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TECNOLOGIAS NUCLEARES PARA A PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA

Carlos Varandas
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Investigador do Centro de Fusão Nuclear
cvarandas@ipfn.ist.utl.pt

Sumário – Este trabalho apresenta a realidade actual e a evolução futura das duas
tecnologias usadas na produção de energia nuclear, para fins pacíficos: a fissão e a fusão
nuclear. A fissão é uma realidade nas actuais centrais nucleares. A fusão é a fonte de
energia do universo, que o Homem tenta reproduzir na Terra, de uma forma controlada, de
modo a obter uma fonte de energia limpa, poderosa, praticamente inesgotável, segura e
amiga do ambiente.

1. INTRODUÇÃO
A energia é um dos vectores essenciais para o desenvolvimento da nossa sociedade. O
Homem começou por recorrer, até ao final da Idade da Pedra, à sua própria energia muscular.
Posteriormente, passou a utilizar a energia muscular de alguns animais domésticos e, na Idade
do Bronze, a energia do vento (na navegação à vela e nos moinhos do vento) e a energia
hidráulica (nos moinhos de água). O desenvolvimento da economia no final da Antiguidade
obrigou ao recurso à queima da madeira, o combustível mais utilizado até à presente data. É,
contudo, a partir da segunda metade do século XVIII, com o desenvolvimento das máquinas a
vapor, que as fontes de energia se diversificam e que o consumo começa a crescer de uma
forma significativa. No inicio do século XIX o combustível principal era o carvão, passando
posteriormente a ser o petróleo e o gás natural, em resultado da descoberta dos motores de
combustão interna e, mais recentemente, das turbinas e dos motores de reacção. A invenção
dos alternadores permitiu a expansão rápida da electricidade 1, o portador energético ou fonte
de energia secundária que foi responsável pelo desenvolvimento acelerado que ocorreu no
século XX2. A descoberta em 1930 da cisão do urânio originou o desenvolvimento de uma
nova tecnologia energética e a construção das primeiras centrais nucleares.

1
A electricidade assumiu um papel importante porque se trata de uma fonte de energia muito versátil, que pode
ser gerada a partir de uma enorme variedade de fontes primárias de energia e transportada facilmente até ao local
de utilização. A produção de electricidade consome cerca de 40% do consumo mundial de energia primária.
2
Os outros principais portadores energéticos são o hidrogénio (produzido a partir de gás natural, da electrólise da
água ou num reactor nuclear) e o álcool (produzido a partir de frutos e plantas).

1
A política energética do chamado desenvolvimento industrial tem sido, assim, baseada na
queima intensiva de combustíveis fósseis, com relevo especial para o petróleo (Tabela 1). Para
além dos factores atrás referidos, esta estratégia resultou das seguintes evidências:
 O preço do petróleo era baixo;
 O petróleo pode ser usado quer na produção de energia de base (electricidade), quer no
importante sector dos transportes (Tabela 2);
 As energias alternativas aos combustíveis fósseis têm dificuldades sérias. A energia
nuclear tradicional não é facilmente aceite pelos cidadãos. As energias renováveis não
estavam, e provavelmente ainda não estão, num estado de desenvolvimento que permita
darem uma contribuição significativa para o consumo mundial de energia.

Fonte de energia %
Carvão
Petróleo
Gás Natural
Energia Nuclear
Energias Renováveis Sector Portugal Reino Unido

Indústria 32% 21%


Transportes 38% 35%
Doméstico 13% 30%
Serviços 9% 14%
Outros 8% -

Tabela 1 – Contribuição das principais


fontes de energia primárias para o Tabela 2 – Distribuição do consumo de
consumo mundial de energia em … energia em ….. no Reino Unido e em
Portugal por sector de actividade

A opinião pública tem uma consciência cada vez maior da necessidade de alterar este
paradigma energético. De facto:
 A queima dos combustíveis fósseis liberta para a atmosfera grandes quantidades de gases
de efeito de estufa (monóxido e dióxido de carbono) e também outros gases poluentes
(dióxido de enxofre, óxidos de azoto e vários metais pesados com saliência especial para o
mercúrio), os quais causam alterações importantes no clima (Figura 1) e no ambiente;
 O preço dos combustíveis fósseis tem aumentado imenso em resultado não só do
incremento da procura (Figura 2), mas também da instabilidade política e social nos
principais países produtores (Figura 3);

2
Figura 1 – Evolução da concentração de CO2 e da temperatura média no hemisfério norte

Figura 2 – Evolução do consumo de energia em Figura 3 – Distribuição geográfica das


dois cenários para a evolução da população principais jazidas de petróleo
mundial

 As reservas de carvão, petróleo e gás natural são limitadas, pelo que estes combustíveis
apenas podem satisfazer durante algumas décadas (Tabela 3) as necessidades resultantes
do crescimento do consumo mundial de energia, devido ao aumento da população mundial
(Figura 4), à melhoria da qualidade de vida nos países industrializados e ao
desenvolvimento muito acelerado de alguns países da Ásia, África, América Central e
América do Sul. Após 2030 haverá uma diferença crescente entre as necessidades
energéticas para assegurar o desenvolvimento sustentável da nossa sociedade e os recursos
disponíveis de combustíveis fósseis (Figura 5).

3
Combustível Anos
Carvão 300
Petróleo 40
Gás natural 50

Figura 4 – Evolução da população mundial Tabela 3 – Disponibilidade das jazidas de


combustível fósseis

Figura 5 – Evolução do consumo mundial de energia e dos recursos dos combustíveis fósseis.

Uma nova política energética para um desenvolvimento sustentado da nossa sociedade


deve ser baseada na eficiência na produção, distribuição e consumo, no aumento do recurso às
energias renováveis e no incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias energéticas [1].
O cabaz energético necessário para cumprir os objectivos do Protocolo de Quioto [x] deve
conter o maior número possivel de fontes de energia limpas, nas quais se inclui a energia
nuclear. A sustentabilidade de uma fonte energética está relacionada com a adequabilidade do
fornecimento e os efeitos ambientais do seu uso.

4
Toda a energia que nós consumimos é produzida a partir da matéria elementar que
constitui o Sol e a Terra. O Sol aquece e ilumina o nosso Planeta, proporcionando as
condições para a vida animal e vegetal. A sua energia foi incorporada, há muitos milhões de
anos atrás, em certas plantas e animais, que originaram a biomassa que foi responsável pela
criação das jazidas de carvão, petróleo e gás natural que ainda hoje exploramos. O Sol é
também responsável pelas tecnologias energéticas renováveis que mais recentemente
começámos a explorar. Por sua vez, a Terra fornece-nos energia primária através do urânio e
do calor geológico.

2. ENERGIA NUCLEAR
A energia nuclear está relacionada com alterações na estrutura dos núcleos atómicos, sendo a
única forma de energia que, até agora, foi descoberta no laboratório. As alterações na estrutura
dos núcleos podem ocorrer de uma forma espontânea ou em resultado de reacções nucleares.
Um exemplo das alterações espontâneas dos núcleos atómicos é a chamada
radioactividade3, em que um núcleo instável se transforma num núcleo estável, de menor
massa, através da emissão de uma partícula- e/ou de uma partícula- e/ou da emissão de
radiação-. As partículas- são núcleos idênticos aos núcleos dos átomos de hélio, formados
por dois protões e dois neutrões, têm carga positiva e o seu percurso no ar é de cerca de 3.5
cm, podendo ser absorvidas por algumas folhas de papel. As partículas- podem percorrer
vários metros no ar, podendo ser absorvidas por placas de alumínios. Existem dois tipos de
partículas-: (i) - (electrões), que resultam da transformação de um neutrão do núcleo num
protão que permanece no núcleo e num electrão que é expelido com grande velocidade; e (ii)
+ (positrões) que resultam da transformação de um protão num neutrão e num positrão, que é
expelido a alta velocidade, até que se anula ao encontrar um electrão com produção de energia
sob a forma de radiação electromagnética. A radiação- não tem nem carga nem massa, sendo
a sua energia transportada sob a forma de ondas electromagnéticas que se propagam à
velocidade da luz. Esta radiação pode acompanhar a emissão de partículas- ou 4 ou resultar
da captura de um electrão do átomo.
As reacções nucleares ocorrem quando um núcleo é bombardeado por uma partícula-
ou por um neutrão. A reacção absorve energia (reacção endoenergética) ou liberta energia

3
Henri Becquerel identificou, em 1896, a radiação natural do urânio.
4
O núcleo pode ficar excitado após a emissão de uma partícula  ou , ou seja, com um excesso de energia
interna.

5
(reacção exoenergética), consoante os novos núcleos resultantes da reacção tenham maior ou
menor massa do que os núcleos iniciais, isto é, estão pior ou melhor ligados que os antigos.
A quantidade de energia por unidade de massa de um átomo depende da dimensão
deste. O valor mínimo desta grandeza está contido nos átomos de média dimensão (como, por
exemplo, o carbono e o oxigénio). Os valores máximos estão contidos nos átomos pequenos
(tais como o hidrogénio) ou muito grandes (como, por exemplo, o urânio). A análise da Figura
6 permite concluir que pode ser libertada energia (reacções nucleares exoenergéticas) partindo
um átomo grande de modo a criar átomos mais pequenos (fissão ou cisão nuclear) ou
combinando átomos pequenos de modo a produzir átomos maiores (fusão nuclear) [2,3].
Estas reacções conduzem à formação de átomos mais estáveis (Figura 6) e à libertação
de quantidades significativas de energia devido à redução da massa dos produtos das reacções
em comparação com a massa dos reagentes iniciais (Figura 7).

Figura 6 – Energia libertada numa reacção Figura 7 – Comparação das massas dos
nuclear em função da massa atómica reagentes e dos produtos de uma reacção de
fusão

6
A fissão nuclear consiste na desintegração de um átomo pesado e cindível, através de
um conjunto, auto-sustentado, de reacções em cadeia, que produzem como produtos das
reacções vários núcleos mais pequenos e alguns sub-produtos como neutrões livres, raios
gama e partículas alfa e beta (Figura 8a) [4]. A fusão consiste na coalescência de dois átomos
de elementos leves (Figura 8b) [5-7].
A fissão nuclear é o processo utilizado nas actuais centrais nucleares para a produção
de grandes quantidades de electricidade. A fusão nuclear é a fonte de energia do Universo 5,
que o Homem tenta reproduzir na Terra, de uma forma controlada, de modo a obter uma fonte
de energia limpa, praticamente inesgotável, segura, economicamente atractiva e amiga do
ambiente.

Figura 8 – Reacções de fissão (a) e fusão (b) nuclear

3. FISSÃO NUCLEAR
3.1. Introdução
As reacções de fissão ocorrem quando o núcleo pesado de um elemento cindível captura um
neutrão. Os neutrões de baixa energia (lentos ou térmicos) podem causar reacções de fissão
somente nos isótopos de urânio e plutónio com um número ímpar de neutrões (U 233, U235 ou

5
A luz solar que ilumina a Terra e o calor solar que aquece o nosso Planeta são produzidos no Sol através de
reacções de fusão nuclear.

7
Pu239). A fissão de núcleos com um número par de neutrões é apenas possível quando o
neutrão incidente possui energia maior que 1 MeV (Figura 9)

Figura 9 – Secções eficazes de colisão de neutrões para a fissão dos núcleos de urânio e plutónio

A probabilidade de uma reacção de fissão é proporcional à secção eficaz de colisão, a


qual aumenta quando diminui a energia do neutrão. É por isso que num reactor nuclear
convencional existe um moderador, cuja função consiste em reduzir a energia dos neutrões até
aos valores da energia cinética média dos átomos cindíveis que os rodeiam. Um reactor rápido
não possui moderador.
Os elementos cindíveis usados em reacções de fissão nuclear são o urânio, o plutónio e
o tório.
O urânio é um elemento cerca de 1.7 vezes mais denso que o chumbo, composto por
átomos com um núcleo com 92 protões e um número variável e elevado de neutrões: 143,
233, 235 ou 238 consoante o isótopo considerado. O U 235 é um isótopo cindível porque o seu
núcleo é hit por um neutrão lento, formando-se como produtos das reacções elementos com
massas atómicas entre 75 e 155 (Figura 10), tais como, Ba, Kr, Sr, Cs, I e Xe, e em média
2,43 neutrões. Algumas reacções típicas são:
U235 + n  Ba144 + Kr90 + 2n + energia
U235 + n  Ba141 + Kr92 + 3n + 170 MeV
U235 + n  Te139 + Zr94 + 3n + 197 MeV
Os isótopos de bório e de criptónio decaiem posteriormente para isótopos mais
estáveis de neodínio e itrio, através da emissão de vários electrões do núcleo (decaimento-.
É este decaimento, com alguns raios- que lhe estão associados, que tornam os produtos da
fissão muito radioactivos.

