Velho
Testamento. Na tradução grega do Velho
Testamento, a Septuaginta (LXX), Seol
não é traduzida “sepulcro”, e também a
palavra hebraica para “sepulcro” não é
traduzida Hades*. Para chegar a Seol é
preciso descer†. Era o destino comum de
todos os mortos. Entretanto, há indícios
de que no Seol havia diversidade nas
condições dos justos e dos ímpios mor-
tos. O fogo da ira de Deus é ligado com
o mais profundo Seol (Dt 32:22). Os justos

* Morey, R. Death and the Afterlife (cap. 3), 1984,


Bethany House Publishers.
† Coré, e outros, desceram vivos ao Seol. Nm 16:33
e Jd 11 usam a palavra “pereceram” para descrever
este destino.
A glória da Sua graça 611

e os ímpios são vistos como totalmente


distintos na ressurreição, em Daniel 12:2,
pressupondo fortemente que se o destino
eterno é caracterizado por uma tão gran-
de distinção, também haveria certamente
uma distinção semelhante no estado
intermediário (Seol). Esta distinção é re-
velada em Isaías 57: onde, em relação à
morte do justo, aprendemos que “entrará
em paz; descansarão nas suas camas, os
que houverem andado na sua retidão” (v.
2). Não será assim para os ímpios, pois o
mesmo capítulo nos informa: “não há paz
para os ímpios, diz meu Deus” (v. 21). Inti-
mamente ligado com Seol está a palavra
“destruição” (Abaddon), que é uma palavra
tão importante que é repetida tanto no
hebraico como no grego em Apocalipse
A glória da Sua graça 612

9:11, onde é usada para personificar o


anjo do poço do abismo. Também em
Jó 31:12 está associada com fogo que
consome até à perdição*. Não podemos
dar aqui mais detalhes sobre as diferenças
entre os justos e os ímpios no Seol.

Hades
Hades é a palavra grega usada na tra-
dução Septuaginta para Seol, e é a palavra
do Novo Testamento que é geralmente
traduzida “inferno”. Hades é o lugar onde
o rico em Lucas 16 se encontrava depois
da sua morte, e os pecadores ficam ali

* Este fogo punitivo que queima até a destruição


(Abbadon) é algo além do castigo do processo
judicial terrestre descrito no versículo anterior (Jó
31:11).
A glória da Sua graça 613

até que a morte e o inferno (hades) se-


rão finalmente lançados para dentro do
lago de fogo, depois do juízo do Grande
Trono Branco em Apocalipse 20 — um
novo e permanente estado eterno cha-
mado a Segunda Morte. Assim, Hades
é a habitação dos perdidos no “estado
intermediário”.

Geena e o Lago de Fogo


A palavra Geena é outra palavra
para inferno, e ocorre 12 vezes no Novo
Testamento. Fora da referência em Tiago
3:6, é somente usada pelo Próprio Senhor
Jesus Cristo em Mateus, Marcos e Lucas.
É a tradução grega de uma forma abre-
viada do nome hebraico “Vale de Hinom”.
A glória da Sua graça 614

O vale dos filhos de Hinom (também


chamado Tofete) ficava nos arrabaldes
da antiga Jerusalém, e se tornou notório
como centro de idolatria depravada e de
sacrifícios humanos a Moloque (veja Jr
7:31), inicialmente sob o reinado do mau
rei Acaz, até que aquelas cerimônias vis
foram eliminadas por Josias. “Também
profanou a Tofete, que está no vale dos
filhos de Hinom, para que ninguém fizes-
se passar seu filho, ou sua filha, pelo fogo
a Moloque” (II Rs 23:10). Depois disto, a
ideia de contaminação e fogo sempre
estava associada com aquele lugar que
se tornou o lixão municipal de Jerusalém.
Entretanto, a palavra Geena nunca foi
usada como um endereço ou uma loca-
lização em Jerusalém. Sempre se referia
A glória da Sua graça 615

ao destino final dos ímpios. Pelo que o


Senhor Jesus Cristo falou sobre ele, os
ímpios vão para lá depois do juízo final
(Mt 23:33). Tanto o corpo como a alma
vão para lá — diferentemente do Hades,
e assim os ímpios mortos serão ressusci-
tados antes de irem ao Geena (Mt 10:28
e Mc 9:42-49).

