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A Happy House in A Black Planet: Introdução À Subcultura Gótica - H.A. Kipper (2008)
A Happy House in A Black Planet: Introdução À Subcultura Gótica - H.A. Kipper (2008)
KIPPER
A HAPPY
HOUSE
IN A BLACK
PLANET:
INTRODUÇÃO
À SUBCULTURA
GÓTICA
H. A. KIPPER
A HAPPY
HOUSE
IN A BLACK
PLANET:
INTRODUÇÃO
À SUBCULTURA
GÓTICA
1ª edição
fûÉ ctâÄÉ
Xw|†ûÉ wÉ TâàÉÜ
2008
Agradecimentos desta obra
e
Prólogo
c
01 Subcultura X Outros Bichos 10
13
i
02 Subcultura Gótica: Algumas Polêmicas
d
04 A Evolução das Estruturas Subculturais Ontem e Hoje 23
Parte II O que é Subcultura Gótica? 27
n
05 FAQ GOTH- Perguntas Frequentes 29
í
Características e Estrutura da Subcultura Gótica:
cÜ™ÄÉzÉ
cÜ™ÄÉzÉ “This is the happy house-we're happy here in
the happy house.
To forget ourselves- and pretend all's well
There is no hell.”
(Siouxsie and The Banshees- “Happy House”)
cÜ™ÄÉzÉ
cÜ™ÄÉzÉ
também ajudar o leitor a não comprar
gato preto por lebre preta…
Este livreto é uma organização
de textos originalmente produzidos
isoladamente. Aqui eles foram
revisados e reescritos, e principalmente
reorganizados da forma mais didática
possível. Assim, se em algum momento
eles soarem repetitivos ou repisarem
alguma questão óbvia, pedimos que o
leitor tenha com o autor a paciência
condescendente que os alunos mais
adiantados tem nas aulas de revisão.
Propomos aqui exatamente uma
introdução didática. Não pretendemos
fechar questões. Pelo contrário, a idéia
deste livreto é colocar muitas placas
apontando para informações que não
estão aqui, ou que aqui são apenas
insinuadas ou citadas “en passant”.
A partir destas placas, como guia
inicial, esperamos que o leitor possa
partir nesta jornada e conhecer a
subcultura Gótica e toda sua riqueza
e história, que tendo começado há
quase 30 anos, continua desde então
se desenvolvendo e evoluindo por todo
este “blue planet” – planeta azul/triste.
Mas aqui estamos em uma “happy
house”: somos felizes aqui - “dentro”.
Tenham todos um bom início
de jornada.
9
03 A HOMOLOGIA SUBCULTURAL,
SUA FLEXIBILIDADE E EVOLUÇÃO 17
“...as civilizações antigas não tinham arte nem cultura, tal como as
entendemos hoje. Isso quer dizer que a estrutura moderna, feita de esferas
separadas e independentes, é totalmente estranha às sociedades antigas.
(...) as sociedades pré-modernas... não tinham uma cultura, eram uma cul-
tura. (...) a produção era estética, a estética era religiosa, a religião era polí-
tica, a política era cultural, a cultura era social, e assim por diante. (...) Em
uma sociedade como cultura - que tinha que integrar também a morte- a
arte passava a ser necessariamente um componente da vida diária.” (Robert
Kurz, 1998)
POR QUE DIABOS UM ESTILO ME ATRAI?
Por que gosto mais de um poema do que de outros?
Perguntas como “o que mantém a coesão de uma subcultura” ou “o que
faz com que uma determinada subcultura atraia algumas pessoas e não
outras” geralmente são difíceis de responder. Para entender melhor estas e
outras questões que envolvem as relações entre estilo e significado nas
subculturas, neste texto abordamos o conceito de “homologia subcultural”
desenvolvido no livro “Subculture: the meaning of style” de Dick Hebdige,
1979.
Observando o funcionamento da homologia em outras subculturas,
podemos apreender instrumentos que nos ajudam a entender a relação
entre estilo, estética, valores e significados na subcultura Gótica ou em
qualquer outra.
“Paul Willis (1978) aplicou a palavra “homologia” a uma subcultura no
seu estudo dos hippies e motociclistas, usando o termo para descrever a
relação simbólica (symbolic fit) entre os valores e o estilo de vida de um
grupo, sua experiência subjetiva e as formas musicais que este grupo usa
para expressar ou reforçar o que considera importante. No texto “Profane
Culture”, Willis mostra como (...) a estrutura interna de qualquer subcultu-
ra é caracterizada por uma extrema ordenação: cada parte é organicamen-
te relacionada a outras partes e é através da adequação entre elas que os
membros de uma subcultura entendem o sentido do mundo.” (Dick
Hebdige, 1979)
Sem dúvida essa ordenação é flexível e acontece uma evolução ao longo
18 do tempo, caso a subcultura não deixe de existir. O próprio Hebdige
comenta que essa relação homológica entre as partes simbólicas do estilo
subcultural e seu significado não é fechada e fixa para cada membro de
uma subcultura.
UM “NÃO” ESPECÍFICO E CRIATIVO
Pelo contrário, os significados subculturais se constituem muitas vezes
como uma “recusa específica” que não dita uma regra de comportamento.
Mas, ao recusar alguns aspectos do mundo, acaba por salientar outros. E
esta escolha, como veremos adiante, pode ser feita de formas bem diver-
sas. Patrice Bollon, em “A Moral da Máscara”, também aborda a questão da
recusa ao comentar sistemas estéticos:
“Mais do que sistemas de normas, são sistemas de tabus. Podemos dizer
o que absolutamente não seriam; mais difícil seria dizer o que são. (...) Seu
código... não estabelece uma sensibilidade, um significado, ou uma ideo-
logia; ele delimita um espaço de sensibilidade, uma área de significados,
um feixe de atitudes, uma constelação de idéias no interior dos quais todas
Parte I O que é Subcultura?
as modulações são permitidas, ou até requisitadas. (…) A meta foi atingi-
da: criar uma concepção do mundo, circunscrever uma visão passível de
evoluções que permitam a expressão pessoal. (…) Com efeito, o que as
(modas e culturas) aproxima é que nenhuma delas oferece “respostas” às
perguntas: elas se contentam em delimitar espaços onde simplesmente
essas perguntas não são mais feitas.” (Patrice Bollon, 1990)
Essa concepção poderia ser aplicada também ao estilo em uma subcul-
tura ou de uma cultura tradicional (ex: estilo das vestimentas egípcias em
relação à sua cultura, etc).
Este “espaço de sensibilidade, uma área de significados, um feixe de ati-
tudes, uma constelação de idéias” são uns, e não quaisquer: diferente em cada
subcultura, e é esta “concepção de mundo” que define cada subcultura.
CONSTRUÇÃO DE UMA MITOLOGIA:
MEU REINO POR UM SENTIDO!
Ao mesmo tempo, os símbolos, rituais, objetos, comportamentos, voca-
bulário, etc, constroem um tipo de mito ou sistema através do qual o mem-
bro da subcultura se vê no mundo e vê o mundo como o imagina. Através
da escolha desta ou daquela subcultura, o indivíduo escolhe um sentido e 19
significados através dos quais ele olhará e vivenciará, pelo menos em
alguns momentos, o mundo.
Hebdige explica como os objetos de estilo de uma subcultura são em
grande parte equivalentes das questões centrais, auto-imagem coletiva e
estrutura social desse grupo subcultural.
Nos objetos os membros podem ver seus valores centrais refletidos. O
autor exemplifica comentando os Skin-Heads: “As botas, os suspensórios e
o cabelo raspado só foram considerados apropriados e conseqüentemente
significativos porque eles comunicavam as qualidades desejadas: dureza,
masculinidade e a classe trabalhadora local. Desta forma, os objetos sim-
bólicos - roupa, aparência, linguagem, ocasiões de ritual, estilos de intera-
ção, música- foram feitos para formar uma unidade com as relações, situa-
ções e experiência do grupo” (Hall, 1976).
Já ao comentar os Punks, o autor comenta que eles se vestem como
xingam, e sua música se parece com sua roupa e sua visão de mundo:
urgente, fragmentada, uma colagem agressiva de pedaços de símbolos de
um mundo sem sentido. “Havia uma relação homológica entre as roupas
toscamente remendadas, o cuspir, o vomitar, o formato dos fanzines, as
poses insurgentes e a música conduzida freneticamente.”
“EU FALO ATRAVÉS DE MINHAS ROUPAS”
O “discurso” não é apenas aquilo que é dito através de palavras enun-
ciadas ou escritas. “Discurso” é também o que um objeto quer dizer, seu
“sub-texto” não dito. E este objeto pode ser uma roupa, um comportamen-
to, um acessório, uma foto, um quadro, uma peça, etc.
Hebdige nos explica que há dois tipos de apropriação subcultural dos
objetos. Um tipo que se concentra no ato de transformação do objeto sim-
bólico (roupa, cabelo, música, literatura, ícones religiosos ou ideológicos,
etc). O outro tipo se concentra na reverência do significado literal do obje-
to simbólico.
“A suástica estava sendo usada para significar o quê? (…)
Convencionalmente, no que interessava aos ingleses, a suástica signifi-
cava “inimigo”. Além disso, no uso dos punks, a suástica perdeu o seu sig-
nificado histórico “natural” no século XX: nazi-fascismo. (...) a suástica era
usada (pelos punks) por que era garantia de chocar. Um punk entrevistado
20 pela Time Out (1977) por que ele usava suástica respondeu:- “os punks
apenas gostam de ser odiados”.
Ao contrário dos punks, no caso de um Neo-Nazista, a suástica é usada
no sentido tradicional e literal: respeitosamente.
Assim, vemos que um mesmo símbolo ou tema pode ser adotado com
significados diferentes, ou até opostos, por grupos sociais diferentes.
Tomarmos como referência o sentido original da suástica usado pelas reli-
giões antigas seria um total equívoco no entendimento do uso feito dela
pelos grupos que comentamos acima.
CUIDADO! DESLIZAMENTO DE SIGNIFICANTE NA PISTA…
“…quando aquele objeto é colocado dentro de um conjunto totalmen-
te diferente, um novo discurso é constituído, uma nova mensagem é vei-
culada.” (Clarcke, 1976, em Hebdige, 1979)
Por exemplo, os Góticos, desde os anos 1980, adotam a cruz e outros
símbolos com um deslizamento de sentido desses objetos, inserido-os em
Parte I O que é Subcultura?
um novo sistema simbólico: o sistema da subcultura Gótica. Podemos dizer
que os Góticos fizeram o mesmo até com elementos de estilos literários e
musicais, vestuário, maquiagem, etc.
No sistema Gótico, a cruz vai servir de símbolo que remete a todas as
coisas socialmente relacionadas à cruz: sofrimento do inocente, paixão de
cristo (“stigmata martir”), morte, cemitérios urbanos, etc. Da mesma forma
que punks não são nazistas ao usar uma suástica, Góticos não usam cru-
zes por que são cristãos (apesar de alguns serem) nem usam ankhs por que
pretendem ser egípcios…
Assim, vemos que o que define a atitude e o significado de uma sub-
cultura não é apenas o objeto, símbolo ou tema cultural do qual ela se
apropria.
O mesmo tema ou objeto pode gerar significados e visões de mundo
muito diferentes e até opostas, dependendo da forma como uma subcul-
tura se apropria deles, se de forma “respeitosa e literal” ou de forma “trans-
formadora e recontextualizada”. O significado geral vai ser definido pelo
todo do sistema simbólico.
DE PROFUNDIS NA SUPERFÍCIE: 21
Assim, divisões artificiais entre “superficial” e “profundo” aqui não
fazem muito sentido. Sem o seu estilo, tanto uma subcultura como uma
escola artística deixa de ter significado. O que seria da pintura
Expressionista sem as pinceladas largas e a proporção emocional? O que
significaria a poesia cubista se escrita em sonetos? A arquitetura Bauhaus
não seria Bauhaus se usasse ornamento Barroco. E assim por diante.
Como já vimos, um mesmo significado pode ser aplicado a vários sím-
bolos, ou o mesmo símbolo, por apropriação, ser utilizado para outros sig-
nificados. Em uma subcultura, o significado de cada objeto apropriado por
ela é recriado pelo conjunto dos objetos de seu sistema.
Cada item de um sistema subcultural muda e reforça o significado dos
outros itens, e o conjunto forma um estilo significante e coerente como um
todo, apesar do “ruído” e espaço “em aberto” que existe em qualquer “dis-
curso poético” no qual cada indivíduo pode interagir individualmente com
o significado, acrescentando elementos pessoais.
A COZINHA GÓTICA NUM RESTAURANTE PERTO DE VOCÊ…
Paul Hodkinson, em seu livro “Goth: Identity, Style and Subculture”,
2002, depois de rejeitar um conceito mais rígido e mecânico de homolo-
gia, escreve:
“Muitos integrantes sentiam que havia algum tipo de ligação entre seu
estilo e certas qualidades gerais que eles compartilhavam com os demais
góticos, incluindo criatividade, individualidade, liberalismo e compromisso…”
Em outros capítulos Hodkinson faz uma extensa descrição das caracte-
rísticas recorrentes e perenes que registrou na cena Gótica inglesa. Outros
autores comentando a cena Gótica francesa (Antoine Durafour), norte-
americana, inglesa ou mundial (Nancy Kilpatrick, Gavin Baddelley, Mick
Mercer, etc) ressaltam as mesmas características centrais e estruturantes que
encontramos entre Góticos brasileiros.
Cozinheiras diferentes preparam a mesma receita com um toque espe-
cial e adapta-se aos condimentos mais fáceis de achar na sua região. Da
mesma forma, as diferenças locais entre as diversas cenas Góticas mundiais
se limitam a ressaltar algum ponto que faz mais sentido devido à história,
geografia e condições sócio-econômicas de cada uma delas. Mas sem des-
22 caracterizar os significados essenciais que as definem como parte da sub-
cultura Gótica.
Ressaltamos que não existe homologia “fechada” ou “imutável”.
ABÓBORAS NÃO FRAGMENTADAS
“Quantos mais grupamentos subculturais em uma sociedade, maior a
liberdade potencial do indivíduo.”, escreveu Alvin Tofler em “O Choque do
Futuro”, há mais de 30 anos.
Sem dúvida alguém pode se fantasiar de gótico ou de abóbora no hal-
loween, e isto não ter muito significado para aquela pessoa. Os significa-
dos só se tornam aparentes em um determinado contexto.
Assim, no contexto da subcultura Gótica, é perceptível uma relação de
homologia entre a estética do estilo e o discurso que verificamos na pro-
dução de canções, textos, imagens, pinturas, esculturas, comportamentos
humanos em relações sociais, linguagem, mitos, etc, e uma certa visão de
mundo expressa abertamente e de forma recorrente nos últimos 25 anos.
Parte I O que é Subcultura?
Sem dúvida estes significados não são fechados, da mesma forma que
as imagens de um poema não são. Cada poema tem um feixe de significa-
dos interligados. Mas apesar de vasto, este feixe não é infinito.
No caso de um poema, seus significados só são separáveis de sua forma
e estilo com a sua destruição. No caso de uma subcultura que continua ao
longo de muito tempo, parece que novos versos são possíveis e alguns
vocábulos atualizáveis, sempre variando sobre o sentido original. E às vezes
uma estrofe gera um novo poema, mesmo que o texto original siga um
rumo paralelo…
Finalmente, respondendo à pergunta do começo deste texto, podemos
dizer que um estilo nos atrai por que de alguma forma – provavelmente
não consciente - reconhecemos afetivamente em seus símbolos algo que
buscamos, talvez a simulação ou a realização de um dos artigos mais raros
atualmente: o sentido.
Quando nos sentimos atraídos por uma subcultura, muitas vezes intui-
tivamente ou apaixonadamente, isso acontece geralmente porque as repre-
sentações da visão de mundo desta subcultura englobam, combinam par-
cialmente ou produzem uma integração na nossa visão de mundo pessoal.
23
04 A EVOLUÇÃO DAS ESTRUTURAS
SUBCULTURAIS ONTEM E HOJE
Algumas características diferenciam as subculturas do passado das
atuais, entre elas:
1. LONGEVIDADE
Até o final dos anos 1970 poderíamos ter a impressão que todas sub-
culturas eram “juvenis” e fadadas a serem fenômenos passageiros substi-
tuídos por outros ao final de alguns anos. Mesmo os duradouros “Beats”
haviam desaparecido. Mas hoje vemos que algumas subculturas possuido-
ras de sistemas de significação mais ricos permanecem ativas, organizadas
e, principalmente, em atualização. E não se tratam de meros “revivals”.
Estas subculturas permaneceram organizadas mesmo depois que a
mídia de massa as “deixou” de lado, e sobreviveram a inúmeras modas que
nas últimas duas ou três décadas surgiram e desapareceram. Alguns exem-
plos significativos são a subcultura Gótica, e as subculturas ligadas ao Hip-
Hop ou ao Metal. A subcultura Gótica, por exemplo, permanece em atua-
lização por mais de 20 anos, apresentando redes atualizadas de relações
humanas e produção cultural. Nada indica que estas subculturas venham a
desaparecer.
2. DESTERRITORIALIZAÇÃO
Algumas subculturas dos anos 1950, 60 e até 70 dependiam fortemen-
te da proximidade física e geográfica dos seus membros para manter um
vínculo que muitas vezes se tornava realmente um tipo de “gangue” ou de
base hierárquica, ou “ainda círculo de informação” fechado. Mas aos pou-
cos temos uma transição para outro modelo mais sustentável e durável. Se
Teds, Rockers, Mods e Skin-Heads dependiam nas suas épocas de sua rela-
ção grupal e territorial, hoje temos subculturas urbanas que são até trans-
nacionais ou “translocais”.
