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física contemporânea descreve atômicos instáveis decaem e emitem José Abdalla Helayël-Neto
os fenômenos naturais em partículas. Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
termos de quatro interações Cada um destes campos de força (CBPF/MCT) e Grupo de Física Teórica
fundamentais que, para efeitos de é descrito por uma teoria. A força José Leite Lopes (GFT - JLL)
compreensão em um contexto mais gravitacional, em sua escala macros- e-mail: helayel@cbpf.br
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próximo da física newtoniana, po- cópica, é descrita pela mecânica new-
demos pensar como sendo descritas toniana, sempre que as velocidades
por campos de forças. A força gravi- envolvidas forem baixas se compa-
tacional e a eletromagnética são as radas à velocidade da luz; ainda em
interações fundamentais que se fazem escala macroscópica, e mesmo cosmo-
sentir no mundo macroscópico, inclu- lógica, mas no regime em que fenô-
sive em escala humana. As outras menos relativísticos começam a
duas, a força nuclear forte e a força operar, a descrição do campo gravita-
nuclear fraca, não se revelam em cional fica a cargo da teoria da relati-
escala macroscópica. Aparecem ape- vidade geral. A descrição microscópica
nas em escala subatômica - na verda- da gravitação, que constitui o que se
de, como o nome indica, nas escalas chama na literatura de gravitação
nuclear e subnuclear, portanto a dis- quântica, é um campo de investigação
tâncias tão pequenas ou ainda meno- com várias questões ainda em aberto.
res que o décimo do trilionésimo do De fato, abordagens mais recentes
centímetro, o que corresponde ao cen- como a das teorias de Supercordas são
tésimo de milésimo da escala atômica novos encaminhamentos no sentido
ou à milionésima parte da nanoescala. de, entre outras questões, resolver os
A força gravitacional é a respon- problemas da gravitação quântica.
sável pelos movi- Já a eletrodi-
Quatro interações
mentos planetários nâmica quântica
fundamentais descrevem
e pela organização descreve os fenôme-
todos os fenômenos naturais
da estrutura em nos que envolvem a
que observamos. Duas são
larga escala de nos- força eletromagné-
observáveis no mundo
so Universo. A for- tica. Foi desenvol-
macroscópico (gravitacional
ça eletromagnética vida a partir do
e a eletromagnética) e duas
é a interação que re- início da década de
apenas em escala
sponde pela forma- 1940 e ajudou a en-
subatômica (nuclear forte e
ção dos átomos, tender o mundo das
nuclear fraca)
pelas ligações mole- chamadas partícu-
culares e pelos processos biológicos las elementares - ou seja, partículas
fundamentais, por exemplo. Já a for- ‘indivisíveis’. Trabalhos publicados
ça nuclear forte responde pela coesão entre 1961 e 1968 ajudaram a formu- Neste artigo, procura-se ressaltar e elucidar o
dos prótons e dos nêutrons no inte- lar a teoria que unificou tanto os fenô- papel central das simetrias na construção de
rior dos núcleos atômicos e pela li- menos eletromagnéticos quanto modelos e teorias para as interações fundamen-
gação dos quarks no interior dos aqueles regidos pela força nuclear tais. neste cenário, introduz-se a supersimetria,
discute-se o seu conceito, apresentam-se as suas
hádrons; finalmente, a interação nu- fraca. A teoria eletrofraca ou o Modelo conseqüências e se esclarece o seu papel primor-
clear fraca é a responsável pelos de Salam-Weinberg-Glashow - como dial no programa de unificação dos campos de
processos radioativos, em que núcleos ficou conhecido - mostrou, portanto, força da natureza.

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que essas duas forças, apesar de se nos da-se na estrutura imposta pelo gru- mesmo grupo de partículas degene-
apresentarem com características po SU(2), que responde pelo chamado radas em massa, ou que, caso venham
marcadamente distintas, têm uma isospin fraco; a QCD é formulada em a ter massas muito próximas, que
origem comum, sendo possível pro- termos do grupo SU(3), que descreve esta diferença possa ser reproduzida
por para elas um cenário de unificação a carga de cor e, finalmente, o grupo em termos de um mecanismo de
que ilustra como ambas se separam subliminar à gravitação é o SO(1,3), violação da Supersimetria. Em um
no regime da natureza em que faze- conhecido como o grupo de Lorentz, mundo regulado pelas leis da Super-
mos as nossas observações. associado a uma grandeza intrínseca simetria, a cada bóson de uma certa
A cromodinâmica quântica (QCD) das partículas elementares, a que nos massa corresponderia um férmion
é a teoria física que incorpora o co- referimos como spin. com a mesma massa. Não é esta a si-
nhecimento experimental e a fenome- O conceito de simetria e a estru- tuação que encontramos no mundo
nologia das interações nucleares tura algébrica a ela correspondente a nós acessível das partículas verda-
fortes; a sua formulação ficou estabe- organiza as leis de conservação asso- deiramente elementares. Mas a idéia
lecida em 1973, com os trabalhos de ciadas a um dado tipo de interação, é que isto deva ocorrer em uma escala
Gross e Wilczek, e independente- sistematiza a classificação das partí- de altíssimas energias, ainda muito
mente, de Politzer, o que valeu a estes culas e dos estados físicos da teoria afastadas do regime de energia a que
três autores o Prêmio Nobel de Física em termos de especificações bem pre- temos acesso experimental.