8
Figura 10 – Distribuição, em percentagem, dos produtos resultantes da fissão do U 235

O U238 não é cindível num reactor convencional, mas é um isótopo fértil na medida
em que se transforma num elemento cindível (Pu239) através da captura de um neutrão.
U238 + n  U239  Np239 + Partícula-Pu239 + Partícula-
Pu239 + n  Pu240
Pu240 + n  Pu241  Amerício241 + Partícula-
O plutónio P239 comporta-se num reactor como o U235, isto é, é condível através da
captura de um neutrão térmico. Contudo estas reacções de fissão têm uma fluência de
neutrões ligeiramente maior. As reacções de fissão do plutónio que ocorrem num reactor
nuclear são responsáveis por cerca de um terço da energia gerada. As massas dos produtos
destas reacções estão distribuídas à volta de 100 e 135.
As reacções de fissão nuclear podem ser usadas nas bombas nucleares ou de uma
forma controlada para benefício da Humanidade. Neste último caso, podemos utilizar quer a
energia quer a radiação e/ou os neutrões produzidos nestas reacções. A energia libertada é
usada na propulsão de submarinos e foguetões nucleares, na geração de electricidade nas
actuais centrais nucleares e, ainda, na dessalinização da água dos oceanos e na produção de
hidrogénio para alimentar uma nova geração de veículos motorizados. Os neutrões e a
radiação são utilizados em aplicações científicas ou médicas.
A primeira experiência de fissão nuclear foi realizada em 1938 em Berlim por Otto
Hahn, Lise Meitner e Fritz Stassmann. A primeira reacção em cadeia foi feita em 1942, em
Chicago, por Enrico Fermi. A geração de electricidade (100 kW) foi conseguida pela primeira
vez em 1951, num reactor da classe EBR-1, em Arco, nos Estados Unidos [8].

3.2. Reactor nuclear convencional


Um reactor nuclear convencional é um dispositivo blindado onde reacções de fissão nuclear
em cadeia são iniciadas, controladas e mantidas a uma taxa estacionária [5,6]. As suas
componentes principais são (Figura 11): (i) o combustível, normalmente U 235, U238, Pu239, T232

9
ou misturas destes três elementos como, por exemplo, a mox, uma mistura de óxidos de
urânio e plutónio; (ii) o moderador, normalmente água, água pesada, hélio, grafite ou sódio
metálico, o qual reduz a energia dos neutrões até que eles atinjam a energia cinética média dos
átomos cindíveis que os rodeiam. Num reactor que usa urânio natural, o moderador deve ser
grafite ou água pesada. Nos reactores que operam com urânio enriquecido pode ser usada
água. Os reactores nucleares estão preparados para, nas situações de emergência, adicionarem
boro à água, já que aquele elemento ajuda a controlar as reacções de fissão; (iii) o permutador
de calor, normalmente água, água pesada, dióxido de carbono, hélio ou sódio metálico, o qual
transfere a energia produzida pelas reacções de fissão para a turbina; (iv) o reflector,
normalmente, água, água pesada, grafite ou urânio, o qual aumenta a eficiência do reactor
através da diminuição das perdas de neutrões; (v) a blindagem, feita normalmente com betão,
chumbo, aço ou água, a qual evita a emissão de radiação gama e de neutrões rápidos; (vi) as
barras de controlo feitos num material absorvente de neutrões usualmente cádio, ou boro, as
quais absorvendo mais ou menos os neutrões podem controlar, ou eventualmente parar, as
reacções em cadeia; e (vii) os sistemas de controlo e segurança.
Os reactores nucleares podem ser usados para produzir combustíveis nucleares
(breeder reactors), neutrões e/ou outros produtos ou fontes radioactivas para aplicações
científicas ou médicas (reactores de investigação) e calor para potência nuclear para utilização
em submarinos e foguetões nucleares ou para a geração de electricidade (reactores de
potência). Há, actualmente, no mundo cerca de 900 reactores nucleares, sendo 260 do tipo
reactor de investigação e 220 para alimentação de submarinos nucleares.

10
Figura 11 – Esquema de uma central nuclear, baseada num reactor de água pressurizada

3.3. Centrais nucleares convencionais


As centrais nucleares, convencionais, são dispositivos que geram grandes quantidades de
electricidade, a partir de reacções de fissão nuclear realizadas num ou mais reactores.
A primeira central nuclear, localizada em Obninsk, na ex-União Soviética, injectou em
1954, de uma forma experimental, 5 MW de electricidade na rede pública. A primeira central
nuclear comercial foi instalada em Sellafield, no Reino Unido, com uma potência inicial de 50
MW, posteriormente aumentada para 200 MW. A potência nuclear instalada cresceu
inicialmente de uma forma muito rápida, passando de menos de 1 GW em 1960 para 100 GW
no final da década de 70 e para mais de 300 GW no final dos anos 80. Posteriormente, e
devido ao impacte na opinião pública dos acidentes em Three Mile Island (em 1979),
Chernobyl (em 1986) e Toikamura (em 1999), o ritmo de construção de novas centrais
nucleares diminui fortemente, tendo mesmo alguns países (Austria (em 1978), Suécia (em
1980) e Itália (em 1987)) decidido formalmente não construir centrais nucleares ou mesmo
descontinuar as já existentes. Mais recentemente, alguns países como, por exemplo, a China e
a Índia, decidiram construir centrais nucleares, como forma de responder ao grande aumento
do consumo de electricidade. A potência nuclear atingiu cerca de 360 GW em 2005.
Há, actualmente, cerca de 440 centrais nucleares em operação em todo o mundo,
especialmente concentradas na Europa, América do Norte e Ásia (Tabela 4). Estas centrais

11
satisfazem cerca de 7% do consumo mundial de energia, através da geração de
aproximadamente 16% da electricidade consumida [9].

País CN (nº) E (%) País CN (nº) E (%)


África do Sul 2 6 Alemanha 17 31
Argentina 2 7 Arménia 1 43
Bélgica 7 56 Brasil 2 2
Bulgária 4 44 Canadá 18 15
China 10 2 Coreia do Sul 20 45
Eslováquia 7 56 Eslovénia 1 42
Espanha 8 20 Estados Unidos 103 19
Finlândia 4 33 França 59 79
Holanda 1 4 Hungria 4 37
Índia 16 3 Japão 55 29
Lituânia 1 70 México 2 5
Paquistão 2 3 Reino Unido 23 20
República Checa 6 31 Roménia 1 9
Rússia 31 16 Suécia 45 10
Suiça 5 32 Taiwan 6 20
Ucrânia 15 49

Tabela 4 – Número de centrais nucleares (CN) e o seu peso na geração de electricidade (E)

Actualmente, o debate sobre a energia nuclear está a regressar, motivado pelo facto de,
muito provavelmente, ser difícil atingir os objectivos do Protocolo de Quioto sem o recurso a
todas as energias limpas [10]. Para além disso, a industria nuclear tem feito progressos muito
significativos que tornam os actuais reactores nucleares muito mais seguros e eficientes do
que os do passado. Em consequência deste facto, há 28 novas centrais nucleares em
construção e 62 planeadas, com incidência especial na Ásia (Tabela 5) [9].

País P C País P C
Bulgária 2 China 13 5
Coreia do Norte 1 Coreia do Sul 7
França 1 Índia 4 7
Irão 2 1 Japão 11
Rússia 8 3 Ucrânia 2
Finlândia 1 Roménia 1

Tabela 5 – Centrais nucleares planeadas (P) ou em construção (C)

3.4. Vantagens e problemas da energia nuclear convencional


A energia nuclear convencional possui acérrimos defensores e opositores, devido certamente
às suas vantagens e a alguns problemas que a investigação científica e o desenvolvimento
tecnológico (I&D) ainda não conseguiram resolver. A importância e a complexidade deste tipo
de energia tem conduzido a que 47% dos investimentos dos países membros da Agência

12
Internacional de Energia em I&D na área da energia, entre 1974 e 2002, tenham sido feitos
em fissão nuclear, contra 13% nas fontes de energia fóssil, 11% na fusão nuclear, 8% nas
renováveis e 8% na eficiência e armazenamento [11].
No que diz respeito às vantagens é importante referir que se trata de uma energia
limpa, poderosa, economicamente atractiva e baseada em combustíveis abundantes.
A energia nuclear é limpa porque uma central deste tipo não emite para a atmosfera
nem gases geradores de efeito de estufa nem outros gases que degradam o ambiente como,
por exemplo, o dióxido de enxofre, os óxidos de azoto, o mercúrio e outros gases típicos
resultantes da queima de combustíveis fósseis. Convém, no entanto, referir que nos processos
a montante (extracção, enriquecimento e transporte do minério) e a jusante (tratamento dos
resíduos e desmantelamento da central) são emitidos dióxido e monóxido de carbono, ainda
que em quantidades muito menores que numa central térmica.
A energia nuclear é poderosa porque está relacionada com a energia de ligação dos
núcleos, a qual é muito maior que a energia de ligação dos átomos, inerente às reacções
químicas associadas à queima dos combustíveis fósseis (Tabela 6). Em ambos os casos, e para
que exista libertação de energia, tem de haver redução de massa, de acordo com a célebre
fórmula de Einstein
E=m C2
Simplesmente, e como podemos ver na Figura 6, a redução de massa só é significativa nas
reacções que envolvem átomos leves ou átomos muito pesados. Ou seja, só nas reacções de
fusão e fissão nuclear é que há libertação de grandes quantidades de energia.
Tipo de Reacção Descrição
Química CH4 + 2O2  CO2 + 2H2O + 5.5 eV
Fissão U235 + n  Te139 + Zr94 + 3n + 170 MeV
Fusão - Sol 4H1 + 2e  4He + 2 + 6 + 26.7 MeV
Fusão - Terra D+T  He + n + 17.6 MeV

Tabela 6 - Energias libertadas em reacções químicas e nucleares

Uma reacção de fusão nuclear é cem vezes mais poderosa que uma reacção de fissão que, por
sua vez, é cerca de um milhão de vezes mais poderosa que uma reacção química. A energia de
ligação libertada numa reacção de fissão é da ordem de 200 MeV, um valor
incomparavelmente maior que os 4 eV por molécula de dióxido de carbono libertado na
queima de um combustível fóssil. Deste facto resulta que uma grama de urânio pode gerar a
mesma electricidade (100 000 kWh) que é obtida com a combustão de oito toneladas de

13
carvão. A Tabela 7 apresenta as quantidades de combustíveis necessários para gerar 1 MW de
electricidade durante um ano e os resíduos produzidos [12]. A Tabela 8 contem os valores
caloríficos e os coeficientes de carbono de vários combustíveis.

Combustível Resíduos
2500 toneladas de carvão 5000 t de CO2, SO2, cinzas e metais pesados
1500 toneladas de petróleo 4800 t de CO2, SO2 e outros
700 toneladas de gás natural 2400 t de CO2
25 Kg de urânio 23 Kg de resíduos, dos quais apenas 1 Kg possui alta actividade
250 gr de deutério ?

Tabela 7 – Combustíveis necessários e resíduos produzidos na geração de


1 MW de elecricidade durante um ano

Combustível Valor Calorífico % de CO2 produzido


carbono (g/MJ)
Hidrogénio 121 MJ/kg 0 0
Gás Natural 38 MJ/m3 89 51
Petróleo 45 MJ/kg 67 72
Carvão 24 MJ/kg 76 90
Madeira 16 MJ/kg 42 94
Urânio Natural 500 GJ/kg 0 0
Urânio Enriquecido 3900 GJ/kg 0 0

Tabela 8 – Valor calorífico e coeficientes de carbono de vários combustíveis

O combustível para as centrais de fissão nuclear é abundante na crosta terreste: U 235


(0.7% de todo o urânio natural) e U238 (99.3% de todo o urânio natural) são os combustíveis

Figura 12 – Distribuição das reservas de urânio

14
mais usados nos reactores críticos e nos fast breeders. O urânio é um elemento que aparece
com muita frequência na crosta terreste e nos oceanos (Tabela 9). As principais reservas estão
situadas na Austrália (30%), Cazaquistão (17%), Canadá (12%), África do Sul (8%), Namíbia
(6%), Nigéria (5%), Brasil (4%), Federação da Rússia (4%), Estados Unidos (3%) e
Urzebeijão (3%) (Figura 12) [13]. Ao preço actual do mercado, um depósito é
economicamente atractivo se contiver pelo menos 0.1% de urânio, o que significa que as
reservas conhecidas permitem satisfazer o consumo mundial de energia durante cerca de 60
anos. Contudo, este prazo poderá ser alargado para 100 anos desde que o preço do urânio
duplique, o que implicaria um aumento de apenas 5% no custo do kWh de electricidade. O
uso de U238 fará com que as reservas durem pelo menos 10000 anos. Uma alternativa poderá
consistir na utilização de U233 produzido a partir de tório, um elemento três vezes mais
abundante na Terra que o urânio e cujas principais reservas se encontram na Austrália, Índia e
Noruega. Existem alguns modelos de reactores, tais como o Canadian Deuterium Uranium
(CANDU), que já podem operar com tório. As reacções começam com U 235 ou Pu239 e depois
o tório (Th232) captura um neutrão e transforma-se em U233, o qual continua as reacções em
cadeia. Contudo este tipo de utilização do tório tem vários problemas práticos que limitam a
implementação desta solução.

