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RESUMO
O artigo apresenta a abordagem dos Campos de Ação Estratégica e discute sua
aplicação na compreensão e análise dos mercados. A ideia de campo tem se
mostrado central para a Nova Sociologia Econômica e o Novo Institucionalismo na
Análise de Organizações. Para essas abordagens, campos são espaços sociais
organizados com base em oposições simbólicas e nos quais atores com diferentes
dotações de recursos se relacionam. Tratam-se, assim, de ordens sociais
relativamente autônomas que podem ser compreendidas como uma concepção
espacial das estruturas sociais. Autores adeptos do conceito de Campos de Ação
Estratégica propõem a integração das diferentes abordagens teóricas sobre os
campos, engajando-se em uma maior teorização dos mecanismos por meio dos
quais essas ordens sociais de nível meso surgem, se estabilizam e são
transformadas. Inicialmente, a abordagem dos Campos de Ação Estratégica será
apresentada e comparada a outras abordagens sociológicas. Em seguida, discute-
se a aplicação dessa abordagem na compreensão e análise dos mercados como
construções sociais em contraposição às que compreendem os mercados como
mecanismos neutros de equilíbrio entre indivíduos isolados e também como
determinações inerentemente destrutivas e sobre as quais os indivíduos não
exercem nenhum controle. O trabalho é concluído ressaltando a centralidade do
conceito de campo para uma melhor compreensão dos mercados, visto que ela
possibilita inserir na análise aspectos considerados externalidades nas abordagens
econômicas tradicionais.
Palavras-chave: Campos; Campos de Ação Estratégica; Mercados; Instituições.
1. APRESENTAÇÃO
A idéia de mercado é central na compreensão da vida econômica, sendo
geralmente associada a um mecanismo puro de formação de preços pelo encontro
da oferta e da demanda, demonstrado e aplicado por meio de sofisticadas
formulações matemáticas. Esse entendimento dominante acerca da vida econômica
é fundamentado em um conjunto de pressupostos sobre o comportamento dos
atores e na teoria da escolha racional, segundo a qual os mercados podem ser
considerados como a soma de atores atomizados buscando maximizar seus ganhos.
A esfera econômica é aqui vista como autônoma da vida social, estando fora do
escopo de análise toda e qualquer influência “não econômica” que ela sofrer,
consideradas externalidades. Mercados perfeitos, caracterizados pela informação e
pela concorrência perfeitas, tendem ao equilíbrio e, na visão neoclássica, dominante,
são a mais eficiente forma de organização da vida social, conduzindo ao “bem
estar”.
Apesar do amplo espectro de aplicações dessas idéias, elas não são
embasadas em uma concepção realista e com base empírica dos mercados. Com
isso, como aponta Bourdieu (2005, p. 20), a noção de mercado assume um caráter
polissêmico, predisposta a desempenhar o papel de “mito inteligente”, disponível
para todos os usos ideológicos. Essa fragilidade fundamental do pensamento
econômico ortodoxo tem sido criticada por diferentes vertentes sociológicas
contemporâneas que se propõe a estudar os fenômenos econômicos como
construções sociais. Autores inscritos na nova sociologia econômica e no novo
institucionalismo na análise organizacional propõem que as ações econômicas são
submetidas a instituições socialmente construídas, estando enraizadas na sociedade
(GRANOVETTER, 2003).
Diversos autores dessa corrente destacam que a dinâmica da estabilidade e
da mudança na sociedade e nos mercados é construída em ordens sociais de nível
meso, localizadas entre o ambiente mais amplo das organizações, ao qual
considera-se que as organizações precisam se adaptar, e o nível micro, das
relações individuais (FLIGSTEIN, 2011). Esses espaços sociais têm sido
denominados campos organizacionais (DIMAGGIO, 1991), setores (MEYER e
SCOTT, 1983), jogos (AXELROD, 1984), campos (BOURDIEU, 1996) e redes
(POWELL et al, 2005).
A teoria dos campos tem ganhado destaque entre essas abordagens por
oferecer um referencial teórico consistente, embasado em uma teoria da ação que
parte de uma concepção espacial das estruturas sociais, afastando-se de
concepções dualistas entre atores e estruturas sociais. Empresta seu constructo das
Ciências Físicas, como uma forma de explicar regularidades na ação dos indivíduos
recorrendo a suas posições relativas no espaço social (MARTIN, 2003). Sua versão
mais influente foi desenvolvida pelo sociólogo Francês Pierre Bourdieu, entre os
anos 1960 e 1970 e define campos como ordens sociais de nível medo localizadas
no interior do espaço social global e caracterizadas por sua autonomia relativa e
pelo fato de sua estrutura estar relacionada a uma configuração específica de
agentes (BOURDIEU, 1996).
A teoria dos Campos de Ação Estratégica, recentemente proposta por
Fligstein e MCAdam (2012), propõe-se a integrar as diferentes abordagens sobre
essas ordens sociais e a explicar os mecanismos por meio dos quais essas surgem,
se estabilizam e são transformadas. Os proponentes partem do conceito
bourdiesiano de campo, definido como um espaço social relativamente autônomo,
inserido no espaço social global, nos quais as estruturas sociais são diretamente
relacionadas a uma determinada configuração entre os atores (BOURDIEU, 1996).
Nesses espaços em que algo está em jogo, as definições e as regras que dão
sentido e estruturam as relações sociais são definidas na correlação de forças entre
os atores com diferentes concepções de mundo, o que faz com que os autores
denominem a abordagem de político-cultural.
O presente artigo busca apresentar os principais aspectos da abordagem dos
Campos de Ação Estratégicos (CAE) e discutir sua aplicação para a compreensão e
análise dos mercados. Propõe-se que a adoção do aparato analítico e conceitual
dessa teoria de campos facilita o entendimento dos mercados como construções
sociais, contribuindo para a teorização da esfera econômica enquanto parte
integrante da vida social. Aponta-se ainda que apesar de o conceito de campo ser
bastante utilizado pelas abordagens sociológicas, geralmente ele é subteorizado e
tem sido usado sem o devido rigor, o que justifica o trabalho.
Para alcançar esse propósito, é realizada uma revisão bibliográfica sobre as
teorias de campos, focando-se na abordagem dos CAE, e buscando apresentar
algumas de suas implicações para a análise dos mercados. Inicialmente, a
abordagem dos Campos de Ação Estratégica será apresentada e situada em
relação a abordagens análogas. Em seguida, discute-se a aplicação dessa
abordagem na compreensão e análise dos mercados como construções sociais em
contraposição às que compreendem os mercados como mecanismos neutros de
equilíbrio entre indivíduos isolados. O artigo é finalizado ressaltando a centralidade
do conceito de campo para uma melhor compreensão dos mercados, visto que ela
possibilita inserir na análise aspectos considerados externalidades nas abordagens
econômicas tradicionais.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresentou os principais aspectos da abordagem dos Campos de
Ação Estratégicos (CAE) e evidenciou, de forma exploratória, sua aplicação para a
compreensão e análise dos mercados. Com cunho fundamentalmente, teórico,
buscou contribuir para a superação de fragilidades identificadas na literatura da
sociologia econômica e nos estudos organizacionais associadas à subteorização da
teoria dos campos. A estratégia adotada foi de integrar a recém-desenvolvida teoria
dos Campos de Ação Estratégica (FLIGSTEIN e MCADAM, 2012) com algumas dos
principais argumentos desenvolvidos por autores que analisam os mercados a partir
de uma perspectiva sociológica. Espera-se, assim, ter contribuído para contrapor a
ideia dominante dos mercados como abstrações matemáticas e como um espaço
autônomo da vida social.
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