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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

A ESQUERDA E O PARLAMENTO NO BRASIL:


O BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS (1924-1930)

por
Dainis KAREPOVS

Tese de Doutorado apresentada ao


Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, sob orientação do
Professor Doutor Edgard Carone.

Este exemplar corresponde à


redação final defendida e
aprovada pela Comissão
Julgadora em 20/06/2002.

2001
Resumo
Quase ao mesmo tempo em que houve a queda da monarquia no País teve início o
processo de organização dos trabalhadores brasileiros. Numericamente reduzidos e com
pouca experiência, faltava-lhes, de um lado, um forte lastro de tradições organizativas,
seja em nível partidário, seja no campo sindical, e, de outro, uma maior presença na
sociedade. A participação política de parte significativa da vanguarda da classe operária
brasileira nas primeiras décadas da história republicana do País foi muito limitada e teve
forte influência das idéias anarquistas, que estimulavam a abstenção nos processos
eleitorais e davam grande ênfase à chamada “ação direta” como forma de atuação
política.
Os anos 1920 marcaram uma mudança neste quadro. Em primeiro lugar, pelo
declínio das posições anarquistas. Depois, pela intensificação da presença dos
trabalhadores e de suas reivindicações no cenário político brasileiro. Por fim, sob
influência da revolução russa, pelo surgimento do Partido Comunista do Brasil (PCB) em
1922. Este, ao defender as posições da Internacional Comunista (IC), advogava, entre
outras, a participação dos trabalhadores nos processos eleitorais e nos parlamentos,
buscando utilizar-se de tais ocasiões e espaços para fazer denúncias, propaganda e
agitação políticas. Para tanto, o PCB impulsionou na segunda metade da década a
criação de uma organização política de frente única a fim de atuar neste campo: o Bloco
Operário e Camponês. Sua participação nos processos eleitorais, desde 1925 – através
de uma eleição municipal na cidade de Santos (no Estado de São Paulo) -, isoladamente
ou em aliança, trouxe novos personagens à cena política brasileira. Esta, monopolizada
pelos liberais pertencentes aos partidos republicanos e democráticos, e que vivia o
processo final de desagregação do modelo que vigorava desde a queda da monarquia,
não viu com bons olhos e buscou obstruir esta participação, que ultrapassava em muito
o ato de votar.
Assim, objetiva-se aqui examinar a trajetória e a atuação do Bloco Operário e
Camponês, bem como a atuação de seus parlamentares (João Batista de Azevedo Lima,
Minervino de Oliveira e Octavio Brandão).
PALAVRAS-CHAVE: Bloco Operário e Camponês; Partido Comunista (PCB);
Internacional Comunista; João Batista de Azevedo Lima; Octavio Brandão; Minervino de
Oliveira; Eleições (Brasil).
II

Abstract

Almost at the same time when the monarchy collapsed in the country, the
beginning of the Brazilian workers organizational process took place. In a small number
and with little experience, in one hand it lacked them organizing tradition regarding either
political party’s and labor union aspects and, in the other hand, a greater presence in
society. Significant part of the Brazilian labor class avant-garde had very limited political
participation in the first decades of the country’s republican history, and it also had a
strong influence from anarchical ideas that instigated the absenteeism in electoral
processes and that gave great emphasis to the so called “direct action” as a way of
political actuation.
This scenario shifted in the years 1920. Firstly, because of anarchical positions
decline. Then, because of the intensification of workers presence and of their claims in
Brazilian political scene. At last, under the influence of the Russian revolution, by the
Brazilian Communist Party (PCB) uprise, in 1922. This one, supporting the Communist
International positions, defended, among other things, the workers participation in
electoral processes and in the parliaments, trying to acquire from those occasions and
places means to make denoucements, propaganda and political agitation. To accomplish
it, the PCB stimulated, in the second half of the decade, the creation of an unique front
political organization in order to act in this field: the Labor and Peasant Bloc. Its
participation in the electoral processes, since 1925 - through one municipal election in
Santos city (in São Paulo state) - isolatedly or in alliance, brought new characters to the
Brazilian political scene. This one, monopolized by the liberals from the republican and
democratic parties, and which was passing through the process of final disaggregation of
the model that occurred since the monarchy’s decay, did not indulge and tryed to obstruct
this participation that went far beyond the act of voting.
Therefore, the aim here was to examine both way and actuation of the Labor and
Peasant Bloc, as well as its parliamentaries (João Batista de Azevedo Lima, Minervino de
Oliveira and Octavio Brandão).
III

Para minhas três


garotas: Elizete, Lívia
e Ana Clara.
IV
V

SUMÁRIO

Introdução 1
a) Os Comunistas: Do surgimento no Brasil aos primeiros passos na vida 15
eleitoral (1918-1924)
Antecedentes anarquistas 16
Rumo ao PCB 26
Surge o Partido 39
O PCB e a CSCB 48
Largada queimada 66
Ser eleitor e votar na República Velha 72
ANEXO I - Relatório apresentado pela 7a. Seção do Bom Retiro 97
ANEXO II - Relatório da Comissão Executiva da Coligação Operária de Santos, 99
sobre o pleito de outubro de 1928
b) A primeira participação: A Coligação Operária de Santos 103
O PCB em Santos 108
Surge a Coligação Operária 117
O programa 123
Os resultados 129
ANEXO III - Plataforma eleitoral da Coligação Operária 140
c) Os primórdios do Bloco Operário e Camponês (1924-1926) 145
Esboçando um programa para o Bloco Operário 166
ANEXO IV - Plataforma do Bloco Operário (1925) 172
ANEXO V - Programa de Reivindicações do PCB (1926) 175
d) O Bloco Operário vem à luz (1927) 179
Primeiros movimentos 206
Começa a campanha 211
O papel de A Nação 213
Os comícios 222
O primeiro sucesso 236
Ampliando a ação: Ao Estado do Rio de Janeiro 246
ANEXO VI - Carta aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido 254
Socialista, ao Centro Político dos Operários do Distrito Federal, ao Centro Político
dos Choferes, ao Partido Unionista dos Empregados no Comércio, ao Centro
Político Proletário da Gávea e ao Centro Político Proletário de Niterói
e) Ampliando a ação 263
De Volta à clandestinidade 263
O PCB encontra os “Tenentes” 273
Surge o Bloco Operário e Camponês 282
No BOC de São Paulo, um contratempo 284
ANEXO VII – Estatutos do Bloco Operário e Camponês 315
ANEXO VIII - Bases de Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário 318
ANEXO IX – O candidato operário e sua obra primordial 319
f) No Topo: As Eleições Municipais de 1928 321
Rio de Janeiro (Distrito Federal) 329
Estruturando a campanha: Os Comitês Eleitorais e os Centros Políticos 329
O trabalho positivo e o trabalho negativo 334
VI

O “trabalho negativo” sobre o Partido Democrático 339


O alistamento no 1º e no 2º Distritos 343
A definição dos candidatos 344
Um parêntese: a Oposição Sindical de 1928 347
A campanha eleitoral 349
A eleição 355
A apuração e o reconhecimento 359
Santos 370
A reorganização da Coligação Operária 370
O programa 375
Em campanha 380
A eleição 389
São Paulo 395
Uma mão na roda 399
Em campanha 400
O pleito 406
ANEXO X - Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras – Finalidades (1928) 417
ANEXO XI – Programa da Coligação Operária para as eleições municipais de 418
1928
g) Na Tribuna do Parlamento 425
Azevedo Lima: “A bandeira vermelha tremulará pela primeira vez no Congresso 425
Nacional!”
A saída de Azevedo Lima do BOC 445
Minervino de Oliveira e Octavio Brandão: “Dois representantes do proletariado 453
numa cidadela dos opressores”
Marcas do mandato 456
Maurício de Lacerda 473
A mordaça: A Indicação nº 180 482
O trabalho legislativo dos intendentes do BOC 495
ANEXO XII - A saída de Azevedo Lima do BOC 513
ANEXO XIII – Indicação nº 180, de 1929 522
ANEXO XIV – Produção legislativa dos intendentes do BOC 524
h) Corredor polonês 527
O VI Congresso da IC e o 10º Pleno do CEIC 528
O III Congresso do PCB 533
O BOC cresce 540
O movimento sindical 548
A Primeira Conferência Comunista Latino-Americana 553
O III Pleno do CC do PCB 565
O I Congresso do BOCB e o seu programa 574
Em Moscou 590
A campanha à sucessão presidencial 606
Os resultados 620
ANEXO XV - Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-1929) 632
ANEXO XVI - Programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil (1929) 635
ANEXO XVII – Resolução da Internacional Comunista sobre a questão brasileira 646
i) Um balanço 647
ANEXO XVIII - Candidatos do BOC e de outras organizações nos anos 1920 653
Fontes 657
VII

Agradecimentos

Esta talvez seja a mais difícil daquelas páginas em branco a serem


preenchidas. Porque é fatal: alguém vai ser esquecido por um ingrato que a ele
deve muito do que está nas páginas que esse ingrato conseguiu preencher.
Dito isto, vou tentar chegar o mais perto possível do ideal: dar um forte
abraço em todos vocês.
Antes de tudo é preciso agradecer a todas as instituições, mencionadas ao
final deste volume, onde coletei dados para este trabalho e, muito especialmente,
aos seus funcionários. A esta gente abnegada, sujeita a condições de trabalho
nem sempre razoáveis, muitos deles sobrevivendo com salários inomináveis e
tendo que a cada santo dia e a cada documento demonstrar que nem tudo neste
País depende da opinião do “mercado”, meus mais sinceros agradecimentos.
Mesmo assim, preciso destacar algumas delas e alguns de seus
funcionários: à Biblioteca Pública Municipal de São Paulo “John F. Kennedy”, e
em especial a Mariza Salvietto Gaino; ao Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro, e em especial a Lícia Carvalho Medeiros; ao Arquivo Edgard Leuenroth
(UNICAMP); ao Arquivo Público Estadual de Pernambuco “Jordão Emerenciano”;
ao CEDEM-UNESP, e em especial a Luís Alberto Zimbarg; ao Departamento de
Documentação e Informação da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e
em especial à sua diretora Maria Helena Ferreira Alves e à Divisão de Acervo
Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, amigos e
abnegados defensores da memória legislativa paulista.
Ao meu orientador, Professor Edgard Carone, por sua confiança,
compreensão e sugestões.
Gostaria de agradecer a vários amigos pelos mais variados tipos de ajuda,
todos, porém, imprescindíveis e sobre quem não paira a menor responsabilidade
sobre o que se verá adiante: Prof. Dr. Alexandre Fortes; Álvaro Weissheimer
Carneiro, Profa. Dra. Beatriz Ana Loner (UFPel); Christiani Menusier
Giancristofaro, Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari (FDUSP); Prof. Diorge Alceno
VIII

Konrad (UFSM); Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva (Unimep), sobretudo pela
sua extrema generosidade em dar-me acesso à preciosa documentação sobre o
movimento operário de Santos de que fez uso e da qual me vali fortemente; Prof.
Dr. José Flávio Motta (FEA-USP); Prof. Marco Aurélio Garcia (IFCH-UNICAMP);
Maristela Calil Atalah; Prof. Dr. Roberto Ponge (Letras-UFRS); Profa. Dra. Nara
Machado (PUC-RS); Romildo Maia Leite, diretor do Arquivo Público Estadual de
Pernambuco “Jordão Emerenciano” e Profa. Dra. Terezinha Santarosa Zanlochi,
diretora do Núcleo de Documentação e Pesquisa Histórica de Bauru (USC).
Aux amis um abraço e um beijo: Airton Paschoa; Clara Ant; Elisabeth Ueta;
Gema Martins; Glauco Arbix; Leda Maria Paulani; Luís Antônio Alves de Azevedo;
Mauro Belleza; Sandra Ambrósio; Sérgio Ricardo da Silva Rosa; Vagner Pelosini
e Vladimir Sacchetta.
Por fim, gostaria de fazer os agradecimentos de praxe ao CNPq pela bolsa
concedida e sem a qual eu não poderia ter realizado este trabalho.
IX

SIGLAS UTILIZADAS

AEL – Arquivo Edgard Leuenroth


AESP – Arquivo do Estado de São Paulo
APERJ – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
ASMOB - Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano
BN – Biblioteca Nacional
BOC – Bloco Operário e Camponês
BOCB – Bloco Operário e Camponês do Brasil
CC – Comitê Central
CCE – Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil
CEIC – Comitê Executivo da Internacional Comunista
CEMAP – Centro de Documentação do Movimento Operário Mario Pedrosa
CGTB - Confederação Geral do Trabalho do Brasil
CSCB - Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira
IC – Internacional Comunista ou III Internacional
ISV - Internacional Sindical Vermelha
PCB – Partido Comunista do Brasil
PRM – Partido Republicano Municipal (de Santos)
PRP – Partido Republicano Paulista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
RGASPI - Arquivo do Estado Russo de História Social e Política (Rossiiskii
Gosudarstvennii Arkhiv Sotsialnoi i Politicheskoi Issledovanii)
SSA-IC – Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista
X
Introdução

Antes de tudo, um relato pessoal, que, como tal, explica alguma coisa, mas,
necessariamente, nem tudo.
Desde 1987, com interrupções, tenho exercido parte de minhas atividades
profissionais no âmbito do Poder Legislativo. Onze deles trabalhei atuando na
assessoria a Parlamentares. Parlamentares, diga-se de passagem, assim mesmo,
com “P” maiúsculo: Clara Ant, Luizinho Azevedo e Sérgio Rosa. Cada um deles
imprimindo sua característica ao mandato, mas todos com um ponto em comum,
afora o partido político de oposição: um elevado zelo e compreensão em relação
à sua missão legislativa. Também é verdade que no Poder Legislativo vi o outro
lado da moeda, aquele que vai às manchetes de jornal e acaba sendo
transformada, num trabalho executado pela mídia que adora adular os mandantes
de plantão, na “imagem exclusiva” do Poder Legislativo: uma súcia de
oportunistas, para não irmos muito longe. Vi também outras coisas, como a
dificuldade, causada pelos mais variados motivos, de um segmento dos cidadãos
brasileiros em compreender a importância desse poder na sua vida. Para parte
deles o Poder Legislativo é uma porta, ou melhor, um balcão ao qual recorrem em
busca de uma solução pessoal para um problema que a máquina pública não
pode ou não quer resolver. Mas, estes, em boa parte, buscavam apenas uma
saída pessoal.
Mas não foi exatamente esta parte amarga - pois afinal, como dizia meu
saudoso amigo Fulvio Abramo, política é a arte de engolir sapos e continuar
andando - que me fez pensar em fazer desse lugar onde estive um ponto de
partida para algumas reflexões. Pelo contrário, foi a partir dessa gente, a com “P”
maiúsculo, que me interroguei desde quando, como, onde, por que, para que, por
quem eles, de tempos em tempos, ocupavam a atenção da população brasileira
durante as eleições e depois, uns com mais outros menos atenção dos cidadãos e
da mídia, diariamente prosseguiam com muito sangue, suor e lágrimas na busca
de dias melhores para este grande País.
2

Na busca dessas origens pensei em trabalhar com os anos de 1920 e 1930.


Foi então que me deparei com o Bloco Operário e Camponês, o BOC, que existiu
durante a segunda metade dos anos 1920. Na literatura sobre o comunismo no
Brasil são fartas as menções a seu respeito, embora invariavelmente o tratamento
que ele receba não fuja do “surgiu em tal ano”, “elegeu fulano, sicrano e beltrano”
e “foi fechado por determinação da Internacional Comunista por sua atividade ter-
se sobreposto à do Partido Comunista”. Será que foi apenas isso? Achei que valia
a pena examinar mais de perto o que foi o BOC, o que propunha, como atuavam
seus representantes etc. e uma experiência anterior dos comunistas (a Coligação
Operária de Santos) que tinha estrita conexão com o BOC, pois tudo isso ainda
não fora feito. Também me dei conta que apenas ele trazia em concentrado uma
série de problemas que também se reproduziriam nos anos 1930. Bem, para
encurtar a conversa, descobri que o BOC era mais do que aquilo e valia muito
além daqueles dois ou três parágrafos. E também outras coisas que julgo
importantes para dividir aqui com meus leitores.
Enfim, acho que pude realizar um bom acerto de contas com meus anos
dentro do Parlamento e perceber que nele não perdi meu tempo, muito pelo
contrário...
Ah, mais uma coisa: o tamanho desta tese. Não pude evitar que ele
acabasse tomando tal extensão, pois, deliberadamente, me portei como o médico
legista que disseca um corpo sob a suspeita de que sua “causa mortis” não foi
natural, mas sim porque a vítima fora induzida a ingerir algo que, na verdade,
produzira sua morte por envenenamento.
Acho que, feito este pequeno relato pessoal, podemos introduzir algumas
considerações preliminares.
Desde 1982 vive-se no Brasil uma experiência histórica que pode ser
considerada inédita, em particular pela sua durabilidade. Trata-se da presença,
desde então, no Poder Legislativo, em suas várias esferas - municipal, estadual e
federal -, de parlamentares representando partidos de esquerda, de orientação ou
influência socialista de extração marxista (Partido Comunista do Brasil, Partido
3

Popular Socialista, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, Partido dos


Trabalhadores, e outros, independente das discussões sobre se este ou aquele é
ou não um partido socialista ou marxista), sem que tenham de se ocultar sob
outras legendas que não suas próprias, apresentando-se de maneira direta e
transparente à sociedade.
No entanto, até então, excetuando-se alguns curtos interregnos, como o de
1945-1947, as regras haviam sido a clandestinidade, a linguagem dissimulada e
cifrada e a repressão desenfreada à livre atuação e expressão destes setores na
sociedade brasileira e nas casas parlamentares brasileiras. Embora nos atuais
tempos, não nos enganemos, a repressão direta e o cerceamento à livre
expressão tenham cedido lugar a outros métodos mais eficazes e, hoje, o
combate às posições da esquerda brasileira seja feito com o uso de armas mais
modernas, como o uso intensivo da mídia.
Mas, desde os anos 1920, mais precisamente a partir de 1925 - quando o
então Partido Comunista do Brasil (PCB1), no município de Santos (SP), sob uma
legenda que recebeu a denominação de “Coligação Operária”, lançou um
candidato a vereador, sem sucesso, às eleições municipais de Santos -, é que os
partidos de esquerda passaram à busca da conquista de espaço no Legislativo.
Algo tardio, se o compararmos com o movimento socialista de outros países,
que desde o final do século XIX já tinha uma consistente presença de
representantes em seus parlamentos. No entanto, é do Brasil que se fala aqui e a
classe operária brasileira era muito jovem e numericamente reduzida, faltando-
lhe, de um lado, um forte lastro de tradições organizativas, seja em nível
partidário, seja no campo sindical, e, de outro, uma maior presença na sociedade.

1
- Fundado em março de 1922 com o nome de Partido Comunista do Brasil, em agosto de
1961 modifica seu nome para Partido Comunista Brasileiro, sempre com a sigla PCB. Tal mudança
realiza-se com vistas a requerer o registro legal do partido perante o Tribunal Superior Eleitoral e
contornar o argumento que propiciou a cassação da legenda em 1947: "do Brasil" caracterizaria a
representação brasileira de uma entidade estrangeira. Em razão de discordâncias políticas e
posicionando-se contra esta decisão, um grupo de militantes, em fevereiro de 1962, retoma o antigo
nome e usa a sigla PCdoB para diferenciar-se do PCB. Em 1992, como um dos resultados das
colossais mudanças operadas na conjuntura mundial a partir do que se convencionou chamar de crise
do Leste europeu, o PCB é sucedido pelo Partido Popular Socialista - PPS. Como no caso do PCdoB,
também se manteve um PCB.
4

Os anos 1920 foram o momento em que ela começou a tomar vulto na sociedade
brasileira: tanto numericamente, como resultado do início da aceleração do
processo de industrialização, como em poder apresentar suas propostas ao País.
Esta falta de implantação na sociedade tinha como resultado a
transitoriedade dos partidos que foram sendo criados ao longo do tempo e
rapidamente desapareciam. Neste sentido, é ilustrativo vermos os comentários de
um observador contemporâneo dos fatos a respeito de um deles, o Partido
Socialista Brasileiro, que havia sido fundado em São Paulo, em um congresso
realizado de 28 de maio a 1º de junho de 1902:

“Efêmera foi a existência do Partido. Aos dirigentes faltou, desde logo, aquele
entusiasmo salutar, que leva os indivíduos ao sacrifício. Houve inúmeras eleições.
E eles não disputaram uma só cadeira. Não fundaram jornais: o único que teve
vida, e essa passageira, foi o Avanti, redigido em italiano. Um ano, se tanto, o
partido era fumo. Nada havia que denotasse a sua ação, a sua vigilância. Por que
o fracasso? Vieram cedo à arena. A grande massa de imigrantes ainda tinha
ilusões acerca das promessas dos agricultores. As finanças brasileiras, graças à
moratória conseguida por Campos Salles, achavam-se desafogadas. A indústria
estava no começo, e os operários, nela empregados, não tinham muita razão de
queixa: a felonia não levava os capitalistas a desregramentos e extorsões
escandalosas. Demais, muitos dos signatários, percebendo que a semente não
caíra em terra fértil, foram-se aburguesando. [...] Pensar em socialismo, e no seu
programa, de certo que não era de boa tática.”2

Além disso, até então, entre a vanguarda do movimento operário brasileiro,


haviam predominado as posições abstencionistas dos anarquistas e
anarcossindicalistas, que viam no exercício do Poder Legislativo apenas uma
forma de enganar a vontade do povo, como afirmava José Oiticica:

“Jean Grave definiu o sufrágio universal: ‘esse recrutador de mediocridades’.


Essa definição exata condena a democracia. Os inventores dessa burla conheciam
bem a massa rude que tinha de engodar, e ergueram-na a ídolo, para substituir, na
consciência ludibriada dos escravos, o ídolo do poder real, de emanação divina.
[...] E o sufrágio universal se alçou como princípio da revolução triunfante. A massa
contentou-se, submeteu-se à aparência de sua autonomia. O republicanismo, o
parlamentarismo, o sistema representativo, em suma, teve seus apóstolos, seus
teoristas, seus executores fiéis, desafogou um pouco a ânsia de rebeldia e logrou,

2
- Antônio dos Santos Figueiredo. A evolução do Estado no Brasil, p. 169-170.
5

como resultado principal, iludir o proletariado, dar-lhe a crença de libertação com a


velha moeda do sufrágio: ‘Tens o direito de escolher o teu representante; tens o
voto; logo, és dono de ti mesmo e do universo. Já teus reis, os nobres ou os ricos,
não poderão decidir nada sem te ouvir; precisam do teu consentimento para
prescreverem leis, taxar impostos, fazer guerras. És cidadão de uma pátria livre!’
A tais homens embaidos era azado conduzir e explorar. Logo os argentários,
os doutores, os ex-nobres, os dignitários do clero e da burguesia se apresentaram
candidatos à escolha dos novos homens livres. Eram os exploradores de ontem
que alegavam sua superioridade intelectual, sua influência protetora, sua força
econômica e financeira para se tornarem representantes do Povo.
Dantes eram, arrogantemente, por direito divino, sem placet popular, os
repartidores da riqueza, os distribuidores do queijo clássico. Agora, não: cederiam
a arrogância, cumpria cortejar a turba dos famintos, solicitar-lhes a anuência,
embora sem lhes dar queijo nem facão. O povo delegaria os seus poderes, e eles,
munidos desse diploma, continuariam a distribuição, o talho das fatias, como
dantes.”3

É bem verdade que, desde o advento da República, foram eleitos


parlamentares que se diziam socialistas ou representantes dos operários. O
tenente José Augusto Vinhaes é um exemplo. Eleito deputado à Constituinte em
setembro de 1890, se autodefinia como deputado socialista e chefe do Partido
Operário. Mas, como vários de seus contemporâneos e pósteros, estes
socialistas, na verdade, expressavam uma curiosa combinação entre certos temas
socialistas e positivistas. Este híbrido produzia posições como a da necessidade
de constituição de partidos operários e não pelo estabelecimento de governos de
trabalhadores, pois os operários, “devido à má educação política e aos
preconceitos da sociedade (...) não têm muitos homens ilustres e nem pessoal
técnico para assumirem tão grande responsabilidade”4.
Outro exemplo a ser citado é o caso de João Ezequiel de Oliveira Luz,
gráfico, militante socialista vinculado ao Centro Protetor dos Operários e que foi

3
- José Oiticica. O sufrágio universal. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 28-8-1918 In
OITICICA, José. Ação direta, p. 61-62 (grifos no original).
4
- Echo Popular. Rio de Janeiro, 17-23/01/1890. p. 1 apud Angela de Castro Gomes. A
invenção do trabalhismo, p. 50. Outro exemplo a ser citado é o caso de João Ezequiel de Oliveira
Luz, gráfico, militante socialista vinculado ao Centro Protetor dos Operários e que foi eleito deputado
estadual em Pernambuco no ano de 1912. Em suas memórias Ao contrário do tenente Vinhaes, o qual
expunha de maneira clara suas concepções, este militante não correspondeu à expectativa de seus
eleitores, que algum tempo depois deixaram claro que foram ludibriados, pois “o nosso delegado
mentiu sua investidura, sua missão”, que o passaram a chamá-lo de “falso apóstolo” (cf. Brasília
Carlos Ferreira. Trabalhadores, sindicatos, cidadania. Nordeste em tempo de Vargas, p. 131-133)
6

eleito deputado estadual em Pernambuco no ano de 1912. Em suas memórias, o


advogado Joaquim Pimenta relata que - após uma greve que se iniciara na
ferrovia Great Western como uma paralisação política em favor da candidatura do
general Dantas Barreto ao governo pernambucano, e à qual aderiu significativa
parcela dos trabalhadores do Estado – o governador resolvera incluir, como
“gratidão” ao apoio de sua candidatura, na chapa de deputados à Câmara
Estadual um “representante do proletariado”. O método de escolha, revelado por
Pimenta, foi significativo: em uma reunião de políticos governistas, estes
solicitaram a um dos dois pleiteantes à “vaga proletária” que retirasse de um
chapéu um papel com o nome do “escolhido”. Ao contrário do tenente Vinhaes, o
qual expunha de maneira clara suas concepções, João Ezequiel de Oliveira Luz
não correspondeu à expectativa de seus eleitores, os quais algum tempo depois
deixaram claro que foram ludibriados, pois “o nosso delegado mentiu sua
investidura, sua missão”, e passaram a chamá-lo de “falso apóstolo”5.
Muitos desses partidos inspiravam-se, nos primórdios da República, no
Partido Socialista alemão, como assinala Angela de Castro Gomes:

“Era um partido operário que após um período de interdição e de perseguição


se reorganizara e fora legalmente reconhecido. O processo se completara com um
significativo sucesso eleitoral, já que em 1890 ele concorreu às eleições para o
Reichstag e conseguiu fazer alguns deputados. Além do mais, a Alemanha era um
país onde os trabalhadores lutavam pela plena cidadania política, não tinham uma
estrutura sindical de tradição, e, desde 1870, sob Bismarck, experimentavam uma
política de reformas sociais. Se a França era o principal espelho para a República,
a Alemanha era para o partido operário. Um partido forte em uma República
democrática poderia ser o instrumento ideal para a luta dos trabalhadores por seus
direitos. (...) O grande objetivo dos trabalhadores é a resolução da questão social,
entendida como a questão das necessidades do povo. Entretanto, sem política não
se resolve a questão social, como já ficara demonstrado com o episódio da
escravidão. As reformas sociais desejadas só poderiam vir através das leis e estas
só se fariam com a existência de mais representantes das classes trabalhadoras.
Daí a necessidade do partido operário e da defesa de seu objetivo específico.”6

5
- Joaquim Pimenta. Retalhos do passado, p.192-193. Brasília Carlos Ferreira. Op. cit., p.
131-133.
6
- Angela de Castro Gomes. Op. cit., p. 50.
7

Estes partidos socialistas, no entanto, acabaram assimilando ao conceito de


socialismo o que se convencionou, a partir da experiência dos socialistas alemães
de então, chamar de reformismo. Enfatizando que a questão da transição para o
socialismo poderia se dar pelas instituições existentes (em especial os
parlamentos e determinados governos eleitos), as idéias reformistas, num
primeiro momento aparentemente condenadas, acabaram, ao longo das duas
primeiras décadas do século XX, conquistando a hegemonia entre os partidos
socialistas europeus. Aqui no Brasil, como dissemos, as concepções
predominantes entre a vanguarda do movimento operário era as anarquistas, o
que significava uma baixa participação nos processos eleitorais e, em geral,
quando ocorria, era vinculada aos que aqui chamaremos de reformistas.
Com o desencadeamento da I Guerra Mundial, a Revolução Russa de 1917
e a fundação da Internacional Comunista (IC), em 1919, surgiu, frente às posições
reformistas, o contraponto comunista, de viés claramente revolucionário e
insurrecional. Convictos, nos primeiros anos de vida da IC, que a expansão da
revolução no continente europeu era iminente, os comunistas formularam, durante
o II Congresso da IC, realizado em Moscou de 17 de julho a 7 de agosto de 1920,
orientações enfocando especificamente a questão do parlamento, campo
privilegiado de atuação dos reformistas. Durante muitos anos foram elas que
pautaram os partidos comunistas em sua atuação no parlamento. De caráter
tático, tais orientações, ao mesmo tempo em que buscavam retomar a tradição
oriunda dos tempos da I Internacional de utilizar os parlamentos burgueses com
fins agitativos, voltavam-se contra o “arrivismo parlamentar, a corrupção, a traição
aberta ou solapada dos interesses primordiais da classe operária” decorrentes da
adaptação dos socialistas à “ação legislativa ‘orgânica’ dos parlamentos
burgueses e à importância sempre crescente da luta pela introdução de reformas
7
dentro dos marcos do capitalismo” . Formuladas dentro da expectativa de
imediata tomada do poder, as orientações da IC davam-se no sentido de
utilização das instituições governamentais burguesas para sua destruição, pois os
8

comunistas não consideravam o parlamentarismo como uma das formas da futura


sociedade comunista. Assim, tanto as campanhas eleitorais como a própria
atuação dos parlamentares se dava no sentido de mobilizar “as massas sob as
consignas da revolução proletária”, estabelecendo as seguintes diretrizes:

• Os candidatos deveriam ser escolhidos entre operários;


• Cabia ao Comitê Central dos partidos comunistas controlar a atuação dos
parlamentares, com direito a veto, pois estes eram responsáveis perante o partido
e não a massa anônima que os elegeu;
• Depurar os grupos parlamentares comunistas dos reformistas ou semi-
reformistas;
• Os parlamentares comunistas deveriam unir o trabalho legal ao ilegal,
valendo-se de sua imunidade;
• A atuação parlamentar estava subordinada à ação extraparlamentar do
partido, devendo sua proposituras ser utilizadas como instrumento de agitação e
propaganda;
• Sob controle do partido, os parlamentares deveriam buscar relações com
os trabalhadores revolucionários e estar à disposição das organizações
comunistas do país;
• Os parlamentares deveriam fazer uso de uma linguagem simples e direta,
ao mesmo tempo em que usariam da tribuna para desmascarar a burguesia e
seus aliados, propagar as idéias da IC e enfrentar o capitalismo em todas as suas
8
atitudes .

Tais resoluções jamais foram formalmente revogadas, mas com a adoção


pela IC da política de “frente popular”, em meados dos anos 30, em que foram
propostas alianças de classes com setores da burguesia para fazer frente à
ascensão do nazi-fascismo, muito do estabelecido em 1920 deixou de vigorar.

7
- El Partido Comunista y el parlamentarismo In Internacional Comunista. Los cuatro
primeros congresos de la Internacional Comunista, p. 173.
8
- Idem. p. 180-182.
9

Praticamente desde sua fundação, ao PCB se colocou a participação em


processos eleitorais como forma de veicular suas posições, o que foi objeto,
inclusive, de delimitação ideológica na polêmica entre anarquistas e comunistas
travada durante os primeiros momentos de vida do partido. Houve uma primeira
tentativa para as eleições de 17 de fevereiro de 1924, quando se projetou lançar
a candidatura de um militante do PCB. Tal iniciativa fracassou, porque a Justiça
recusou-se a entregar o título de eleitor ao candidato e, também, porque a
Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira, organismo com o qual o PCB
vinha atuando conjuntamente naquela época, recusou-se a apoiar a candidatura 9.
Foi em 1925, no município de Santos, como mencionamos acima, que pela
primeira vez o PCB disputou um processo eleitoral sob a legenda “Coligação
Operária”10, pois, recorde-se, o partido estava ilegalizado em razão do estado de
sítio sob o qual foi governado o País durante a presidência de Arthur Bernardes.
Em 1926, embora contatado para participar das eleições municipais no Distrito
Federal, o PCB não achou conveniente participar, mas, mesmo assim, um
militante comunista, como candidato avulso, concorreu sem sucesso nas eleições.
Sob a orientação da política de frente única, estabelecida no IV Congresso
da Internacional Comunista, em 1922, mesmo ano do surgimento do Partido
Comunista do Brasil, os comunistas brasileiros, visando “preparar uma base
orgânica política legal para o P.C., criar um organismo que pudesse conter os
elementos receosos de aderir a esse partido; evitar a violenta reação que se
desencadeava sobre o P.C.; preparar uma larga base social para a nossa ação;
preparar a conquista da pequena burguesia pelo proletariado, e, posteriormente,
a hegemonia deste último”11, lançaram, em janeiro de 1927, o Bloco Operário. Ao
mesmo tempo divulgaram uma carta aberta dirigida a personalidades e
organizações reformistas do Rio de Janeiro propondo a criação de uma frente

9
- Octavio Brandão. Relatório trimestral do PCB à Comissão Executiva da Internacional
Comunista. Rio de Janeiro, 10-4-1924 (RGASPI).
10
- Ver, no Anexo III, a plataforma apresentada pela “Coligação Operária”.
11
- S.A. “A vida do Bloco Operário e Camponês”. S.l., 1928, p. 1 (RGASPI).
10

visando às eleições à Câmara Federal. Recusada por Maurício de Lacerda e pelo


Partido Socialista, a proposta obtém alguma adesão e o deputado João Baptista
de Azevedo Lima, que não era militante do PCB, foi reeleito deputado federal,
muito embora, mais adiante, se indispusesse com os comunistas e acabasse
expulso do Bloco.
Transformando posteriormente – em novembro de 1927 - o nome da frente
para Bloco Operário e Camponês (BOC), os comunistas conseguiram, nas
eleições municipais de fevereiro de 1928, quando foram lançados candidatos em
algumas cidades do País, eleger dois militantes, o farmacêutico e jornalista
Octavio Brandão e o marmorista Minervino de Oliveira, como intendentes à
Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Pela primeira vez os comunistas tinham
seus próprios representantes no Legislativo. Ambos tiveram uma atuação
marcada pela polêmica. Durante todo o seu mandato, embora francamente
minoritários12, estavam sempre em confronto com as forças situacionistas, dentro
e fora do plenário – o que lhes valeu várias prisões no Rio de Janeiro e pelo
Brasil afora. Esta atuação polêmica chegou ao paroxismo quando a maioria dos
intendentes apoiou uma moção pela qual todos os seus pronunciamentos, apartes
e proposituras seriam doravante censurados e não seriam publicados nos Anais
da Câmara.
Tempos depois, no bojo do processo de centralização política dos partidos
comunistas latino-americanos encetado pela Internacional Comunista, o BOC
acabou sendo alvo de pesadas críticas por parte da IC, que salientava que o
trabalho do PCB tendia a desaparecer sob o BOC, e foi dissolvido. Antes disso, o
BOC participou, e foi fragorosamente derrotado, das eleições presidenciais e ao
Congresso Nacional de 1º de março de 1930.
Depois do golpe de outubro de 1930 que alçou Getulio Vargas ao poder,
somente em 3 de maio de 1933 é que se realizaram eleições para a elaboração

12
- Apenas contaram, várias vezes, embora nem sempre, com o apoio de Maurício de Lacerda.
Além disso, por uma exigência regimental, que estabelecia um mínimo de três peticionários,
Maurício de Lacerda costumara apor sua assinatura às iniciativas parlamentares dos intendentes do
BOC.
11

de uma nova Constituição, com vistas ao restabelecimento da ordem legal no


país, que durante este período teve suas casas legislativas fechadas e foi
governado a toques de decretos. Embora tenha sido um restabelecimento
relativo, pois as promessas de igualdade dos partidos e sua representação, feitas
pelos “tenentistas” e ”aliancistas” não fora cumpridas em sua integridade.
Mas o movimento dos trabalhadores, em ascensão desde meados dos anos
1920, prosseguiu em seu caminho de ocupação de espaço na sociedade através
de suas reivindicações e mobilizações, embora um novo componente aí surgisse:
o Estado buscando novos meios de controlá-lo, sob a dupla face da doação da
legislação e colaboração de classes.
Ao longo desse período que iremos aqui examinar e que se encerrou pouco
antes da chamada “Revolução de 1930”, milhares de homens e mulheres
participaram dos processos eleitorais. O BOC buscou levar às grandes massas
suas propostas e uns poucos candidatos eleitos conseguiram dar voz a elas nas
casas de leis em suas diversas instâncias. Embora minoritários, não deixaram,
embora com apreciações variadas sobre sua eficácia e utilidade, de se aproveitar
desse espaço na instável sociedade republicana brasileira. Sem dúvida, este
processo foi o momento inicial da ocupação das instituições da sociedade civil por
parte dos partidos de esquerda. Apesar de ser inegável que, na conjuntura dos
anos 1920, a esquerda privilegiasse a ocupação de outros espaços,
particularmente o movimento sindical, e lutas por conquistas trabalhistas ao invés
de travar o combate eleitoral e dentro do Poder Legislativo, não se pode perder
de vista os primeiros e importantes passos nesse sentido que foram dados.
Em uma série de trabalhos existentes tratou-se, quando se enfocava a
atuação parlamentar da esquerda brasileira, apenas da época posterior a 1945.
Para o período aqui tratado, tanto na historiografia como nas obras de caráter
memorialístico, a atuação da esquerda no Parlamento recebe apenas um
tratamento passageiro. Mesmo nas memórias do comunista Octavio Brandão13, o
seu primeiro mandato como vereador - pois foi eleito para um segundo mandato

13
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1).
12

de vereador no Rio de Janeiro na segunda metade dos anos 40 - não recebe


nenhum enfoque mais aprofundado, provavelmente em razão de sua crença no
papel secundário reservado ao Parlamento na luta política. Esta ausência de uma
bibliografia mais alentada sobre o tema, portanto, coloca, de um lado, a
necessidade desta pesquisa, pelo fato de se tratar o tema pela primeira vez, e,
por outro, como uma forma que seguramente propicia comparações e reflexões
com diversos problemas ainda hoje vivenciados pela esquerda brasileira no
campo parlamentar.
No sumário estabelecimento destes marcos coloca-se uma série de
problemas que serão objeto de nosso trabalho.
Embora a esquerda de extração marxista, nos anos da Internacional
Comunista, tratasse o Parlamento como um local que deveria ser utilizado como
tribuna de denúncia e o processo eleitoral como palco de propaganda, pois era
marcante a ênfase da transformação revolucionária da sociedade, colocando-o,
portanto, em plano secundário, é ali que suas posições tinham uma projeção
pública que, por vezes, sobrepujavam as dificuldades impostas pela
clandestinidade e a repressão. Apesar dos obstáculos assinalados, seja pela
ilegalidade dos partidos, seja pelas barreiras ao exercício do mandato, o
Parlamento, ainda assim, era uma arena onde era possível à esquerda expor e
confrontar suas posições frente a frente com seus adversários e inimigos,
tornando-se, nesse sentido, um espaço importante no debate das idéias.
Embora numericamente diminutos, os parlamentares eleitos e/ou
identificados com a esquerda de orientação marxista em tal condição foram objeto
das mais variadas violências pessoais e institucionais. Além das prisões e
violências físicas de que eram vítimas, apesar de uma formal imunidade, chegou-
se, como dissemos acima, no caso dos intendentes cariocas dos anos 1920, a
arbitrariedades inimagináveis, como a não publicação de discursos, projetos,
emendas ou qualquer manifestação de sua parte. Enfim, sua presença era
incômoda ao poder instituído e era o resultado da superação de uma série de
barreiras colocadas pelas instituições para que o eleitor pudesse dar seu voto a
13

alguém que o pudesse representar. Isto coloca um exame sobre estas barreiras
institucionais ao exercício do voto.
Este exame da atuação da esquerda em relação ao Parlamento se fará sob
três ângulos ao longo do trabalho. O primeiro enfoque será dado a partir de como
a esquerda brasileira apresentava o Poder Legislativo aos seus interlocutores
privilegiados, os trabalhadores. O segundo enfoque se dará através do exame do
momento das campanhas eleitorais, por meio de suas plataformas e propostas. E,
por fim, o último ângulo será o do próprio Parlamento, pela atuação dos
parlamentares de esquerda, através de seus discursos ou proposições
parlamentares, e também pelo enfoque que tal atuação recebia na sociedade.
Juntamente com estes pontos, inserem-se outros voltados para os
comunistas, quais sejam, o do exame sobre como as diretivas da Internacional
Comunista sobre parlamentares eram trabalhadas no Brasil e, por conta de
peculiaridades do Brasil, se acabavam gerando ou não contradições internas no
PCB.
Por fim, também é preciso estar atento à tensão permanente nos partidos
comunistas entre seu caráter internacionalista e o caráter nacional, para a qual
nos alerta Annie Kriegel:

“É verdade que cada ‘seção nacional’ - Partido Comunista na totalidade dos


casos não russos, ou Partido-Estado no caso russo - tem as suas características
próprias que lhe advêm, de maneira reconhecível, do sistema político nacional no
quadro do qual se constituiu. As circunstâncias e as modalidades da sua formação,
a sua consistência e firmeza original, a amplitude desde o início da sua
implantação, as constituintes ideológicas discordantes que se encontram
inicialmente misturadas ao seu projeto e que se irão eliminando progressivamente,
as propriedades sociais, econômicas e culturais da sociedade nacional
individualizada, que deve combater internamente, mas que podem eventualmente
fornecer-lhe pontos de apoio mais ou menos eficazes para chegar aos seus fins
últimos, outros tantos dados que fazem que cada seção nacional, cada Partido
Comunista seja bem o produto único de um encontro específico entre dois
conjuntos historicamente concretos: por um lado, o movimento comunista
internacional, e, por outro, o sistema político nacional. Neste sentido, a
homogeneidade da Internacional Comunista, como instituição e como estratégia
mundiais, não pode senão encontrar-se constantemente ameaçada pelas
diversidades nacionais: a unidade é, portanto, ao mesmo tempo uma afirmação
teórica de princípio que domina a lógica da empresa e o resultado de uma prática
contínua, para o que há de nacional em cada partido não seja senão esse resíduo
14

que nenhum sistema de poder pode totalmente dissolver, um resíduo sem cessar
reexaminado, retocado, discutido, recalcado, disperso e assim expurgado das suas
virtudes ativas autônomas: numa palavra, formalizado.”14

Assim, se o PCB possuía as credenciais de representante da Revolução


Russa e das experiências realizadas pelo Estado Soviético, ele também trazia
dentro de si traços específicos da sociedade brasileira. Dessa maneira, é justo
indagar-se se as diretivas da IC de uso do Parlamento como tribuna de denúncia
não eram mais convenientes à Europa do que a um “país semicolonial”, como o
Brasil era classificado em Moscou, e se isto não fazia com que a atuação dos
parlamentares de esquerda brasileiros acabasse indo além de tais diretivas.
Eram estas, enfim, algumas das preocupações que pretendi aqui tratar.

14
- Annie Kriegel. A III Internacional in Jacques Droz (dir.). História geral do socialismo
(vol. 7), p. 84-85.
a) Os Comunistas: Do surgimento no Brasil aos
primeiros passos na vida eleitoral (1918-1924)

O Partido Comunista do Brasil (PCB) foi fundado em março de 1922. Como


grande parte dos partidos comunistas surgidos naquele momento, o PCB nasceu
a partir de uma cisão ocorrida no interior da corrente revolucionária hegemônica
no movimento operário brasileiro. Como se sabe, e esta foi a excepcionalidade do
partido brasileiro, seu núcleo originário veio das fileiras anarquistas. Embora
houvesse alguns militantes, integrantes do núcleo fundador do partido comunista
brasileiro, com conhecimentos a respeito dos posicionamentos da social-
democracia européia e que, portanto, poderiam ter informações sobre as
principais questões em debate entre os comunistas e social-democratas na
Europa, é da corrente anarquista que saiu grande parte dos elementos que
comporão o núcleo inicial das fileiras comunistas. Os comunistas brasileiros
integraram uma instituição, a Internacional Comunista (IC), que congregou todas
as organizações comunistas do planeta e que fazia parte significativa de sua ação
política ser resultado de uma disputa direta com a social-democracia européia. A
este novo partido comunista foram postos grandes desafios: superar a herança
anarquista de sua militância e implementar uma nova política entre os
trabalhadores brasileiros, política esta, reitere-se, concebida pela IC tendo em
vista a social-democracia européia, sem que, no entanto, houvesse nada
semelhante a isto no Brasil.
Estes paradoxos ocorreram em várias questões. Uma delas, a parlamentar,
também teve um papel importante na formação do proletariado brasileiro, pois a
tradição abstencionista do anarquismo no Brasil teve de ser confrontada com uma
nova postura de ocupação, por parte dos trabalhadores, de todos os espaços de
disputa política na sociedade. Assim, faremos, inicialmente, uma incursão nos
antecedentes anarquistas do movimento operário brasileiro, antes de
acompanharmos a trajetória dos comunistas na questão parlamentar.
16

ANTECEDENTES ANARQUISTAS

As idéias anarquistas chegaram ao Brasil nas últimas décadas do século XIX


com os imigrantes que deixaram a Europa em busca de melhores condições de
vida e de trabalho. Muitos dos militantes anarquistas que integravam este fluxo
imigratório fugiam das perseguições políticas que lhe eram movidas em seus
países de origem. Aqui, no entanto, eram classificados como “perigosos
1
indivíduos partidários dessa terrível seita destruidora” . Apesar da perseguição a
que foram novamente vitimados, os militantes anarquistas conseguiram organizar
e mobilizar, com a sua ideologia, importantes segmentos da incipiente classe
operária urbana brasileira.
Os anarquistas, cuja ideologia foi internacionalmente consolidada na
segunda metade do século XIX, voltavam suas críticas contra todas as formas de
Estado e suas instituições, às quais contrapunham uma sociedade sem governo,
sem poder e autoridade constituída, na qual se organizaria a produção, o
consumo e a vida social por meio da obra direta e voluntária de todas as forças e
as capacidades existentes. Para os anarquistas, o Estado, burguês ou não, tinha
por função impor seus interesses à sociedade, fazendo uso da violência física,
através do aparato repressivo, e institucional, mediante leis e regulamentos
produzidos pelos aparatos políticos. Para a consecução de seus objetivos, os
anarquistas tinham uma estratégia de luta política: a ação direta, cujas origens
encontram-se em fins do século XIX na França. Por meio desta estratégia, os
anarquistas, que recusavam qualquer forma de representação política,
pretendiam se contrapor aos socialistas, que, além da luta sindical e política,
também enfatizavam a ação eleitoral e parlamentar como forma de melhoria para
as condições de vida dos trabalhadores. A ação direta era um método de ação
política fundado na autonomia, livre iniciativa e na solidariedade e tomava forma
concreta através de boicote, de sabotagem ou da greve.