A popularização da Internet no final dos anos 1990 levou a uma disse-
minação da informação sem dependência nem da mídia de massa mains-
tream, nem da “gangue”, grupo ou fanzine underground. Com isso o aces-
24 so subcultural deixou de ser mediado por grupos que mantinham a infor-
mação como capital de controle ao acesso subcultural. Assim, vemos que a
relação dos indivíduos de uma subcultura como a Gótica, em 2007, se dá
muito mais com os conceitos e informações da subcultura e que estes são
bastante homogêneos de país para país: um gótico italiano vai ter mais
assunto com um gótico brasileiro do que com seu vizinho da frente não-
gótico.
Em outras subculturas, todavia, a relação grupal e de hierarquia perma-
nece até hoje, devido exatamente ao sistema de características dessas sub-
culturas.
3. PARTICIPAÇÃO FEMININA
Se entre Teds e Rockers a participação feminina permanece muito pró-
xima do papel tradicional da mulher na sociedade daquela época
(1950/60), já com os Mods iniciais (aprox. 1964) temos uma estética e ati-
tude que permite que as mulheres participem de várias formas, e não ape-
nas como “acompanhante”. A participação feminina pode ser com outras
Parte I O que é Subcultura?
mulheres ou até sozinha. Paralelamente, subculturas mais “machistas” vão
manter a mulher em uma posição mais tradicional.
No final da década de 1960 temos o surgimento dos SkinHeads e dos
Hippies, que tem posições bem diversas em relação a participação femini-
na. Mesmo que existisse uma certa participação feminina, até hoje os
Skinheads permanecem com uma estrutura basicamente masculina. Já os
Hippies, surgidos em uma época em que as mulheres jovens conseguem
mais espaço na classe média, apresentam modelos de mulher Hippie da
mesma forma que a mulher Mod (e não mera acompanhante) em quanti-
dades “normais”.
Nos anos 70 cresce este movimento de participação feminina no Glam
o New Romantic e o Gótico, a participação feminina chega a um ponto
quase de igualdade, principalmente no Gótico, que apresenta de 1984 até
hoje uma dominância de valores socialmente considerados femininos. Nos
anos 90 vamos ver algumas subculturas de afirmação feminina em que as
mulheres tomam papel de destaque, como as Riot-Grrrls.
4. ACESSIBILIDADE E PARTICIPAÇÃO
25
O acesso a uma subcultura depende de uma combinação de disponibi-
lidade de condições sócio-econômicas do indivíduo e da abertura da estru-
tura da subcultura. No passado a acessibilidade dependia de um contato
com “grupos na rua” (o que, por exemplo, nos anos 50 condenava a par-
ticipação feminina a ser periférica) ou mesmo rituais de passagem, ou pac-
tos de irmandade.
Por outro lado, algumas das subculturas que sobreviveram mais tempo
têm hoje uma alta acessibilidade, sendo que a participação e o começo do
processo de conhecimento pode se dar até mesmo sem um contato direto.
Isso torna os indivíduos menos dependentes de estruturas grupais limita-
das pelo tempo e espaço. Isso evita que uma subcultura desapareça em
uma região se um grupo de referência desaparece. A descentralização da
informação oferecida pela comunicação via Internet nos últimos 10 anos
ou mais permitiu que algumas subculturas chegassem a um nível de esta-
bilidade e segurança que não tinham no passado.
Como desenvolveram tanto uma micro-mídia ou sistemas de comuni-
cação subculturais, estas subculturas não são mais dependentes da mídia
de massa (para a qual tudo é passageiro) nem apenas de grupos de contro-
le e organização locais (que podem acabar).
5. DESJUVENILIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO
O fato de algumas subculturas como a Skinhead, a Metal ou a Gótica
já durarem mais de 20 ou até 30 anos faz com que a participação deixe de
ser um fenômeno “juvenil de transição ou adaptação” como nas subcultu-
ras dos anos 50 ou 60, ou de consumo de modas passageiras que são ainda
hoje vendidas pela mídia de massa como “movimentos”. Por exemplo, na
subcultura Metal, encontramos muitos indivíduos de mais de 40 anos, com
todas as idades intermediárias, o mesmo acontecendo com a subcultura
Gótica, na qual encontramos indivíduos dos 15 até mais de 40 anos.
Interessante notar que muitas vezes observamos em subculturas como a
Gótica e a Metal, o fenômeno transgeracional, ou seja, pais e filhos parti-
cipando juntos de Shows e Eventos e compartilhando gostos subculturais
semelhantes. A proporção parece menor entre os mais velhos, mas é preci-
so notar que muitas vezes após os 30 anos muitos se tornam membros
26 subculturais “indoor” ou menos visíveis.
Também vemos que a relação de subculturas com grupos juvenis liga-
dos ao crime deixa de ser algo comum para se tornar exceção ou inexisten-
te, exatamente pelos fatores citados nos itens 2 e 4, entre outros motivos.
Todos estes fatores somados mostram claramente que as estruturas
subculturais são fenômenos em constante atualização, e que se diferen-
ciam tanto das modas passageiras atuais, quanto de modelos de subcultu-
ras do passado que se mostraram fadados ao desaparecimento.
27
c) COMPROMETIMENTO:
Lamentamos informar a pais e parentes (e filhos…) que a participação
na subcultura Gótica não é uma fase da adolescência. Hoje temos Góticos
dos 13 aos 45 anos, no mínimo. Para muitas pessoas, ser Gótico é algo para
a vida toda, mesmo que para alguns destes a forma de participação e
expressão, com o passar do tempo, se torne mais reservada ou discreta.
Góticos constituem família, tem filhos e netos. Trabalham e desenvol-
vem carreiras nas mais diversas profissões, sem nunca perder o bom humor
e a ironia pelo fato de o resto da humanidade ter menos senso de humor
mórbido ou ser limitada esteticamente. 43
Evidentemente, para aqueles adolescentes que se aproximam de algu-
ma subcultura ou grupo modista apenas para, por algum tempo, “perten-
cer a um grupo", essa participação vai ser uma fase adolescente pelo sim-
ples fato de que este é um comportamento típico da adolescência. Mas
estes não nos interessam aqui, pois abandonarão a subcultura em um
período curto, tendo em geral a reação típica de desprezar o grupo ao qual
havia se filiado, considerando-o como “bobagem adolescente", que não
interessa a alguém agora tão “adulto". Hm. Bem, Freud explica…
Mas o que nos interessa aqui são aqueles indivíduos que permanecem,
pois realmente aconteceu uma identificação entre sua visão de mundo pes-
soal e pelo menos parte da visão de mundo expressa pela subcultura
Gótica. Provavelmente alguns destes tenham se aproximado por motivos
totalmente aleatórios, “de gaiato", ou levados por amigos ou até por aci-
dente. Isto não importa. O que importa é que permaneceram porque ocor-
reu uma identificação.
Identificação inicial que na maioria das vezes não é racional, mas, como
uma paixão, nem por isso é menos significativa.
Com o passar dos anos, a pessoa vai aos poucos entendendo as razões
desta atração inicial. Não é sábio esperar que alguém que participa há
pouco tempo já tenha uma visão consciente dos motivos de sua participa-
ção, pois provavelmente isso seria forçado. Isso é algo que acontece natu-
ralmente com o tempo.
Ninguém aqui tem pressa, não é mesmo?
Também não é incomum indivíduos participarem ativamente por um
período, depois passarem por um período mais reservado ou isolado, depois
voltando a participar de atividades coletivas. Muitas vezes estas fases se
intercalam. Outras vezes um Gótico se torna, depois de alguns anos, um
gótico “indoor" (caseiro), e nem mesmo seus vizinhos desconfiam.
Portanto, cuidado a quem você empresta açúcar: sua xícara pode vol-
tar decorada com morcegos adesivos.
d) AUTONOMIA:
Paul Hodkinson publicou em 2002 uma aprofundada pesquisa sobre a
44 subcultura Gótica na Inglaterra até o final dos anos 90. Sobre a questão do
comércio e mídia, ele comenta:
“(...) eu tenho consistentemente levantado dúvidas sobre as várias pers-
pectivas que assumem que a mídia e o comércio atuam como catalisado-
res para o colapso de agrupamentos substantivos. Em contraste, minha
noção retrabalhada de subcultura considera ambos ( NT: mídia e comércio)
elementos cruciais das sociedades ocidentais contemporâneas como essen-
ciais para a construção e facilitação de subculturas. Logo, por detrás das
identidades, práticas e valores da cena gótica, jaz uma complexa infra-
estrutura de eventos, bens de consumo e comunicação, todos completa-
mente implicados em mídia e comércio."
E logo a seguir:
“(...) precisamos diferenciar entre diferentes níveis e escalas de mídia e
comércio e, conseqüentemente, diferentes tipos de agrupamentos. (...)
Devemos reconhecer que o envolvimento de um agrupamento com certas
atividades lucrativas de forma alguma retira o significado de quaisquer ati-
Parte II O Que é Subcultura Gótica?
vidades voluntárias que também contribuem para sua sobrevivência e
desenvolvimento. (...)"
O comércio e a economia já existiam milênios antes do capitalismo.
O problema é o capitalismo selvagem, não a economia. Importante não
confundir as duas coisas. As sociedades de cultura integrada usavam uma
economia pra funcionar, mas a diferença é que o valor e o significado
naquelas culturas integradas não provinha apenas da esfera econômica,
sendo a esfera econômica apenas um elo na cadeia, um meio. E não um
fim em si mesmo nem a origem de todo valor e sentido, como acontece em
nossa querida pós-modernidade capitalista.
Assim, o que diferencia o remédio do veneno é a dosagem, não a subs-
tância:
“(...) nosso interesse específico aqui é distinguir entre formas internas
ou subculturais de comércio e mídia - que operam quase exclusivamente
dentro das redes dos agrupamentos específicos- e os produtos e serviços
externos e não-subculturais, produzidos por interesses comerciais de larga
escala interessados em uma base de consumidores mais ampla."
Assim, é importante notar que, ao invés de “desvalorizar" ou “viciar" o 45
seu caráter subcultural, é exatamente a existência de uma rede de micro-
comércio e micro-mídia dentro e a serviço da cena Gótica que viabiliza sua
existência enquanto subcultura. E, como subcultura, também é esta estru-
tura que coloca a mídia e o comércio a serviço de um sistema cultural e de
um grupo social- e não o contrário.
OBS: As citações entre aspas deste capítulo são de Paul Hodkinson.
1
No meio Gótico brasileiro, a palavra “movimento” foi bastante usada até o começo dos anos 90
para definir esse meio. Porém depois passou a ser considerada “out”, devido a conotação
fortemente política que muitos consideraram ser o único significado deste termo. Mas a palavra
“movimento” tem diversos significados, não apenas “ação para alterar a sociedade”. No caso do
autor que citamos, ele usa o termo em francês de forma bastante livre, em conjunto com outros.
Parte II O Que é Subcultura Gótica?
se reencontrar a si mesmo pela reapropriação do corpo, … (… graças a uma
certa ética da estética.)” (Durafour, 2005).
Todo grupo social tem seus códigos comportamentais. Os códigos da
subcultura Gótica são de um tipo específico, coerente com outros aspectos
de seu sistema. O tipo de teatralização ou “exagero” no comportamento
típico da interação entre góticos em seu ambiente faz com que o indivíduo
se reaproprie de seu corpo, fazendo dele um certo discurso.
Podemos perceber essa teatralização e uso discursivo do corpo e do
visual como semelhante aos outros elementos simbólicos da subcultura
Gótica.
Esse discurso é facilmente perceptível pelos outros góticos ou por pes-
soas que vivenciaram ambientes góticos. Sua falta também serve para que
os Góticos percebam “outsiders” em seu ambiente, ou se comuniquem na
presença de “estrangeiros culturais”, ou fora de ambientes que aceitem
Góticos. Ou simplesmente se reconheçam nas ruas, às vezes por um deta-
lhe sutil.
Assim, a expressão corporal se torna um produto social e cultural.
55
Mas quais as características desta teatralização na subcultura Gótica?
Outros grupos sociais também teatralizam, mas com significados e intensida-
des diferentes. Observemos características da dança, da música e de relação:
“A música gótica (…) joga com os registros de amargura, melancolia, obs-
curidade, do contraste entre doçura e violência; apta a veicular uma gama de
emoções das mais diversas. Os sons inquietantes…(…) atmosfera inabitual,
(…)cinematográfica, (…) música teatral, que busca sempre a expressão do belo
no sofrimento, na melancolia e na morte.” (Durafour, 2005)
Temos assim uma trilha sonora ideal que nos lembra a letra de “She’s
in Parties” do Bauhaus. Estamos atuando em alguma peça ou filme som-
brio e melodramático. Criamos um espaço separado do mundo, fantástico
e fantásmático, que comenta o terrível mundo “lá fora”. A happy house in
a black planet.
Os comportamentos e coreografias mais comuns nas pistas de eventos
Góticos típicos nos dão mais indícios:
“O estilo de dança gótico (…) como outras características oscila entre o
teatral e o dramático. Nas músicas de tempo baixo é comum o estilo “eté-
rico” ou ondulatório, com coreografias simples mas que simulam ou bus-
cam uma imagem de “transe” e “sublime”. Algumas destas coreografias
improvisadas permanecem nos tempos acelerados, que incorporam gestos
rápidos e dramáticos em que a agilidade do dançarino é ressaltada, parecen-
do expressar uma sucessão de emoções fortes teatralizadas. Assim temos um
contraste com outros estilos musicais que não possuem tipos de dança com
tanta improvisação nem com tanta simbolização”. (Durafour, 2005)
O autor está comentando a cena Gótica francesa, mas os mesmos tipos
de estilização comportamental e de dança podem ser observados entre
Góticos brasileiros ou norte americanos, etc.
"Assim, o universo Gótico é fortemente teatralizado. Tudo é questão de
representação e de manipulação estética, incluindo a expressão da violên-
cia, quando ela existe. Neste assunto, convém separar o universo Gótico do
universo Black Metal, que é musicalmente muito violento" (Durafour,
2006, La Presse)
Às vezes a atitude teatral acaba causando um mal estar exatamente por
56 funcionar como um espelho de comportamentos “escondidos” ou “dissi-
mulados” de nossa civilização atual:
“o mundo gótico torna-se horripilante a medida que (outras pessoas)
perdem a profundidade psicológica. A vida em geral torna-se “teatral”, uma
“morte em vida”, e os eus corporificados tornam-se meros atores ou cari-
caturas, ou em alguns casos mais severos, coisas insensatas que estão jun-
tas, como autômatos ou cadáveres ambulantes” 2
Talvez por isso a subcultura Gótica continue após tanto tempo: ela é
um espelho cada vez mais atual, ou uma resposta lúdica a um conjunto de
questões de nossa sociedade que possivelmente não terão solução nas pró-
ximas décadas. Ou séculos, se não formos otimistas…
e. APOLOGIA À CULTURA E SAUDOSISMO
É difícil dizer se os Góticos são um grupo social mais culto que outros,
mas algo que se pode dizer com segurança é que Góticos são “cultófilos”,
2
A. Henderson, “Romantic Identities” 1996, p.54, em “Visões Perigosas”, de Adriana Amaral, 2006, p.59.
Parte II O Que é Subcultura Gótica?
ou seja: colocam a “cultura” como um valor importante, geralmente em
oposição a um mundo considerado “materialista”, que rejeitam. Mas qual
“cultura” e qual “arte” é valorizada no seio da subcultura Gótica?
Góticos costumam fazer uma sacralização da cultura, considerando a
poesia e outras artes como um símbolo importante. A diferença não está
em valorizar a “cultura”, mas considerar que esta é um valor mais impor-
tante do que outras coisas “utilitárias” ou “mundanas”. Na poesia, não por
coincidência, escolas românticas e simbolistas costumam ter a preferência.
Também na vestimenta vemos uma grande tendência à fuga ao utilita-
rismo e rejeição ao pragmatismo: as peças de vestuário mais típicas dos
góticos primam pelo excesso, por adereços “inúteis”, seja na sobreposicão
de um visual pos-punk ou no rococó de um visual neo-vitoriano. Em
ambos os casos temos um afastamento do “funcional”, do “prático” e do
“natural”. E uma busca do artifício, do artificial e do artístico.
Mesmo bebendo da cultura geral, os Góticos sacralizam alguns aspec-
tos desta como estandartes de diferenciação em relação ao “gosto popu-
lar” e “mundano”. Aparentemente estes gostos dos Góticos procuram exa-
tamente demarcar uma fronteira em relação a uma sociedade dominante 57
em que o lírico e tudo que não é prático ficam em último lugar.
As mesmas referências culturais que são tão valorizadas no seio da sub-
cultura Gótica podem ser encontradas no conjunto cultural “normal”, mas no
sistema Gótico estas obras recebem outros significados por serem considera-
das relacionadas a todo um sistema de valores, comportamentos, músicas,
etc. A grosso modo, podemos dizer que um poema de Allan Poe (ou outro
autor importante) na subcultura Gótica não é mais um “ítem de cultura” mas,
além disso, se transforma em algo como um “avatar” que remete a todos os
demais elementos do sistema de símbolos da subcultura Gótica:
“O que explica essa sacralização de um tipo de obra de arte é seu cará-
ter durável, (…) estas obras cristalizam os valores e as idéias centrais do
movimento Gótico”. (Durafour, 2005)
Assim, os Góticos não parecem estar interessados em “qualquer” cultu-
ra, mas em obras duráveis e/ou de significado perene. E que sirvam para
referendar sua visão de mundo específica.
Complementar a essa busca pelo perene e durável, o “saudosismo” é,
previsivelmente, uma outra forma de rejeição ao utilitarismo do mundo
atual, que valoriza mais o novo e o descartável.
Esse saudosismo se manifesta por uma “síndrome de Paraíso Perdido”, que
pode ser tanto um “passado em que éramos mais humanos”, um “presente
decadente” ou “um futuro que vai ser apenas um passado tecnologizado”.
Não sabemos exatamente o que perdemos, mas deve ter sido melhor…
Qualquer uma dessas idéias coloca o conceito de “progresso”, no míni-
mo, como questionável.