Fonte Concentração
(em partes por milhão)
Minério de Alta Concentração 20000
Minério de Baixa Concentração 1000
Granito 4
Rochas Sedimentares 2
Água do Mar 0,003

Tabela 9 – Concentrações típicas de urânio

Para além das jazidas naturais, os combustíveis para os reactores nucleares podem ser
obtido do desmantelamento dos arsenais nucleares. De facto, uma bomba nuclear contem uma
grande quantidade de urânio enriquecido até 90% de U235, isto é, cerca de 25 vezes a
proporção típica da maioria do combustível nuclear. Algumas bombas nucleares têm P 239 o
qual pode ser usado numa forma diluída nos reactores nucleares convencionais ou nos
reactores de fast breeder.
Estudos realizados no Reino Unido e nos Estados Unidos chegaram a custos muito
semelhantes para o preço do kWh de electricidade gerado por reacções de fissão ou por outras

15
tecnologias tradicionais, mesmo quando o custo da energia nuclear inclui os encargos
associados à construção e ao desmantelamento da central e as outras tecnologias não incluem
os facores externos (por exemplo, o seu impacte ambiental). Os custos muito elevados da
construção e da desmontagem de uma central nuclear são compensados pelo custo muito
reduzido dos combustíveis. Para aumentar a competitividade da energia nuclear, os governos
têm diminuído a burocracia associada ao processo de licenciamento e a industria nuclear tem
reduzido o tempo de construção e aumentado o período em que a central pode operar em
condições de total segurança. A energia nuclear tende a ser ainda mais competitiva em países
onde outros combustíveis energéticos não estão disponíveis, como, por exemplo, na França e
no Canadá-Ontário (Tabela 10).

País Nuclear Carvão Gás Natural


Finlândia 2,76 3,64 -
França 2,54 3,33 3,92
Alemanha 2,86 3,52 4,90
Suiça 2,88 - 4,36
Holanda 3,58 - 6,04
República Checa 2,30 2,94 4,97
Eslováquia 3,13 4,78 5,59
Roménia 3,06 4,55 -
Japão 4,80 4,95 5,21
Coreia do Sul 2,34 2,16 4,65
Estados Unidos 3,01 2,71 4,67
Canadá 2,60 3,11 4,00

Tabela 10 – Previsão dos preços (em cêntimos de dólar americano de 2003) em 2010 do kWh de
electricidade produzidos em centrais nucleares, de carvão ou de gás natural (OCDE, 2005)

Os problemas da energia nuclear podem ser divididos em dois grandes grupos: os


políticos e os técnicos. No primeiro caso temos a proliferação de armas nucleares e a
aceitação pela opinião pública. O segundo grupo integra as questões da segurança, do impacte
ambiental, da saúde pública e dos lixos radioactivos [14].
A proliferação nuclear resulta do uso no fabrico de bombas nucleares das tecnologias
desenvolvidas para fins civis, nomeadamente para o enriquecimento de urânio e o tratamento
dos resíduos nucleares. Este problema está resolvido no mundo democrático, através do
Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (em vigor desde 1970, actualmente com 187
signatários) e ao trabalho de organizações internacionais como, por exemplo, a Comunidade

16
Europeia de Energia Atómica (EURATOM) [15] e a Agência Internacional de Energia
Atómica (IAEA) [16], ambas criadas em 1957. Contudo, este problema subsiste nos países
onde a actividade dos inspectores da IAEA é dificultada, como, por exemplo, acontece
actualmente no Irão e na Coreia do Norte. Alguns modelos da Geração IV proporcionam uma
solução radical para este problema, através da construção de reactores de ciclo fechado, nos
quais os resíduos nucleares são re-processados no interior do próprio reactor.
A opinião pública tem dificuldade em aceitar a energia nuclear, dado que a palavra
nuclear continua intimamente ligada às catástrofes resultantes da bomba da Hirochina e do
acidente de Chernobyl. Não negando os perigos da utilização indevida do nuclear, os
governos devem informar a opinião pública sobre as vantagens da aplicação correcta deste
tipo de reacções e criar as condições legislativas que garantam que toda a utilização do
nuclear é feita com o respeito integral pelas pessoas e bens.
A segurança dos reactores de fissão tem sido melhorada à medida que novos modelos
são comercializados, através da diminuição da dependência da operação de factores humanos,
do aperfeiçoamento do treino dos operadores, do aumento da cultura de segurança de todo o
pessoal das centrais nucleares e da instalação de várias barreiras de protecção que evitam a
emissão de radiação na ocorrência, pouco provável, de um acidente sério. Veja-se o caso de
Three Mile Island, onde o acidente mais sério que ocorreu até hoje fora do espaço da ex-
União Soviética conduziu à libertação de pequenas quantidades de radiação para a atmosfera,
já que a parede exterior do sistema de contenção nunca rachou. Os reactores da Geração III,
do tipo EPR (“European Pressurized Reactor”) têm níveis de segurança tão ou mais elevados
que quaisquer outras instalações experimentais, do mesmo nível de complexidade. Contudo, é
ainda preciso melhorar os sistemas de arrefecimento do núcleo em caso de acidente grave (a
água sujeita às temperaturas elevadas do núcleo pode gerar quantidades explosivas de
hidrogénio) e a segurança contra atentados terroristas.
A refrigeração de uma central nuclear requer grandes quantidades de água. Este
consumo pode ser reduzido desde que se usem torres de refrigeração ou, no limite, uma torre
seca, soluções que, contudo, aumentam o custo da central.
O impacte na saúde pública das centrais nucleares é pequeno, salvo em caso de
acidente, apesar da emissão permanente de materiais radioactivos para a atmosfera, solo e
água. Os níveis de radiação dos trabalhadores destas centrais e das populações vizinhas estão
dentro dos limites fixados na regulamentação internacional [17]. Este facto justifica, muito
provavelmente, a existência de centrais nucleares perto de grandes aglomerados populacionais
(por exemplo, há duas centrais nucleares a menos de 50 km de Madrid). Por outro lado, as

17
estatísticas demonstram que o número de acidentes de trabalho numa central nuclear é menor
que nas centrais térmicas ou hidroeléctricas. Se ocorrer um acidente grave numa central (cuja
probabilidade é de 1 para 10 milhões), e no caso também pouco provável de haver libertação
de poeiras e radiações para o exterior (as novas centrais nucleares possuem várias camadas de
protecção), existem procedimentos que podem atenuar o impacte na população (por exemplo,
a distribuição de tabletes de iodo reduz o risco de cancro na tiróide).
Os resíduos nucleares são, ainda, hoje um problema, sobretudo porque tem havido
pouco investimento no estudo de processos eficientes para o seu tratamento e armazenamento.
Uma central nuclear produz menos resíduos que uma central térmica e que são controlados
com muito mais rigor que qualquer outro resíduo industrial. Contudo, os resíduos nucleares
são muito mais perigosos para a saúde pública. Uma pequena quantidade destes resíduos
(cerca de 10%) possui radioactividade muito elevada que, apesar de se reduzir a cerca de
metade ao fim de 10 anos e em 90% passado um século, leva milhares de anos atingir os
níveis naturais. São, por isso, necessários processos de separação e transmutação que
permitam retirar e tratar os componentes de elevada radioactividade (plutónio e actinídeos) e
técnicas de armazenamento em camadas geológicas profundas (solução adoptada na
Finlândia) ou à superfície ou no subsolo (cemitério nuclear).
A indústria nuclear poderá passar por algumas dificuldades se ocorrer um aumento
significativo e súbito do recurso à energia nuclear. Em primeiro lugar poderá haver
dificuldade em satisfazer, em tempo útil, as encomendas de novas centrais e os pedidos de
desmantelamento de centrais actuais. Esta operação torna-se cada vez mais urgente porque o
parque nuclear está envelhecido (14% e 18% das actuais centrais têm, respectivamente, mais
de 25 e 30 anos). Em segundo lugar, vai aumentar a dificuldade de contratar novos
engenheiros nucleares, devido à diminuição do ensino desta especialidade nas universidades
europeias. Em terceiro lugar, haverá, certamente, um aumento do preço da matéria prima. O
preço em dólares do urânio quadruplicou em três anos, embora ainda não tenha atingido o
máximo histórico dos anos 70 e apesar de alguns países terem aumentado nos últimos anos a
sua produção. É importante referir que o custo do urânio tem um impacte pequeno no custo
do kW.h (a duplicação do primeiro conduz a um aumento de 5% no segundo).
Finalmente refira-se que as recomendações internacionais apontam para que todas as
actividades relacionadas com o nuclear devam ser controladas por um órgão especializado,
independente do poder político e dos grupos económicos.
3.5. Evolução dos reactores nucleares
3.5.1. Introdução

18
A indústria nuclear tem tentado resolver os problemas referidos na secção anterior,
procurando tornar os reactores deste tipo mais seguros, mais eficientes e mais amigos do
ambiente [18]. A segurança tem sido melhorada através do recurso a microprocessadores e à
redução da componente humana nos sistemas de decisão. O aperfeiçoamento da eficiência
permite que a mesma quantidade de electricidade seja gerada com menos combustível e, por
consequência, produzindo menos resíduos. A amizade ao ambiente tem sido melhorada com o
aperfeiçoamento dos sistemas de arrefecimento, a redução da quantidade e da radioactividade
dos resíduos e o seu tratamento e armazenamento em condições adequadas e seguras.
A indústria nuclear já desenvolveu quatro gerações de reactores, com vários modelos
em cada geração. Os reactores da Geração I foram construidos até 1965 e encontram-se
apenas em operação na Europa de Leste, constituindo um perigo para a Humanidade dada a
sua idade avançada e as condições precárias de segurança. Os reactores da Geração II,
construidos entre 1965 e 1995, são muito mais seguros e encontram-se em funcionamento na
Ásia e no mundo ocidental. A Tabela 11 apresenta dados sobre os tipos principais dos
reactores nucleares que estavam em operação no final de 2006. Os reactores da Geração III
são ainda mais seguros e eficientes, encontrando-se seis modelos diferentes em operação,
construção ou desenvolvimento. Um modelo muito conhecido, o EPR (“European Pressurired
Reactor”) [19], está a ser aplicado em três novas centrais nucleares localizadas na Finlândia
(Olkiluoto) [20], França (Flamanville) e na China. Outros modelos são o ABWR (“Advanced
Boiling Water Reactor”), o HTGCR (“High Temperature Gas Cooled Reactor”), o PBMR
(“Pebble Bed Modular Reactor”), o AHWR (“Advanced Heavy Water Reactor”) e o CAESAR
(“Clean And Environmentally Safe Advanced Reactor.
Os reactores da Geração IV estão a ser desenvolvidos no âmbito de uma organização
internacional que integra dez países (Argentina, Brasil, Canadá, França, Japão, Coreia do Sul,
África do Sul, Suiça, Reino Unido e Estados Unidos) e a EURATOM [21-23]. Estão a ser
estudados seis conceitos diferentes, esperando-se que a sua comercialização possa ocorrer
dentro de 20 a 30 anos: o GFR (“Gas-cooled Fast Reactor”), o LFR (“Lead-cooled Fast
Reactor”), o MSR (“Molten Salt Reactor”), o SCWR (“SuperCritical Water-cooled Reactor”),
o SFR (“Sodium-cooled Fast Reactor”) e o VHTR (“Very High Temperature Reactor”). Estes
reactores usam neutrões supra-térmicos, em vez dos neutrões térmicos que são utilizados nas
três primeiras gerações, o que conduz a vantagens significativas. De facto, os reactores da
Geração IV [14, 23]:

Tipo Combustível Moderador Permutador Nª GWe Localização

19
Pressurized Water UO2 enriquecido OH2 OH2 268 249 França, Japão, USA,
Reactor (PWR) Pressurizada Pressurizada Rússia
Boiling Water UO2 enriquecido OH2 em OH2 em 94 85 USA, Japão, Suécia
Reactor (BWR) Ebulição Ebulicão
Pressurized Heavy UO2 natural OH2 Pesada OH2 Pesada 40 22 Canadá
Water Reactor
(PHWR)6
Gás-Cooled Reactor U natural UO 2 Grafite CO2 23 12 Reino Unido
(MAGNOX & AGR) enriquecido
Light Water Graphite UO2 enriquecido Grafite OH2 12 12 Rússia
Reactor (RBMK)
Fast Neutron Reactor PuO2 e UO2 Sódio Líquido Não Tem 4 1 Japão, França, Rúsia
(FBR)

Tabela 11 – Modelos dos reactores nucleares que estavam em operação em 2006

 São mais seguros por três razões fundamentais: (i) o núcleo do reactor é mais pequeno; (ii)
um modelo de gás a temperaturas elevadas (HTGR) usa micro-esferas de combustível que
são introduzidas na parte central do reactor à medida que são consumidas, evitando-se a
libertação de grandes quantidades de energia que podem conduzir a que o núcleo se derreta;
(iii) o hélio usado como refrigerador, no caso de acidente, regressa ao corpo central do
reactor, evitando que haja libertação de elementos radioactivos;
 São economicamente mais competitivos dado que a menor dimensão do seu núcleo permite
menores edifícios e porque a sua duração mais longa significa um impacte menor dos custos
de construção e desmantelamento no preço do kW.h;
 Alguns modelos permitem a produção de hidrogénio, em larga escala, através de um
processo termoquímico que consiste na reacção quimica de dióxido de enxofre e iodina com
água, com a produção de ácido sulfúrico e iodeto de hidrogénio, que posteriormente se pode
decompor em iodina e hidrogénio;
 São mais eficientes, produzindo menos resíduos e com menos radioactividade. Existem,
mesmo, modelos de ciclo fechado em que os resíduos são reprocessados no interior do
próprio reactor de forma a serem reutilizados como combustível;
 Os reactores de ciclo fechado são resistentes à proliferação nuclear, uma vez que o plutónio
não sai do interior do reactor.