1
- Imigrantes anarquistas. Correio Paulistano. São Paulo, 30-07-1893.
17

No Brasil, os anarquistas dividiram-se em anarcocomunistas e


anarcossindicalistas. A distinção entre estas correntes estava no papel do
sindicato dentro da estratégia de ação direta. Os primeiros, que podem ser
apresentados como mais “ortodoxos”, diziam-se defensores do movimento
operário e sindical, mas não do sindicalismo, pois julgavam que este, por sua
própria natureza, era reformista e, portanto, poderia fazer com que a luta por
melhorias e reformas acabasse predominando e estancando o processo
revolucionário. Já os segundos, predominantes no Brasil, viam no sindicato seu
terreno de ação por excelência, pois ele expressaria claramente os antagonismos
de classe, sendo o lugar propício não só para a luta pelas melhorias das
condições de trabalho como também da revolução proletária que poria fim ao
capitalismo. Os anarcossindicalistas também foram vistos como uma espécie de
adaptação do anarquismo à sociedade industrial, expressando, assim, uma
oposição a antigas formulações do movimento ácrata de reação à modernização
da sociedade por meio do “sonho do regresso do homem a uma existência agrária
ideal”2.
Como conseqüência de sua recusa a qualquer forma de representação
política, os anarquistas não concebiam a organização político-partidária dos
trabalhadores, porque os partidos atuavam dentro das instituições estatais
burguesas e tal ação acabaria as legitimando, tratando-se, portanto, de intervir
por meio de ações políticas de combate direto ao Estado burguês e voltadas para
a emancipação imediata e completa da classe operária. Daí, a recusa da
3
participação nos processos eleitorais , aos quais também endereçavam críticas
de caráter moral:

2
- Sheldon Leslie Maram. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro, 1890-
1920, p. 78.
3
- Daniel Guérin (O anarquismo, da doutrina à ação. Rio de Janeiro, Germinal, 1968, p. 26-
27) ressalva que a atitude dos anarquistas frente à participação no processo eleitoral estava longe de
ser “coerente e conseqüente” e cita como exemplo o caso da Espanha. Em 1931, muitos anarquistas
espanhóis, apesar da tradicional posição abstencionista, acabaram votando nas eleições que
resultaram na queda da monarquia. Dois anos depois, defenderam enfaticamente a abstenção nas
eleições, que acabaram por consagrar uma direita “violentamente antioperária”. Em 1936, mais uma
vez se pronunciaram pela abstenção, “mas fizeram uma campanha bastante discreta para não serem
18

“Há uma única paixão humana, a mais vil, a mais abjeta de todas que não
seja colocada em jogo num dia de eleição? Fraude, calúnia, vulgaridade, hipocrisia,
mentira, toda a lama que repousa no fundo da besta humana - eis o belo
espetáculo que nos oferece um país a partir do momento em que se lança em
4
período eleitoral.”

No cerne dos processos eleitorais encontrava-se o sufrágio universal, o qual


sofria também críticas por parte dos anarquistas. Estes, como conseqüência do
seu extremado individualismo, consideravam-no - caracterizado como a
manifestação do direito que a maioria tem de impor à minoria sua vontade - uma
injustiça, pois “a personalidade, a liberdade e o bem-estar de um só homem são
5
tão respeitáveis, tão sagrados como os de toda a humanidade” . Assim, o sufrágio
universal acabaria dando origem a uma fraude na representação, pois ele serviria
de base a que os governos dele oriundos se apresentassem como “populares”,
quando, na verdade, seriam governos de uma só classe ou de uma parcela dessa
classe. Além disso, com referência aos parlamentares eleitos, o sufrágio universal
também acabaria produzindo outra distorção na representatividade:

“Com efeito, cada eleitor nomeia apenas um ou poucos deputados numa


assembléia composta ordinariamente de algumas centenas de deputados.
Portanto, ainda quando ele visse triunfar o seu candidato, a sua vontade, que já
nas eleições entrava numa fração infinitesimal, seria representada só por um
deputado, o qual, por sua vez, não é contado na Câmara, senão por uma fração
mínima. A Câmara, por conseguinte, tomada no seu conjunto, de nenhum modo
representa a maioria de eleitores. Cada deputado é o eleito dum certo número de
6
eleitores, mas o corpo eleitoral como totalidade não é representado.”

Tal crítica levava a que os anarquistas também pusessem em xeque a


instituição representativa na qual se fundava o Poder Legislativo. Afirmavam, de
um lado, que a delegação de poderes somente produzia reais efeitos em

ouvidos pelas massas populares”, as quais acabaram participando em peso e garantindo a vitória da
Frente Popular.
4
- Piotr Kropotkin. O governo representativo In Pedro Augusto Coelho (org.). Os anarquistas
e as eleições. Brasília, Novos Tempos, 1986, p. 33.
5
- Erico Malatesta. A política parlamentar no movimento socialista. In Erico Malatesta et alii.
O anarquismo e a democracia burguesa. São Paulo, Global, 1979, p. 81.
19

diminutos grupos e questões específicas. No entanto, afirmavam que, diante dos


massivos corpos eleitorais integrados por centenas de milhares de componentes
que não se conhecem e não possuem tempo e instrução para discutir os assuntos
de seu interesse e ao imenso número de questões às quais os parlamentares têm
de fazer frente, o caráter primitivo de representação tornara-se um absurdo7. De
outro, colocavam que, como conseqüência disso, os eleitores acabavam elegendo
o político profissional, “o homem que faz da política uma indústria e que a pratica
segundo os procedimentos da grande indústria - propaganda, escândalos,
corrupção”. Enfim, tudo isto trazia sérias implicações, pois a ação dos
representantes eleitos acabava tendo como resultado leis que afetavam milhões
de pessoas, e que “não servem senão para sancionar a exploração e para
defender os exploradores”8. Para os anarquistas, tais vícios são característicos e
inerentes às assembléias representativas, não importando os indivíduos que as
compõem, operários ou burgueses, ou se o seu nome é Monarquia Constitucional,
República ou Comuna:

“Começa-se a compreender que os vícios do governo representativo não


dependem só das desigualdades sociais: que aplicado num meio em que todos os
homens tenham igual direito ao capital e ao trabalho, produziria os mesmos
resultados funestos. E pode-se facilmente prever o dia em que esta instituição,
nascida segundo a feliz expressão de J. S. Mill, do desejo de se garantir contra o
bico e as garras do rei dos abutres, cederá lugar a uma organização política
nascida das verdadeiras necessidades da humanidade e da concepção de que a
melhor maneira de ser livre, e não ser representado, não abandonar as coisas,
9
todas as coisas, à Providência ou a eleitos, mas fazê-la por si mesmo.”

As críticas dos anarquistas voltaram-se, sobretudo, contra os sociais-


democratas, num primeiro momento, e, depois, contra os comunistas, ambos
sendo chamados pelos anarquistas de “socialistas autoritários”, por terem se

6
- Idem, p. 82.
7
- Piotr Kropotkin. O governo representativo In Pedro Augusto Coelho (org.). Os anarquistas
e as eleições. Brasília, Novos Tempos, 1986, p. 34.
8
- Erico Malatesta. A política parlamentar no movimento socialista. In Erico Malatesta et alii.
O anarquismo e a democracia burguesa, p. 80.
9
- Piotr Kropotkin. Sobre o governo representativo ou parlamentarista In Erico Malatesta et
alii. . Op. cit., p. 51.
20

metido “pelos atalhos tortuosos e sem saída do parlamentarismo” e, em


conseqüência, por apresentarem a ação fundada no voto, a ação política “legal”,
como um caminho para a emancipação da classe trabalhadora. Inimigos
irreconciliáveis das organizações político-partidárias, os anarquistas procuravam
demonstrar que os partidos socialistas não se distinguiam dos partidos da
burguesia. O que aparentemente seria ideal para os operários - ter deputados,
ministros e presidentes que seriam “seus” - não passaria de uma “tremenda
desilusão”:

“Os políticos operários em nada diferiam dos demais. E tudo não passou de
palavras e palavras... O trabalhador continuou cada vez mais explorado e nunca a
iniqüidade campeou tão livremente! Todos os sonhos de melhores dias de justiça
ruíram por terra com os trabalhadores que caíam nas masmorras porque
reclamavam os seus direitos conculcados!
Tudo como dantes. As mesmas condições de vida miserável. Uns gozando e
10
outros sofrendo. Estes trabalhando, aqueles na ociosidade!”

Malatesta11 afirmava que, como resultado do cansaço diante de dificuldades


inimagináveis, ou pelo esgotamento de arroubos juvenis, os socialistas
autoritários traíram seu ideal e, ao aceitarem a via eleitoral acabaram corrompidos
pela burguesia. Isto fez com que os partidos socialistas se voltassem unicamente
para as eleições, tendo como resultado, pelo surgimento de “políticos
profissionais”, a mistificação e a corrupção dos partidos e dos seus programas,
bem como a criação de ilusões, e o conseqüente amortecimento da disposição
revolucionária do povo. Malatesta concluiu sua argumentação com um cruel
retrato dos “socialistas autoritários”:

“Agora há um socialismo que só serve para enganar o povo com vãs


promessas, para manter dócil e para fazer dele escada; e há socialistas que
traficam nas câmaras e nos parlamentos, que se aliam com os burgueses,
que se inclinam ante os ministros, que aclamam um imperador, que se
vendem a um soldado, que mentem aos companheiros, que prostituem

10
- Cecílio Dinorá. Partidos políticos e ação direta. A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, nº
22, 01/01/1913, p. 2.
11
- Erico Malatesta. A política parlamentar no movimento socialista. In Op. cit., p. 90-1.
21

idéias, programas, consciência, para surrupiar aos ingênuos um voto, que


lhes sirva para entrarem no meio da burguesia.”12

Para os anarquistas só havia um caminho sem atalhos: a revolução para a


destruição do poder público.

As eleições vistas pelos anarquistas.


(A burla eleitoral. A Plebe, 26/02/1927)
(AEL)

No Brasil, esta crítica, ao lado do abstencionismo político dos anarquistas,


praticamente repetia-se. Já em 1898, Benjamin Mota comentava um artigo
13
publicado em um jornal anarquista de São Paulo , assinado por França e Silva,
nome suposto, acreditava, tomado de um gráfico mulato e socialista brasileiro já
falecido. No citado artigo de França e Silva, defendia este a luta política como
primeiro passo para a conquista dos poderes públicos e que, para tal, seria
necessário que os “socialistas mais esclarecidos” organizassem os operários para
se qualificarem como eleitores e participassem das eleições. Mota procurou

12
- Idem, p. 98.
13
- Mota, Benjamin Franklin Silveira da. Rebeldias. São Paulo, Carlos Gerke, 1898, p. 46-57.
O jornal em questão era a primeira edição, de 16/01/1898, do jornal anarquista paulistano Il
Risveglio, editado em língua italiana por Alfredo Mari e Gigi Damiani e o artigo de França e Silva
intitulava-se “Aos italianos socialistas”. A brochura de Mota aqui citada era uma coletânea de artigos.
Originalmente o texto de Mota – “Lutas eleitorais” - foi publicado no segundo número do mesmo
periódico, datado de 16 de janeiro de 1898.
22

demonstrar que a conquista dos poderes públicos não passava de uma utopia,
pois a burguesia, caso se sentisse ameaçada, proporia leis permitindo apenas
aos poderosos votar. Mais: afirmou que, caso fossem eleitos, os parlamentares
nada fariam, sequer a propaganda das idéias, exprimindo, mesmo sem alusão
direta, a idéia defendida pelos anarquistas a respeito do poder de corrupção dos
parlamentos como elemento de explicação para a defesa do abstencionismo.
Também criticou os efeitos da proposta de “França e Silva” sobre os eleitores, os
quais, na visão anarquista, tenderiam a se acomodar, nada mais fazendo “para
emancipar-se do jugo capitalista e da tirania do estado”. Isto o próprio Mota teria
constatado quando apresentou sua candidatura, “de antemão derrotada”, a
deputado estadual com o fim de demonstrar a “inutilidade da luta eleitoral”.

“Aqui no Brasil o governo vence e vencerá sempre as eleições. Disso temos a


prova todos os dias; nos estados onde domina o P[artido].R[epublicano].F[ederal].
vence sempre este partido, e naqueles cujos governadores apóiam a política do
governo federal, são eleitos por grande maioria os partidários do snr. Prudente [de
14
Moraes] e de todos os governos.”

Mota concluiu afirmando que, quando muito, um partido consegue derrubar


outro do poder, mudando-se apenas o senhor, “mas nunca se fará uma revolução
eminentemente social pela luta nas urnas”. “É por isto que, no terreno da luta
eleitoral, socialistas autoritários e socialistas libertários são inimigos
irreconciliáveis.”
Quando, nos anos 1910, a chamada “questão operária” começava a se
apresentar e a tomar vulto perante a sociedade brasileira e, particularmente, no
âmbito do Poder Legislativo, como decorrência das mobilizações e lutas que os
trabalhadores vinham desenvolvendo desde o início do século XX, os anarquistas
brasileiros discutiram a questão da “legislação operária”, que daí decorria,
apresentando-a em contraposição à estratégia da ação direta. Definiam a
“legislação operária”

14
- Mota, Benjamin. Op. cit., p. 50.
23

“... como coisa absolutamente inútil e até retardatária do progresso social –


porquanto faz nascer entre os trabalhadores a esperança n’uma ação (a legislativa)
que por sua natureza será sempre retrógrada e inteiramente ineficaz.”15

Com isso, os anarquistas buscavam mostrar a inocuidade da legislação para


os trabalhadores:

“O campo da vida social - da propaganda, da educação, da ação direta, da


realização permanente, é vastíssimo. Demais é único se não se quer desperdiçar
forças.
E a lei não só faz perder tempo e forças, mas atinge as próprias fontes de
energia. Pedir uma lei é já indicar um estado de espírito cristão, confiar na virtude
da papelada legal, mostrar-se incapaz de agir diretamente. Mas o mal é maior
quando se organiza toda uma propaganda (eleitoral, parlamentar), se consagra
uma boa parte da energia coletiva a demandar uma ‘legislação operária’, um
sistema de reformas... legais.
Faz-se propaganda, dizem. É certo: a propaganda do messianismo. É pouco
provável que o deputado comece dizendo, por exemplo, que a lei é nada e tudo
depende da consciência, da ação, da energia dos indivíduos...
Pelo contrário: para o candidato, as reformas legais são utilíssimas aos
operários...
16
Ou não seriam eleitos...”

A partir daí desenvolvia-se o argumento da ausência de representatividade


das eleições e dos políticos:

“Nós os operários conscientes devemos ter em vista que, pesando ainda


muito na falsa consciência do proletariado o interesse das lutas políticas, sim, no
operariado que ainda crê no messianismo -, é mister inocular no cérebro dos
trabalhadores as idéias verdadeiras que devem ter acerca de política e políticos.
Considerando que a ação de legisladores quer federais, quer municipais só
pode agravar e nunca melhorar a situação do povo, do proletariado, essa ação
deve ser combatida tenazmente, continuamente, como um meio legítimo de
defesa.
Não se iludam, não se deixem cair nas malhas da rede política os
trabalhadores tão cheios de necessidades e tão mal remunerados.
As eleições, encarapitam no mando, a fazerem leis, indivíduos cujos
interesses são antagônicos aos do proletariado. Eles pretendem, enquanto
existirem, perpetuar a rotina, a ladroeira, a ganância que são a base da sociedade
burguesa.

15
- Sobre a questão operária. Tribuna do Povo. Recife, nº 5, 10-04-1918, p. 1.
16
- Neno Vasco. Lei e ação direta. A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, nº 11, 17-05-1909,
p. 1.
24

Por isso, proletários, pensai e pensai com calma para agir; pensai que não
deveis delegar a ninguém poderes para defender no parlamento ou em qualquer
parte que seja os nossos interesses lesados.
Guerreai, pois, os farsantes políticos que tudo nos prometem quando
precisam do voto e depois, empoleirados, falando de cima, justificam o seu silêncio
de qualquer maneira, quando se sabe, que calam porque, provavelmente, estão
comendo a gorda fatia do Estado.
Interessemos, pois, a família operária, na hostilidade a todos os políticos,
gente hipócrita, interesseira e mentirosa, cujo ofício é mistificar em próprio proveito.
Não abdiqueis, operários, do vosso direito de pensar elegendo os papa-
subsídios. Pensai por vós mesmos, e elegei a vossa consciência, como tribunal
17
para resolver sobre os vossos interesses.”

Outra vertente de crítica era a desenvolvida em relação ao caráter das


eleições no Brasil e ao abstencionismo, no qual, dado seu elevado grau no País,
os anarquistas buscavam enxergar uma forma de resistência inconsciente à
burguesia brasileira. Veja-se este trecho de Astrojildo Pereira, quando ainda era
militante anarquista:

“Ora, toda a gente está fartíssima de saber que grande farsa é essa das
eleições. O reconhecimento de poderes, em que uns quantos candidatos se
reconhecem a si próprios para depois reconhecerem os outros, é
proclamadamente uma das mais agudas e abracadabrantes pouca-vergonhas
desta desmoralizadíssima democracia em que vegetamos. E nisso é que se cifra o
mecanismo do sufrágio: combinações e arranjos de paredros e reconhecimento de
poderes.
O nosso povo, porém, tem o bom senso de não perder o tempo em ir
depositar a sua cédula nas urnas eleitorais. Os ‘puros’ da política acham que isso é
um mal. Muito pelo contrário: é um bem. Para que votar? Para que eleger três ou
quatro centenas de ambiciosos e que vão para a Câmara e para o Senado a se
descomporem mutuamente e a fazerem leis idiotas... à razão de cem mil réis por
dia? E depois, os votos de nada valem. Para outra coisa não existem as atas e não
se faz o reconhecimento, senão precisamente para colocar os interesses
partidários acima e adiante dos votos.
Votar é, pois, ao primeiro exame, inteiramente inútil. E é também uma
fraqueza e uma indignidade, porque indigno e fraco é o homem que delega em
outro homem o poder de o governar.
São estas umas verdades comezinhas de que o povo tem apenas a intuição,
18
mas de que deve ter uma firme consciência.”

17
- A farsa eleitoral. A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, nº 20, 15-11-1909, p. 1-2.
18
- A farsa eleitoral. A Vida. Rio de Janeiro, nº 2, 31-12-1914, p.1.
25

No 3º Congresso Operário, realizado no Rio de Janeiro, de 23 a 30 de abril


de 1920, quando os anarquistas começam a manifestar mais claramente suas
divergências em relação à Revolução Russa, os membros do jornal A Batalha
apresentam um texto intitulado “Democracia e sindicalismo. Contra a política
parlamentar e pela ação direta”. Neste texto, já até como uma forma de
contraponto às propostas veiculadas pelos simpatizantes da Revolução Russa
que tomavam o caminho da constituição do PCB, reforçava-se a idéia de que a
única forma de opor-se à democracia burguesa e às organizações político-
partidárias era a via preconizada pelo anarcossindicalismo:

“A democracia é ainda, como no antigo regime, o governo do patrão, do rico,


do explorador, cujos interesses estão em absoluto antagonismo com os da massa
que produz. O nosso operariado sabe-o bem. A sua vitória foi apenas uma vitória
moral. As vantagens econômicas recolheram-nas os ‘políticos’ que quinhoaram
entre si os despojos da batalha. E se o operário quis melhorar um pouco a sua
situação teve de lançar-se violentamente no caminho da luta, entre o coro de
imprecações dos que ele erguera nos escudos da glória. O operário sabe, pois, o
que tem a esperar da democracia. Que fazer então? Libertar-se. Como? Elegendo
deputados? De modo algum.
O voto é a corrupção, é a abdicação; e uma incoerência e um contra-senso.
O nosso operário sabe, por experiência, que leis os republicanos fizeram vingar no
parlamento e deduz daí as vantagens que lhe arrancariam deputados seus.
Que fazer, pois? Emancipar-se, tornar-se autônomo por meio do ‘sindicato’,
tratando ele próprio dos seus próprios interesses e abstraindo-se por completo da
19
política partidária.”

Toda a crítica anarquista, no que se refere à questão parlamentar, pode-se


dizer que padecia de uma contradição fundamental: os anarquistas queriam fazer
política recusando-se incondicionalmente a lutar na arena política existente,
negando-se a constituir partidos, atuar no legislativo, a participar de eleições e
eleger parlamentares. Tal contradição agravava-se no Brasil em razão do
diminuto tamanho da classe operária brasileira, de sua fraca implantação e,
conseqüentemente, de sua pouca experiência de combate político. À medida que
este quadro - ao longo do qual o processo de industrialização e, em decorrência

19
- A Batalha. Democracia e Sindicalismo. Contra a política parlamentar e pela ação direta.
Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário. Rio de Janeiro, nº 1, ago. 1920, p.14.
26

disso, o crescimento da classe operária foi acentuando-se crescentemente - foi


modificando-se nas primeiras décadas do século XX, a ideologia anarquista foi
incapaz de dar conta das respostas necessárias às demandas de maior
participação na vida, inclusive política, do País feitas pelos trabalhadores
brasileiros. Ao mesmo tempo, as lutas de massa à frente das quais os anarquistas
estiveram envolvidos no País, particularmente no período entre 1917 e 1919,
propiciaram à classe trabalhadora uma experiência prática sobre a incapacidade
dos anarquistas brasileiros em lidar com as questões do poder e da política. A
partir daí tem início um estancamento no desenvolvimento do anarquismo no País
e o início de seu declínio, de modo lento e não brusco, mas definitivamente
descendente, e mostrando um descolamento cada vez maior da influência da
liderança anarquista sobre a classe trabalhadora brasileira.

RUMO AO PCB

O surgimento do PCB resultou de um longo processo de discussão e


amadurecimento decorrido no período situado logo após a Revolução Russa até
março de 1922. Em 1917, com a greve geral de São Paulo, iniciou-se uma fase de
ascensão do movimento operário no Brasil, que foi, na expressão de Astrojildo
Pereira, “fermentado pela influência da Revolução Russa e dos acontecimentos
20
europeus seguidos à assinatura do armistício” . Em novembro de 1918 ocorreu
um fracassado “putsch” anarquista, cujas lideranças, depois de meses de prisão,
acabaram absolvidas. Apesar disso, o movimento de ascensão ainda prosseguiu.
Pereira menciona as comemorações do 1º de maio de 1919, onde 60.000
trabalhadores teriam desfilado pelas avenidas do Rio de Janeiro dando vivas à
Revolução Russa ao som de “A Internacional”, bem como várias greves ocorridas
em 1919, como as de Recife e as de Salvador. Este quadro, ainda na avaliação

20
- Comissão Central Executiva do PCB. Relatório geral sobre as condições econômicas,
políticas e sociais do Brasil e sobre a situação do P.C. Brasileiro. Rio de Janeiro, 01-10-1923, p. 6
(RGASPI).
27

de Pereira, teve como resultado concessões por parte da burguesia brasileira: “a


lei de acidentes no trabalho, aumentos de salários, dia de 8 horas nas fábricas”. A
partir daí começou uma trajetória de descenso, feita de sucessivas derrotas, com
a perda de várias conquistas e um intenso processo de prisões e deportações das
principais lideranças, sendo o último grande movimento desse período a greve
dos ferroviários da Leopoldina Railway, em março de 1920, apoiada por uma
tentativa de greve geral no Rio de Janeiro, que foi duramente reprimida.
A primeira organização - surgida a partir de um grupo de três militantes que
lançou um manifesto “dando como causa da pandemia, então chamada
espanhola, a organização ultracriminosa do Capitalismo e incitava as massas a
que se apoderassem de tudo” - a defender publicamente as posições comunistas
no Brasil foi a União Maximalista de Porto Alegre, nascida em novembro de
191821. Seus membros eram anarquistas egressos da União Operária
Internacional, a qual passou a hostilizá-los por seu apoio à Revolução Russa.
Segundo informação de Abílio de Nequete ao Comitê Executivo da Internacional
Comunista (CEIC) em fevereiro de 1922, no ano seguinte ao surgimento da União
Maximalista ocorreria uma alteração na situação no interior do movimento
operário brasileiro:

“Em 1919 houve um câmbio ideológico nos anarquistas em todo o país.


Supondo como obra anárquica o golpe de Novembro, passaram com armas e
bagagens ao bolchevismo; este fato fez com que desaparecessem as divergências
em Porto Alegre. O entusiasmo no Brasil chegava ao auge, fundando-se, então,
nos primeiros meses do ano, o Partido Comunista do Brasil, que chegou a ter,
22
segundo a imprensa obreira, (80.000) oitenta mil membros.”

Este partido aludido por Nequete foi fundado no Rio de Janeiro em 9 de


março de 1919. Segundo informações procedentes de um fragmento de caráter

21
- Abílio de Nequete. Ao Comitê Executivo da I. Comunista. Montevidéu, 01-02-1922, p. 1
(RGASPI). Nessa mesma época, também no Rio Grande do Sul, foram fundados outros grupos com as
mesmas características da União Maximalista e que também se apresentavam como simpatizantes e
apoiadores da Revolução Russa. Referimo-nos à Liga Comunista de Santana do Livramento e ao
Centro Comunista de Passo Fundo (cf. Isaac Akcelrud. Santos Soares. Problemas. Rio de Janeiro, nº
39, mar.-abr. 1952, p. 90).
22
- Abílio de Nequete. Idem, p. 1.
28

memorialístico de Astrojildo Pereira, foi durante o período de prisão das


lideranças da insurreição de novembro de 1918, no qual mantiveram “contatos
regulares com os camaradas de fora”, que apareceu pela primeira vez a idéia de
criação do Partido Comunista do Brasil. Pereira relata que a ele coubera a tarefa
de redigir os estatutos (chamados no linguajar libertário então reinante de “bases
23
de acordo”): “era tudo anarquismo, apenas com o rótulo de PCB” .Também,
pouco depois, fundou-se em São Paulo a Liga Comunista, transformada em 16 de
junho em Partido Comunista. Finalmente, de 21 a 23-06-1919 realizou-se no Rio
de Janeiro a Primeira Conferência Comunista, com 22 delegados representando
grupos de Alagoas, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio
Grande do Sul e São Paulo, para a constituição do Partido Comunista do Brasil,
que foi interrompida pela polícia, o que provocou a realização de seu
encerramento em Niterói. A abertura da Primeira Conferência Comunista do Brasil
foi feita por José Oiticica, que fez um veemente discurso, cujos principais
enfoques foram dados a favor do amor livre e contra o sufrágio universal. O seu
24
programa (também redigido por Oiticica ) “cheirava bastante a anarquismo”,
como relatou Nequete em seu informe acima mencionado, mas, no entanto, em
sua opinião, podia ser considerado “bom, tendo em consideração a fonte donde
proveio”.
Como exemplo do caráter anarquista ressaltado por Nequete, podemos ver
como a questão do sufrágio universal, no programa de “princípios e fins”
aprovado na Conferência do Partido Comunista do Brasil, foi tratada:

“[...] XXXVI - Sendo o sufrágio universal um processo de usurpação política


da democracia, declara-mo-lo prejudicial à renovação humana, repelindo qualquer
25
plano revolucionário baseado nele.”

23
- Manuscrito fragmentário, sem data e nem local, encontrado no Fundo Astrojildo Pereira
(ASMOB), junto a uma série de documentos incompletos ou fragmentários (ARCH A2, 32, p. 19).
24
- Veja sua transcrição em Edgar Rodrigues. Op. cit., p. 237-241.
25
- José Oiticica. Princípios e fins do programa comunista-anarquista. Rio de Janeiro, s.c.p.,
1919, p. 9. O texto de Oiticica foi também publicado em Spartacus. Rio de Janeiro, n º 3, 16-08-1919,
p. 1.
29

Em comícios promovidos pelo Partido Comunista do Brasil, os oradores


pregavam a abstenção eleitoral e afirmavam, mesmo perante personalidades que
entraram em contato com a nova organização, como o deputado Maurício de
Lacerda, que não abriam mão de sua postura abstencionista, para não se
imiscuírem na “politicalha”26.
Mais tarde, Octavio Brandão aportava uma visão mais dura e crítica a
respeito desse partido comunista:

“A organização era frágil. O partido da época – de comunista só tinha o


nome. Era um saco de gatos, um aborto de confusionismo e uma casa de orates;
não valia um caracol. A ideologia anarquista criava uma série de ilusões. O estudo
da situação objetiva, a correlação das forças, as manobras da política proletária, os
avanços e recuos, a ofensiva e a defensiva, a luta legal e a luta ilegal, a luta no
parlamento e a luta extraparlamentar, a combinação desses elementos e de muitos
outros – tudo isso era ignorado ou era feito desordenadamente.”27

Esta aproximação dos anarquistas foi sem dúvida o resultado do entusiasmo


causado pela Revolução Russa e as primeiras medidas do poder soviético -
desapropriação de terras e tomada das fábricas - e a ascensão que o movimento
operário brasileiro então vivia e, particularmente, o produto da falta de maiores
informações sobre o que de fato ocorria na Rússia soviética. Mas, evidentemente,
o que mais chama a atenção aqui é o fato de os anarquistas terem fundado um
partido. O que aparenta ser uma contradição na verdade pode ser entendido, e
aqui o fazemos acompanhando a arguta interpretação de Jacy Alves de Seixas28,
como um fenômeno internacional. Na Europa, nos Estados Unidos e na América
Latina os sindicalistas revolucionários e anarquistas aderiram à Revolução Russa
por compreender os conceitos e as instituições postos por ela em circulação à
moda “sindicalista”, mantendo-se, assim, mais fiéis ao programa sindicalista
revolucionário que ao bolchevismo, apenas agrupando-se sob a forma de um

26
- Ver os seguintes artigos da coluna “Rio Plebeu” publicada em A Plebe: Importante sessão
de propaganda do Partido Comunista do Brasil. Nº 7, 05-04-1919, p. 4 e O Partido Comunista do
Brasil. Mais uma sessão de propaganda. Nº 9, 19-04-1919, p. 4.
27
- Fritz Mayer (pseudônimo de Octavio Brandão). Agrarismo e industrialismo, p. 50.
28
- Jacy Alves de Seixas. Mémoire et oubli. Anarchisme et syndicalisme révolutionnaire au
Brésil: mythe et histoire, p. 246-249.
30

“partido”. Assim, quando os anarcossindicalistas brasileiros do Partido Comunista


do Brasil defendiam a Revolução Russa e o que compreendiam por “ditadura do
proletariado”, enfatizavam a socialização dos meios de produção por meio dos
sindicatos e os elementos propagandísticos próprios da ação direta:

“2º - Socialização de todas as indústrias, agricultura, meios de transporte e de


comunicação, que serão administrados pelas respectivas associações de classe e
dirigidas por profissionais competentes em cada ramo de produção e atividade.
[...]
A ação do Partido consiste na propaganda sistemática por todo o país, do
socialismo integral ou comunismo, e na arregimentação e educação do proletariado
em geral para a conquista dos poderes públicos – único meio pelo qual poderá
29
realizar o seu programa.”

Algum tempo após a criação desse partido - particularmente logo após a


posse de Epitácio Pessoa na Presidência da República (28-07-1919) -, no
entanto, como destacou Nequete em seu informe, ao mesmo tempo em que se
desencadeou uma forte repressão ao movimento operário, com perseguições e
invasões das forças de repressão contra sindicatos, imprensa operária, prisões e
deportações de militantes estrangeiros para a Europa e dos brasileiros para
outros Estados, iniciou-se o que ele chamou de “reação anárquica”, expressão
malevolente sobre a exacerbação do confronto ideológico entre anarquistas e
comunistas. A esta “campanha difamatória” dos anarquistas, Nequete também
responsabilizou a então desorganização do movimento operário brasileiro, do
qual também destacava outra herança acrática e aponta algumas características
da vida política brasileira:

“Outro mal do proletariado brasileiro é o seu afastamento da vida política;


compreende-se: pois à frente de seu movimento sempre teve anarquistas e poucas
vezes alguns politiqueiros da pior espécie. Em sentido político também a própria
burguesia nacional está mal organizada, isto é, não existe em todo o país nenhum
partido político nacional.

29 -
Secretariado do Partido Comunista do Brasil. Partido Comunista do Brasil. Alba Rossa. São
Paulo, nº 11, 03-04-1919, p. 3.
31

Em alguns Estados existem os partidos que governam e as oposições fracas


que não têm importância quase. Uns e outros, porém, estão fora dos moldes das
outras nações que têm vários partidos com programas definidos.”30

Astrojildo Pereira, por sua parte, em seu relato memorialístico acima citado,
situa, ao mesmo tempo em que ocorreu o descenso do movimento de massas, no
ano de 1921, o acirramento de tal confrontação, buscando explicar as “primeiras
restrições à revolução bolchevique” como resultado da influência de periódicos
espanhóis e argentinos sobre “certos meios anarquistas” brasileiros31.
Já de acordo com Nequete, os ataques dos anarquistas ao “bolchevismo” se
deram de modo “sorrateiro”, mas passaram a sê-lo abertamente e ganhando
consistência a partir do 3º Congresso Operário, em abril de 1920, quando os
º
anarquistas passaram a “sabotar toda e qualquer propaganda maximalista”. No 3
Congresso Operário foi aprovada uma moção que elidia a questão da adesão à
IC, mas na qual se declarava a “expectativa simpática em face da 3a.
Internacional de Moscou, cujos princípios gerais correspondem verdadeiramente
às aspirações de liberdade e igualdade dos trabalhadores de todo o mundo” e
chegou a enviar moções de congratulações com a IC 32. Tal moção expressava,
nas entrelinhas, uma reserva, mas não um ataque aberto, o qual efetivamente se
deu em outros momentos do Congresso, quando se discutiram pontos sobre a
organização de um partido operário, onde acabou prevalecendo a postura
antipartidária clássica dos anarquistas e que vinha sendo sucessivamente
º
aprovada desde o 1 Congresso Operário de 1906, e as relações do proletariado e
a Revolução Russa. Neste ponto o texto apresentado pela redação do jornal A
Batalha concluía muito mais enfaticamente que a moção acima mencionada por
Nequete:

30
- Abílio de Nequete. Idem, p. 3.
31
- Manuscrito fragmentário, sem data e nem local, encontrado no Fundo Astrojildo Pereira
(ASMOB), junto a uma série de documentos incompletos ou fragmentários (ARCH A2, 32, p. 22-23).
32
- O operariado do Brasil e a situação internacional proletária. Boletim da Comissão
Executiva do 3º Congresso Operário. Rio de Janeiro, nº 1, ago. 1920, p.15.
32

“Esta é a nossa atitude: defendemos a Revolução Russa, através de tudo e


contra todos; quanto às suas teorias, não as aceitamos em absoluto, e, quanto aos
seus métodos de ação, não os conhecemos tão bem que acerca deles possamos
33
pronunciar-nos com segurança.”

O Partido Comunista anarquista, prosseguiu Nequete, acabou


desaparecendo, por “não ter tido em seu seio nenhum comunista”, embora muitos
de seus aderentes posteriormente acabassem nas fileiras do PCB. Restou,
prossegue o relatório, apenas a União Maximalista que, em meio aos ataques das
“reações burguesa e anárquica”, buscou estabelecer contatos com os grupos
comunistas da Argentina e do Uruguai a fim de obter uma maior aproximação com
a literatura da III Internacional para sua difusão no Brasil. Nesse meio tempo
começaram a surgir outros grupos comunistas pelo Brasil, aos quais a União
Maximalista enviava as publicações e os documentos que recebia do exterior.
Nequete destacava os grupos de Recife e do Rio de Janeiro, sendo que este
sofria, em sua opinião, de “um desconhecimento muito grande de doutrina”34.
Aqui é relevante destacar que, se a primazia histórica da defesa da
necessidade da criação de um partido comunista no Brasil - favorecida pela
proximidade e pelos contatos com os comunistas argentinos uruguaios - coube
indubitavelmente à União Maximalista de Porto Alegre, não é ocioso enfatizar que
a atividade de arregimentação de militantes e de organização que resultou na
efetiva fundação do PCB deve ser creditada substancialmente ao Grupo
Comunista do Rio de Janeiro.
Em um outro relatório enviado ao CEIC logo após a fundação do PCB,
depois de se afirmar que no Brasil a militância mais avançada estava entre os
anarquistas, destaca-se que foi nesse meio que surgiram

33
- O proletariado e a Revolução Russa. Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso
Operário. Rio de Janeiro, nº 1, ago. 1920, p.16.
34
- É importante assinalar uma certa característica pessoal de Nequete no sentido de
menosprezar outras iniciativas que não as suas. Nesse sentido é relevante o depoimento de Octavio
Brandão sobre a personalidade presunçosa de Nequete (cf. John W. Foster Dulles. Anarquistas e
comunistas no Brasil, p. 148-149).
33

“fundas simpatias pela obra do Partido Comunista Russo e da Terceira


Internacional”. Todavia, só lentamente, mercê das lições e experiências da
Revolução Russa e pela leitura direta da literatura bolchevista, foi a ideologia mais
ou menos caótica até então predominante se transformando e se firmando num
35
sentido marxista.”

Em meados de 1921 os novos militantes comunistas do Rio de Janeiro


passaram a dar maior amplitude à sua ação, por meio de reuniões com as
principais lideranças do movimento operário, nas quais se discutiam os mais
relevantes “problemas da Revolução mundial à luz das experiências em curso na
Rússia”, tendo por base “inúmeros documentos”. Após certo tempo passou a
haver uma clara delimitação a respeito e uma definição de parte da militância em
favor dos “bolchevistas”.
Uma célebre passagem do anarquista José Oiticica nos ilustra este
momento:

“Foi quando faliu ‘A Voz do Povo’ [em novembro de 1920, dk] e Astrojildo
com outros promoviam um arrebanho de donativos para os famintos da Rússia.
Todos devem ter ciência, pois o cinema divulgou a tragédia, do que foi essa fome
no país dos sovietes. Numa reunião promovida por Astrojildo na Rua José Maurício
(Sindicato dos Padeiros, se não me falha a memória), Astrojildo, visivelmente
embaraçado, com meias frases, titubeando, expôs-nos a necessidade de acudir ao
povo russo, pois seria ajudar a revolução proletária do mundo. Eu, [João]
Gonçalves, Fábio Luz e outros entreolhamo-nos e não demos trégua a Astrojildo,
demonstrando-lhe que já não nos iludíamos com Lenine, Trotski e quejandos
‘revolucionários’.
Astrojildo não insistiu. Dias depois, entrando eu no mesmo sindicato, vi,
reunidos na saleta de entrada, com Astrojildo à cabeceira da mesa, além deste,
Brandão, [José] Elias, Diniz e mais outro. Astrojildo falava, como sempre,
mansinho. Ao me verem, calaram-se. Foi quando Elias alvitrou: ‘Gildo, não acha
melhor dizer ao Oiticica o que se passa?’. Astrojildo, sem levantar a cabeça de um
papel que segurava, respondeu displicentemente: ‘É..., é melhor!’ E Elias,
voltando-se para mim, na sua linguagem de ex-embarcadiço, proferiu esta frase
expressiva: ‘Oiticica, nós agora é na exata!’ Nada mais disse, porque,
compreendendo tudo, retruquei apenas: ‘Já sei, vocês são bolchevistas!’ Eles
confirmaram e eu retirei-me.
Compreendi a ação subterrânea de Astrojildo. Ele havia, sem me dizer nada,
minado os sindicatos, propagado o vírus da ditadura-do-proletariado e da férrea
disciplina, a ‘exata’ de Elias. Os métodos empregados seriam os constantes das

35
- Abílio de Nequete e Astrojildo Pereira. Relatório dos trabalhos de preparação e realização
do Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro, 29-03-1922 (RGASPI).
34

infamíssimas instruções de Trotski, lidas um dia a mim pelo próprio Astrojildo,


36
ufano de tal mestre.“

37
Com isto, “doze dos camaradas mais esclarecidos” , constatando que os
debates entre os partidários da III Internacional e os anarquistas cristalizaram
ambas posições, indicando a inutilidade do prosseguimento das discussões,
tomaram a iniciativa de fundar o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, em 7 de
novembro de 1921. A partir de então o Grupo passou a entrar em contato com
outros “centros proletários do Brasil” para expor-lhes seu programa e as 21
condições de admissão na IC e também decidiu fundar uma revista em janeiro de
1921, Movimento Communista. Tal ação teve como resultado o surgimento e a
consolidação de grupos comunistas no Recife – fundado em 01-01-1922 -, Juiz de

36
- José Oiticica. Brandão e Gildo!!!. Ação Direta. Rio de Janeiro, nº 115, mar. 1957 In José
Oiticica. Ação Direta. Rio de Janeiro, Germinal, 1970, p. 262.
37
- Eram eles Astrojildo Pereira, Antônio Branco, Antonino de Carvalho, Antônio Cruz
Júnior, Aurélio Durães, Francisco Ferreira de Souza, João Valentim Argolo, José Alves Diniz, Luís
Peres, Manuel Abril, Olgier Lacerda e Sebastião Figueiredo (cf. Moniz Bandeira et alii. O Ano
Vermelho, p. 290). A ação do grupo foi delimitada pelas seguintes “bases de acordo”: “1) Fica
fundado o Grupo Comunista com o fim de defender e propagar, no Brasil, o programa da
Internacional Comunista. 2) os aderentes do Grupo aceitam os princípios, a tática e a disciplina do
mesmo, estabelecido de conformidade com o programa da Internacional Comunista. 3) O Grupo só
aceitará a adesão de pessoas cuja idoneidade constitua suficiente garantia da atuação revolucionária
conforme aos fins do programa comunista. 4) O Grupo institui uma comissão de admissão, de cujo
parecer, baseado no artigo precedente e submetido à sanção da assembléia, depende a adesão de novos
aderentes propostos. 5) poderão ser excluídos do Grupo os aderentes cuja atuação pública ou
particular se mostre contrária aos princípios, à tática e à disciplina do mesmo. 6) A exclusão de
qualquer aderente de conformidade com o art. Precedente só poderá ser deliberada por assembléia, e
quando documentadamente proposta. 7) São válidas somente as assembléias a que compareça um
mínimo de dois terços dos aderentes do Grupo. 8) São válidas e obrigatórias para todos os aderentes
do Grupo as deliberações tomadas por maioria nas assembléias regulares do mesmo. 9) As
assembléias do Grupo se realizam ordinariamente uma vez por mês. 10) A comissão executiva do
Grupo Comunista, eleita anualmente em assembléia, se compõe de nove membros que entre si
distribuem os serviços de secretaria, tesouraria, imprensa, admissão etc. 11) A Comissão Executiva se
reúne ordinariamente uma vez por semana. 12) Todas as publicações do Grupo ficam sob o controle
direto da Comissão Executiva. 13) Fica estabelecida a quota regular de 2$000 mensais por aderente.
As quotas extraordinárias são ocasionalmente estabelecidas. 14) Os aderentes do Grupo Comunista
devem pertencer à organização sindical existente de seu ofício ou indústria. 15) O Grupo Comunista
promoverá a organização de grupos congêneres pelo interior do país, mantendo com os mesmos as
mais estreitas relações, tendentes à formação partidária, no Brasil, de uma seção da Internacional
Comunista. 16) O Grupo manterá as mais estreitas relações com as organizações de outros países
aderentes à Internacional Comunista. 17) Os casos não previstos nestas bases são resolvidos em
assembléia do Grupo.” (Cf. anexo de Abílio de Nequete e Astrojildo Pereira. Relatório dos trabalhos
de preparação e realização do Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro,
29-03-1922 (RGASPI).)
35

Fora, Cruzeiro, Niterói, São Paulo, Santos – ambos no início de março de 1922 - e
outras cidades. Somente no Rio de Janeiro conseguiu reunir “70 aderentes
seguros”, às vésperas do congresso de fundação do PCB.
No processo de delimitação entre anarquistas e comunistas no Brasil, um
peso significativo dele está circunscrito às questões doutrinárias e do próprio
movimento operário brasileiro. No entanto, há um aspecto da conjuntura
internacional que teve um papel importante e que é relevante destacar. A atração
exercida pela Revolução Russa, particularmente sobre a corrente
anarcossindicalista, foi muito vigorosa em uma série de países. Enquanto os
comunistas russos impulsionavam uma política de cisão dentro dos partidos
socialistas para a criação de partidos comunistas, no campo sindical as coisas
aconteceram durante algum tempo de modo diferente, pois os russos recusavam-
se a promover cisões no meio sindical para a constituição de “sindicatos
vermelhos”, o que permitiu e garantiu uma proximidade entre comunistas e
anarquistas. Isto, todavia, durou até julho de 1921, quando aconteceu o
congresso de fundação da Internacional Sindical Vermelha (ISV) em Moscou, no
qual se decidiu privilegiar um estreito contato orgânico entre os movimentos
operários revolucionários, sobretudo a IC e a ISV. Esta decisão foi fatal para o
sucesso da nova internacional sindical, pois a crítica que a partir de então foi
feita, sobretudo pelos anarcossindicalistas, era de que se decidira no congresso
pela subordinação dos sindicatos à IC.
No Brasil, o movimento de distanciamento entre os anarcossindicalistas e a
revolução russa já vinha, como vimos, se dando de algum tempo antes, mas, sem
dúvida, esta decisão do congresso teve muito peso na ruptura: não seria mais
possível conviver com os comunistas como se vinha fazendo até então.
Além disso, é também importante ressaltar que os anarquistas, no instante
em que, passado o entusiasmo inicial com que a Revolução Russa foi recebida no
Brasil, e aqueles que acabaram permanecendo nas fileiras ácratas
compreenderam efetivamente o que ali acontecera, fizeram também questão de
36

destacar que a opção pela via parlamentar feita pelos comunistas era uma das
principais causas de diferenciação entre as duas correntes:

“Por isso, não a hostilizando e prestando-lhe o nosso apoio na sua obra


revolucionária e esperando que a experiência demonstre a necessidade da
modificação de suas bases no sentido federalista-libertário, de forma a poder reunir
todos os elementos revolucionários do mundo, não podemos aceitar a adesão à 3ª
Internacional de Moscou, porque ela é a instituição de uma determinada facção - a
comunista-marxista; porque tem por fim o estabelecimento de uma ditadura;
porque aceita, embora condicionalmente, a ação parlamentar, que a experiência do
passado, e do presente, demonstrou ser danosa para a causa da Revolução
Social; porque não obedece à estrutura federalista, pois estabelece normas
atentatórias desse princípio e que não são necessárias para uma ação conjunta; e,
firmemente, porque pretende estabelecer a dependência da Internacional Sindical
38
à sua direta ingerência.”

Em seu informe ao CEIC, de fevereiro de 1922, Abílio de Nequete chama a


atenção também para as repercussões do debate entre anarquistas e comunistas
no que ele qualificava de meios intelectuais:

“A campanha anárquica contra a Revolução Russa deu como resultado uma


cisão entre os intelectuais, tendo uma parte destes fundado a COLIGAÇÃO
SOCIAL com fins de organizar um partido político do proletariado, ou seja, o partido
comunista. A hostilidade e a inconsistência dos membros da coligação fez tudo
desaparecer em pouco tempo. Os mais decididos membros da ex-coligação
fundaram, há vários meses, o grupo CLARTÉ, no Rio de Janeiro. Estão em
correspondência conosco tanto como estavam quando existia a coligação. Os
camaradas do grupo CLARTÉ padecem, também, pela falta de conhecimentos
doutrinários.”

Em novembro de 1920, os professores e irmãos Álvaro e Luiz Palmeira, o


primeiro diretor e o segundo colaborador do jornal Voz do Povo39, resolveram
tomar a via da criação, por meio de “conferências, congressos regionais e de

38
- Edgard Leuenroth, Rodolpho Felippe, Antonino Domingues, Ricardo Cipolla, Antônio
Cordon Filho, Emílio Martins, João Peres, José Rodrigues e João Penteado. Os anarquistas no
momento presente. Definindo atitudes. Aos anarquistas, aos simpatizantes do ideal libertário, ao
proletariado. A Plebe. São Paulo, n º 177, 18-03-1922, p. 4.
39
- Voz do Povo era sucessore de Spartacus (que circulou de agosto de 1919 a janeiro de 1920)
e órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. Reunia militantes anarquistas e socialistas
e, como seu antecessor, publicava farto noticiário sobre a Rússia Soviética. Circulou de fevereiro a
novembro de 1920.
37

vanguarda” que permitiriam as condições para a realização de um “congresso da


vanguarda social do Brasil”, de um partido político, o qual reunia simpatizantes de
primeiro momento à Revolução Russa no Rio de Janeiro, sobretudo intelectuais e
políticos. Dele se aproximaram nomes como Maurício de Lacerda, os jornalistas
Clodoveu de Oliveira e Francisco Alexandre, o comerciário Ulrich Ávila, o
professor Luiz de Castro, o motorista João Ferreira de Freitas, o tecelão Américo
Falleiro, os advogados Antônio de Moura Castro, Nestor Peixoto de Oliveira e
Nicanor do Nascimento40. Em razão da presença deste último, deputado federal e
candidato à reeleição no pleito de fevereiro de 1921, no Comitê Executivo Central
da Coligação Social, Mâncio Teixeira, diretor de Voz do Povo, afastou-se do
movimento, alegando que aquele não era um “elemento reconhecidamente
honesto e firme nas suas atitudes”, característica essencial a membro de um
41
“organismo de idéias revolucionárias” . Teixeira fundou logo após outro
periódico, Renovação, porta-voz do Grupo Social Renovação, grupo, também de
curta existência, que advogava uma linha eqüidistante entre o anarquismo e as
posições da Coligação Social, além de dizer-se “partidário entusiasta da ditadura
do proletariado”42.
No entanto, outros anarquistas, como o gráfico e jornalista Everardo Dias, e
também colaborador da Voz do Povo, aproximaram-se da Coligação Social,
espelhando a confusão reinante sobre a Revolução Russa nos meios proletários
brasileiros. Atacado pelos anarquistas, Dias reiterou suas convicções acráticas,
mas, ao contrário de muitos de seus críticos, afirmou a importância da Coligação
pelo fato de “agremiar todas as várias tendências em que se subdivide o
socialismo”, e dizia-se “partidário do regime dos sovietes, por ‘julgá-lo um
complemento indispensável do comunismo, um sábio organismo para disciplinar
as massas e orientá-las na sua segura marcha emancipadora’, que propugno pelo

40
- Ver Edgar Rodrigues. Op.cit., p. 363-364.
41
- Mâncio Teixeira. Porque deixei a Coligação Social. A Voz do Povo. Rio de Janeiro, nº 281,
16-11-1920, p. 1.
42
- Nossa Bandeira. Renovação. Rio de Janeiro, nº 1, 16-12-1920, p. 2. Ver também
Renovação. Renovação. Rio de Janeiro, nº 2, 01-01-1921, p. 1 e 4.
38

estabelecimento transitório da ditadura”43. A Coligação Social teve uma curta


existência, servindo apenas para reeleger Nicanor do Nascimento – o qual, aliás,
não assumiu a cadeira, pois, juntamente com Maurício de Lacerda, eleito pelo
Partido Republicano Fluminense, foi “degolado” pela Comissão de Poderes da
Câmara Federal44 -, sem, no entanto constituir-se como partido.
Um grupo de intelectuais do Rio de Janeiro, muitos deles ex-integrantes da
Coligação Social (como, por exemplo, Nicanor do Nascimento, os irmãos
Palmeira, Evaristo de Moraes, Maurício de Lacerda, Agripino Nazareth, Joaquim
Pimenta, Everardo Dias), que tomou o nome de “Clarté” e editou uma revista com
o mesmo nome - inspirando-se diretamente na sua homônima francesa e no
movimento suscitado por Anatole France e Henri Barbusse de criação de uma
“Internacional do Pensamento” para mobilizar os intelectuais contra a guerra -,
manifestou seu apoio à Revolução Russa e, através dos contatos que mantinha
com a União Maximalista, teve acesso a uma série de publicações oriundas do
Argentina e do Uruguai.
Ao grupo “Clarté” juntaram-se muitos dos membros do “Grupo Comunista
Brasileiro Zumbi”, atuante de 1919 a meados de 1920 e que também tinha
contatos com o “Clarté” francês. De modo geral, como ocorrera nas fileiras
operárias, nestes grupos expressava-se também a confusão reinante sobre a
Revolução Russa, com a qual diziam se identificar. Isto está significativamente
expresso no final do apelo dirigido aos intelectuais brasileiros redigido pelo mais
destacado membro do “Zumbi”, o escritor Affonso Schmidt:

“Os intelectuais brasileiros não podem representar a reação, o carrancismo, a


matilha defensora do Ontem perante a invasão luminosa do Amanhã.
Poetas, prosadores, artistas de todo o Brasil, amados peregrinos da mesma
caravana, por Cristo, por Dante, por Comte, por Kardec, por Blawatsky, por Besant,
por Bakunin, sus! Formemos esquadrões! Vibremos nossos clarins! O comunismo
bate às nossas portas!