As condições no Geena são terríveis


e assustadoras. “Onde o seu bicho não
morre, e o fogo nunca apaga” é a descri-
ção do tormento que sofrerão. O horror
é aumentado pela sua continuidade. Aqui
vemos castigo irremediável. O Lago de
Fogo mencionado em Apocalipse é o
mesmo Geena, o destino final dos perdi-
dos. A Besta e o Falso Profeta serão lan-
çados vivos neste lugar depois da batalha
A glória da Sua graça 616

final da Tribulação (Ap 19:20). Depois de


terminar o reino milenar de Cristo na
Terra, e depois da grande rebelião de
Gogue e Magogue ser esmagada, o Diabo
será “lançado no lago de fogo e enxofre,
onde está a besta e o falso profeta; e de
dia e de noite serão atormentados para
todo o sempre” (Ap 20:10). Por mais de
mil anos a besta e o falso profeta sofrem
o tormento do lago de fogo, antes de
Satanás ser lançado ali. Este é um exem-
plo impressionante da preservação dos
mortos ímpios nas condições do Lago
de Fogo. Foi dito, e com razão, que se
Deus preservou Sadraque e seus amigos
no fogo da fornalha na Babilônia, então
Ele pode também preservar estes dois
homens ímpios no fogo. As palavras “cada
A glória da Sua graça 617

um será salgado com fogo” (Mc 9:49),


parecem se referir a esta preservação no
fogo eterno*.

Os adoradores da Besta também


estão destinados ao mesmo castigo: “Se
alguém adorar a besta … também este
beberá do vinho da ira de Deus … e será
atormentado com fogo e enxofre diante
dos santos anjos e diante do Cordeiro. E a
fumaça do seu tormento sobe para todo
o sempre; e não tem repouso nem de
dia nem de noite os que adoram a besta
e a sua imagem, e aquele que receber o
sinal do seu nome” (Ap 14:9-11). Todos os
mortos não salvos comparecerão perante

* Hoste, W. Beyond the Grave. Em The Collected


Writings of William Hoste, Vol 2, Profetic. J Ritchie
Ltd,1999.
A glória da Sua graça 618

o Grande Trono Branco (Ap 20:11-15) para


receber um julgamento pessoal. A coisa
que todos têm em comum e que deter-
mina a sua ruína é que seus nomes não
são achados escritos no livro da vida do
Cordeiro. Assim, são lançados no Lago
de Fogo. O terrível caráter final disto é
selado pelo pronunciamento: “E a morte
e o inferno foram lançados no lago de
fogo. Esta é a segunda morte” (Ap 20:14).

Os que pregam que todos serão


salvos (universalistas), os que pregam a
aniquilação, e outros falsos ensinadores,
recusam aceitar a duração eterna e o
caráter final deste destino dos ímpios.
Eles procuram forçar as palavras “eterno”
ou “para sempre” a ter um significado
temporário. Eles lutam para fazer as pa-
A glória da Sua graça 619

lavras “destruir”, “destruição” ou “perecer”


significar a cessação da existência. Tudo
isso demonstra uma rebelião fundamental
em aceitar as palavras do Senhor Jesus
como sendo verdadeiras e reais, e torna
os tais aptos a receberem as advertências
solenes de Apocalipse contra aqueles que
procuram “tirar quaisquer palavras do livro
desta profecia” (Ap 22:19). Não há espaço
aqui para mostrar quão fútil e fraudulenta
são estas manobras. As excelentes obras
de Sir R. Anderson e W. Hoste devem ser
consultadas para obter mais detalhes.*

* Hoste, W. Beyond the Grave. Em The Collected


Writings of William Hoste, Vol 2, Profetic. J Ritchie
Ltd,1999.
Anderson, Sir R. Human Destiny. Em Assembly
Writer´s Library, Gospel Tract Publications.
A glória da Sua graça 620