3.5.2. Reactores avançados

6
Os reactors CANDU podem trabalhar com tório e produzir trítio, um elemento muito importante para os
reactores de fusão nuclear.

20
Os construtores nucleares europeus, americanos e japoneses têm vários projectos de novos
reactores nucleares em fases de investigação e desenvolvimento, planeamento, aprovação
pelas Autoridades Reguladoras ou, finalmente, já em construção (Tabela 12).
Estes reactores, pertencentes às Gerações III, III+ ou IV:
(i) Têm um projecto standarizado para cada modelo de modo a facilitar o licenciamento,
reduzir os custos de investimento e diminuir o tempo de construção;
(ii) Têm um projecto mais simples e austero, são meios fáceis de operar e são menos
vuneráveis a distúrbios operacionais;
(iii) Têm uma vida útil mais longa (tipicamente 60 anos) de modo a reduzir o impacto dos
custos de construção e desmontagem no preço do kWe;
(iv) Reduzem a possibilidade de um derretimento da câmara do reactor;
(v) Têm um ponto de queima mais elevado, de modo a reduzir a quantidade de combustível
utilizado e o lixo produzido;
(vi) São economicamente mais competitivos.

País Reactor Potência Estado do Projecto


MWe
EUA – Japão Advanced Boiling Water 1300 Em operação no Japão
Reactor (ABWR) Certificado nos Estados Unidos
EUA AP – 600 600 Certificado
AP – 1000 1100
Economic Simplified Boiling 1550 Certificado
Water Reactor (ESBWR)
França European Pressurized Water 1600 Em construção na Finlândia
Reactor (EPWR)
Japão Advanced Pressurized Water 1500 Desenho básico
Reactor (APWR)
Coreia do Sul APR 1400 1450 Em construção
Rússia PWR V-448 1500 Em construção
PWR V-392 950 Dois em construção na India
Canadá Advanced CANDU Reactor 1000 Proposto por o Reino Unido
(ACR) Certificado em curso no Canadá

Tabela 12 – Reactores avançados

3.5.3. Reactores de temperatura elevada


Estão a ser desenvolvidos reactores de alta temperatura (MTR) arrefecidos a gás, capazes de
fornecerem hélio a temperaturas até 950 ºC para aplicações industriais ou geração de
electricidade, com uma eficiência térmica de cerca de 48% (Tabela 13).

21
Estes reactores utilizam combustível na forma de partículas com menos de um
milímetro de diâmetro, contendo cada uma um grão de óxido carbonete de urânio, com U 235
enriquecido até 17%. Cada pastilha é rodeada por camadas de carbono e carboneto de silício,
proporcionando um contentor para os produtos de fissão que é estável até 1600 ºC ou mais. As
pastilhas são posteriormente agrupadas ou em blocos hexagonais de grafite ou em bolas do
tamanho de uma bola de bilhar, feitas em grafite encaixada em carbonete de silício. Em
ambos os casos, cada peça tem mais de 15000 pastilhas de combustível a cerca de 9 gramas
de urânio. Estes combustíveis para os reactores de alta temperatura têm uma segurança
inerente muito elevada, incluindo um coeficiente de temperatura muito negativo que origina
uma redução das reacções de fissão quando a temperatura aumenta.

Reactor Países envolvidos no Estado


desenvolvimento
Pebble Bed Modular Reactor (PBMR) Africa do Sul, USA, Em desenvolvimento
Alemanha e China
Small Pebble Bed Reactor (SPBR) China Em operação
MTR-PM China Em construção
Gas Turbine – Modular Hellium Estados Unidos, Russia e Em desenvolvimento
Reactor (GT-MHR) França

Tabela 13 – Reactores de Temperatura Elevada

3.5.4. Reactores de neutrões rápidos


Os neutrões rápidos podem gerar potência nuclear utilizando a transformação de U 238 em Pu239
e, depois, as reacções em cadeia deste material cindível. Os reactores reprodutores rápidos
produzem mais plutónio do que consomem. A Figura 13 apresenta o ciclo do combustível dos
reprodutores rápidos.
Os reactores de neutrões rápidos têm uma eficiência térmica muito elevada, devido a
temperatura muito elevada em que operam (500 a 550 ºC). O número de neutrões produzido
por reacção de fissão é 25% mais elevado que nos reactores térmicos, pelo que há neutrões
suficientes não só para manter as reacções em cadeia, mas também para converter o urânio
esgotado (principalmente U238) existente numa camada fértil em plutónio. Este tipo de
reactores não tem moderador e usa metais líquidos de alta condutividade e ponto de ebulição
(como, por exemplo, o sódio, o chumbo, ou uma liga de chumbo-bismuto) para o seu
arrefecimento. Este tipo de arrefecimento, embora, difícil de manusear do ponto de vista
químico, é mais benigno do que água a muito alta pressão. Estas vantagens deste tipo de
reactores levou as principais potências nucleares a desenvolverem e instalarem vários

22
reactores (Tabela 14). Contudo, o baixo preço do urânio, os custos elevados do investimento e
a necessidade de utilizar plutónio para fins militares levou muitos Países a não instalar mais
reactores deste tipo (Tabela 14). Praticamente, hoje, apenas a Rússia continua a apostar neste
tipo de reactores. No entanto, é provável que no futuro aumente o interesse neste tipo de
reactores devido à sua capacidade para cindirem actinídios, incluindo os que são recuperados
do combustível usado dos reactores convencionais.

País Reactores
Instalados Em operação
Estados Unidos 5 0
Reino Unido 2 0
França 3 1
Alemanha 1 0
India 1 1
Japão 2 1
Casaquistão 1 0
Rússia 3 3

Tabela 14 - Reactores Reprodutores Rápidos

Figura 13 – Ciclo do combustível dos reactores reprodutores rápidos


3.6. Ciclo do combustível nuclear
O ciclo do combustível nuclear descreve todas as operações relacionadas com a obtenção e
preparação do combustível, o seu uso num reactor e o manuseamento do combustível usado.

23
A ideia inicial era ter um ciclo fechado em que o combustível usado é reciclado para
uma nova utilização (Figura 14). Contudo, porque o preço do urânio fresco é baixo e porque o
processo de reciclagem conduz à formação de plutónio, um material essencial para a
construção de bombas atómicas, alguns Países, como, por exemplo, os Estados Unidos, o
Canadá e a Suécia, optaram pelo ciclo aberto em que o combustível usado é tratado
imediatamente como lixo radioactivo (Figura 15).

Figura 14 – O ciclo fechado do urânio

Figura 15 – O ciclo aberto do urânio


Em ambos os casos, o minério é extraído das minas e de modo a produzir urânio na
forma de óxido concentrado de urânio (U3O8). Este material é constituído por cerca de 0,7%
de U235 sendo a parte restante constituída por alguns traços de U 234 e, principalmente, U238.

24
Apenas alguns reactores, como, por exemplo, os CANDU e MAGNOX, podem operar com
urânio natural. Para os restantes tipos de reactores, a percentagem de U 235 tem de ser
aumentada até valores entre 3% e 5%, num processo designado por enriquecimento do urânio,
o qual exige que este combustível esteja no estado gasoso.
Para isso, o urânio que saí das minas vai para uma fábrica de conversão onde o óxido
de urânio é purificado e transformado em hexafluoreto de urânio (UF 6) um elemento que
permanece no estado gasoso a temperaturas da ordem de 56 ºC.
O UF6 é então sujeito ao processo de enriquecimento, no qual cerca de 85% do urânio
natural é rejeitado (urânio esgotado7 principalmente U238) e armazenado. Os processos de
enriquecimento, difusão e centrifugação8, estão baseados na diferença de massa entre o U235 e
U238. Embora a capacidade volumétrica de uma centrifugadora seja muito menor que a de uma
difusora, o seu potencial de separação de isótopos é muito maior.
O processo de difusão consiste na passagem do gás sob pressão por um conjunto de
membranas com poros microscópicos e está baseado nas diferentes velocidades médias dos
dois componentes principais do UF6. Como as moléculas mais leves passam os poros mais
depressa, ao fim da passagem do gás por um número elevado de membranas (mais de 1000) é
possível ter apenas gás de U235 já que o U238 ficou para trás. Cada estágio de uma difusora
consiste num compressor, numa membrana e num permutador de calor que remove o calor da
compressão.
A centrifugação consiste na sujeição do gás de UF 6 a uma rotação em muito alta
velocidade (50 000 a 70 000 rotações por minuto), o que conduz à separação das moléculas de
massas diferentes. A rotação muito elevada é necessário para que seja possível separar
isótopos de massas muito semelhantes (U235 e U238) já que a eficiência do processo resulta do
produto da massa pelo quadrado da velocidade. Uma centrifugadora é constituída por uma
sequência de cilindros, cada um com cerca de 192 metros de comprimento e 15 a 20
centimetros de diâmetro. O gás de U235 vai-se concentrando junto ao eixo e passando de um
cilindro para o próximo por efeito da rotação do gás.
No próximo estágio do ciclo do urânio é finalmente produzido o combustível que vai
ser utilizado num reactor. O UF6 enriquecido é convertido em óxido de urânio (UO 2) na forma
de pastilhas cilíndricas com 2 cm de comprimento e 1.5 cm de diâmetro. Estas pastilhas são
aquecidas a temperaturas muito elevadas de modo a formarem pastilhas cerâmicas duras, as
quais são então carregadas em tudos com 4 m de comprimento, feitos em aço inox ou em ligas
7
“Depleted uranium”
8
Existe uma terceira tecnologia de enriquecimento baseada na utilização de lasers, a qual ainda não está
comercializada.

25
de zircónio, os quais constituem as barras de combustível. As barras são montadas em grupos
quadrados com 30 cm de lado para formarem os conjuntos de combustível para o reactos. Esta
forma de combustível é utilizada para alimentar os reactores de água leve. Um reactor de 1
GWe tem 75 toneladas de combustível no seu interior. Com a operação do reactor, o nível dos
produtos de fissão e outros absorventes de neutrões aumenta até valores que podem interferir
com as reacções em cadeia do U235 e do Pu239 entretanto formado a partir do U238. Quando isto
acontece, é necessário remover os conjuntos de combustível. Num reactor de água leve, esta
operação ocorre tipicamente ao fim de três a quatro anos (Figura 16).
O combustível retirado do reactor está quente e radioactivo, pelo que é necessário
guardá-lo em água para remover o calor e para blindar as radiações. Posteriormente o destino
deste combustível depende do tipo de ciclo que pretendemos implementar.
No ciclo aberto, o combustível já arrefecido é armazenado no local do reactor e
posteriormente enviado para um local de armazenamento à superfície ou no interior da crosta
terrestre.
No ciclo fechado, o combustível arrefecido é enviado para uma instalação de
reprocessamento. Aqui as barras de combustível são cortadas em pedaços e dissolvidas em
ácido. Os componentes valiosos, plutónio e urânio não gasto, são recuperados e separados
através de vários processos químicos. Estes processos deixam cerca de 3% do combustível
como lixo de alta-activação. Depois de solidificação, este lixo é reduzido a um pequeno
volume de um material altamente radioactivo que tem de ser sujeito a disposição permanente.
O reprocessamento do combustível usado tem inegáveis vantagens económicas e
ambientais. Do ponto de vista económico porque permite recuperar o plutónio e o U235 que
existem no combustível usado, o qual representa cerca de 96% do combustível que
inicialmente foi introduzido no reactor. A vantagem ambiental resulta da redução muito
significativa da quantidade de lixo radioactivo que é preciso armazenar.
A principal desvantagem do reprocessamento está associada à possibilidade das
tecnologias que lhe estão associadas poderem ser usadas para fins não-pacíficos,
nomeadamente o plutónio9. Este inconveniente será resolvido com um modelo da Geração IV
que permite efectuar o reprocessamento no interior do próprio reactor.
O plutónio que resulta do reprocessamento do combustível usado pode ser utilizado
para o fabrico de Mox (um combustível formado por uma mistura de plutónio e urânio

9
O plutónio que resulta do reprocessamento do combustível usado não tem a concentração necessária para a
construção de uma bomba atómica.