Aqui é difícil não traçar um paralelo com o aspecto “anti-positivista” do
Romantismo e movimentos relacionados a este. Paralelo enriquecido por
todo um repertório rico de referências herdadas de movimentos de caráter
semelhante desde o final do século XIX e por todo século XX. Não é a toa
que algumas das grandes fontes de referências dos Góticos desde os anos
1980 são o cinema Expressionista, autores Românticos e o Romance Gótico.
Mas “o movimento Gótico não é verdadeiramente contestatório. Ele se
concentra mais em se mostrar, num jogo de papéis permanente (no qual se
olha no olhar do outro).” (Durafour, 2005)
58 Mas apesar desse aspecto saudosista, o meio Gótico é bastante “cele-
brativo”, pois a resposta dos Góticos ao “Memento Mori” (lembra-te que
morrerás) geralmente é “carpe noctem” (aproveita a noite, uma variante
notívaga do tradicional conselho latino “carpe diem”- aproveita o dia).
Afinal, não existe solução para este “Black Planet” dentro do limiar de
nossas existências. Mas não esquecemos do que tem sido perdido, e o cele-
bramos na privacidade e segurança de nossas “Happy Houses”.
O inferno, como diz essa nossa querida canção “é lá fora”.
59
09 TIPOS DE GÓTICOS
Os tipos abaixo são quase “abstrações puras” que praticamente não
existem isoladas. Estão ordenadas assim apenas para finalidade didática.
Afinal duas das grandes diversões na cena Gótica são: primeiro, misturar
elementos de tendências diferentes e segundo, ficar identificando as com-
binações que os outros fazem. As variantes misturando os tipos abaixo dão
margem a uma infinidade de tipos diversos.
Os tipos básicos:
a) Gótico Clássico ou Pos-Punk - O visual é inspirado pelo do it your-
self do pos-punk e new wave, tendo como modelos variantes do visual
62 usado ao longo dos anos 80 por bandas como The Cure, Bauhaus, Siouxsie
and The Banshees e similares. Os itens mais característicos são as maquia-
gens marcadas e os cabelos armados, e os visuais com sobreposições e com
influência em parte New Romantic, em parte Pos-Punk/New Wave.
b) Victorian Gothic ou Gótico Romântico - Apesar do visual do Gótico
Pos-Punk/New Wave incluir alguns ítens pseudo-vitorianos herdados dos
new-românticos, o Gótico Vitoriano se concentra em visuais que de algu-
ma forma buscam fazer um estilo de época, seja uma época passada ou um
futuro "neo-vitoriano". Pode ser, portanto, uma reconstrução de um visual
novecentista, ou um visual misturando elementos pseudo-vitorianos a ele-
mentos e materiais futuristas como latex e couro ou itens S/M.
c) Coldwave/Darkwave Gothic - Geralmente um visual quase todo preto,
mas bem mais discreto, com menos maquiagem ou sem nenhuma.
d) Cyber Góticos: É um visual baseado em restos industriais, que podem
incluir elementos de neon, pseudo implantes cibernéticos e máscaras de
gás. Se parece às vezes com um visual deathrock com elementos futuristas.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
São comuns os appliqués e extensões nos cabelos em cor, mas a cor de base
ainda é o preto.
e) Deathrock Góticos - Alguns consideram hoje o Deathrock uma subcul-
tura a parte, mas no mínimo temos muitas bandas e Góticos de tendência
próxima ao Deathrock. O visual seria o Gótico Clássico ou Pos-Punk levado
aos extremos de sobreposição de texturas e exageros, com sobreposição de
tecidos e meias rasgadas ou reutilizados, maquiagens mais agressivas ou sur-
reais. O clima circense/teatral é levado às últimas conseqüências.
f) Medieval ou Ethereal - É um visual mais usado pelas mulheres, sendo
uma variante romântica mas que escapa do clima de luto do estilo Vitoriano.
Podemos ter visuais medievais recriados ou simulações de ninfa ou fadas que
incluem elementos de várias cores e geralmente longos vestidos.
g) Circus-Cabaret-Vaudeville - Um tipo de visual apreciado por death-
rockers, mas também presente nas outras tendências. Temos o uso de indu-
mentária e maquiagem de Cabaret ou Circo estilizada, como se estivésse-
mos em um teatro de Vaudeville.
Poderíamos citar uma lista infindável de subtipos, mas não roubaremos
ao leitor a diversão e experiência de aprender a reconhecer as sutilezas des-
tes tipos e suas misturas na realidade da cena Gótica mais próxima. 63
10 SÍMBOLOS RECORRENTES
NA SUBCULTURA GÓTICA
"Eu vejo o industrial e o gótico como dois lados da mesma moeda- o
yin e o yang- o masculino e o feminino, escreve Alicia Porter em sua pes-
quisa Study of Gothic Subculture,(...) O gótico expressa o emocional, a
beleza, o sobrenatural, o feminino, o poético, o teatral;..."
(Goth Chic, Gavin Baddeley, 2003)
Por que nos atraímos inicialmente por uma subcultura com caracterís-
ticas X, Y ou Z, e não por uma subcultura com características A, B ou C?
Isso acontece pois algumas características nossas que não encontravam
um modelo de expressão e identificação em outros lugares acabaram por
encontrá-lo na subcultura Gótica e em sua Estética, Cena e História.
A identificação inicial é sempre Intuitiva e Estética: como uma paixão.
Porém, se o indivíduo em questão nunca entrar em contato com a sub-
cultura Gótica esta identificação se torna impossível.
Mas quais seriam estas características que nos atraem na subcultura
Gótica? Podemos dizer que a subcultura Gótica vem exatamente suprir
deficiências da cultura oficial industrial do ocidente. Por isso muitas vezes
elabora características opostas a ela.
A cultura oficial nos dita comportamentos despersonalizados, impede a
individualidade, nega a morte enquanto experiência vital, e é apolínea,
mecanicista, positivista e predominantemente “Yang” (masculino como
referência de humano).
Nela não há mais espaço para aquele Individualismo que o Oscar Wilde
define no seu livro "a alma do homem sob o socialismo". Assim, buscamos
“espaço” ou “algo que nos falta” em alguma subcultura.
Podemos dizer que outro elemento que caracteriza o Gótico é um cará-
ter compensatório Ying, pois a sociedade oficial é hoje predominantemen-
te Yang. Assim, buscamos um equilíbrio ou compensação.
64
Podemos observar o caráter Ying de todo sistema estético e simbólico do
Gótico (e também em grande parte da Darkwave). O conjunto destes símbo-
los é repetido em grande quantidade e freqüência em letras, músicas, roupas,
imagens, comportamentos, discursos, etc ligados a subcultura gótica:
11 A ANDROGINIA E A MAQUIAGEM
NA SUBCULTURA GÓTICA
Toda Cultura expressa e comunica seus valores através de um sistema
de símbolos estéticos. Não é diferente com a subcultura Gótica e a tendên-
cia Darkwave.
Evidentemente ninguém é obrigado a usar maquiagem ou a ser andró-
gino. Mas desde o seu estabelecimento, na virada dos anos 1970 para os
80, a subcultura chamada de Gótica teve, entre as suas características dife-
renciais, o gosto pelo jogo de cena da androginia e da maquiagem teatral.
Estes dois elementos não são gratuitos: estão ligados às demais influências
e referências culturais dessa subcultura.
AS INFLUÊNCIAS E A MAQUIAGEM
Insatisfeita com o mundo atual, a subcultura Gótica vai buscar equivalen-
tes simbólicos desta insatisfação na cultura do passado recente. Ou em um pas-
sado idealizado ou “alterado” que usamos para comentar o nosso presente.
O contrário de uma sociedade amena e pasteurizada é a busca pelo
drama, expressão e catarse. Os elementos estéticos adotados pela subcul-
tura Gótica são buscados exatamente no teatro, no cinema expressionista
e no cinema da nouvelle-vague francesa, no teatro popular ou vaudeville,
na cabaret culture dos anos 1930 e na estética da geração beat e glam, mas
também em uma estética romântica e vitoriana, adequadas a um poema de
Baudelaire ou a um conto de Poe ou de Oscar Wilde.
O TEATRO DA VIDA: LUZ FORTE
GERANDO SOMBRAS INTENSAS
O teatro e o cinema expressionista usam a maquiagem de grande con-
traste entre o branco e o negro por dois motivos básicos e convergentes:
1) a intenção de amplificar a expressão dos traços e expressões e o cará-
ter dramático das relações e
66 2) permitir a visualização a distância (no caso do teatro) e em condi-
ções de filmagens precárias (iluminação, tipo de película primitiva, etc) ou
com opções estéticas minimalista de alto contraste de luz e sombra.
Também o teatro oriental carrega muito nas maquiagens. Ainda hoje,
como era feito no passado no teatro ocidental, são permitidos apenas
homens como atores, mesmo para os papéis femininos. É quase certeza que
nas primeiras apresentações das peças de Shakespeare, Julieta fosse um
menino ou rapaz…
O conceito essencial do Expressionismo, seja na pintura ou no cinema,
é o grande contraste e a amplificação e expressão das emoções e sentimen-
tos. Por isso, o uso de luz forte para produzir uma grande sombra e con-
traste é um elemento estético que expressa um significado intencional.
A ANDROGINIA COMO REPRESENTAÇÃO
DA CRISE DOS PAPÉIS SOCIAIS
Apenas na década de 60 do século XX a questão da posição do homem
e da mulher na sociedade sofreu uma crise. Saímos de uma posição mile-
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
nar que privilegiava o homem para uma posição de crítica a este modelo,
em busca de uma igualdade que ainda estamos longe de alcançar, apesar
dos avanços. Não podemos esperar que um desequilíbrio de milênios seja
corrigido em apenas poucas décadas.
Mas desde 1960 homens e mulheres começaram a conquistar o direito
de expressar e desenvolver partes de suas psiques que antes lhes eram veda-
das. Por exemplo, as mulheres conquistaram o direito a se desenvolver inte-
lectual e profissionalmente, e os homens, emocional e parentalmente.
Agora as meninas já podem ser mais independentes e os meninos já
podem chorar. As mulheres podem ter a satisfação profissional enquanto os
homens vêm conquistando o direito de serem pais, e não apenas provedo-
res de suas famílias. Foi apenas o começo do caminho para que ambos os
gêneros se tornem um dia seres humanos mais completos.
Mas o que nos interessa aqui é que vários movimentos de vanguarda
desenvolveram estéticas exageradas ("expressionistas") para expressar essas
mudanças. Ou para lutar por elas.
A ANDROGINIA ESTÉTICA
As cenas culturais de vanguarda ou underground de várias épocas ante- 67
ciparam as questões do futuro, ao mesmo tempo que abrigavam aqueles
que não tinham lugar na sociedade oficial por estarem em desajuste com
o pensamento de sua época.
Nos anos 1970, a questão da bissexualidade psicológica do ser huma-
no foi expressa de forma radical pelo movimento Glam-Rock. O uso da
maquiagem neste movimento é largamente difundido, tanto para homens
quanto para mulheres.
Foi realmente um choque radical para criar a ruptura com uma socie-
dade que ainda preservava modelos tradicionais do que é ser homem e o
que é ser mulher.
Com o tempo, o choque se diluiu e foi absorvido, e algumas mudan-
ças, que são hoje consideradas normais, foram estabelecidas.
Oficialmente o Glam acaba em 1975, mas boa parte de seus conceitos
vai, a seguir, ser absorvida por novos movimentos que estão surgindo: a
new-wave, o pos-punk inicial, o new-romantic e o gótico.
ANDROGINIA X HOMOSSEXUALIDADE
Androginia e homossexualidade não são a mesma coisa. Androginia é
uma opção estética e a homosexualidade é uma opção sexual.
Assim, um homem ou uma mulher pode optar por uma estética
Andrógina e ao mesmo tempo ter qualquer opção sexual: heterossexual,
homossexual, bissexual ou nenhuma das anteriores…
Além disso, a maioria dos Homossexuais não usa visual andrógino,
sendo bastante comum visuais totalmente masculinos e alguns visuais até
com certo exagero das características masculinas (barba, bigode, cavanha-
que, músculos trabalhados, costeletas, etc). E as homossexuais femininas
freqüentemente usam visuais socialmente aceitos como femininos.
Evidentemente que no passado, em uma sociedade conservadora, pre-
conceituosa e homofóbica, uma subcultura como a Gótica, que usa a
androginia como símbolo estético, sofria do mesmo preconceito que a
homossexualidade sofria.
Ao mesmo tempo, antes da organização dos movimentos pelos direi-
tos homossexuais nos anos 90 e da formação de uma cena e subcultura
68 GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), fica fácil entender por que a subcul-
tura Gótica era uma opção de abrigo para homossexuais de ambos os
sexos. Em qualquer outra cena alternativa sofreriam mais preconceito. Não
que não sofressem também nesta, mas ao menos na cena Gótica isso era
uma incoerência.
Essa "licenciosidade" simbólica na esfera sexual acabou agregando
vários elementos fetichistas à estética da subcultura Gótica e Darkwave,
como os elementos estéticos Sado-Masoquistas. Mas, na maioria dos casos,
estes elementos são usados apenas como fetiches estéticos.
Cabe ressaltar que hoje na subcultura Gótica é mais comum um visual
feminino tanto para as mulheres como para os homens. Hoje, vemos um
número muito menor mulheres com visual andrógino do que em outras
cenas. Talvez fosse mais apropriado dizer que a subcultura Gótica valoriza
um certo tipo de “feminilidade estética” tanto para homens como para
mulheres.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
A ANDROGINIA E O VAMPIRO:
A FACE BRANCA DO IMPURO
Ao longo dos anos 1990 o Vampiro se tornou um ícone pop ainda
maior do que nos anos 1980. Como sabemos, o Vampiro é considerado um
símbolo da expressão de impulsos tidos como impuros ou pecaminosos
pela sociedade oficial. Este uso simbólico do mito do Vampiro é coerente
com os demais elementos estéticos do Gótico que abordamos aqui. Assim,
um Gótico pode usar um visual de Vampiro ou não. Esta é uma das diver-
sas opções de visual.
MAQUIAGEM BRANCA E A QUESTÃO ÉTNICA
Como vimos nos itens anteriores, a maquiagem branca do Gótico não
tem nenhuma ligação com a intenção de parecer ou ser mais “branco” do
ponto de vista étnico. Pelo contrário, o branco na maquiagem Gótica sim-
boliza uma expressão dramática ou catártica, ou ainda o caráter do Impuro
do Vampiro ou ainda da palidez da morte como questão existencial.
Ao mesmo tempo, a inclusão de diversos elementos estéticos de cultu-
ras não-européias modernas no universo Gótico e Darkwave (asiáticos, afri-
canos, orientais, pagãos) caracterizam nossa subcultura como multi-cultu- 69
ralista. Ao mesmo tempo, elementos estéticos da cultura Européia antiga
são integrados nesta "salada-de-frutas".
Por isso temos Góticos de todas as etnias: brancos, negros, amarelos,
mulatos, vermelhos, verdes…(bem, se levarmos em conta a maquiagem, a
lista não tem fim…).
A INDIVIDUALIDADE DENTRO DE UMA CULTURA
Toda Cultura expressa e comunica seus valores através de um sistema
de símbolos estéticos. Não é diferente com a subcultura Gótica. Da mesma
forma, há pessoas que usam de formas diferentes ou em quantidades dife-
rentes o repertório estético da cultura a qual pertencem. Também, existe
um uso estético diferente para cada ocasião: existe uma estética para o tra-
balho, uma para a festa, outra para o casamento, uma para o dia, outra
para a noite, e assim por diante.
Assim, uma pessoa pode construir uma individualidade dentro de uma
cultura. Quanto mais informação estética uma pessoa tiver, maior o reper-
tório que ela tem para escolher elementos estéticos coerentes com a sua
personalidade e intenções.
O mesmo vale para as características simbólicas, artísticas e psicológi-
cas em uma subcultura. Esta questão é mais desenvolvida na parte “c” do
capítulo “9- Características da Subcultura Gótica”.
MODA OUTONO-INVERNO… E O ANO INTEIRO.
A subcultura Gótica foi influenciada e herdou elementos de movimen-
tos contra-culturais, e já surge com a desilusão de que "não adianta per-
der tempo com a sociedade oficial, vamos criar nosso mundo à parte,
incluindo o que falta no outro".
Neste aspecto, podemos dizer que a subcultura Gótica é mais “comple-
ta” que a cultura oficial, pois inclui todos os elementos desta e mais os
aspectos "obscuros" e dramáticos que ela nega. Se a cultura oficial é a pri-
mavera e o verão, a subcultura Gótica é o ano completo.
Evidentemente, por efeito compensatório da alienação da sociedade
oficial, a subcultura Gótica enfoca mais o outono e o inverno. Mas de
forma alguma deixa de "dançar saltitante nas paixões da primavera e de
70 sucumbir à lassidão e ludicidade luxuriosa dos verões escaldantes".( rsss....)
Enquanto o outono e o inverno não chegam, é claro…
12 A TEMÁTICA MÍSTICA
EM UMA SUBCULTURA LAICA
“Following the footsteps, of a rag doll dance, we are entranced.
Spellbound”
“Speelbound”- Siouxsie & The Banshees
A Subcultura Gótica é laica, isto é, não tem religião. E muito menos se
constitui ela mesma uma doutrina religiosa ou mística.
A ligação da subcultura Gótica com o ocultismo é meramente simbólica:
ela se apropriou de alguns símbolos ligados historicamente a alguns misticis-
mos e os usou de outra forma, da mesma forma que se apropriou de símbo-
los das mais diversas simbologias para construir seu sistema simbólico próprio.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Evidentemente isto muitas vezes fez com que pessoas que, em suas
vidas pessoais, adotassem cultos pagãos europeus, ameríndios, africanos,
asiáticos -ou de outras religiões não judaico-cristãs- se sentissem confor-
táveis ou atraídos pela subcultura Gótica.
Paralelamente a subcultura Gótica, desenvolveu-se um circuito de ban-
das e pessoas que levam alguns destes cultos mais a sério, mas isto é uma
opção pessoal e complementar de cada um.