Outra referência a Geena é “as tre-


vas exteriores” mencionadas em Mateus
8:12; 22:13; 25:30. Nestas três referências
segue a expressão “ali haverá pranto e
ranger de dentes”. Estas são as mesmas
trevas mencionadas por Pedro e Judas
em II Pedro 2:17 e Judas v. 13. Enfatiza
o horror de ser totalmente cortado das
bênçãos de Deus. O sinônimo de Geena
em Mateus 13:42, 50 é “fornalha de fogo”.
“Assim será na consumação dos séculos,
virão os anjos, e separarão os maus de
entre os justos, e lançá-los-ão na forna-
lha de fogo; ali haverá pranto e ranger
de dentes” (vs. 49-50). Esta separação
dos ímpios de entre os justos é descrita
detalhadamente na profecia do Senhor
sobre o julgamento das nações vivas (Mt
A glória da Sua graça 621

25:31-46). Parece que naquele juízo os


ímpios serão lançados diretamente no
Geena. A expressão é muito solene: “E
irão estes para o tormento eterno” (Mt
25:46). Parece indicar um recuo infinito
a uma distância ainda maior de Deus e
todas as bênçãos do Céu. As várias refe-
rências ao “choro e ranger de dentes” nos
relembram da tristeza e dor associadas
com Geena. Contudo, os acusadores de
Estevão que “rangiam seus dentes contra
ele” faziam isto como sinal de grande ira,
e isto sugere que haverá também muita
ira, especialmente daqueles que queriam
gozar das bênçãos do reino, mas foram
lançados fora.
A glória da Sua graça 622

O estado intermediário
A expressão “o estado intermediá-
rio” é usada para descrever a condição
da alma depois da morte, mas antes da
ressurreição. Quando alguém morre a
palavra “sono” é usada, mas isso somente
se refere ao corpo. A alma não dorme,
apesar dos esforços de muitos falsos
ensinadores para provar esta opinião
enganosa. A existência consciente entre
a morte e a ressurreição é ensinada tanto
no Velho como no Novo Testamentos,
como vimos nos vários textos já citados.
A passagem que mais revela o estado
intermediário é Lucas 16. O testemunho
da epístola de Judas também é muito
A glória da Sua graça 623

importante. Temos informações sobre o


fim daqueles que perseguiam os salvos
a quem Judas escreveu, e contra quem
eles deveriam combater severamente.
“Porque se introduziram alguns, que já
antes estavam escritos para este mesmo
juízo, homens ímpios que convertem em
dissolução a graça de Deus, e negam a
Deus, único dominador e Senhor nosso,
Jesus Cristo” (Jd 4). A sua condenação é
explicada no restante da epístola, quando
exemplos sucessivos do castigo de Deus
sobre os ímpios, no Velho Testamento,
são mencionados. É importante notar que
no primeiro grupo de três exemplos, há
um aspecto eterno desta “condenação”
em dois destes casos: “E os anjos que não
guardaram o seu principado, mas deixa-
A glória da Sua graça 624

ram a sua própria habitação, reservou na


escuridão e em prisões eternas até o juízo
daquele grande dia. Assim como Sodoma
e Gomorra, e as cidades circunvizinhas,
havendo-se entregue à fornicação como
aqueles, e ido após outra carne, foram
postas por exemplo, sofrendo a pena do
fogo eterno” (vs. 6-7). Os versículos que
seguem dão mais características destes
indivíduos perigosos, “para os quais está
eternamente reservada a negrura das
trevas” (v. 13).