26
esgotado U238)), um combustível usado em certos reactores, ou para alimentar os reactores
reprodutores10

Figura 16 – Transformação do combustível num reactor de água leve ao fim de três anos

3.7. Desmontagem de reactores nucleares


A radioactividade de um reactor nuclear, no final da sua vida útil, está maioritariamente (99%)
associada ao combustível que está no seu interior, o qual tem de ser removido para ser
reprocessado ou armazenado. A restante radioactividade resulta da contaminação do solo e
dos materiais, especialmente as componentes em aço, que foram activadas pela sua irradiação
por neutrões. Os átomos destas componentes transformaram-se em isótopos diferentes como,
por exemplo, Fe55, Co60, Ni63, e o C14. Os dois primeiros têm radioactividade muito elevada,
emitindo uma quantidade apreciável de raios-. Ao fim de cerca de 50 anos esta
radioactividade já diminuiu significativamente, permitindo a intervenção humana directa. Ao
fim de 100 anos após o fim da operação do reactor, o nível de radioactividade caiu um factor
de 100 000. Por estas razões é necessário proceder à desmontagem do reactor, seguindo um
dos três procedimentos típicos a seguir indicados, consoante a política reguladora do País
onde está localizado o reactor:
 Desmontagem imediata após o fim da operação do reactor. Este procedimento evita a
transferência da responsabilidade da desmontagem para as gerações futuras, permite
libertar mais cedo o local onde está o reactor do controlo das Autoridades Reguladoras do
Nuclear e utilizar as competências do pessoal envolvido na operação do reactor. Tem,
contudo, a desvantagem de estarmos a manusear componentes activas, o que certamente
implicará processos de engenharia mais complexos, com o recurso muito provável a meios
robotizados;
 Recinto seguro. Nesta opção o local do reactor fica durante 40 a 60 anos vedado ao acesso
humano, até que a radioactividade decresça até níveis que permitem a intervenção humana.
10
“Breeder reactors”

27
De seguida procede-se à desmontagem do reactor e à descontaminação do terreno. Esta
opção permite reduzir os custos devido aos processos menos sofisticados necessários para
a desmontagem. Tem, contudo, o inconveniente de libertar mais tarde o local para outra
utilização;
 Sepultura, através da redução ao mínimo da área onde está o material radioactivo e seu
posterior encapsulamento por uma estrutura de betão que permita que este material deixe
de ser um motivo de preocupação.
De acordo com a IAEA, havia em 2005 cerca de 90 reactores nucleares em processo
de desmontagem, estando já oito locais onde anteriormente existiram centrais nucleares
totalmente recuperados e prontos para outra utilização.
Os custos da desmontagem das centrais nucleares são elevados (Tabela 15), existindo
três vias típicas para o seu financiamento:
 Através de um fundo externo à empresa exploradora constituído a partir de uma taxa paga
pelos consumidores por cada kw.h de electricidade utilizada.
 Pré-pagamento através do depósito numa conta bancária, antes do início da construção da
central nuclear, da verba necessária à sua desmontagem.
 Fundo interno, carta de crédito ou seguro que garantam que a impresa exploradora vai
proceder à desmontagem da central, mesmo no caso de insolvência da empresa.

Tipo de reactor Custo em $ kWe Tipo de reactor Custo em $ kWe


PWR 200-500 VUER11 330
BWR 300-550 CANDU 270-430
GCR 2600

Tabela 15 - Custos da desmontagem de um reactor nuclear

11
Russian light water pressurized reactor

28
4. FUSÃO NUCLEAR
4.1. Introdução
A fusão nuclear consiste na coalescência dos núcleos de dois átomos, com redução da massa
dos produtos da reacção quando comparada com a massa dos reagentes e a consequente
libertação de energia.
Uma reacção típica de fusão nuclear envolve dois átomos de hidrogénio e dois
neutrões, de modo a formarem um átomo de hélio:
2H + 2n  He + 28.3 MeV (4.1)
A redução da massa atómica
2  1.007825 + 2  1.008665 – 4.002603=0.030377 u.m.a (4.2)
conduz à libertação de 28,3 MeV.
A fusão nuclear é o processo energético que alimenta o Sol e as outras estrelas. Uma
reacção típica de fusão nas estrelas envolve quatro átomos de hidrogénio, de modo a
formarem um átomo de hélio, dois positrões e dois neutrinos:
4H  He + 2e+1 + 2 + 25.1 MeV (4.3)
Esta reacção integra o chamado ciclo do carbono, uma cadeia complicada de acontecimentos
que envolve o hidrogénio e alguns isótopos do carbono, oxigénio e azoto.
A reacção (4.3) pode ser obtida se admitirmos que todas as seguintes reacções deste
ciclo ocorrem ao mesmo tempo e com iguais probabilidades:
C12 + H  N13+ 1.9 MeV (4.4)
N13  C13 + e+1 +  + 1.5 MeV (4.5)
C13 + H  N14 + 7.6 MeV (4.6)
O15  N15 + e+1 +  + 1.8 MeV (4.7)
N15 + H  C12 + He + 5.0 MeV (4.8)
Ou seja, a reacção (4.3) sugere que os núcleos do hidrogénio se fundem devido à acção
catalizadora dos isótopos C12, C13, N13, N14, N15 e O15. O ciclo do carbono é muito lento, pelo
que não tem aplicação prática na Terra.
As reacções de fusão nuclear no nosso planeta envolvem apenas dois átomos, dado
que ainda não foi possível conceptualizar nenhum mecanismo que permita fundir
directamente quatro núcleos.
As reacções de fusão não ocorrem através da mistura simples dos reagentes, devido à
forte força electrostática de repulsão entre os núcleos dos reagentes. Para que as reacções de
fusão nuclear possam ocorrer é preciso que uma ou mesmo as duas, partículas tenham

29
adquirido velocidades elevadas, para que os seus núcleos se possam aproximar
suficientemente, de modo a que a força nuclear domine a força eléctrica de repulsão entre as
cargas positivas dos dois iões (Figura 4.1).

Figura 4.1 – Força eléctrica e força nuclear entre dois núcleos

As velocidades elevadas necessárias para que os dois átomos se possam fundir podem
ser obtidas através da aceleração de feixes de partículas carregadas num acelerador ou do
aquecimento dos reagentes até temperaturas extremamente elevadas, muito superiores às
temperaturas de fusão ou de vaporização dos reagentes, às quais os reagentes estão ionizados
e constituem um plasma, o quarto estado da matéria.
Há duas consequências importantes para as reacções de fusão nuclear do facto da força
de Coulomb entre duas cargas de números atómicos Z1 e Z2 ser dada por:
Z1 Z 2
F (4.9)
r2
onde r representa a distância entre as cargas:
(i) A fusão nuclear ocorre mais facilmente entre elementos de baixo número atómico, ou
seja, o hidrogénio e os seus isótopos deutério e trítio;
(ii) A força de Coulomb é muito elevada para as distâncias típicas das forças nucleares
(10-15 m), pelo que os reagentes devem ter energias superiores a alguns keV. A análise da
Figura 4.2 permite concluir que a secção eficaz de uma reacção D-D aumenta cerca de
1000 vezes quando a energia aumenta de 10 para 75 keV.
A primeira aplicação na Terra das reacções de fusão nuclear foi a chamada bomba de
hidrogénio, onde as temperaturas elevadas criadas por reacções de fissão conduzem às
condições necessárias para que as reacções de fusão possam ocorrer de uma forma rápida e
descontrolada.

30
Figura 4.2 – Secção eficaz da reacção D-D

O Homem tenta, desde os anos cinquenta do século passado, criar num laboratório
uma situação intermédia entre as reacções super-lentas do Sol e as reacções super-rápidas da
bomba de hidrogénio. Quando tal acontecer, o Homem estará em condições de desenvolver
até à comercialização uma nova tecnologia energética, que é potencialmente limpa,
inesgotável, segura, amiga do ambiente e economicamente competitiva.

4.2. Reacções de Fusão Nuclear


Como já vimos anteriormente, as reacções de fusão nuclear são mais fáceis de obter quando
envolvem núcleos de átomos de baixo número atómico. A Tabela 4.1 contem dados sobre os
elementos do início da Tabela Periódica. Os números indicam a percentagem de ocorrência na
Terra ou a meia-vida consoante o elemento seja estável ou radioactivo.

5 Boro B8 B10 B11 B12


770 ms 20% 80% 20 ms
NÚMERO DE PROTÕES

4 Berílio Be7 Be9 Be10 Be11


53.3 d 100% 106 a 14 s
3 Lítio Li6 Li7 Li8 Li9
75% 92.5% 850 ms 180 ms
2 Hélio He3 He4 He6
0,00013% ~100% 800 ms
1 Hidrogénio H D T
99.985% 0.015% 12.31 a
0 n
10.6 m
n 0 1 3 3 4 5 6 7
NÚMERO DE NEUTRÕES

Tabela 4.1 - Elementos de baixo número atómico

31
A Figura 4.3 apresenta as secções eficazes das seguintes reacções de fusão nuclear que
envolvem o hidrogénio e os seus isótopos deutério e trítio.
D + D  T + H + 4.03 MeV (4.9)
D + D  He3 + n + 3.27 MeV (4.10)
D + T  He4 + n + 17.6 MeV (4.11)
D + He3  He4 + H + 18.3 MeV (4.12)

Figura 4.3 - Secções eficazes de colisão das reacções de fusão nuclear

A análise das reacções anteriores permite concluir que os produtos das duas
primeiras são os reagentes das duas últimas. Então, se admitirmos que todas as reacções são
igualmente prováveis e se somarmos as quatro reacções, obtemos:
6D  2H + 2He + 2n + 43.2 MeV (4.13)
ou seja
4D  2He + 47.6 MeV (4.14)
atendendo a que
2H + 2n  2D + 4.4 MeV (4.15)

O resultado teórico deste conjunto de reacções é a transformação de quatro átomos de


deutério em dois átomos de hélio, com a libertação de 47.6 MeV de energia. Ou seja, a
energia libertada por unidade de massa do deutério é de cerca de 6 MeV, a qual é muito maior
que a energia libertada na fissão de urânio (0.81 MeV por unidade de massa de urânio). Isto
significa que as reacções de fusão nuclear de átomos de deutério são cerca de oito vezes mais
potentes que as reacções de fissão do urânio.