43
- Carta de Everardo Dias à Redação de A Plebe. Rio de Janeiro, 25-10-1920, In Um partido
político parlamentar com elementos ex-anarquistas. A Plebe. São Paulo, nº 88, 06-11-1920, p. 2.
44
- Assis Brasil. Os escândalos da 1a República. São Paulo, J. Fagundes, 1936, p. 182-184.
39

45
Abramo-las!”

A posterior trajetória do grupo “Clarté” levou parte relevante de seus


membros a afastar-se de suas posições de simpatia à Revolução Russa e a
defender, a partir de posturas reformistas - como o propusera também, como
vimos, a Coligação Social da qual se desligaram -, a criação de um Partido
Socialista, que, como tantos que o antecederam, acabou não vingando. Mais
tarde, no final dos anos 1920, vários de seus membros acabaram aproximando-se
da Aliança Liberal de Getúlio Vargas e, vitoriosa a chamada “Revolução de 30”,
ingressaram na máquina estatal getulista, o que levou Hall e Pinheiro a afirmar
que o “Grupo Clarté” teria sido, na verdade, mais que elemento formador do PCB,
um precursor do Ministério do Trabalho46. No entanto, parte dos membros de
“Clarté”, particularmente os oriundos do “Grupo Comunista Brasileiro Zumbi”,
47
passou a integrar as fileiras do PCB .

SURGE O PARTIDO

Pode-se verificar uma certa divisão de trabalho, certamente involuntária,


entre os grupos comunistas de Porto Alegre e o do Rio de Janeiro: enquanto este
buscava, por dispor de um maior número de militantes e, portanto, uma maior
estrutura material, incentivar o surgimento e agregar grupos comunistas pelo
País, o primeiro se incumbia dos contatos internacionais. Foi por intermédio do

45
- Affonso Schmidt. Op. cit. , p.30. Recorde-se que, naquele momento, a palavra “comunista”
servia para designar, no Brasil, a corrente anarcocomunista, que, como vimos, diferenciava-se da
anarcossindicalista e tinha um caráter mais “ortodoxo”.
46
- Michel M. Hall e Paulo Sérgio Pinheiro. O grupo Clarté no Brasil: da Revolução nos
Espíritos ao Ministério do Trabalho In Antônio Arnoni Prado (org.). Libertários no Brasil. Memória,
lutas, cultura, p. 287. Ver também Ana Paula Palamartchuk. Ser intelectual comunista... Escritores
brasileiros e o comunismo, 1920-1945.
47
- Em uma carta, datada de 16-09-1926, dirigida à Seção de Agit-Prop da CEIC, Astrojildo
Pereira arrola os escritores membros do PCB: Octavio Brandão, Affonso Schmidt, Raymundo Reis,
Laura da Fonseca e Silva e Vicente de Miranda Reis. Com exceção de Laura da Fonseca e Silva,
companheira de Brandão, todos os demais estavam listados entre os membros do Grupo Comunista
Brasileiro Zumbi (cf. a lista de aderentes existente em Affonso Schmidt. Op. cit., p. 28).
40

grupo gaúcho, aliás, que o congresso de fundação do PCB recebeu um decisivo


impulso:

“Em meados de Fevereiro o G[rupo]. C[omunista]. do Rio recebeu uma


importante comunicação do G.C. de Porto Alegre: o secretário deste, o camarada
Abílio de Nequete, fora chamado a Montevidéu pelo Comitê Executivo do P. C. do
Uruguai, avistando-se ali com o camarada Alexandrovsky48, do Bureau da
Internacional Comunista para a propaganda na América do Sul. Dessa entrevista
resultou vir o camarada Nequete ao Rio com instruções no sentido de realizar-se,
com urgência, um congresso dos delegados dos Grupos Comunistas existentes no
país para a definitiva constituição do Partido Comunista do Brasil.
O camarada Nequete chegou ao Rio em 1º de Março corrente conferenciando
na noite desse mesmo dia com a Comissão Executiva do Grupo Comunista.
Decidiu-se então convocar o Congresso para os dias 25, 26 e 27 do mesmo
49
mês.”

E assim se passou. Ressalte-se, também, que a urgência alegada tinha


como fundamento a necessidade do reconhecimento oficial do novo partido pelo
IV Congresso da Internacional Comunista, cuja data de realização, inicialmente
prevista para julho de 1922 e posteriormente adiada, se aproximava e para o qual
era preciso, portanto, enviar um delegado.
Ao final de um processo de cerca de quatro anos de discussões em todo o
País, pode-se dizer que os resultados em termos de adesão foram modestos.
Basta lembrar que os nove delegados presentes ao congresso de fundação do
PCB, realizado no Rio de Janeiro (abertura) e em Niterói, de 25 a 27 de março de
50
1922, representavam cerca de 130 militantes . Outro ponto importante desse

48
- Não foi possível estabelecer a identidade de Alexandrovsky, talvez seja a mesma pessoa
que assina R. Vaterland e envia uma mensagem de saudação ao Congresso de fundação do PCB em
nome do “Bureau da Internacional Comunista para a Propaganda em Sul-América” (cf. Aos
trabalhadores comunistas do Brasil. Movimento Communista. Rio de Janeiro, nº 7, jun. 1922, p. 182-
184).
49
- Abílio de Nequete e Astrojildo Pereira. Relatório dos trabalhos de preparação e realização
do Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro, 29-03-1922, p. 2
(RGASPI).
50
- Em relatório ao CEIC, datado de 01-01-1923, a direção do PCB apresenta o número de
123 militantes (Comissão Central Executiva do PCB. Relatório geral sobre as condições econômicas,
políticas e sociais do Brasil e sobre a situação do P.C. Brasileiro. Rio de Janeiro, 01-10-1923). Em um
relatório anterior (Abílio de Nequete e Astrojildo Pereira. Relatório dos trabalhos de preparação e
realização do Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro, 29-03-1922),
redigido logo após a realização do Congresso de fundação, foi apresentado o número de 165
militantes, mas acreditamos, neste caso, que não se deve desprezar a tendência a inchar estatísticas
41

processo foi a observação feita, na condição de “grupo mais velho e acatado do


país”, pela União Maximalista - que, em fins de 1921, mudara seu nome, como
evidente resultado da ação do Grupo Comunista do Rio de Janeiro, para Grupo
Comunista de Porto Alegre -, sobre a grande dificuldade na difusão das idéias
comunistas:

“Insistimos em dizer que a falta de conhecimentos doutrinários é a trava


principal; e uma vez conseguido este objetivo não faltará apoio, pois a simpatia do
proletariado se demonstra pela contrariedade do proletariado e sua conseqüente
desorganização em resposta a toda e qualquer difamação contra a revolução
51
russa.”

Exemplo disso, entre vários, pode ser dado através das declarações
publicadas de um dos fundadores do PCB que expressam, em março de 1922, no
momento da criação do PCB, a confusão ideológica ainda reinante:

em eventos como congressos, bem como considerar o fato de que o tempo decorrido entre estes dois
relatórios permitiu uma melhor apuração dos dados apresentados pelos delegados durante a fundação.
Além disso, Antônio Bernardo Canellas (Relatório da delegacia à Rússia. Rio de Janeiro, s.c.p., p.
50) apresenta o número de 132 “membros fundadores”, de acordo com dados referente a maio ou
junho de 1922, número este também próximo ao apresentado na avaliação do relatório de outubro de
1923. E, para concluir o quadro de confusão reinante a respeito do número de militantes do grupo
fundador do partido, Astrojildo Pereira, em resposta a um questionário da IC, provavelmente em
fevereiro de 1924, quando de sua chegada à URSS, apresenta o número de 138 camaradas (cf. p. 8).
De acordo com o relatório de março de 1922, os delegados presentes ao Congresso de fundação
do PCB representavam o Partido Comunista do Uruguai, o Bureau da IC para a Propaganda na
América do Sul (ambos por Abílio de Nequete), e os Grupos Comunistas de Porto Alegre (Nequete,
libanês, barbeiro), Recife (Christiano Cordeiro, contador e professor), São Paulo (João da Costa
Pimenta, gráfico), Cruzeiro (Hermogênio Silva, eletricista de ferrovia), Niterói (Astrojildo Pereira,
jornalista) e do Rio de Janeiro (José Elias da Silva, operário da construção civil, Joaquim Barboza de
Souza, alfaiate, Luiz Peres, vassoureiro, e Manoel Cendón, espanhol, alfaiate - este último como
suplente, em razão da ausência de Antônio Gomes Cruz Júnior, comerciário, que estava adoentado).
Deixaram de enviar delegados os Grupos Comunistas de Juiz de Fora e Santos. O relatório de março
de 1922, que totalizou 165 militantes, discriminava os efetivos de cada um dos grupos: Porto Alegre -
15, Recife - 45, São Paulo - 7, Cruzeiro - 13, Rio de Janeiro e Niterói - 70, Santos - 2 e Juiz de Fora -
13. Não foi possível apurar de quais locais se originava a diferença de 42 militantes entre os relatórios
de março de 1922 e de outubro de 1923. Ressalte-se, cotejando-se o relatório de 1922 com o texto
publicado no órgão oficial do PCB sobre o Congresso de fundação, que o número de setenta, que até
agora vinha sendo apresentado como o número inicial de militantes do PCB em todo o País, na
verdade referia-se apenas aos do Rio de Janeiro e Niterói. O artigo, neste ponto, transcreve palavra a
palavra o mesmo parágrafo do relatório enviado ao Comitê Executivo da Internacional Comunista em
1922 (cf. Nosso Congresso. Movimento Communista. Rio de Janeiro, nº 7, jun. 1922, p.178).
51
- Abílio de Nequete e Astrojildo Pereira. Relatório dos trabalhos de preparação e realização
do Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro, 29-03-1922, p. 3
(RGASPI).
42

“Abstraindo do conceito que de mim façam todos os anarquistas havidos e


por haver, eu na minha consciência sinto-me tão anarquista como os que mais o
sejam. Não obstante, estou de acordo com a Terceira Internacional, e, por
conseqüência, com a Ditadura do Proletariado, porque acho que para os efeitos da
realização do ideal anarquista, são necessárias a centralização e a disciplina e não
dispersão e irresponsabilidade. [...] Eu, sendo anarquista, sou aderente e simpático
à Ditadura do Proletariado apenas como um ‘meio’. Assim sendo, não preciso dizer
que nos princípios e finalidades estou plenamente de acordo com todos os
anarquistas, porém, me parece que quanto aos ‘meios’, de dia para dia, a prática e
os fatos nos ensinarão quais são os mais eficazes e seguros.”52

O PCB foi fundado na data deliberada, em uma reunião que apreciou e


aprovou as 21 condições de ingresso na IC, os estatutos do novo partido
(inspirados nos da seção argentina), a eleição da Comissão Central Executiva
(CCE) e a ação “pró-flagelados do Volga”. Dos pontos debatidos na ordem do dia
do Congresso de fundação do PCB o que mais nos interessa fixar aqui é o
relativo à discussão e aprovação das condições de ingresso na IC. Desde fins de
1921, como vimos, o debate sobre estas condições foi um dos principais pontos
em torno dos quais se procedeu à nucleação daqueles que iriam aderir
definitivamente ao comunismo e fundar o PCB. As 21 condições, aprovadas no II
Congresso da IC, em 1920, eram o produto de uma orientação internacional do
movimento comunista no sentido de provocar cisões nas fileiras dos movimentos
operários nacionais para a formação de partidos comunistas. Tal orientação tinha
como pressuposto de que o desencadeamento da revolução socialista,
particularmente na Europa, era questão de meses, daí a necessidade de formar
partidos com lideranças ideologicamente firmes naquele momento53. No
Congresso de fundação do PCB, embora não tenha havido uma transcrição
taquigráfica ou sequer uma ata detalhada dos trabalhos, sabe-se que houve uma
minuciosa discussão, ponto a ponto, das condições de admissão à IC. Dentre
elas, foi debatido o décimo primeiro ponto, que afirmava:

52
- Sebastião Figueiredo. Porque aderi ao Grupo Comunista. Vanguarda. Rio de Janeiro, 09-
03-1922 apud Thomaz Ramos Neto (pseudônimo de Fragmon Carlos Borges). Algumas observações
sobre a fundação do Partido. Estudos. S.l., nº 2, mar. 1971, p. 88.
53
- Pierre Broué. Histoire de l’Internationale communiste, 1919-1943, p. 249-250.
43

“11º - Os partidos desejosos de pertencer à Internacional Comunista têm por


dever proceder a uma revisão na composição de suas facções parlamentares,
afastando os elementos duvidosos, submetê-los, não por palavras, mas de fato, ao
Comitê Central do partido, exigindo de todo deputado comunista a subordinação de
toda sua atividade aos interesses verdadeiros da propaganda revolucionária e da
agitação.”54

Aqui, embora não de modo direto e de maneira mais particularizada, como


na resolução sobre a questão parlamentar também aprovada no II Congresso da
IC, foi a oportunidade pela qual os comunistas brasileiros discutiram a questão da
sua participação nos parlamentos e ficou fixada a importância de sua atuação
neste campo. É muito provável, pelo acesso que tinham à imprensa comunista
internacional, que os fundadores do PCB tivessem conhecimento da resolução
sobre a questão parlamentar, mas, de qualquer modo, através da décima primeira
condição era impossível deixar de se ter conhecimento da questão. Além do mais,
destaque-se, esta condição estava também transcrita na resolução sobre a
questão parlamentar.
Convictos, nos primeiros anos de vida da IC, de que a expansão da
revolução no continente europeu era iminente, os comunistas formularam, durante
o II Congresso da IC, orientações enfocando especificamente a questão do
parlamento, campo privilegiado de atuação dos reformistas. Durante muitos anos
foram elas que pautaram os partidos comunistas em sua atuação no parlamento.
De caráter tático, tais orientações, ao mesmo tempo em que buscavam retomar a
tradição oriunda dos tempos da I Internacional de utilizar os parlamentos
burgueses com fins agitativos, voltavam-se contra o “arrivismo parlamentar, a
corrupção, a traição aberta ou solapada dos interesses primordiais da classe
operária” decorrentes da adaptação dos socialistas à “ação legislativa ‘orgânica’
dos parlamentos burgueses e à importância sempre crescente da luta pela

54
- Internacional Comunista. Condições de admissão aos Partidos na I. C. Vida Nova. Santos,
n º 1, 01-05-1922, p.7.
44

introdução de reformas dentro dos marcos do capitalismo”55. Formuladas dentro


da expectativa de imediata tomada do poder, as orientações da IC davam-se no
sentido de utilização das instituições governamentais burguesas para sua
destruição, pois os comunistas não consideravam o parlamentarismo como uma
das formas da futura sociedade comunista. Assim, tanto campanhas eleitorais
como a própria atuação dos parlamentares se davam no sentido de mobilizar “as
massas sob as consignas da revolução proletária”, estabelecendo as seguintes
diretrizes: os candidatos deveriam ser escolhidos entre operários; cabia ao
Comitê Central dos partidos comunistas controlar a atuação dos parlamentares,
com direito a veto, pois estes eram responsáveis perante o partido e não a massa
anônima que os elegeu; depurar os grupos parlamentares comunistas dos
reformistas ou semi-reformistas; os parlamentares comunistas deveriam unir o
trabalho legal ao ilegal, valendo-se de sua imunidade; a atuação parlamentar
estava subordinada à ação extraparlamentar do partido, devendo suas
proposições legislativas ser utilizadas como instrumento de agitação e
propaganda; sob controle do partido, os parlamentares deveriam buscar relações
com os trabalhadores revolucionários e estar à disposição das organizações
comunistas do país; e, por fim, os parlamentares deveriam fazer uso de uma
linguagem simples e direta, ao mesmo tempo em que usariam da tribuna para
desmascarar a burguesia e seus aliados, propagar as idéias da IC e enfrentar o
capitalismo em todas as suas atitudes56.

55
- El Partido Comunista y el parlamentarismo In Internacional Comunista. Los cuatro
primeros congresos de la Internacional Comunista, p. 173.
56
- Idem. p. 180-182.
45

A visão tradicional de um parlamentar, feita por Di Cavalcanti.


(A Esquerda, BN)

Logo após a fundação do PCB aparecia uma manifestação pública dos


comunistas brasileiros em relação às eleições. Em sua apresentação pública, os
57
comunistas de Santos, que eram muito reduzidos , apresentavam-se como
partidários da IC e afirmavam não ter “a mais leve ligação com qualquer outra
fração política do proletariado local”. O seu jornal, Vida Nova, do qual
encontramos apenas o primeiro número dos três que teriam sido editados em
1922, além de conter matérias dedicadas ao 1º de Maio, sobre a dívida externa
brasileira e de apresentar as “Condições de admissão aos Partidos na I.C.”,
aprovadas no II Congresso da IC, dedicou um texto à questão da participação nas
eleições58. Nele, as eleições no Brasil são classificadas como uma grande
comédia, “um arremedo de consulta à vontade da maioria”, e que são de um
“cinismo revoltante”. Para justificar sua afirmativa apresentam como evidência a
º
eleição presidencial, disputada em 1 de março de 1922 entre Arthur Bernardes e
Nilo Peçanha, vencida pelo primeiro, embora naquele instante ainda não
houvesse sido proclamado o resultado final. Para os comunistas de Santos ambos

57
- Segundo dados oriundos do “Relatório dos trabalhos de preparação e realização do
Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil”, enviado a Moscou e assinado pelo secretário
geral, Abílio de Nequete, e pelo secretário internacional interino, Astrojildo Pereira, datado de 29 de
março de 1922, o núcleo de Santos possuía apenas 2 militantes.
58
- Nós e as eleições. Vida Nova. Santos, nº 1, 01-05-1922, p. 3-4.
46

apresentaram plataformas idênticas e se distinguiam apenas pelo fato de o


primeiro ser um personagem mais apagado, portanto mais conveniente às elites
de vários Estados, e o segundo ser um homem de honestidade duvidosa. Eles
não tinham dúvida alguma que Bernardes seria anunciado como vencedor, pois o
Congresso, “servo fiel do poder”, reconheceria a sua vitória, aludindo, assim, à
chamada “política dos governadores”, que servia para consagrar as candidaturas
do situacionismo. Da narração do que classificam como “nojenta politicalha”
concluem que, apesar de organizados em Partido Comunista, não deveriam os
comunistas enviar representantes ao Parlamento, já que seria “animar com um
pouco de idealismo e sinceridade uma instituição desacreditada”, pois o voto é
uma instituição degradada, sequer levada a sério pelas próprias elites, as quais,
pela “manifesta ignorância e incompetência”, são apontadas como responsáveis
por tal quadro e que transformaram as eleições em um “cadáver putrefato”. E
concluem os comunistas de Santos afirmando, em tom de bravata, que se um dia
o PCB precisar de deputados, os comunistas os comprarão, mas “elegê-los,
nunca”.
Embora, como afirme Fernando Teixeira da Silva59, não houvesse em
Santos, ao contrário do que ocorrera em outros locais, a ocorrência de militantes
comunistas egressos do anarquismo, é impossível não ver na argumentação
desenvolvida e no vocabulário empregado no artigo de Vida Nova relações com
posições muito assemelhadas às dos anarquistas quando o tema era relativo a
eleições. Ainda que não as mencionem explicitamente, percebe-se, nas
entrelinhas, que os comunistas de Santos tinham conhecimento das decisões do
60
II Congresso da IC sobre a questão parlamentar . Além disso, como vimos,

59
- Fernando Teixeira da Silva. Operários sem patrões: da Barcelona à Moscou brasileira
(Trabalho e movimento operário em Santos no entreguerras), p. 383.
60
- Em uma carta enviada pelo então encarregado da Comissão de Educação e Cultura,
Octavio Brandão, ao responsável da Seção de Agitação e Propaganda da IC, Bela Kun, datada de
18/11/1924, é traçado um quadro da literatura da IC à qual os comunistas brasileiros tinham então
acesso. Fixando-nos apenas em nosso objeto, Brandão informa que “a vanguarda do partido” conhecia
“A moléstia infantil”, de Lenin, cujas obras eram lidas no Brasil em francês e, principalmente, em
espanhol. Além disso, destaca que, entre a bibliografia utilizada nos cursos ministrados pelo PCB aos
seus militantes estavam as teses e resoluções da III Internacional, as quais (dos três primeiros
congressos) são pedidas a Bela Kun, “pois a polícia no-las carregou”. Especificamente do II
47

publicaram no mesmo número as “21 Condições”, aprovadas no mesmo


congresso. O conhecimento da resolução sobre o parlamentarismo é perceptível
quando afirmam que, “apesar da organização” do partido, não devem enviar
representantes ao Parlamento, com a “missão de sabotar essa casa legislativa”.
Portanto, está claro que sabem que há uma diretiva da IC em relação a isso
voltada para todos os partidos. Logo em seguida, como uma maneira de justificar
sua opinião perante a IC, afirmam que esta dá às suas seções o direito de “agir
de acordo com o ambiente de cada país”, ou seja, já que as eleições são “de um
cinismo revoltante”, “embuste grosseiro”, “pilhéria periódica”, “instituição
inteiramente desacreditada”, “cadáver putrefato” etc., nada mais lógico que não
“emprestar o prestígio da nossa vontade” e, portanto, estava mais do que
justificada a ausência dos comunistas.
Outro testemunho sobre essa disseminação das posições anarquistas com
relação às eleições nas fileiras comunistas nos é deixado pelo delegado enviado
pelo PCB para representá-lo no IV Congresso da IC, Antônio Bernardo Canellas
de Oliveira. Enquanto aguardava o início dos trabalhos, pois o Congresso fora
adiado, ficou em Moscou e produziu uma série de textos sobre o Brasil, todos
escritos em francês61. Em um deles62, seu autor busca explicar à direção da IC as
características da vida política brasileira. Depois de esclarecer sobre o
funcionamento da “política dos governadores”, do “caciquismo” e do messianismo
do povo brasileiro (onde exemplifica com Canudos), Canellas afirmava que a
participação das massas operárias na vida política do Brasil era nula. A
explicação para isso viria do fato de elas tomarem parte freqüentemente de
movimentos políticos que eram mais a expressão de um individualismo burguês
que, por um acaso, conseguia ser a expressão de alguma aspiração popular. Mas

Congresso, sabemos que houve duas edições em francês – não há referências às em espanhol -
editadas em 1920 - uma em Petrogrado e outra em Paris - que continham suas resoluções (cf. Vilém
Kahan. Bibliography of the Communist International (1919-1979). Vol. 1. Leiden, E. J. Brill, 1990,
p. 115), uma das quais provavelmente o PCB teve acesso.
61
- Para maiores detalhes sobre a participação de A. B. Canellas no IV Congresso e a polêmica
decorrente de sua atuação ver Edgard Carone. Uma polêmica nos primórdios do PCB: o incidente
Canellas e Astrojildo (1923). Memória & História. São Paulo, n. 1, 1981, p. 15-36.
48

as massas jamais se organizaram em um partido e nunca teria havido um


representante operário apresentado e eleito pelos trabalhadores. Isto porque os
operários dos Estados mais avançados foram organizados dentro dos princípios
do sindicalismo revolucionário e do antiparlamentarismo e nos pequenos Estados
a classe operária não era numerosa, pouco se manifestando a luta de classes.
Isto fazia com que estes se deixassem levar por arrivistas e os primeiros se
desinteressassem da vida política do País. Canellas afirmou que isto foi resultado
de uma tática aplicada durante decênios, pela qual os anarquistas, para afastar
os operários das tentações dos políticos, condenaram em bloco toda a política:
“Contraria, contraris curantur” (curar um mal com seu extremo oposto). Desse
modo, na opinião de Canellas, de um lado, a tática parlamentar somente serviria
para dar prestígio aos anarquistas, pois os comunistas se chocariam
violentamente com uma opinião formada muito forte, e, de outro, aplicar a tática
parlamentarista nos Estados menores faria com que os operários, com um fraco
espírito de classe, caíssem sob o domínio de políticos burgueses. Diante deste
quadro, ele fazia uma curiosa proposta: os comunistas encontrariam um terreno
propício se participassem prioritariamente das eleições presidenciais dos Estados
(para governadores, em termos atuais), pois nelas toda a sociedade, desde as
pequenas cidades até as grandes, acabava se envolvendo, o que permitia um
terreno favorável a toda propaganda e também permitindo golpes de audácia ou,
pelo menos, sondagens. Com isso, conclui de maneira evidentemente irreal, sem
a necessidade de perder seu tempo com eleições parlamentares, talvez fosse
possível aos comunistas brasileiros conquistar o governo de um Estado e fazer
com que o PCB passasse a ter peso na vida política do País.
Em um relatório de autoria de Astrojildo Pereira e enviado à IC pelo PCB
também é reiterada a influência anarquista na questão da participação eleitoral:

“O proletariado nunca teve representantes seus de classe nos corpos


legislativos. Os revolucionários, sob a influência exclusiva do anarquismo, foram
sempre, até aqui, abstencionistas. A massa não revolucionária, ou vota nos

62
- Antônio Bernardo Canellas. Quelques aspects de la vie politique au Brésil. Moscou, 09-10-
1922 (RGASPI).
49

candidatos da burguesia, ou abstém-se por indiferença. De resto, a abstenção


eleitoral é coisa geral, mesmo entre a burguesia. Basta dizer que os alistamentos
de eleitores efetivos jamais atingiram a casa do milhão. Por outro lado, entre os
63
votantes, a corrupção e a venalidade constituem a regra...”

Enfim, é lícito supor-se que, mesmo cientes da existência de um


posicionamento categórico da IC com relação à participação dos comunistas no
processo eleitoral e nos parlamentos, havia uma resistência, decorrente da
formação anarquista de grande parte dos militantes que compuseram o núcleo
inicial do PCB, a atuar neste campo. Naquele momento, a questão parlamentar
somente deixou este traço dos comunistas de Santos e este tema não pôde ser
mais abordado em razão da eclosão da revolta de 5 de julho de 1922, quando o
governo decretou estado de sítio e o PCB teve sua sede invadida e fechada pela
polícia, além da prisão de vários militantes e do confisco de seus arquivos e da
sua documentação. Assim, o PCB acabou posto na ilegalidade.

O PCB E A CSCB

Quase um ano depois, no primeiro semestre de 1923 foi que o PCB saiu
lentamente da clandestinidade por meio da implementação de uma política de
frente única com a Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira (CSCB)64.
Até então, os esforços do partido deram-se mais em um sentido restrito de
doutrinação e formação de quadros, como afirmava seu secretário de relações
internacionais à IC:

63
- PCB. Relatório geral sobre as condições econômicas, políticas e sociais do Brasil e sobre a
situação do P.C. brasileiro. Rio de Janeiro, 01-10-1923, p. 2 (RGASPI).
64
- A criação da CSCB foi antecedida pela da Federação Sindicalista-Cooperativista Brasileira
(FSCB), surgida em 1919, como nos relata Cláudio Batalha: “Todavia, esta federação não parece ter
se organizado antes de 1920, quando a encontramos entre os participantes da inauguração do
Sindicato Central Ferroviário. A FSCB aí esteve representada pelo professor socialista Tertuliano
Toledo de Loyola, que foi membro das direções dos partidos socialistas de 1902 e de 1919 e um dos
participantes do Congresso Humanista de 1906. Ainda em 1920, a FSCB obteve do parlamento uma
lei que fixava uma ajuda financeira do Estado às organizações que seguiam os princípios do
sindicalismo-cooperativista. Pouco depois, a FSCB cessou de existir.” (Cláudio Henrique de Moraes
Batalha. Le syndicalisme “amarelo” à Rio de Janeiro (1906-1930), p. 322).
50

“Em parte são justas vossas críticas à nossa revista [o autor refere-se a
Movimento Communista, então órgão oficial do PCB , dk]. Entretanto, temos a dizer
que é preciso criar em primeiro lugar um bloco, um núcleo de bons comunistas,
conhecendo mais ou menos a teoria marxista, que até então era desconhecida no
Brasil. Tal foi a obra de nossa revista: criar dirigentes, militantes. Como ir às
massas, sem ter criado militantes? Estes existem no Brasil, mas anarquistas. Os
primeiros proletários aderentes ao P.C.B. devem-se a Movimento Communista.
Quando o estado de sítio for suspenso, faremos nossa revista quinzenal; então a
primeira parte do trabalho de educação estará terminado. Vosso desejo será
realizado. Até o final do estado de sítio apenas podemos escrever nos jornais
proletários. Não podemos enfrentar a polícia e o melhor que podemos fazer é
ficarmos submersos, fazer um trabalho de sapa.
Ir às massas! Este será o trabalho de 1924. Estudar o marxismo e a
Revolução Russa! Este foi o trabalho de 1921 e 1922. Suportar a reação, viver,
fazer reuniões, apesar da perseguição! Eis o trabalho de 1923.”65

No bojo dessa aliança com a CSCB foi tratada a questão da “ação político-
parlamentar”. No entanto, antes de examiná-la, é importante lançarmos nossa
atenção à CSCB.
Fundada em 26 de março de 1921, a CSCB teve como seu presidente e
principal ideólogo o funcionário do ministério da Agricultura Custódio Alfredo
Sarandy Raposo, que, afirmando-se como um discípulo do economista francês
Charles Gide e do também francês e teórico do socialismo Charles Fourier, desde
1905, vinha difundindo entre associações operárias do Rio de Janeiro as bases
sobre as quais se assentava o organismo66. Fundamentalmente a CSCB
advogava, por meio dos sindicatos e das cooperativas, uma transformação social
evolutiva, dentro da ordem política e do progresso econômico. Os sindicatos eram
vistos como instituições das quais se se serviriam os trabalhadores a fim de se
buscar um acordo harmônico e eqüitativo entre capital e trabalho, processando-

65
- Carta de Octavio Brandão a Otto Wilhelm Kuusinen. Rio de Janeiro, 27-08-1923, p. 4-5
(RGASPI).
66
- Elas podem ser vistas mais detalhadamente na obra de C. A. Sarandy Raposo, Teoria e
prática da cooperação (Da cooperação em geral e especificamente no Brasil). Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1912. Note-se que esta publicação tem um caráter oficial, pois apareceu como
anexo do relatório do Ministro da Agricultura, Pedro de Toledo, ao Presidente da República, Hermes
da Fonseca, referente ao ano de 1911. Para maiores detalhes sobre a CSCB e Sarandy Raposo ver
Maria do Rosário da Cunha Peixoto. O trem da História e Angela de Castro Gomes. A invenção do
trabalhismo, p. 156-168.
51

se, por sua vez, a passagem gradual dos meios de produção e distribuição para
as cooperativas, que operacionalizariam, assim, a transformação do capital
individual em coletivo, tudo isto sob a “assistência imparcial do Estado”. Como
observa Angela de Castro Gomes:

“Tratava-se de um projeto nacionalista por excelência, que afastava


nitidamente os trabalhadores da arena política, rejeitando partidos e eleições, mas
aceitando uma pressão de tipo corporativo – feita pelos sindicatos e cooperativas –
na defesa, por exemplo, da legislação social. O projeto era francamente sindicalista
e antipartidário, mas inteiramente distinto do anarquista. A cidadania, deslocada da
arena política, assumia um corte de inspiração positivista e realizava-se pela
‘incorporação estadista’, ou seja, pelo reconhecimento dos direitos sociais e da
participação nos ganhos econômicos advindos do trabalho.”67

O aparecimento da CSCB ocorreu durante o quatriênio presidencial de


Epitácio Pessoa e o prosseguimento de sua atuação no de Arthur Bernardes. As
teorias cooperativistas de Sarandy Raposo obtiveram o apoio de ambos os
governos, bem como lhe foram atribuídas incumbências no sentido de coordenar
a organização de feiras livres e de realizar a propaganda e a organização de
sindicatos e cooperativas.
A CSCB encontrava-se, enfim, no campo daquilo que ficou conhecido como
sindicalismo “amarelo” ou reformista:

“Antes de mais nada, ele não representa uma corrente política determinada,
mas um conjunto de correntes ideológicas – muitas vezes adversárias umas das
outras -, sustentando uma prática sindical, ou melhor, uma série de práticas
sindicais idênticas ou muito semelhantes. Podem ser consideradas como
expressões do reformismo associações operárias de um espectro ideológico
bastante diversificado, que vão desde o socialismo reformista ao mais estreito
tradeunionismo, passando por correntes que se arvoram republicanas sociais ou
cooperativistas. Essas diversas correntes reformistas, que não alcançam uma
unidade, nem no tempo, nem no espaço, têm em comum concepções sindicais
marcadas por uma visão da greve como o ‘último recurso’; por buscar consolidar as
conquistas trabalhistas através de medidas legais; por apelar para os serviços de
intermediários (advogados, políticos, representantes dos poderes públicos); por
sustentar a idéia de sindicatos fortes e ricos, recorrendo à beneficência como
forma de assegurar o número de associados e a entrada de recursos; e por tentar
conquistas espaços de participação institucional lançando candidatos próprios nas

67
- Angela de Castro Gomes. Op. cit., p. 161.
52

eleições parlamentares ou apoiando candidatos que se comprometessem com a


defesa de seus interesses.”68

Durante este período, o Congresso Nacional debatera e aprovara algumas


poucas leis relativas à chamada “questão social”: acidentes do trabalho (1919),
caixas de aposentadorias e pensões dos ferroviários (1923), criação do Conselho
Nacional do Trabalho. Esta legislação foi assim interpretada pelos comunistas:

“Para os governantes do Brasil a ‘questão social’ é uma ‘questão policial’.


Esta é a opinião expressa em documento oficial por um dos estadistas de maior
tomo na política do país. Um outro dos nossos homens de estado mais em
destaque, o ex-presidente Epitácio Pessoa, é ainda mais peremptório: para ele ‘a
questão social não existe no Brasil’... Com essa mentalidade dominante nos meios
dirigentes da política burguesa, fácil é de compreender o caráter profundamente
retrógrado e reacionário da legislação brasileira no que respeita às questões do
trabalho. Aliás, a legislação especial sobre o assunto é pouco menos que nula – o
que de algum modo não deixa de ser uma vantagem...”69

Também é desta época, de 1921, uma lei de auxílio às cooperativas de


consumo e que ficara pendente de regulamentação por parte do Conselho
Nacional do Trabalho e que foi objeto de especial atenção por parte dos
sindicalistas-cooperativistas.
Esta ligação entre o governo e a CSCB era uma via de mão dupla: servia, de
um lado, aos propósitos do governo, que buscava formas de neutralização do
movimento operário e de controle sobre a mão-de-obra, e, de outro, ao
sindicalismo-cooperativista, que enxergava nesta aproximação do governo, além
de uma adesão do Estado às teorias preconizadas por Raposo, possibilidades de
expansão de sua influência e crescimento de suas organizações.
Esta ligação recebeu um incremento quando o jornal carioca O Paiz,
considerado uma espécie de órgão oficioso do governo, reabriu em suas páginas

68
- Claudio Henrique de Moraes Batalha. Uma outra consciência de classe? O sindicalismo
reformista na Primeira República In Anpocs. Ciências Sociais Hoje, 1990, p. 120-121.
69
- Astrojildo Pereira. Relatório geral sobre as condições econômicas, políticas e sociais do
Brasil e sobre a situação do P.C. Brasileiro ao Comitê Executivo da I.C. Rio de Janeiro, 01-10-1923,
p. 5 (RGASPI).
53

a seção dedicada ao movimento operário, fechada desde 1914, e ofereceu sua


direção a Sarandy Raposo e à CSCB.
Estas “seções operárias”, surgidas na imprensa em 1913, foram assim
interpretadas à sua época:

“Este fato, que supomos único no mundo, assim se explica: em primeiro


lugar, pela força quantitativa do proletariado; em segundo lugar, ao mesmo tempo
pela pouca desenvolvida consciência de classe da própria burguesia nacional
incipiente e pelo instinto de classe que leva essa burguesia a procurar desviar o
proletariado do caminho revolucionário; em terceiro, motivo financeiro, pela caça
aos níqueis dos leitores operários. É de notar que tais seções operárias em alguns
jornais são dirigidas por militantes anarquistas, e todas elas são abertas à
colaboração operária em geral, acolhendo em suas colunas, com igual indiferença,
a verbiagem anarquista a mais vermelha e o tímido comentário do trabalhador mais
inconsciente, religioso, patriota e ‘ordeiro’. Resulta daí uma verdadeira salada, uma
inacreditável sementeira de confusionismos, cuja nefasta influência bem fácil é de
calcular. Por vezes, no entanto, nós comunistas nos vimos forçados a servir-nos
dessas ‘seções operárias’ para fazer ouvida nossa voz. É por exemplo o caso
presente, quando não possuímos publicação própria e quando o estado de sítio
nos amordaça.“70

A seção coordenada por Raposo recebeu o nome de “No Meio Operário” e


começou a ser publicada a partir de 15 de fevereiro de 1923. Nela, dava-se vazão
às teorizações de Raposo, do noticiário referente à CSCB e das organizações a
ela filiadas. Ali também a CSCB apresentou a visão que possuía em relação aos
anarquistas e comunistas (estes, aliás, eram também chamados pelos
sindicalistas-cooperativistas de “néo-comunistas” em razão da antiga
denominação de comunista dada aos anarquistas), para diferenciar-se das
principais correntes revolucionárias existentes e, evidentemente, com o intuito de
conseguir obter para si mais penetração e adesão na classe operária. Em relação
ao anarquismo, que julgavam ser seu “inimigo irreconciliável”, os sindicalistas-
cooperativistas, dada a ênfase que davam à questão dos sindicatos, procuravam
demarcar as diferenças entre a “ação harmoniosa” que propunham e os métodos
de expropriação da propriedade através da ação direta, afirmando que estes
caíram em descrença, em alusão às fracassadas tentativas insurrecionais de fins

70
- Astrojildo Pereira. Op. cit., p. 10-11.
54

da década de 191071. Já com respeito aos comunistas, a CSCB acreditava que


estes acabariam engolfando o anarquismo e os via como mais próximos de sua
doutrina:

“Como dissidência do anarquismo, avesso a toda forma diretora, tem se


limitado a instruir as classes trabalhadoras e a despertar nelas o sentimento
revolucionário, preconizando a ditadura proletária, sempre voltada para uma ou
várias horas de ‘oportunidade’ aplicadora da ação direta.
Devemos ressaltar, porém, que os comunistas apresentam, em suas atitudes
e seus atos, judiciosas tendências para a prática do cooperativismo e até da ação
parlamentar, tendências estas que as aproximam do reconhecimento da eficiência
sindicalista-cooperativista.”72

Os comunistas, por sua vez, quando do aparecimento de “No Meio


Operário”, avaliaram que a atuação da CSCB, expressa por aquela página, estava
apenas destinada às “generalidades verbais, visando ao congraçamento do
capital e do trabalho. Parlenda absolutamente vazia e vaga, mas grandiloqüente,
como convém aos fins específicos de engazopar os ingênuos”. O que o PCB
enxergava por trás disso era que o governo, além de buscar a criação de uma
base de apoio entre os trabalhadores, pretendia conservar as entidades sindicais
sob sua tutela e isolá-las das influências revolucionárias73.
O que parecia indicar ao menos um certo distanciamento entre as duas
correntes, repentinamente mudou de figura. Em 7 de maio de 1923, Sarandy
Raposo apresentou um pedido de renúncia à presidência da CSCB, não deixando
claras as motivações do seu ato. Alguns dias depois, embora sem detalhes, as
causas surgiram. Seu esclarecimento deu-se por meio de um argumento que
apresentava um certo aspecto de chantagem, no qual se desenvolvia a explicação
de que o crescimento da penetração das idéias comunistas entre os

71
- No Meio Operário: A Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira e a renúncia do
Sr. Sarandy Raposo. O Paiz. Rio de Janeiro, 13-5-1923, p. 9.
72
- No Meio Operário: O sindicalismo-cooperativista, o comunismo e o sindicalismo
revolucionário ou anarquismo são as três correntes político-sociais que orientam atualmente o
operariado. O Paiz. Rio de Janeiro, 07-10-1923, p. 9.
73
- Astrojildo Pereira. Manobras suspeitas. Movimento Communista. Rio de Janeiro, nº 18-19,
10/25-03-1923, p. 84.
55

trabalhadores era decorrência da falta de apoio, aparentemente material e


financeiro, do governo à iniciativa da CSCB:

“No entanto, O PAIZ, que instituiu esta seção com os mais alevantados
sentimentos patrióticos, sente-se na obrigação de afirmar lealmente que essa nova
e formidável organização político-social [o PCB, dk] tem encontrado os melhores
elementos de propaganda nos sucessivos erros legislativos e administrativos,
principalmente administrativos, ou mais objetivamente, no constante desprestígio
ao programa oficial sindicalista-cooperativista, quer por deficiência psicológica de
uma vasta seriação de administradores que têm estado à frente dos
departamentos encarregados das questões do trabalho, quer pela subalternização
desses mesmos administradores às sugestões de individualidades ignorantes das
questões sociais e possuídas por odiosidades contra indivíduos que,
reveladamente patriotas, têm sabido doutrinar, organizar e apostolar, em prol dos
mais eminentes interesses pátrios, a perfeita sistematização sindicalista-
cooperativista, buscada sob profundos ensinamentos psicológicos e verdadeiras
inspirações filosóficas, à letra apagada e confusa, às vezes inconscientemente
contraditória, dos decretos legislativos referentes aos sindicatos agrícolas e
profissionais e às instituições cooperativas.”74

Embora tenha reconsiderado seu gesto e reassumido seu cargo, por pressão
dos filiados da CSCB, o fato é que algum tempo depois Sarandy Raposo
pessoalmente procurou o PCB para propor um entendimento e uma ação comuns
75
e oferecer-lhe espaço na coluna “No Meio Operário” . Para tal aliança a CSCB
apontava as seguintes vantagens mútuas:

“A primeira resultante moral será o urgente descrédito dos falsos ‘leaders’, o


que já será um passo enorme; a segunda será a definição pública dos programas;
e a terceira será o benéfico entendimento em torno de um programa mínimo,
médio, máximo, ou misto, no entanto com possibilidade para o inadiável
estabelecimento da comunhão dos espoliados e a reclamada formação da ‘frente
única’.”76

74
- No Meio Operário: A Confederação Sindicalista-Cooperativista e a renúncia do Sr.
Sarandy Raposo. O Paiz. Rio de Janeiro, 13-05-1923, p. 9.
75
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 254. Brandão comete um
pequeno equívoco em estabelecer que tal contato se dera na segunda metade do ano de 1923. Ver
também Astrojildo Pereira. Relatório geral sobre as condições econômicas, políticas e sociais do
Brasil e sobre a situação do P.C. Brasileiro ao Comitê Executivo da I.C., p. 9 (RGASPI) e Astrojildo
Pereira. Relatório trimestral do P.C. Brasileiro ao Executivo da I.C. Rio de Janeiro, 06-01-1924
(RGASPI).
56

Sobre este gesto, da parte de Raposo, não existem documentadas suas


exatas motivações, apenas podendo-se especular se ele seria mais uma forma de
pressão para a obtenção dos pleitos da CSCB junto ao governo ou, então, se isto
não era uma manobra audaciosa no sentido de tentar conquistar para o
sindicalismo-cooperativista adesão dos comunistas ou, mais, sua neutralização.
Recorde-se que desde julho de 1922 o País vivia sob estado de sítio, o que
permite supor que o governo, particularmente no que se refere à utilização das
páginas de O Paiz, se não teve a idéia, no mínimo permitiu que se fizesse tal
proposta aos comunistas. Ou, quem sabe, ainda, se a proposta de Raposo não
era resultado de uma combinação destas hipóteses.
Os comunistas, à época, avançaram, por sua vez, as seguintes hipóteses
para o ato de Raposo:

“Explicação de ordem geral: O movimento, já observado internacionalmente,


de uma cada vez mais acentuada tendência para a esquerda nas camadas
operárias ainda em mãos do reformismo. Explicação de ordem particular: o que
poderemos chamar ‘a inconsciência anti-revolucionária” do chefe da C.S.C.B. Quer
dizer: por um lado, as massas organizadas da C.S.C.B. desenganando-se
insensivelmente dos métodos colaboracionistas adotados em seu programa
procuram, pelo órgão refletor de seu chefe, um outro caminho; e vemos, por outro
lado, este último, que não é um anticomunista ‘convicto’, mas apenas ‘inconsciente’
ou ‘insciente’ acedendo facilmente a uma tal pressão elementar. Tudo isso,
contudo, não exclui a provável intenção intimamente visada pelo presidente da
C.S.C.B.: a absorção dos comunistas. Ele diz possuir tropas (e é verdade) e
precisar de generais para suas tropas e que nós os militantes comunistas somos
os generais que ele precisa. Concordamos quase plenamente, isto é, com esta
diferença: que nós é que precisamos de tropas organizadas e a C.S.C.B. as tem.
Não é o P.C. que deve servir à C.S.C.B., mas, pelo contrário, a C.S.C.B. é que
deve servir ao P.C., o que vale dizer: à obra, necessariamente comunista, de
emancipação integral dos trabalhadores.”77

Da parte dos comunistas, no entanto, vê-se que a motivação já era mais


clara. Nesta oferta, quando sua frente de ação e debate circunscrevia-se
praticamente aos meios anarquistas, estavam inseridas possibilidades de

76
- No Meio Operário: Impõe-se aos “leaders” trabalhistas um gesto de honestidade edificante.
O Paiz. Rio de Janeiro, 19-06-1923, p. 6.
77
- Astrojildo Pereira. Relatório trimestral do P.C. Brasileiro ao Executivo da I.C. Rio de
Janeiro, 06-01-1924, p. 2-3 (RGASPI).
57

penetração e difusão das idéias comunistas em setores da classe operária


brasileira que, naquela ocasião, os militantes do PCB tinham pouco ou nenhum
acesso. Um deles, enfatizado por Astrojildo Pereira, era o dos pequenos
camponeses do Sul do País78. Além disso, as possibilidades de difusão dos
pontos de vista do comunismo no Brasil ampliavam-se mais ainda pelo uso das
páginas de O Paiz. Quando o PCB informou ao CEIC sobre a proposta, ele o fez
chamando a atenção para a dimensão e a extensão da audiência que se
apresentavam ao partido, embutidas na oferta de Raposo:

“A Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira foi constituída em


março de 1921, sob a chefia de um intelectual pequeno-burguês, funcionário do
Estado e antigo propagandista do cooperativismo, o Sr. Sarandy Raposo.
Organização mista – ‘operária, agrária, industrial, capitalista, político-social’ -,
orientada para o terreno da colaboração e classe, a C.S.C.B. agrupa em seu seio
uma grande quantidade de sindicatos profissionais, uniões mistas e cooperativas
de consumo, crédito e produção (agrária), ganhando grande incremento durante os
últimos anos, principalmente entre as camadas mais atrasadas de operários fabris,
do Estado e agrários, e isso por todo o País. Alguns algarismos sobre sua situação
atual demonstrarão a importância dessa organização.
Existem filiadas à C.S.C.B. 122 organizações (sindicatos profissionais, uniões
mistas e cooperativas) operárias e agrárias, localizadas principalmente no Rio de
Janeiro, Minas, S. Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Efetivos globais:
cerca de 140.000 operários e camponeses. Movimento comercial das cooperativas
de consumo em 1922, em números redondos 8:000 contos de réis. Movimento das
cooperativas de crédito, no mesmo ano: 3:000 contos de réis. Os serviços de
mutualidade dos diversos organismos confederados montaram a cerca de 5:000
contos de réis.
Embora se achem a ela filiados – na verdade mais formalmente do que
ativamente – várias organizações patronais e capitalistas e simplesmente
patrióticas, o que é certo é que a C.S.C.B. tem organizada em seu seio uma
considerável massa operária, e sua influência se estende dia a dia. Ultimamente se
tem acentuado, em sua direção, um certo movimento para a esquerda, tendo
mesmo seu chefe procurado aproximar-se dos comunistas.” 79

Evidentemente, era uma oferta surpreendente que os comunistas não


podiam recusar, mas para a qual era preciso ter uma direção firme a fim de que
as coisas não desandassem. De certo modo, o rumo que o PCB resolvera tomar

78
- Astrojildo Pereira. Tableau general. Moscou, [fev.] 1924, p. 14 (RGASPI).
79
- Astrojildo Pereira. Relatório geral sobre as condições econômicas, políticas e sociais do
Brasil e sobre a situação do P.C. Brasileiro ao Comitê Executivo da I.C., p. 9 (RGASPI).
58

imediatamente após sua fundação, o de atuar com ênfase no campo sindical – um


caminho de certo modo natural para um partido que se dizia de trabalhadores,
pois no meio sindical, por abrigar agrupamentos orgânicos de trabalhadores, já
havia certa consciência de classe e sentimentos de solidariedade desenvolvidos80
-, recebia, inesperadamente, um importante reforço.
Além disso, do ponto de vista da política sustentada internacionalmente pela
IC naquele momento, duas questões reforçaram a atração pela proposta da
CSCB: a frente única proletária e o cooperativismo. Sobre este último ponto, nos
III e IV Congressos da IC, realizados em 1921 e 1922, respectivamente, foram
aprovadas teses e resoluções sobre o tema, nas quais se enfatizava a
participação dos comunistas no movimento cooperativo. Ao mesmo tempo, se tal
conjunto de documentos reiterava o caráter reformista das cooperativas, por
pregarem a neutralidade política e a idéia de que se poderia, gradualmente, sem
passar pela ditadura do proletariado, chegar ao “socialismo”, ele propunha que os
militantes da IC deveriam propagar as idéias comunistas dentro do movimento
cooperativo e fazer da cooperação um instrumento da luta de classe pela
81
revolução .
Mas, sem dúvida, o principal ponto era o da frente única proletária. Esta foi
uma tática de características aparentemente defensivas desenvolvida pela IC,
que, modificando seu diagnóstico das perspectivas de revolução mundial imediata
- que passava de meses para anos -, tinha como pressupostos o refluxo quase
que generalizado dos movimentos revolucionários; a ofensiva capitalista contra o
nível de vida das massas e suas conquistas políticas e sindicais; a percepção da
divisão da classe operária em partidos que se antagonizavam; e a constatação de
que os trabalhadores ainda se referenciavam nos partidos social-democratas, os
chamados partidos reformistas. Frente a tal quadro, os comunistas chegaram à

80
- Astrojildo Pereira. A reorganização sindical. O Internacional. São Paulo, nº 31, 01-06-
1922, p. 1-2.
81
- Tesis sobre la acción de los comunistas en las cooperativas; Resolución del III Congreso de
la Internacional Comunista sobre la acción en las cooperativas; Resolución sobre la cooperación In
Internacional Comunista. Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista (2a parte), p.
133-135, 136, 244-247, respectivamente.
59

conclusão de que era necessário unificar as forças do proletariado em uma frente


única proletária para lutar contra o capitalismo e, por meio desta tática, buscar a
conquista da maioria do proletariado para as suas idéias. Para isso, estas lutas
deveriam dar-se através da luta em comum em ações práticas por reivindicações
parciais (jornada de 8 horas, aumento de salários etc.) e poderiam, valendo-se de
todas as possibilidades oferecidas pela democracia burguesa, chegar até formas
mais avançadas, e aceitáveis para os social-democratas, como a da participação
dos comunistas em governos social-democratas, chamados desde então de
governos operários e posteriormente rebatizados para governos operários e
camponeses. A aplicação de tal tática deveria variar de acordo com as condições
particulares de cada país, mas, mesmo preconizando a unidade de todas as
organizações operárias, os comunistas não poderiam abrir mão da propaganda
de seus pontos de vista. Além disso, a IC julgava que tanto a aceitação como a
negativa das outras correntes políticas em participar das ações de frente única
seriam positivas, pois, tarde ou cedo, levariam as massas à experiência da
“traição” por parte dos dirigentes dessas correntes.
Ambas diretivas, tanto a relativa à das cooperativas como da frente única,
foram elaboradas tendo mais em vista a panorâmica européia, visando,
sobretudo, a social-democracia daquele continente. À sua época a frente única
gerou muita resistência entre os principais partidos comunistas, pois muitos de
seus dirigentes avaliavam que a tática tendia a apagar as diferenças entre
socialistas e comunistas.
No caso brasileiro, o PCB, em seu relacionamento com a CSCB, adaptou a
política de frente única às características nacionais. Evidentemente, tal adaptação
deixou de fora o principal objeto de foco da orientação da IC: a social-democracia.
No Brasil não havia nada que a ela se assemelhasse em termos de penetração,
influência e tamanho. Enquanto o anarquismo ainda tinha uma significativa
importância ideológica no meio sindical, mas quantitativamente não apresentava
efetivos na mesma proporção, o sindicalismo-cooperativista, por sua vez, era uma
“salada ideológica” que agrupava um número relevante de trabalhadores
60

representados em suas entidades. No entanto, embora ressalvasse não haver


social-democracia à européia no Brasil, o PCB, ao classificar a CSCB de
“reformista”, de “social-pacifista”, etc., acabava por gerar um discurso no qual a
etiqueta “social-democrata” colava-se ao sindicalismo-cooperativista e, portanto,
voltava-se à CSCB o foco da política da frente única. Assim, o PCB colocou na
mesa de negociações com Raposo a questão da efetivação de uma política de
frente única, estabelecendo seus princípios gerais:

“Desejamos e achamos possível que esse entendimento se conclua ‘sem


quebra de autonomia ou independência de orientação de cada fração’, desde que
coloquemos a questão ‘no terreno puro e exclusivo dos interesses de classe’ do
proletariado em geral. Nesse terreno, que é ‘comum’ a todas as frações e
agrupamentos proletários, porque é o ‘terreno próprio’ da classe proletária em
geral, nós estamos prontos, sem quebra de nossos particulares pontos de vista
doutrinários, a firmar um sério e honesto ‘pacto de solidariedade’, de ‘união geral’,
de ‘apoio mútuo’, de ‘unificação e concentração de forças’, não só com os
operários organizados no seio da Confederação Sindicalista-Cooperativista, como
também com os operários de todas as demais tendências organizadas em
sindicatos, centros, uniões ou sociedades de resistência.
Para nós, todo operário, seja qual for seu pensamento, sua crença ou sua
política, é um companheiro de labor, um camarada de luta, um irmão de
sofrimento, na sua qualidade e função de produtor. Queremos, pois, a união em
um só bloco poderoso e invencível, de todos, todos e todos os operários, sem
distinção de raça, nem de cor, nem de credo.”82

Em termos práticos, além do desenvolvimento de ações em comum – como,


por exemplo, a da vitoriosa luta contra o uso de carteiras expedidas pela polícia e
a mudança de denominação para “domésticos” dos empregados de hotéis, bares,
cafés e similares ou, então, a comemoração conjunta do 1º de Maio de 1924 -, o
PCB propôs a criação, a partir da CSCB, de uma instância que reunisse os
presidentes de todas as associações operárias para “trocarem idéias sobre a
questão social, exporem seus programas e procurarem um entendimento no

82
- No Meio Operário: Declaração relativa à Conferência dos Presidentes das Associações
Operárias. O Paiz. Rio de Janeiro, 28/08/1923, p. 7. Esta declaração foi assinada por dez entidades
sindicais dirigidas ou com forte influência dos comunistas: União dos Alfaiates, Centro Cosmopolita,
Aliança dos Oficiais de Barbeiro, União dos Empregados em Fábricas de Vassouras, União dos
Empregados em Padarias, Associação Gráfica do Rio de Janeiro, Liga Operária da Construção Civil
de Niterói, Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, Associação dos Funileiros e Bombeiros e
União Geral dos Metalúrgicos.
61

sentido de conjugarem esforços e forças associativas, sem compromissos


doutrinários”83. Tal organismo, que teria o nome de “Conferência Permanente de
Unificação Proletária”, tinha como meta a “emancipação econômica, política e
social” dos trabalhadores, feitas com base no mais amplo entendimento e sem
distinções “políticas, doutrinárias e filosóficas”. Além disso, diferentemente da
CSCB, ela somente agruparia assalariados, que “não usufruam nenhum provento
originário de aplicação direta ou indireta de capitais”. Fica evidente que esta
proposta dava os meios de colocar-se de pé, na verdade, uma central sindical, o
que, também é óbvio, não era de interesse da CSCB, que sempre protelou a
questão até o afastamento dos comunistas, deixando apenas que fossem dados
alguns poucos passos nesta via em seu início com o evidente intento de atrair os
comunistas.
Outro campo no qual se travaram as relações entre a CSCB e o PCB foi o da
“ação político-parlamentar”. A CSCB, como vimos acima, foi estabelecida como
um organismo que rejeitava partidos e eleições. Esta rejeição era assim expressa
pelo próprio Raposo:

“Embora convencido da inutilidade de todos os parlamentos não


profissionais, isto é, constituídos de indivíduos que não exprimem o pensar e a
necessidade de quantos trabalham e produzem riquezas fomentadoras ou
possibilitadoras do conforto dos homens, das famílias, da Pátria, e da Humanidade,
embora convencido que as grandes massas humanas só conseguirão esgotar o
formidável poço das decomposições morais, políticas e sociais com aplicações
causticantes do sol da verdade sindicalista-cooperativista, sou dos que pensam,
em face de sérios estudos psicológicos do meio em que vivemos, que não
devemos condenar a ação daqueles que ainda acreditam na eficácia dos baldes da
política eleitoral para o esgotamento e a esterilização desse poço infecto.”84

No entanto, tal postura não era consensual, pois havia setores do


sindicalismo-cooperativista que advogavam a “ação político-parlamentar”. Seu
mais notório representante era o delegado do Instituto de Engenharia Militar, o

83
- No Meio Operário: Uma idéia que poderá servir a quantos desejam a unificação das forças
proletárias. O Paiz. Rio de Janeiro, 02-08-1923, p.6.
84
- No Meio Operário: Foram brilhantes os debates travados ontem na C.S.C.B. em torno da
questão parlamentar. O Paiz. Rio de Janeiro, 11-07-1923, p. 6.
62

general Maximiano Martins, que classificava a postura de Raposo como


“negativismo político-eleitoral”. Martins afirmava que as principais causas da
decadência do País eram a “desorientação e a falta de independência e
autonomia dos poderes legislativos federal, estadual e municipal”. Para remediar
esta situação era imprescindível a “intervenção enérgica e sistemática do povo,
atuando livremente, de posse do seu direito soberano de escolher os seus
representantes” e, também, a atuação “pertinaz” da CSCB. Cabia, pois, aos
representantes eleitos pelo povo fortalecer o Poder Legislativo:

“Para isso precisamos de leis sábias, previdentes e providentes, que


resguardem os interesses do povo contra o comércio desonesto, agiotas e
açambarcadores; que estabeleçam a harmonia entre o capital e o trabalho; que
garantam os transportes etc., em vez de leis visando o interesse individual ou
proibitivas contra o progresso e a independência.”85

Mas é quando Martins caracteriza os representantes a serem eleitos pelo


povo para executar esta tarefa é que notamos quais os limites da “ação político-
parlamentar” por ele proposta. O perfil traçado do legislador ideal em
praticamente nada se diferencia daquele caracterizado pelas correntes liberais
dos partidos republicanos de então e que, pode-se dizer, ainda é muito comum
ver-se desenhado nos dias de hoje:

“A Pátria é uma edificação. Assim como a construção ou reconstrução de um


edifício precisa, para ser sólido, perfeito e belo, de artistas especialistas, escolhidos
com cuidado, assim também, para a reconstrução da Pátria, abrigo do povo
brasileiro, precisamos de especialistas conscientes, honestos e esclarecidos para
cuidarem da oportunidade, do projeto, da escolha do material, da distribuição das
verbas, da fiscalização.
Daí a necessidade de termos um verdadeiro corpo de profissionais –
engenheiros, médicos, jurisconsultos, higienistas, sociólogos, industriais e outros,
constituindo o Parlamento e as municipalidades, não bastando que sejam literatos,
irmãos, filhos, genros, sócios dos donatários das nossas infelizes capitanias.”86

85
- General M. Martins. No Meio Operário: Falando ao povo sobre as causas e os remédios
dos seus males (Tese defendida em assembléia geral da Confederação Sindicalista-Cooperativista
Brasileira, de 10 de Julho de 1923). O Paiz. Rio de Janeiro, 13-07-1923, p. 6.
63

Fica claro que aos trabalhadores cabia apenas armar-se, não com dinamite,
como afirmava Martins, mas com o título de eleitor e não se abster de votar.
Quanto a atuar e intervir diretamente nas Casas Legislativas, esta já era outra
história; era para “especialistas”...
Como se inserem os comunistas neste debate? Aqui também ocorre o
mútuo jogo de buscar-se vantagens no combate político. A ambos, CSCB e PCB,
interessava atacar e isolar os anarquistas, e como a questão da “ação político-
parlamentar” era um ponto de clara delimitação ideológica, nada mais
interessante que reforçá-lo. Aliás, sempre que os sindicalistas-cooperativistas
buscavam caracterizar as idéias comunistas, um dos pontos enfatizados, como
forma de diferenciação com os anarquistas, era justamente que os comunistas
não “desprezavam sequer a ação parlamentar”. Assim, uma das primeiras
questões colocadas quando da aproximação entre ambos foi justamente a da
“ação político-parlamentar”:

“Ficou, porém, deliberado, após um confronto realizado pelo Sr. Sarandy


Raposo entre as duas teses [a favor e contra a “ação político-parlamentar”, dk],
que seriam elas debatidas em novas reuniões, de forma a serem cuidadosamente
estudadas as suas vantagens e desvantagens, por isso que, a opinião do general
Maximiano Martins já havia sido presente, embora em caráter confidencial, à
diretoria da Confederação, por autorizados representantes de numerosíssima
facção proletária, aliás, amparada fortemente pelo partido comunista.”87

A discussão em torno deste ponto, como destaca Peixoto88, teve por fim
quebrar a resistência entre os trabalhadores à participação no parlamento. Ao fim
de um longo debate de alguns meses, foi incorporada ao corpo doutrinário da
CSCB a questão da participação dos processos eleitorais, já então sob o novo
nome, “ação político-parlamentar-proletária”. Todavia, destaque-se, a maneira
pela qual esta mudança foi introduzida se fez sob uma forma, típica da tradição

86
- General M. Martins. No Meio Operário: Falando ao povo sobre as causas e os remédios
dos seus males – VI. O Paiz. Rio de Janeiro, 20-07-1923, p. 7.
87
- No Meio Operário: A Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira e a política
parlamentar. O Paiz. Rio de Janeiro, 17-06-1923, p. 10.
88
- Maria do Rosário da Cunha Peixoto. O Trem da História. A aliança PCB / CSCB / O Paiz,
p.48.
64

bacharelesca brasileira, que nada definia, ou seja, caberia à direção da CSCB o


desencadeamento de qualquer ação nesse sentido “logo que julgue oportuno”
fazê-lo89.
Os comunistas, por seu turno, através de comentários posteriores, que
reproduzimos adiante, não se entusiasmaram muito com o resultado final. Se para
o PCB era importante demarcar a necessidade de uma “ação político-
parlamentar”, por outro lado, não tinha sentido fazê-lo por meio e com o perfil
resultante das concepções liberais externadas por Martins e, tampouco, que a
CSCB se envolvesse diretamente na questão, como se fosse um partido, ao
invés, como pretendia o PCB, de apenas apoiar candidatos dos trabalhadores.
Isto, no julgamento dos comunistas tornava-se um empecilho ao trabalho de frente
única, por servir de motivação para sua desagregação. Da mesma forma que os
sindicalistas-cooperativistas, os comunistas também fizeram questão de demarcar
a compreensão que possuíam a respeito desta questão. Para tanto fizeram uso de
texto de Lenin90, publicando-o nas colunas de “No Meio Operário”. Nele se
estabeleciam as distinções entre as concepções entre socialistas e comunistas
sobre o uso do parlamento e, particularmente, deixando explícito que, se
participavam do parlamento, eles tinham claro que os problemas fundamentais da
luta de classe - e sua substituição por “formas mais ou menos veladas da
conciliação de classes” - não tinham sua forma mais elevada no Parlamento, nem
se decidiam por meio de uma votação e que somente com a vitória sobre o
oportunismo e o reformismo, a derrubada da burguesia e a ruptura do aparelho
estatal burguês, sucedidas pela instalação da ditadura do proletariado, é que se
poderia chegar à “supressão das classes, isto é, para a única e verdadeira
igualdade socialista que não exprime um engano”.
Neste momento, em meados de 1924, já existiam elementos de ruptura entre
o PCB e a CSCB, sendo indicativo desta a ausência de nomes ostensivamente

89
- No Meio Operário: A assembléia da Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira
assumiu proporções de um sério acontecimento trabalhista. O Paiz. Rio de Janeiro, 12-10-1923, p. 6.
90
. V. I. Lenin. Parlamento burguês e revolução proletária. O Paiz. Rio de Janeiro, 24-04-
1924, p. 7.
65

identificados com o comunismo em instâncias de organismos de direção da


CSCB, na qual Sarandy chegou a oferecer três cargos91. Não há um rompimento
ostensivo, sobretudo pelo fato de que a nova decretação de estado de sítio e o
desencadeamento da repressão ao movimento operário decorrentes da revolta
paulista de 5 de julho de 1924 impediram sua clara manifestação. Em relatório
enviado ao CEIC, o PCB, no entanto, deixa claros os problemas existentes. Em
primeiro lugar, o PCB percebe que os efetivos da CSCB eram muito menores que
os anunciados, além de serem “trabalhadores ainda muito atrasados, sem
nenhuma experiência política revolucionária, manobrados em tempo de eleições
pelos politiqueiros burgueses”92. Em segundo lugar, os comunistas dão-se conta
de que as relações diretas com a “massa organizada” da CSCB não se fazem
diretamente, mas sim por meio de Raposo, que protelou o quando pôde tais
contatos, provavelmente para não “revelar a fraqueza da CSCB”. Por conta disso,
Raposo passou então a ser qualificado como “reformista maquiavélico”. Mas,
sobretudo, o que estremeceu as relações foi o fato de os comunistas terem
percebido claramente as manobras de Raposo em suas relações com o governo
de Arthur Bernardes:

“A 14 de fevereiro [de 1924, dk], porém, vésperas das eleições para


deputados e senadores, a C.S.C.B. recebeu uma comunicação do governo em que
este prometia regularizar, para imediata execução, o decreto 4.251, que concedia

91
- A direção da CSCB acabou sendo assim então composta: Diretoria - Custódio Alfredo
Sarandy Raposo, presidente; Maurício de Lacerda, 1º vice-presidente; Arthur de Pinna, 2º vice-
presidente; Alves de Souza, 3º vice-presidente; Joaquim Pimenta, secretário geral; Carlos Gomes de
Almeida, 1º secretário; Francisco Garcia da Rosa Júnior, 2ª secretário; Luiz Natálio Schiavo, 1º
tesoureiro; Manoel Tertuliano dos Santos, 2º tesoureiro; Conselho Fiscal – Evaristo de Moraes,
presidente; Pedro da Motta Lima, secretário; Vogais: Maximiano Martins; João da Silva Barbosa;
Antônio Lopes de Carvalho; Antônio da Silva Cravo; Álvaro Felippe de Sant’Anna; José Cabrera da
Costa; Manoel Solano dos Santos; Antônio Duarte Júnior; Manoel Marques Filho; e Maurício Bruner
(cf. No Meio Operário. Realiza-se hoje, às 20 horas, na sede do Centro Cosmopolita, à rua do Senado
n. 215, a assembléia geral ordinária da Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira, para
discussão e votação do programa a ser executado em 1924 a 1926, eleição e posse da nova diretoria. O
Paiz. Rio de Janeiro, 26/04/1924, p.7.).
92
- Curiosamente o decréscimo dos efetivos da CSCB aos olhos dos comunistas se dá, em
1924, de maneira abrupta. Provavelmente em março de 1924, em resposta a um questionário da IC,
Astrojildo Pereira afirmava que não seriam 140.000, e que a CSCB estava longe de possuir 80.000. Já
no relatório de 10-04-1924 enviado ao CEIC pelo PCB a queda é ainda mais espetacular, afirmando-
se que não eram sequer 60.000 aderentes, mas sim apenas de 10.000 a 15.000.
66

1.000 contos às cooperativas. O governo queria, assim, conquistar os votos da


C.S.C.B. para o seu candidato Mendes Tavares. Sarandy perdeu a cabeça com a
promessa dos 1.000 contos: alegou, à última hora, não poder dar-nos o apoio nas
eleições; passou telegramas retumbantes ao presidente Bernardes e transcreveu-
os na seção operária; adiou, por tempo indeterminado, a continuação das reuniões
da Conferência dos Representantes das Associações de Classes. Destrambelhou.
Que fazer? Se estivéssemos de dentro da C.S.C.B., chamaríamos Sarandy à
ordem. Mas, de fora, que fazer? Recuamos um pouco; as associações como a
Gráfica e o Centro Cosmopolita, que iam aderir à C.S.C.B., não falaram mais no
assunto; e fomos escasseando as visitas, sem todavia largar a colaboração no “O
Paiz”. Sarandy viu-se isolado: de uma lado, faltava-lhe o nosso apoio; de outro
lado, o governo, irritado com o proletariado em geral, por que votara no candidato
oposto (Irineu), não concedia os 1.000 contos. Sarandy voltou a nós. Queria que
três comunistas, a título individual, fizessem parte da nova diretoria da C.S.C.B. ao
lado de alguns burgueses. Recusamos. Insistiu. Recusamos. Insistiu mais uma vez.
E recusamos definitivamente, expondo por escrito as razões comunistas da recusa.
Sarandy irritou-se. Crise.
Sarandy, com a proposta de três comunistas, pretendia realizar a frente única
no terreno político. Mostramos-lhe não ser este momento oportuno para isto.
Insistimos, então, na continuação da Conferência dos Representantes por ser este
o caminho para a unificação sindical.
Por último, temos a acrescentar que a nova diretoria pretende levar a efeito a
atuação político-parlamentar, votada há meses numa assembléia da C.S.C.B.
Assim, este organismo torna-se misto – econômico-político. Isto vem dificultar o
prosseguimento da atuação em prol da frente única.”93

Algum tempo depois, outro juízo crítico, embora com alguns valores e
conceitos fora de contexto - particularmente o referente à eqüivalência entre
reformismo e fascismo - a respeito da CSCB foi reiterado por Octavio Brandão,
quando assim caracterizava Raposo:

“Entre nós, o pequeno burguês Sarandy Raposo, mineiro e confusionista,


burocrata e embrulhão-mor, também se julga acima das classes; todavia está
abaixo das classes porque não tem as qualidades do operário nem as do burguês
industrial e, na prática, serve de agente da pior política nacional – a política
mineira, e da pior política internacional – a reformista e a fascista, a política do
imperialismo ... É a função de todos os hesitantes e indefinidos, de todos os
reformistas, de todos os liberalóides, de todos os harmonizadores e conciliadores,
sinceros ou não, servir um dos extremos, sempre ou quase sempre a reação, o
imperialismo.”94

93
- Octavio Brandão. O Brasil burguês e revolucionário: Relatório trimestral do P.C.B. ao
C.E.I.C. - Janeiro a março - 1924. Rio de Janeiro, 10-04-1924, p. 5 (RGASPI).
94
- Fritz Mayer (pseudônimo de Octavio Brandão). Agrarismo e industrialismo, p. 40.
67

O próprio Astrojildo Pereira, anos depois, embora de forma um tanto


lacônica - talvez pelo fato de ter sido o dirigente comunista que mais se
empenhou na aliança com a CSCB -, fez um balanço desalentado a respeito da
experiência:

“Esta Conferência, que reuniu várias sessões intermináveis, surgiu de uma


manobra do presidente da C.S.C.B., um intelectual pequeno-burguês,
arquiconfusionista, com ligações mais ou menos inconfessáveis com a burguesia.
Participamos da Conferência – era o único meio legal de que podíamos dispor para
realizar, naquele momento, um vasto trabalho entre as massas no sentido da
unidade sindical – e podemos dizer que nossa palavra dominou a Conferência, em
cujas sessões todas as nossas propostas e declarações eram triunfantes. Mas o
presidente da C.S.C.B., que prolongava indefinidamente as sessões, percebeu que
suas manobras iam dando resultados opostos ao que perseguia... e assim a
Conferência acabou. Depois de três ou quatro meses de discussões e discursos,
nada de positivo se decidiu.”95

Se, ao final desse processo, fica clara a percepção das tentativas de


cooptação dos comunistas por parte da CSCB, e, portanto, visíveis as tentativas
de manobra, por outro lado, é inegável que a possibilidade de difusão das idéias
comunistas feitas pelas páginas de O Paiz, no qual se publicou uma enorme série
de artigos, tanto de dirigentes nacionais como das instâncias superiores da IC,
tornaram possível jogar as bases de um crescimento orgânico do PCB. Nomes
como Minervino de Oliveira, Roberto Morena, e entidades sindicais, como as dos
têxteis, dos marmoristas e outras, que mais tarde tiveram influência comunista em
sua direção96, certamente encontraram nesta convivência na CSCB as bases de
sua adesão ao comunismo. Também se deve destacar, embora de mensuração
não tão palpável, o fato de a discussão sobre a “ação político-parlamentar-
proletária” ocorrida na CSCB também ter contribuído para que se colocasse na
pauta do movimento operário brasileiro a questão da participação dos
trabalhadores nos processos eleitorais.

95
- Astrojildo Pereira. El camino de la unidad sindical em Brasil. La Correspondência
Sudamericana. Buenos Aires, nº 20, 15/03/1927, p. 30.
96
- No relatório de Astrojildo Pereira ao CEIC, datado de 06-01-1924, já mencionado, na
página 5, seu autor anexa um recorte de O Paiz, no qual estão relacionados militantes e entidades
68

LARGADA QUEIMADA

Em dezembro de 1923, com a suspensão do estado de sítio, em vigor desde


a revolta de 5 de julho de 1922, os comunistas brasileiros, pela primeira vez em
sua trajetória, decidiram-se a participar de eleições, previstas para fevereiro de
1924 para a escolha de deputados federais. Tal participação se daria apenas no
Distrito Federal, pois a direção comunista avaliava que apenas no Rio de Janeiro
havia condições de obter algum resultado, em razão da existência de uma
militância mais coesa e mais organizada, como informava em relatório enviado ao
Comitê Executivo da Internacional Comunista (CEIC).
A ênfase dos comunistas naquele momento, recorde-se, era dada à
participação nos movimentos sindical e cooperativo, particularmente em razão da
política de aproximação com a Confederação Sindicalista-Cooperativista
Brasileira de Sarandy Raposo:

“Entre os terrenos mais propícios indicados para essa tarefa de penetração


da influência comunista no meio das massas figuram os sindicatos e as
cooperativas. Estas e aquelas são já, por sua espécie, agrupamentos orgânicos de
massas operárias, onde já existem uma consciência de classe e um sentimento de
solidariedade mais ou menos desenvolvidos e onde, pois, naturalmente, o trabalho
97
comunista mais seguramente pode exercer-se.”

Ressaltando sua inexperiência no assunto e o fato de que pela primeira vez


“operários revolucionários” pensaram em se fazer representar no “parlamento
burguês”, a direção do PCB, ponderando que uma participação eleitoral em todos
os Estados onde tinha organizações regionais naquele momento (Pernambuco,
São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Estado do Rio de Janeiro) teria

participantes da atividade de criação da Conferência dos Representantes das Associações de Classe,


grifando os nomes das pessoas e assinalando as organizações vinculadas ao PCB.
97
- Astrojildo Pereira. Relatório trimestral do P.C. Brasileiro ao Executivo da I.C. Rio de
Janeiro, 06-01-1924, p.2. Esclareça-se que o trecho citado do relatório originalmente faz parte de uma
resolução sobre a CSCB tomada pela direção do PCB em outubro de 1923.
69

resultados negativos e talvez desmoralizantes em razão de sua fraca


implantação, optou por fazê-lo apenas na Capital da República, a cidade do Rio
de Janeiro, e abster-se naqueles Estados. Na Capital havia um maior número de
militantes e uma implantação mais sólida do partido, justificavam os comunistas.
Mesmo assim, dada a situação de estado de sítio, era uma decisão com
limitações, pois nem o candidato e nem a campanha apareceriam como
comunistas. O candidato, um operário, seria apresentado por um “Bloco
Operário”98 com um programa de reivindicações operárias. Assim, pretendia o
PCB, dava-se à campanha um perfil de classe. O nome escolhido pela direção
comunista recaiu sobre o gráfico João Jorge da Costa Pimenta, um dos
fundadores do PCB. A direção determinou sua vinda de São Paulo para o Rio de
Janeiro a fim de iniciar a campanha.
Em uma reunião realizada em 23 de janeiro de 1924, da Comissão Central
Executiva do PCB (CCE), onde se definiram as atividades a serem mantidas até a
realização do II Congresso do PCB, previsto inicialmente para julho de 1924, a
campanha de Pimenta foi assim definida:

“1. Publicar o manifesto imediatamente, constituir definitivamente o Bloco


Operário e organizar a campanha. Pimenta deverá vir definitivamente para o Rio.
2. A campanha - toda ela baseada nos termos do manifesto - deverá ser feita
com método e intensivamente, desde já até a véspera das eleições - e de modo a
desenvolver-se num crescendo de atividade.
3. Publicar boletins avulsos, cartazes etc. e espalhá-los, bem como o
manifesto nos lugares e bairros operários do 2º distrito, nas estações da E. de
Ferro, na rua Larga (pela manhã e à tarde).
4. Publicar na imprensa artigos e comunicações de toda a ordem. Artigos de
camaradas operários dirigidos especialmente aos operários de seus respectivos
ofícios ou profissões. Bater invariavelmente nesta tecla: Pimenta é o único
candidato operário; o Bloco Operário é a única organização lidimamente operária

98
- A primeira menção, no âmbito da Internacional Comunista, da expressão “Bloco Operário”
foi feita por Leon Trotsky. Em uma reunião do Comitê Executivo da IC em que se discutia a respeito
do partido francês e sobre sua participação no bloco das esquerdas, Trotsky, em discurso feito na
sessão de 08/06/1922, afirmou que se deveria opor àquele um Bloco Operário. Na resolução sobre o
PCF, também redigida por Trotsky, afirmava-se que, embora sedutora, à idéia de Bloco das Esquerdas
deveria se opor a de “Bloco de todos os operários contra a burguesia” (Leon Trotsky. Le mouvement
communiste en France (1919-1939), p. 191). Posteriormente, a idéia foi retomada pelo PCF, que, em
15 de outubro de 1923, propôs ao Partido Socialista a constituição de um “Bloco Operário e
Camponês”, que acabou disputando as eleições de maio de 1924, sem a presença dos socialistas (cf.
Idem. Ibidem, p. 659-660).
70

que apresenta candidato; o programa do Bloco Operário e, por conseqüência, de


Pimenta, é o único programa exclusivamente operário; os eleitores operários
devem, pois, votar no candidato operário.
5. Organizar uma série sistemática de conferências e palestras em todas as
sedes operárias onde for possível (vermelhas, amarelas, brancas, de resistência ou
de beneficência, no centro da cidade e, principalmente, nos subúrbios). Fazer
intenso reclame dessas conferências e palestras. Todos os oradores devem ser
operários. Não importa a qualidade literária da oratória. O que importa é a sua
qualidade social. Todos os oradores devem manter-se dentro do programa contido
no manifesto, explanando-o e desenvolvendo-o de mil modos.
6. Organizar meetings públicos, principalmente nos subúrbios, nas duas
últimas semanas antes das eleições. Observar, sobre os oradores e os temas, as
disposições acima. Pimenta deverá ficar exclusivamente a serviço da campanha,
falando o maior número de vezes possível.
7. Explorar, com habilidade, os ataques dos anarquistas.
8. Toda a campanha deverá ser dirigida por... .
9. Conforme o resultado das eleições, se o candidato tiver obtido um
resultado suscetível de reconhecimento, manter pela imprensa intensa campanha
nesse sentido. Organizar para o 1º de Maio grandes demonstrações em prol do
candidato operário.
99
10. Carta aberta ao Partido Republicano Trabalhista.”

Além da campanha em si, o mesmo documento estabelecia que um número


de janeiro/fevereiro de 1924 do órgão central do PCB, Movimento Communista,
reproduziria as teses da IC sobre o parlamentarismo, que haviam sido aprovadas
no II Congresso, de 1920. Mais ainda, na ordem do dia prevista para o II
Congresso do PCB foi definido um ponto voltado para a questão parlamentar.
No entanto, por conta de uma nova onda repressiva - a polícia tentou
impedir a criação do Comitê Nacional do Socorro Vermelho Internacional; foi
proibida a realização de uma reunião de homenagem a Lenin - falecido em 24 de
janeiro – e prendeu vários militantes comunistas. O número acima previsto de
Movimento Communista não foi publicado e o II Congresso do PCB acabou, por
conta dos episódios de 5 de julho de 1924 em São Paulo, sendo adiado para maio
de 1925, e nele o ponto da ordem do dia voltado para a questão parlamentar
acabou sendo suprimido. E, além de tudo isso, o PCB, apesar de ter chegado a
lançar, pelo Bloco Operário, a candidatura de Pimenta a deputado federal pelo
Distrito Federal, não pôde desenvolvê-la e levá-la a termo. Em relatório ao
71

CEIC100, assinado pelo secretário internacional, Octavio Brandão, a direção do


PCB explicava o fato em razão da recusa da entrega do título de eleitor ao
candidato, o que talvez pudesse ser atribuído à “inexperiência” inicialmente
alegada em relação ao assunto, e também à falta de apoio da CSCB, que “depois
de remarchar muito, alegou [...] à última hora que [...] achava que era tarde
demais”. Como vimos mais acima, neste mesmo relatório, Octavio Brandão afirma
que o governo Arthur Bernardes prometeu a liberação de recursos para
cooperativas a fim de obter o apoio da CSCB ao seu candidato, o que deixa
insinuada a explicação de que a entidade não pretendia comprometer a si e,
sobretudo, a estes recursos ao apoiar uma candidatura comunista. A CCE
também alegava que não foi possível tomar qualquer outra ação em favor da
candidatura porque a polícia vigiava o PCB, dificultando deliberações da direção:

“A C.C.E. não podia reunir-se por não ter local. Quando pôde, foi tarde
demais para tomar deliberações, visto a situação anormal do P.C.B. Apenas
determinou o voto facultativo, com o fim de facilitar futuramente o alistamento
101
eleitoral, coisa que não é nada fácil no Brasil.”

O secretário geral do PCB, Astrojildo Pereira, por sua vez, assim avaliou o
episódio em um questionário ao qual respondera logo após sua chegada a
Moscou, em fevereiro de 1924:

“Nossa primeira tentativa resultou em uma completa derrota para nós.


Estávamos mal preparados para conduzir a campanha eleitoral. Nosso regime
eleitoral é de um exclusivismo de classe a todo transe, que dificulta enormemente o
alistamento dos eleitores pobres. Apesar de tudo alistamos um bom número de
camaradas.
O partido prepara-se para a segunda campanha eleitoral. Ele participará nas
eleições para intendentes municipais. Com a experiência da primeira derrota e uma
cuidadosa preparação mais cuidadosa, acreditamos poder esperar um resultado
em proporção com os nossos esforços.

99
- PCB. As tarefas da C.C.E. até ao 2º Congresso do P.C.B. Rio de Janeiro, 23-01-1924, p. 2-
3 (RGASPI).
100
- Octavio Brandão. O Brasil burguês e revolucionário: Relatório trimestral do P.C.B. ao
C.E.I.C. - Janeiro a março - 1924. Rio de Janeiro, 10-04-1924, p. 5-6 (RGASPI).
101
- Idem, p. 6.
72

Nas outras regiões o partido não se engajou na luta eleitoral. Isto não quer
dizer que as palavras de ordem não tenham sido lançadas e que não se trabalhe
para executá-las.
Nossas campanhas eleitorais deverão nos servir como um instrumento de
propaganda no seio das massas operárias e camponesas. Nós sempre
apresentaremos candidatos delas oriundas, e nós as ligaremos à execução de
tarefas dizendo respeito às massas, aos seus interesses, às suas reivindicações.
Para a agitação eleitoral o partido espera estimular as massas politicamente
102
amorfas do país.”

Apesar do fracasso da iniciativa, ficou evidenciada a disposição da direção,


mais que participar do processo eleitoral, em discutir o assunto e buscar
homogeneizar, pela publicação das teses e pela inserção na ordem do dia do II
Congresso do partido, a questão dentro de todo o PCB. Evidentemente, quando
se busca homogeneizar um conceito dentro de um grupo de pessoas é lícito
indagar-se se não ficam subjacentes a esta ação as possibilidades de tratar-se da
implantação de uma nova orientação para o grupo, de desconhecimento do tema
ou, também, de resistência à mudança. Para esta última hipótese, em particular,
já vimos anteriormente que a forte herança anarquista ainda podia criar
resistências à participação em eleições e no parlamento nas fileiras comunistas,
como nos deixa entrever Astrojildo Pereira, o qual afirmou que:

“A fobia eleitoral, uma das mais características manifestações da


degeneração anarquista, é um mal que nós extirpamos de nós e de uma boa parte
103
das massas organizadas sob nosso controle.”

Apesar disso, algum tempo depois ainda a herança anarquista era algo
que ainda pesava na vida dos comunistas:

“Temos sido, até agora, uma agrupação de mais ou menos bons militantes
operários, em sua maioria provindos das fileiras anarquistas, sinceramente
revolucionários e devotados ao comunismo, porém muitos ainda imbuídos de vícios
e defeitos adquiridos anteriormente nas fileiras libertárias. Daí, em parte, o

102
- Astrojildo Pereira. Tableau general. Moscou, [fev.] 1924, p. 15-16 (RGASPI).
103
- Astrojildo Pereira. Réponse du questionnaire de la Comintern. Moscou, fev. [1924], p. 6
(RGASPI).
73

estacionamento quantitativo de nosso P.C., a marcar passo na casa dos três


104
centos de aderentes, e na verdade em completo isolamento das massas.”

Além disso, outro fator certamente contribuiu para o aprofundamento da


discussão do tema. Em janeiro de 1924 esteve no Brasil um delegado da IC, o
argentino Rodolfo Ghioldi. O CEIC o havia enviado a fim de examinar a atuação
do PCB. Tal presença tornara-se necessária em razão da atuação do delegado
comunista brasileiro, Antônio Bernardo Canellas, no IV Congresso da IC, que
criara uma imagem pouco auspiciosa do partido perante o CEIC, que, em uma
resolução sobre o PCB de dezembro de 1922, havia visto

“... que este Partido não é ainda um verdadeiro Partido Comunista. Ele
conserva restos da ideologia burguesa, sustentados pela presença de elementos
da Maçonaria e influenciados por preconceitos anarquistas, o que explica a
estrutura [des]centralizada do Partido e a confusão reinante sobre a teoria e a
105
tática comunistas.”

Por isso, o CEIC decidiu enviar Ghioldi ao Brasil a fim de averiguar o


assunto e, caso fosse necessário, solucionar os problemas, pois o PCB deixara
de ser reconhecido como seção oficial da IC pelo seu IV Congresso, sendo
apenas admitido à IC na condição de simpatizante. Ao final de sua visita, após
obter as informações e examinar os documentos necessários, Ghioldi concluíra
que tudo não passara de um “mal-entendido” entre a IC e o PCB causado pela
“infeliz atuação” de Canellas no Congresso, onde estiveram refletidas apenas
suas opiniões e não as do PCB. Assim, estando o PCB orientado na linha da IC,
ou seja, “organizado na base da centralização democrática, tendendo ao
desenvolvimento de uma política de penetração nas massas operárias e não
registrando divergência alguma com qualquer resolução do Comintern”, Ghioldi
concluía que a resolução de dezembro de 1922 da IC carecia de razão de ser.

104
- PCB. Teses e resoluções adotadas na Conferência dos delegados de células e de núcleos do
Rio e Niterói, realizada em conjunto com CCE em 22-2-25. Rio de Janeiro, s.c.p., 1925, p. 1
(RGASPI).
105
- Apud Carone. Op. cit., p. 32 e 33. O texto original, como informa Carone, possuía um
evidente erro tipográfico: “centralizada” ao invés de “descentralizada”.
74

Mas em seu relatório, datado de 9 de janeiro de 1924, fazia uma pequena


ressalva:

“7. Que só há um ponto que daria margem à discussão com o Partido: o da


abstenção eleitoral nos Estados: mas isso fica descartado porque, além de tratar-
se de uma questão circunstancial e de detalhe - pois o P.C.B. aceita a tática
parlamentar, como demonstra sua intervenção nos comícios do Distrito Federal -, a
106
C.C.E., resolveu submetê-la à consideração do Executivo Internacional.”

Tal ressalva deixava subjacente a posição de que se, de um lado, era


necessário pensar-se em resultados, por outro, era preciso que a direção do PCB
levasse em consideração de que era preciso construir um partido com
implantação nacional e, para isso, as campanhas eleitorais eram uma ocasião em
que não poderia ser deixada de lado a oportunidade de levar as idéias
comunistas a uma platéia mais ampla. O fato de Ghioldi considerá-la como
circunstancial e de detalhe - mas ainda assim digna de menção em seu parecer
reitere-se – é possível atribuir-se à percepção de que as dimensões continentais
do País, em combinação com os reduzidos efetivos de PCB, estimados naquele
momento em menos de 500 militantes, eram razões a serem também levadas em
consideração. Além disso, este ponto do parecer de Ghioldi foi mais um elemento
que fortaleceu a disposição da CCE do PCB de levar ao Partido a discussão da
questão parlamentar.

SER ELEITOR E VOTAR NA REPÚBLICA VELHA

O início da era republicana impulsionou acentuadamente o desenvolvimento


econômico do Brasil e consagrou o Estado de São Paulo, em particular, como sua
mais relevante unidade político-econômica. No campo eleitoral, no entanto, pode-
se dizer que, se houve evoluções que se coadunavam com o espírito republicano,
foram as permanências vindas do período imperial, sobretudo as de filiação liberal

106
- PCB. O processo de um traidor (O caso do ex-comunista A. B. Canellas), p.84-86.
75

que concebiam a política como o campo de ação de uma elite, que deram a sua
marca. Há uma desalentadora unanimidade no que se refere a considerar a
República Velha como uma época em que, no campo eleitoral, predominou a
fraude e a violência. Embora no período imperial estas também fossem
exercitadas com desenvoltura, os requintes e a amplitude de sua prática no
primeiro período republicano fizeram com que este estigma ficasse, com justiça,
fortemente colado na imagem da República Velha.

A violência e as fraudes nas eleições vinham desde o Império.


(“As urnas cidadãos! O voto é livre! Mas a barriga?...!”,
por Ângelo AGOSTINI In Revista Illustrada, 29/10/1881)

Na República Velha, com sua política de descentralização e autonomia


federativa em contraposição ao centralismo unitarista do Império, a condução da
política era feita pelos partidos republicanos estaduais. As elites locais e
regionais, esteios do chamado “coronelismo”, eram relevantes coadjuvantes
nesse controle, ressaltando seu caráter oligárquico. Embora os partidos
republicanos fizessem sua profissão de fé democrática107, foram eles que

107
- Veja-se este trecho de um manifesto do Partido Republicano Paulista publicado em 18 de
janeiro de 1872: “A verdadeira democracia não crê na infalibilidade de nem um homem, de nem um
76

governaram com mão de ferro os Estados brasileiros. Com a implantação da


chamada “política dos governadores” pelo presidente Campos Salles, na virada
do século XX, foi que se acordou um mútuo apoio entre as oligarquias regionais e
o poder central: “O que pensam os Estados, pensa a União”, como sintetizou o
próprio Campos Salles. Este apoio significou a permanência, que vinha desde o
Império, de tais oligarquias regionais no poder. A respeito deste quadro vale aqui
acolher a observação do diário carioca Correio da Manhã:

“Na Federação Brasileira, exceção do Distrito Federal e de duas ou três das


principais capitais e cidades, as eleições que se apuram são a expressão da
mentira, do cambalacho e das acomodações. A maioria dos estados vive
escravizada aos donos das situações, que se revezam no despotismo. Daí, desse
aviltante aparelhamento de burgos podres, a constituição de um Congresso
Nacional que envergonha, invariavelmente recomposta a Câmara e renovado o
terço do Senado com indivíduos, quase todos paus-mandados de confiança dos
dominadores regionais sob o controle do dominador-mor acastelado no palácio do
Catete.”108

Anos mais tarde, um comunista brasileiro assim explicou aos dirigentes da


Internacional Comunista esta situação:

“Depois da instalação da República, não houve mais partidos políticos


organizados. A luta política faz-se invariavelmente em torno de personalidades. Há
três espécies de luta política: a dos municípios, a dos Estados e a política federal.
É a segunda que mais conta na vida política nacional, pois é ela que controla e
primeira e determina a segunda.
Quando, em um Estado, uma personalidade política toma o poder, traz com
ela uma corja que substitui a equipe precedente e assim sucessivamente.
Em cada Estado, há o que ali se chama uma situação política. Compreende-
se por situação o grupo constituído pelo presidente e sua equipe.
Em teoria, a eleição do presidente da República deve se fazer pela livre
competição dos candidatos frente ao sufrágio universal. Constitucionalmente, não
importa quem se apresente como candidato à presidência da República, seja eleito
e tomo posse do poder. Mas, na realidade, as coisas de passam de maneira
completamente diferente. As diferentes situações políticas dos Estados entram em
acordo e escolhem um candidato, que toma o poder após um simulacro de eleição.

partido para impor leis a uma sociedade, de onde ela tira toda a sua força e legitimidade. O sistema
contrário só se acomoda com as escolas autocráticas.” (Américo Brasiliense. Os programas dos
partidos e o 2º Império, p. 108.)
108
- As eleições municipais. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 30/10/1928, p. 4.
77

Portanto, é a política dos Estados que controla: 1 – a administração dos


municípios; 2 – a política federal.”109

No Estado de São Paulo, no bojo de tal quadro, coube um papel


preponderante ao Partido Republicano Paulista (PRP). Foi em suas instâncias
dirigentes que se definiram os rumos da política do Estado. No âmbito do Poder
Legislativo, embora durante a República Velha não se previsse o registro de
candidaturas, pois os partidos não possuíam o monopólio da representação,
foram somente as chapas apresentadas pelo PRP as consagradas nas urnas e
para isso a legalidade camuflava a fraude e a violência no processo eleitoral.
Embora fossem até freqüentes o surgimento de dissidências nos partidos
republicanos e no PRP – como o Partido Republicano Conservador, o Partido
Republicano Liberal - e de pequenos partidos, que, como regra geral, surgiam
antes das eleições, o fato é que em sua esmagadora maioria eles acabavam
fazendo acordos ou fundindo-se com o PRP.
Com a proclamação da República, a legislação eleitoral existente até então
sofreu algumas importantes alterações. A primeira inovação foi o fim do chamado
“censo pecuniário”110: definiu-se que poderiam ser eleitores todos os cidadãos
brasileiros, maiores de 21 anos, no gozo dos seus direitos civis e políticos, caindo
qualquer exigência de renda. Todavia, conservou-se o “censo literário”, como o
chamava Ruy Barbosa, ou seja, votavam apenas os que soubessem ler e
escrever. Além disso, restringiu-se ainda mais a participação no processo
eleitoral, pois também foram excluídos os mendigos, as praças de pré,
excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior, e os religiosos de
ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades. Embora não
houvesse menção explícita, as mulheres continuaram sem o direito de votar111.