A profecia de Enoque mostra que o


patriarca antediluviano recebeu uma re-
velação especial sobre o “juízo do grande
dia”. Ele entendeu que o Senhor viria “com
milhares de seus santos, para fazer juízo
contra todos e condenar dentre eles to-
A glória da Sua graça 625

dos os ímpios, por todas as suas obras de


impiedade, que impiamente cometeram,
e por todas as duras palavras que ímpios
pecadores disseram contra ele” (v. 15).
Isso não pode simplesmente se referir
aos pecadores futuros que estarão vivos
na Terra por ocasião da vinda do Senhor.
Todos os pecadores através das eras que
têm cometido atos ímpios e falado pala-
vras duras, não somente serão julgados,
mas serão condenados (convencidos)
nesta ocasião (compare Fp 2:10: “se do-
bre todo joelho … e toda língua confesse
que Jesus Cristo é o Senhor …”). Assim,
segue que a profecia de Enoque pressu-
põe a existência contínua de pecadores
até este tempo de juízo. Deus executará
juízo sobre “todos”, e a morte não será
A glória da Sua graça 626

obstáculo para isso.

Pedro nos diz que o Senhor sabe


“livrar da tentação os piedosos, e reservar
os injustos para o dia do juízo, para serem
castigados” (II Pe 2:9). A frase “para serem
castigados” está no tempo presente*.
Significa que agora mesmo, durante todo
o período do estado intermediário até o
dia do juízo, os injustos estão recebendo
o castigo divino contínuo.

O ensino do Senhor
Jesus Cristo
O ensino do Senhor Jesus Cristo

* No texto grego (N. do E.).


A glória da Sua graça 627

sobre este assunto com certeza é de


máxima importância, e a mais elevada
autoridade para todos que confessam
ser cristãos. Não acharemos nada nos
quatro evangelhos para ajudar aqueles
que negam o castigo eterno. Algumas das
palavras mais pesadas usadas sobre este
assunto foram proferidas pelo Senhor. O
próprio título deste capítulo, “O castigo
eterno”, vem das palavras do Senhor, no
final do Seu discurso no Monte das Oli-
veiras: “E irão estes para o castigo eterno”
(Mt 25:46, ARA). A narrativa do homem
rico e Lázaro nos dá um vislumbre sin-
gular do estado depois da morte. Muitos
dizem que este relato é uma parábola, e
assim procuram esquivar-se da sua força.
Outros, com mais sutileza, afirmam que
A glória da Sua graça 628

“a linguagem é parabólica” — sem ofere-


cer uma definição do que querem dizer
com isto. Para todos que são suficien-
temente simples para aceitar que todas
as parábolas do Senhor são identificadas
como parábolas, basta observar que não
há nada em Lucas 16 para indicar que a
narrativa não seja uma narrativa solene
de fatos. Além disso, devemos ter a hu-
mildade de aceitar que o Senhor Jesus
quer dizer exatamente o que Ele diz.
Perguntas racionalistas do tipo “que tipo
de água os espíritos bebem?”, alimentam
um espírito de ceticismo, e não de fé.
Deveríamos ser profundamente gratos
que o próprio Senhor nos deu esta in-
formação, e procurar com a obediência
da fé assimilar o que foi revelado na Sua
A glória da Sua graça 629

santa Palavra. Quando encontramos este


tipo de curiosidade humana desnecessá-
ria, é instrutivo lembrar da pergunta dos
saduceus sobre a ressurreição. O Senhor
Jesus não respondeu diretamente à sua
pergunta, mas lhes disse: “Errais, não
conhecendo as Escrituras, nem o poder
de Deus” (Mt 22:29; Mc 12:24). É muito
solene o que o Senhor acrescentou. Ele
apresenta provas da existência continua e
da futura ressurreição de pessoas mortas
há muito tempo, citando a experiência de
Moisés perante a sarça ardente. A auto-
-revelação de Deus para Moisés como o
Deus de Abraão e Isaque e Jacó é expli-
cada pelo fato que “Deus não é o Deus
dos mortos, mas dos vivos, porque para
A glória da Sua graça 630

ele vivem todos” (Lc 20:38)*. É surpreen-


dente que o Senhor usou este incidente
para refutar a doutrina dos saduceus.
Quando Moisés viu a sarça ardente ele
tremeu. Por que foi isto uma “grande
visão” para ele? A coisa surpreendente
e alarmante foi que esta planta comum
estava ardendo e continuava a queimar
sem ser consumida. Era tão diferente do
que normalmente acontecia. “O crepitar
dos espinhos debaixo de uma panela” (Ec
7:6) sugere um surto repentino de fogo
e depois algumas poucas brasas, nada
mais. Era isto que se esperava. Mas Moi-
sés, sendo um homem espiritualmente