32
Vamos agora ver qual a reacção mais provável de ser realizada na Terra, de uma forma
controlada e com uma eficiência energética significativa. A escolha das reacções a realizar na
Terra depende da ocorrência dos elementos, da natureza dos produtos das reacções, das
condições para realizar as reacções, da quantidade de energia libertada e da fracção desta
energia. A primeira tendência é escolher as reacções que envolvem apenas átomos de deutério,
um isótopo do hidrogénio, praticamente inesgotável na Terra, já que se pode tirar da água (há
um átomo de deutério por cada 6700 átomos de hidrogénio que existem na água), um
elemento abundante no nosso Planeta. Contudo as reacções D-D têm várias desvantagens: (i)
cada reacção liberta pouca energia (4.4 MeV), mas que reside nos produtos com carga
eléctrica das reacções, sob a forma de energia cinética. Esta última condição é muito
importante porque a presença de neutrões como produto das reacções induz radioactividade
dos materiais dos componentes que rodeiam a coluna de plasma; (ii) para uma dada energia, a
taxa de ocorrência das reacções D-D é a mais baixa de todas as reacções atrás referidas
(Figura 4.3); e (iii) a temperatura necessária para a ignição é muito elevada (48 keV).
A segunda possibilidade é escolher a reacção que envolve o D e o He 3, a qual tem duas
vantagens importantes: (i) cada reacção liberta a maior quantidade de energia de todas as
reacções de fusão; e (ii) esta reacção não produz neutrões, o que significa que as paredes do
reactor não vão ficar activadas. Contudo esta reacção é impossível de realizar, de uma forma
sistemática, na Terra, dado que o He3 é um elemento muito escasso na atmosfera terrestre.
Resta-nos, então, a reacção entre o deutério e o trítio, a qual liberta também uma
quantidade significativa de energia (17.4 MeV) e exige uma temperatura para a ignição
relativamente baixa (4.4 keV). Contudo, esta reacção tem duas desvantagens importantes: (i)
o trítio é um elemento radioactivo, emissor de partículas- com uma semi-vida da ordem de
12.4 anos, e que por isso é muito escasso na Terra. A quantidade de trítio que os raios
cósmicos geram na atmosfera terrestre e na água dos oceanos é da ordem dos 50 kg, valor
irrisório quando se calcula que uma central eléctrica de 1 GW queima 250 g de trítio por cada
dia de operação. Temos, por isso, que produzir trítio artificialmente, usando reactores de fusão
nuclear de água pesada, já que
n+D T (4.16)
inserindo lítio nas pernas de controlo de um reactor de fusão ou usando uma camada fértil de
lítio a rodear o plasma de um reactor de fusão; (ii) as reacções D-T produzem neutrões de
energia elevada, os quais têm um lado positivo e dois problemas sérios. O aspecto positivo
está relacionado com a possibilidade do tritio ser produzido no interior do próprio reactor,

33
fazendo os neutrões incidir numa camada fértil de lítio, sólido ou liquido. De facto, as
reacções:
Li6 + n  T + He4 + 4.8 MeV (4.17)
Li7 + n  T + He4 + n - 2.5 MeV (4.18)
conduzem à produção de trítio. Os problemas criados pelos neutrões estão associados com: (i)
a necessidade de substituir a parede interior da câmara de vácuo devido à erosão provocada
pelo seu bombardeamento pelos neutrões; e (ii) a parede e componentes interiores da câmara
de vácuo ficam radioactivos devido à captura de alguns neutrões. O Li 6 e o Li7 são dois
elementos abundantes da crosta terrestre e na água dos oceanos, na proporção de,
respectivamente, 7.5% e 92.5%.
Como a reacção (4.18) produz também um neutrão que pode reagir com o lítio, uma
reacção D-T pode originar mais do que um átomo de trítio.
Ponderadas as vantagens e as desvantagens atrás referidas, o Homem decidiu investir
nas reacções de deutério e trítio como as preferíveis para a primeira geração de reactores de
fusão nuclear.
Vejamos, agora, por curiosidade, algumas outras possíveis reacções de fusão nuclear:

Be7 + n + 3.4 MeV


Li7 + H + 5.0 MeV
D + Li6  H + He + T + 2.6 MeV (4.19)
2He4 + 22.3 MeV
He3 + He4 + n + 1.8 MeV

H + Li6  He3 + He4 + 4.0 MeV (4.20)

He4 + Li6 + 2.1 MeV


H + Be9  (4.21)
D + 2He4 + 0.6 MeV

H + B11  3He4 + 8.7 MeV (4.22)


T + T  2n + He4 + 11.3 MeV (4.23)
He3+ He3  2H + He4 + 12.9 MeV (4.24)
T+ He3  n + H + He4 + 12.1 MeV (4.25)

34
Os reagentes das reacções de fusão têm de possuir uma energia cinética
suficientemente elevada que lhes permita vencer a chamada Barreira de Coulomb, originada
pela força de repulsão das cargas positivas dos seus núcleos (Figura 4.4). Por outro lado, num
reactor de fusão nuclear devem existir condições que permitam que as reacções ocorram
durante um tempo suficientemente longo para que a energia libertada seja aproveitada. Ou
seja, os reagentes devem estar confinados num domínio específico.

Figura 4.4 – Variação da força repulsiva entre dois iões para r>Ro e da força nuclear de
atracção para r<Ro

A primeira condição, energia cinética superior à Barreira de Coulomb (cerca de 370


keV para a reacção D-T), pode ser teoricamente obtida usando aceleradores de partículas, de
energia média (Ea=500 keV) e fazendo incidir iões de deutério sobre um alvo de iões de trítio.
A ocorrência das reacções de fusão pode ser confirmada usando detectores de neutrões e de
partículas-alfa ao redor do alvo. Se cada ião de deutério originar uma reacção de fusão, temos
uma amplificação de energia (Q) igual a 35 (17.6/0.5), a qual seria adequada para um reactor
comercial de fusão12. Infelizmente a teoria e a experiência demonstram que este esquema é
totalmente inadequado. De facto, a energia dos iões de deutério reduz-se rapidamente para
valores menores que a Barreira de Coulomb devido aos processos de ionização, ao
aquecimento dos iões de trítio e à emissão de radiação Bremsstrahlung. Este facto reduz
significativamente a probabilidade de ocorrência das reacções de fusão, tornando o ganho de

12
Os estudos de viabilidade económica apontam para que num reactor de fusão nuclear, o ganho de energia deva
ser superior a 40.

35
energia menor do que a unidade, o que levou ao abandono desta técnica para a realização nos
laboratórios de reacções de fusão nuclear.
Uma segunda técnica foi, entretanto, proposta baseada no aquecimento de uma
população de átomos de deutério e trítio, existente num espaço confinado, até às temperaturas
necessárias para a ocorrência de reacções de fusão nuclear. O plasma resultante da ionização
dos átomos de deutério e trítio atinge o equilíbrio termodinâmico, caracterizado por um
espectro de energia das partículas carregadas do tipo da distribuição de Maxwell-Boltzmann,
em que as energias da cauda da distribuição são suficientes para a realização de reacções de
fusão nuclear. Este processo é designado por fusão termonuclear controlada, já que a
ocorrência das reacções de fusão é devida ao movimento térmico dos reagentes. Este esquema
para o funcionamento de um reactor de fusão tem três dificuldades técnicas: (i) os reagentes
devem ser aquecidos até temperaturas muito elevadas (~108 ºK); (ii) os reagentes têm de estar
confinados num espaço que permita a ocorrência das reacções de fusão 13; e (iii) o sistema
deve ser estável de modo a que a produção de energia seja viável14.
Veremos, de seguida, quais os processos que existem para confinar um plasma de
fusão nuclear. Trataremos, mais tarde, a questão do equilíbrio e estabilidade.

4.3. Tipos de confinamento


4.3.1. Introdução
Existem cinco processos teóricos para o confinamento de um plasma:
 Confinamento material
 Confinamento gravitacional
 Confinamento electrostático
 Confinamento inercial
 Confinamento magnético.
Como veremos nas secções seguintes, apenas os confinamentos gravitacional, inercial
e magnético são possíveis com plasmas de fusão nuclear, não sendo o confinamento
gravitacional realizável na Terra.

4.3.2. Confinamento material


A forma mais óbvia e mais simples para conter um meio consiste na utilização de um
recipiente de paredes materiais (vidro ou aço inox). Contudo, esta solução não é viável num
13
Este é o problema do confinamento de um plasma de fusão nuclear.
14
Este é o problema do equilíbrio e estabilidade de um plasma de fusão nuclear.

36
reactor de fusão nuclear, porque o contacto directo dos reagentes às temperaturas elevadas
necessárias para a fusão nuclear com as paredes do recipiente iria conduzir ao derretimento
das paredes (Figura 4.5) e ao arrefecimento do plasma15.

Figura 4.5 –Temperaturas típicas de vários fenómenos físicos

4.3.3. Confinamento gravitacional


As reacções de fusão nuclear ocorrem nas estrelas através do confinamento dos reagentes
pelas forças gravitacionais associadas às suas enormes massas.
À medida que entramos no interior de uma estrela, a densidade e a temperatura dos
reagentes aumentam, de modo a permitir a realização das reacções de fusão. A energia gerada
é suficientemente elevada para compensar as perdas de energia à superfície da estrela,
associadas com o escapamento de partículas e a emissão de radiação.
Este processo de confinamento também não pode ser usado num reactor de fusão
nuclear, dado que a massa dos reagentes não conduz a forças gravitacionais suficientes para o
confinamento do meio.

4.3.4. Confinamento electrostático


Como os reagentes das reacções de fusão nuclear são partículas carregadas, podemos pensar
na utilização de campos eléctricos para confinar os iões numa certa região do espaço, até que
se atinjam as condições necessárias para a ocorrência das reacções de fusão nuclear.

15
O plasma arrefecia deviso à transferência de energia do meio ionizado para as paredes do recipiente.

37
Contudo, também este processo de confinamento não é tecnicamente viável num
reactor de fusão nuclear, devido à dificuldade em criar os campos eléctricos necessários 16 e à
existência de descargas eléctricas associadas a grandes concentrações de cargas eléctricas.

4.3.5. Confinamento inercial


O confinamento inercial envolve a compressão de uma pequena pastilha de combustível até
densidades muito elevadas por um pulso intenso de energia, associada a um laser ou a um
feixe de iões.
Uma pequena pastilha de combustível, com cerca de 5 mm de diâmetro, é sujeita à
radiação electromagnética de um laser muito potente ou à acção de um feixe de iões de
elevada energia (Figura 4.6a). A absorção desta energia elevada pela pastilha conduz à
formação de um plasma na coroa superficial da pastilha (Figura 4.6b). Em consequência deste
processo, há uma ablação de massa para o exterior e uma onda de choque para o interior da
pastilha que procede ao seu aquecimento e compressão (Figura 4.6c). A onda de choque
gerada pelo pulso seguinte de energia incidente vai propagar-se numa região já comprimida e
aquecida, na qual a onda se propaga mais rapidamente que a sua antecessora (Figura 4.6d).
Ou seja, as sucessivas ondas de choque vão-se propagando cada mais com mais velocidade.
Escolhendo, convenientemente, a taxa de repetição dos impulsos incidentes, podemos
conseguir uma situação em que todas as ondas de choque chegam em simultâneo ao centro da
pastilha, criando-se assim uma região altamente comprimida e aquecida, o que pode tornar
possível as reacções de fusão nuclear. Estas reacções podem ocorrer logo que as condições
necessárias sejam atingidas e até que ocorra uma micro-explosão originada pelo excesso de
energia no centro da pastilha.
Os lasers devem ter uma frequência elevada (comprimentos de onda muito pequenos)
para que possam penetrar até camadas profundas da pastilha. Existe uma dificuldade técnica
resultante da penetração no interior da pastilha, antes da radiação laser, de electrões de muito
elevada energia gerados no processo inicial de absorção da radiação laser, os quais originam
uma força que retarda a compressão da pastilha devido a um indesejável pré-aquecimento da
região central da pastilha.
Os feixes de iões são mais adequados para o confinamento inercial dado que
transferem mais directamente a sua energia para os iões da pastilha de combustível.

16
Em Engenharia Electrotécnica é sempre mais difícil criar campos eléctricos do que campos magnéticos, dado
que os primeiros são criados por cargas eléctricas enquanto os segundos são originados por correntes eléctricas.

38
Figura 4.4 – Desenho esquemático dos processos associados ao confinamento inercial

4.3.6. Confinamento magnético


O confinamento magnético é baseado na acção de um campo magnético sob o movimento de
partículas carregadas. De facto, a Força de Lorentz
   
F  qE  v  B (4.26)
faz com que as partículas carregadas girem em órbitras espirais em torno das linhas de força
do campo magnético, com um raio dado por
v
rL  (4.27)
c

em que v é a componente da velocidade da partícula na direcção perpendicular ao campo


magnético e c é a chamada frequência ciclotrónica, dada por
qB
c  (4.28)
m
em que q é o módulo da carga e m a massa da partícula.
Substituindo (4.28) em (4.27) obtemos
mv 
rL  (4.29)
qB

ou seja, as partículas giram com um raio de Larmor tanto mais pequeno quanto menor for a
sua massa (os electrões têm raios de Larmor menores que os iões) e maior a intensidade do
campo magnético.

39
Os campos magnéticos usados nas experiências de plasmas são criados por imans
naturais, bobinas de fio ou de chapa de cobre e bobinas supercondutoras. A escolha do tipo de
fonte do campo magnético depende da intensidade que pretendemos obter. As actuais
experiências de fusão por confinamento magnético têm solenóides com bobinas de chapa de
cobre, as quais permitem criar campos magnéticos da ordem de 3 a 4 Tesla, durante alguns
segundos. Quando pretendemos campo com intensidade mais elevada ou durante mais tempo
temos de usar magnetos supercondutores.

4.4. Configurações magnéticas


4.4.1. Introdução
As primeiras experiências de plasmas confinados magneticamente foram feitas em tubos
cilíndricos, rodeados por bobinas que criavam um campo magnético dirigido na direcção do
eixo do cilindro (Figura 4.7a). Desta forma, era possível confinar o plasma numa coluna
central, impedindo o seu contacto com a parede lateral do tubo. Contudo, o plasma continuava
a “escapar-se” pelas duas extremidades.
Uma primeira solução para este problema consistiu na utilização de um espelho
magnético, ou seja, uma configuração caracterizada pela existência de campos magnéticos
muito elevados nas duas extremidades da experiência (Figura 4.7b). Com esta geometria
magnética, foi possível reduzir as perdas do plasma pelas extremidades, mas não evitá-las
totalmente.