A subcultura Gótica apenas é tolerante o bastante para não disseminar
nenhuma espécie de restrição a escolhas religiosas pessoais. Apenas, como
já comentamos acima, é comum na subcultura Gótica e Darkwave (e talvez
ainda mais no Death-Rock) encontrar letras e músicas que façam um uso
de símbolos religiosos que pode ser considerado herético por alguém que
seja religioso de forma dogmática. Também não são incomuns citações
ateístas (mas isso é uma escolha pessoal de algumas bandas).
CITAÇÕES EM BANDAS E MÚSICAS
Alguns exemplos são:
• Ian Astbury, da banda Southern Death Cult (depois “Death Cult” e, finalmente
“The Cult” a partir de 1983) tinha uma temática muito ligada ao paganismo
e xamanismo dos índios da américa do norte. Além da adoção de 71
percussões tribais, a influência é de Jim Morrisson, que representava transes
xamanísticos em seus shows. Músicas como “Apache”, “Moya” e “Ghost
Dance” são literais. A temática da banda The Doors parece ter influenciado
outras bandas góticas também.
• A música "Pagan Love Song" do Virgin Prunes,
• o album "Juju" do Siouxsie and The Banshees, (Juju é uma palavra africana
para "Karma", e a capa traz uma escultura africana). Ao lado das percussões
tribais o nome “Siouxsie Sioux” também é auto-explicativo: Sioux é uma tribo
norte-americana.
• a banda Cristian Death trabalhou ostensivamente com a temática cristã,
geralmente de forma chocante ou herética.
• A música “Inkubus Sukubus” do X-Mal Deutschland
• o nome da banda Dead Can Dance e a capa do primeiro álbum referem-se a
uma máscara ritual da Nova Guiné e seu significado simbólico.
• a temática de halloween, vodoo e bruxaria é comum, mas geralmente em
tom de brincadeira.
• bandas com nomes como “Two Wiches” e “Inkkubus Sukubus” dispensam
maiores explicações. Esta segunda banda tem uma militância Pagã-Celta
explícita.
• a banda “The Jesus and Mary Chain”, além do nome considerado herético
por alguns, também usa metáforas cristãs e o nome de Jesus de forma total-
mente descompromissada.
SATANISMO E CRISTIANISMO:
A subcultura Gótica é laica, ou seja, não tem religião, mas também não
é anti-religiosa por definição.
Não existe nenhuma ligação direta e literal da subcultura Gótica e
Darkwave nem com Satanismo nem com Cristianismo.
Qualquer citação neste sentido é encontrada no sentido metafórico ou
poético. Por exemplo: o crucificado como símbolo de sofrimento sentimen-
tal, ou o demônio como símbolo das tentações, o anjo caído como símbo-
lo da perda das ilusões ou utopias, etc.
Um gótico pode ter qualquer religião ou nenhuma religião. Religião ou
crença mística é uma questão privada e pessoal de cada um.
13 GLOSSÁRIO DE ESTILOS MUSICAIS
RELACIONADOS À SUBCULTURA GÓTICA
Obs1: O foco deste glossário é a formação dos estilos gothic/darkwa-
ve/post-punk e "parentes" mais próximos. Obviamente, se o foco fosse a
formação de outros estilos, estes estariam mais detalhados.
Obs2: Importante ressaltar que:
a) Uma banda não tem um rótulo único. Geralmente existe mais de um
rótulo aplicável à mesma banda.
b) Na mesma época, o mesmo estilo pode receber nomes diferentes em
países diferentes.
c) Em épocas diferentes o mesmo estilo pode receber nomes diferentes
no mesmo país.
d) A mesma banda pode ir mudando de estilo ao longo do tempo ou
trafegar por vários estilos na mesma época.
Abaixo, comentamos, alguns mais longamente que outros, os seguintes
rótulos/estilos (a ordem não é cronológica):
74
INFLUÊNCIAS (1965-1977):
01 Os 60’s e Glam Rock
02 KrautRock
03 Punk
NEW WAVE/ POS-PUNK/ WAVEs (1978 em diante):
04 New Wave
05 Cold Wave e French New Wave
06 Neue Deutsche Welle (NDW) ou New Wave Alemã
07 Pos-Punk
08 Industrial
09 E.B.M.
10 DarkWave
11 Gothic
12 New Romantic
13 Death-Rock
14 Ethereal e Ethno
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
15 Synth-Pop
16 Trip-Hop
17 "80's"
INFLUÊNCIAS
01. 60’s e GLAM ROCK:
Acid-Rock, Rock Psicodélico, Folk-Rock, os restos do movimento Beat:
alguns artistas da segunda metade dos anos 1960 inauguraram elementos
que influenciariam tanto o punk como continuariam referências no pos-
punk e no Gótico.
The Doors e Velvet Underground praticamente na mesma época, em
extremos opostos dos Estados Unidos, trouxeram algo novo para o univer-
so do rock e da música alternativa. O estilo de poesia de suas letras, de ima-
ginários explorados nos textos Beat tardios de Jim Morrisson e Lou Reed
se tornam referências essenciais.
A quantidade de "hinos" que essas duas bandas produziram nos seus
primeiros álbuns entre 1967 e 1969 marcou profundamente a geração que
estaria fazendo música no começo dos anos 80. Também é curioso notar 75
a quantidade de covers das bandas The Doors e Velvet Underground que
foram realizados por bandas Góticas e Darkwave. Sem falar na influência
óbvia de estilo e estética.
Já o Glam-Rock existiu oficialmente de 1970 a 1975. O estilo se carac-
teriza por uma temática hedonista-decadentista, (algo que já víramos no
Doors e no Velvet antes) androginia, e um Rock básico ou recheado de
experimentalismo, muitas vezes considerado proto-Punk. Mas também
havia lugar para muito lirismo, folk, cabaret e poesia.
Ex: T-Rex, New York Dolls, Iggy Pop (& Stooges), David Bowie, Lou
Reed, Roxy Music, Sweet, Slade, Gary Glitter, etc. (Obviamente muitos des-
tes artistas tiveram carreiras antes e depois da fase Glam-Rock).
O Glam-Rock influenciou diretamente o Pos-Punk e o Gótico, tanto na
musicalidade como em suas temáticas e abordagens, sendo que muitas das
primeiras bandas Góticas pareciam e soavam muito como bandas Glam-
Rock. Ex: Bauhaus e Specimen.
Por exemplo, para reagir ironicamente às críticas de que era “apenas um
revival glam”, o Bauhaus lançou um compacto com um cover quase idên-
tico de “Ziggy Stardust” de David Bowie e com o símbolo facial de Bowie
na capa sobre o logotipo do Bauhaus.
Não poderíamos deixar de citar a influência transversal do “country
obscuro” e da “chanson” francesa tardia. Pelo primeiro grupo temos, por
exemplo, Johnny Cash, que além das letras voltadas para o “dark side”
ficou conhecido no final dos anos 60 como “the man in black” pois popu-
larizou um estilo incomum no country na época: roupa preta, longos
sobretudos negros e chapéus da mesma cor.
O poeta e escritor canadense Leonard Cohen desde seu primeiro álbum
em 1967 também se tornou um ícone para a geração seguinte de compo-
sitores. Por exemplo, o nome da banda The Sisters of Mercy e o famoso
verso “some girls wander by mistake” saíram deste primeiro álbum.
Do lado da chanson francesa, com seu estilo decadentista de “crooners
dramáticos” temos que citar os trabalhos mais tardios de Jacques Brel,
principalmente seu álbum de despedida quando soube que iria morrer. Liza
Minelli não é uma cantora francesa e sim Americana, mas ela encarnou
76 com perfeição o estereótipo da “decadence” dos cabarets no musical e no
filme “Cabaret” de 1972, que marcou a geração que se seguiria.
02. KRAUTROCK:
Krautrock é o nome que se dá ao experimentalismo no Rock alemão do
final dos anos 60 e ao longo dos anos 70. Este experimentalismo mistura
rock, psicodelia, música experimental eletrônica, música concreta, eletroa-
cústica, minimalismo, proto-industrial, música erudita moderna experimen-
tal, jazz e quase tudo que se possa imaginar…
O Krautrock foi influente tanto no pos-punk como na música Industrial
e as tendências eletrônicas, assim como as várias tendências pos-punk, new
wave, além do synth e EBM.
EX: Kraftwerk (que influenciou quase tudo que se conhece em termos
de música eletrónica), Can, Neue, Tangerine Dream, Faust, Popol Vuh (res-
ponsável pela trilha sonora da refilmagem em 1979 do clássico “Nosferatu”
por Werner Herzog), Cluster, Amon Düül II, etc.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
03. PUNK:
Punk é um rótulo polêmico. A primeira polêmica é se é um estilo norte
americano ou britânico. Outra polêmica é se começou em 77 ou terminou
em 77…
A hipótese mais plausível é que tanto o som punk quanto o nome tenha
surgido em território norte-americano. O som, a partir de bandas do final
dos anos 60 como MC5 e The Stooges (de Iggy Pop). O nome a partir de
uma revista/zine do começo dos anos 70. Ainda nos Estados Unidos temos
a banda New York Dolls (1970-1974) que trazia uma mistura de rock bási-
co e estilo que seria base para o Glam também. Em seguida temos uma
segunda geração, ligada ao clube CBGB, que contava com grupos como
Richard Hell and The Voidoids, Television, Patty Smith Group, Talking
Heads, Blondie e The Ramones. Isso tudo até 1975.
Mas esse punk norte-americano era bem mais variado, com temáticas
poéticas e ao mesmo tempo agressivas, líricas e suaves intercaladas com
arroubos sônicos. Diferente do que ficaria conhecido como punk a partir
de 1977 com os ingleses do Sex Pistols: desenvolvido por Malcoln McLarem
este “punk” tem uma temática mais extrospectiva e política.
77
Testemunhas e relatos deixam claro que depois de não conseguir levar
Richard Hell e remanescentes do New York Dolls para a Inglaterra, McLaren
resolveu montar uma banda cópia deles para promover sua loja de roupas.
Assim acaba um "punk" e começa "outro punk".
Obviamente muita gente levou a farsa situacionista dos Pistols a sério
e criou-se algo maior que o esperado. A ética "faça você mesmo" (do it
yourself, ou DIY) teve pelo menos um efeito benéfico: fazer com que muita
gente que jamais ousaria tocar em um instrumento saísse de casa e conse-
guisse transmitir sua mensagem e, em alguns casos, se desenvolvessem
como artistas. Depois o punk se dubdividiu em uma infinidade de sub-esti-
los que precisariam de um dicionário para serem descritos.
Mas o que nos interessa aqui é que as primeiras bandas Góticas surgi-
ram no furor do "pos-punk", sendo que muitos dos membros da primeira
geração de bandas estiveram em bandas punk anteriormente. Assim, por
um período, de 1978 a 1982 aproximadamente, o Gótico é mais relaciona-
do com o cenário Punk/Pos-Punk. Depois de 1983/1984 se constitui clara-
mente como uma subcultura separada e autônoma, com outras influências
se destacando (Krautrock, Glam, Acid-Rock, estilos Eletrônicos, New-wave,
etc), e vem evoluindo e se desenvolvendo até hoje.
OBS: dica de leitura: Mate-me Por Favor, de Legs McNeil e Gillian
McCain (vol I e II)
NEW WAVE/ POS-PUNK/ GOTHIC/ WAVEs:
04. NEW-WAVE:
Um dos rótulos mais incompreedidos que existe, coitado, é "New
Wave". Talvez porque o rótulo acabou se tornando abrangente demais.
“WAVE”, em geral, acaba sendo um termo usado para as diversas
“ondas” e novos estilos que surgiram e se propagaram depois do punk e de
todo o experimentalismo dos anos 70, influenciados pela rejeição de for-
mas consideradas “velhas” de fazer música. Às vezes podemos encontrar a
expressão “as waves” se referindo às várias correntes que comentamos
abaixo, new wave, ndw, coldwave, gothic-wave e depois darkwave.
A versão mais reproduzida sobre a origem do nome “new wave” é que
ele vem de "French-New-Wave", um movimento de renovação do Cinema
78 Francês da década de 60, representados por cineastas como Jean Luck
Godard, François Truffaut, etc. Esse movimento é chamado em francês de
"Nouvelle Vague" (nova onda, new wave). Os filmes costumam ser mais
sombrios, “noir”, às vezes existencialistas e irônicos, usando de muito sim-
bolismo e abordando a alienação social e psicológica do indivíduo. Como
estes filmes eram muitas vezes “independentes”, as bandas “independen-
tes” teriam sido assim chamadas por associação. Depois o termo New-Wave
adquiriu outros sentidos.
Na musica-pop, no final dos anos 70 para o começo dos 80, o termo
New-Wave começou a ser usado para designar as bandas que haviam
começado em 1974/75 como Punk, mas depois seguiram um caminho
experimental. Ex: Talking Heads, Patty Smith, Television, Blondie e outros
da cena de Nova York.
Ícones new-romantic também podem ser classificados como new-wave
(ex: Duran Duran, Visage, Culture Club), assim como fases menos “punk”
de bandas do “pos-punk” (The Cure, Siouxsie and The Banshees, etc).
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Alguns artistas se tornaram estereótipos New Wave exatamente por
explorarem também a questão do visual e aproveitarem o surgimento do
vídeo e da MTV: The Buggles, Devo, Cindy Lauper, PIL, B-52’s, Culture
Club, etc.
Temos ainda a versão francesa do Movimento musical New-Wave a
"French-New-Wave" (algumas bandas sendo chamadas também de
ColdWave) e a NDW alemã (Neue Deutsche Welle).
O movimento New-Wave, assim, de forma alguma se resumia a apenas
“um povo com roupa colorida que dançava para sintetizadores".
05. COLDWAVE e FRENCH NEW WAVE:
“A falta de perspectivas e o isolamento “entre quatro paredes” fez a
dupla Bowie/Eno criar – sobretudo em Low – texturas sonoras que eram
descritas como um “deserto futurista congelado por sintetizadores”. Nascia
ali o embrião do gênero que viria a ser conhecido por cold wave ou a fac-
ção mais fria, robótica e apocalíptica do pós-punk. Não por acaso, o Joy
Division tiraria seu primeiro batismo (Warsaw) da faixa de abertura do Lado
B de Low” (texto online de Abonico R. Smith).
Eventualmente chamado também de “Cold New Wave”, ou ainda um 79
estilo tardio de pos-punk ou de “pré-darkwave”, o termo Coldwave é apli-
cado ao trabalho de linha eletrônica minimalista e “frio”, mas sem deixar
de ser dançante, usado especialmente para bandas francesas do final dos
anos 70 e anos 80. EX: Opera Multi Steel, Trisomie 21, Collection
D’Arnell~Andrea, Guerre Froide, Clair Obscur, Kas Product, Asylum Party,
Barroque Bordello, Little Nemo, Norma Loy, etc.
Além de Gary Numan, também Cabaret Voltaire, a fase "Faith" do The
Cure, Cocteau Twins, Dead Can Dance e algumas fases de Siouxsie and The
Banshees são citados como ColdWave.
Mais tarde o termo Darkwave foi aplicado retroativamente a muitas
destas bandas, sendo que por associação o termo Gótico e Darkwave aca-
bam sendo usados paralelamente.
Cuidado: existe um segundo sentido de Coldwave, totalmente diferen-
te deste, usado principalmente nos EUA e que se refere a um ramo de
Industrial-Rock.
06. NEUE DEUTSCHE WELLE (NDW):
Na Alemanha temos a Neue Deutsch Welle (NDW - Nova Onda Alemã,
German New-Wave), que ia desde um lado mais experimental até outro
mais comercial. Do lado mais experimental é comum listar bandas que
encontramos também catalogadas como Industriais ou Góticas: Malaria, X-
Mal Deutschland, Einsturzende Neubauten, etc. Temos bandas como o
Liaisons Dangereuses que podem ser consideradas o “elo perdido” entre o
pos-punk, eletro e o que viria a ser chamado de EBM/Industrial. Do lado
mais comercial: Falco, Trio, Spyder Murphy Gang, Nena, etc.
Definitivamente, uma música de temáticas noir, mas com abordagem
pos-punk usada com elementos eletrônicos. Podemos traçar um paralelo
com a Cold Wave francesa, mas em um país que foi o berço do experimen-
talismo do Krautrock, tendo uma influência mais forte deste.
Obs:Assim, considerando todas as variantes do uso desses rótulos, fica
mais fácil entender a mistura desde os anos 80 entre o público e som
Gótico, DarkWave e NewWave nas casas noturnas paulistanas chamadas de
"góticas”.
07. POS (T)-PUNK:
80
Positive-Punk (ou Posi-Punk) e Pos-Punk não são a mesma coisa.
Não vamos entrar em detalhes em um glossário, apenas basta saber que
o rótulo Positive Punk (ou Posi-Punk, com “i”) foi usado pela imprensa
inglesa por um período durante 1983, mas este rótulo foi abandonado com
o “boom” “Goth” logo a seguir. (mas positive punk não é também sinôni-
mo de Goth).
Pos-Punk (ou Post-punk, com “T”) é um termo que abrange bandas de
diversos estilos e tendências, sendo às vezes difícil estabelecer a fronteira
com outro termo genérico, a New Wave. Assim o essencial é saber que o
“Pos-Punk” é um conjunto maior que continha várias tendências, e o Gótico
foi apenas uma delas no período de 1978 a 1983 aproximadamente. Assim,
nem toda banda Gótica é pos-punk, e nem toda banda pos-punk é Gótica.
A abordagem do pos-punk já era diferente do punk: mais introspectiva,
onírica, sensível e irônica, mas sem perder o humor-negro. As temáticas
eram variadas, usando de todo repertório Pop como metáfora para comen-
tar questões cotidianas. O Pos-Punk, como termo genérico, definia um
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
leque grande de estilos, com base comum nos princípios do minimalismo,
experimentalismo e outros comuns ao punk, o glam-rock, new-wave, NDW,
Industrial, synth e o punk-glam, misturando ainda ritmos latinos, tribais e
da black-music. Ou simplesmente tudo que soasse minimamente “novo”
depois do punk.