* Note que a palavra “vivem” está no tempo pre-


sente, não somente futuro (“viverão”). Isso tira a
possibilidade da “Imortalidade Condicional” e do
“sono da alma”.
A glória da Sua graça 631

sintonizado e também, provavelmente,


o mais sábio da sua geração quanto à
ciência e cultura humana (At 7:22), ficou
admirado ao ver que esta planta podia
violar todas as leis da química, biologia
e física ao não ser consumida pelo fogo.
Como pode este fenômeno ser explicado?
A resposta está no poder de Deus. Este era
o grande fato que os saduceus proposital-
mente ignoravam. A menção específica,
pelo Senhor, da sarça ardente serviria para
lembrar Seus ouvintes judeus, e os outros
céticos que viriam depois, que o Deus
que demonstrou Seu poder maravilhoso
na preservação da sarça ardente no de-
serto, pode facilmente resolver o enigma
de como o fogo do Geena e do Lago
de Fogo pode queimar os perdidos para
A glória da Sua graça 632

sempre, sem que eles sejam aniquilados.

Não é de admirar que o apóstolo


Paulo perdesse a paciência com aqueles
que sofismavam sobre a realidade da
ressurreição futura e fizesse a pergunta:
“Como ressuscitarão os mortos? E com
que corpo virão?” (I Co 15:35). Ele os
repreende severamente: “Insensatos!” (v.
36), é como ele começa sua resposta.
Quanto à maneira como uma pessoa
pode sentir sensações físicas sem ter
corpo (que é o argumento principal dos
céticos e racionalistas) não achamos ne-
cessário explicar, mas apontamos ao fato
que o apóstolo Paulo, quando foi arreba-
tado para o terceiro céu, teve experiências
para as quais, normalmente, o corpo é
necessário. No entanto, ele era incapaz
A glória da Sua graça 633

de afirmar se de fato estava no corpo


ou fora do corpo (II Co 12:1-5). Assim,
obviamente, Paulo não tinha dificulda-
de nenhuma em crer que experiências
sensoriais são absolutamente possíveis,
mesmo na ausência do corpo. Isto deve
resolver o assunto para qualquer um que
sinceramente crê na Bíblia.

Os seguintes fatos são evidentes na


narrativa do rico e Lázaro. Tanto os justos
como os ímpios (salvos e perdidos) estão
conscientes depois da sua morte. Os
salvos são consolados e os perdidos são
atormentados. O destino é irreversível,
transferências são impossíveis. Fogo (“esta
chama”) é um instrumento de tormento.
Não há alívio deste tormento, mesmo
quando buscado de modo comovente.
A glória da Sua graça 634

Apesar do “grande abismo”, é possível fa-


lar através dele. A memória é preservada
quanto às pessoas vivas na Terra (seus
irmãos) e quanto aos mortos (Lázaro).
Quando a importância das Escrituras foi
mencionada, o rico nega a suficiência
e supremacia da Palavra de Deus para
a conversão dos seus irmãos: “E disse
ele: Não, pai Abraão” (v. 30). Isso ilustra
como os pensamentos errados dos pe-
cadores perdidos sobre as coisas divinas
continuam mesmo depois da morte. Mu-
dança de pensamento (arrependimento)
não ocorre na habitação dos perdidos.
Se, por acaso, o leitor ainda não é salvo,
que estas considerações possam o levar
a crer na Palavra de Deus agora, acerca
do único remédio para seu pecado e sua
A glória da Sua graça 635

penalidade. Não há escape para qualquer


um que negligencia tão grande salvação
— veja Hebreus 2:1-4.