109
- Antônio Bernardo Canellas. Quelques aspects de la vie politique ao Brésil. Moscou, 09-
10-1922, p. 2 (RGASPI).
110
- Decreto nº 6, de 19 de novembro de 1889.
111
- Decreto nº 200-A, de 8 de fevereiro de 1890.
78

Foi mantida a divisão distrital112 - que, como no Império, era o modo pelo
qual se viabilizaram praticamente mecanismos de controle e delimitação de
“currais” eleitorais - , embora houvesse particularidades nos Estados, em
decorrência da autonomia legislativa concedida em vários aspectos às unidades
da Federação. No caso de São Paulo, por exemplo, havia duas divisões: a
federal, que repartiu o Estado em sete distritos, depois reduzidos a quatro, e a
estadual, que o dividiu em dez distritos eleitorais e foi somente regulamentada em
1906, quando foram criados dez distritos113.
Outra novidade foi a definição de um poder legislativo bicameral em alguns
Estados114. Foi o caso de São Paulo, onde a Constituinte estadual instaurou o
Congresso Legislativo do Estado de São Paulo, dividido em Câmara dos
Deputados e Senado. Os trabalhos constituintes de 1891 foram realizados por 20
senadores e 40 deputados. Após sua promulgação, com a confirmação do
bicameralismo, mantiveram-se no Congresso Legislativo do Estado de São Paulo
40 deputados (com mandatos de 3 anos) e 20 senadores (com mandatos de 6
anos, renovando-se a metade trienalmente), números estes que estavam
vinculados aos habitantes do Estado. Assim, poderia haver um máximo de 50
deputados, na proporção de um para 40 mil habitantes, enquanto os senadores
deveriam ser metade dos deputados. Com a reforma constitucional de 1905, o
número de senadores aumentou para 24 e o seu mandato foi aumentado para 9
anos, com a renovação pelo terço trienalmente. Através da Lei nº 956, de 26 de
setembro de 1905, regulamentada pelo Decreto nº 1.411, de 10 de outubro de

112
- Lei nº 35, de 26 de janeiro de 1892.
113
- Decreto Federal nº 153, de 03/08/1893, que dividiu os Estados da União em distritos
eleitorais, de acordo com o art. 36 da Lei nº 35, de 26/01/1892. Os sete distritos tinham como
municípios-sede: 1º - São Paulo, 2º - São José dos Campos, 3º - Guaratinguetá, 4º - Sorocaba, 5º -
Campinas, 6º - Rio Claro e 7º - Ribeirão Preto. Nova divisão foi estabelecida pela Lei nº 1.269, de
15/11/1904, sendo regulamentada pelo Decreto Federal nº 1.425, de 27/11/1905, que dividiu o Estado
de São Paulo em quatro distritos, divisão esta que permaneceu até 1930 e que tinha os seguintes
municípios-sede: 1º - São Paulo, 2º - Campinas, 3º Ribeirão Preto e 4º Guaratinguetá. Lei Estadual nº
956, de 26 de setembro de 1905, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 1.411, de 10 de outubro de
1906. Os dez distritos tinham os seguintes municípios-sede: 1º - Capital, 2º - Taubaté, 3º -
Guaratinguetá, 4º - Itu, 5º - Botucatu, 6º - Campinas, 7º - Mogi-Mirim, 8º - Limeira, 9º - São Carlos e
10º - Ribeirão Preto.
79

1906, foi estabelecido o sistema distrital no Estado de São Paulo, que funcionaria
apenas para a eleição dos deputados estaduais, enquanto na eleição para
presidente e vice-presidente e senadores o Estado continuava a ser circunscrição
única. Em cada um dos 10 distritos em que foi divido o Estado seriam eleitos 5
deputados, aumentando-se, conseqüentemente, o número de deputados
estaduais de 40 para 50. A reforma constitucional paulista de 1921 alterou a
proporção entre número de habitantes e parlamentares, definindo um máximo de
60 deputados, sendo um para 70 mil habitantes, e 30 senadores, um para 140 mil
habitantes. A Lei Estadual nº 1.842, de 27 de dezembro de 1921 alterou o número
de deputados e senadores estaduais, adotando o máximo permitido pela
Constituição estadual. Esta lei, buscando acatar observações no sentido de que a
distribuição regional deveria andar a par do número de eleitores, também
introduziu alterações no que se refere aos distritos: o 1º distrito passaria a eleger
9 deputados, o 2º elegeria 8, o 5º distrito 7 e o 9º indicaria 6 deputados. Os
demais continuariam com os cinco anteriormente existentes, mantendo-se uma
circunscrição para senadores, governador e vice-governador115.
Já para as eleições a deputados federais os Estados brasileiros foram
divididos, em 1892, em distritos eleitorais de três deputados, isto é, de cada um
deles sairiam ao menos três parlamentares para a Câmara Federal. Em 1905, o
número de deputados eleitos por distrito aumentou para cinco, diminuindo-se, no
entanto, o número de distritos. Na constituição de tais distritos buscou-se fazer
com que cada um tivesse, dentro de um Estado, aproximadamente a mesma
população total. No caso dos Estados que tivessem uma representação igual ou
inferior a cinco, e posteriormente a sete deputados, estes seriam “unidistritais”116.

114
- Apenas sete estados adotaram o bicameralismo durante a República Velha: Alagoas,
Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará, Pernambuco e São Paulo.
115
- Para estes dados e outros referentes às atribuições e competências da Câmara, do Senado e
do Congresso estabelecidas na Constituição de 1891 e nas reformas subseqüentes ver as Tabelas 1 e 2.
116
- O Decreto Federal nº 153, de 03/08/1893 regulamentou o artigo nº 36 da Lei nº 35, de
26/01/1892, dividindo-se desta forma os distritos eleitorais por Estado: com um distrito: Amazonas,
Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e
Sergipe; com dois distritos: Alagoas, Maranhão e Pará; com três distritos: Ceará e Distrito Federal;
com cinco distritos: Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro; com sete distritos: Bahia e São
Paulo; e com doze distritos: Minas Gerais. O Decreto Federal nº 1.425, de 27/11/1905 regulamentou
80

Quanto às eleições para senadores federais e presidente e vice-presidente da


República havia apenas uma circunscrição eleitoral.
Durante a República Velha manteve-se a prática, vinda do final do Império,
de, em caso de vacância, por morte ou renúncia, de senadores e deputados
proceder-se a uma nova eleição para o substituto, o qual cumpria o mandato do
substituído até o final. Tal dispositivo explicava a ocorrência de eleições, e às
vezes mais de uma, praticamente em todos os anos desse período.
A Constituição federal de 1891 definiu que as sessões do Congresso
Nacional seriam abertas todo dia 3 de maio e que teriam a duração de quatro
meses, podendo ser os trabalhos prorrogados extraordinariamente. A
Constituição estadual paulista de 1891 estabeleceu que as sessões durariam três
meses (exceto no caso de eventuais prorrogações) e seriam abertas anualmente
a 7 abril. As eleições para deputados e senadores eram realizadas no dia 1º de
dezembro do último ano de cada legislatura. A reforma de 1905 aumentou a
duração das sessões para 4 meses e alterou a data de início para 14 de julho de
cada ano, conseqüentemente a data das eleições foi modificada para 2 de
fevereiro. Por vezes as datas eram alteradas, como em 1903, quando foram
adiadas em seis dias por conta do Carnaval, ou então em 1919, que passou de 2
de fevereiro para 26 de abril, como resultado do surto de gripe espanhola. Ou
ainda, como em 1921 e 1925, sob a alegação de naqueles anos terem ocorrido
muitas eleições.
Na República Velha havia uma porta estreita pela qual o cidadão brasileiro
tinha de passar para poder vislumbrar o palco político. Era o artigo 70 da
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil:

“Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, que se alistarem na


forma da lei.

a artigo 58 da Lei nº 1.269, de 15/11/1904. Pelo decreto de 1905 os seguintes Estados ficaram com
um distrito: Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba,
Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe; com dois distritos: Ceará e o Distrito
Federal; com três distritos: Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro; com quatro Distritos:
Bahia e São Paulo; e com sete distritos: Minas Gerais.
81

§ 1º Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou para as dos


Estados:
1. Os mendigos;
2. Os analfabetos;
3. As praças de pré, excetuando-se os alunos das escolas militares de ensino
superior;
4. Os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou
comunidade de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra, ou
estatutos, que importe a renúncia da liberdade individual.
§ 2º São inelegíveis os cidadãos não alistáveis.”

Às condições apontadas neste artigo da Constituição brasileira juntava-se


outra, que não estava escrita em nenhum lugar, mas era uma regra de ouro da
República Velha: as mulheres não votavam. Além dessa restrição, havia mais
uma, esta, porém, mais óbvia: somente possuíam direito de voto os brasileiros
natos ou naturalizados. Em um país com um elevado contingente de imigrantes
esta também era, no entanto, outra significativa restrição, sobretudo se
atentarmos para o fato de que parte significativa deles ficava no Distrito Federal e
nos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul.
Para que se tenha uma dimensão do que significava o artigo 70 em termos
de estreitamento da possibilidade de participação política do brasileiro iremos
examinar alguns dados estatísticos disponíveis. Fundamentalmente iremos nos
valer dos dados do Censo de 1920117, que são os números mais próximos
existentes do período aqui tratado. O próximo censo foi o de 1940, muito distante
de nossa época.
O recenseamento do Brasil realizado em 1º de setembro de 1920 apontou
uma população total no País de 30.635.605 habitantes, divididos em 15.443.818
homens e 15.191.787 mulheres. Estas, pela regra não escrita, eram as primeiras
a ficar pelo caminho. Depois das mulheres, era a vez dos homens estrangeiros:
933.521 habitantes (aqui incluídos 14.181 de nacionalidade ignorada). O primeiro
crivo do artigo 70 era o da idade: somente poderiam ser eleitores os brasileiros
maiores de 21 anos de idade. O Censo apontava a existência de 6.008.418

117
- Os dados foram retirados de Brasil. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil realizado em 1º de Setembro de 1920, Vol.
IV – População (5 partes em 7 volumes), passim.
82

pessoas nestas condições, ou seja, 19, 61% da população total do País. Destes
poucos mais de seis milhões devemos retirar aqueles homens de nacionalidade
brasileira e maiores de 21 anos qualificados como mendigos (172.927), praças de
pré (que compreendiam 33.967 pertencentes ao Exército, 8.113 da Marinha,
25.760 da Polícia 1.295 dos Bombeiros, o que totalizava 69.135) e os religiosos
(que totalizavam 2.923), que totalizavam 244.985 habitantes. Restavam, portanto,
5.763.433 homens brasileiros com mais de 21 anos.
Resta aqui um último e relevante quesito de exclusão: o dos analfabetos.
Historicamente o Brasil sempre possuiu elevadas taxas de analfabetismo. Nas
quatro primeiras décadas do século XX elas eram aterradoras, como se pode ver
da tabela abaixo, que apresenta os dados globais da população com quinze ou
mais anos de idade:

ANO ALFABETIZADO ANALFABETOS SEM TAXA DE


S DECLARAÇÃO ANALFABETISMO
1900 3.380.451 6.348.869 22.791 65%
1920 6.155.567 11.401.715 - 65%
1940 10.379.990 13.269.381 60.398 56%
FONTE: Marcelo Medeiros Coelho de Souza. O analfabetismo no Brasil sob o enfoque demográfico. IPEA – Texto para
discussão. Brasília, nº 639, abril de 1999.

Com a lei não escrita de exclusão das mulheres este era o critério que mais
contribuía para cercear o exercício da cidadania política pelo processo eleitoral. O
Censo de 1920 havia registrado 4.721.055 homens de nacionalidade brasileira,
com quinze ou mais anos, que não sabiam ler ou escrever. Os dados censitários
de 1920 tinham, fundamentalmente, três grupos nos quais se dividia o fator idade.
Na maioria dos seus dados eles se dividiam em 24 faixas de idade, indo do item
“Dias” até o “100 e mais anos”, passando pelas faixas de 15 a 20 e 21 a 24 – aqui
citadas por conta da questão da idade mínima para ser eleitor. Outro grupo era o
que abrangia as profissões, o qual possuía apenas duas faixas: com menos ou
mais de 21 anos de idade; muito provavelmente assim dividido para mascarar o
trabalho de menores. E, por fim, o grupo do grau de instrução, que possuía três
faixas: 0 a 6 anos, 7 a 14 anos e, finalmente, 15 ou mais anos. A fim de
83

buscarmos um número mais próximo possível do real para que possamos estimar
o número de brasileiros que possuíam o direito de ser eleitores. No entanto, se
supormos que as taxas de analfabetismo se distribuíssem homogeneamente em
todas as faixas de idade, poderíamos subtrair deste total um número equivalente
à porcentagem correspondente dos brasileiros com idade entre 15 e 20 anos na
somatória das faixas acima de 15 anos existente na tabela com 24 faixas. Embora
não seja possível assegurar sua correção, em razão de falta de conhecimentos na
área de demografia, acreditamos estar próximos do real número. Assim, se
população masculina de nacionalidade brasileira com idade superior a 15 anos
totalizava 7.939.298, os que tinham idade entre 15 e 20 anos (1.930.880)
correspondiam a 24,32% desse valor. Esta porcentagem, aplicada ao total de
homens brasileiros analfabetos com 15 ou mais anos, equivalia a 1.148.161
habitantes. Subtraindo-se este número daquele total, teremos 3.572.894 homens
de nacionalidade brasileira com mais de 21 anos que tinham o direito de ser
eleitores. Este número equivalia a 11,66 % da população brasileira de 1920. Esta
era, todavia, a população que potencialmente tinha este direito. A que
efetivamente o exercia era muito menor, pois o alistamento e o voto, como
colocava o artigo 70 da Constituição brasileira, não eram obrigatórios, como
veremos a seguir.
O voto durante a República Velha não era obrigatório. Portanto, o primeiro
passo para o cidadão poder exercer seu direito de votar era o seu alistamento.
Ele o deveria requerer em sua comarca perante uma comissão de alistamento,
composta do juiz de direito ou equivalente, como presidente, dos quatro maiores
contribuintes domiciliados no município, sendo dois do imposto predial e dois dos
impostos sobre a propriedade rural (nas capitais e onde não houvesse
contribuintes sobre a propriedade rural, estes eram substituídos pelos dois
maiores contribuintes do imposto de indústrias e profissões) – marcando
explicitamente a influência do poder econômico no processo eleitoral -, “e de três
cidadãos eleitos pelos membros efetivos do governo municipal e seus imediatos
84

em votos, em número igual”118. Este formato, a propósito, mostra uma das


características básicas do sistema eleitoral desse período que era o controle
absoluto por parte do Poder Executivo tanto na composição das mesas e
comissões eleitorais como na qualificação dos eleitores ou na apuração dos
votos, por meio das oligarquias locais e regionais, sobre o processo eleitoral. A
partir de 1916 o alistamento eleitoral foi entregue ao Poder Judiciário, mas o
poder e as pressões da oligarquia praticamente tornavam nula qualquer
possibilidade de uma atitude independente por parte dos juízes na esmagadora
maioria das cidades.
O requerimento de alistamento deveria ser acompanhado das provas de
idade superior a 21 anos, de saber ler e escrever (“escrevendo o alistando,
perante a comissão e no ato de apresentar o seu requerimento, em livro especial,
seu nome, estado, filiação, idade, profissão e residência”119) e de residência no
município, por mais de dois meses – mais tarde aumentado para quatro meses -,
por atestado de autoridade judiciária, policial ou de três cidadãos proprietários. A
partir de 1916 também se passou a exigir também prova de “exercício de indústria
ou profissão ou de posse de renda que assegure a subsistência”120. Em São Paulo
adotou-se o instituto da “contraprova”. Por meio dele, além, por exemplo, de exibir
os recibos de aluguel por mais de dois meses (a prova), o eleitor precisava provar
que quem assinava os recibos era o proprietário da casa ou seu procurador (a
contraprova). Enfim, querer tornar-se eleitor exigia do cidadão uma grande
disposição de tempo para a obtenção de provas e contraprovas121. Ao final de
todo este processo o cidadão receberia seu título de eleitor.

118
- Art. 9º da Lei 1.269, de 15-11-1904. Este dispositivo deste diploma legal que ficou
conhecido como Lei Rosa e Silva (embora seu autor fosse o deputado Anísio de Abreu, foi graças ao
empenho daquele senador que a lei foi aprovada) foi criticado ao seu tempo por Borges de Medeiros,
pelo fato de excluir os pequenos proprietários e contribuintes (apud Walter Costa Porto. O voto no
Brasil: Da Colônia à Quinta República, p. 171.)
119
- Art. 18 da Lei 1.269, de 1904.
120
- Inciso “b” do § 2º do art. 5º da Lei 3.139, de 2-8-1916.
121
- “Um eleitor paulistano, por exemplo, em outubro de 1928 escrevia ao partido
[Democrático, dk] afirmando que havia se alistado nele em março daquele ano, e dera aos
responsáveis todos os documentos, além de ter assinado vários requerimentos. Fora ao Fórum em
junho, e depois de um mês informaram-lhe que faltava um recibo de aluguel; não tendo recebido o
título de eleitor até aquela data, dizia que desistira de tudo, pois ‘(...) comunico que vivo da minha
85

Embora se pudessem realizar alistamentos de eleitores em cada um dos


Estados, no caso de São Paulo, exceto no período de 1900 a 1905, a regra foi
considerar os alistamentos federais durante a República Velha como válidos para
as eleições estaduais. Aliás, os primeiros dispositivos legais referentes ao
alistamento preservaram os provenientes do final da época imperial.
As condições impostas pelo artigo 70 da Constituição brasileira limitavam
extremamente a participação da população no processo eleitoral. Além disso, as
condições de alistamento criavam, como vimos, outros obstáculos, aos quais se
somavam, como veremos adiante, os processo de violência e coação sobre os
eleitores. Este conjunto de fatores provocava uma redução ainda maior do
universo de eleitores. O resultado era de coeficientes que oscilaram, no período
1926 a 1930, entre 3,4% e 6,5% da população que realmente acabavam tendo o
direito de decidir por todo o conjunto da população. A tabela abaixo, que traz o
número total de eleitores existente em cada unidade da federação brasileira e a
porcentagem correspondente em relação ao total estimado da população, mostra
que neste período, mesmo em 1933, quando se permitiu o voto às mulheres
(obrigatório apenas para as funcionárias públicas e facultativo ainda às demais) e
o voto foi tornado obrigatório para a população masculina com mais de 21 anos e
alfabetizada, nunca se conseguiu superar o total de brasileiros que, ainda em
1930, tinha o direito de votar. Um mistério que talvez as fraudes da República
Velha e da República Nova nos possam explicar...

ELEITORES EXISTENTES POR ESTADO E SUA PORCENTAGEM EM


RELAÇÃO À POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA (1926-1933)

UF 1926 %26 1927 %27 1928 %28 1930 %30 1933 %33
AL 21.883 1,959 23.303 2,043 28.303 2,434 35.893 3,018 23.742 1,955
AM 9.326 2,276 9.451 2,263 11.268 2,647 19.350 4,460 4.380 0,991
BA 95.842 2,483 111.581 2,825 144.748 3,581 227.694 5,505 91.118 2,153
CE 54.823 3,606 58.397 3,756 66.154 4,166 124.835 7,677 30.478 1,833
DF 61.139 4,499 68.177 4,885 85.711 5,986 144.744 9,855 84.756 5,626

profissão, não tendo tempo para dispersar em andar de aqui para ali assinando, requerendo, etc., sem
ter, com tudo isso, interesse algum a meu favor’.” (Maria Lígia Coelho Prado. A democracia
ilustrada (O Partido Democrático de São Paulo, 1926-1934), p. 60.)
86

UF 1926 %26 1927 %27 1928 %28 1930 %30 1933 %33
ES 11.759 2,017 14.151 2,315 19.989 3,144 48.708 7,364 28.474 4,138
GO 14.269 2,228 16.264 2,454 17.171 2,498 34.893 3,356 16.114 2,184
MA 25.543 2,43 25.953 2,408 32.988 2,975 61.311 5,375 12.432 1,059
MG 280.705 4,066 297.889 4,208 319.709 4,405 645.251 8,673 311.374 4,08
MT 10.704 3,423 11.262 3,469 13.989 4,151 21.900 5,259 8.788 2,42
PA 51.671 4,07 54.273 4,106 57.679 4,192 91.838 6,411 29.990 1,944
PB 21.385 1,793 25.584 2,072 34.620 2,709 61.969 4,687 29.664 2,168
PE 66.371 2,536 68.943 2,554 84.666 3,042 117.171 4,082 69.318 2,342
PI 15.307 2,072 16.315 2,142 22.262 2,835 33.124 4,091 10.462 1,254
PR 32.730 3,76 34.486 3,816 42.711 4,552 100.496 10,314 34.120 3,373
RJ 73.866 4,005 81.432 4,294 84.941 4,368 167.999 8,412 69.522 3,39
RN 16.103 2,414 17.116 2,48 18.944 2,652 26.810 4,687 18.959 2,48
RS 186.122 6,93 196.143 7,074 214.976 7,504 367.782 12,426 231.194 7,561
SC 25.544 3,367 33.195 3,772 44.454 4,866 75.351 7,945 36.187 3,675
SE 17.292 3,209 17.965 3,377 18.839 3,489 28.725 5,242 23.460 4,218
SP 179.380 3,118 193.527 3,247 298.736 4,803 516.651 8,073 273.251 4,121
Ter AC 0 0 0 0 0 0 0 0 1.946 1,674
Total BR 1.271.764 3,467 1.375.407 3,621 1.662.858 4,264 2.952.495 6,519 1.439.729 3,469
FONTES: BRASIL. Instituto Nacional de Estatística. Anuário Estatístico do Brasil – II. Rio de Janeiro, Tip. do Depto. de Estatística e
Publicidade, 1936; BRASIL. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Instituto de Expansão Comercial. O Brasil atual. Forças
econômicas – Progressos. Rio de Janeiro, Lit. Typ. Fluminense, 1930; BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Serviços Comerciais.
Brasil. Estatísticas e diagramas. Rio de Janeiro, s.c.p., 1933; Correio do Povo. Porto Alegre, 01-03-1930, p. 12; Diário do Congresso
Nacional. Rio de Janeiro, 21/05/1930, p. 544-546.

No entanto, mesmo depois de alistado, o eleitor ainda tinha a faculdade de


não se apresentar nos dias de eleição, o que reduzia ainda mais o número dos
que efetivamente tomavam parte do processo eleitoral. Se tomarmos como
parâmetro os eleitores que votaram nas eleições presidenciais teremos um
número mais próximo da realidade, mesmo assim pouco confiável, pois em boa
parte dos casos, o resultado era superior ao efetivo comparecimento, em razão
das fraudes, como vimos, e inferior ao alistamento, em razão de consideráveis
abstenções. Pela tabela abaixo vemos que o maior número de eleitores presentes
a uma eleição presidencial no Brasil, que foi em 1930, não superou o número de
brasileiros que poderiam ser eleitores em 1920.

RESULTADOS DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NO BRASIL


(1918-1930)

ANO CANDIDATO ELEITO 2º MAIS VOTADO TOTAL*


1918 386. 467 1.258 387.725
(Francisco de Paula Rodrigues Alves) (Nilo Peçanha)
1919 286.373 116.414 402.787
(Epitácio da Silva Pessoa) (Ruy Barbosa)
87

ANO CANDIDATO ELEITO 2º MAIS VOTADO TOTAL*


1922 466.877 317.714 784.591
(Arthur da Silva Bernardes) (Nilo Peçanha)
1926 688.528 1.116 689.644
(Washington Luís) (Assis Brasil)
1930 1.091.709 742.794 1.834.503
(Júlio Prestes) (Getúlio Vargas)
FONTE: Walter Costa Porto. Dicionário do voto, p. 144-146; Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro,
21/05/1930, p. 544

* Não estão incluídos os votos recebidos por outros candidatos, que, somados, variaram de 1.000 a 2.000 no total.

Um título eleitoral de 1926.


(Acervo Eugênio Egas Neto)

De posse de seu título, o eleitor estava apto a votar. Munido do título poderia
comparecer à sua seção eleitoral, que deveria estar limitada ao máximo de 250
eleitores, situada em um prédio público designado pela Câmara Municipal ou, na
falta de número suficiente destes, em edifícios particulares122. Tal exceção
permitia que a eleição, por exemplo, se realizasse na casa do chefe político local,
o que certamente era um constrangimento para eleitores oposicionistas. Os
trabalhos deveriam iniciar-se às 10 horas e encerrar-se, no máximo, às 19 horas e
seriam dirigidos por mesas eleitorais compostas pelo juiz de paz mais votado no
distrito, como presidente, e outros quatro membros (o segundo e o terceiro juízes
de paz e os dois primeiros suplentes). O local destinado ao processo eleitoral
deveria possuir uma divisão, que não impedisse a fiscalização, separando a mesa
do espaço onde deveriam ficar os eleitores, os quais eram chamados a votar na

122
- Ver § 3º do art. 21 do Decreto 1.411, de 10-10-1906.
88

ordem da relação do alistamento. No espaço destinado à mesa somente poderiam


estar seus membros e o eleitor chamado a votar. Este deveria depositar seu voto
em uma estreita urna lacrada a cadeado e depois assinar o livro de
comparecimento. Esta urna, aliás, era tão estreita que as cédulas se empilhavam
umas sobre as outras, fazendo com que se pudesse restabelecer a ordem de
votação, o que tornava possível definir a identidade do eleitor e o conteúdo de
seu voto. A cédula que o eleitor depositava na urna deveria ser fechada de todos
os lados, transformando-se em uma sobrecarta. Ela podia ser manuscrita ou
impressa em papel branco ou anilado, não podendo ser transparente, nem ter
marca, sinal ou numeração. As cédulas que não obedecessem a tais padrões
eram apuradas em separado. O eleitor apanhava as cédulas com os cabos
eleitorais antes de entrar no recinto da assembléia eleitoral, mas elas eram
distribuídas ali dentro, chegando muitas vezes, de acordo com as incontáveis
denúncias feitas na época, o eleitor a encontrá-las na própria mesa eleitoral.

Eleitor votando no Rio de Janeiro.


(Correio da Manhã, 24/02/1927)

Havia, por fim, um ponto de destaque na forma de votação exercida durante


a República Velha: ele não era secreto. Embora a Lei 1.269, de 1904,
estabelecesse que a eleição se daria por escrutínio secreto, permitia-se, no
89

entanto, “votar a descoberto”, devendo, neste caso, o eleitor trazer duas cédulas,
uma das quais depositava na urna e a outra guardava para si como prova. Seus
defensores acreditavam que o voto secreto dificultava a educação das massas e
justificavam sua posição afirmando se tratar de uma prova da evolução das
instituições:

“O voto público ou a descoberto é uma exigência do presente: atua como um


ensinamento viril, afeiçoando o eleitorado que o exercita, segundo os moldes do
civismo e da responsabilidade honesta e dignificadora.”123

Praticava-se o que era intitulado de voto secreto, ao se colocar o voto


fechado em uma sobrecarta dentro da urna. Mas tamanhos eram os artifícios
utilizados pelas forças situacionistas que o adjetivo secreto precisava ser
relativizado. Um contemporâneo nos relatou as diversas formas pelas quais o
voto nunca foi secreto naqueles tempos:

“As nossas leis não impedem que os eleitores recebam as cédulas já


encerradas em envelopes com as dimensões e características que os candidatos
ou partidos preferirem. Essa entrega de cédulas se faz mesmo dentro da sala onde
funciona a mesa eleitoral e, muitas vezes, só no momento em que o eleitor vai
depositá-la na urna. Os envelopes dos diversos partidos ou candidatos podem ser
diferentes nas dimensões, no formato, nos caracteres tipográficos do rótulo e até
na cor. Recebe-os o eleitor à vista de todo o mundo e imediatamente, sob essas
mesmas vistas, deixa-os cair na urna. Entre os assistentes, às vezes entre os
próprios mesários, está o chefe político, o patrão, o credor e sempre o cabo
eleitoral, qualquer deles a fiscalizar todos os gestos do mísero votante, para
certificar-se como votou e em quem votou. Dessa maneira uma grande parte dos
eleitores não vota: deposita cédulas na urna. (...)
Com a tolerância das mesas, o que se pratica habitualmente em todo o
interior de nosso Estado (e até mesmo na capital), é a entrega da cédula fechada,
ao eleitor, à boca da urna, isto é, no momento em que o inconsciente votante
transpõe o gradil que separa o recinto destinado à mesa do que se destina aos
eleitores, que aguardam a sua vez de votar.”124

O deputado Maurício de Lacerda, em pronunciamento feito na Câmara


Federal em 1920, também inventariava outras maneiras pelas quais se fraudava o
sigilo do voto:

123
- Themistocles Brandão Cavalcanti et alii. O voto distrital no Brasil, p. 261, n. 138.
90

“O voto secreto atual consiste em receber o leitor uma cédula já não à


entrada do edifício da seção, já não à passagem da grade que separa a mesa dos
eleitores da seção, mas, “à boca da urna” e recebê-la do candidato ou do chefe
político que o dirige. São chamados votos de “caixão”, votos de “boca de urna”.
Quando não se distribuem assim as cédulas, os partidos costumam ter
sobrecartas diversas até na cor, de modo que quando o leitor entra com a cabeça
para a urna, já se conhece qual o seu voto e a que partido é dado. Pode,
entretanto, suceder muitas vezes o que se chama “emprenhar a cédula”, pois
inventou-se a chamada “cédula de ferro” que tem impressa no reverso da
sobrecarta os nomes dos candidatos votados.”125

Outra fraude muito comum era o comparecimento às urnas de pessoas


empunhando títulos de eleitor de cidadãos falecidos, fato frente ao qual, em 26 de
dezembro de 1929, assim reagiu sarcasticamente o deputado estadual
democrático Antônio Feliciano:

“E não são só os vivos que votam: votam também os mortos... E é por isso
que alguém já disse que, geralmente em S. Paulo, no calendário paulista existem
tantos dias de finados quantos são os dias de eleições, com esta diferença, porém:
é que nos dias de finados nós levamos o preito da nossa homenagem aos que
desapareceram e, nos dias de eleições, o governo faz com que os mortos rendam
também a ele, governo, um preito de homenagem, dando-lhes os seus votos!”126

124
- João Sampaio. O voto secreto, in Partido Democrático. O voto secreto: Coletânea de
opiniões, discursos e documentos sobre o assunto, p. 60-62. Trata-se de conferência proferida pelo
autor em 11-6-1922.
125
- Maurício de Lacerda. Projeto do Senado federal instituindo o voto secreto: Discurso
pronunciado em 30 de outubro de 1920, na Câmara dos Deputados, in Partido Democrático. O voto
secreto: Coletânea de opiniões, discursos e documentos sobre o assunto, p. 233.
126
- São Paulo. Congresso. Câmara dos Deputados. Anais da sessão ordinária de 1929 (vol.
II), p. 2.611.
91

Vivo votando por mortos.


(J. Carlos. Careta, 06/12/1915)

O voto secreto foi, durante todo a República Velha, a bandeira central da


oposição e daqueles que defendiam a necessidade da manutenção da “verdade
eleitoral”127 sem qualquer interferência, ou seja, o respeito ao resultado das urnas.
Os defensores do voto secreto e da transparência nas eleições, cuja entidade de
maior relevância foi a Liga Nacionalista de São Paulo, ao mesmo tempo em que
destacavam os seus defeitos, apresentavam suas propostas:

127
- A respeito do voto secreto, dentre a vasta literatura da época, destacam-se as obras de A.
de Sampaio Doria, O que o cidadão deve saber (Manual de instrução cívica), de Mario Pinto Serva,
O voto secreto ou a organização de partidos nacionais e a do Partido Democrático, O voto secreto:
Coletânea de opiniões, discursos e documentos sobre o assunto, que enfocam mais de perto a questão
do ponto de vista do Estado de São Paulo.
92

“O voto, no Brasil, não é secreto. O simples fato de o eleitor colocar uma


cédula num envelope, fechá-lo e assim depositá-lo na urna, não constitui
absolutamente sigilo. A prova é que, em regra, o resultado dos pleitos é
aproximativamente prefixado antes de se encerrarem os trabalhos das mesas
eleitorais.
A razão disto está em que a maioria dos eleitores recebe cédulas nas
imediações ou no próprio recinto onde se encontram as mesas. Essas cédulas são
distribuídas dentro de envelopes desiguais, por cujo simples aspecto se conhece o
conteúdo. Demais, os eleitores são vigiados, em grandíssima parte, pelos agentes
eleitorais de determinados grupos, e mesmo acompanhados até junto da urna,
para se ter a certeza de que votam de acordo com o desejo de tais agentes.
[...]
É preciso que se proíba absolutamente a distribuição de cédulas no recinto e
nas imediações das mesas, dentro de um raio de cem metros. Esta medida evitará
que os eleitores sejam esperados no lugar onde têm de comparecer, para serem aí
compelidos por influências estranhas e vigiados em seus passos e gestos até o
momento de se aproximarem da urna.
É preciso estabelecer um tipo único e uniforme de envelope para todas as
cédulas, qualquer que seja a sua origem, o que tornará impossível conhecer-se a
maneira pela qual o eleitor independente deliberou a sua escolha, e tornará
também impossível a existência de convenção segura entre o eleitor corrompido ou
subserviente e seus dominadores presentes ao ato.
É preciso, além disso, que a urna onde se depositem as cédulas seja
bastante larga, de maneira que as cédulas não tombem umas sobre outras pela
mesma ordem em que foram lançadas, o que permitiria conferirem-se depois com a
lista de chamada, burlando-se o sigilo.
É preciso, finalmente, que no recinto das eleições haja um compartimento
reservado, onde o eleitor chamado a votar se encontre a sós, e possa colocar
tranqüilamente a cédula que entender dentro do envelope oficial uniforme. As
cédulas poderá ele levá-las consigo, poderão achar-se à sua disposição dentro do
compartimento, ou poderão ser redigidas no momento pelo próprio votante. Assim,
esse compartimento deve conter uma mesa com tudo que é necessário para
escrever. Ele pode consistir mesmo essencialmente nessa própria mesa, cercada,
em três lados, por um pequeno tabique até a altura de dois metros sobre o solo.
Esse compartimento deverá ser colocado o mais distante que for possível do
espaço reservado ao público, da mesa eleitoral e de qualquer porta, janela, ou
abertura que faculte a comunicação com o exterior.”128

Além de tudo isso, não se pode ignorar as pressões exercidas sobre os


eleitores em seus locais de trabalho, como se assinala em um relatório da
Coligação Operária de Santos:

“A grande maioria do eleitorado está toda segura e ligada por intermédio dos
cabos eleitorais que são ao mesmo tempo os chefes das empresas onde o eleitor

128
- Liga Nacionalista de São Paulo. Representação da Liga Nacionalista ao Sr. Presidente da
República. São Paulo, dezembro de 1922, in Partido Democrático. O voto secreto: Coletânea de
opiniões, discursos e documentos sobre o assunto, p. 215-217.
93

trabalha. Não existe eleitorado livre e independente. Os políticos, quer do P.R.P.,


quer do P. Democrático, exercem sobre o eleitorado severa vigilância e controle,
por intermédio dos chefes das diversas seções, de cujas empresas são diretores e
donos.
Os partidos, muito a propósito, já colocam no diretório ou na chapa de
candidatos os diretores e donos dessas empresas, para assim melhor influírem nos
eleitores seus empregados. Citemos um fato: Belmiro Ribeiro, despeitado com o
Partido Municipal, aliou-se ao P. D. em 1927, arrastando consigo os eleitores
trabalhadores em café, cerca de 180, que trabalham na sua empresa e da qual é
diretor – Companhia Central de Armazéns Gerais. Passando-se agora para o P. R.
P., esses eleitores tiveram que votar no seu partido, tendo sido despedido um
operário que fez declaração em contrário.
À porta de cada seção eleitoral fica um indivíduo com a lista dos eleitores que
votam naquela seção, assinalando com uma marca a lápis os que votam neste ou
naquele partido. Dessa forma sabem os partidos em que candidato o leitor votou, e
os eleitores sabem perfeitamente que se votarem contra seus chefes virão a saber,
e estará ele despedido no dia seguinte, na certa. Podíamos citar dezenas de casos
em que os nossos propagandistas ao fazerem propaganda dos nossos candidatos
recebiam de operários a seguinte resposta: ‘Sei o que é a Coligação Operária,
acompanho a sua propaganda, estou de coração com os seus candidatos e
programa, mas, se votar contra o partido (tal) meu chefe me põe na rua, e eu tenho
família e já estou muito endividado porque já se ganha pouco. Sei que cometo um
crime, mas que vou fazer?’.”129

Para presidente e vice-presidente do Estado, as eleições eram feitas com


cédulas separadas, uma para cada cargo, e consideravam-se eleitos os
candidatos que obtivessem dois terços dos sufrágios recolhidos.
Já para deputados à Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo o
eleitor, em cédula própria, votava em tantos nomes quantos correspondessem aos
dois terços do número total a eleger, podendo-se acumular todos ou parte dos
votos em um só candidato, bastando escrever o nome de candidato tantas vezes
quantos fossem os que lhe quisesse lhe dar. No caso do número total não ser
múltiplo de três, um nome seria adicionado para efeitos do cálculo dos dois
terços. Em lei de 1905, regulamentada por decreto de 1906, houve alteração
nesta sistemática, com a introdução do voto uninominal, ou seja, o eleitor indicaria
apenas um nome, e da adoção do segundo escrutínio, isto é, haveria uma nova
eleição para preencher os lugares não ocupados pelos que não atingissem o

129
- Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório da Comissão Executiva da
Coligação Operária, sobre o pleito de outubro de 1928 – Diretriz futura – Conclusão. Santos, 10 de
novembro de 1928, p. 2.
94

quociente eleitoral – resultado da divisão do número de eleitores votantes pelo


número de vagas de deputados a eleger. Tal pratica foi adotada na eleição para a
7a Legislatura (1907-1909). Já para a eleição da legislatura seguinte definiu-se
que os dois turnos seriam realizados na mesma data, depositando o eleitor uma
só cédula, contendo duas partes distintas ou turnos: o primeiro turno era o de voto
uninominal e o segundo turno o de voto por escrutínio de lista, na qual o eleitor
inscrevia tantos nomes quantos fossem os deputados a eleger. A possibilidade de
ter mais votos em um escrutínio ajuda a compreender porque os candidatos a
deputado estadual eleitos em segundo escrutínio possuíam um maior número de
votos dos que os eleitos em primeiro. Tal formato de cédula perdurou até o final
da República Velha.
A votação para o Senado de São Paulo era realizada juntamente com a da
Câmara, também feita em célula própria, que possuía dois terços do número de
lugares a preencher, exceto quando o número de senadores a eleger não fosse
múltiplo de três, passando a cédula a conter dois terços deste número e mais
um130. Tais critérios ajudam a entender os números finais das apurações, quando
as atas assinalam um número muito mais elevado de sufrágios do que de
eleitores.
Este tipo de cédula também foi feito para atender a um dispositivo da
Constituição federal de 1891, que seria também reproduzido nas várias
Constituições estaduais e que permaneceria inalterado nas reformas eleitorais
ocorridas na República Velha, que estabeleceu, com respeito a eleição de
deputados, a fixação de um processo eleitoral que garantisse a “representação da
minoria”. A idéia propalada era que os votos de segundo turno serviriam para
eleger oposicionistas. No entanto, basta examinar os resultados eleitorais, para
constatar-se que o situacionismo perrepista fazia com que os votos se
distribuíssem de modo a eleger dois ou três membros de sua chapa em primeiro
turno e os demais em segundo. É muito freqüente, como prova desse
procedimento, encontrar-se candidatos, como, por exemplo em São Paulo, o

130
- Ver Decreto 1.4111, de 10-10-1906.
95

deputado eleito em 26 de abril de 1919 pelo 1º Distrito, que recebeu 5 votos em


primeiro turno e 9.036 em segundo.

Imagens do interior de uma seção eleitoral do Rio de Janeiro.


(Correio da Manhã, 24/02/1927)

Encerrada a votação, a urna era aberta pela mesa, que procedia ali mesmo
à contagem dos votos. O resultado era afixado na porta da seção e inscrito em um
livro de atas, onde também se registravam as ocorrências havidas durante a
eleição, que era assinado pelos membros da mesa, fiscais e eleitores que o
desejassem fazer. Feito isso, as cédulas eram incineradas. O desaparecimento
dos votos transformava a ata final de apuração em um documento de grande
importância, em torno do qual travavam-se intensas disputas, envolvendo a
confecção de atas falsas. Tal processo era conhecido como “bico-de-pena”.
Narrado ao historiador Roberto Telarolli por um antigo chefe da política local, há
um episódio exemplar de tal procedimento ocorrido em Itajobi, por ocasião das
eleições presidenciais de 1º de março de 1930 e que vale a pena aqui citar:

“Não havendo qualquer oposição na sua jurisdição, determinou que se ia


fazer os resultados no ‘bico-de-pena’ e só mandou trazer os eleitores da redondeza
– ‘para que houvesse algum movimento’ -, por uma questão de economia. No auge
do ‘bico-de-pena’ chegaram cinco fiscais de Getúlio, de fora, com as necessárias
procurações. ‘Falei claro: posso trazer 3.000 eleitores, mas isso é questão de
economia. Proponho-lhes 100 votos para assinarem as atas”. Os fiscais aceitaram
prontamente.”131

Depois, a ata era transcrita no livro de notas do tabelião ou do escrivão de


paz, e fazia-se dela cópias, que eram enviadas para a Câmara Municipal ou
Intendência [Prefeitura] do município onde se realizaram as eleições, para a
96

Câmara ou Intendência da Capital do Estado e uma terceira para a Secretaria da


Assembléia Legislativa ou Congresso Legislativo132.

Junta apuradora das eleições cariocas de 1928.


(Correio da Manhã, 08/11/1928)

Na Câmara Municipal de São Paulo, como nas capitais de outros Estados,


procedia-se à apuração geral dos votos de todo o Estado de São Paulo, processo
esse considerado uma espécie de segundo escrutínio, pois aqui muitas atas de
seções eleitorais podiam ser anuladas por vícios ocorridos na eleição. Embora a
Lei Rosa e Silva tenha sido apontada como uma ação moralizadora dos
escrutínios eleitorais, pois desde sua vigência a mesa que dirigia os trabalhos
desse “segundo escrutínio” era unicamente composta por membros do Poder
Legislativo – o que, a rigor, sabendo-se da histórica venalidade existente neste
Poder era um argumento falacioso -, os malabarismos que ocorriam durante as
“verificações de poderes” realizadas no âmbito do Poder Legislativo invalidavam
qualquer trabalho eventualmente praticado com seriedade durante o “segundo”.
Concluídos os trabalhos do “segundo escrutínio”, eram extraídas cópias da ata
geral de apuração, que eram remetidas para o presidente do Estado, para a

131
- Rodolfo Telarolli. A organização municipal e o poder local no Estado de São Paulo, na
Primeira República, p. 560.
132
- No Anexo I transcrevemos um relatório de um delegado do Partido Democrático. Nele se
descrevem os acontecimentos ocorridos em um dia de eleição. Fraude e violência, em que pese o fato
de ser este um relato feito por um oposicionista ao situacionismo perrepista, são a tônica de tais fatos,
que ocorrem, ressalte-se, na Capital e não em uma longínqua seção do Interior do Estado. Também
julgamos relevante transcrever, no Anexo II, parte de um relatório da Comissão Executiva da
Coligação Operária de Santos, onde se retrata todo o processo eleitoral, desde o alistamento, sob o
ponto de vista dos comunistas.
97

secretaria da Câmara dos Deputados ou do Senado e uma a cada um dos eleitos,


para lhes servir de diploma. A partir da divisão do Estado em distritos, na eleição
para deputados para a Legislatura de 1907-1909, as apurações finais passaram a
ser feitas na sede de cada um dos dez distritos em que se dividiu o Estado de
São Paulo. Com relação ao Senado e aos deputados federais – a partir de 1916 -,
a apuração final continuou a ser feita na Câmara Municipal de São Paulo.
No caso das eleições para presidente do Estado, a apuração final realizava-
se no próprio Congresso Legislativo do Estado de São Paulo.

A verdade eleitoral. A moralidade política não permitirá que a Verdade saia nua das urnas.
(K. Lixto. D. Quixote20/01/1918)

O processo eleitoral encerrava-se no próprio Congresso Legislativo. Nas


chamadas sessões preparatórias os candidatos diplomados compareciam
munidos com seus respectivos diplomas e os apresentavam. Aprovava-se uma
Mesa provisória, que, por sua vez, definia duas comissões de verificação de
poderes, às quais competia dar, com base nas atas das juntas apuradoras, que
eram feitas pelos métodos que acima foram narrados, diplomas, contestações e
demais documentos, o parecer reconhecendo a eleição dos candidatos
diplomados. Nunca é demais ressaltar o que ocorria aqui: competia aos
deputados e senadores eleitos dar o parecer sobre sua própria eleição. Era, na
prática, o soberano parecer dessas comissões, que poderia, por exemplo, anular
98

os votos de uma seção, que determinava se o candidato eleito iria ou não


efetivamente exercer o mandato. Elas acabavam servindo para barrar o acesso ao
Poder Legislativo das eventuais dissidências e oposições. Tal procedimento na
época era conhecido, algo sutilmente, como “Terceiro Escrutínio”, ou, então, por
uma imagem mais forte, como “degola”133. Embora criado no Império, tal
mecanismo foi aperfeiçoado na República Velha e foi a partir dele, na posse do
Congresso Nacional de 1900, é que se consolidou a chamada “política dos
governadores”134. Tais pareceres refletiam, no caso de São Paulo, infalivelmente
os desígnios do partido hegemônico, isto é, o Partido Republicano Paulista, e
somente os apresentados na chapa do partido é que, como regra, acabavam
sendo eleitos. O reconhecimento de poderes a alguns poucos oposicionistas, ao
longo da República Velha, deve ser visto mais como resultado de “acomodações,
pressões de amigos poderosos e cessão de vantagens ao situacionismo”135 que o
crescimento de uma oposição mais densa, mesmo porque o Partido Democrático,
que talvez pudesse ter tido tal papel em São Paulo, teve seu desenvolvimento
truncado pela chamada “Revolução de 1930”. Todavia, cumpre ressaltar que o
sucessor do Partido Democrático, o Partido Constitucionalista, na metade dos
anos 30 deixou várias mostras, quando exerceu o poder naquele período, de que

133
- Veja-se, nesse sentido, um impressionante relato do processo de degolas feito no âmbito
da Câmara Federal durante a República Velha na obra de Assis Cintra Os escândalos da 1ª
República, p. 146-192.
134
- Através de uma mudança no Regimento Interno da Câmara Federal, em que a presidência
das sessões preparatórias passou do mais idoso entre os presentes para um dos membros da Mesa que
encerrava seu mandato, garantiu-se que um representante do poder central comandaria o processo de
“degola” que atingiria eventuais opositores que tivessem sido eleitos no âmbito estadual, selando
assim o acordo entre governos central e estaduais.
135
- Themistocles Brandão Cavalcanti et alii. O voto distrital no Brasil, p.217.
99

a cultura oligárquica herdada do Partido Republicano Paulista ainda corria


vigorosamente em suas veias.
ANEXO I
“Relatório apresentado pela 7a. Seção do Bom Retiro

No desempenho do mandato que me conferiu o ilustre correligionário e amigo dr.