Figura 4.7 – Desenho esquemático de três configurações magnéticas.

40
Então surgiu uma solução radical para evitar este problema: eliminar as duas
extremidades, através da utilização de geometria toroidal. O recipiente onde o plasma passou
a estar contido tem a forma da câmara de ar do pneu de um automóvel (Figura 4.7c).

4.4.2. Estabilidade do plasma nas configurações toroidais


Quando passamos de uma experiência linear para uma toroidal, o campo magnético que, na
primeira era quase uniforme, passa a apresentar um gradiente devido ao facto das linhas de
força no interior do toro terem um raio menor, pelo que a intensidade do campo magnético é
maior. De facto:

r1
r2

1 2

Figura 4.8 – Representação gráfica de duas linhas de força de um campo magnético toroidal

o I o I
B1  B2  (4.30)
2 r1 2 r2

em que I é a corrente que percorre as bobinas e r1 e r2 são os raios das duas linhas de força.
Como
r1< r2 (4.31)
então
B1>B2 (4.32)
ou seja, há um gradiente do campo magnético (B) dirigido para o exterior.

A existência deste B  B origina uma força que cria uma velocidade adicional das
partículas carregadas dada por:

 1 B  B
vB   v  rL
2 B2

(4.33)

41
B

Figura 4.9 – Gradiente de um campo magnético toroidal

a qual obriga os iões e os electrões do plasma a deslocarem-se para as partes de cima e de


baixo do dispositivo experimental (Figura 4.10). A existência de concentrações de cargas
positiva e de cargas negativas nas partes de cima e de baixo da experiência conduz à formação
de um campo eléctrico, dirigido de cima para baixo. A acção conjunta deste campo eléctrico e
do campo magnético de confinamento criam uma força que tende a atirar a coluna de plasma
contra a parede exterior do dispositivo experimental (Figura 4.10).

Figura 4.10 – Deriva das partículas carregadas de um plasma num campo magnético toroidal

42

 EB
vE  (4.34)
B2

Para evitar este facto é necessário encurvar as linhas de força do campo magnético
(Figura 4.11), através da geração de um campo magnético poloidal, de modo a que o campo
magnético passa a ser dado por:
  
B  Bt ut  B p u p (4.35)

Figura 4.11 – Campo magnético total de uma configuração toroidal

Há duas formas principais de gerar o campo poloidal, usando apenas bobinas


exteriores ao plasma ou uma corrente induzida no plasma. No primeiro caso temos a
configuração conhecida por stelarator (Figura 4.12), a qual foi proposta por Spitzer em 1952.
No segundo caso temos a configuração designada por tokamak (Figura 4.13), proposta no
início da década de 60 do século passado por cientistas russos. A primeira tem a vantagem de
poder funcionar em regime estacionário e a desvantagem da complexidade do projecto e
construção do seu campo magnético. A segunda configuração tem a vantagem da corrente que
percorre o plasma ser usada para o seu aquecimento óhmico (efeito de Joule) e a desvantagem
de funcionar em regime pulsado.

43
Figura 4.12 – Dois desenhos de stelarators

Figura 4.13 – Desenho esquemático de um tokamak

4.4.3. Tokamak
Para além das componentes típicas de uma experiência de Física de Plasmas (câmara de
vácuo, bobinas do campo magnético axial, sistemas de vácuo, injecção de gás e ionização do
gás, servidores e detectores e sistema de controlo e aquisição de dados), um tokamak tem um

44
transformador de núcleo de ar ou de ferro, cujo secundário é o próprio plasma,um conjunto de
espiras poloidais que criam o campo magnético vertical, necessário para a estabilização da
coluna de plasma, fontes de alimentação, geralmente dois bancos de condensadores, para a
criação e manutenção do plasma, sistemas de aquecimento do plasma e sistemas de geração
não inductiva da corrente do plasma.
A descarga do(s) banco(s) de condensadores no primário do transformador gera um
fluxo variável no tempo no núcleo, o qual por sua vez gera um campo eléctrico induzido no
plasma, previamente criado por uma descarga no gás. Sob a acção deste campo eléctrico, os
iões e os electrões vão deslocar-se em sentidos opostos, mas gerando uma corrente do plasma
no sentido do movimento dos iões, devido à carga negativa dos electrões.
Para aumentar a duração das descargas, o núcleo de ferro do transformador é
previamente magnetizado para o limite inferior do seu ciclo de histeresis. A descarga termina
quando acontece uma disrupção ou o núcleo atinge o limite superior do seu ciclo de histeresis.
Se pretendermos prolongar a duração da descarga é preciso gerar a corrente de plasma através
de meios não-indutivos. Nos tokamaks pequenos é possível extender a duração das descargas
através da operação em regime alternado.
A corrente induzida no plasma tem duas aplicações importantes: (i) gera o campo
poloidal que ajuda a estabilizar a coluna do plasma; e (ii) aquece o plasma através do efeito de
Joule. De facto, e pela acção desta corrente, a temperatura do plasma cresce desde o valor
inicial de alguns, poucos, eV. À medida que a temperatura aumenta, a resistividade do plasma
() diminui dado que
T-3/2 (4.36)
Para temperaturas da ordem de 1 keV, =0, o que significa que o aquecimento óhmico deixou
de ser efectivo. São entretanto, necessários outros meios para continuar a aquecer o plasma
até que sejam atingidas as temperaturas necessárias para que ocorram as reacções de fusão.

4.5. Métodos de aquecimento de um plasma


4.5.1. Introdução
Um plasma pode ser aquecido até às temperaturas necessárias para que ocorram as reacções
de fusão nuclear através de cinco processos:
 Aquecimento óhmico
 Compressão
 Injecção de feixes de partículas neutras
 Injecção de ondas electromagnéticas

45
 Auto-aquecimento.

4.5.2. Aquecimento óhmico


O aquecimento óhmico resulta da dissipação de calor por efeito de Joule através da passagem
de uma corrente eléctrica num meio condutor. Este é o primeiro tipo de aquecimento do
plasma de um tokamak, devido à passagem da corrente de plasma num meio ionizado,
caracterizado por uma resistividade eléctrica.

4.5.3. Compressão
Este processo consiste na compressão adiabática de um plasma por forças mecânicas e/ou
magnéticas. Este é o processo de aquecimento típico da fusão por confinamento inercial,
resultante da compressão de uma pastilha de combustível e, consequente, aquecimento do
meio por ondas de choque.

4.5.4. Injecção de feixes de partículas neutras


Este método de aquecimento de um plasma resulta da transferência da energia de um feixe de
partículas neutras que é injectado no plasma para as partículas carregadas deste meio
ionizado. Este processo ocorre em duas fases: (i) na primeira há a conversão das partículas
neutras, de energia elevada, em iões de energia elevada através de processos de ionização de
impacto e de troca de carga eléctrica; e (ii) no segundo, há transferência de energia destes iões
de energia elevada para os iões e os electrões do plasma devido a colisões Coulonbianas.
Vejamos, agora, o modo como é gerado um feixe de partículas neutras de energia
elevada: (i) um gás de hidrogénio ou deutério é ionizado pela acção de um feixe de electrões;
(ii) os iões de hidrogénio e/ou deutério assim produzidos são acelerados numa câmara de
vácuo pela acção de um campo eléctrico criado pela aplicação de uma diferença de potencial
elevada (100 kV) entre duas placas; (iii) os iões passam através de uma câmara com deutério
onde, por troca de carga, iões convertidos em átomos neutros de elevada energia; (iv) os iões
remanescentes são deflectidos pela acção de um campo magnético; e (v) as partículas neutras
atravessam o campo magnético do dispositivo experimental e vão aquecer as partículas
carregadas do plasma.

4.5.5. Injecção de ondas electromagnéticas

46
Este processo consiste na absorpção da energia de um feixe de ondas electromagnéticas na
região do plasma onde ocorre uma ressonância entre o campo eléctrico da onda e o
movimento de rotação das partículas carregadas de um plasma em torno das linhas de força do
campo magnético de confinamento.
A propagação de ondas electromagnéticas num meio dispersivo17 e inhimogéneo18
pode conduzir à existência de zonas com características de propagação especiais: os cortes e
as ressonâncias. Numa região de corte, o número de onda anula-se (k=0) e a onda é reflectida.
Este facto é usado nas emissões de rádio por onda-curta e numa técnica de diagnóstico
designada por reflectometria. Numa região de ressonância, o número de onda torna-se infinito
(k=) e a energia da onda é absorvida pelo meio, que assim aquece.
São usadas na prática duas ressonâncias importantes: a ressonância na frequência
electrociclotrónica (ECRH19)
1 eB
f ce  (4.37)
2 m
e a ressonância na frequência ciclotrónica iónica (ICRH20)
1 eB
f ci  (4.38)
2 M
Na prática estes sistemas de aquecimento são constituídos por um gerador de micro-
ondas (magnetrão ou girotrão), uma linha de transmissão de energia e uma antena colocada
tão próximo quanto possível da coluna de plasma.

4.5.6. Auto-aquecimento
Este processo de aquecimento de um plasma está associado ao aproveitamento directo da
energia de alguns produtos das reacções de fusão para aquecerem o meio ionizado. Por
exemplo, cada reacção D-T gera uma partícula-alfa com uma energia de 3.5 MeV, a qual
contribui para o aquecimento do plasma.
Inicialmente, a energia das partículas-alfa é muito pequena quando comparada com a
energia usada no aquecimento do plasma (Figura 4.14). À medida que a temperatura do
plasma aumenta, há cada vez mais reacções de fusão, pelo que podem atingir uma situação em
que a relação entre a energia produzida por reacções de fusão e a energia usada no
aquecimento do plasma (Q) é igual à unidade. Diz-se, então, que atingimos o ponto de “break-
17
Um meio é dispersivo quando a velocidade de fase das ondas que nele se propagam depende da frequência da
onda.
18
Um meio é inhimogéneo quando as suas propriedades (por exemplo, a densidade e/ou a temperatura) variam
ao longo do meio.
19
Electron Cyclotron Ressonance Heating (ECRH).
20
Ion Cyclotron Ressonance Heating (ICRH).

47
even”. Quando Q>>1, podemos desligar as fontes exteriores de aquecimento do plasma,
dizendo-se, então, que o plasma atingiu a ignição, caracterizada21 por Q=.

Figura 4.14 – Percentagem do auto-aquecimento em função do ganho de amplificação de energia


4.6. Critério de Lawson
Num plasma de fusão há uma competição entre a energia produzida pelas reacções de fusão e
a energia perdida por radiação (Figura 4.15). Para plasmas pouco quentes, a segunda é maior
do que a primeira. Quando a temperatura do plasma cresce, a energia perdida por radiação
aumenta mais lentamente que a energia produzida por reacções de fusão (Figura 4.15),
existindo um ponto em que as duas curvas se cruzam (4.4108 ºk para uma reacção D-D).
O Critério de Lawson,

niTi E 
(4.38)
em que ni e Ti representam a densidade e a temperatura dos iões e E é o tempo de
confinamento de energia, estabelece as condições para que a energia das reacções de fusão
seja superior às perdas por radiação.
Existem duas maneiras de, para uma mesma temperatura Ti, se conseguir atingir a
condição do Critério de Lawson. De facto podem ter:
(i) ni baixo e E elevado, e estamos perante a chamada fusão lenta, característica do
confinamento magnético, onde os valores típicos de ni e E são, respectivamente, 1021 m-3
e alguns segundos;

21
Q= porque a energia exterior usada no aquecimento do plasma é nula.

48
Figura 4.15 – Variação das energias de fusão e de radiação

(ii) ni elevado e E baixo, e estamos na chamada fusão rápida, característica do confinamento


inercial, onde os valores típicos de ni e E são, respectivamente, 1027 m-3 e alguns micro-
segundos

4.7. Evolução da investigação e desenvolvimento em confinamento magnético


4.7.1. Introdução
A investigação científica e o desenvolvimento tecnológico (I&D) iniciaram-se nos anos 50 do
século passado, com um objectivo claro: a comercialização de um reactor comercial de fusão
nuclear. Apesar deste objectivo ainda não ter sido conseguido ao fim de mais de quarenta anos
de actividade intensa, o progresso obtido foi muito significativo (Figura 4.16) e mais rápido
do que o de outras áreas da Física e da Tecnologia (Figura 4.17).