Exemplos de Bandas consideradas tanto Góticas como Pos-Punk:
Bauhaus, Alien Sex Fiend, The Damned, Sex Gang Children, Malaria, The
Cure, X-Mal Deutschland, Siouxsie and The Banshees, Birthday Party, Nick
Cave, Specimen, Joy Division, etc.
Obviamente muitos dos fans das bandas Góticas pos-punk não eram
Góticos, da mesma forma que muitos Góticos gostavam (e gostam) de ban-
das pos-punk que não são Góticas. O que explica porque bandas novas do
revival pos-punk que acontece no começo do século XXI são bem recebi-
das pelo público Gótico.
Resumindo, podemos dizer que a partir de 1983 o termo Gothic se fixa,
sendo aplicado também retroativamente.
08. INDUSTRIAL:
81
O Termo “Industrial” teria sido sugerido pelo músico e performer Monte
Cazazza: “música industrial para pessoas industriais”. A idéia era uma “não-
música” que satirizasse o mundo Industrializado. Influenciados por expe-
riências feitas na música erudita experimental ao longo do século XX, um
dos resultados foi o Industrial que surgiu em meados dos anos 70, princi-
palmente ligado ao selo Industrial Records.
No final dos anos 70, na Inglaterra, os mesmos conceitos eram desen-
volvidos pelos pioneiros do Throbbing Gristle, do Cabaret Voltaire e do
Clock DVA.
Industrial constituía em buscar fazer algo “musical” sem melodia ou
mesmo sem instrumentos, usando de objetos cotidianos e/ou industrializa-
dos. As sonoridades podiam ser tanto extremamente delicadas quanto
totalmente perturbadoras e agressivas.
Em 1980, surge um dos Ícones do Industrial, a banda alemã Einsturzende
Neubauten. Com o tempo, algumas bandas vão mesclando o estilo com
outros, e surge o Industrial-Rock, como o caso da banda Nine Inch Nails, mas
inicialmente ainda guarda ligação com o estilo original.
Logo cedo bandas de Industrial incorporaram os novos experimentalis-
mos eletrônicos, sendo que é comum encontrarmos grupos que transitam
nas misturas Industrial/EBM/ Synth-Pop/ Electro. O Industrial tem origens
bastante próximas ao EBM, e às vezes os estilos se confundem.
Bandas importantes: Das Ich, Skinny Puppy, Front Line Assembly, The
Young Gods, etc.
Mais recentemente, ao longo dos anos 90, se popularizou um outro
estilo chamado “Industrial”, com muitos elementos de Metal, mas que não
tem mais quase nada da experimentação do Industrial original. Tais ban-
das são chamadas de Industrial-Metal.
Mas ainda podemos encontrar bandas que fazem hoje um som
Industrial mais tradicional.
09. E.B.M. (Eletronic Body Music):
EBM é outro dos estilos surgidos do experimentalismo eletrônico dos
anos 70, guardando sempre grande intercâmbio com o Industrial e geran-
82 do sub-gêneros. O maior Ícone é a banda FRONT 242. Outras são Nitzer
Ebb, Klinik, Neon Judgement, Skynny Puppy, Front Line Assembly, Leather
Strip, Wumpscut, Hocico, etc.
Como pode ser visto no ítem sobre Industrial, não é fácil estabelecer
uma fronteira clara entre os estilos. Também ao longo dos anos 80 e 90 a
“EBM” incorporou experências com vários outros estilos, incluindo elemen-
tos electro, breakbeat, synth e até mesmo trance e techno, gerando desde
sonoridades altamente experimentais quanto, por outro lado, estilos que
fazem a felicidade de clubbers pelo mundo todo.
Da mistura de EBM, Synth-pop e elementos de Trance (ou outros esti-
los bastante eletrônicos, dançantes e pops) surgiu no final dos anos 90 o
chamado “Future Pop”.
10. DARKWAVE:
Este é um dos rótulos mais controversos. Existem pelo menos três sig-
nificados mais difundidos para DarkWave:
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
a) DarkWave foi o rótulo utilizado para bandas principalmente alemãs
do começo da decada de 90, mesmo que depois algumas delas tenham
enveredado por estilos que hoje recebem outras classificações. Ex: Project
Pitchfork e Das Ich. O termo acaba sendo usado hoje para grupos que tra-
fegam do synth-pop ao EBM/Industrial, mas abusando de temáticas, climas
e vocais que os aproximam do Gótico e da Coldwave. EX: Deine Lakaien,
Diary of Dreams, Wolfsheim, Diorama, Clan of Xymox (depois de 2.000,
principalmente), etc.
b) No Começo dos anos 90 a gravadora norte-americana Projekt come-
çou a usar o termo DarkWave para definir seu catálogo. Como esse catálo-
go incluía muitas bandas similares a Cocteau Twins, Dead Can Dance e
sonoridades Ethereal, estes estilos passaram a ser chamados também de
Darkwave. Por extensão, passou-se a chamar de DarkWave retroativamen-
te a bandas dos anos 80 que tinham estilo semelhante a Coldwave e que
na verdade influenciaram a DarkWave dos anos 90. Ex: bandas francesas
como Opera Multi Steel, Collection D’arnel Andrea e as duas bandas
Inglesas já citadas. Bandas que começaram fazendo uma New-Wave mais
alternativa ou “obscura” passaram a ser incluidas neste rótulo. Muitas ban-
das do estilo Ethereal também acabam sendo colocadas nesta classificação:
83
Ex: Black Tape for a Blue Girl, Love Spirals Downward, Lycia, Bel Am.
etc, Reclassificadas retroativamente: Cocteau Twins, Dead Can Dance,
Opera Multi Steel, etc.
c) Se bandas como Cocteau Twins e This Mortal Coil foram lançadas
pelo mesmo selo que Bauhaus (4ad), também acabou se usando o termo
Darkwave para todo o Gótico que não fosse muito “Rock”. Algo como uma
“New-Wave mais obscura”. Assim, em alguns casos, Darkwave é usada
quase como sinônimo de Gothic. Além disso, bandas como The Cure (prin-
cipalmente de 81 a 83) e Cocteau Twins, só para dar dois exemplos, na
mesma época trabalhavam com sonoridades muito próximas (Coldwave ou
“góticas” na opinião de alguns).
Esses 3 sentidos às vezes se complementam, às vezes se confundem…
Às vezes, também, em vários países, o termo “Darkwaver” é usado pelas
pessoas como auto-definição para se classificarem como “verdadeiros
Góticos” em oposição aos “góticos comerciais da MTV”, dos fãs de Marylin
Manson, Nu-Metal ou dos Gothic-Metallers…
11. GOTHIC
“GOTH”, Gothic, ou Gótico não é exatamente um estilo musical, mas
uma abordagem e conjunto de características que podem ser aplicados a
vários estilos musicais “wave” ou “pos-punk”. Assim podemos ter bandas
Góticas fazendo Eletro-Goth, Synth-Goth, Gothic-Rock, Pos-Punk-Goth,
“Gothic” Darkwave (apesar desta ser quase uma redundância….), Ethereal
Gothic, etc.
Também nem toda música “gótica” é rock. O Rock’n’Roll é apenas um
dos inúmeros gêneros musicais usados como veículo do estilo e subcultu-
ra Gótica.
O Goth/Gothic se tornou muito mais que um gênero musical: uma sub-
cultura e um estilo de vida que acabam caracterizando até outros gêneros
musicais (desde que estes não sejam estéticamente – musical e liricamente
- incoerentes com o que significa Gótico no nosso contexto). EX: Electro-
Goth, Darkwave, Deathrock (apesar deste existir também como cena em
separado), Ethereal, Ethno, Gothic-Industrial, Pos-Punk, etc
Alguns exemplos de bandas Góticas de vários estilos musicais:
Switchblade Symphony, Clan of Xymox, Bauhaus, Faith and The Muse,
84 Siouxsie and The Banshees, Nosferatu, London After Midnight, Opera Multi
Steel, The Ghost of Lemora, Cruxshadows, Blutengel, Paralysed Age, Diva
Destruction, Ikon, Corpus Delicti, Sisters of Mercy, Poesie Noire, etc..
Apesar de usos anteriores entre 1967 e 74, os primeiros usos “oficiais”
do adjetivo “Gothic” foram no final da década de 70 para bandas como
Bauhaus, Joy Division e Siouxsie and The Banshees, que eram tambem cha-
madas nessa época de pos-punk.
O Gótico continuou seu desenvolvimento ao longo dos anos 90 e no
seculo 21, desenvolvendo cenas em todas as latidudes e longitudes.
12. NEW ROMANTIC:
Tudo começou no Blitz Club…
No começo dos anos 1980 o estilo New-Romantic foi uma tendência
ligada a New-Wave baseado inicialmente no clube londrino Blitz (desde
1979) e muitos outros. O estilo New-Romantic que conviveu e influenciou
muitas bandas chamadas Góticas ou Death-Rock, sendo que características
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
do New-Romantic foram incorporadas à estética Gótica, ou, vendo de
outro ponto de vista, se desenvolveram juntas.
Musicalmente, a principal diferença entre o New Romantic e o Glam-Rock
(cuja influência é óbvia) é que enquanto o Glam-Rock tinha uma sonorida-
de mais orientada para a guitarra e o rock, o New Romantic era mais orien-
tado para bases electropop, sintetizadores e para as pistas de dança.
O New-Romantic se caracterizava por uma espécie de ultra-individua-
lismo dândi, expressado por roupas super “chiques” (mas geralmente
modernizadas), maquiagens ultra radicais e por uma música hedonista e
dançante. Os ícones eram David Bowie e Duran Duran. Lembram do visual
e do som destes dois no começo dos 80’s ?
Outras bandas importantes: Classic Noveaux, Visage, Depeche Mode
(principalmente no começo), Soft Cell, Gary Numan, Culture Club, Adam
and The Ants, Spandau Ballet, Japan, Ultravox. etc
13. DEATH-ROCK:
O termo “Death-Rock” surge nos Estados Unidos aproximadamente em
1981 com a banda Christian Death. Depois, quando o termo Goth se firma
na Inglaterra, “Death-Rock” passa a ser usado também lá para as bandas 85
“pos-punk/Góticas” mais “punk-góticas”. Enfim, os Góticos tendem a con-
siderar a maioria delas Góticas também, apesar de muitos deathrockers
rejeitarem a associação.
O Death-Rock pode ser visto tanto como uma cena à parte ou como
uma parte do Gótico. Historicamente, seria o lado do Gótico mais ligado
ao Punk-Rock, mais escrachado, irônico, decadente, circense e ligado a um
clima de cabaré dadaísta. Não que estas referências não estejam no Gótico
em geral, mas no Death-Rock elas são muitas vezes exageradas e levadas
ao extremo. Mas sem perder um certo tom existencial ou nihilista.
Ex: Alien Sex Fiend, Sex Gang Children, Cristian Death, Cinema Strange,
The Last Days of Jesus, Bloody Dead and Sexy, Tragic Black, etc.
Dentro do Death-Rock existem várias subdivisões e variantes. Algumas
se aproximam mais do Gótico, se tornando difícil distinguí-los enquanto
outras se afastam do Gótico, chegando até a um punk-hardcore de temá-
tica de Horror.
Considerada como cena à parte, o Death-Rock pode incluir tendências
que não são aceitas na cena Gótica, da mesma forma que várias tendên-
cias Góticas são paradoxalmente repudiadas por deathrockers como “não-
góticas”. Realmente é um casamento complicado…
Aqui abordamos apenas o Death-Rock do ponto de vista da cena
Gótica.
14. ETHEREAL e ETHNO:
Nas subdivisões da Darkwave, temos o Ethereal, conhecido por suas
melodias lentas e delicadas e seu clima onírico. Pode ter base eletrônica ou
acústica, confundindo-se com o Ethno, se explorar ritmos ou melodias
Ethnicas, ou seja, rítmos e instrumentos músicas tradicionais de outras cul-
turas (não-européias).
Exemplos: Cocteau Twins, Dead Can Dance, Lycia, Theodor Bastard, Bel
Am, Bel Canto, Collection D’Arnell Andrea, Love Spirals Downward, Love is
Colder Than Death, This Ascension, Black Tape for a Blue Girl, etc.
É importante lembrar que Ethereal e Ethno não são simplesmente músi-
ca folclórica, nem apenas “música clássica ou suave” e também não são
sinônimos. Apesar de ser comum encontrarmos elementos de Ethno no
86 estilo Ethereal e vice-versa, existem inúmeros trabalhos que são puramen-
te Ethno ou Ethereal. Existem ainda trabalhos que misturam qualquer um
destes dois estilos com outros estilos diferentes, como por exemplo, Synth-
Pop, Electro, New-Wave e etc.
Muitas bandas deste estilo são classificadas também, em outros contex-
tos ou outras cenas, como Medieval, World Music, New Age, Shoegaze ou
Dark-Ambient.
Como já explicamos no ítem Darkwave, o selo Projekt popularizou o
termo Darkwave como relacionado ao Ethereal. Assim, podemos encontrar
às vezes o termo “ethereal-darkwave” como forma de explicar a qual sen-
tido de Darkwave estamos nos referindo.
15. SYNTH-POP:
A principal influência do Synth-Pop foi a música dos krautrockers ale-
mães do Kraftwerk (desde a década de 70).
Exemplos de Synth-Pop dos anos 80: Soft Cell, Gary Numan, Pet Shop
Boys, New Order, Information Society, Depeche Mode.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
No final dos anos 60 surgiram as primeiras músicas feitas com sinteti-
zadores. As experiências em música eletrônica, que estavam apenas na
música erudita, começam a aparecer na música Pop. Por isso muitos dos
primeiros a produzir música “sintética” (“synth”) eram indivíduos com for-
mação erudita.
O experimentalismo eletrônico se espalha e se mistura com o Jazz e o
Rock, como no caso do KrautRock (ver item 1).
O uso de elementos eletrônicos minimalistas também foi elemento de
constituição da Cold Wave (parte mais “robótica” do pos-punk), da New
Wave e praticamente todos os estilos eletrônicos posteriores, como EBM,
Darkwave, DarkEletro, Eletro-Goth, Futurepop e outros.
16. TRIP-HOP:
A data "oficial" de batismo do Trip-Hop é 1995, quando jornalistas
precisavam de um novo termo para nomear toda uma corrente de música
eletrônica/pop experimental, especialmente da cena local das cidades de
Bristol e Portishead na Inglaterra.
1994 é o ano do emblemático album "Dummy" da banda Portishead,
que traz todos os elementos básicos do estilo de forma bastante clara. Mas 87
mesmo sem nome, o estilo está entre nós desde a virada para os anos 90.
Por que o nome "Trip-Hop"?
A parte "-Hop" vem de "Hip-Hop", pois a maioria das rítmos experimen-
tais deste gênero vinha de alterações ou quebras de bases hip-hop (claro que
há outras influências). A parte "Trip-" vem do termo "viajar" (" trip ", em
inglês) devido a forte influência de sons "viajantes" do Jazz experimental,
Jazz-swing e Darkwave (às vezes, Ethereal). Outra influência é a de trilhas
sonoras de filmes, especialmente os de base jazzística antigos.
Bandas Góticas e Darkwave foram influenciadas pelo gênero. Ex:
Switchblade Symphony, Ego Likeness, Bel Canto, Qntal, O Quam Tristis, etc.
17. “80’s”:
O Gótico começou e teve um “boom” nos anos 80, mas nem tudo o
que foi feito nos anos 80 é Gótico. O rótulo “80’s” não deve ser usado
como sinônimo de “Gótico 80’s” ou “Gótico Old-School” simplesmente por
que o termo “80’s” se refere a toda música pop ou alternativa produzida
As Gerações de bandas Góticas e Darkwave
nos anos 80. Pode incluir bandas Góticas ou não. Por exemplo, é possível
fazer uma festa “80’s” sem tocar nenhuma banda Gótica. Algumas festas
Góticas, por outro lado, costumam incluir “80’s” nas suas programações
devido a similaridade de estilo e sonoridade com o Gótico 80’s.
14 AS GERAÇÕES DE BANDAS
GÓTICAS E DARKWAVE
Estas listagens não buscam ser nem perfeitas nem completas, mas ape-
nas dar um panorama geral da riqueza do cenário musical Gótico/Darkwave
e, principalmente, de sua renovação nas décadas de 1990 e no século XXI.
Optamos por destacar estas fases pois já existe muita informação disponí-
vel sobre o Gótico dos anos 80. Quanto às vertentes EBM/Industrial, que
são bem aceitas na cena Gótica/Darkwave desde os anos 80 até hoje, opta-
mos por não nos aprofundar nelas neste texto (salvo alguns nomes isola-
dos que são citados). A divisão cronológica é intuitiva e o autor não se
incomodaria em mudá-la nem se envolverá em um duelo de espadas até a
morte para defender a estrutura de uma mera representação didática.
88
• 1968-1977- as influências: glam, proto-punk, krautrock
• 1978-1983- pos-punk, synth, industrial, coldwave, batcave…
• 1983-1990- a consolidação
• 1991-1999- darkwave e a renovação:
• 2000-2008 (…?)- a nova geração e as bandas brasileiras recentes
1983-1990- A CONSOLIDAÇÃO
O nome Gótico vinha sendo aplicado a um segmento de bandas do pos-
punk há anos, mas podemos dizer que ele se fixa como um nome definiti-
90 vo do meio para o final de 1983. Neste período a sonoridade pos-punk se
dilui em outras influências como um rock mais acessível e sonoridades
influenciadas pelo synth, coldwave e EBM. A Inglaterra foi o berço do
Gótico na fase anterior, mas nesta fase já temos bandas de destaque tam-
bém na França, Bélgica, Holanda, Alemanha e EUA.