Marrey Júnior, candidato a deputado federal pelo 1º distrito, venho apresentar o relatório
dos eventos ocorridos na 7a. seção do Bom Retiro, onde acompanhei as eleições do dia 24
de fevereiro, p. p., na qualidade de fiscal do Partido Democrático.
Munido da competente procuração transportei-me para a sede do Bom Retiro, às 8 ½,
sendo às 9 lavrada a ata de instalação da mesa, presentes os snrs. Presidente, secretário e
mesários, figurando o meu nome como fiscal do candidato oposicionista, após meticuloso
exame do instrumento de mandato, com a proverbial má vontade do situacionismo reinante.
Feita a chamada dos eleitores por um dos mesários, com incrível rapidez, procedeu-se
à votação.
Cerca das 10 horas, o snr. José Molinaro abruptamente invadiu o recinto,
acompanhado de capangas e de um certo contador de selos da Delegacia Fiscal que nas
horas vagas é subdelegado nesta Capital.
Corria até então o prélio sem incidentes, mas a catadura do cabo eleitoral italiano pôs
a 7a. seção em polvorosa.
Assim é que, sendo portador de grandes pacotes de cédulas dos candidatos do P.R.P.,
o snr. Molinaro colocou-os ostensivamente sobre a mesa da presidência, abrindo-os em
seguida, para que todos compreendessem a significação da sua presença e a imediata
satisfação dos seus intuitos inconfessáveis.
Protestei contra essa prática marcadamente imoral e abusiva, invoquei a lei, mas tive
como resposta, para vergonha nossa, a seguinte chibatada em língua estrangeira: Ma che
legge! La legge sono io e il mio presidente!
Não contente com as expressões acima, querendo provar com atos o seu asserto
absolutista, destacou o subdelegado já citado para distribuir as cédulas na boca da urna,
desempenho cabalmente executado durante todo o pleito. Redobrei então de vigilância,
interpelando constantemente o snr. Presidente para o atento exame dos títulos, impedindo
que o eleitor votasse sem que o primeiro assinasse ambas as atas.
Durante o dia procuraram-me o snrs. Waldemar Ferreira e Henrique Bayma, no que
foram impedidos pelo subdelegado já mencionado, com palavras grosseiras, retirando-se
aqueles a fim de evitar os desejados distúrbios.
Houve grande acúmulo de eleitores de outras seções, que não funcionaram,
aumentando os trabalhos da 7a. seção.
Consenti votarem os eleitores não pertencentes à seção, mas prendi os respectivos
títulos, inclusive o do snr. Alcino de Campos, filho do Presidente do Estado.
Por duas vezes tentaram repetir a votação de dois eleitores, absurdo não realizado
graças à energia dos meus protestos e à constatação das referidas assinaturas nas atas.
Outra irregularidade contra a qual protestei sem ser atendido foi com relação ao título
de eleitor do snr. Attilio ou Ottilio Comenale, de São Manoel, que o apresentou
desacompanhado da carteira eleitoral, título de 1925, sob o n. 22.728 de ordem de
alistamento e sob n. 383 de talão de impressão. Não residindo o suposto eleitor nesta
101

Capital, e não tendo promovido a necessária transferência, julguei defeso o direito de voto,
não entendendo assim a mesa por se tratar eleições federais.
Com relação a este caso peço à Junta de Processos informar se realmente foi
qualificado em S. Manoel o contestado eleitor ou se o mesmo ainda vive.
O pleito foi constantemente tumultuado com a presença do snr. José Molinaro e seus
apaniguados, que traziam armas à mostra.
De momento a momento aparecia no recinto um italiano baixo e gordo, e perguntava
ao italiano José Barone, presidente da mesa: Você não precisa de mim?
Registro estes pequenos incidentes para mostrar o criminoso indiferentismo dos
brasileiros e a triste situação em que estamos, dominados pelo arrogante estrangeiro [o
trecho “e analfabeto” foi suprimido pelo autor]
Afinal, às 16 horas e meia, depois de muito insistir, consegui o encerramento da
votação, dando-se início à apuração que constatou o comparecimento de 328 eleitores,
sendo os mais votados os snrs. Alexandre Marcondes Filho com 200 e Júlio Prestes com
190 votos, cabendo 99 cédulas aos drs. Marrey Júnior e Gama Cerqueira, ou sejam, 495
votos com a multiplicação ao nosso candidato a deputado federal. Em seguida foi a ata
lavrada pelo secretário dr. Tolosa, escrivão do fórum cível. Concluídos os trabalhos estava
eu assinando-a quando notei a retirada estratégica dos snrs. Presidente e mesários, para
assim evitar a entrega do boletim por mim reclamado ao secretário.
Não tendo outro recurso, prendi a ata e lavrava meu protesto junto ao secretário,
quando surgiu de novo o snr. Molinaro, perquirindo o ocorrido, ao que lhe respondi,
reclamando o boletim assinado pela mesa, ao mesmo tempo que oferecia os do Partido
Democrático, por ele recusados.
Ordenou então o válido do situacionismo que se expedisse o resultado no boletim do
P.R.P. com 99 votos ao candidato oposicionista sem a multiplicação de direito, boletim que
desapareceu da mesa na grande confusão que em seguida se estabeleceu num dos
compartimentos contíguos.
Foi um pugilato rápido, provocado por partidários e capangas do P.R.P., do qual
resultou a morte do conhecido boxeur italiano Furriel, assassinado por um seu patrício,
ambos eleitores, companheiros e amigos do snr. Molinaro.
Aqui deixo em rápidos traços, o triste quadro das eleições deste ano da graça de 1927.
Sendo a primeira vez que votei, e tendo como fiscal, presenciado de perto a extensão do mal
que nos aflige, não devo entretanto calar a impressão de revolta que me produziu o
aviltamento da consciências, postas a soldo na mão dos novos escravocratas. Dou-me,
porém, por bem pago de todos os sacrifícios e canseiras, na certeza de estar lutando nesta
santa cruzada, pela regeneração dos nossos costumes e pela reivindicação dos nossos
direitos.
Espero em Deus a próxima realização dos meus sonhos: - Um Brasil belo, grande e
forte, governado exclusivamente com a inteligência e o coração dos seus filhos.
(a) Godofredo de Ulhôa Canto.”

(FONTE: Instituto Histórico de Geográfico de São Paulo – Fundo do Partido


Democrático - Pacote N. 15, Item 8 – Relatórios sobre as eleições de 24-2-1928)
102

ANEXO II
“Relatório da Comissão Executiva da Coligação Operária de Santos, sobre o pleito de
outubro de 1928

“[...]

AS DIFICULDADES DO ALISTAMENTO

Recomeçamos a alistar eleitores em Novembro de 1927. As dificuldades porém desse


trabalho foram enormes. A primitiva propaganda anarquista e a desmoralização dos políticos
safados, impregnaram o proletariado da descrença quanto ao efeito do voto. Por outro lado,
a falta de documentos, o analfabetismo, a falta de dinheiro para subvencionar alistadores, a
indolência dos alistandos, a hora que funcionavam os cartórios, contrastando com a hora
disponível dos eleitores operários, os recursos feitos pelos partidos inimigos aos nossos
processos inutilizando cerca de 100 eleitores nossos, a cara feia dos patrões e encarregados
para com os operários que queriam alistar-se eleitores, a porcentagem vultuosa de
estrangeiros, o indiferentismo de muitos, a dispersão do proletariado, a não leitura dos
nossos jornais, cartas, comunicados, etc.

O PROLETARIADO DESPERTOU, PORÉM TARDE DEMAIS

Não obstante os obstáculos à propaganda e organização, o proletariado acabou


despertando, porém tarde demais para um trabalho eficiente. Só nestes dois últimos meses,
vimo-lo vibrar de entusiasmo.
Nossa sede enchia-se, trazendo cada um, um ou mais soldados para as fileiras. Os
grupos profissionais de propaganda não desempenharam o papel que lhes estava reservado.
Não foi possível constituir os comitês de propaganda nos bairros e nas empresas, antes do
pleito.

A MÁQUINA ELEITORAL TRITURADORA

Ficou agora provadíssimo, que só vencerá o partido que possuir máquina eleitoral
melhor. A grande maioria do eleitorado está toda segura e ligada por intermédio dos cabos
eleitorais que são ao mesmo tempo os chefes das empresas onde o eleitor trabalha. Não
existe eleitorado livre e independente. Os políticos, quer do P.R.P., quer do P. Democrático,
exercem sobre o eleitorado severa vigilância e controle, por intermédio dos chefes das
diversas seções, de cujas empresas são diretores e donos.
Os partidos, muito a propósito, já colocam no diretório ou na chapa de candidatos os
diretores e donos dessas empresas, para assim melhor influírem nos eleitores seus
empregados. Citemos um fato: Belmiro Ribeiro, despeitado com o Partido Municipal, aliou-
se ao P. D. em 1927, arrastando consigo os eleitores trabalhadores em café, cerca de 180,
que trabalham na sua empresa e da qual é diretor – Companhia Central de Armazéns Gerais.
Passando-se agora para o P. R. P., esses eleitores tiveram que votar no seu partido, tendo
sido despedido um operário que fez declaração em contrário.
103

À porta de cada seção eleitoral fica um indivíduo com a lista dos eleitores que votam
naquela seção, assinalando com uma marca a lápis os que votam neste ou naquele partido.
Dessa forma sabem os partidos em que candidato o leitor votou, e os eleitores sabem
perfeitamente que se votarem contra seus chefes virão a saber, e estará ele despedido no dia
seguinte, na certa. Podíamos citar dezenas de casos em que os nossos propagandistas ao
fazerem propaganda dos nossos candidatos recebiam de operários a seguinte resposta: ‘Sei o
que é a Coligação Operária, acompanho a sua propaganda, estou de coração com os seus
candidatos e programa, mas, se votar contra o partido (tal) meu chefe me põe na rua, e eu
tenho família e já estou muito endividado porque já se ganha pouco. Sei que cometo um
crime, mas que vou fazer?’. Outros mais fortes e decididos conseguiram assim mesmo votar
em nossos candidatos, usando para isso de hábeis atos de mágica.
Enfim, em Santos as cédulas eleitorais são distribuídas na boca da urna pelos
encarregados dos respectivos partidos que, com o auxílio dos fiscais, ou chefes políticos,
antes de terminar a hora da votação, já sabem quantos votos tem este ou aquele candidato,
manobrando, assim, o chamado rodízio, isto é, a distribuição das cédulas de acordo com os
interesses eleitorais do partido. As cédulas são fechadas e ao eleitor não é permitido saber
em quem vota.
Mas a máquina eleitoral não é só coercitiva. Ela é também corruptiva. O P.R.P., por
exemplo, tem um departamento de colocações, defesa jurídica etc., além das promessas de
emprego público, concessões de serviço do Estado e do município, e a compra descarada e
sem vergonha do voto, no dia das eleições. Nestas eleições então “o mercado de votos”
atingiu o mais alto grau de degenerescência burguesa. Houve eleitores a todo preço, desde
os que se venderam a 500$000, a 200$000, a 80$000, a 30$000, um terno de roupa de brim,
um par de botinas, um almoço com meia de vinho, um almoço sem vinho, um chope ou
mesmo uma simples promessa de emprego, ou ainda porque um parente seja empregado
público e para que este não venha sofrer represálias em seu emprego. Mas não foi só P.R.P.,
por sua caixa, que comprou votos. Os monopolizadores do jogo de azar nesta cidade, V.
Fernandes & Cia. (Empresa Miramar) e Fracaroli & Cia. (Hotel Parque Balneário)
despenderam centenas de contos para bajular o P.R.P., a fim de que este permita novamente
a liberdade do jogo em seus cassinos, ultimamente fechados por ordem do governo.
Ora, este meio de corrupção numa cidade como Santos, onde impera a falta de
trabalho, a desorganização operária, o terror policial, a inconsciência, tinha que por força ser
um meio mais eficaz de conquistar eleitores. Assim mesmo a Coligação Operária
desempenhou sua missão, alcançando um número de votos significativos, tendo ainda que
considerar que forçamos os políticos e partidos burgueses a reconhecer a força futura do
proletariado, obrigando-os a reconhecerem como capazes de constituírem-se em partido e
elegerem seus próprios candidatos, tal aparelhamento com que nos apresentamos. Obra
profundamente revolucionária que a burguesia nunca imaginou. Hoje todos os políticos e
partidos namoram o proletariado, porém, nós aqui estamos vigilantes.

A NOSSA ORGANIZAÇÃO E PROPAGANDA

Não obstante faltar-nos o recurso de toda a natureza, a nossa organização é, no


sentido eleitoral, pode-se dizer perfeita. Possuímos em miniatura todos os requisitos d’um
aparelho eleitoral. Desde o recrutamento de eleitores, alistamento e a adesão à Coligação
104

Operária, tudo segue um serviço regular, metodizado e prático em livros diversos, que
facilitam a consulta rápida e segura, do mínimo detalhe do eleitor – nome, profissão, local de
trabalho, de moradia, pessoas conhecidas, número do título, seção onde vota, aderente ou
não da Coligação, cota que paga, seus antepassados, etc., etc. Não se alegue, pois, a falta de
organização o motivo do resultado eleitoral. Igualmente no dia do pleito não faltaram os
distribuidores de chapas, fiscais e chefes de setor (grupo de seções), fiscalizando os fiscais
com cinco autos, para buscar em casa os eleitores que até o meio dia não haviam
comparecido às seções para votar. Aparelho completo, portanto, como qualquer outro
partido, com 140 e tantos homens trabalhando, com cargos definidos, além de muitos outros
operários por iniciativa própria. Apenas deve-se dizer que eram estreantes e tímidos, e por
isso seu trabalho pouco rendoso. Igualmente a propaganda obedeceu a um método
estudado, regular, começando de menor para maior, num crescente contínuo de agitação.
Fizemos em toda a campanha 89.800 impressos de propaganda e alistamento assim
discriminados: - circulares diversas de instrução, 3.000; - avisos e convocações, 5.600; -
para organização interna e secretaria, 4800; - manifestos de propaganda dos grupos
eleitorais, 19.000; - manifestos da comissão executiva, 7.000; - avulsos de propaganda,
26.000; - cartazes, 3.600; - programas, 8.000; - cartas particulares, 1.000; - cadernetas, 400;
- artigos publicados na “Praça de Santos”, 360; - 17 números do “Solidário”, num total de
1.900 exemplares; - “A Classe Operária”, 8.500 exemplares; - gastamos durante o ano de
propaganda, Rs. 14:850$000.

O RESULTADO DO PLEITO

Podemos resumir nas seguintes cifras: alistados por nós, 300; - adesões, 200; - total,
500; - votaram, 270; - abstenções, 180; - traições, 50; - total, 500. Pelo exposto acima,
verifica-se que as traições foram de 10%, enquanto que as abstenções foram de 35%. Com
um alistamento já por si exíguo como o nosso, as abstenções foram a morte. Expliquemos
porém os motivos de tão vultuosa abstenção: prisão do companheiro Antônio Duarte no dia
do comício de Azevedo Lima em 18 de Outubro de 1926; prisão de cinco membros da
Coligação Operária no dia 5 de Junho de 1927; as deportações de Madureira, Bernardino,
Perdigão, Alvarez e Esteves em 2 de Fevereiro de 1927; a vigilância da polícia sobre os
nossos elementos mais ativos; ameaça da vinda de Ibrahim Nobre para Santos no dia das
eleições; os boatos de chegada de esquadrões de cavalaria, de terror policial, de brigas,
mortes, prisões, etc., que no final nada sucedeu. Pura encenação para desbaratar nossos
eleitores.
A COAÇÃO – Avisos das empresas não permitindo a falta ao serviço sob a ameaça
de serem despedidos no dia das eleições; os chefes de seções das empresas não permitindo
que os seus subalternos votassem em nossos candidatos; o receio de desagradar a um e a
outro; a descrença nos efeitos do voto e nos políticos (há eleitores que nos igualam aos
demais políticos); a incompreensão do mal que faziam em não comparecerem às urnas; o
comodismo de uns e a covardia de outros; e os “só voto se me derem xepa”.
A TRAIÇÃO – As traições, relativamente às eleições de 1925, foram menores, 10%
apenas. E, nos eleitores somente por nós alistados, ainda foram menores, não alcançando um
total de 15. Desafiamos que essa porcentagem tenha sido observada pelos outros partidos, o
que prova que a nossa propaganda atuou entrementes na consciência dos nossos eleitores
105

que resistiram assim tão honrosamente à corrupção e à coação dos partidos inimigos. Aos
desgraçados traidores que assim tão covardemente venderam a honra do proletariado de
Santos, saberemos um dia pagar com juros o seu ato indigno e miserável.
[...].

Santos, 10 de Novembro de 1928.


A COMISSÃO EXECUTIVA DA COLIGAÇÃO OPERÁRIA
Rua Comendador Martins nº 146 – Santos”

(FONTE: Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório da Comissão Executiva da


Coligação Operária, sobre o pleito de outubro de 1928 – Diretriz futura – Conclusão.
Santos, 10 de novembro de 1928, p. 1-4 (PCB))
b) A primeira participação: A Coligação Operária de
Santos

Embora mais de uma vez a direção do PCB tivesse manifestado a intenção


de que o início de sua participação em processos eleitorais no Brasil devesse dar-
se no Rio de Janeiro, em razão das condições mais favoráveis que ali julgava
existirem, ela acabou, de fato, ocorrendo na cidade paulista de Santos, em
novembro de 1925.
Santos - cidade portuária do litoral paulista e principal escoadouro da
produção cafeeira do País - era, depois da Capital, o município mais populoso do
Estado de São Paulo. De acordo com o Censo de 1920, Santos possuía 102.589
habitantes – sendo 57.105 do sexo masculino, e 45.484 do sexo feminino -,
enquanto na Capital viviam 579.033 pessoas e o Estado totalizava 4.592.188
moradores. Pelos dados do Censo paulista de 1934, a população santista havia
subido para 142.059 e a paulista totalizara 6.433.327 habitantes.
Havia uma grande população de nacionalidade não-brasileira em Santos.
Pelo Censo de 1920, apontava-se a existência de 36.539 estrangeiros - ou seja,
35,6% da população -, dividindo-se em 22.920 homens e 13.619 mulheres. Entre
os estrangeiros, 21.014 eram de nacionalidade portuguesa. No Estado de São
Paulo, o Censo de 1920 apontava a existência de 829.851 estrangeiros (cuja
maior parcela, por sua vez, cabia à colônia italiana, com 398.797 integrantes), isto
é, 18,1% dos habitantes. Já no censo paulista de 1934, embora o número de
imigrantes houvesse subido, em Santos, para 38.488, já se notava um decréscimo
percentual, caindo sua proporção para 26,4% dos habitantes santistas1. O mesmo

1
- Os dados divulgados do censo paulista de 1934 (São Paulo. Secretaria de Estado dos
Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio e Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e
Saúde Pública. Comissão Central de Recenseamento. Recenseamento demográfico escolar e
agrícola-zootécnico do Estado de São Paulo (20 de Setembro de 1934)) não discriminaram as
nacionalidades que compunham a população estrangeira que vivia no Estado, apenas o seu total.
107

ocorria no Estado de São Paulo, que contabilizava 933.059 estrangeiros, que


equivaliam a 14,5% da população paulista2.
O Censo de 1920, todavia, não indicava o número de eleitores existentes,
mas é possível chegar-se a um número aproximado dos que estariam em
condições de sê-lo na cidade de Santos.
A Constituição federal estabelecia que somente poderiam ser eleitores os
brasileiros maiores de 21 anos. Havia, no entanto, restrições: não existia o voto
feminino e também, conforme estabelecido no § 1º do artigo 70, estavam
proibidos de votar os mendigos, os analfabetos, as praças de pré (exceto os
alunos de academias militares) e os religiosos sujeitos a votos de obediência.
A população brasileira masculina de Santos, com mais de 21 anos, era de
13.026 habitantes. Existiam 882 homens sem profissão, 351 praças e 25
religiosos.
Quanto aos analfabetos, como vimos, os dados publicados do Censo não
tinham correspondência direta com as outras tabelas. Na tabela referente ao
analfabetismo em Santos estavam contabilizados 4.340 homens brasileiros com
15 ou mais anos. No entanto, valendo-se de nossa suposição de que as taxas de
analfabetismo se distribuíssem homogeneamente em todas as faixas de idade,
subtraímos deste total um número equivalente à porcentagem correspondente dos
brasileiros com idade entre 15 e 20 anos na somatória das faixas acima de 15
anos existente na tabela com 23 faixas. Embora não seja possível assegurar sua
correção, acreditamos estar próximos do real número. Assim, se a população
masculina brasileira de Santos com idade superior a 15 anos totalizava 18.006, os
habitantes com idade entre 15 e 20 anos (4.980) equivaliam a 27,65% desse total.
Este percentual correspondia a 1.200 santistas, com idade superior a 15 e inferior

2
- Os dados foram retirados de Brasil. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil realizado em 1º de Setembro de 1920, Vol.
IV – População (5 partes), passim; de José Francisco de Camargo. Crescimento da população no
Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos (Ensaio sobre as relações entre a Demografia e a
Economia), passim; e de São Paulo. Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e
Comércio e Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Comissão Central de
Recenseamento. Op. cit., passim.
108

a 21 anos, que não sabiam ler nem escrever. Logo, pode-se supor que havia
3.140 analfabetos com idade superior a 21 anos em Santos.
Portanto, o número estimado dos homens santistas com mais de 21 anos
que não tinham condição de ser eleitores era de 4.398, o que resultava na
condição de eleitor ser dada a apenas 8.628 santistas, o que significava 8,4% da
população total. O número dos eleitores que efetivamente se alistavam - sabendo-
se, de um lado, não ser o voto obrigatório e, de outro, que as fraudes perpetradas
no alistamento, quando, por exemplo, vivos votavam por mortos, serviam para
fazer crescer o pequeno número dos que efetivamente se alistavam - era muito
inferior. Tanto é assim que, para as eleições presidenciais de 1922, se
qualificaram em Santos, até 31 de dezembro de 1921, 2.585 eleitores3, ou seja,
algo perto de 2,5% da população total. Alguns anos depois, em 1925, o quadro
existente era assim apresentado pelos comunistas de Santos:

“Santos conta com uma população de 120.000 habitantes e possui apenas a


insignificância de menos de 4.000 eleitores qualificados, sendo que nem sequer
2.000 destes jamais comparecem às urnas, quando há eleições.”4

Santos tinha uma população trabalhadora composta, como vimos, por um


elevado número de imigrantes, particularmente portugueses, que se engajava
principalmente nas atividades relativas ao transporte portuário, infra-estrutura
urbana e construção civil5.
Em uma análise sobre a situação do movimento sindical em Santos, visando
à constituição de uma federação sindical local, os comunistas santistas
apresentaram um quadro da situação dos trabalhadores santistas em princípios
de 1926 (ver tabela abaixo). Embora seus números não sejam muito confiáveis,
pois em outros documentos publicados pelos próprios comunistas perto desta
data há informações distintas, os dados do início de 1926 servem como uma idéia

3
- Correio Paulistano. São Paulo, 28/03/1922 apud José Ênio Casalecchi. O Partido
Republicano Paulista (1889-1926), p. 265.
4
- Operariado de Santos. O Internacional. São Paulo, nº 99, 2ª Quinzena de Outubro de 1925,
p. 3
5
- Fernando Teixeira da Silva. Op. cit., p. 230-235.
109

de que maneira estava organizada a classe trabalhadora santista6. Por tais dados,
os 42.250 trabalhadores existentes na cidade dividir-se-iam em 25 categorias
profissionais, das quais apenas oito estavam organizadas, mesmo assim com um
baixo índice de filiação (6.040 trabalhadores sindicalizados, ou seja, 14,2%).
Entre estas oito categorias, os comunistas tinham uma influência relevante e
militantes entre os trabalhadores de hotéis e restaurantes e simpatizantes entre
os comerciários, condutores de veículos (carroceiros), trabalhadores em café
(carregadores ensacadores), padeiros, trabalhadores da construção civil e
trabalhadores de carga e descarga do porto. Apenas na entidade dos pescadores
não havia manifestação da presença de simpatizantes do PCB.

CATEGORIAS OPERÁRIOS ORGANIZADOS


Edificação 5.040 310
Veículos (carroceiros) 4.260 1.800
Comércio 4.200 200
Docas 4.080 980
City 3.500 -
Ferroviários 2.700 -
Café (Armazéns – Ensacadores e carregadores) 2.700 1.300
Pescadores 2.240 650
Diversos 2.000 -
Empregados Públicos 1.600 -
Panificação e Massas 1.160 400
Hotéis e Botequins 1.100 400
Madeiras 1.050 -
Diversões 980 -
Carne 830 -
Metalurgia 720 -
Vestuário 650 -
Têxteis 630 -
Barbeiros 540 -
Fábricas de Bebidas 410 -

6
- João Freire de Oliveira. A situação sindical em Santos. Reorganização e organização. O
Solidário. Santos, nº 39, 25/02/1926, p. 1. Alguns meses antes, em agosto de 1925 (ver artigo do
próprio João Freire de Oliveira. Duas palavras. Commercio de Santos. Santos, 25/08/1925, p. 4), os
comunistas trabalhavam com um dado de 16.000 trabalhadores sindicalizados. No entanto, em
outubro de 1926, o Comitê de Zona de Santos, apresentou outros números em um relatório enviado à
Internacional Comunista. Nele informava que Santos possuía “36.390 trabalhadores, dos quais,
apenas, 3.530 organizados. Temos, pois, uma média de 93% da massa desorganizada” (Comitê de
Zona (Rayon) de Santos. Movimento sindical em Santos (Brasil). Santos, outubro de 1926, p. 4. Este
relatório acabou sendo publicado posteriormente no órgão do Secretariado Sul-Americano da
Internacional Comunista, a revista La Correspondencia Sudamericana, em seus números 16
(30/11/1926, p. 26-29) e 19 (15/01/1927, p. 31-32).
110

CATEGORIAS OPERÁRIOS ORGANIZADOS


Couros e Peles 400 -
Imprensa 400 -
Telefonistas 380 -
Produtos Químicos e análogos 350 -
Leiteiros 330 -
TOTAL 42.250 6.010
FONTE: O Solidário. Santos, nº 39, 25/02/1926, p. 1.

A situação política em Santos em 1925, por sua vez, não diferia muito do
panorama político existente em todo o País durante a República Velha, ou seja, a
hegemonia absoluta da corrente situacionista agrupada dentro dos partidos
republicanos e suas variantes municipais. No caso santista, esta hegemonia já
vinha sendo exercida desde 1910 pelo Partido Republicano Municipal (PRM) -
filiado ao Partido Republicano Paulista7 -, que tinha a esmagadora maioria dos
vereadores da Câmara Municipal da cidade, dado o absoluto controle sobre a
máquina administrativa municipal. Esta preponderância já era objeto de críticas de
diversos setores locais, que invocavam uma série de contratações duvidosas,
aumentos de tarifas públicas (contas de telefonia, transporte de bondes) e a
multiplicação por dezesseis vezes da dívida do município nos últimos onze anos8.
Em 1925, embora houvesse três novos nomes na chapa e a incorporação de um
vereador eleito anteriormente como avulso, o PRM apresentou sua lista de
candidatos para as doze vagas com o perfil de reeleição, portanto, de
continuidade da política vigente, a fim de “manter, sem solução de continuidade, a
orientação administrativa do Município, com cujos máximos problemas,
sobrelevando dentre eles o financeiro, estão já familiarizados os atuais
representantes, o que lhes assegura mais fácil, pronta e adequada solução”9. Em

7
- João Freire de Oliveira. A cidade de Santos. A política – Os partidos da burguesia e o
partido do proletariado. A Nação. Rio de Janeiro, 28/06/1927, p. 2.
8
- O pleito de hoje. Commercio de Santos. Santos, 29/11/1925, p. 1. Com referência à dívida
da cidade, alguns anos depois, eis o quadro traçado por Moacyr Marques: “A Municipalidade de
Santos arrecada anualmente 17.000 contos. Dessa importância, 12.000 contos são empregados no
serviço de sua dívida. O resto é utilizado no município. Isto sem falar nas mil coisas essenciais cujo
produto vai para a América do Norte ou para a Inglaterra: a água, luz, o carvão,o gás, o bonde, a
estrada de ferro, etc. Entretanto, há de existir em Santos muito brasileiro que julgue estar trabalhando
para si próprio e para este querido Brasil...”(Moacyr Marques. A revolução brasileira, p. 18.)
9
- Partido Republicano Municipal. Ao eleitorado. A Tribuna. Santos, 27/11/1925, p. 2.
111

oposição ao PRM apresentaram-se duas candidaturas avulsas. Uma delas era a


do advogado Renato Pinho, um histórico opositor do PRM, que centrava suas
propostas na defesa da classe média, advogando “princípios novos na taxação
das contribuições reclamadas dos munícipes”10. A outra candidatura avulsa capaz
de fazer frente à máquina do PRM foi a de Antônio Ezequiel Feliciano da Silva,
que atuava como advogado de várias entidades de classe dos trabalhadores.
Embora se afirmando independente, disposto a “bem servir o povo”, a “pugnar
sempre pelo bem geral”, a síntese do “programa” de Feliciano – “trabalho e
honestidade” –, que fugia a uma clara e frontal delimitação de campos, deixava
expostos os limites de seu caráter oposicionista11. Com a criação do Partido
Democrático de São Paulo em 1926, ao qual se filiou Feliciano, é que essa
oposição tomou forma orgânica, sem que isto, no entanto, significasse uma perda
da predominância do Partido Republicano Municipal na política local.
Quanto à representação dos trabalhadores no legislativo municipal, até
então ocorrera em Santos o que se passara em outros recantos do País, ou seja,
apresentavam-se às eleições em geral profissionais liberais que, por força de
suas atividades, tinham um maior contato e vivência com as classes populares e,
como candidatos avulsos ou pertencentes a efêmeros partidos “socialistas”,
“populares” etc., arvoravam-se em defensores dos trabalhadores e da ampliação
dos direitos legais da classe operária, conseguindo, assim, obter o apoio de
várias entidades representativas dos trabalhadores, mas que, na verdade, mais
representavam a si próprios e o que imaginavam ser uma política social do que
alguma doutrina ou instituição. Tal foi o caso do advogado Heitor de Morais,
dissidente do PRM, que desde 1917 ocupava a vereança em Santos com um
“mandato conferido pelos operários”12.

10
- Américo Martins dos Santos et alii. Ao eleitorado. Commercio de Santos. Santos,
25/11/1925, p. 1.
11
- Antônio Ezequiel Feliciano da Silva. Ao povo. A Tribuna. Santos, 17/11/1925, p. 6.
12
- Fernando Teixeira da Silva. Op. Cit., p. 325-328.
112

O PCB EM SANTOS

É dentro deste contexto que se deu a atuação dos comunistas de Santos, os


quais integraram o núcleo fundador do PCB. Quando a polêmica entre os
partidários da III Internacional e os anarquistas13 acirrou-se, levando à delimitação
dos campos entre ambas as correntes, em Santos manifestaram-se alguns
simpatizantes do comunismo, os quais, em princípios de março de 1922, como
resultado de uma viagem de Astrojildo Pereira à cidade, fundaram o Grupo
Comunista de Santos, que, na verdade, constituía-se de apenas dois membros.
Embora tivessem se comprometido a comparecer ao Congresso de fundação do
PCB, os comunistas de Santos não o fizeram, por razões que não conseguimos
apurar14. É justo supor-se que as grandes distâncias a serem percorridas e os
precários meios de transportes de então, o que fazia com que uma viagem do Rio
de Janeiro a São Paulo durasse 12 horas, às quais se acresciam mais três
quando se ia de São Paulo a Santos, estivessem entre essas razões; o que,
evidentemente, também tinha conseqüências nas comunicações.
Mas a atividade dos comunistas em Santos conseguiu expandir-se, a julgar-
se pelo fato de que no ano de 1922 foram editados pelo menos três números de
um órgão dos comunistas da cidade, Vida Nova. Outro indício da ampliação de
sua influência é o volume de vendas do órgão oficial do PCB, Movimento
Communista (que possuía uma tiragem média de 1.800 exemplares), na cidade
de Santos: cem revistas. A partir de 1923 os comunistas conseguem obter
influência entre os empregados em cafés e restaurantes, uma categoria que
reunia entre 1.200 e 1.600 trabalhadores em 1926, e em O Solidário, órgão oficial
de sua entidade de classe, o Centro Internacional. A organização dos
trabalhadores em café e restaurante gerou reação entre os empregadores, que

13
- Em um texto de Rodolfo Coutinho existente nos arquivos da IC, provavelmente de
setembro de 1923, assinala-se que os únicos lugares onde os anarquistas ainda detinham influência
era Rio de Janeiro, São Paulo e Santos (cf. Rodolfo Coutinho. Quelques notes sur la situation du Parti
communiste brésilien. S.l., s.d., p. 2 (RGASPI).)
113

em 1923 fundaram a União dos Proprietários de Hotéis, Restaurantes, Café e


Bares com a finalidade, entre outras, de criar uma “polícia interna”. Além disso,
também houve em 1923 a reorganização de várias entidades sindicais: da
Construção Civil, Canteiros, Empregados no Comércio, Padeiros, Gráficos,
Trabalhadores da São Paulo Railway e Barbeiros. Todavia, houve uma pronta
resposta por parte da polícia - não apenas na cidade, aliás – que, em agosto de
1923, desencadeou uma forte repressão contra os comunistas em Santos e
Cubatão, da qual resultou, além da expulsão do País de um dos dirigentes
comunistas santistas, o militante iugoslavo e alfaiate Elias Iwanovich - sob a
alegação de envolvimento em atentado contra o rei da Sérvia -, em uma
momentânea desagregação do Centro nº 9, como era denominada a seção de
Santos15.
Tal situação se estendeu ao partido com um todo, pois, além das prisões de
vários militantes, a polícia conseguiu apreender os arquivos do PCB e confiscar o
estoque de publicações dos comunistas existente no Rio de Janeiro. Diante deste
quadro, foi convocada uma reunião ampliada da Comissão Central Executiva, que
aconteceu de 30 de dezembro de 1923 a 2 de janeiro de 1924, no Rio de Janeiro.
Entre os 13 participantes, o representante do Centro Comunista de Santos, o
barbeiro português Júlio Cezar Leitão. Nesta reunião tomou-se uma série de
medidas visando a uma melhor estruturação do partido - como a definição sobre a
organização dos núcleos sindicais, a elaboração dos estatutos dos Centros
Comunistas, a preparação para a organização da Juventude Comunista, a criação
de Subcomissões de Educação e Cultura nos Centros Comunistas – e a criação e
efetivação de uma estrutura de apoio às vítimas da repressão e de solidariedade
ao movimento operário – por meio da estruturação de seções locais do Socorro
Operário Internacional e do Socorro Vermelho Internacional, bem como a

14
- Abílio de Nequete e Astrojildo Pereira. Relatório dos trabalhos de preparação e realização
do Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro, 29-03-1922. p. 2-3
(RGASPI).
15
- Astrojildo Pereira. Relatório geral sobre as condições econômicas, políticas e sociais do
Brasil e sobre a situação do P. C. Brasileiro ao Comitê Executivo da I. C. Rio de Janeiro, 01-10-1923,
114

designação de um membro da CCE encarregado de dirigir um corpo de redatores


responsáveis pela difusão dos textos do partido aos órgãos por ele influenciados,
entre eles O Solidário, de Santos. Era por intermédio destes jornais, dada a
ausência de um periódico oficial do PCB, que o partido fazia chegar a público
uma parte importante de seus posicionamentos. O conjunto destas resoluções
trazia embutida uma melhor organização do partido e a fixação da idéia de que
era absolutamente necessário ao PCB manter um constante e permanente
contato entre a direção partidária e suas seções16.
No entanto, uma nova onda repressiva, ocorrida em janeiro de 1924, trouxe
novas dificuldades ao PCB, deixando-o em um estado de semiclandestinidade, o
que se refletiu nos Centros Comunistas. No caso de Santos, em abril de 1924,
sua situação era descrita como sendo de “evolução lenta”, em razão do número
reduzido de militantes com capacidade para conduzir o partido na cidade, bem
como pela existência de “hostilidade anarcossindicalista”. Esta última afirmativa
pôde ser evidenciada quando da criação da seção de Santos do Socorro Operário
Internacional. Travou-se então uma polêmica entre comunistas e anarquistas.
Estes se recusaram a integrar a entidade, alegando que não poderiam socorrer
operários estrangeiros – o propósito inicial seria o de apoiar os trabalhadores
alemães - enquanto “os nacionais precisavam mais de auxílio”, nem “angariar
dinheiro para auxiliar os comunistas da Alemanha a fazer a revolução
17
comunista”. Apesar disso, no ano de 1924 houve uma importante mobilização no
movimento sindical de modo geral:

“1924, reorganização operária dos barbeiros, cafés e botequins, construção


civil, ferroviários, gráficos, comércio, padeiros. Foi um dos anos de maior tensão do
proletariado santista. A baixa cambial agravara estupidamente a situação dos

p. 13 e 15 (RGASPI); Astrojildo Pereira. Relatório trimestral do P.C. brasileiro ao Executivo da I.C.


Rio de Janeiro, 06-01-1924, p. 1 (RGASPI); Fernando Teixeira da Silva. Op. cit., p. 385-386.
16
- Astrojildo Pereira. Relatório trimestral do P.C. brasileiro ao Executivo da I.C. Rio de
Janeiro, 06-01-1924, p. 7A-7D (RGASPI).
17
- Ver Antelius. Aos operários da Construção Civil. Comércio de Santos. Santos, 22-05-
1924, p. 2; C. Ângelus. Aos operários da Construção Civil. Comércio de Santos. Santos, 23-05-1924,
p. 5; Manoel Lourenço. Aos operários da Construção Civil. Comércio de Santos. Santos, 28-05-1924,
p. 2.
115

trabalhadores. Os especuladores dos gêneros alimentícios aproveitavam-se da


ocasião para explorar desumanamente o consumidor. Os gêneros subiam dia a
dia. Os proprietários elevavam os aluguéis. A imprensa, acompanhava o clamor.
Por essa razão excepcional o proletariado corria a formar suas associações, e logo
começaram os movimentos em prol das reivindicações. E estalaram greves sem a
menor preparação. Mais uma vez, o proletariado incidia no velho erro. Declararam-
se em greve os operários da construção civil, cafés e botequins, trabalhadores em
sacos de café, ferroviários, padeiros, empregados em hotéis e barbeiros, cada qual
isoladamente, e a seu tempo. Resultado: Todas as greves foram perdidas. Ano
trágico esse.”18

Além disso, ocorreu a revolta militar de 5 de julho de 1924, a qual levou a


uma repressão generalizada contra o movimento operário e suas organizações e
seus principais militantes. Os comunistas também foram, mais uma vez,
vitimados. Além do fechamento de sindicatos controlados pelo PCB e de seus
jornais, foram presas pelo País importantes lideranças comunistas, como o
advogado Paulo de Lacerda, os jornalistas Everardo Dias e Nereu Rangel
Pestana, o cozinheiro Valentim Argolo, o garçom espanhol José Lago Molares e
outros e, entre estes, o comunista de Santos Júlio Cezar Leitão e, novamente, o
partido viu-se jogado à completa ilegalidade, tendo seus dirigentes, que
conseguiram escapar da prisão, de permanecer escondidos19. Esta situação de
freqüentes perseguições e suas conseqüências sobre o PCB era deste modo
comentada em um manifesto do partido:

“Há quase três anos que existe o P.C. Há quase três anos que ele é ilegal,
apesar de seus estatutos legalizados. Nunca até hoje pôde anunciar nos jornais
uma só reunião. Esta situação ilegalizada ainda se torna pior com a censura na
imprensa, com a censura aos correios e com os estados de sítio em que temos
vivido: o primeiro, de julho de 1922 até dezembro de 1923, e o segundo, de julho
de 1924, até não sabemos quando...
Muito nos pesa não podermos transformar o nosso em um partido de massa.
Mas que fazer? À primeira tentativa de pormos a cabeça de fora, logo surge a
reação e destrói em dias o que levamos meses a fazer.
O P.C. é o espectro que tira o sono dos agentes da burguesia. E ela quer
destruí-lo antes que ele tome pé.

18
- João Freire de Oliveira. A Cidade de Santos. Sua tradição revolucionária – Ligeiro
histórico do proletariado – Suas derrotas e suas vitórias – A resistência de sua vanguarda. A Nação.
Rio de Janeiro, 15/05/1927, p. 2.
19
- Carta de Octavio Brandão a Stirner. Rio de Janeiro, 30-09-1924, p. 2.
116

Não é só a polícia do Rio de Janeiro que procede assim. Nossos camaradas


de Porto Alegre, Santos, Ribeirão Preto, Cubatão, S. Paulo, Juiz de Fora e Recife
também têm sofrido vários assaltos. Mas todos eles têm corajosamente
prosseguido na tarefa.
Toda esta reação é apoiada pela igreja católica e pela Inglaterra protestante,
protetores do presidente Bernardes. Quer dizer: toda esta reação é apoiada
diretamente pelos Rotschild e por MacDonald – pela 2ª Internacional!”20

Neste meio tempo houve uma reestruturação na organização do partido. No


início de 1924, quando da estada na URSS do secretário geral do PCB, Astrojildo
Pereira, e do delegado do partido junto à IC, o advogado pernambucano Rodolfo
Coutinho, a direção da III Internacional propôs que o partido fosse organizado à
base de células por empresa. Esta reorganização, apontada já no III Congresso
da IC, em 1921, modificava a estrutura herdada pelos comunistas da social-
democracia, a qual se fazia através da divisão por distritos eleitorais. Esta
mudança tinha como objetivo imediato viabilizar a conquista da maioria da classe
operária – postura essa resultante da avaliação de que a revolução mundial
deixara de ser coisa de dias, semanas ou meses e passara a ser vislumbrada no
prazo de anos - através de uma ativa participação em sua luta cotidiana e por
meio da condução desta luta, buscando os comunistas, assim, uma estreita
ligação com as massas operárias diretamente em seu local de trabalho21. Pereira
e Coutinho julgaram, além de destacarem a necessidade de também se aguardar
a realização do V Congresso da IC, que seria necessária uma experiência prévia
nesse sentido a fim de evitar que o “novo princípio constitutivo figurasse em
nosso programa não de uma forma abstrata e genérica”. Ambos também
propuseram que tal experiência ocorresse alguns meses antes da realização do II
Congresso do PCB, então previsto para julho de 192422. Foi o que se passou,

20
- Secretariado Internacional do Partido Comunista do Brasil. A reação no Brasil. Apelo aos
trabalhadores de todos os países. Rio de Janeiro, 08-10-1924, p. 1-2 (RGASPI). Extratos deste
manifesto foram publicados no número 77, de 1924, de La Correspondance Internationale.
21
- Presidium do CEIC. Résolution du Présidium de l’Exécutif de l’I.C. sur les Cellules
d’Entreprises (adoptée em janvier 1924) In IC. Les questions d’organisation au V Congrès de l’I.C.,
p.71.
22
- Astrojildo Pereira e Rodolfo Coutinho. Au Comitê Executif de l´I.C. Note sur l’elaboration
du programme d’ action du P.C. brésilien, par les delegués du parti brésilien à Moscou. Moscou, s.d.,
p. 2-3 (RGASPI).
117

com um cronograma diferente, pois o Congresso da IC foi adiado para junho de


192423 e ocorreu a revolta militar em São Paulo de julho de 1924, postergando o II
Congresso do PCB para o ano seguinte.
Assim, em fevereiro de 1925, realizou-se uma conferência dos delegados de
células e de núcleos do Rio de Janeiro e de Niterói, realizada em conjunto com a
CCE, que decidiu implementar naquelas localidades a nova estruturação, com a
recomendação de que os centros de outros Estados já examinassem a questão e
fizessem “aquilo que as condições locais ditarem” 24. Esta decisão acabou sendo
sancionada e estendida a todo o conjunto do partido pelo II Congresso do PCB.
Nesta mesma conferência, realizada na “sede de um centro cultural israelita,
num sobrado à rua Senador Euzébio, hoje Avenida Vargas, perto da Praça Onze”,
foi apresentada uma proposta, redigida por Octavio Brandão e pelo gráfico José
Alfredo dos Santos, de implantação de um jornal semanal legal (o qual acabaria
sendo lançado em maio daquele ano: A Classe Operária), cujo planejamento foi
ali discutido25. Nos cálculos de despesas e receitas, o Centro de Santos aparecia
como sendo potencialmente capaz de vender 50 exemplares semanais do novo
periódico. Por este número não é possível estabelecer-se a quantidade de
militantes comunistas, mas dele pode extrair-se que houve um decréscimo
significativo, pois, como vimos, em 1922 podia-se difundir em Santos uma
centena de exemplares do então órgão oficial do PCB, Movimento Communista.
Logo em seguida, mais uma vez, os militantes comunistas de Santos são
atingidos pela repressão, após ser desencadeada uma greve, em 30 de março de

23
- A própria IC, como resultado do processo de controle do Partido Comunista da União
Soviética e da IC por parte da facção de J. Stalin, sofreu mudanças que marcaram uma nova fase em
sua vida, como assinala Pierre Broué: “A partir de 1924, o Comintern está, pois, dotado de um
aparelho único de militantes profissionais, centralizado e disciplinado, fundado no modelo do partido
soviético, dirigido de Moscou e em conformidade com a política externa soviética. Esta coorte de
ferro tem como primeira missão assegurar a defesa do ‘país do socialismo’. A teoria da ‘construção
do socialismo em um só país’ e o novo regime interno dos partido sufocando toda democracia são
duas mamas do stalinismo.” (Cf. Pierre Broué. Op. cit., p. 384-385.)
24
- Teses e resoluções adotadas na Conferência dos delegados de células e de núcleos do Rio e
Niterói, realizada em conjunto com C.C.E. em 22-2-25.Rio de Janeiro, s.d., p. 3 (RGASPI).
25
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1)., p. 304.
118

1925, dos ferroviários da São Paulo Railway. Novamente o barbeiro Júlio Cezar
Leitão foi preso26.
Ao II Congresso do PCB, realizado no Rio de Janeiro, de 15 a 18 de maio de
1925, o Centro de Santos enviou dois delegados, que apresentaram o relatório de
atividades locais, as quais foram duramente avaliadas pelo conclave:

“Quanto aos Relatórios apresentados pelos delegados das organizações


estaduais, o II Congresso constata que apenas o Relatório de Pernambuco dá uma
idéia de atividade constante e profícua. As organizações de Santos, Cubatão e S.
Paulo, especialmente esta última, ressentem-se de muita deficiência em sua
atividade prática. Com efeito, só a inércia e o desleixo podem explicar o atraso da
organização comunista – 12 escassíssimos aderentes ao cabo de três anos – num
grande centro industrial como S. Paulo. O Congresso insiste, pois, com os
camaradas dessas localidades para que de futuro desenvolvam um mais profícuo
trabalho de organização e propaganda, conquistando ao partido as massas
proletárias daquele Estado.”27

No II Congresso operou-se, além da reorganização acima vista, uma


importante alteração nas tarefas políticas dos comunistas brasileiros. A par da
continuidade do combate ideológico contra os anarquistas e os chamados
socialistas e da ênfase na caracterização do proletariado como força
independente, o PCB buscou situar-se diante da pequena burguesia. Isto era
resultado da avaliação de que o levante militar de 5 de julho de 1924
representava um movimento da pequena burguesia civil e militar contra o
segmento político, vinculado à economia cafeeira, que detinha a hegemonia
política no País, representando o “capitalismo agrário semifeudal”, o “agrarismo”.
Além disso, como resultante da interpretação comunista de que a história política
republicana do Brasil era uma constante luta entre o “agrarismo” e a burguesia
representante do “capitalismo industrial moderno” – o “industrialismo”, que se
caracterizava por seu “surto progressista irrepresável” -, também se avaliava que
a revolta de 1924 mostrava-se como um movimento da pequena burguesia
“indiretamente em prol do industrialismo que luta pelo poder”. Na própria visão

26
- Carta de Luiz Gonzaga Madureira a Caros c. Santos, 05-04-1925 (RGASPI).
27
- Partido Comunista do Brasil. II Congresso do P.C.B. (Seção Brasileira da Internacional
Comunista). Teses e resoluções, p. 3.
119

que tinham da origem social dos militares, os comunistas procuravam espelhar a


luta entre agrarismo e industrialismo:

“A composição social do Exército é composta de 98% de trabalhadores dos


campos muito atrasados. Mas agora, com o serviço obrigatório, alguns operários
das cidades penetraram no Exército. Os oficiais economicamente pertencem: uma
parte à burguesia agrária, cerca de 1/3 e o restante à burguesia industrial e à
pequena burguesia. Os altos postos são ocupados pela burguesia agrária. A
maioria dos oficiais é da pequena burguesia e estão imbuídos da doutrina
[positivista] [no texto original está a palavra “possibilista”, evidentemente um
erro].”28

Somente algum tempo depois é que a questão da aliança com a pequena


burguesia seria tratada de maneira mais clara, mas neste momento já era uma
convincente indicação de um processo de aproximação entre ambos. As tarefas
políticas dos comunistas com relação à pequena burguesia vão de maneira
evidente, apesar das reservas feitas (“conquista/neutralização; condução”), no
sentido de uma ampliação da sua área de intervenção:

“Em face da pequena burguesia, o P.C.B. deve, sem alimentar suas ilusões
democráticas e suas confusões ideológicas, antes combatendo-as decididamente,
esforçar-se por conquistar ou pelo menos neutralizar seus elementos em vias de
proletarização e em luta contra a grande burguesia industrial ou agrária. Numa
palavra: o P.C.B., partido da classe operária, deve conduzir a pequena burguesia e
não ser conduzido por ela.”29

Este conjunto de medidas, além do lançamento de A Classe Operária,


permitiu um importante crescimento orgânico do PCB, que passou de 273
militantes, em 1924, a 476, em 1925. Neste ano, às fileiras comunistas paulistas
(compreendendo São Paulo, Santos e Cubatão) foram cooptados 31 novos
militantes, resultando no segundo melhor índice de crescimento, bem abaixo, no
entanto, do Rio de Janeiro, que aumentou em 135 militantes, dos 206 que se

28
- Rapport sur la situation au Brésil au VI Congrès de l’I.C. Moscou, 1928, p. 64 (RGASPI).
29
- Idem. Ibidem, p. 7.
120

filiaram ao Partido naquele ano em todo o País30. Em outubro de 1926, o PCB


possuía cinco células em Santos, das quais apenas uma era sindical (a do Centro
Internacional), o que significava ao menos 15 militantes, já que os Estatutos do
PCB definiam que o número mínimo de militantes era de três por célula. Santos
era considerado o quarto centro comunista do País em quantidade e qualidade,
vindo atrás de Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre31. Somente no processo de
preparação do III Congresso do PCB, realizado em fins de 1928, foi que se
divulgou o número de militantes comunistas em Santos: eram dezenove, mas
“todos novos, com exceção de alguma ave rara que escapou a uma irradiação
[expulsão, dk] que fizemos” 32.