O juízo e o
castigo eterno
As passagens já consideradas mos-
tram que há um vínculo muito íntimo
entre o destino dos ímpios e o juízo de
Deus. O juízo de Deus é um assunto
grande demais para ser tratado detalhada-
mente aqui. Deus é absolutamente justo e
não temos a liberdade de intrometer nos-
sa curiosidade vã neste assunto. “Não fará
justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18:25).
O pecador não terá nada a dizer em sua
A glória da Sua graça 636

própria defesa. Ele confessará que reco-


nhece perfeitamente que Deus está certo
e que Jesus Cristo é o Senhor. O livro de
Eclesiastes termina com a afirmação que
“Deus há de trazer a juízo toda a obra, e
até tudo o que está encoberto, quer seja
bom, quer seja mau” (Ec 12:14). Paulo,
falando no contexto da culpa imperdoável
dos gentios, fala do dia quando “Deus há
de julgar os segredos dos homens, por
Jesus Cristo, segundo o meu evangelho”
(Rm 2:16), que, provavelmente, é uma
alusão a Eclesiastes 12:14. Paulo falou
sobre “o juízo vindouro” com Félix, um
oficial romano endurecido que tremeu
perante ele (At 24:25). Ele avisou a elite
ateniense do fato que Deus tem “deter-
minado um dia em que com justiça há
A glória da Sua graça 637

de julgar o mundo, por meio do homem


que destinou …” (At 17:31).

Ligações com
outras doutrinas
Muitas outras doutrinas bíblicas são
prejudicadas pelo erro associado com a
doutrina do castigo eterno. E. W. Rogers
mostrou os problemas que aqueles que
rejeitam o castigo eterno têm que encarar
em relação à doutrina da Pessoa do Se-
nhor Jesus Cristo. “Perguntamos aos que
propagam aniquilação: nosso Senhor Je-
sus foi aniquilado quando morreu? Ele era
verdadeiramente homem. Perguntamos
ao Universalista: Se todos os homens, no
A glória da Sua graça 638

final, serão salvos, por que Cristo morreu?


O que fez a Sua morte absolutamente
necessária?”*

O valor infinito da propiciação é refu-


tado quando a doutrina do castigo eterno
é negada. “Já não resta mais sacrifício
pelos pecados, mas certa expectação hor-
rível de juízo, e ardor de fogo, que há de
devorar os adversários … De quanto maior
castigo cuidais vós será julgado mere-
cedor aquele que pisar o Filho de Deus,
e tiver por profano o sangue da aliança,
com que foi santificado, e fizer agravo ao
Espírito da graça?” (Hb 10:26-29).

A doutrina da justificação pela fé


(veja o cap. 4 deste livro) está intimamen-

* Believers Magazine, Setembro de 2005.


A glória da Sua graça 639

te ligada com as outras obras da justiça


de Deus, como, por exemplo, o juízo
final. Aquele que é salvo “não entrará em
condenação [juízo], mas [já] passou da
morte para a vida”. “Quem crê nele não
é condenado [julgado]; mas quem não
crê já está condenado, porquanto não
crê no nome do unigênito Filho de Deus”.
Quanto ao incrédulo, “a ira de Deus sobre
ele permanece” (Jo 5:24; 3:18, 36). Assim,
a experiência futura da ira eterna de Deus
sobre o pecador incrédulo é realmente
uma continuação da sua posição na
Terra. Mas, graças a Deus, o Evangelho
nos informa que é possível para aqueles
que eram “filhos da ira, como os outros
também”, serem salvos desta posição e
introduzidos à posição digna de conci-
A glória da Sua graça 640

dadãos dos santos e da família de Deus.

A negação do
castigo eterno
Devemos notar que quando a ver-
dade do galardão eterno e do castigo
eterno é rejeitada ou desprezada, há
sempre um acréscimo correspondente de
manifestação pública de pecado e rebel-
dia contra Deus, resultando no aumento
visível da corrupção e depravação na
sociedade envolvida. Assim foi nos dias
de Noé, e também será nos dias da vinda
do Filho do Homem. Os escarnecedores
hoje em dia talvez sejam mais sutis na
sua negação desta doutrina do que foi
A glória da Sua graça 641

