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As instituições de ensino superior não devem servir apenas à preparação de mão de obra para o mercado de trabalho, acredita
o filósofo Vladimir Safatle. O desenvolvimento de cidadãos tem prioridade nesse processo
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Crítico de um ensino superior comprometido exclusivamente com a formação técnica voltada ao mercado de trabalho, Vladimir Safatle tem no
currículo passagens por instituições de ensino superior com os mais diferentes perfis. Antes de se tornar professor de filosofia na Universidade de São
Paulo, onde está desde 2003, deu aulas na Universidade Paulista (Unip), entre 1995 e 1998; e na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM),
em 2003. Também atuou como docente visitante em instituições estrangeiras, como a Universidade Paris 8; a Universidade Paris Diderot, a
Universidade de Toulouse, todas na França; a Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, e o Stellenboch Institute for Advanced Studies, na África do
Sul.
Aos 43 anos de idade, é colunista do jornal Folha de S.Paulo e autor de mais de 10 livros, entre eles O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o
fim do indivíduo (Cosac Naify, 2015) e Cinismo e falência da crítica (Boitempo, 2008), relacionados às suas pesquisas nas áreas de epistemologia da
psicanálise e da psicologia, dos desdobramentos da tradição dialética hegeliana na filosofia do século 20 e da filosofia da música.
Em entrevista concedida à revista Ensino Superio r em meio à participação no Ciclo Mutações, promovido pelo Sesc nas capitais Salvador, Rio de
Janeiro e São Paulo entre setembro e novembro, Safatle fala sobre o papel, o sentido e os desafios das IES em um período de aumento do índice de
desemprego no Brasil. Para o pesquisador, o cenário mostra ser preciso constituirmos “um horizonte de empregabilidade efetiva” e desenvolvermos
“um modelo de formação no qual quem passa pelo ensino superior tenha não só uma capacidade de intervenção profissional, mas também de
reflexão crítica e de gosto pela pesquisa”.
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A asso ciação do acesso ao ensino superio r à po ssibilidade de ascensão so cial em países co mo o Brasil tira o f o co da co ntinuidade do s
estudo s pelo simples desejo de co nhecimento ?
Existe uma tendência de tentar reduzir a importância do ensino superior a questões de empregabilidade. Mas, nesse ponto, há algo quase
contraditório porque, hoje, não é verdade que o ensino superior consegue garantir empregos como garantia há 20, 30 anos. Atualmente, para se ter
um subemprego, exige-se diploma de ensino superior. Ou seja, o grau de exigência, mesmo para empregos desqualificados, aumentou. Há uma
degradação da figura do emprego. Desse modo, criar uma dinâmica na qual se justifica o valor do ensino superior por questões eminentemente
mercadológicas e da empregabilidade é quase uma falácia atualmente. E isso parte de uma distorção fundamental, porque a principal função de uma
universidade ou faculdade é fortalecer o processo de formação dos cidadãos; é permitir à república brasileira ter cidadãos capazes de operar em
sociedades complexas, com valores complexos, com debates e conflitos incessantes, e não simplesmente fornecer um tipo de aptidão técnica para
universos de empregos que são cada vez mais reduzidos.
Então , o que explica apenas 16% do s brasileiro s terem ensino superio r co mpleto ?
Entre outras coisas, o fato de termos tido durante muito tempo um sistema universitário atrofiado. Nos últimos 10 anos tivemos universidades
federais no Nordeste, por exemplo, que triplicaram o seu número de alunos; universidades que tinham 15 mil, hoje têm 45 mil alunos. É uma coisa
realmente impressionante. Só para termos uma ideia, Natal [no Rio Grande do Norte] tem mais ou menos 40 mil estudantes de ensino superior;
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realmente impressionante. Só para termos uma ideia, Natal [no Rio Grande do Norte] tem mais ou menos 40 mil estudantes de ensino superior;
Harvard [nos Estados Unidos] tem um total de 15 mil alunos, Oxford [na Inglaterra] tem 20 mil alunos, as universidades Yale e Princeton não têm, cada
uma, mais de 10 mil alunos no total. Esses países têm universidades muito mais elitistas do que as nossas, que, ao contrário, são universidades de
massa, um outro modelo. O modelo de ensino superior norte-americano e inglês é muito concentrado na formação da elite, e é por isso que eles –
Estados Unidos e Inglaterra – saem nos rankings internacionais como países que têm as melhores universidades do mundo. Existe uma esquizofrenia
brutal no Brasil: exigimos de nós mesmos que apareçamos no topo dos rankings internacionais, mas as universidades que aparecem superbem
colocadas nesses rankings são aquelas que têm como função formar a elite de seus países. Como as universidades brasileiras são de massa, elas nunca
vão conseguir competir com universidades que têm 15 mil alunos. É uma questão quase material.