SURGE A COLIGAÇÃO OPERÁRIA

Apesar de sua tibieza, como vimos até aqui, os comunistas de Santos,


empolgados pela consigna “conquistar as massas operárias à influência
comunista”, resultante do II Congresso, decidiram intervir. Assim, diante de um
quadro de desorganização e de “moral abatida e descrente” do movimento
operário da cidade, em que boa parte das organizações sindicais criadas em
1923 e 1924 desapareceu33, decidiram que era necessário “quebrar a

30
- O Encarregado do Serviço de Organização. Recrutamento e organização. Balanço do que
se fez durante o ano de 1925, o que é preciso fazer daqui por diante. Programa para 1926. S.l., s.d., p.
1 (RGASPI).
31
- Comitê de Zona (Rayon) de Santos. Movimento sindical em Santos (Brasil). Santos,
outubro de 1926, p. 5 (RGASPI). Octavio Brandão. El Partido Comunista del Brasil. La
Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 1, 15/04/1926, p. 21-22.
32
- A. R. (Delegado ao 3º Congresso do PCB). Relatório da Zona de Santos. S.l., s.d., p. 1
(RGASPI). A irradiação referida provavelmente foi a que ocorreu no dia 9 de Julho de 1928, que
atingiu 12 militantes (Agripino Nunes, Henry Green, Antônio Luiz Ramos, Domingos Palla, Amador
José Thadeu, Albino Duarte, João Sanches, Antônio Ferreira Lima, Dante Fantauzzi, José Barta Cea
e Manoel Alonso Delgado, mais Silvério Martins Fontes, este por falecimento), “por não estarem de
acordo com o regulamento do P.C., faltando o cumprimento do dever e não estando em contato com
os demais membros” (cf. uma carta sem assinatura, local e data, existente no Fundo de Astrojildo
Pereira (ASMOB, A 2, 16 (4)-5).
33
- João Freire de Oliveira. A Cidade de Santos. Sua tradição revolucionária – Ligeiro
histórico do proletariado – Suas derrotas e suas vitórias – A resistência de sua vanguarda. A Nação.
Rio de Janeiro, 15/05/1927, p. 2. Este quadro desolador também se deve em boa parte ao fracassado
121

pasmaceira”: organizá-lo e unificá-lo, frustrando a reação da burguesia à sua


organização, além de “propagar e definir a luta de classe”, bem como
desmascarar “pretensos candidatos do proletariado”34. Além disso, realçava-se
que se os trabalhadores permanecessem impassíveis diante da situação política
da cidade, permitiriam a interpretação de que estariam “de acordo com os
situacionistas e endossar-lhes sua obra”35.
Para isto estava posta uma forma distinta de luta, a eleitoral. Os comunistas
tinham consciência da resistência a esta forma, seja pela herança abstencionista
do anarquismo, seja – também esta outra crítica oriunda dos meios anarquistas -
pela “corrupção que se tem verificado nos sodizentes representantes operários
nos parlamentos”, ou, ainda, pela simples subordinação e dependência da classe
operária aos “coronéis” da política. Também sabiam, principalmente, das
limitações das instituições políticas vigentes:

“Pois então, se nos falta a liberdade para reclamar por meio do protesto
coletivo, por que não devemos aproveitar os restos da democracia burguesa?
Muito embora na última hora anulem esse esforço por meio da fraude, restar-nos-á
a certeza de que nada valem os direitos que a democracia burguesa faculta aos
cidadãos e então procuraremos novas formas de luta para alcançarmos nossos
legítimos direitos.”36

Aos comunistas, do conjunto dessas restrições, apresentava-se como uma


alternativa à via da intervenção dos trabalhadores na política “como partido de
classe independente, realizando uma política específica de classe, contraposta à
política das classes antagônicas”. Também a eles estava claro que o proletariado
não se emanciparia do capitalismo por meio do voto, isto somente se daria com a

movimento grevista por aumento de salários dos trabalhadores em café (carregadores e ensacadores)
ocorrido em maio de 1925 e que durou 18 dias. Nesta greve a direção da Sociedade dos Trabalhadores
em Café, ligada ao “sindicalismo amarelo” e contrária ao movimento, chegou a entregar as chaves da
entidade ao delegado de polícia e os patrões contrataram um enorme contingente de trabalhadores
para furar a parede. Para maiores detalhes ver Fernando Teixeira da Silva. Op. cit., p. 342-344.
34
- João Freire de Oliveira. Coligação Operária. Sua fundação. Motivos do fracasso. Como
triunfaremos. Venceremos um dia. O Solidário. Santos, nº 37, 20/01/1926, p. 2.
35
- Um operário santista. O proletariado santista e a Coligação Operária. Commercio de
Santos. Santos, 22/08/1925, p. 4.
122

conquista do poder político, mas até o instante em que isso ocorresse tinha de se
valer dos mais variados recursos “para poderem penetrar na engrenagem social,
a fim de ir influenciando a evolução do aparelho político e econômico do país”37.
Ou seja, os militantes do PCB de Santos afirmavam que o caminho da conquista
da hegemonia na sociedade passava pela via da disputa eleitoral, mas não se
daria por ela. Este discurso, que tinha como base a organização e a coesão dos
trabalhadores, e ainda fundado na política de frente única, evidentemente, era
feito de modo cuidadoso no sentido de pôr-se de lado o debate sobre a questão
da via insurrecional, fórmula básica do receituário bolchevique.
Para isso, logo após o II Congresso do PCB, os comunistas de Santos, por
meio de reuniões de entidades de classe da cidade, participaram da criação do
Partido Trabalhista de Santos, em 29 de junho de 1925, com vistas à disputa
eleitoral para renovação da Câmara Municipal, a realizar-se em novembro
daquele ano. O novo partido não era composto apenas por aderentes individuais,
mas a ele também se filiaram organizações de caráter sindical. Assim foi narrada
a sua reunião de fundação:

“À reunião, que esteve muito animada, compareceram, além das respectivas


comissões eleitorais, os presidentes e demais diretores das associações operárias
locais seguintes: Liga dos Empregados do Comércio de Santos, Centro
Internacional, Sociedade Beneficente dos Condutores de Veículos, Sociedade dos
Trabalhadores em Café, União dos Trabalhadores em Padarias e Confeitarias,
Sindicato dos Canteiros e Sociedade dos Trabalhadores em Carga e Descarga do
Porto de Santos.
Verificadas as adesões, o sr. Bernardo Amazonas, presidente da Liga dos
Empregados do Comércio, declara aberta a sessão, dando-se início aos trabalhos
com a leitura da ata da seção anterior, que foi aprovada após um adendo proposto
por Bernardo Amazonas, em que este declara que a Liga só poderá participar
oficialmente do Partido Trabalhista de Santos, depois que para isso for autorizada
pela sua próxima assembléia geral.
Entre outras teses apresentadas pela Comissão Executiva anteriormente
nomeada, a que mais discussão sofreu foi a que dispõe sobre a colaboração dos

36
- Ziul. A questão eleitoral e o operariado do Brasil. O Internacional. São Paulo, nº 96, 1ª
quinzena de setembro de 1925, p. 3.
37
- Junqueira. Política proletária. Commercio de Santos. Santos, 09/09/1925, p. 5 (este mesmo
texto foi republicado, sem assinatura, em O Internacional, em seu número 97, da 2ª quinzena de
setembro de 1925. à página. 3); Um Leitor Proletário. A Coligação Operária. Commercio de Santos.
Santos, 13/09/1925, p. 4.
123

intelectuais no seio do Partido, sendo por fim aprovado que todos aqueles que,
animados de boa vontade e de atestados vivos de abnegação pela causa
proletária, desejarem apoiar com firmeza e convicção o programa do Partido
Trabalhista serão aceitos em suas fileiras. Em virtude desta deliberação é dada a
palavra ao prof. Carlos Escobar, que declara ser portador da adesão ao partido em
formação do sr. Júlio Conceição. Demora-se ainda com a palavra o prof. Carlos
Escobar, com o fim de expor as suas idéias e as do sr. Júlio Conceição com
referência ao programa do partido, citando fatos históricos e práticos, e apontando
bases para organização e solidificação da idéia da organização das massas
trabalhistas num partido político legalmente arregimentado, que represente ‘de fato’
as idéias e os interesses dos proletários locais.
As conclusões a que chegou o orador agradaram profundamente, não
obstante os apartes dados por diversos delegados de sindicatos.
Ficou encarregada a Comissão Executiva da elaboração da plataforma do
partido, trabalho que deve ser discutido na próxima reunião geral das Comissões
Executivas de Fomento Eleitoral, título esse que serve para designar os
representantes das associações operárias aderentes ao Partido Trabalhista de
Santos.
Depois de discutidas outras normas de ação partidária, assim como a que diz
respeito à qualificação de novos eleitores, e organização do Partido, foi encerrada
a sessão num ambiente da mais perfeita harmonia e unidade de vistas.”38

No entanto, ao ser informada da criação do novo organismo, a direção do


PCB manifestou o seu desagrado com a idéia e enviou a Santos o novo
encarregado sindical do partido eleito no II Congresso, Joaquim Barboza de
Souza, com o fim de demover os comunistas locais da idéia de participação no
Partido Trabalhista de Santos. Embora houvesse uma resistência inicial por parte
do garçom João Freire de Oliveira às posições da CCE do PCB, Joaquim Barboza
convenceu os comunistas locais de que a criação de um novo partido serviria
para criar confusões que prejudicariam apenas o trabalho do comunismo e que o
Partido Trabalhista, de significação política diametralmente oposta ao comunismo,
deveria ser substituído por uma legenda, a Coligação Operária, a qual teria
apenas fins eleitorais, sem caráter permanente. Deliberou-se, assim, em agosto
de 1925, a criação da Coligação Operária e definiu-se que seu programa seria
supervisionado pela CCE do PCB:

38
- Secretaria do Partido Trabalhista de Santos. Partido Trabalhista de Santos. A sua fundação
oficial. Comércio de Santos. Santos, 02/07/1925, p. 2. Ressalte-se que Carlos Escobar foi um dos
fundadores, em dezembro de 1889, juntamente com Silvério Martins Fontes e Sóter de Araújo, do
Círculo Socialista de Santos, uma das primeiras organizações políticas de inspiração marxista no
Brasil.
124

“O programa da mesma organização será nitidamente comunista, por isso


que o mesmo não poderá ser lançado sem o controle da C.C.E. do Partido.
Aproveitando o trabalho já feito de qualificação eleitoral, a Coligação Operária
apresentará nas próximas eleições municipais, a realizarem-se em Outubro
próximo, a candidatura de um comunista, cujo programa ficou a cargo da C.C.E.
Para a elaboração deste programa, a C.C.E. terá à disposição os elementos de
estudo da situação dos trabalhadores de Santos, os relatórios há tempos a ela
enviados e outros quaisquer esclarecimentos que se tornem necessários.”39

Naturalmente, esta ingerência da CCE provocou reações: a Liga dos


Empregados do Comércio e o Sindicato dos Canteiros retiraram-se e, em seu
lugar, os documentos da Coligação Operária passaram a apresentar apenas
assinaturas, respectivamente, de “Os empregados no Comércio” e “Comitê da
Construção Civil”. O posicionamento mais notável foi o da entidade dos
comerciários, que, às vésperas da eleição, chegou a publicar anúncios em jornal
manifestando nada ter a ver com a agremiação, bem como desautorizando o uso
de seu nome por parte dos empregados do comércio que assinavam os
documentos da Coligação Operária. Os comunistas buscaram caracterizar esta
atitude da Liga dos Comerciários como sendo o resultado da “intolerância dos
anteriores diretores para com as livres manifestações do pensamento de seus
associados”, o que também explicaria as dificuldades vividas pela entidade até
para conseguir “quorum” para a realização de suas assembléias40.
As demais organizações - Sociedade Beneficente dos Condutores de
Veículos (carroceiros), Centro Internacional, Sociedade dos Trabalhadores em
Café (ensacadores e carregadores), Sociedade Beneficente dos Trabalhadores
em Carga e Descarga do Porto de Santos e União dos Trabalhadores em
Padarias e Confeitarias e Anexos - permaneceram dando o seu apoio.
Organizada em torno de tais associações, a Coligação Operária manteve as

39
- Relatório lido pelo camarada J. Barboza em reunião da C.C.E. realizada em 20/08/1925.
Rio de Janeiro, 20/08/1928, p. 1 (ASMOB).
40
- Ver as matérias pagas publicadas pela Liga dos Empregados no Comércio de Santos em
Commercio de Santos. Santos, 16/10/1925 e A Tribuna. Santos, 17/10/1925 e 28/11/1925; João Freire
de Oliveira. Liga dos Empregados no Comércio de Santos. Commercio de Santos. Santos,
03/10/1925, p. 4.
125

“comissões de fomento eleitoral” criadas pelo Partido Trabalhista com a dupla


função de representar as entidades dentro da Coligação e destinar-se ao
alistamento eleitoral, que se dava nos locais de trabalho ou então na sede do
organismo, e a filiação das entidades sindicais. A Coligação Operária sobrevivia
da contribuição financeira de seus filiados individuais e, sobretudo, dos
institucionais41.

João Freire de Oliveira.

A Coligação Operária, para evitar a dispersão de votos, decidiu lançar


apenas um candidato às eleições de novembro de 1925: o garçom comunista
João Freire de Oliveira - nascido em Santos em 08/09/1895 -, então membro da
comissão de sindicância do Centro Internacional. Na época, ao menos na opinião
do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo, pensava-se
que Freire poderia ser eleito vereador em razão da “grande influência que tem
entre os operários”42. Na escolha de seu nome prevaleceu a ênfase na questão da
condição operária: “Só, portanto, um candidato operário, eleito pelos operários, e
homens de sentimentos proletários, poderá defendê-los nas câmaras
legislativas”43. Sua candidatura era um modo de demarcar claramente o terreno

41
- Vida Operária. Commercio de Santos. Santos, 30/08/1925, p. 2.
42
- Comunicação de Serviço de Orestes Lascala ao delegado Andrelino de Assis. São Paulo,
17/11/1925 (AE-D).
43
- Um operário santista. O proletariado santista e a Coligação Operária. Commercio de
Santos. Santos, 22/08/1925, p. 4.
126

de classe, além de contrastar a concepção de democracia operária ante os


costumes políticos de então:

“Jamais o candidato operário poderá falsear em seus propósitos ou sair das


normas traçadas pelo Partido, porque, ao contrário das representações burguesas
atuais, cujos eleitores não lhe pedem contas, por não haver partidos que
obedeçam a qualquer regra ou estatuto, o candidato operário será nas câmaras
legislativas o porta-voz de seu Partido, muito embora nem todos os que lhe dão o
voto sejam a este filiados.
O candidato operário nunca poderá expor sua opinião individual, mas sim a
coletiva, por este ser obrigado a comparecer a todas as reuniões do Partido e ao
mesmo tempo participar à Comissão Executiva tudo quanto se estiver passando
nas câmaras, em interesse do operariado.
Reivindicará, por todos os meios ao seu alcance, as melhorias que se fizerem
sentir em favor do operariado, pondo-se incondicionalmente a seu lado.”44

O PROGRAMA

O programa apresentado pela Coligação Operária45, aprovado em reunião


realizada em 18 de setembro, era antecedido por um quadro da política local, no
qual se destacava a baixa participação dos trabalhadores na vida política de
Santos. O grosso da participação, retratando o fenômeno do “coronelismo”, era
decorrente dos “votos dos funcionários públicos, subordinados aos chefes
poderosos da política e da administração dominante”, que vão “tangendo o
rebanho eleitoral e arruinando os cofres do município”. Nas várias vezes em que
se constituíram oposições não se obteve resultado significativo, pois
representavam “mais as ambições pessoais de seus chefes momentâneos,
gritadores mas impotentes”, que os interesses dos trabalhadores. No entanto, tal
quadro vinha se modificando nos últimos tempos, com um “promissor despertar de
consciência das massas”, que iam se dando conta de que sua ausência da vida

44
- Ziul. A Coligação Operária e o seu programa. Commercio de Santos. Santos, 25/08/1925,
p. 4.
45
- Publicado em O Internacional. São Paulo, nº 99, 2ª quinzena de outubro de 1925, p. 3 e,
parcialmente, em Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 68, 04/11/1925, p. 2. A íntegra do programa
está no Anexo III.
127

pública somente vinha beneficiando aos “negocistas dominantes” e que, portanto,


fazia-se necessário “intervir ativa e diretamente na política”. É dessa situação que
surgiu a Coligação Operária, “um centro de arregimentação de forças e
coordenação de vontades firmemente dispostas a batalhar pelo bem-estar das
massas laboriosas em geral e especialmente do proletariado”. A estruturação da
Coligação Operária em torno de organizações operárias era justificada como uma
forma de estas passarem de sua luta por objetivos meramente econômicos para
uma intervenção direta na situação política de Santos.
O longo programa da Coligação Operária continha quarenta pontos,
divididos em segmentos relativos à atuação política, defesa do trabalho, carestia
da vida e administração pública. Pode-se dizer que tal extensão - ao contrário do
que aconselhava Engels46 - e, sobretudo, detalhamento eram produtos diretos da
forma pela qual a Coligação Operária foi organizada, ou seja, o programa reunia
uma significativa parte de reivindicações de caráter sindical levantadas pelas
entidades que o subscreviam. Neste ponto também tinha seu peso, reitere-se, o
fato de a estrutura orgânica do PCB, via células de empresa, enfatizar a militância
dentro dos sindicatos e do mundo do trabalho.
Na parte designada como “Atuação política” estavam reunidas as
concepções de ordem geral que orientavam a atuação da Coligação Operária:
defesa dos interesses dos trabalhadores urbanos e rurais, apoio às suas lutas e
reivindicações, defesa das liberdades políticas dos trabalhadores (associação,
reunião, pensamento e palavra), estímulo ao exercício dos “direitos políticos de
classe” e a transformação da Coligação Operária, por meio de seus
representantes eleitos na Câmara Municipal, em “um verdadeiro e severo comitê
de controle sobre a política e os políticos ricos”. Aqui temos vários pontos que

46
- Com respeito à extensão do programa, Friedrich Engels afirmava: “Em minha opinião, o
programa deve ser tão curto e preciso quanto possível. Pouco importa que se encontre, por acaso, uma
palavra ou uma frase cujo alcance seja impossível apreender à primeira vista. Nesse caso, a leitura
pública nas reuniões e a explicação escrita na imprensa farão o necessário; e, então, a frase curta e
incisiva, uma vez compreendida, fixa-se na memória e torna-se uma palavra de ordem, o que não
acontece com uma explicação mais longa. É preciso não fazer demasiadas concessões à preocupação
da popularidade: não se devem subestimar as faculdades intelectuais e o grau de cultura de nossos
operários.” (Friedrich Engels et alii. Crítica do Programa de Erfurt, p. 41-42.)
128

podiam também ser encontrados nas reivindicações das representações políticas


de oposição, porém enfocados do ponto de vista dos trabalhadores, o que, sem
dúvida, demarcava o terreno da Coligação Operária e criava dificuldades na
interlocução com tais setores.
Já no segmento intitulado “A defesa do trabalho” estavam listados uma dúzia
de itens que vão desde questões mais abrangentes - que, a rigor, tinham sua
competência tanto de regulamentação como de fiscalização como sendo do
Governo Federal -, como a fiscalização da lei de acidentes do trabalho e da lei
previdenciária dos ferroviários, até pontos específicos, como uso de capotas nas
boléias dos veículos de tração animal ou proibição do sistema de mistura de café
nos armazéns, passando por reivindicações amplamente disseminadas dentro do
movimento operário de então, como jornada de 8 horas e proibição de trabalho de
menores. Tais reivindicações, que eram levantadas pelos principais segmentos
organizados dos trabalhadores de Santos47, traziam a concepção da intervenção
do Estado nas relações entre patrões e empregados, que, naquela época, eram
em geral reguladas pelos padrões liberais, que não viam com bons olhos a
presença do Estado neste campo.
O tópico “Carestia da vida” agrupava medidas que tratavam do controle de
preços de gêneros de primeira necessidade, criação de cooperativas, tarifas de
transporte e habitação. E, por fim, já que os serviços públicos (água, luz,
transporte, telefonia) eram privatizados e seus concessionários eram todos
empresas estrangeiras, a Coligação Operária propunha a “nacionalização das
empresas estrangeiras”.
O último grupo de propostas da plataforma da Coligação Operária,
“Administração Pública”, trazia questões relativas à educação – abrangendo
apenas o ensino básico e o ensino técnico -, higiene pública e assistência social,
funcionalismo público – tópico no qual propunha, entre outros, a nomeação por
meio de concurso público, o que, na prática, significaria o fim do empreguismo e
de um dos mais poderosos sustentáculos das máquinas eleitorais – e agrupava

47
- Fernando Teixeira da Silva. Op. cit., passim.
129

um elenco de propostas voltadas a “combater a corrente de depravação moral,


pública e privada, que campeia livremente”. Este bloco trazia tanto pontos como
a defesa da punição aos desmandos de encarregados da administração pública e
do fim das subvenções a jornais (referência ao diário A Tribuna, porta-voz do
PRM) e a instituições confessionais como também questões que punham em cena
um certo conservantismo moral: combate ao jogo, à prostituição e ao alcoolismo.
Este último tipo de postura - também encontrada em outras correntes do
movimento operário, como os anarquistas48 -, apesar de fundar-se em uma crítica
que atribuía a origem desses fenômenos ao capitalismo, acabava não se
distinguindo do moralismo burguês. Por fim, neste mesmo bloco, como último
ponto da plataforma, aparece a palavra de ordem do voto secreto. A forma como
esta questão foi colocada, em um contexto de “generalidades”, quando poderia ter
sido colocado junto “às questões das liberdades políticas do capítulo “Atuação
Política”, cria a convicção de que sua inclusão no documento tenha sido muito
mais uma concessão de última hora – também em atenção à decisão do II
Congresso do PCB referente à pequena burguesia - a um tema muito discutido e
caro às camadas médias de então que uma convicção por parte da Coligação
Operária49. Esta avaliação vê-se reforçada em razão da ausência de textos ou
referências ao tema por parte dos comunistas durante a campanha eleitoral.
Refletindo o que seria a posição dos comunistas sobre o assunto, tempos depois
o tema do voto secreto seria assim colocado:

“Nós outros adotamos essa reivindicação no nosso programa, por julgarmos


ser ela um incentivo ao proletariado e que o desperte da letargia em que está
mergulhado. Só por isso. Não cremos que o voto secreto nos salvará – assim

48
- Apesar disso, os comunistas de Santos publicavam em seus jornais artigos nos quais se
expunham mudanças de costumes na URSS, como “O ciúme é considerado uma paixão burguesa” (O
Solidário. Santos, nº 36, 11/04/1925, p. 2.). Com o anarquismo, de sua parte, pode-se ver o
tratamento dado a tais questões através das páginas, por exemplo, de A Voz do Trabalhador, órgão da
Confederação Operária Brasileira, de 1908 a 1915.
49
- Embora seja importante destacar que o PCB, por ocasião da comemoração do 1º de Maio,
divulgou um programa de reivindicações, entre as quais, no campo político, estava o voto secreto e
obrigatório (cf. Seção de Agitação e Propaganda do Partido Comunista do Brasil. Teses para o 1º de
Maio. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 56, 15/04/1925, p. 2.)
130

julgam os democráticos – do pego em que nos encontramos graças aos


‘conspícuos’ políticos que nos dirigem... A História assim nos ensina!”50

Era uma plataforma dirigida para amplos setores populares, que, embora
tivesse seu foco em Santos, sintetizava um grande número de reivindicações
históricas do movimento operário brasileiro. Se compulsarmos, por exemplo, a
coleção de A Voz do Trabalhador, órgão oficial da anarcossindicalista
Confederação Operária Brasileira, que circulou de 1908 a 1915, é imediata a
constatação de que, em seu conjunto, as reivindicações apresentadas em 1925
pela Coligação Operária não são novas. O que é novo aqui é o fato de que estas
reivindicações de longa data, o que significa ainda não terem sido conquistadas,
são colocadas na arena política, e não mais apenas na sindical, demonstrando
um novo campo de ação a ser utilizado pelos trabalhadores brasileiros, em um
combate que parte do econômico e o transcende indo até a busca de direitos
sociais e políticos. Estes, no entanto, estavam limitados àqueles que podiam ser
apenas vislumbrados pelo prisma do mundo do trabalho, não alcançando, porém,
neste momento, questões como, por exemplo, o voto feminino ou do analfabeto.
O que se pretendia com tal plataforma era, a partir dela, dar coesão e buscar
conquistar a hegemonia dentro do movimento operário santista, pois, do frio ponto
de vista do jogo eleitoral, tal conjunto de propostas era quase que inócuo, pois
parte significativa dos cidadãos que poderia ser beneficiada com a efetivação de
tais iniciativas não tinha direito de cidadania: simplesmente não podia votar, como
se pôde ver pelos números da classe operária santista. É fácil deduzir, também,
que, naquele momento, tal panorama poderia ser estendido para todo o País.
Destaque-se, também, que algumas dessas reivindicações já tinham uma tal
amplitude social, que nem mesmo a um presidente da República, em sua
plataforma eleitoral, era possível deixar de evocá-las. É o caso de Arthur
Bernardes, em manifesto lido no banquete oferecido aos candidatos escolhidos
pela Convenção Nacional, reunida em 8 de junho de 1921:

50
- Homero Barbosa Filho. Porque combatemos o Partido Democrático. Praça de Santos.
Santos, 08/05/1928, p. 4.
131

“Quanto aos operários industriais, necessário é facilitar-lhes habitações


saudáveis e de módico aluguel, regular as condições de higiene e segurança nas
fábricas, as do trabalho de mulheres e menores, difundir as instituições
cooperativas, notadamente as de consumo, e ministrar em larga escala o ensino
profissional.
Está em vigor a lei sobre acidentes nas indústrias e foi criado o departamento
do trabalho.
É natural que esses e outros atos reclamem ampliações e retoques
aconselhados pela experiência ou determinados pelos compromissos assumidos
em tratados internacionais.
Por outro lado, dentro da ordem constitucional, deverão ser garantidas em
toda a plenitude os direitos de reunião e associação, parecendo oportuno o ensaio
dos tribunais arbitrais mistos, para dirimir os conflitos entre operários e patrões.
A participação dos operários nos lucros industriais, em termos razoáveis,
constitui programa do partido a que me acho filiado no Estão de Minas Gerais.”51

É claro que, neste e em muitos outros casos, a sua efetiva aplicação já era
outra questão, porque, em boa parte, tais intentos nunca deixavam o papel onde
eram impressas.
Uma outra questão referente ao programa dos comunistas de Santos foi a da
interferência da CCE do PCB em sua elaboração. Embora não nos tenham
chegado traços de alguma discussão travada entre a direção e o Centro de
Santos a respeito da questão do programa da Coligação Operária, é fácil
evidenciar que isso ocorreu.
O deputado federal pelo Distrito Federal, João Batista de Azevedo Lima, leu
no plenário da Câmara dos Deputados um manifesto, datado de 21 de setembro
de 1925, e assinado pela redação do órgão oficial do PCB, A Classe Operária -
ou seja, era um documento da CCE -, no qual se justificava a ausência do partido
nas eleições municipais do Rio de Janeiro, previstas para fevereiro de 192652. De
tal texto, para demarcar o campo do PCB com relação a uma “candidatura
operária”, fazia parte a plataforma que seria apresentada pelo Bloco Operário em
tais eleições. É um texto curto, de apenas nove pontos, cujos primeiros tópicos
eram uma espécie de enunciação genérica de princípios, que enfocavam a

51
- Plataforma. Minas Gerais. Belo Horizonte, 20-10-1921, p. 1-6 apud Norma de Góes
Monteiro (org.). Idéias políticas de Arthur Bernardes (vol. 1), p. 210.
52
- Veja a íntegra do texto mais adiante, no Anexo IV.
132

necessidade de o Bloco Operário estar a serviço da luta do proletariado e de


contribuir para o desenvolvimento de sua consciência de classe; de exercer uma
política independente de classe; de os seus representantes serem integrantes de
um “comitê de controle” sobre os políticos burgueses. A estes se seguiam pontos
mais específicos, embora ainda abordados de maneira genérica, como a política
fiscal, definida pelo princípio “só os ricos devem pagar impostos”; a
disponibilidade dos serviços públicos para a maioria da população; bem como as
questões da habitação, da saúde, assistência social e educação; além da
enunciação da defesa dos interesses dos “operários agrícolas e pequenos
lavradores”. Cotejando-a com a da Coligação Operária constatamos a existência
de muitos pontos em comum, inclusive com a utilização das mesmas expressões.
Apesar da extensão da plataforma santista, pois nesta vários pontos foram
detalhados e/ou adaptados para a realidade de Santos, é fácil de notar que as
linhas gerais de ambas são coincidentes. O único ponto da plataforma do Bloco
Operário que não foi aproveitado na da Coligação Operária, sem que se saiba a
razão, foi a relativa às questões fiscais.

OS RESULTADOS

Juntamente com a aparição pública da Coligação Operária, em agosto de


1925, se deu o primeiro passo da campanha: o alistamento de eleitores. Era
necessário, já que o voto não era obrigatório, fazer com que requeressem seu
título de eleitor todos aqueles em condições de votar e, naturalmente, estivessem
de acordo com as propostas da Coligação Operária. Como as eleições para
vereadores, juízes de paz e prefeito do município de Santos estavam marcadas
para o dia 29 de novembro, era preciso alistar os eleitores até 30 de setembro,
pois somente possuíam direito de voto todos aqueles alistados até 60 dias antes
133

dos pleitos53. Era um prazo muito curto, sobretudo para um agrupamento que não
possuía experiência no assunto e, claro, não tinha a máquina pública a seu favor.
A partir das Comissões de Fomento Eleitoral, criadas, já na época do Partido
Trabalhista, dentro dos sindicatos que apoiavam a Coligação Operária, deu-se o
processo de alistamento. Estas receberam as seguintes orientações:

“Pedimos aos companheiros que constituem as Comissões de Fomento


Eleitoral, que continuem recrutando, no seio de suas respectivas corporações, os
trabalhadores que desejem qualificar-se. Devem, para esse fim, tomar nota dos
nomes, sistematizando o trabalho, em listas que englobem trabalhadores de uma
determinada casa, armazém, firma, cocheira, etc.
Pedimos mais às comissões enviar todo cidadão interessado em se qualificar
à rua Braz Cubas n. 344, ou Antonio Bento n. 270, onde encontrarão pessoa que
os atenderá.”54

Ao mesmo tempo - por meio dos sindicatos e seus órgãos que a apoiavam e
do espaço de divulgação que obtivera na coluna “Vida Operária” do diário
Commercio de Santos55 - a Coligação Operária forjara alguns meios de
comunicação para propagar suas idéias. O próprio PCB contribuíra com a
publicação de uma folha volante com o programa da Coligação Operária, embora
com modestíssima tiragem de 1.000 exemplares56. Os textos publicados pela
Coligação Operária e seus simpatizantes, tendo como objetivo a arregimentação
eleitoral, procuravam enfatizar que a Coligação Operária era a única organização

53
- As eleições municipais de São Paulo foram regulamentadas pelo decreto estadual nº 3.939,
de 04/11/1925, e o alistamento estava definido pelo decreto federal nº 4.226, de 30/12/1920.
Posteriormente, por uma decisão judicial, o prazo foi prorrogado para 14 de outubro (As próximas
eleições municipais. Poderão votar os eleitores que se alistaram até 14 de outubro. Commercio de
Santos. Santos, 12/11/1925, p. 2).
54
- Vida Operária. Coligação Operária – Às comissões de fomento eleitoral. Commercio de
Santos. Santos, 02/09/1925, p. 4.
55
- “Em 1920 surgia o ‘Commercio de Santos’, resultado da iniciativa de uma comandita em
que apareciam: Nilo Costa, Dr. De Jorge, Lincoln Feliciano, Virgílio dos Santos Magano, e
Christovam Prates da Fonseca. O Dr. Nilo Costa era então advogado da Municipalidade e não podia
figurar na direção do jornal, ocupando-a, pois, Simões Coelho em seus primeiros tempos. Pouco mais
tarde assumia a direção do jornal o Dr. Nilo Costa, figurando como secretário o poeta Paulo
Gonçalves. Em 1922, aparecia como redator-secretário o Dr. Bruno Barbosa, e em seguida,
sucessivamente, Ayres dos Reis, Álvaro Augusto Lopes e José do Patrocínio Filho, até 1926, quando
assumiu a direção do jornal o escritor e poeta Affonso Schmidt.” (Francisco Martins dos Santos.
História de Santos, 1532-1936. Vol. II, p. 96). O Commercio de Santos desapareceu em 1932.
134

operária que apresentava candidato e programa claramente operários e que,


portanto, os operários deveriam nele votar. Também ressaltavam a importância de
se “abrir brecha na rotina anacrônica antiparlamentarista, que vinha atrofiando a
organização das largas massas laboriosas”57.
Um artigo de autoria de Affonso Schmidt em defesa da candidatura de João
Freire de Oliveira é exemplar nesse sentido. Nele, o escritor recomendava ao
eleitorado que votasse no candidato da Coligação Operária e apontava cinco
qualidades: Oliveira era santista, operário, apresentava-se como operário,
possuía um programa e, finalmente, seu programa era operário58.
Além disso, havia a propaganda eleitoral feita por meio de panfletos e
cartazes, que eram espalhados pela cidade. A poderosa The City of Santos
Improvements Company, Limited, que explorava a água, fornecia luz e força e era
concessionária do transporte de bondes, por meio de seu gerente, o inglês
Bernard Browne, contratou um advogado, o vereador Samuel Baccarat, candidato
à reeleição pelo PRM, para processar criminalmente os candidatos Antônio
Feliciano da Silva, avulso, e João Freire de Oliveira, da Coligação Operária, sob a
alegação de “terem indevidamente ocupado os postes da City”59. Feliciano, por
sua parte, argumentou que os postes não eram privilégio dos “candidatos
carecas”, isto é, do PRM. Ficava evidente aqui uma clara tentativa de intimidação
aos candidatos situados fora do espectro do partido oficial e, particularmente,
uma ação conjunta do PRM e da Cia. City nesse sentido.

56
- O Encarregado do Serviço de Agitprop do P.C.B. O Serviço de Agitprop do P.C.B. em
1925. Rio de Janeiro, 22/01/1926, p. 3.
57
- Um Leitor Proletário. A Coligação Operária. Commercio de Santos. Santos, 13/09/1925,
p.4.
58
- Affonso Schmidt. Um santista a todos os santistas. Commercio de Santos. Santos,
20/11/1925, p. 2.
59
- Política e politicalha. Commercio de Santos. Santos, 25/11/1925, p. 1. Ironicamente, pouco
antes de tomar posse como deputado estadual pelo Partido Democrático, ao qual se filiara após a
criação deste em 1926, o vereador Antônio Feliciano apresentou um projeto de lei concedendo a
Browne o “título de cidadão santista pelos grandes serviços prestados à cidade”. Curiosamente, o
vereador Samuel Baccarat pôs em dúvida a constitucionalidade da iniciativa... (Em Santos. Na sessão
ordinária da Câmara Municipal de Santos, o vereador Antônio Feliciano justificou um projeto de lei
concedendo o título de cidadão santista ao dr. Bernardo Brown, gerente da City. O Combate. São
Paulo, 11/04/1928, p. 6).
135

Por fim, a Coligação Operária também se valeu nos últimos dias de


campanha de comícios, dos quais não nos chegaram relatos descrevendo-os,
apenas pequenas notas no Commercio de Santos anunciando sua realização. A
estes comícios, além do candidato João Freire de Oliveira e de lideranças
operárias santistas, também acorreram membros do Partido da Mocidade, recém-
criado em São Paulo, cuja aproximação, como veremos adiante, acabou
provocando uma pequena crise entre os comunistas de Santos.
Em linhas gerais, verifica-se que a campanha eleitoral da Coligação
Operária em Santos, no ano de 1925, seguiu o mesmo roteiro traçado para a
frustrada campanha de 1924, no Rio de Janeiro, que mais acima transcrevemos.
Para a eleição do dia 29 de novembro de 1925, um domingo, dos cerca de
120.000 habitantes de Santos estavam habilitados a votar algo em torno de 3.200
eleitores, isto é, 2,6% da população. Neste dia, quando caíram fortes chuvas, as
14 seções da cidade, e mais as dos distritos de Guarujá e Cubatão, receberam
1.913 eleitores para escolher os doze vereadores santistas, o que resultava em
um quociente eleitoral de 159 votos para se obter uma vaga de vereador em
primeiro turno. Os candidatos do PRM receberam 1.499 votos, Antônio Feliciano
teve 332, Renato Pinho 48 e João Freire de Oliveira obteve 34 sufrágios. Assim, o
partido situacionista elegeu 11 candidatos e a décima segunda vaga coube a
Antônio Feliciano60.
Os 34 votos dados à Coligação Operária distribuíram-se por todas as seções
eleitorais, exceto na 14ª e em Cubatão. Como as seções estavam organizadas na
seqüência dos números do título de eleitor, não é possível apontar-lhe um
significado geográfico e, portanto, social. Apenas o fato de que, como cada seção
podia ter no máximo 250 eleitores (cf. definia o parágrafo único do artigo 11 do
Decreto 3.939, de 04/11/1925), e a Coligação não obteve nenhum voto na décima

60
- As eleições municipais de ontem. A Tribuna. Santos, 30/11/1925, p. 1; Ecos do pleito
municipal. A Tribuna. Santos, 01/12/1925, p. 1. Depois de julgados os recursos, quando da posse dos
vereadores, o número de votos da Coligação Operária caiu ainda mais, pois foram anulados os votos
de várias seções, ficando João Freire de Oliveira com apenas 21 votos, como oitavo suplente (cf. A
Câmara Municipal e os suplentes de vereadores. Praça de Santos. Santos, 28/10/1928, p. 16.)
136

quarta (e última) seção - que abrigava, portanto, os últimos alistados -, é possível


deduzir que sua campanha de alistamento eleitoral foi um completo fiasco.
Apesar disso, o secretário geral do PCB, Astrojildo Pereira, avaliou que a
atuação da Coligação Operária foi um acontecimento histórico:

“O grande mérito da campanha empreendida pela Coligação Operária


consiste, principalmente, segundo o nosso modo de ver, em ter estabelecido bem
nítida, no terreno eleitoral, a diferenciação de classe entre o proletariado e a
burguesia. Pela primeira vez no Brasil a classe operária, devidamente
arregimentada, participou de um pleito eleitoral como partido ‘independente’, com
força ‘autônoma’, decididamente ‘contraposta’ ao partido burguês dominante. A
Coligação Operária constituiu-se como tal e seu programa é um programa de
classe e seu candidato, sendo um trabalhador, foi um candidato de classe.”61

O candidato da Coligação Operária fez uma avaliação, para um jornal


sindical do Rio de Janeiro, no mesmo sentido da de Astrojildo Pereira e concluía
pela necessidade de que a experiência da Coligação Operária se expandisse pelo
País , pois entendia que uma boa campanha eleitoral servia para mobilizar os
trabalhadores e apontar as contradições da sociedade capitalista. O seu artigo
era encerrado com uma viva ao “parlamentarismo a serviço da classe!”62.
No entanto, este tom mais otimista era posto de lado em outro texto de João
Freire de Oliveira publicado em um jornal de Santos. Nele, depois de vincular o
surgimento da Coligação Operária à necessidade da organização dos
trabalhadores para tomar parte na luta de classe, ele enfatizava que a maioria dos
trabalhadores não compreendeu isso, pois “a burguesia não é só dona dos meios
de produção e consumo, como também é dona dos cérebros dos trabalhadores”.
Prosseguindo neste sentido, Freire apresentou uma longa série de outras razões:
a desorganização operária; o antiparlamentarismo dos anarquistas; a
desconfiança com que foi recebido o aparecimento da Coligação Operária; a falta
de melhores meios de divulgação da propaganda; a mentalidade pequeno-
burguesa dos operários e dos eleitores; o medo da repressão; o “derrotismo da

61
- Astrogildo Pereira. O Partido da Mocidade e a Coligação Operária. Commercio de Santos.
Santos, 06/03/1926, p. 2.
62
- João Freire de Oliveira. A Coligação Operária ao proletariado do Brasil. Voz Cosmopolita.
Rio de Janeiro, nº 74, 06/02/1926, p. 6.
137

imprensa burguesa”; o sistema eleitoral; a traição de operários que se alistaram


pela Coligação Operária e acabaram votando em outros candidatos; e, finalmente,
a falta de empenho daqueles que deveriam ter trabalhado durante as eleições,
por pessimismo ou comodismo. A não ser, de maneira indireta, pela chave
“sistema eleitoral”, não há nenhuma menção à questão de ter sido a Coligação
Eleitoral vítima de fraudes eleitorais, tão corriqueiras, o que faz pensar que a
idéia de fracasso estava tão disseminada entre seus partidários, que sequer se
cogitou a questão. Mas, sem dúvida, o que mais chama a atenção neste enorme
repertório de acusações é a ausência de qualquer referência à orientação da
Coligação Operária, cabendo a responsabilidade do insucesso em larga medida
apenas aos trabalhadores santistas.
Outra questão debatida após a eleição foi com relação à participação de
representantes do Partido da Mocidade na campanha da Coligação Operária.
Surgido em São Paulo, no final de 1925, com o propósito de “regenerar a vida
política” do País, o Partido da Mocidade pretendia agrupar eleitores com até 35
anos de idade “para forçar e abrir a porta que nos levará à conquista integral do
nosso programa. Essa porta é o voto secreto”. Tal programa, expresso em seu
manifesto, e retomando ideais do manifesto republicano de 1870, previa
“purificação das práticas políticas nas esferas representativas”, despertar a
“consciência cívica dos cidadãos”, favorecer e nacionalizar o ensino, “virilizar o
povo e sanear a terra”, justiça ao alcance de todos, “organização das classes
conservadoras e proletárias”, criação de caixas de aposentadoria e pensão para
todos trabalhadores, proteção do cooperativismo e aproximação com os países da
América Latina. Nunca é demais recordar, a título de parêntese, a similaridade de
tal programa com o dos “tenentes”, que, no entanto, na síntese “Representação e
Justiça”, enfatizavam reformas políticas e jurídicas em suas propostas para a
sociedade63.

63
- Partido da Mocidade. Manifesto do Partido da Mocidade: À Nação. Folha da Manhã. São
Paulo, 20/11/1925, p. 8. Cf. também John W. Foster Dulles. Anarquistas e comunistas no Brasil
(1900-1935), p. 250 (nota 102). O programa dos “tenentes” foi assim sintetizado em Maria Cecília
Spina Forjaz (Tenentismo e aliança liberal (1927-1930), p. 27-28): a) voto secreto; b) combate à
corrupção administrativa e à fraude eleitoral; c) verdade de representação política; d) liberdade de
138

O seu surgimento parece ter empolgado alguns militantes comunistas, como


Manuel Perdigão Saavedra, recém-egresso das fileiras anarcossindicalistas, que
chegou a publicar um texto panegírico na imprensa de São Paulo, no qual
pregava a adesão ao Partido da Mocidade. Além disso, como vimos, ao mesmo
tempo ocorrera a participação do Partido da Mocidade em comícios eleitorais da
Coligação Operária. Tal participação pode ser compreendida como uma
manifestação da interpretação que os comunistas de Santos deram às resoluções
do II Congresso do PCB no referente às relações com a pequena burguesia,
buscando, pois, uma aproximação com agrupamento político que claramente
defendia bandeiras de tal setor.
Tais episódios levaram à publicação de um irado artigo no órgão de Centro
Cosmopolita do Rio de Janeiro, Voz Cosmopolita, de orientação comunista, no
qual se denunciava o “confusionismo no seio do proletariado que chega até a
contaminar os comunistas”, no Estado de São Paulo. Além de citar
acontecimentos ocorridos na União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo, o
artigo trata do caso de Santos. O articulista afirmou que não se podia permitir a
propaganda do Partido da Mocidade, “partido de intelectuais pequeno-burgueses,
partido de confusão, patriotismo e intelectualismo”, em comícios da Coligação
Operária. Além disso, atacou o artigo de Saavedra, que “não tem uma gota de
comunismo, de luta de classes”, por ignorar o “abismo entre o proletariado e a
pequena burguesia”. Tudo isso, na opinião do autor, era o resultado da influência
da ideologia pequeno-burguesa sobre o proletariado de São Paulo e suas
lideranças, que se apresentava sob os mais variados aspectos:

“Civismo, patriotismo, trabalhismo, socialismo, reformismo, confusionismo,


fascismo, menchevismo, anarquismo, liberalismo, democratismo, espiritismo,
teosofia, espiritualismo em geral, individualismo, terrorismo bombista, verbalismo,

imprensa e pensamento; e) centralização do Estado e correção dos excessos da descentralização


federativa; f) limitação das atribuições do Poder Executivo e restabelecimento do equilíbrio entre os
três poderes; g) moralização do Poder Legislativo; h) ampliação da autonomia do Poder Judiciário; e
i) obrigatoriedade do ensino primário e expansão do ensino profissional.
139

literatismo, filosofismo, Partido da Mocidade, etc., tudo é uma coisa só: histeria
pequeno-burguesa. Apenas os matizes é que variam.”64

Algum tempo depois, a questão das relações entre o Partido da Mocidade e


a Coligação Operária foi retomada pelo secretário geral do PCB, Astrojildo
Pereira, em um artigo publicado na imprensa santista65. Nele, Pereira manifesta
sua “opinião desfavorável a qualquer colaboração política entre a Coligação
Operária e o Partido da Mocidade”. Justifica-a pelo fato de o Partido da Mocidade
representar, na melhor das hipóteses, simplesmente “uma pura ilusão
democrática e liberal”, e, sobretudo, pelo fato de ignorar as diferenças de classe:

“Ele supõe – se é que o supõe – poder agrupar em seu seio, sem contradição
nem antagonismo, a mocidade ‘burguesa’ e a mocidade ‘proletária’. Ilusão
perigosa. Toda colaboração de classe resulta sempre, efetivamente, em ‘sujeição’
da classe operária à classe burguesa. Pois os seus ‘interesses’ são antagônicos. A
ideologia? Mas a ideologia é, em seu mais íntimo substrato, ditada pelo interesse
de classe. Isto é elementar e só os inimigos – fracos ou disfarçados – do
proletariado procuram negá-lo. Mas sem êxito.”

Pereira alertava para o fato de que tais contradições levariam os “bons


elementos” do Partido da Mocidade a um impasse: submissão ou cisão. Ele previu
que tal situação resultaria na morte do Partido da Mocidade “como partido
‘somente’ dos ‘moços’, sem diferença de ‘classe’”. De fato, pouco tempo depois o
partido deixaria de existir, pois parte significativa de seus membros entraria em
maio de 1926 para o Partido Democrático de São Paulo, fundado em fevereiro
daquele ano66.