Lameque com suas palavras frívolas (Gn


4:23-24), mas os efeitos desta zombaria
da Palavra de Deus são terríveis, e o juí-
zo de Deus é certo. Os caps. 2 e 3 de II
Pedro e a carta de Judas devem ser lidas
cuidadosamente para nos relembrar da
importância disso. As características dos
nossos dias, com governadores “que ao
mal chamam bem, e ao bem mal (Is 5:20),
correspondem com as condições morais
que prevaleciam no final decadente do
Reino de Judá — que são denunciadas
pelos profetas do Velho Testamento e
também são projetadas para o período da
Tribulação. Condições contemporâneas
combinam com o que o Senhor Jesus
disse que precederia a Sua vinda à terra
(Mt 24), e são um assunto frequente das
A glória da Sua graça 642

profecias do Novo Testamento (I Ts 5, II


Pe 3, Judas).

A vigilância contra
o erro é necessária
Não devemos ficar surpreendidos
que haja grande desvio das verdades que
antigamente eram respeitadas e valoriza-
das entre os “evangélicos”, mas devemos
ficar vigilantes contra a penetração desta
contaminação entre os cristãos que até
agora se consideram fora do alcance
deste tipo de mal. O clima crescente de
sentimentalismo em relação à doutrina e
à interpretação bíblica já viu a aceitação,
em larga escala, de ideias novas e duvido-
A glória da Sua graça 643

sas sobre a Soberania Divina*.Sentimen-


tos humanos egoístas já conceberam a
ideia de que haverá uma segunda chance
depois do Arrebatamento para as pessoas
que negligenciaram tão grande salvação
durante esta dispensação da graça, e que
poderão aceitar o evangelho e rejeitar o
Anticristo durante a Tribulação — apesar
do aviso claro, contrário a isto, em II
Tessalonicenses 2†. Uma vez que estes
pensamentos, centralizados no homem,
penetram na teologia, logo em seguida

* A negação da eleição individual, e aceitação do


Molinismo — uma hipótese filosófica dos jesuítas
que procura, para a satisfação da razão humana,
reconciliar a Soberania Divina com o livre arbítrio
do homem.
† Os livros e filmes famosos da série Left Behind
(“Deixados para trás”) estão baseados nesta pre-
missa anti-bíblica.
A glória da Sua graça 644

surgirão objeções à doutrina do castigo


eterno, baseados nos apelos perigosos de
que esta doutrina terrível é incompatível
com a verdade de que “Deus é amor”.
“Não posso ver como o castigo eterno
é amável ou justo … É uma doutrina
que não sei pregar sem negar a beleza e
glória de Deus*.” Esta citação é típica das
vozes emocionais daqueles que rejeitam
esta doutrina. No século XVII, Francis
Turretin aptamente chamou tais pessoas
de “absurdamente misericordiosas”.† Fa-
zemos bem em tirar das nossas mentes
todas as pressuposições humanísticas

* Um escritor citado em Jonathan Edwards and Hell,


por Chris Morgan, 2004. Christian Focus Publica-
tions.
† Turretin, F. Institutes of Elecnctic Theology, vigésimo
tópico, sétima pergunta. 1997. P&R Publishing.
A glória da Sua graça 645

e obedecer às admoestações sábias de


Eliú: “Longe de Deus esteja o praticar a
maldade e do Todo-Poderoso o cometer
a perversidade! Porque, segundo a obra
do homem, ele lhe paga; e faz a cada um
segundo o seu caminho”. Ele também diz:
“ao meu Criador atribuirei a justiça”, e ao
reconhecer a pobreza total do intelecto
humano para analisar ou compreender
a Deus, ele diz: “Ensina-nos o que lhe
diremos, porque nós nada poderemos pôr
em boa ordem, por causa das trevas” (Jó
34:10, 11; 36:3; 37:19).

Que nós, portadores do testemunho


cristão, possamos preservar a pureza
doutrinária em relação a este assunto. Sua
solenidade deve renovar em nós o louvor
e a gratidão a Deus pela libertação que
A glória da Sua graça 646

Ele nos deu de tão terrível destino. Deve


estimular também a atividade evangélica,
para ajudar outros a entrar no benefício
de tão grande salvação.

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