Mesmo que alguns tenham surgido um pouco antes, fazem seus primei-
ros lançamentos nesta época: The Sisters of Mercy, The Fields of The
Nephillin, All About Eve, Clan of Xymox, Dead Can Dance, The Jesus and
Mary Chain, In The Nursery, This Mortal Coil, Love And Rockets, Black Tape
For A Blue Girl, Nick Cave and The Bad Seeds, Ministry, Deine Lakaien,
Calling Dead Roses, Marquee Moon, Invisible Limits, Trisomie 21, Poesie
Noire, Collection D’Arnell Andrea, Opera Multi Steel, Kas Product,
MephistoWalz, Eva O., Two Witches, Gitane Demone, This Ascension, The
Creatures, Front Line Assembly, Delerium, Skinny Puppy, The Wake, Red
Lorry Yellow Lorry, etc. Nesta época bandas que surgiram na fase anterior
já tinham vários álbuns e faziam sucesso.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
1978-1983- POS-PUNK, SYNTH, INDUSTRIAL,
COLDWAVE E BATCAVE…
O nome desta fase poderia ser “tudo ao mesmo tempo agora”. Todo
experimentalismo produzido desde o final da década de 1960 em várias
áreas da música pop e underground parece convergir para um momento de
criação de “novos estilos”. As bandas: Bauhaus, Specimen, Joy Division, The
Cure, Siouxsie and The Banshees, Cocteau Twins, Sex Gang Children, Kirlian
Camera, Alien Sex Fiend, Attrition, U.K.Decay, X-Mal Deutschland, The
Damned, Einsturzende Neubauten, Malaria, Mecano, Die Form, Christian
Death, Tuxedomoon, Southern Death Cult, Birthday Party, Grauzone, Kas
Product, Gary Numan, Anne Clarck, Virgin Prunes, Danse Society, Play
Dead, New Order, etc
1968-1977- AS INFLUÊNCIAS: glam, proto-punk, krautrock
Em 1976/77 a banda Nova-Iorquina Suicide já fazia o que hoje chama-
ríamos de Electro-Punk, Pére Ubu já usava suas batidas tribais no seu “art-
rock” e os alemães do Kraftwerk já tinham vários álbuns revolucionários no
currículo. A geração Glam-Rock (1970-1975) influenciou diretamente as
bandas Góticas mas, na segunda metade dos anos 70, ícones do Glam 91
como David Bowie e Brian Eno absorveram influência do experimentalismo
alemão do Krautrock (1968-1979 aprox. proto-industrial, serialismo, músi-
ca cósmica, etc).
Glam Rock: David Bowie, T-Rex, Gary Glitter, Roxy Music, Brian Eno,
New York Dolls, etc.
Krautrock e Proto-Industrial: Cabatet Voltaire, Kraftwerk, Tangerine
Dream, Can, Neue, Throbbing Gristle, Monte Cazaaza.
Outras influências importantes do final dos anos 60: The Doors, Velvet
Underground (provavelmente, ao lado de T-Rex, as duas que foram alvo de
mais covers por bandas Góticas) e The Stooges. Bandas da cena punk Nova
Iorquina (1975-1977) são também importantes para entender o que foi feito
a seguir: Patty Smith, Richard Hell and The Voidoids, Talking Heads, Blondie,
etc. E Lou Reed e Iggy Pop em carreira solo. Sem esquecer o nosso querido
The Cramps. Algumas referências de “crooners” e “cantores de cabaré” são
importantes, senão pelo estilo de vocal, pela temática das letras: Leonard
Cohen, Jacques Brel, Edith Piaf e Johnny Cash, the man in black.
15 LIVROS E AUTORES QUE OS GÓTICOS AMAM
Não existe uma Literatura "DA" subcultura Gótica. Mas existe um certo
conjunto de obras e autores que -no conjunto ou em parte - tem sido cita-
do, adotado e amado sistematicamente por Góticos de todo o mundo
desde que se começou a falar em Gótico nos anos 1980 até hoje. Não acre-
ditamos que esta permanência de padrão seja mera coincidência e sim um
flexível, mas bem articulado, “discurso de gosto” grupal, homólogo aos
demais elementos da subcultura Gótica.
Existe uma lista evidente de correntes literárias de cuja estética e con-
ceitos a subcultura Gótica tem sistematicamente se reapropriado, feito
releituras ou citações. Às vezes isso é feito como forma de embasar sua
visão de mundo, por analogia ou homologia estética. Ou mesmo como ins-
piração direta.
Ou, colocado de outra forma, obras em que os góticos encontram
expressos elementos estéticos e conceitos que espelham o seu "ser gótico"
e os valores e conceitos estéticos que consideram "da subcultura Gótica".
Várias correntes costumam ser citadas ou sofrerem reapropriação pelos
92 Góticos. Romantismo, Romance Gótico, Simbolismo, Esteticismo,
Decadentismo, Expressionismo, Literatura Fantástica, Roman Noir,
Literatura Beat, etc...
Vários autores costumam ser associados ou sofrer reapropriação pelos
Góticos do mundo todo desde o final dos anos 1970 e começo dos 1980
até hoje. A seguir, apresentamos uma lista que não pretende ser completa
ou perfeita, mas apenas uma amostra que permita um entendimento do
"clima" geral das obras literárias mais citadas e apreciadas entre as pessoas
associadas a subcultura Gótica.
• Edgar Allan Poe- contos e poemas
• Charles Baudelaire- As Flores do Mal
• Mary Shelley- Frankenstein
• Bram Stoker- Drácula
• Lord Byron- obra poética
• Alvares de Azevedo- obra poética
• Augusto dos Anjos- obra poética
• Cruz e Sousa- obra poética
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
• Oscar Wilde- O Retrato de Dorian Gray e outros contos e poemas
• Lautreamont (Isidore Ducasse)- Os Cantos de Maldoror
• Kafka- Metamorfose
• Camus- O Estrangeiro
• John Keats- obra poética
• Sheridan Le Fanu- Carmilla (ou “o Vampiro de Karstein”)
• H.G.Wells- O Homen Invisível
• Arthur Rimbaud- obra poética
• Horace Walpole- O Castelo de Otranto
• Christopher Marlowe- Dr. Faustus
• Goethe- Faust e Werther (ou As tristezas do jovem Werther)
• R.L.Stevenson- O Médico e o Monstro (The Strange case of
Dr.Jekyll and Mr.Hyde)
• Anne Radcliffe- Os Mistérios de Udolpho, O Italiano e outros romances
• Anne Rice- Entrevista com o Vampiro, O Vampiro Lestat e sequências
• H.P.Lovecraft- contos e histórias
• Lewis Carrol- Alice no País das Maravilhas e Alice no País dos Espelhos
• Marion Z.Bradley- série As Brumas de Avalon
• Dante Alighieri –A Divina Comédia
• John Milton- Paraíso Perdido 93
• William Blake- obra poética
• Dostoyevsky- Notas do Submundo e contos
• T.S.Elliot- obra poética
• Emily Dickinson- obra poética
• Florbela Espanca- obra poética
• Machado de Assis- Memórias Póstumas de Brás Cubas
• Erico Veríssimo- Incidente em Antares
• George Orwell- 1984
SKELETAL FAMILY:
Referência à música “chant of the evercicling dance of the skeletal
family" do álbum “Diamond Dogs" (1974) de David Bowie. O mesmo álbum
cita o cineasta Tod Browning entre outras referências de horror e
Halloween em suas outras letras.
CAVARET VOLTAIRE:
Inspirado no cabaré suíço fundado em 1916, no qual surge o movimen-
to artístico modernista Dadaísmo. Coerente com a orientação artística
musical original dessa banda, baseada na desconstrução musical.
COCTEAU TWINS:
Provavelmente referência transversal ao francês Jean Cocteau, cineasta,
escritor, poeta, etc. Jean Cocteau é autor do classico Les Enfants Terribles,
a história de dois irmãos e uma irmã—curiosamente de nome Elizabeth
como a vocalista da banda. Autor também de “Sangue de Poeta", “Orfeu"
e a “Bela e a Fera". Jean Cocteau realizava filmes com um clima noir oní-
rico e surrealista.
SEX GANG CHILDREN:
Nome retirado de um romance do escritor beat William Burroughs.
MEPHISTO WALZ:
“As Valsas de Mephisto” são quatro valsas do compositor clássico Franz
List (1811-1876) inspiradas na lenda de Fausto. “Mephisto Waltz” é tam-
bém um filme de suspense e horror (1971) sobre um pianista moribundo
que negocia com satã.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
17 CINEMA: FILMES REFERÊNCIA
OU INFLUENCIADOS
ASAS DO DESEJO
(1987, De Himmel Ubber Berlim/ Les Ailes du Desir, de Win Wenders)
A curiosidade de sentir a vida, significado da mortalidade e de poder
escolher o errado ou o certo atormenta os anjos-da-guarda que sobrevoam
a Berlim dividida do pós-guerra. Mas os anjos podem escolher deixar de ser
perfeitos e eternos e conhecer o que é ser humano... se ousarem.
Curiosidade: durante o filme, o anjo “caído" vai procurar a trapezista de
circo que o encantara exatamente em clube noturno em que está aconte-
cendo um show de Nick Cave and The Bad Seeds, que apresenta a música
“From Her to Eternity" completa. A trilha sonora do filme é marcada por
expoentes do pos-punk e no-wave Europeus e Norte Americanos. Win
Wenders ainda realizou uma “continuação" deste filme, chamada “Tão
Longe Tão Perto" (So Far So Close) que é igualmente imperdível.
BLADE RUNNER, O Caçador de Andróides
(1982, Blade Runner, de Ridley Scott) 97
Quanto tempo viveremos e se vale a pena arriscar viver até lá é a res-
posta que os andróides Replicantes deste filme buscam. Estes andróides
têm um “prazo de vida" estipulado, mas só o seu “criador" sabe. Durante
o filme o detetive que caça os Replicantes tem que se perguntar se suas
lembranças são suas mesmo e o que realmente caracteriza um ser huma-
no... O cenário do filme é extremamente bem cuidado com a criação de um
futuro ao mesmo tempo obscuro, decadente e barroco. A maquiagem da
Replicante representada por Daryl Hannah é famosa entre Góticos até hoje.
Existem duas versões do filme: uma lançada na época, com narração e
algumas cenas diferentes, e uma versão lançada posteriormente pelo dire-
tor, sem narração e com cenas extras.
THE HUNGER
(1983, The Hunger, de Tony Scott, com Bauhaus, David Bowie
e Catherine Deneuve)
Bastaria a cena de abertura em que vemos intercaladas cenas de uma
apresentação da banda Bauhaus (tocando o seu "hino Gótico" Bela Lugosi
is Dead) com algumas das melhores cenas de Vampirismo já filmadas, para
este filme se tornar um clássico da cena Gótica. Mas, além disso, os vampi-
ros desta história são representados por David Bowie e Catherine Deneuve, e
são vampiros que apresentam alguns questionamentos existenciais sobre a
vida eterna e a morte. Também pela primeira vez no cinema vemos o símbo-
lo Ankh ser diretamente associado com Vampiros e Egiptologia, ao som de
uma banda Gótica apresentando uma música que é uma piada sobre outro
ator que representou um vampiro décadas antes: Bela Lugosi.
CABARET
(1972, Cabaret, de Bob Fosse, com Liza Minelli)
"Divine Decadence, darling!"...é a frase que marca a protagonista. A atriz
Liza Minelli compõe um figurino inesquecível no papel de uma cantora de
cabaré (Sally Bowles) que sonha em ser uma estrela e é apaixonada por um
rapaz bissexual. Mas logo o destino começa a lhes pregar peças…
Baseado na obra do escritor Christopher Isherwood (nos musicais deri-
vados deste) e sua descrição sobre a ebulição cultural da "Cabaret Culture"
durante a República de Weimar (período democrático mas conturbado por
crises econômicas no entre guerras 1919- 1938) na Alemanha obscurecida
98 pela ameaça representada pela ascensão do Nazismo.
Segundo o escritor Patrice Bollon, o visual deste filme musical teria
influenciado o Bromley Contingent (do qual emergiu, entre outros, Siouxsie
Sioux). Coincidindo com o imaginario "glam-decadent" da época Glam dos
anos 70, a estética e temática do filme teria virado moda em certos círculos
londrinos e influenciado o grupo Bromley Contingent, ligados à loja de rou-
pas Sex de Malcoln Maclarem e da estilista Vivienne Westwood, que na época
organizaram e vestiram os Sex Pistols. Do Bromley Contingent emergiram
várias estrelas do Pos-Punk e Goth. O fato de um dos integrantes deste grupo
ter adotado o codinome "Berlim" e os demais, como os futuros integrantes
do Siouxsie and The Banshees adotarem na época (1976-77) uma estética
tipicamente de cabaret e vaudeville, atestam a influência direta.
THE ROCKY HORROR PICTURE SHOW
(1975, dirigido por Jim Sharman)
Difícil dizer se este é o ultimo fime Glam ou o primeiro filme Gótico.
Ou o elo perdido? 1975 é ao mesmo tempo o auge e o fim do Glam-Rock.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
É preciso lembrar disto, e este filme se tornou um cult de varias gerações
por misturar horror-B, musical glam, humor camp. Um musical comédia-
horror de visual alucinante. O carro de um casal de noivos quebra no meio
do nada e eles vão pedir ajuda exatamente em um castelo próximo, habi-
tado pelos alienígenas do planeta Transexual e que naquela noite vão tra-
zer à vida um “Frankenstein” muito diferente. Imperdível!
O GABINETE DO DR. CALIGARI
(1919, Das Kabinett des Doktor Caligari dirigido por Robert Wiene)
Se um filme precisa ser visto para entender o que é "cinema expressio-
nista" este é o mais indicado e completo. Tanto na caracterização e atua-
ção dos personagens como no design dos cenários temos a estética expres-
sionista usada na sua plenitude. Conrad Veidt representa um sonâmbulo
que vive em uma caixa, apresentado pelo Dr.Caligari como alguém capaz
de dizer o futuro do público nos raros momentos em que acorda. Mas
estranhos assassinatos começam a ocorrer, há suspeitas sobre um asilo de
loucos, ou será que...
EDWARD MÃOS DE TESOURA
(1990, Edward Scissorhands. Dirigido por Tim Burton) 99
Com Johhny Deep no papel principal, Wynona Ryder e Vincent Price no
papel do cientista criador de Edward. Edward é um tipo de Frankenstein
romântico e sensível que vive escondido em uma torre abandonada desde
que seu criador morreu antes de “completá-lo”: faltavam as mãos, o que
fez com que Edward tivesse que usar tesouras para fazer mãos, com a qual
realiza belas obras de arte mas…que podem causar muitos problemas se ele
for levado a conviver na “civilização”. O visual do protagonista é fortemen-
te inspirado nas bandas Góticas dos anos 80, algo que o diretor Tim Burton
não esconde também em outros de seus filmes e em seus próprios visuais.
NOSFERATU
(1922, Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, dirigido
por F.W.Murnau, com Max Schreck ).
Esta é a primeira versão da história do conde Drácula no cinema. Como
o escritor Bram Stoker não autorizou o uso do nome “Dracula”, o diretor
F.W.Murnau usou “Nosferatu”. Um dos mais clássicos filmes de vampiro,
devido à atuação e aparência única de Max Schreck como o vampiro e
conde Graf Orlock, e pela direção de F.W.Murnau que cria um clássico do
expressionismo alemão. A historia é a clássica do Vampiro que se muda
para uma cidade e começa a aterrorizá-la…
O ESTRANHO MUNDO DE JACK
(1993, The Nightmare Before Christmas, de Tim Burton)
Jack Skelington, protagonista desta animação, se tornou um ícone para
os Góticos bem humorados de todo o mundo. Ele é o lider da cidade de
Halloween, que vive para isso o ano inteiro. Jack, porém, começa a se ente-
diar e vai buscar outras aventuras, como tentar organizar o natal em seu
estilo no mundo inteiro. Claro que as coisas não dão muito certo… A ani-
mação é realizada com uma qualidade poucas vezes vista com bonecos
pelo método stop-motion. O estilo expressionista e sombrio de Tim Burton
nos cenários e personagens também pode ser visto em outras animações
do diretor, como “A Noiva Cadáver” (Corpse Bride, 2005). Destaque para o
par romântico que Jack faz com a zombina-boneca Sally, imortalizada na
canção “Sally Song”, de Danny Elfman, que a banda Gótica London After
Midnight regravou em 1998. Elfman, que geralmente faz as trilhas sonoras
de Burton, colaborou também com os Siouxsie and The Banshees na músi-
100 ca “Face to Face”, em 1992, trilha do filme “Batman Returns”.).
ENTREVISTA COM O VAMPIRO
(1994, Interview with the Vampire, dirigido por Neil Jordan)
Baseado no livro “Interview with the Vampire” de Anne Rice publicado
em 1976, o filme traz os dramas existenciais do vampiro Louis (Brad Pitt)
em choque com cinismo do vampiro Lestat (Tom Cruise), além dos clássi-
cos vampiros Armand (Antonio Banderas) na direção do “Theatre des
Vampires” e a doce Claudia, a menina vampira.O destaque do filme é o
mesmo do livro: trazer vampiros que não são apenas caricaturas de terror,
mas indivíduos que se debatem com questões morais e existenciais.
BEETLEJUICE (OS FANTASMAS SE DIVERTEM)
(1988, dirigido por Tim Burton)
Com o típico humor-negro Burtoniano, o filme fez tanto sucesso que
deu origem ao popular desenho animado de mesmo nome. Um casal morre
e se torna fantasma em sua casa de campo, mas começam a ter trabalho
para espantar os novos moradores. Para isso pedem ajuda para outro fan-
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
tasma, o zumbificado Beetlejuice (Michael Keaton), que popularizou mais
ainda os ternos e camisas listrados em preto e branco (e outros) na cena
gótica, assim como o grito “BeetleJuice” (“Besouro-suco” ou suco de
besouro, em português). A única alegria dos fantasmas acaba sendo a filha
gótica do casal de novos moradores, Lydia, interpretada por Winona Ryder
em interpretação e visuais góticos imperdíveis. Figurinos, cenários e
maquiagem merecem destaque. Depois, na série de desenhos animados,
Lydia e Beetlejuice se tornam os personagens principais.