49
≈30 years

Figura 4.16 – Evolução da I&D em Fusão Nuclear

As actividades de I&D em confinamento magnético têm sido realizadas nas três


configurações magnéticas toroidais. Os melhores resultados foram obtidos, sem dúvida, nos
tokamaks, especialmente devido ao desempenho do TFTR e do JET.
A I&D em Fusão Nuclear tem incluído actividades em três áreas distintas, Física,
Engenharia e Tecnologia, as quais estarão quase totalmente interligadas e integradas num
reactor de Fusão Nuclear. A Física tem incluído as questões relacionadas com o confinamento,
a estabilidade e o desenvolvimento de novos cenários para a operação dos dispositivos
experimentais de Fusão e o estudo do papel das partículas-alfa. A Engenharia

50
Figura 4.17 – Comparação do progresso verificado na Fusão Nuclear, nos Aceleradores e nos Micro-
Processadores

inclui a optimização dos conceitos, o aperfeiçoamento dos métodos de extracção de potência,


o desenvolvimento de sistemas de aquecimento do plasma e de geração não indutiva de
corrente de plasma, e o desenvolvimento de técnicos de diagnóstico, de sistemas de aquisição
de dados e de sistema de controlo em tempo real. A tecnologia tem abrangido o
desenvolvimento de materiais, de magnetos supercondutores e de sistemas de manipulação
remota e estudo dos conceitos de reactor de fusão nuclear de primeira parede e de diversores e
a análise das questões relacionadas com a segurança, impacto ambiental e sócio-economia da
Fusão Nuclear.

4.7.2. Tokamaks
4.7.2.1. Introdução
Os primeiros tokamaks dos anos 50 e 60 permitiram demonstrar a viabilidade desta
configuração magnética e testar os diagnósticos básicos do plasma e criar as condições para a
concepção e projecto dos novos tokamaks.
Os tokamaks da segunda geração tinham três finalidades fundamentais: (i) demonstrar
a viabilidade dos métodos de aquecimento auxiliar do plasma; (ii) conseguir realizar reacções
controladas de fusão nuclear num laboratório; e (iii) criar as condições para a concepção e
projecto de um reactor experimental de fusão nuclear.

51
Um pouco por todo o Mundo foram construídos muitos tokamaks, muitos dos quais
ainda em operação. Na União Europeia, foi construído um tokamak comum, o JET, e vários
tokamaks especializados: ASDEX e ASDEX-Upgrade, na Alemanha, especializados na
operação em modo-H e na interacção entre o plasma e as paredes; FTU, na Itália, dedicado à
operação com campos magnéticos elevados; TORE SUPRA, em França, especializado na
operação com magnetos supercondutores; TCV, na Suiça, dedicado ao controlo do plasma
com secções poloidais de configuração variável; TEXTOR, na Alemanha, especializado na
interacção entre o plasma e as paredes; COMPASS-D, no Reino Unido, dedicado aos plasmas
de secção poloidal na forma de um D; RTP, na Holanda, especializado no estudo de
filamentos da corrente de plasma; ISTTOK, em Portugal, e CASTOR, na República Checa,
dedicados ao desenvolvimento de técnicas de diagnóstico; o START e o MAST, no Reino
Unido, especializado nos plasmas de pequena razão de aspecto22.
Fora da Europa é importante referir o TFTR, o DIII-D e o ALCATOR-C, nos Estados
Unidos; o JT-60U e o TR/AM-3M no Japão; o TCA-Br e o ETE, no Brasil.

Tabela 4.2 – Principais tokamaks em operação na Terra

4.7.2.2. JET
O JET (“Joint European Torus”) é o maior tokamak em operação na Terra e o único que pode
funcionar com misturas de deutério e trítio (Figura 4.18). Apesar das primeiras reacções de
fusão nuclear terem sido conseguidas no tokamak TFTR, o JET tem o recorde mundial de
energia de fusão, cerca de 16 MW de potência de fusão, obtidos durante poucos segundos, e
com um ganho de amplificação de energia inferior à unidade (Q=0.6).

22
A Razão de Aspecto é o quociente do raio maior pelo raio menor de um tokamak.

52
Figura 4.18 – Vista geral do JET

O JET excedeu todos os parâmetros de referência para o seu projecto, enquanto a sua
flexibilidade permitiu a instalação de alguns aperfeiçoamentos não previstos no projecto
inicial: (i) substituição do limitador por vários conceitos de diversores; (ii) operação com
misturas de deutério e trítio; e (iii) instalação de um sistema de manipulação remota para
intervenções no interior da câmara de vácuo (Figura 4.19).

Figura 4.19 – Operação do sistema de manipulação remota do JET no interior da câmara de vácuo

53
O Projecto JET foi realizado, até 31 de Dezembro de 1999, no âmbito do “JET Joint
Undertaking”, uma empresa comum constituída pela EURATOM e pelos seus Associados no
Programa de Fusão, prevista no Tratado EURATOM. Após esta data, a operação, exploração
científica e aperfeiçoamento do hardware do JET foram realizados no contexto do “European
Fusion Development Agreement” (EFDA), um acordo entre a EURATOM e os seus
Associados. Como o EFDA não tem personalidade jurídica, a implementação das decisões dos
órgãos de gestão e os contratos do EFDA compete à Comissão Europeia.
No âmbito do EFDA, o JET tem tido cinco missões estratégicas muito importantes
para o futuro da I&D em Fusão Nuclear. De facto, o JET é: (i) uma óptima oportunidade para
o trabalho num grande tokamak por parte dos Países que não têm possibilidades de terem
dispositivos experimentais de Fusão de média dimensão (Figura 4.20); (ii) uma excelente
ferramenta para o treino de pessoal, de Países diferentes, na operação de um tokamak de
média-grande dimensão; (iii) uma peça fundamental para o incremento da colaboração
internacional da EURATOM com outros Parceiros internacionais; (iv) essencial para que a
EURATOM mantenha a liderança da investigação mundial em Fusão Nuclear; e (v) a
máquina mais adequada para o estudo dos conceitos e fenómenos que poderão acelerar o
início da operação do ITER.

Figura 4.20 – Participação dos Associados do EFDA na exploração científica do JET

4.7.2.3. ITER
O ITER (“o caminho” em latim) é o primeiro reactor experimental de fusão nuclear (Figura
4.21), que foi concebido e projectado com dois objectivos fundamentais: (i) provar a
viabilidade científica e tecnológica da fusão nuclear através da produção de 500 MW de
potência, durante 300 segundos, com um ganho de energia entre 10 e 20; e (ii) testar a
operação em simultâneo de todas as tecnologias necessárias para o funcionamento seguro e
eficiente de um reactor de fusão nuclear.

54
Figura 4.21 – Perspectiva esquemática do ITER

O ITER nasceu na primeira cimeira entre Reagan e Gorbatchev, os Presidentes dos


Estados Unidos da América e da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e foi
concebido e projectado no âmbito de uma intensa colaboração internacional, iniciada com a
EURATOM, o Japão, os Estados Unidos da América e a URSS, posteriormente substituída
pela Federação da Rússia. Após um longo período de negociações, a EURATOM, o Japão, os
Estados Unidos, a Federação da Rússia, a República Popular da China, a Coreia do Sul e a
Índia assinaram um Acordo Internacional que prevê a construção, operação, exploração
científica e desmontagem do ITER, em Cadarache, no Sul de França. Por isso, o ITER é
considerado o primeiro exemplo da globalização da Ciência e Tecnologia.

Parâmetro JET ITER


Raio maior (m) 2.96 6.2
Raio menor (m) 1.2 2.0
Campo magnético (T) 3.45 5.3
Corrente de plasma (MA) 7.0 15.0
Duração da descarga (s) 20 300
Densidade do plasma (m-3) 11020 1.41020
Temperatura (keV) 10-20 8.1
Amplificação de energia (Q) 0.6 10

Tabela 4.3 – Comparação dos parâmetros do JET e do ITER

55
O ITER tem uma duração prevista de 35 anos (10 para a construção, 20 para a
operação e 5 para a desmontagem) e um orçamento de investimento da ordem dos 12 000
Milhões de Euros, a preços de 2000 e sem entrar em consideração com o impacto das
alterações que actualmente estão a ser introduzidas no projecto aprovado no final da fase de
“Engineering and Design Activities”.

4.7.3. Outras configurações magnéticas


Em paralelo com o trabalho nos tokamaks, têm sido realizadas actividades de I&D nas outras
duas configurações: o stelarator e o “Reversed Field Pinch” (RFP).
O stelarator é uma configuração que parece ser muito atractiva para a operação em
regime estacionário. Na União Europeia há um stelarator em operação, o TJ-II, no CIEMAT,
em Espanha, e outro em construção, o W7-X, no IPP-Greifswald, na Alemanha. Fora da
Europa há um stelarator em operação, o LHD, no Japão, e outro em construção, nos Estados
Unidos da América.
A EURATOM tem dois RFPs em operação: RFX, em Pádua, na Itália, e o EXTRAP,
na Suécia.

4.8. DEMO
Após o ITER será necessário construir uma máquina, vulgarmente designada por DEMO,
com dois objectivos fundamentais: (i) transformar a energia de fusão em electricidade,
usando, muito provavelmente um esquema muito semelhante ao que hoje é usado nas centrais
nucleares de fissão; e (ii) operar durante períodos muito longos, de preferência em contínuo.
Há vários obstáculos que obstam ao projecto de um DEMO: (i) não há materiais que
permitam a operação em regime contínuo de um reactor de fusão; e (ii) não há unanimidade
sobre a configuração que é mais adequada para a concepção e projecto de um DEMO. A
maioria dos físicos e engenheiros prefere a configuração tokamak, sendo a produção de
energia em regime estacionário conseguida através de sistemas de armazenamento de energia
ou da operação alternada de dois tokamaks. Uma minoria de especialistas defende que o
DEMO deve ser um stelarator, devido à adequabilidade potencial desta configuração para o
funcionamento em regime contínuo. Contudo, a I&D em stelarators está 30 a 40 anos atrasada
em relação aos tokamaks.

4.9. Reactor de fusão nuclear

56
A Figura 4.22 apresenta um desenho de um reactor de fusão nuclear, baseado na configuração
tokamak e nas reacções deutério-trítio.

Turbina e
gerador Potência
Caldeira
Bobinas
supercondutoras

Deutério

Trítio

Extracção de
trítio
Permutador Núcleo Câmara Camada
de calor do reactor de vácuo fértil de lítio
Saída de hélio

Figura 4.22 – Desenho esquemático de um reactor de fusão nuclear

4.10. Vantagens da fusão nuclear


A fusão será uma tecnologia energética, limpa, poderosa, praticamente inesgotável, segura,
“amiga do ambiente” e economicamente atractiva. A fusão é uma tecnologia limpa porque não
há libertação de gases para a atmosfera criadores do efeito de estufa e das chuvas ácidas.
A fusão é uma tecnologia poderosa porque uma reacção de fusão é 100 vezes mais
poderosa que uma reacção de fissão, que por sua vez é 100 000 vezes mais poderosa que uma
reacção química. Para produzir 1 MW durante um ano são necessárias 2500 t de carvão, 1500
t de petróleo, 700 t de gás, 25 kg de urânio ou 250 gr. de deutério.

Combustível Anos
Deutério 31011
Lítio
Terra 30 000
Oceanos 30106

Tabela 4.4 – Disponibilidade de combustíveis para um reactor de fusão, base em reacção


A fusão é uma fonte de energia praticamente inesgotável porque os combustíveis (D e
T) podem ser facilmente obtidos em qualquer parte da Terra: (i) o deutério pode ser extraído

57
da água e (ii) o trítio, elemento radiocativo com uma vida média da ordem de 12.4 anos, pode
ser produzido no interior do reactor, usando a reacção de um neutrão com uma camada fértil
de lítio.
Li6 + n  T + He4 + 4.8 MeV
Uma central eléctrica de fusão será inerentemente segura devido a duas razões
principais: (i) não é possível gerar grandes quantidades de energia incontrolada, dado que a
quantidade de combustível no interior do reactor é pequena e (ii) as reacções de fusão podem
ser quase instantaneamente interrompidas, dado que os combustíveis entram para o reactor à
medida que vão sendo utilizados
A operação de rotina de uma central eléctrica de fusão não requer o transporte de
material radioactivo fora do reactor. Os produtos das reacções de fusão são cinzas (He4) e
neutrões, pelo que não se criam lixos radioactivos, como ocorre numa central de fissão. A
existência de neutrões conduz à activação das paredes de um reactor de fusão.
Uma escolha criteriosa dos materiais usados na construção de um reactor permite
prever que esta actividade desapareça ao fim de cerca de 100 anos, um tempo muito curto
comparado com os milhares de anos necessários para a descontaminação dos lixos
radioactivos de uma central de fissão.
Com o desenvolvimento de novos materiais é de esperar que os componentes de um
reactor de fusão percam a sua actividade num máximo de 30 a 40 anos.

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