de 2004. Esta é uma teoria que ainda cisas - os chamados números quân- A partir da premissa de que existe
ocupa uma parte considerável da ticos - e estabelece mecanismos para um princípio de simetria segundo o
comunidade dos teóricos e apresenta a compreensão das relações existentes qual bósons e férmions possam ser
desafios estimulantes a serem escla- entre as massas e cargas das partículas degenerados em massa é que se de-
recidos, como por exemplo a resolução envolvidas na interação considerada. senvolveu fortemente a Supersimetria
do problema do confinamento dos Entretanto, estas relações de massa na comunidade da física teórica de
quarks e glúons no interior dos há- envolvem exclusivamente bósons altas energias; em 1975, já eram
drons, o desenvolvimento de técnicas (partículas de spin inteiro) ou férmi- conhecidas as ditas extensões supersi-
matemáticas e computacionais para ons (partículas com spin semi-inteiro métricas da eletrodinâmica quântica
os chamados cálculos não-perturba- e que obedecem ao chamado Princípio e das teorias de Yang-Mills, em cujo
tivos e a compreensão da teoria in- da Exclusão de Pauli); as simetrias contexto são descritas as interações
cluindo efeitos de temperatura finita, usuais não inter-relacionam, contudo, nucleares fortes e fracas. Em 1976,
a fim de compreender o seu rico dia- os setores bosônico e fermiônico. É conseguiu-se chegar à formulação su-
grama de fases. exatamente neste ponto, a comparti- persimétrica da gravitação, em uma
Neste cenário das quatro intera- mentação bóson-férmion, que a teoria denominada Supergravidade,
ções fundamentais devidamente orga- Supersimetria faz a sua entrada na que trouxe uma compreensão mais
nizadas em termos de teorias micros- cena das interações fundamentais. aprofundada de como deve ser a inte-
cópicas, que incorporam tanto as leis E, muito interessante também, é ração gravitacional no mundo mi-
do mundo quântico quanto a teoria se observar que foi exatamente em croscópico.
da relatividade especial, percebe-se que 1973, quando as teorias específicas Em todas estas teorias, a idéia de
o conceito-chave para a formulação para cada interação ficaram estabe- que a interação seja mediada por um
das mesmas é o conceito de simetria, lecidas, que se inaugurou a era da bóson intermediário fica, agora com
e, ao lançar mão da idéia de simetria, Supersimetria como conceito funda- a Supersimetria, acrescida da presença
as teorias de Yang-Mills, propostas em mental no projeto de construção de de férmions parceiros dos bósons
1954, estabelecem o referencial teórico uma teoria de unificação dos quatro mediadores, também conhecidos
para a formulação de todas as teorias campos de força da nature-
acima mencionadas. Do ponto de vista za, tendo o propósito, inclu-
matemático, cada interação tem asso- sive, de viabilizar um
ciado a si um grupo de simetria, ambiente teórico para a
estrutura matemática que obedece a consolidação de uma teoria
um conjunto de regras bem específi- quântica para a gravitação.
cas; no que diz respeito às caracterís- A Supersimetria coloca
ticas de cada campo de força, o grupo férmions e bósons no mes-
de simetria organiza e sistematiza mo patamar, e, na proposta
grandezas de natureza física como as de ser uma simetria do es-
cargas e as correntes envolvidas na pectro de partículas físicas
interação. Os fenômenos eletromag- (entretanto, é preciso deixar
néticos são descritos em termos de um claro que ainda não foi
grupo de simetria designado por U(1), detectada experimentalmen-
associado à carga elétrica; a fenome- te), propõe que bósons e fér- Visão artística dos eventos dentro de uma câmara de
nologia das interações fracas acomo- mions possam figurar no bolhas.