METRÓPOLIS
(1927, dirigido por Fritz Lang)
Considerado por muitos o primeiro filme de ficção científica. O filme
tem um roteiro e efeitos especiais inovadores para a época: em um futuro
distante na época (2026) a industrialização e a tecnologia se desenvolve-
ram tanto que os seres humanos passaram a ser vítimas deste processo,
sendo a sociedade dividida entre trabalhadores explorados e tecnocratas
que vivem no “paraíso”. Um clássico de Fritz Lang, considerado referência
do expressionismo alemão tardio.
DRÁCULA
101
(1931, dirigido por Tod Browning, com Bela Lugosi)
Imperdível por vários motivos, tanto pela atuação do ator Bela Lugosi,
considerado um canastrão para muitos, mas que se estabeleceu como sinô-
nimo de vampiro no cinema por muito tempo como por ter sido dirigido
pelo “melhor pior cineasta da historia”, Tod Browning. A história é a que
todos conhecemos … Destaque para os rudimentares efeitos de luz nos
olhos de Drácula para aumentar a aparência sobrenatural.
NOSFERATU
(1979, Nosferatu, Phanton der Nacht, de Werner Herzog)
Com Klaus Kinski e Isabelle Adjani nos papéis principais, Bruno Ganz no
papel de Jonathan Harker, seguindo a obra de Bran Stoker. Klaus Kinski
consegue compor um vampiro que compete em estranheza com o
Nosferatu de Max Schreck(1922). A intenção do diretor Wener Herzog era
exatamente retomar o cinema alemão do ponto em que ele havia sido
interrrompido, refilmando um clássico do expressionismo alemão. Com
uma sombria trilha sonora da banda krautrock alemã Popol Vuh.
A NOIVA CADÁVER
(2005, The Corpse Bride, de Tim Burton)
Comédia romântica filmada com o estilo animação stop-motion, conta
a história de uma noiva morta que busca um noivo…vivo ou morto. Com
deliciosas cenas musicais no reino dos mortos, o filme explora com bom
humor todos os clichês do horror gótico.
O ANJO AZUL
(Der Blaue Engel, 1930, de Josef von Sternberg, com Marlene Dietrich)
Marlene Dietrich interpreta Lola, o protótipo da femme-fatale: a estre-
la de um cabaré nômade que visita as cidades por algum tempo e logo
parte. Em uma destas cidades enfeitiça um proeminente burguês e profes-
sor (interpretado pelo excelente Emil Jannings), levando-o a degradar-se
progressivamente.
BRAM’S STOCKER DRÁCULA
(1992, dirigido por Francis Ford Coppola)
Versão moderna mas bastante fiel ao livro de Bram Stoker, bem dirigi-
da e com um casting de estrelas: Gary Oldman (príncipe Drácula), Keanu
102 Reeves (Jonathan Harker), Anthony Hopkins (Van Helsing) e Winona Ryder
(Mina) nos clássicos papéis principais e o músico Tom Waits no papel de
Renfield. O filme começa com a suposta origem de Drácula como Vlad
Tepes no século XV e o surgimento da maldição do vampiro e segue o enre-
do clássico. Imperdível.
O CORVO
(The Crow, 1994, com Brandon Lee, dirigido por Alex Proyas)
Eric Draven (Brandon Lee) e sua noiva são brutalmente assassinados,
mas, segundo uma lenda, quando um homem é morto tão injustamente
um corvo pode trazer sua alma de volta para buscar vingança. E é o que
acontece com o protagonista, que passa a ter um corvo como guia ente o
mundo dos vivos e dos mortos enquanto realiza sua vendetta. O detalhe é
que quando está quase morrendo o personagem consegue ver sua amada.
Para aumentar a aura misteriosa do filme, o ator Brandon Lee morreu
durante as filmagens ao ser atingido por uma bala verdadeira que estava
por engano em uma arma cenográfica. A trilha Sonora traz vários clássicos.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
A maquiagem de Eric Draven se tornou popular entre Góticos do mundo
todo, mas tão popular que acabou se tornando repetitiva, por isso, às vezes
sofre certa rejeição. Além disso, é bem difícil de fazer…
A FAMÍLIA ADDAMS
(The Addams Family, 1991, dirigido por Barry Sonnenfield)
A Família Adams criada pelo cartunista Charles Addams gerou várias séries
e filmes. Esta versão de 1991 é baseada na série televisa tradicional em que
personagens de terror constituem uma atrapalhada e mórbida família.
Formada pelos patriarcas Gomez (Raul Julia) e Mortícia (Anjelica Huston, ins-
pirada na Vampira de Maila Nurmi), seus filhos Pugsley, Wednesday (a “malé-
fica menininha” Christina Ricci), Tio Fester, and Grandmama, o mordomo
Lurch de estilo Frankenstein e o seu ajudantede Thing (coisa), uma mão sem
corpo… Existe uma continuação de 1993, “Addams Family Values”, com os
mesmos atores. Procure conhecer também a antiga série de TV “Addams
Family”.
PLAN 9 FROM OUTER SPACE
(1959, dirigido Edward Davis Wood, Jr.)
Só assista este filme naquele humor de rir de algum filme antigo muito 103
mal feito, com efeitos especiais ruins, atores totalmente canastrões e um
roteiro absurdo. Neste tipo de ruindade, Plan 9 é o melhor. Além disso,
conta com Bela Lugosi no seu último papel (de fato ele morre durante a
filmagem), Maila Nurmi como qualquer coisa zumbi do espaço que parece
a Vampira de sempre. No roteiro, Aliens do espaço exterior buscam imple-
mentar um plano em que ressussitam mortos recentes…O que seria do
deathrock sem este filme?
O SÉTIMO SELO
(1957, Det Sjunde Inseglet, de Ingmar Bergman)
Filme alegórico em preto e branco. Um cavaleiro medieval volta à sua
aldeia, mas a encontra devastada pela peste. A Morte quer levá-lo também,
mas o cavaleiro quer entender o sentido da vida e para ganhar tempo desa-
fia a Morte para uma partida de Xadrez… e o jogo começa. Várias questões
existenciais e religiosas são abordadas em cenas antológicas e até engraça-
das pra quem tem uma boa dose de humor negro.
18 CRONOLOGIA DO USO
SUBCULTURAL DO TERMO “GÓTICO”
Aqui falaremos apenas sobre o uso do termo “GOTH” (Gótico) aplicado
inicialmente a um estilo musical e depois à subcultura de mesmo nome,
nos últimos 40 anos.
1967: em um artigo pouco conhecido, John Stickney define a banda
The Doors como “Gothic Rock". Curiosamente a descrição das característi-
cas “góticas" da banda nesse texto coincide com o que seria definido como
Gótico dez a quinze anos depois.
Essa referência é citada no site Scathe e aceita como fonte nos livros
Goth Bible e Goth Chic. Não é possível confirmar se esta citação influen-
ciou outras citações posteriores, mas algo facilmente observável é a
influência da banda The Doors já sobre a primeira geracão de bandas
Góticas, tanto nas letras, vocais, estilo, quanto nos covers. Citações nos
anos 70 parecem comprovar que esta influência era um lugar comum (ver
citação de Kent em 29/7/1978, alguns itens abaixo).
1972: Lançado o filme “Cabaret”, com Liza Minelli, baseado na obra
104 “GoodBye Berlim” de Chistopher Isherwood, sobre os cabarets e a “divina
decadência” da Berlim dos anos 1930. Patrice Bollon em “A Moral Da
Máscara” relata que este filme teria gerado uma moda em Londres que
influenciou o Bromley Contingent, do qual emergiram várias pessoas que
se tornaram referência no pos-punk e no Gótico. Os mais conhecidos são
Siouxsie Sioux e Steven Severin, da banda Siouxsie and The Banshees.
1972-1974: "Diamond Dogs" - Em 1974 David Bowie em uma entre-
vista a respeito do seu álbum “Diamond Dogs” teria comentado que este
era “gótico” no estilo. Podemos encontrar neste álbum elementos que
foram adotados por punks e góticos. No figurino de sua tournée de 1972,
encontramos o uso de meias arrastão como camisa e as maquiagens expres-
sionistas dos performers do show.
“Diamond Dogs” é baseado nas distopias dos livros “1984” de George
Orwell , na ficção científica “A Boy and His Dog” de Harlan Ellison e em
The Wild Boys de William Burroughs. Algumas canções, como “the everci-
cling dance of the skeletal family” e outras, falam de uma “Metrópolis”
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
decadente e imunda habitada por seres de Halloween (halloween jack, etc)
e personagens de Tod Browning (em "Diamond Dogs"). Tod Browning foi
o cineasta que dirigiu Drácula, com Bela Lugosi (1931). A faixa "We are the
Dead" é auto-explicativa, além de "1984" e "Big Brother".
1975: É lançado o filme “The Rocky Horror Picture Show”, no qual o Glam-
Rock encontra a “Família Addams” em um filme de terror B dos anos 50…
29/7/1978: Nick Kent na revista NME diz de Siouxsie: "Paralelos e com-
parações podem ser agora traçadas com arquitetos do gothic rock como The
Doors e, certamente, Velvet Underground do começo”. Siouxsie and The
Banshees lançaram em 1978 seu álbum “The Scream”. (fonte: scathe).
1979: Martin Hannett, empresário do Joy Division, descreve o álbum
Closer do Joy Division como “Música dançante, com tonalidades góticas”.
23/6/1979: Nick Kent chama o The Cramps de “American Gothick” em
uma resenha da revista NME. The Cramps já tinha então alguns anos de
carreira.
15/9/79: No programa “Something Else” da BBC TV, Tony Wilson (pro-
dutor da banda) descreve o Joy Division como "Gótico comparado com o
pop comercial". Na mesma entrevista Bernard Albrecht, guitarrista da 105
banda, reforçou essa noção comparando a música da banda ao seu amor
ao clássico filme expressionista Nosferatu (1922), dizendo: “a atmosfera
(era) realmente maligna, mas você se sente confortável nela”.
2/10/79: Penny Kiley escreve em uma resenha "'Gótico se tornou uma
definição algo supertrabalhada do gênero, mas o efeito do Joy Division é
o mesmo (para pegar um exemplo óbvio) que dos Siouxsie and The
Banshees”.
1979: Bauhaus lança o single de “Bela Lugosi is Dead”. As artes dos
álbuns e material gráfico da banda trazem imagens de filmes expressionis-
tas e do Drácula de Bela Lugosi. A temática estava na moda…
Fev/81: Em entrevista com Steve Keaton da Sounds, Abbo do UK Decay
diz: “… nós estamos nesta coisa toda de Gótico”...
1981: Os comentários abaixo são tirados de "Siouxsie And The Banshees:
The Authorised Biography", de Mark Paytress, e se referem especialmente ao
álbum “Juju”, lançado em 1981.
Steve Severin (da banda Siouxsie and The Banshees): “Nós realmente
descrevemos “Join Hands” (1979) como “gothic" na época do seu lança-
mento, mas os jornalistas não se prenderam muito a isso. Com certeza,
naquela época nós estávamos lendo muito Edgar Allan Poe e escritores
similares. Uma música como “Premature Burial" daquele álbum é certa-
mente Gótica no sentido apropriado”.
1982/começo de 83: O clube Batcave é aberto em Londres. Ian Astbury
(Southern Death Cult, The Cult) usa o termo “goths" para descrever os fans
do Sex Gang Children, o que é divulgado pelo redator da NME, Stephen
Dorrell.
“Goth” se torna finalmente aceito como um movimento de direito.
Andi (do Sex Gang Children) relata a respeito da época: “- chamaram
meu apartamento de Visigoth Towers pelas minhas costas como piada. Dois
músicos que eu conhecia que viviam por perto - Ian Astbury and Billy
Duffy (ambos dos primórdios Goth do Southern Death Cult) inventaram o
apelido “Gothic Goblin” ou “Count Visigoth”. Acho que alguém mencionou
isso para um jornalista chamado Dave Dorrell, que então começou a divul-
gar o termo “Goth". Mas "Gothic" já vinha sendo usado por algum tempo
106 (antes) para descrever vários estilos de música, especialmente Joy Division.
Para mim, especialmente, o termo Gothic se refere a algo um pouco mais
elaborado e clássico do que o Gótico comercial que temos visto."
Out/1983: O jornalista Tom Vague se refere a “Hordes of Goths" na
revista Zig Zag, (cujo diretor era Mick Mercer). Nessa época tanto o
termo Gótico como a Subcultura relacionada já estavam estabelecidos...
Anos depois de ter sido usado pela primeira vez, o termo se torna acei-
to e definido.
Aparentemente o termo positive punk foi uma tentativa de alguns jor-
nalistas de mudar o nome daquela tendência, por alguns meses (feverei-
ro/1983), mas o termo não pegou. Mick Mercer comentou: “As pessoas
precisam se lembrar que Richard (Richard North da NME que divulgou o
termo Positive Punk) não estava falando de nada mais que uma certa ati-
tude de uma poucas bandas no seu artigo sobre o Positive Punk (aprox.
Fev/1983) e ele não tinha intenções extras de proclamar um movimento.
Ele ficou tão surpreso quanto qualquer um quando o artigo foi para a capa
da revista…(..). Foram os subeditores, provavelmente em uma semana fraca,
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
que inventaram tudo. Ele só estava interessado em procurar uma linha de
pensamento Punk mais imaginativa, não um movimento."
Em uma entrevista com Dave Thompson e Jo-Anne Green da revista
Alternative Press em Novembro de 1994, Ian Astbury, o ex-vocalista do
Southern Death Cult, declara que ele inventou o termo gótico:
“O termo “goth” era um pouco uma piada, insiste Ian Astbury. “Um dos
grupos que estava se destacando ao mesmo tempo que nós era o Sex Gang
Children, e (o vocalista) Andi – costumava se vestir como um dos fans do
Siouxsie and The Banshees, e eu costumava chamá-lo de “Gothic Goblin”
porque ele é um cara pequeno e moreno. Ele gostava de Edith Piaf e essas
músicas macabras, e ele vivia em um prédio em Brixton chamado “Visigoth
Towers”. Assim, ele era o “Gothic Goblin”, e seus seguidores eram os
“Goths”. Daí que o Gótico veio.”
Todavia, devido aos outros usos anteriores ou similares fica difícil con-
siderar este o primeiro uso.
1983: Marc Almond (Soft Cell) relata sobre 1983: “a moda daquele ano
era o gótico-roupas pretas, batom preto, renda preta, cabelo preto - você
podia incluir qualquer coisa desde que fosse preta. Rostos pálidos, bijute-
rias imitando ossos, qualquer coisa que lembrasse morte estava na ordem 107
do dia”. Com o crescimento da cena, a imprensa inglesa aceita o nome que
se tornou popular: Goth.
Ainda em 1983 é lançado o filme “Fome de Viver” com o Bauhaus
tocando “Bela Lugosi is Dead” na abertura, em um clube noturno em que
os vampiros representados por David Bowie e Catherine Deneuve vão para
buscar suas vítimas… Talvez pela primeira vez no cinema os vampiros são
representados de forma mais “sensível”.
Em 1984 o gótico já estava “fora de moda” para a imprensa comercial,
mas se tornara algo muito maior que uma moda passageira… até hoje.
Felizmente, no mundo real, as coisas não desaparecem quando a imprensa
comercial deixa de falar delas…
DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES
Aqui comentamos sobre o termo gótico na primeira geração do Gótico
(1978-1983). Sobre os desenvolvimentos posteriores nos aprofundaremos
em outra oportunidade. Mas a seguir algumas linhas gerais:
Na Alemanha, desde o começo dos anos 90, floresceu uma cena
“Darkwave-Goth” com uma imprensa própria especializada tanto na área
musical como comportamental. Também existe na Alemanha desde 1992 o
maior festival mundial de música Gótica que cresce a cada ano, o Wave
Gotik Treffen . Temos desenvolvimentos igualmente importantes em outros
países da Europa.
Também nos Estados Unidos, onde tanto o lado mais Deathrock quan-
to o mais Darkwave e Ethereal, ou a mistura com Industrial, florescem até
hoje associados a subcultura Gótica.
Da mesma forma que a Europa, os EUA também possuem selos impor-
tantes lançando artistas de qualidade desde o Gothic-Rock, DeathRock,
Ethereal, Synth-Goth, Electro-Goth, Industrial, etc, que representam muito
bem a tradição Gótica.
Tanto nos EUA como na Europa e até no Brasil novas bandas com
novas sonoridades continuam surgindo durante os anos 90 e até hoje.
Importante lembrar sempre que cada continente ou mesmo país usa
rótulos ligeiramente diferentes para as mesmas bandas, ou usa um mesmo
rótulo em sentido diferente. Comentamos mais essa questão no capítulo
108 15- Glossário de Estilos Musicais.
1
No século XIX “a triunfante supremacia da Grâ-Bretanha fez do nobre Inglês o padrão da cultura,
ou melhor, da incultura aristocrática internacional, pois os interesses do dândi- bem barbeado,
impassível e refulgente- deviam ser limitados a cavalos, cães, carruagens, pugilistas profissionais,
caça, jogo, diversões de cavaleiros e sua própria pessoa. Tal extremismo heróico incendiou até
mesmo os românticos, que também apreciavam o “dandismo” (Eric Hobsbawn- 1789-1848,
A Era das Revolucões (1978)). Neste contexto podemos entender o significado do título do último
álbum da banda ícone do Glam-Rock. T-Rex, pouco antes da morte de Marc Boland em 1977:
“Dandy in The Underworld”. O conceito de “dandy” decadente, assim, foi recuperado pelo
Glam nos anos1970 e chegou até so Góticos e New-Romantics nos anos 1980.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
herói “homem-feminino”) de James Joyce, em meio a Cabaret Culture de
Brecht e Weil, do teatro da crueldade de Artaud e do Manifesto Bauhaus
de 1919... luz, câmera... ação!
