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SALOMÃO NICILOVITZ
PORTO ALEGRE
2017
1. Introdução
Frente a este quadro, cabe a nós nos perguntarmos: mas qual destes fatores,
então, teria sido o crucial para por fim a escravatura? Embora parta do pressuposto de
que não é possível eleger um deles como o maior deteriorador do sistema, neste trabalho
pretendo ponderar o seus graus de abalo ao regime, tendo em vista que esse debate pode
ser útil a movimentos libertários da atualidade – afinal, ainda hoje existem incontáveis
injustiças sistêmicas em diferentes partes do mundo.
Para cumprir tal objetivo, farei uma análise de ações de resistência escrava
durante o Brasil Império, dando atenção ao choque que estas causavam ao sistema –
seja por ações individuais ou coletivas -, bem como da conjuntura internacional do
período, fundamentalmente em relação às pressões exercidas pela Inglaterra ao Brasil.
Seria cruel avaliar a Revolta do Malês como uma resistência que solapou
avanços. Em primeiro lugar, porque os avanços não vinham de fato ocorrendo, e em
segundo, porque toda a forma de resistência é válida e em certo grau abala o sistema.
Caberia aqui utilizar a metáfora cunhada por Carlo Ginzburg, a de uma “jaula flexível”
(1995, p.20). Nessa percepção, é possível ao dominado agir de forma a flexibilizar o
sistema que o encarcera, mudando os seus moldes e abrindo espaços antes mais
restritos. Porém, trazendo esse debate em direção ao objetivo deste trabalho, pergunto:
seria o enjaulado capaz de, não só flexibilizar, mas romper as grandes do cativeiro?
Colocado de outra maneira: dadas as condições dos escravizados do país, haveria
alguma outra forma de ação capaz de subverter o sistema, independente da interferência
de agentes externos?
Seguindo uma análise cronológica, os anos 1850 e 1871 foram anos que tiverem
um peso enorme na mudança da configuração da escravidão no Brasil. Em uma
perspectiva global, o Brasil vinha cada vez mais se isolando, tendo em vista que os
países ao seu redor iam gradualmente abolindo as suas escravaturas. A Inglaterra vinha
exercendo uma pressão cada vez maior, exigindo o final do tráfico e da escravidão.
Mendonça, a partir das alforrias forçadas, traz o debate quanto ao abalo destas no
sistema escravista. Afinal, “o que seriam algumas dezenas de escravos libertos frente a
tantos cativos?”. (2001, p.85) Para o autor, apesar dos escravos sem dúvidas quererem a
abolição da escravatura, não era nesse sentido que eles direcionavam as suas lutas nos
tribunais, mas sim como uma batalha individual que, por outro lado, minava o sistema
como um todo, avivando nos demais escravos a possibilidade da redenção e colocando
em questão a continuidade do domínio senhorial. (2001, p.86).
O historiador Walter Fraga Filho chama atenção aos “fios que ligavam os
escravos dos engenhos aos abolicionistas e às populações livres, libertas e cativas da
cidade”. É impossível retirar o caráter popular da abolição. As fugas se intensificaram,
pois os cativos reconheciam, através de um amplo círculo de comunicações, a
colaboração da sociedade com a sua causa, e cada vez mais ficava difícil aos senhores
realizarem capturas. (FRAGA, 2006, p.99 e 100). O sentimento antiescravista se
alastrara por todos os setores do país, sendo, para Mendonça, “improcedente separarmos
o Parlamento da sociedade” (2001, p.14). Fraga sintetiza o momento de forma clara:
Em relação ao momento interno que o país passava, pode-se dizer que o esforços de
escravos, a indignação das camadas populares e o trabalho dos abolicionistas da elite
foram capazes de instaurar, finalmente, a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888.
6. CONCLUSÃO
Autores como Salles afirmam que “não há como como estabelecer de forma
inequívoca uma relação direta entre um aumento nas ações de rebeldia dos escravos e a
motivação do Estado imperial para colocar a questão da escravidão em pauta”. (2008, p.
63) Marquese também tem uma percepção mais macroeconômica, tendendo a ver as
pressões da Inglaterra com mais preponderância dentre os fatores que levaram à
abolição. Nessas percepções, a agência humana não tem menos importância, mas é
colocada com uma consequência maior do bloco histórico na qual está envolvida.
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em
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