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tes iniciais e que, com o resfriamento figurou, por certo tempo na litera-
do mesmo, esta simetria entre bósons tura, como o paradigma da teoria
e férmions tenha sido quebrada (exis- mais propícia para a unificação das
tem mecanismos específicos e inde- interações fundamentais.
pendentes para se implementar a A segunda fase, iniciada em 1985,
violação da Supersimetria) de tal já nos apresenta a Supersimetria em
forma que, em seu regime atual, as uma outra perspectiva, colocando-a
partículas introduzidas pela Supersi- na qualidade de um ingrediente físico
metria no espectro físico tenham suas e matemático necessário para a cons-
massas em uma escala acima da escala trução das teorias de Supercordas -
acessível aos experimentos atuais de nesta visão, genuínas teorias funda-
altas energias. Isto significa que os mentais - as quais, se espera, possam
“inos” devem estar todos localizados propiciar o cenário que viabilize o pro-
na escala do TeV, ou seja, uma ordem grama de unificação, incorporando o
de grandeza acima da escala fixada setor gravitacional, descrito, neste no-
para a separação das interações fra- vo panorama, por uma teoria quânti-
cas dos setores eletromagnético e for- ca consistente para a gravitação. A
te, o que ocorre na faixa das centenas Supersimetria foi, assim, definitiva-
de GeV. Apenas para efeito de referên- mente incorporada à física de partí-
cia, a energia de repouso do próton é culas e vem sendo, de forma crescente,
de 0.938 GeV. aplicada também a outros campos da
A Supersimetria também tocou Física, como a física nuclear, a física
A supersimetria, em sua proposta de
unificar férmions e bósons, traz natural- questões teóricas muito relevantes, da matéria condensada e, até mesmo,
mente consigo uma descrição do campo como o atenuamento das divergências a alguns sistemas biofísicos. Seria bas-
gravitacional, e sua versão específica para (quantidades infinitas) no regime tante oportuno ainda mencionar que
o mesmo é a supergravidade, onde tempo ultravioleta (região de altíssimas ener- sistemas quanto-mecânicos muito
e espaço se unificam em um cenário gias) das teorias quânticas de cam- simples, como aqueles constituídos
espaço-temporal mais amplo, o chamado pos, essenciais para a descrição das por partículas, carregadas ou neutras,
superespaço. interações fundamentais, e culminou e sujeitas a certas configurações de
com uma teoria de gravitação com campo magnético externo, exibem
como bósons de gauge. No caso da mais possibilidades de consistência do características de uma supersimetria
eletrodinâmica, o fóton é acompanha- que a gravitação quântica tradicional; que se revela como uma simetria di-
do do férmion neutro denominado além desta notável realização, a nâmica. Esta é uma indicação de como
fotino; no contexto das interações fra- Supersimetria possibilitou a formula- a Supersimetria possa ser subjacente
cas, os bósons carregados W e o bóson ção da primeira classe de teorias quân- a interessantes sistemas quânticos
neutro Z são acompanhados dos fér- ticas de Yang-Mills livres de qualquer realísticos. Finalmente, com a entrada
mions chamados W-inos e Z-ino. Os tipo de divergência ultravioleta, con- em operação do large hadron collider
parceiros supersimétricos dos glúons cretizando uma grande expectativa de (o LHC), a partir de 2007-2008,
da QCD são conhecidos como gluinos Dirac, que sempre sustentava que espera-se dispor de recursos experi-
e, como parceiro do gráviton, partí- uma teoria quântica viável deveria ser mentais suficientes para a busca e a
cula de massa nula e spin -2 (o quan- absolutamente finita. Também, na identificação de partículas supersimé-
tum da interação gravitacional) sua busca por uma teoria de unifica- tricas (o que seria um teste direto da
aparece o gravitino, férmion eletrica- ção dos diferentes campos de força, a Supersimetria) e de outras conseqüên-
mente neutro com spin -3/2. Ne- Supersimetria resolve alguns proble- cias indiretas da presença da Supersi-
nhum destes parceiros supersimétri- mas fundamentais de consistência que metria no mundo físico, reforçando
cos é degenerado em massa com o bó- o programa usual de unificação en- o seu marcante papel na formulação
son que acompanha; por exemplo, o frenta. das teorias fundamentais para a des-
fotino e o gravitino não são partículas Os dez primeiros anos de desen- crição dos campos de força da natu-
de massa de repouso nula, como o volvimentos em Supersimetria (1974- reza.
fóton e o gráviton. 1984) foram marcados pela incorpo-
Isto impõe que a maneira de se ração desta simetria na física de Saiba mais sobre
introduzir a Supersimetria nas teorias partículas, no programa de unificação supersimetria
de interações fundamentais, de forma e no projeto de construção de uma
http://web.mit.edu/afs/athena.mit.edu/
compatível com a realidade experi- teoria matematicamente consistente user/r/e/redingtn/www/netadv/
mental de que dispomos, é através dos para a gravitação. Vários modelos de ssym.html
chamados mecanismos de quebra. Supergravidade foram propostos e a http://www.supersymmetry.com/
http://www1.imperial.ac.uk
Propõe-se que a Supersimetria tenha célebre Supergravidade- N = 8, com
http://www.ocf.berkeley.edu
operado no Universo em seus instan- uma série de mecanismos agregados,

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