O Cinema Expressionista, no século XX, vai se inspirar nos romances
"NeoGóticos" do século XIX que satirizavam a vida racional ao mesmo
tempo que usavam para isso figuras caricatas de uma aristocracia decaden-
te, com condes ou lordes ridículos e "do mal" em seus castelos empobre-
cidos ou metrópoles obscuras.
O Expressionismo buscava retratar a realidade com as proporções senti-
das, não apenas reproduzir a realidade: nisto não haveria arte alguma. Em
1919, o manifesto da escola Bauhaus busca estabelecer uma nova arte, na
qual a criatividade seja devolvida ao trabalho, e a artisticidade, ao dia a dia.
Os Surrealistas buscavam expressar os símbolos do Inconsciente livremente.
Os Cubistas pretendiam, por suas vez, mostrar uma imagem de vários
pontos de vista e em vários tempos ao “mesmo tempo”, rompendo com as
noções de tempo-espaço criadas pela Ciência Newtoniana. Logo depois,
Einstein atacaria a Ciência “por dentro” com a Teoria da Relatividade.
Bergson também já havia feito sua desconstrução da Ilusão Mecanicista na
Filosofia, voilá: século XX.
113
Freud, no começo do século XX, rompe definitivamente com o que
ainda restava de Racionalismo propondo que o ser humano possuía instân-
cias não conscientes (conceito de Inconsciente) que determinavam suas
ações e comportamentos. Posteriormente a Literatura e a Filosofia existen-
cialistas vão abordar os dramas existenciais mais extremos do ser humano,
abandonado em meio ao vazio sem bóias de salvação racionais ou morais,
como nos romances “A Náusea” de Sartre e “O Estrangeiro” de Camus.
Após o Situacionismo e o Existencialismo (1950 aprox.) e Pop-Art e
Nouvelle-Vague (1960 em diante), nos anos 1970 (Glam-Punk) e dos 1980
até hoje, tudo que citamos vai direta ou indiretamente, sofrer uma nova
apropriação e releitura. Por exemplo: a apropriação de Frankenstein ou
Drácula pode tanto se dar através da releitura expressionista quanto por
uma releitura do romance do século XIX, ou ainda através da releitura POP,
ou tudo isso junto, adaptados à linguagem contemporânea e como símbo-
los e metáforas de questões atuais.
8- 1970’s: BOMBAS NUCLEARES, GLAM,
PUNK, GOTHIC E NEW-ROMANTIC:
Nos anos 70, a “era de ouro econômica” e seu otimismo que perdura-
vam desde o pós-guerra encontram seu fim. O novo mundo da Guerra se
aproxima dos anos 80 ameaçado pela aniquilação nuclear a qualquer
momento, ao mesmo tempo que a situação econômica mundial começa a
se deteriorar. A terceira Guerra mundial parece eminente, e um revival da
República de Weimar pré-segunda Guerra mundial e de seu expressionismo
e “decadence” parece fazer todo o sentido. As perspectivas são sombrias,
até mesmo… “góticas”.
Em 1970 já temos o Glam-Rock na Inglaterra e o Glam-Punk Nova
Iorquino que desembocam, na Inglaterra, no Punk 77 e no Gótico. O nome
Gótico é aplicado a este movimento no sentido que o adjetivo "Gothic"
havia adquirido na língua inglesa durante todo este processo que descre-
vemos. No sentido de algo ligado ao “lado não racional” e não-positivista,
imaginativo e que ousa mergulhar nas “trevas” da psique e da terrível “con-
dição humana” mas também no “maravilhoso e misterioso”.
Em 1972 o filme "Cabaret" (baseado na obra de Christopher Isherwood
114 sobre o período da Alemanha anterior a Segunda Guerra Mundial) com Liza
Minelli, acaba criando uma moda "retrô-glamour-niilista-cabaret" em
Londres, que vai desembocar no Punk e no Gótico. Ao mesmo tempo
(1969-1975) está rolando o Glam e o Punk USA e o que vai ser chamado
de New Wave já engatinha. Tudo isso vai influenciar a cena proto-Gótica
que surgirá a seguir.
O New-Romantic dos anos 1980 não tem a ver “diretamente” com o
Romantismo dos movimentos literários e revivals anteriores, mas ele vai
influenciar muito o Gótico em formação. Era um movimento que visava a
criatividade e a busca da individualidade, com um grande enfoque no uso
glamoroso das roupas e cabelos e claro, na dança. Os maiores ícones eram
David Bowie e Duran Duran, sem esquecer Visage, Ultravox, Classix
Noveaux, Depeche Mode e outros.
Isso tudo se dá no contexto da Guerra Fria e da continuidade da revo-
lução Sexual, na qual os papéis sociais dos gêneros, fixos há séculos, são
rompidos, questionados… e satirizados.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
9- POP 1980’s: UM MOMENTO CATALIZADOR
Em 1978 o Punk já dera lugar à New Wave, e parte da New Wave veste
preto, na roupa e na alma.
Em 1982/1983, temos uma catálise de elementos: no filme Hunger
(Fome de Viver) David Bowie e Caterine Deneuve representam vampiros que
caçam suas presas extamente em um clube "gótico/new-wave” no qual está
acontecendo um show do ...Bauhaus com Peter Murphy cantado “Bela
Lugosi is Dead”. Não por acaso a vampira Deneuve é uma "antiga" do Egito
e ambos usam Ankhs (!) com pontas afiadas no pescoço para cortar a jugu-
lar de suas vítimas.
Aí temos o resgate de vários símbolos de várias épocas atualizados e
recontextulizados. O nome usado acaba sendo Gótico, mas a palavra é
usada no sentido adjetivo e metafórico. Quando a subcultura define seus
padrões, aproximadamente entre 1983/84, o termo que predomina acaba
sendo Goth/Gothic. (mais detalhes no capítulo 20- Cronologia do uso sub-
cultural do termo Gótico).
1
República de Weimar - O período que a historiografia classifica como a “cabaret culture”
oficial: o entre guerras (1919-1938) na Alemanha, com todo a crise social e hiperinflação da
República de Weimar.
2
“O Gabinete do Dr.Caligari” (Das Cabinet des Dr.Caligari, 1920). Dirigido por Robert Wiene,
é o filme seminal e modelo do cinema expressionista Alemão.
3
Willy Haas - "Die Literature Welt"- citado pelo autor Peter Gay.
4
Walter Gropius - artista que escreveu o Manifesto Bauhaus, em 1919.
5
Kandinsky – pintor inicialmente Expressionista que em fase posterior desenvolveu um trabalho
abstrato. Lecionou na escola Bauhaus.
6
George Grosz - pintor Expressionista alemão de caráter fortemente caricatural e politizado.
7
Marlene Dietrich interpreta a cantora de cabaré “Lola” no emblemático filme “O Anjo Azul”
(Der Blaue Angel, 1930).
8
“Toulouse Lautrec et le Paris de Cabarets”- Jacques Lassaigne, (1967) reedit:1976.
Em 1928, W.H.Auden, um dos principais nomes da poesia de língua
inglesa do século XX, se interessou por Berlim talvez menos pelo fato de
ser “um centro de ativismo político de esquerda e de experimentação musi-
cal” e mais pela “tolerância com que a cidade na época costumava encarar
a sexualidade não-ortodoxa” 10. Além de desfrutar destas liberdades, Auden
também trabalhou com Christopher Isherwood.
Os cabarés não eram apenas centros de comércio sexual e de drogas
legais ou ilegais. Foram, desde o século XIX, também centros catalizadores
e irradiadores de cultura avant-garde. Reuniam discussões vanguardistas
nas artes, na filosofia e até na política.
Ao pronunciarmos a palavra “cabaré”, as imagens mais comuns são as
cenas imortalizadas por Toulouse Lautrec em suas pinturas. E a Lola de
Marlene Dietrich em “Anjo Azul” com seu realismo fantástico e atmosfera
nebulosa e barroca. Ou, na releitura de Liza Minelli em "Cabaret" baseado
na obra de Christopher Isherwood relatando a liberdade e a criatividade da
Berlim de Weimar enquanto o pesadelo Nazista já ameaçava desabar sobre
todos. Lembramos também da boemia dos artistas e pensadores modernis-
tas no Quartier Latin e outros bairros então pobres de Paris, a outra capi-
tal cultural daqueles anos conturbados. E uma dose de absinto, claro.
118 Antigos cabarés, o teatro burlesco, os “scketches” populares do “Teatro
de Vaudeville” com suas maquiagens exageradas e circenses, as canções,
como os trabalhos de Kurt Weil e Bertold Brecht, e outros que falam de
forma simples dos sentimentos das pessoas, com shows vistosos, dramáti-
cos e populares. Também no começo do século XX, quando o Cinema
nasce, sua estética vai beber destas fontes e de outras comuns ao
Expressionismo.
9
Dadaísmo: “Por volta de 1916, o poeta alemão Hugo Ball e a cantora Emmy Hennings, abriram
em Zurique o Cabaret Voltaire, espaço semelhante aos bares e cafés que havia antes da Primeira
Guerra em Munique, incluindo em seu programa, leitura de poemas, execução de performances
musicais e exibições de pinturas, atraindo dezenas de artistas e pessoas ligadas à arte que esta-
vam na Suíça para fugir dos horrores da guerra. Entre esses artistas estavam Tristan Tzara, Hans
Harp e Marcel Janko, que se envolveram na fundação do movimento Dadá.” Dirce Guarda - “Corpo
e Obra, Reflexões sobre o Corpo Na Linguagem Performática”.
Surrealismo: “A palavra surrealismo foi usada pela primeira vez pelo poeta Guillaume Apollinaire
em 1912 na apresentação de um balé de Jean Cocteau e Erik Satie, intitulado Parade, referindo-se
a uma arte que ultrapassava as aparências, desobrigada de fidelidade para com o real.”
Florisvaldo Mattos em http://www.revista.agulha.nom.br/fmatos01.html
10
W.H.Auden- José Paulo Paes e João Moura JR., 1986.
Chritopher Isherwood – “Goodbye to Berlim” 1939
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
O musical “Cabaret” (1972) inspirado na obra de Chritopher Isherwood
resgata e glamoriza o tema, mas a corista vamp interpretada por Liza
Minelli agora usa botas combinando com a meia arrastão, o corpete, a
cinta-liga e chapéu coco, uma Louise Brooks atualizada. Patrice Bollon 11
comenta que este musical e o filme geraram uma moda em Londres que
influenciou um novo grupo: O Bromley Contingent, do qual emergiria,
entre artistas do pos-punk, a diva Siouxsie Sioux. Siouxsie aparece como
uma Liza Minelli pós-punk, atualizando o espírito decadentista dos caba-
rés da Belle Èpoque, dos anos 20 e da Cabaret Culture alemã. De fato as
cenas glam, punk e wave e pos-punk beberam sequiosamente de toda essa
tradição “vaudevillesca” e “decadentista”, sintetizando seus significados em
estéticas para o fim-de-século e milênio.
Os anos 1980, com a iminente ameaça de apocalipse nuclear e a falên-
cia dos sonhos americanos e de paz e amor, se pareceram muito com vários
outros períodos anteriores desde a revolução industrial, principalmente a
Berlim de Weimar pressentindo o horror que viria de 1939 a 1945, ou
antes, a Belle Èpoque da Paris do Moulin Rouge que sucumbe ao horror da
Primeira Guerra Mundial.
Antes de Weimar, os artistas que pegaram em armas no primeiro con-
flito mundial que se estendeu de 1914 a 1919 voltaram das trincheiras com 119
uma noção ainda mais clara de que “havia algo de podre no reino da
Dinamarca”. Ou melhor, algo de extremamente errado na cultura européia
recente. O Positivismo e o Racionalismo não haviam entregado o “bem”
que prometeram: pelo contrário, durante a Primeira Guerra Mundial entre-
garam ainda mais horror, agora tecnológico e em escala industrial.
O cabaré foi o lugar daqueles que não tem o “poder” ou o “phallus” no
apolíneo mundo da sociedade industrial e positivista. O lugar dos “belos
perdedores” 12 e dos “comedores de lótus” 13. O lugar de coisas “improduti-
vas” e “pouco práticas” não mensuráveis nos gráficos dos noticiários.
11
Patrice Bollon - “A Moral da Mácara- Marveilleux, Zazous, Dandis, Punks, etc.” 1993
(Morale du Masque, 1990)
12
"Beautiful Losers” é o título de um romance experimental de Leonard Cohen lançado em 1966
que foi sucesso na época.
“Decadence avec Elegance” é a versão afrancesada que o rockeiro brasileiro Lobão fez do verso
famoso do Kraftwerk em “Europe Endless” (1977): “Promenades and avenues / Europe endless /
Real life and postcard views / Europe endless / Elegance and decadence”
13
Comedores de Lótus - se refere aos “comedores de lótus” da ilha do Ciclope como relatado na
obra “Odisséia” de Homero. A expressão é usada para se referir a pessoas que vivem para o dia,
sem astúcias e sem ambições.
Coisas que, aos poucos, fazem a sociedade aceitar padrões de compor-
tamento, antes considerados malditos. O cabaré nesta época foi a casa e
refúgio para os fugitivos de um mundo que se tornava cada vez menos
feito para seres humanos. Por alguns momentos de congraçamento nos
esquecemos do mundo lá fora, e cantamos: “This is a Happy House, we’re
happy IN here.” 14
A face branca é a face do ator expressionista em seu personagem tra-
gicômico, visceral e impuro, e não a face branca da pureza moral ou étni-
ca. Infelizmente, faces deste segundo tipo enterraram a República de
Weimar.
Mas enquanto isso o melhor que a corista pode fazer é mostrar suas
glamorosas unhas verdes e exclamar - “Divina decadência!”. 15
21 ANFÍBIOS CULTURAIS
Evidentemente os Góticos não vivem em uma ilha isolada no meio do
Mar Negro ou do Mar Morto. Também nos servimos do sistema comercial
e de toda estrutura da sociedade oficial. “Todavia, o consumo seletivo de
120 fontes não-subculturais não é inconsistente com a conceituação da cena
gótica como uma subcultura”. (Hodkinson, 2002)
A subcultura Gótica não está conspirando-sorrateira e pacientemente-
pela destruição ou conversão da cultura dominante. Não existe um confli-
to: existe a definição de um espaço de diferença. Um espaço que às vezes
é físico, mas sempre é mental: mesmo mergulhado no dia a dia de seus afa-
zeres na sociedade dominante, o gótico preserva sua visão de mundo dife-
renciada.
As contraculturas dos anos 1960 foram movimentos que realizaram
uma atualização da sociedade ocidental para uma nova moralidade ade-
quada aos novos padrões de trabalho, comércio e produção da segunda
metade do século XX. Realizada esta função, se desestruturaram ou foram
incorporadas no maistream, remanescendo apenas como grupos revivalis-
tas. (ver Stuart Hall e Tony Jefferson, 1975).
14
Estribilho da canção “Happy House” da banda Siouxsie and The Banshees
15
Frase repetida pela personagem Sally Bowles, interpretada no filme Cabaret por Liza Minelli.
Parte III Repertório e Referências da Subcultura Gótica
De forma diferente, as subculturas atuais não visam alterações na socie-
dade hegemônica. Simplesmente existem paralelas a esta, compartilhando
o espaço físico, mas em um espaço “separado” no aspecto cultural.
Assim, apesar da popularidade das teorias em contrário, podemos con-
cluir que grupos sociais alternativos, significativos, substantivos e coeren-
tes e com comprometimento dos indivíduos continuam a existir e a ter
vitalidade. Há mais de duas décadas a subcultura Gótica é um bom exem-
plo disso.
“Através de uma redefinição do conceito de subcultura, baseada em
indicadores de relativa diferenciação, identidade, comprometimento e
autonomia, este livro procura prover meios para a conceitualização da cena
gótica - e outros agrupamentos que escolhermos- caracterizados mais por
sua substância do que pela sua fluidez. Fazendo isso, evitamos a super-
generalização de superficialidade, ausência de significado e colapso de
agrupamentos substantivos que, de maneiras diferentes, caracteriza tanto
as teorias da cultura de massa quanto as pós-modernistas e, às vezes, até
as de coletividade fluida.” (Hodkinson, 2002)
Negro
Planeta Negro
Negro
Mundo Negro
(1) Highway 101- é uma autoestrada que percorre a costa oeste dos Estados Unidos, frente ao
Pacífico, passando pela Califórnia.
(2) oeste
(3) “thy kingdom come” Ou “kingdom come” é uma citação direta ao “Pai nosso” (Lord’s Prayer) em
Inglês. Equivale em português à parte “venha a nós o vosso reino” dessa prece. Em Inglês, geral-
mente usado em citações para significar a vida após a morte, o “outro mundo” (o além).
(4) no original, “Tune in turn on burn out in the acid rain”. A frase "Turn on, tune in, drop out" (algo
vagamente como “se ligue, sintonize, desencane”) cunhada pelo líder da contra-cultura Timothy
Leary, nos anos 60, teve inúmeras interpretações. Nesta música, o autor Andrew Eldritch substitui
o “drop out”, por “burn out” (queime totalmente), mudando sensivelmente o sentido da frase ori-
ginal.
23 Obras Citadas/Bibliografia
Bibliografia, Fontes e Leituras Sugeridas
Subcultura Gótica e Geral
Livros específicos sobre a subcultura Gótica:
• Le Milieu Gothique- Antoine Durafour- 2005
• The Goth Bible- Nancy Kilpatrick- 2004
• Goth Chic- Gavin Baddeley- 2002
• Goth: Identity, Style and Subculture- Paul Hodkinson- 2002
• Hex Files:the goth bible- Mick Mercer-1997
124 •
•
Mate-me Por Favor- Legs MacNeil e Gilliam McCain-1997
Industrial Evolution-through the 80's with Cabaret Voltaire- Mick Fish- 2002
• Visões Perigosas: uma arque- genealogia do Cyber-Punk- Adriana
Amaral- 2006
• A Moral da Máscara-Patrice Bollon-1990
• The Gothic- David Punter and Glennis Byron- 2004
• Siouxsie and the Banshees: The Authorised Biography- Mark Paytress, 2003
125
SOBRE O AUTOR