Leia também:
Há quem def enda a existência de IES vo ltadas para a f o rmação pro f issio nal e de IES vo ltadas para a pesquisa, pensando em público s
específ ico s supo stamente interessado s em cada uma dessas vertentes de ensino . O que acha disso ?
Não tem nada mais arcaico do que essa ideia. Ela é vendida como algo novo, mas, se pegarmos os textos do Monteiro Lobato sobre educação
elaborados nos anos de 1920, 1930, iremos encontrar exatamente isso. Aliás, o lado ruim do processo da escola novista era este: a massa vai
aprender a exercer uma função, um trabalho; a elite pode pesquisar, pode ter uma formação mais ampla, mais interdisciplinar; a massa aprende a
fazer uma coisa, porque é para isso que ela serve. A proposta a qual a pergunta se refere diz respeito, com outras palavras, a essa mesma ideia:
permitir que a pesquisa e a formação interdisciplinar fiquem em certos espaços de elite, enquanto o restante da população vai ter uma formação
cada vez mais técnica no pior sentido. E mesmo do ponto de vista da empregabilidade, essa formação técnica não faz sentido, porque é uma
formação técnica que tem como horizonte o estado atual das técnicas. Só que o estado atual das técnicas é o que há de mais mutável. Daqui a cinco
anos, o estado atual das técnicas estará completamente diferente. O aluno do ensino puramente técnico de hoje aprenderá a operar um computador
que, em breve, não existirá mais.
É muito determinismo dizer que há pesso as co m perf il de pesquisado res e o utras mais interessadas em atuar no mercado de trabalho ?
Claro que isso pode acontecer, mas a questão é se essas pessoas estão tendo escolhas. É, sim, possível alguém chegar a um determinado momento
da vida e dizer ‘eu quero trabalhar com litogravura em uma gráfica e estarei feliz da vida’. Mas a questão é: essa pessoa teve, de fato, possibilidade de
escolher? O que acontece, na verdade, é que há pessoas que não têm possibilidade de escolher, porque estão oferecendo a elas apenas uma opção.
Estamos oferecendo de fato a todos uma universidade? Ou, em um modelo dissociativo entre pesquisa e formação técnica, estaríamos simplesmente
empurrando uma massa para um tipo de trabalho que vai ser mal pago, precário e, consequentemente, terá um nível de empregabilidade sempre
baixo?
Para além do Estado , o seto r privado não é capaz de abso rver o s pro f issio nais recém-f o rmado s?
Se há uma coisa que as operações da investigação da Lava Jato mostraram é a realidade do setor privado brasileiro. Grande parte do setor privado
brasileiro tem como a sua maior função viver de compras públicas. Devido ao fato de o nosso capitalismo ser um capitalismo monopolista de Estado,
muitas vezes as empresas do setor privado não precisam se submeter a um processo amplo de concorrência. Assim, podem degradar seus serviços
sem o menor problema e ainda serão pagas por serviços caros. Sem concorrência de fato, as empresas não vão criar um espaço no qual elas precisem
dos melhores profissionais para se garantir em um mercado brutal.
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Comentários
2 comentários
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Paulo T . Junior ·
Campinas
É...conf lito clássico entre visões napoleônica e humboldtiana de universidade. Acadêmicos puristas têm certo f etiche (ou intransigência) pela
"competência f ilosóf ica". Acreditam que, sem ela, tudo o mais é tecnicismo raso (e a serviço do "mercado", se tiver umas pitadas de
esquerda. Nada contra!).
Sei não... Sinto cheiro de abstracionismo nesse tipo de texto. "Formar cidadãos". Que é cidadania? Certamente, não é (só) f ormar bons
prof issionais. Porém, f ormar bons prof issionais implica, necessária e visceralmente, f ormar bons cidadãos. Aliás, numa sociedade como a
nossa, quando conseguirmos um... Ver mais
Curtir · Respo nder · 4 de abril de 20 17 0 6 :21 · Editado
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