64
- João Garroeira. Em S. Paulo: A histeria pequeno-burguesa. Voz Cosmopolita. Rio de
Janeiro, nº 70, 09/12/1925, p. 3.
65
- Astrojildo Pereira. O Partido da Mocidade e a Coligação Operária. Commercio de Santos.
Santos, 06/03/1926, p. 2. O mesmo artigo também foi publicado em O Solidário. Santos, nº 39,
24/02/1926.
66
- José Ênio Casalecchi. Op. cit., p. 173 (nota 95). Eis os principais pontos do programa do
Partido Democrático: “1º) Defender os princípios liberais consagrados na Constituição [...] ; 2º)
Pugnar pela reforma da lei eleitoral, no sentido de garantir a verdade de voto, reclamando, para isso,
o voto secreto e medidas asseguradoras do alistamento, do escrutínio, da apuração e do
reconhecimento; 3º) Vindicar para a lavoura, para o comércio e para a indústria a influência a que
têm direito, por sua importância, na direção dos negócios públicos; 4º) Suscitar e defender todas as
medidas que interessam à questão social; 5º) Pugnar pela independência econômica da magistratura
nacional [...]; 6º) Pugnar pela independência econômica do magistério público [...].” Partido
140

Tais críticas resultaram em uma “autocrítica” da Coligação Operária


publicada na imprensa local67. Em um longo texto, tendo como base o texto de
Astrojildo Pereira, acataram as observações deste. Também aqui, nenhuma
consideração a respeito das razões que levaram a Coligação Operária a
aproximar-se do Partido da Mocidade foi feita. Ao invés disto, este foi
estigmatizado com uma série de imprecações:

“[...] devemos combater intransigentemente o P[artido]. [da] M[ocidade].,


mostrando e demonstrando que este, ‘subjetivamente’, é e será e não pode deixar
de ser um partido da contra-revolução burguesa, inimiga do proletariado. [...] Isto é
puríssima ideologia fascista, nitidamente ‘antiproletária’, pois que ‘reacionária’.”

O único momento, na verdade, em que a Comissão Executiva da Coligação


Operária tocou no tema da campanha eleitoral foi quando se referiu à questão do
voto secreto. Reconhecendo que a reivindicação existia em ambos os programas,
no entanto, deixou clara a distinção, com um certo menosprezo: enquanto para o
Partido da Mocidade o voto secreto era qualificado como sendo a panacéia geral
para todos os males do Brasil, para a Coligação Operária tinha simplesmente o
caráter de garantia de “um mínimo de honestidade aritmética na apuração das
eleições. Mais nada, visto que ele nada pode dar”.
Em termos concretos, houve significativa alteração na estruturação da
Coligação Operária. Decidiu-se, após a eleição, manter estruturado e em
funcionamento o organismo e seu caráter eleitoral. No entanto, foi tomada uma
decisão importante quanto às suas relações com os organismos sindicais. A partir
de então a Coligação Operária se desligaria completamente das associações
operárias e recrutaria os aderentes individualmente, justificando-se tais medidas a
fim de permitir “melhor e mais ampla liberdade de ação à Coligação”68. Não se

Democrático. Manifesto à Nação. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 22/03/1926 apud Nazareth Prado.
Antônio Prado no Império e na República, p. 391-392.
67
- Comissão Executiva da Coligação Operária. Razões principais porque combatemos o
Partido da Mocidade. O Solidário. Santos, nº 42, 05/04/1926, p. 2. O mesmo texto, sob o título “A
Coligação Operária e o Partido da Mocidade”, foi também publicado em Commercio de Santos em
sua edição de 13/04/1926, à página 2.
68
- A reorganização da Coligação Operária. O Solidário. Santos, nº 37, 20/02/1926, p. 2.
141

sabe exatamente o que levou a esta modificação, se divergências internas


ocorridas durante a campanha eleitoral ou se a críticas feitas ao fato de que tal
estrutura significava atrelar os sindicatos à organização partidária, ou, então, uma
combinação de ambas as hipóteses. Sem dúvida, independente dos parcos
resultados eleitorais, a experiência de se vincular diretamente organizações
sindicais não foi mais repetida pelos comunistas brasileiros. Talvez não seja
equivocado pensar-se que, embora não haja necessariamente uma relação de
causa e efeito direta, também tenha pesado como reforço nesse sentido o fato de
que, em março de 1926, os comunistas perderam as eleições para os anarquistas
– recorde-se que entre as causas apontadas para o fracasso da Coligação
Operária nas eleições de novembro de 1925 estavam “os resíduos nos sindicatos
do antiparlamentarismo anarquista” - no Centro Internacional de Santos, a única
entidade que naquele momento tinham sob sua influência na cidade. Embora os
comunistas tenham retomado o sindicato em 1928, o fato foi extremamente
marcante em razão de ter sido a única entidade em que os anarquistas
conseguiram estabelecer-se naquela época, nunca mais repetindo o feito69.
Depois disso, e até as eleições de 1928, os comunistas de Santos tiveram uma
dura caminhada, a julgar-se pelo quadro traçado pelo delegado da região ao III
Congresso do PCB:

“Antes das eleições, digo, da campanha política da C[oligação]. O[perária].


[de 1928, dk], a Zona de Santos era uma instituição puramente, simplesmente
decorativa. Assemelhava-se a uma seita qualquer e tinha por única finalidade
reunir-se e tomar conhecimento... Isto deve-se, cumpre dizê-lo, à lei “celerada” e ao
medo que nacionais e estrangeiros tinham da polícia.
Os sindicatos agonizavam sem que ninguém desse-lhes um alento
vivificador. Os operários desorganizados estavam à mercê de todas as diatribes
patronais, e todas as violências coercitivas, quer da polícia, em caso de greve, quer
dos patrões, em tempo de paz... Enfim, uma letargia geral pesava sinistramente
sobre o tradicional movimento operário em Santos.” 70

69
- Fernando Teixeira da Silva. Op. cit., p. 387.
70
- A. R. (Delegado ao 3º Congresso do PCB). Relatório da Zona de Santos. S.l., s.d., p. 1
(RGASPI).
142

Todavia, a decisão de dar um caráter permanente à Coligação Operária e


recrutar individualmente os aderentes impôs um novo problema, que somente
mais tarde os comunistas se dariam conta: na prática estavam dados os meios
para a criação de uma estrutura política que possuía muitas áreas de
superposição com o PCB, confundindo-se ambos. Embora hipoteticamente fosse
possível fazer com que a Coligação Operária tivesse uma atuação distinta da do
PCB, criava-se, de fato, um segundo partido, coisa que tanto desgaste traria ao
PCB no final da década.
Finalmente, deve-se destacar desta experiência, mais que o fraco resultado
eleitoral, o pioneirismo da iniciativa. Se, de um lado, ela se viu comprometida pela
falta de preparo e experiência, como se destacou mais tarde71, seus méritos, de
outro, precisam ser avultados e eles se referem em ter a Coligação Operária, ao
mesmo tempo, colocado na ordem do dia de toda a sociedade questões que até
então se julgavam pertencer exclusivamente ao mundo do trabalho e, em uma
situação de repressão e clandestinidade a que se submetia então o movimento
operário, ter posto em ação uma forma organizativa, e que foi posteriormente
aperfeiçoada pela prática, através da qual ela pôde vir à luz do dia expor suas
idéias.

71
- Vida Operária. A Coligação Operária é o verdadeiro Partido dos pequenos funcionários e
operários municipais, estaduais ou federais. Praça de Santos. Santos, 27-01-1928, p.3.
Resultado da eleição realizada em Santos em 29 de novembro de 1925

CANDIDATOS SEÇÕES TOTAL


1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª Guarujá Cubatão
1º TURNO
João Carvalhal Filho (PRM) 28 21 26 20 21 11 15 18 23 16 17 16 22 17 16 20 309
João Manoel Alfaya Rodrigues (PRM) 28 18 22 19 19 12 16 15 23 14 19 18 22 14 15 19 293
José de Souza Dantas (PRM) 27 21 23 18 20 13 17 18 21 15 17 16 24 16 16 19 301
Samuel Baccarat (PRM) 28 20 24 18 21 13 16 19 23 14 19 16 23 16 14 20 306
Arnaldo Ferreira de Aguiar (PRM) 26 19 21 18 19 13 15 18 23 15 18 16 20 15 16 19 290
Antônio Feliciano da Silva (avulso) 7 13 20 14 13 20 23 21 14 26 21 36 13 71 8 12 332
Renato Pinho (avulso) 0 2 1 0 1 2 1 2 2 2 2 4 1 26 0 2 48
JOÃO FREIRE DE OLIVEIRA (CO) 4 5 1 1 1 3 4 2 1 2 3 2 4 0 1 0 34
2º TURNO
Albertino Moreira (PRM) 141 104 118 97 101 63 82 90 116 74 89 82 108 80 80 97 1.502
Alfredo Freire (PRM) 137 100 116 96 100 64 78 89 113 73 87 81 109 80 81 97 1.501
Antenor da Rocha Leite (PRM) 115 89 103 84 81 54 72 76 108 73 90 74 109 81 84 97 1.390
Benedicto Pinheiro (PRM) 138 100 116 97 100 64 78 91 113 73 88 82 108 78 83 97 1.506
Frederico E. A de Whitacker Jr. (PRM) 137 99 116 96 98 64 78 89 114 74 87 83 108 82 84 97 1.506
João Gonçalves Moreira (PRM) 137 99 115 97 99 64 78 88 112 73 87 83 108 82 84 97 1.503
Manoel R. de Azevedo Sodré (PRM) 137 98 115 95 99 64 78 88 101 74 88 83 108 82 84 96 1.490
Arnaldo Ferreira de Aguiar (PRM) 138 84 98 78 83 53 66 71 97 58 70 74 88 78 67 77 1.276
João Carvalhal Filho (PRM) 109 90 93 71 83 52 68 72 97 58 70 68 91 78 63 76 1.249
João Manoel Alfaya Rodrigues (PRM) 112 89 96 78 83 52 67 74 95 61 69 67 90 79 65 77 1.255
José de Souza Dantas (PRM) 110 87 98 80 83 53 66 54 97 58 73 67 88 79 63 77 1.233
Samuel Baccarat (PRM) 110 83 94 70 83 52 62 68 95 59 71 66 85 77 63 76 1.223
FONTE: A Tribuna. Santos, 30/11/1925, p. 1.
ANEXO III

“Plataforma eleitoral da Coligação Operária

O traço mais característico da situação política do Município de Santos – como, de


resto, em todo o Brasil – é o alheamento das massas populares, mais especialmente das
massas laboriosas. Estas não participam da vida política municipal, entregue por completo à
vontade discricionária do Partido Conservador oficial. Santos conta com uma população de
120.000 habitantes e possui apenas a insignificância de menos de 4.000 eleitores
qualificados, sendo que nem sequer 2.000 destes jamais comparecem às urnas, quando há
eleições. São, a bem dizer, somente os votos dos funcionários públicos, subordinados aos
chefes poderosos da política e da administração dominante.
Diversos grupos, várias vezes, se têm combinado, a fim de se constituírem em
oposição, porém sempre sem resultado algum apreciável. Aliás, tais grupos têm refletido
menos as aspirações das massas do que as ambições ou desígnios pessoais de seus chefes
momentâneos, gritadores mas impotentes.
E assim, escarnecendo sempre de seus adversários impotentes, vai o partido oficial
tangendo o rebanho eleitoral e arruinando os cofres do município, não obstante vir
duplicando os impostos anualmente.
Nota-se, porém, de um certo tempo a esta parte, uma ânsia incontida nas massas
laboriosas em concorrerem de alguma forma para a transformação da situação
desesperadora em que se debatem. A inércia, a apatia, a indiferença vão sendo sacudidas
pelo próprio arrocho excessivo a que submeteram, durante anos os que trabalham e pensam.
Há um promissor despertar de consciência das massas. Estas se vão convencendo de que seu
alheamento da política só tem aproveitado aos negocistas dominantes até aqui. Verificam,
por isso, as massas laboriosas, ser necessário intervir ativamente e diretamente na política, o
que dizer nos destinos do município e da sua população laboriosa.
Dessa ânsia incontida, desse despertar de consciência nasceu a COLIGAÇÃO
OPERÁRIA (anteriormente Partido Trabalhista), já transformada e feita uma realidade
concreta, um centro de arregimentação de forças e coordenação de vontades – forças e
vontades firmemente dispostas à batalha pelo bem-estar das massas laboriosas em geral e
especialmente do proletariado.
Constituída, desde seu início, pelas representações autorizadas de organizações
operárias até aqui apenas confinadas em objetivos meramente econômicos, a COLIGAÇÃO
OPERÁRIA, centralizando e disciplinando as aspirações políticas das massas aderentes a
essas organizações, apresenta-se desde já como uma força respeitável capaz de intervir
vitoriosamente na situação reinante.
É debaixo de tão esperançosos auspícios que a COLIGAÇÃO OPERÁRIA, emanação
direta das aspirações proletárias, surge e apresenta-se na arena do combate, com um claro e
sensato programa de defesa dos interesses e dos direitos das massas laboriosas.
Com este programa, que é plataforma dos oprimidos, já a COLIGAÇÃO OPERÁRIA
concorre às eleições municipais, arregimentando forças e apresentando candidatos próprios,
que são nomes modestos de trabalhadores, mas por isso mesmo que são trabalhadores
145

autênticos, constituem a mais sólida garantia da fidelidade e disciplina ao Partido e às massas


que os elegerão.

PROGRAMA

Atuação política

I – A ação municipal da COLIGAÇÃO OPERÁRIA tem por objetivo defender e


apoiar os interesses gerais das massas laboriosas quer da cidade, quer da lavoura.
II – Os candidatos da COLIGAÇÃO OPERÁRIA estarão, na Câmara
Municipal, inteiramente ao serviço das lutas do proletariado em geral, apoiando
sempre, política, moral e materialmente, os operários e lavradores pobres em suas
reivindicações econômicas ou políticas.
III – A tarefa primeira da COLIGAÇÃO OPERÁRIA consiste em chamar a
massa operária ao exercício efetivo de seus direitos políticos de classe. Por outro lado,
os eleitos da COLIGAÇÃO OPERÁRIA constituirão, na Câmara Municipal, um
verdadeiro e severo comitê de controle sobre a política e os políticos ricos.
IV – Um dos pontos básicos da ação da COLIGAÇÃO OPERÁRIA na Câmara
Municipal é o de batalhar energicamente para que à massa operária sejam assegurados,
de fato, os direitos de livre associação e de reunião pública ou privada, hoje abolidos
sob os mais absurdos pretextos. Como complemento lógico dos direitos de associação
e reunião, a COLIGAÇÃO OPERÁRIA pugnará pela liberdade efetiva do pensamento
e de palavra, bem como pela liberdade e legalização dos sindicatos profissionais dos
operários da cidade e do campo.

A DEFESA DO TRABALHO

V – É evidente o desamparo e o menosprezo pela vida dos que com sua


atividade e trabalho honesto contribuem para abastecer e enriquecer o país. O
governo, o Federal, o Estadual, o Municipal – está nas mãos das classes ricas, só dos
interesses desta cuida, na verdade. A COLIGAÇÃO OPERÁRIA, que representa as
classes pobres, vem romper com essa unanimidade. Na questão, por exemplo, da
defesa do trabalho, seus eleitos pugnarão, na Câmara Municipal:
a) Pela execução rigorosa da lei de acidentes no trabalho, tornando-a extensiva a
todas as categorias de trabalhadores, na indústria, no comércio, nos transportes e
nos serviços públicos. Severa crítica será feita das falhas e insuficiências da lei
atual de acidentes;
b) Pela aplicação da lei dos ferroviários, mas submetendo-a à mais rigorosa crítica, no
sentido, entre outros, de serem as caixas de pensões abastecidas unicamente por
porcentagens retiradas do capital e nunca do trabalho;
c) Pela generalização da jornada de oito horas de trabalho e, complementarmente, da
semana inglesa, ou seja, 44 horas de trabalho por semana;
146

d) Pelas reivindicações seguintes em favor dos empregados no comércio: férias


anuais remuneradas, um mês de ordenado quando despedido, fechamento integral
do comércio nos dias feriados nacionais, estaduais e municipais;
e) Pela regulamentação do trabalho noturno, restringindo-o às estritas necessidades
do município, e pela proibição absoluta do trabalho de menores de 14 anos;
f) Pelo estabelecimento do descanso semanal por turno e horários nos hotéis,
restaurantes, bares, cafés, confeitarias, leiterias, botequins e similares;
g) Pela revisão dos ordenados dos empregados em geral da Comp. Docas, City,
S.P.R. e Telephonica, aumentando-os de acordo com os seus lucros globais, a fim
de equipará-los ao alto custo da vida;
h) Pela proibição do sistema atual de mistura do café nos interiores dos armazéns e
substituição desse trabalho por meio de máquinas ou outros aparelhamentos que
não afete a saúde, constantemente em risco dos trabalhadores desse ramo;
i) Pelo estabelecimento de 2 horas para almoço, durante o dia, aos trabalhadores,
carroceiros, estivadores, ternos de café, manobristas de estrada, choferes de carga,
construção civil, Comp. Docas, etc.;
j) Pelo estabelecimento do trabalho diurno nas padarias;
k) Pelo uso obrigatório das capotas nas boléias dos veículos de tração animal;
l) Revisão no regulamento geral de veículos, a fim de competir somente a
fiscalização e cobrança de multas à inspetoria da Câmara Municipal.

CARESTIA DA VIDA

VI – A situação angustiosa por que passa a população de Santos, desde a guerra


até hoje, tende a tornar-se cada vez mais aflitiva em virtude dos estorquistas e por
outro lado de vícios inerentes ao regime econômico e ao sistema político e
administrativo vigentes. Os candidatos da COLIGAÇÃO OPERÁRIA, denunciando
primariamente a causa da carestia, - residente na própria estrutura econômica do
regime, - trabalharão, no entanto, no sentido de minorar quanto possível as
conseqüências imediatas de uma tal situação, reclamando, entre outras medidas:

a) Criação de um aparelho popular de rigoroso controle sobre os manobristas,


açambarcadores e toda a espécie de intermediários e especuladores que provocam
a alta artificial dos gêneros, estabelecendo-se pesadas penalidades contra os
mesmos;
b) Regulamentação dos preços de venda dos gêneros de primeira necessidade com o
estabelecimento de uma tabela geral, podendo a Municipalidade requisitar dos
infratores todos os gêneros em seu poder e vendê-los a varejo pelos preços
regulares da tabela;
c) Estabelecimento de bondes a 100 réis, destinados aos operários, mas com todas as
comodidades dos bondes ordinários;
d) Organização imediata de cooperativas com ramificações distritais e suburbanas
para aquisição e venda direta, em feiras livres, dos gêneros de primeira
necessidade.
147

VII – A questão da habitação, diretamente ligada ao problema da carestia,


constituirá ponto básico do programa de ação dos representantes da COLIGAÇÃO
OPERÁRIA, na Câmara Municipal. Eles denunciarão como ineficazes e ilusórias as
meias soluções e promoverão soluções proletárias práticas, como sejam:

a) Municipalização das habitações operárias, devendo a Municipalidade, para isto,


desapropriar, por utilidade pública, as propriedades particulares que julgar
conveniente;
b) Construção de grandes e modernas habitações coletivas e vilas operárias, com
todos os requisitos da higiene, e nestas como naquelas devendo os aluguéis ser
proporcionais aos salários dos inquilinos;
c) Imposição de pesados impostos sobre os terrenos não edificados;
d) Nacionalização das empresas estrangeiras.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

VIII – Os serviços públicos municipais devem servir aos interesses da grande


maioria da população – que é a população laboriosa – e não apenas, em obras
suntuárias, ao luxo da reduzida minoria de ricaços.
IX – A questão do ensino público é, por sua mesma natureza, das mais
importantes.
A COLIGAÇÃO OPERÁRIA, pela voz dos seus representantes na Câmara Municipal,
lança a seguinte palavra de ordem: escolas para os filhos do povo! Para isto, preconiza,
entre outras medidas:
a) Criação de um conselho popular de instrução pública, do qual devem participar
todos quantos, mestres e pais de família, se interessam diretamente pelos
problemas escolares, e que será órgão técnico, livre do burocratismo, destinado a
promover e sugerir medidas que possam prática e prontamente intensificar a
alfabetização, quer às crianças, quer à mocidade em geral;
b) Tornar obrigatório o ensino, facilitar a freqüência às aulas, com o fornecimento de
refeições escolares e material escolar e de passagem de bonde para os alunos
pobres;
c) Promover a criação de escolas profissionais gratuitas, como complemento
necessário às escolas primárias;

X – Igualmente carecedoras das constantes atenções dos representantes da


COLIGAÇÃO OPERÁRIA na Câmara Municipal serão as questões relativas à higiene
pública e assistência social, principalmente em suas relações com o trabalho.
XI – Quanto ao funcionalismo, para que ele seja de fato executor útil e fiel dos
serviços necessários à administração pública e não um instrumento eleiçoeiro, é
preciso libertá-lo do regime do burocratismo, sujeito ao capricho dos políticos que
periodicamente transitam pelas posições de dominação governamental. Para isto,
medidas várias serão apontadas, tais como:
148

a) O princípio de serem criados somente os cargos estritamente exigidos pelas


necessidades do município, bem assim o princípio, não menos salutar, de concurso
regular para a nomeação de funcionários;
b) Sistematização do montepio, generalizando-o a todos os funcionários públicos do
município, de maneira que não represente um sacrifício para seus vencimentos,
mas uma justa contribuição do seu esforço pelo serviço público;
c) Assegurar, por meio de vencimentos suficientes, as condições de vida do
funcionário, a fim de que possa ele libertar-se da agiotagem e possa servir
honestamente a coletividade;
d) Aplicação da tabela Lyra, estabelecida como medida de emergência, em
conseqüência da carestia da vida em geral.

XII – Certas medidas, destinadas a combater a corrente de depravação moral,


pública e privada, que campeia livremente, ou ante a indiferença dos homens públicos,
tornam-se cada vez mais urgentes, por exemplo:
a) Responsabilizar os encarregados da administração pública pelos prejuízos, danos e
ações judiciárias conseqüentes de seus desmandos;
b) Vedar de modo absoluto as subvenções feitas pelos cofres municipais a jornais e
instituições confessionais, que por princípio devem viver de seus próprios
recursos;
c) Combater o jogo seja ele qual for, encerrando-se as casas de tavolagem de
qualquer categoria e proibir a venda de utensílios destinados a esse fim;
d) Encerrar as casas onde se pratica a prostituição e a cafetinagem, para onde se
arrastam moças do trabalho;
e) Opor empecilhos à existência das casas onde se alimenta e se incita o alcoolismo;
f) Pugnar pelo voto secreto.

Santos, 10 de Outubro de 1925.

SOCIEDADE B. DOS CONDUTORES DE VEÍCULOS


CENTRO INTERNACIONAL
OS EMPREGADOS NO COMÉRCIO
UNIÃO DOS TRABALHADORES EM PADARIAS E C. ANEXOS
SOCIEDADE DOS TRABALHADORES EM CAFÉ
COMITÊ DA CONSTRUÇÃO CIVIL
SOCIEDADE B. DOS TRABALHADORES EM CARGA DESCARGA DO PORTO DE
SANTOS.”

(FONTE: O Internacional. São Paulo, nº 99, 2ª Quinzena de Outubro de 1925, p. 3)


c) Os primórdios do Bloco Operário e Camponês (1924-
1926)

A designação “Bloco Operário” para um organismo de fins eleitorais pelo


qual o PCB pretendia aparecer perante a opinião pública foi utilizada inicialmente,
como vimos, já em princípios de 1924, quando da primeira tentativa de fazer uma
campanha eleitoral. A denominação foi usada novamente em outra tentativa que
não vingou, em 1926, que aqui examinaremos.
Embora ainda estivesse em vigor o estado de sítio decretado por ocasião da
revolta militar de São Paulo em julho de 1924, houve um certo abrandamento em
meados de 1925, o que permitiu, inclusive, que os comunistas realizassem o seu
II Congresso partidário, de 15 a 18 de maio. O II Congresso foi uma ocasião
aproveitada pelos comunistas brasileiros para homogeneizar uma visão política
do Brasil já consolidada há tempos no seio da direção partidária, que podemos
ver neste trecho de relatório enviado ao CEIC:

“Cabe aqui apontar a significação propriamente política desses embates. S.


Paulo e Minas representam a política ‘conservadora’, mais especificamente agrária
(‘política do café’), retrógrada e reacionária. A oposição que lhes fazem os Estados
da segunda categoria [o autor refere-se a Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul
e Rio de Janeiro, dk] é sempre apoiada pelo pensamento ‘liberal’ do País, que
representa mais especificamente os interesses das classes médias e intelectuais e
em parte das classes industriais e comerciais (a notar que o Distrito Federal, centro
principalmente industrial, comercial e intelectual, está sempre ao lado dos
movimentos de oposição a S. Paulo e Minas). A esses fatores de ‘oposição liberal’
devemos acrescentar um terceiro fator: o militar. O exército brasileiro é
tradicionalmente liberal. Foi o exército – imbuído das doutrinas positivistas – que
fez a República e tem invariavelmente participado de todas as campanhas liberais
travadas no País. Este foi o sentido da rebelião militar de 1922, pretendendo
sustentar pelas armas a oposição política a S. Paulo e Minas. O golpe fracassou,
devido a causas que não cabe examinar aqui, mas os sintomas são evidentes de
que a fermentação continua a lavrar no seio das classes armadas.
Resumindo: país de economia principalmente agrária, a política geral do
Brasil é principalmente determinada pelos interesses predominantes dos grandes
senhores agrários, chefiados pelos ‘fazendeiros’ de café (S. Paulo e Minas); na
oposição – efetiva, latente ou em formação – a essa política encontram-se os
representantes dos interesses da indústria e do comércio (Rio de Janeiro à frente),
bem como das classes médias e intelectuais, que procuram apoiar-se nos Estados
150

importantes não cafeeiros; as massas laboriosas, operários e camponeses, são


ainda, em conjunto, orgânica e politicamente informes, nenhuma influência
característica de classe exercendo na política nacional.”1

A esta leitura sobre o País, o II Congresso do PCB agregou o que ali foi
chamado de “fator imperialista”: a vinculação das lutas políticas nacionais, “não
raro determinantemente”, às disputas econômicas entre os imperialismos inglês e
norte-americano. Cada um dos imperialismos, resultando em uma visão
mecanicista que perdurou durante muitos anos, acabava sendo vinculado a uma
das frações da burguesia nacional: “agraristas” e “industrialistas”,
respectivamente. Nesse contexto, a rebelião “tenentista” de 1924, definida “como
um movimento essencialmente pequeno burguês”, era assim vista:

“Com referência, por exemplo, à revolta de 5 de julho, não poucos indícios


mostram a Inglaterra apoiando os legalistas (agrários) e os Estados Unidos
apoiando os revoltosos (industriais e pequena burguesia).”2

Para concluir o quadro das forças políticas em disputa na cena brasileira, o


II Congresso apresentou o quadro do proletariado urbano e industrial (estimado,
com base no censo de 1920, em um milhão de trabalhadores, sendo 300.000
operários da indústria fabril, 200.000 operários dos transportes e 500.000 de
outras categorias) e do proletariado rural e os lavradores pobres (calculados
estes em sete milhões). Por tais números, definia-se o Brasil como um país
essencialmente agrícola. Do ponto de vista político, os “operários agrícolas e
lavradores pobres” eram categorizados como nulos. Quanto aos “operários
urbanos e industriais”, embora mais concentrados, eram apresentados como uma
“massa heterogênea, difícil de organizar”. Tal debilidade política era apresentada
pelos comunistas como sendo resultante da influência anarquista, que “infundiu
na vanguarda operária verdadeiro horror pela palavra ‘política’”, cabendo ao PCB,

1
- Astrojildo Pereira. Relatório geral sobre as condições econômicas, políticas e sociais do
Brasil e sobre a situação do P. C. Brasileiro ao Comitê Executivo da I. C. Rio de Janeiro, 01-10-1923,
p. 3 (RGASPI).
2
- Partido Comunista do Brasil. II Congresso do P.C.B. (Seção Brasileira da Internacional
Comunista). Teses e resoluções, p. 5.
151

“vanguarda organizada da classe operária do Brasil”, assumir sua


responsabilidade de a orientar e dirigir politicamente, “guiando as massas
laboriosas do país na luta revolucionária das classes”, ou seja, na luta pelo poder.
Dentro de tal contexto, o II Congresso, sob a palavra de ordem “Conquistar
as massas operárias à influência comunista”, definiu as tarefas políticas imediatas
do partido: manter a luta ideológica contra anarquistas e socialistas; “manobrar as
forças proletárias como forças independentes”; conquistar ou neutralizar a
pequena burguesia; iniciar o trabalho entre as “massas camponesas”; e,
finalmente, conectar este trabalho com o movimento revolucionário internacional,
isto é, com a IC, e o combate ao imperialismo. A visão político-econômica
assentada pelo II Congresso foi vulgarizada através da obra de Octavio Brandão,
com o pseudônimo de Fritz Mayer, Agrarismo e industrialismo, publicada em 1926.
Apesar de o II Congresso haver definido a interpretação comunista da
política brasileira, suas resoluções deixavam o PCB ainda isolado da sociedade.
Se, por um lado, ficava estipulada a questão da independência de classe, por
outro, não se apontava de modo claro – devendo “traçar a linha de conduta a
seguir em cada caso dado [...], subordinando-se o particular ao geral, a batalha
ocasional ao objetivo final visado” - o caminho da aproximação com a pequena
burguesia revolucionária, nem quais eram exatamente suas propostas para a
sociedade e, especialmente, os trabalhadores.
Pouco mais de um ano depois, o CEIC, por meio de uma carta de Palmiro
Togliatti, membro do secretariado da IC para os Países de Língua Espanhola
(sic), dirigida à CCE do PCB, tratava alguns aspectos das resoluções do II
Congresso. Considerando justas, “em suas linhas fundamentais”, as resoluções,
Togliatti chamava a atenção para o fato de que os esforços do imperialismo norte-
americano para estabelecer sua hegemonia no Brasil tendiam a tornar a situação
interna do Brasil cada vez mais aguda, como resultado de seu apoio à burguesia
industrial brasileira contra o regime feudal da burguesia agrária. Se isto ficara
compreendido no II Congresso, os comunistas brasileiros não souberam, de
acordo com Togliatti, expressar em reivindicações políticas suficientemente claras
152

o seu programa, pois este deveria não apenas conter “uma indicação geral das
tarefas do partido, mas também precisar as palavras de ordem políticas pelas
quais luta o partido, os objetivos que almeja e pelos quais chama as massas a
lutar com ele”. Assim, ante as perspectivas de exacerbação da conjuntura política,
tal carência provocava o temor de que o partido não fosse capaz de ter um papel
considerável neste quadro bem como não permitiria que o partido aparecesse
com sua própria fisionomia diante das massas e aos seus adversários. Com isso,
o italiano apresentou as seguintes “diretivas e sugestões”:

“A classe operária não pode se desinteressar do fato de que o atual governo


reacionário e feudal deve ser derrubado. Mas, ao mesmo tempo, o Partido e a
classe operária jamais devem intervir de modo a confundir suas forças com as de
um ou outro dos dois adversários em luta. O Partido deverá impedir esta confusão
associando uma palavra de ordem contra o governo reacionário e feudal, palavras
de ordem que chamem os operários a combater por uma série de reivindicações de
classe e pelo estabelecimento de um governo operário e camponês. Mas a atitude
que o Partido tomará nos momentos de crise mais aguda deverá ser a
conseqüência e o resultado da ação que o Partido levará de modo contínuo e
sistemático, para agitar e mobilizar as massas, na base de um programa concreto
de reivindicações políticas e reivindicações econômicas imediatas.”3

Até uma definição, que ocorrerá mais tarde, em fins de 1927, no contato com
os remanescentes da Coluna Prestes, as relações dos comunistas com a
pequena burguesia foram confusas. Ora eram de choque, em parte significativa,
aliás, das situações, como em relação aos socialistas do PSB, ora de
aproximação, como nas relações com alguns parlamentares, como o deputado
Azevedo Lima, ou na adoção de palavras de ordem oriundas daquele setor. As
relações com a pequena burguesia acabaram sendo mais conflituosas, talvez em
razão da assimilação ao campo político da orientação, preconizada pelo II
Congresso, para o campo sindical em relação ao sindicalismo “amarelo ou
reformista”:

“Habilmente manejados por agentes da burguesia, velhacamente orientados


pelos traidores do proletariado, os contingentes operários dessa tendência têm-se

3
- Ercoli a Au C.C. du P. C. du Brésil. Moscou, 02/07/1926, p. 4-5 (RGASPI).
153

mantido numa lamentável posição de neutralidade, a despeito dos esforços de


uma oposição fraca, desunida, sem ideologia e sem consistência. Não se deve
perder de vista estes fatos reputados de importância. É preciso manejar com
firmeza e habilidade essa oposição, encaminhando-a para o terreno da luta de
classes.
Na luta diária, no labor quotidiano, no trabalho revolucionário de todo o dia, é
de nosso dever forçar os dirigentes amarelos, de todos os matizes, a formar ao
nosso lado empurrando-os para a esquerda, comprometendo-os cada vez mais
com o capitalismo, obrigando-os dessa forma a saírem do equilibrismo em que
vivem pelas atitudes que tomarem. [...]
Somente sob a pressão das massas é que os chefes amarelos se definirão.
É preciso conquistar aquelas massas: com os chefes, sem os chefes ou contra os
chefes, tal deve ser o nosso lema.”4

A conjuntura política daquela metade de 1925 também permitiu, ainda assim


mediante autorização pessoalmente concedida pelo ministro da Justiça, Afonso
Pena Júnior, o lançamento, sem censura prévia, do órgão legal do PCB, A Classe
Operária, em 1º de maio, que tinha entre seus ”temas de interesse” o das
“eleições a serviço da luta de classes”5.

4
- Partido Comunista do Brasil. II Congresso do P.C.B. (Seção Brasileira da Internacional
Comunista). Teses e resoluções, p. 18.
5
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 304. A citação foi extraída
de: O 1º de Maio. As comemorações de ontem aqui e no estrangeiro. O Paiz. Rio de Janeiro,
02/05/1925, p. 4. O jornal publicou doze números até 18 de julho de 1925. No dia 23 foi fechado por
ordem de Pena Júnior. O fechamento foi atribuído como resultado imediato de sua campanha de
denúncias contra o representante do Bureau Internacional do Trabalho, o socialista francês Albert
Thomas, então em visita ao País. “Mas os motivos da suspensão do nosso jornal”, afirmava um
documento comunista, “são mais profundos. A burguesia teme o despertar dos escravos. Ora, A
CLASSE OPERÁRIA batia-se exatamente por essa obra grandiosa: organizar os trabalhadores,
prepará-los para a libertação integral. Incorruptível, todas as tentativas para comprar a consciência do
jornal falhariam. A censura e a lei de imprensa eram impotentes contra um jornal que desenvolvia
uma documentação riquíssima e uma argumentação cerrada. Não havia por onde pegá-lo. Não existia,
portanto, outro recurso a não ser a suspensão” (A redação e a administração da A Classe Operária.
Carta aos amigos, assinantes e leitores da “A Classe Operária”. Rio de Janeiro, outubro de 1925, p.
1.).
154

Capa do nº 1 de A Classe Operária, de 1925.


(CEMAP)

Nesta mesma data, ocorreram outros dois importantes eventos, também no


Rio de Janeiro, em campos de ação privilegiados pelos comunistas: o político, na
esfera do socialismo, e o sindical. O primeiro deles foi o aparecimento de um
novo Partido Socialista Brasileiro, o qual, apesar de contar com operários entre
seus fundadores, tinha uma significativa participação de elementos de classe
média, como jornalistas, engenheiros, professores, advogados e comerciantes.
Em seu manifesto inaugural, redigido pelo advogado Antônio Evaristo de Moraes,
anunciava-se seu programa. Nele propunha-se, condenando o regime
presidencialista, uma forma de governo colegiada, gerida por administradores
especializados; a reforma do sistema eleitoral, com a introdução do voto
obrigatório e secreto, direito de voto à mulher, aos estrangeiros e a marinheiros e
soldados; a representação por classes e o fim do Senado; reconhecimento da
URSS e a supressão da representação do Brasil junto ao Vaticano; apoio às
cooperativas; entrega ao Estado dos serviços de transportes marítimos,
terrestres, fluviais, aéreos, de portos, de viação, de energia elétrica, de minas e
de outros semelhantes; promover as instruções primária e profissional, ambas
gratuitas, e a superior; combater o armamentismo; cuidar da regulamentação
higiênica do trabalho; instituir o salário mínimo para ambos os sexos; instituir o
155

princípio da obrigatoriedade do trabalho civil, para supressão da vagabundagem e


da mendacidade; combater o alcoolismo e suprimir o comércio do álcool; suprimir
as loterias; instituir o imposto único; limitação da propriedade territorial; oficializar
as indústrias e limitar os lucros; empenhar-se pela propaganda sindicalista,
devendo todos os seus membros fazer parte dos sindicatos profissionais; e
criação da magistratura eletiva e da justiça gratuita6. Neste programa percebem-
se vários pontos tomados da doutrina corporativista e que, mais tarde, acabaram
sendo incorporados às propostas adotadas pelo regime trabalhista de Getúlio
Vargas. Não por acaso, além de Moraes, outros expoentes do novo partido eram
o deputado baiano Agripino Nazareth e Francisco Alexandre, os quais, recorde-
se, fizeram parte da Coligação Social e de “Clarté” no início dos anos 1920 e
seriam futuros integrantes do Ministério do Trabalho do governo de Getúlio
Vargas7.
O PSB deixava enfatizada a necessidade de “tentar, no terreno da
propaganda pacífica, a agitação de princípios, a afirmação de ideais. É preciso
concorrer às urnas, não como até agora, por interesses de corrilhos e de
mandões, mas impelidos pelos interesses superiores da coletividade nacional e
da humanidade”8.
O novo partido, por tais posicionamentos, foi caracterizado pelos
comunistas, nas resoluções de seu II Congresso, como uma “organização
tipicamente pequeno-burguesa, consubstanciando em seu programa os ideais
dos revoltosos” de 1924. Desde o aparecimento do PSB, o PCB realçou o seu
caráter pequeno-burguês, mostrando que - como sendo expressão de “uma
classe por natureza flutuante, indecisa, meio termo, água morna”, o que resultava
em uma política tendente “ao falseamento, à contravenção, à diluição da política

6
- Manifesto do Partido Socialista Brasileiro (1925) in Evaristo de Moraes Filho (org.). O
socialismo brasileiro, p. 258-259.
7
- Pouco antes das eleições de 1º de março de 1926, Moraes seria “escorraçado” do PSB, com
o “aplauso” de Nazareth (cf. A C.C.E. do P.C.B. 0 + 0 + 0. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 76,
01/03/1926, p. 3). Ver também o artigo A obra do Partido Socialista do Brasil julgada por um antigo
militante operário. A Manhã. Rio de Janeiro, 25/12/1926, p. 4.
8
- O Dia. Rio de Janeiro, 01/05/1925 apud Edgard Carone. Classes sociais e movimento
operário, p. 138.
156

proletária de classe” - ele acabava desempenhando objetivamente um papel


nocivo à causa do proletariado: “ele é um alçapão, um desvio, uma picada que só
leva à confusão e à mistificação”. Sua orientação política também resultava no
que os comunistas chamavam de ilusão reformista, que acabava por salvar a
sociedade burguesa de uma rápida transformação social. Risco que também viam
no Brasil, pois o “clorofórmio reformista” do PSB “está ameaçando adormecer na
consciência ainda mal despertada dos trabalhadores do Brasil esse princípio
fundamental da luta de classes, que foi a clava ciclópica de Ulianov”9. Além de
serem qualificados como “partido pára-choques da burguesia”, tempos depois,
com a crescente polarização entre ambas agremiações partidárias, quando já era
qualificado de “guerra sem quartel”, os socialistas brasileiros também foram
taxados de aliados do fascismo (cujo representante no Brasil, de acordo com os
comunistas, seria a Legião Cruzeiro do Sul). Tal acusação tinha como
fundamentação uma caracterização, evidentemente exagerada em relação aos
socialistas brasileiros, de fundamento sociológico, em uma antecipação do
conceito de social-fascista lançado pela IC tempos depois:

“Há um sério ponto de contato entre o fascismo e o socialismo: a base social


de ambos os sistemas é a pequena burguesia. O fascista, na Itália, é o pequeno-
burguês proletarizado, desiludido do socialismo reformista e sem ver que existe
uma solução para o problema social – a solução comunista. O socialista é o
pequeno-burguês ainda no começo da proletarização, já um tanto irritado contra o
regime capitalista, mas acovardado diante da sua força material e sem ver as
contradições que corroem esse regime.”10

O novo PSB expressou-se publicamente por meio do jornal Vanguarda, no


qual foram publicados muitos ataques ao comunismo, à URSS e ao PCB,
sobretudo de autoria de Agripino Nazareth, e apoiava a orientação reformista dos

9
- Júlio Bartaline. Intermédio. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 9, 27/06/1925, p. 2;
Mário Pedrosa. P.S.B.. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 12, 18/07/1925, p. 3.
10
- A C.C.E. do P.C.B. 0 + 0 + 0. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 76, 01/03/1926, p. 3.
157

“sindicatos amarelos”, passando a ser um dos principais antagonistas do PCB


dentro do campo político naquela quadra dos anos 1920 11.
O outro evento, ocorrido em 1º de maio de 1925, na sede da Sociedade
União dos Operários Estivadores, foi a realização de uma sessão solene
promovida pelo Centro Político dos Operários do Distrito Federal, a qual reuniu
dezenove entidades sindicais do Distrito Federal, alinhadas com o chamado
“sindicalismo amarelo”, além da presença de três intendentes (vereadores)
cariocas, um deputado e outros “representantes da política do Distrito Federal”12.
Impulsionada especialmente pela União dos Operários Metalúrgicos e pela União
dos Operários em Fábrica de Tecidos, a “Convenção Operária de 1º de Maio”,
como ficou então conhecida, deliberou, dentre o universo das entidades
presentes, a escolha de um candidato ao cargo de intendente ao Conselho
Municipal do Distrito Federal e a definição de um programa para tal candidatura.
O nome escolhido foi o do presidente da Sociedade União dos Operários
Estivadores, Luís de Oliveira, cujo nome, aliás, já havia sido lançado já no início
do ano pela sua própria entidade13, e o programa aprovado estabelecia:

11
- Cláudio H. de Moraes Batalha. Op. cit., p. 366-367. Com respeito à polêmica travada com
o PSB, sobretudo com Agripino Nazareth, ver John W. Foster Dulles. Op. cit., p. 231-232, e os
seguintes artigos: Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil. Aos trabalhadores da
Bahia. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 72, 01/01/1926, p. 1-2; Comissão Central Executiva do
Partido Comunista do Brasil. O social-confusionismo. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 73,
19/01/1926, p. 2-3; Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil. O socialismo
geraldista. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 74, 06/02/1926, p. 9-10; Boris Ivanovitch. Socialismo
de alto coturno. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 75, 22/02/1926, p. 2; Comissão Central
Executiva do Partido Comunista do Brasil. 0 + 0 + 0. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 76,
01/03/1926, p. 3; Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil. Contra o caos
socialista. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 77, 15/03/1926, p. 3; Comissão Central Executiva do
Partido Comunista do Brasil. A NEP. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 78, 01/04/1926, p. 3;
Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil. Ofensiva e defensiva. Voz Cosmopolita.
Rio de Janeiro, nº 79, 15/04/1926, p. 3; Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil.
Delenda Socialismus!. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 80, 01/05/1926, p. 2; Fackel. Quatro que
são dois. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 81, 15/05/1926, p. 1; S.A. Amaro de Araújo & C. Voz
Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 81, 15/05/1926, p. 2-3; M. B. A frente única multicor. Voz
Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 82, 01/06/1926, p. 4.
12
- O 1º de Maio. As comemorações de ontem aqui e no estrangeiro. O Paiz. Rio de Janeiro,
02/05/1925, p. 4.
13
- Novo horizontes. O Trabalho. Rio de Janeiro, 07/03/1925 apud John W. Foster Dulles.
Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 226.
158

“a) trabalhar pela difusão de ensino para menores e adultos;


b) esforçar-se pela construção ou ampliação de pequenos mercados fixos
nas zonas mais populosas;
c) esforçar-se para a melhor segurança dos direitos dos empregados
municipais e suas famílias;
d) trabalhar para que sejam mantidos nas zonas operárias e departamentos
de trabalho rigorosos preceitos higiênicos;
e) esforçar-se para a constituição de leis especiais que proíbam a inclusão de
crianças analfabetas na aprendizagem de quaisquer ofícios ou artes;
f) trabalhar pela criação de caixas de auxílio nas fábricas de tecidos, e as
demais em que trabalhem operárias, para protegê-las em estado de gravidez e
segundo as suas necessidades;
g) trabalhar por maior desenvolvimento das ‘creches’ nas fábricas, assim
como pela regulamentação do trabalho de menores nas fábricas e oficinas;
h) trabalhar pela constituição de leis que evitem a miséria dos operários que,
por motivo de velhice, sejam dispensados das fábricas e oficinas;
i) esforçar-se pelo desenvolvimento da zona rural, facilitando, por meio de leis
especiais, a criação de escolas de aprendizagem agrícola.”14

Aparte o curioso uso de expressões como “trabalhar para” ou “esforçar-se


para”, que faziam entrever algo condicionado, que poderia ser obtido mediante
uma concessão – mas, jamais, por meio de confronto ou disputa -, tal programa
apresentava uma série de reivindicações referentes às condições de vida e de
trabalho da classe operária, não tendo qualquer ponto explicitamente político.
Como observa Batalha, estava fora de questão para tais sindicatos a constituição
de um partido operário, mas apenas a adoção da via da luta parlamentar para a
conquista de medidas legislativas em favor de suas reivindicações, o que
significava um fortalecimento das entidades sindicais. O próprio Batalha mostra
que esta não fora a primeira tentativa neste sentido, pois, nas eleições de 1922,
os sindicatos de trabalhadores portuários do Rio de Janeiro tentaram, com a
candidatura do presidente do sindicato dos rádio-telegrafistas navais, Arquimino
Armando Filho, eleger sem sucesso um representante ao parlamento15.
Neste sentido, também é reveladora uma fala feita pelo presidente da
Sociedade União dos Foguistas, Júlio Marcelino de Carvalho, durante a reunião

14
- Vida Proletária. O manifesto de 19 associações operárias conjugadas, no próximo pleito
municipal – A Candidatura de Luís de Oliveira. O Brasil. Rio de Janeiro, 02/09/1925, p. 4 apud
Michel Zaidan Filho. Pão-e-pau: Política de governo e sindicalismo reformista no Rio de Janeiro
(1923-1926), p. 194-195.
15
- Cláudio H. de Moraes Batalha. Op. cit., p. 369-370.
159

de 1º de Maio, na qual, sem tocar na questão da formação de um partido operário,


se realçava a questão do papel da colaboração, qualificada de “modesto apoio”,
devida ao governo por parte dos “sindicatos amarelos”:

“Refiro-me a estes que propagam contra a política operária, a estes que


fazem campanha nas associações operárias, a fim de as mesmas se apartarem da
política do país como se os trabalhadores, os obreiros, não pertencessem à
comunhão dos povos [o orador referia-se aos anarquistas, dk]. Esses falsos
doutrinadores eu os julgo mais nocivos no meio trabalhista do que aqueles que são
alvo de suas propagandas derrotistas. Pensando assim, a União dos Foguistas, na
reforma de seus estatutos, que hoje entram em vigor, rompeu com a velha, a
balofa praxe de proibir que a sociedade tenha caráter político; hoje, em sua nova
lei básica, ela fica na obrigação de alistar seus associados para que possamos,
nós os foguistas, por esta maneira, concorrer com o nosso modesto apoio, mas
sincero, para a escolha dos dirigentes de nosso país; de preferência dos
representantes nossos no Congresso Nacional e Conselho Municipal.”16

Por fim, para não restar qualquer dúvida a respeito dos limites desse
movimento, a “Convenção Operária de 1º de Maio” aprovou uma moção de
“confiança e aplausos” ao “benemérito governo” do “doutor Arthur Bernardes”,
que foi, mais tarde, entregue pessoalmente ao Presidente da República, quando
lhe foi pedido o seu apoio à candidatura Luís de Oliveira. Os termos da resposta
de Bernardes, pela meridiana clareza com que retratam o processo de cooptação
dos trabalhadores por parte do Governo, valem a pena ser reproduzidos:

“Aplaudo a idéia do operariado da Capital Federal, idéia que, aliás, já há mais


tempo devia ter sido posta em execução, e que encontra da minha parte todo o
apoio, podendo as classes trabalhistas confiar na minha palavra, pois em tudo que
puder a auxiliarei para que esse justo ideal se torne realidade.
Quanto ao que disse em minha plataforma em relação ao operariado, não
modifiquei até hoje o meu modo de pensar; meu maior desejo foi sempre poder dar
cumprimento a esse programa. Entretanto, em face dos constantes movimentos de
alteração da ordem, apenas tenho limitado a minha ação a um governo de simples
policiamento, vendo-me, assim, constrangido a afastar-me da minha principal idéia.
É enorme a satisfação que tenho em receber os operários, estando sempre
pronto a ter com eles qualquer entendimento direto, independentemente de

16
- O que foi a Convenção das Classes Operárias. Luís de Oliveira, candidato indicado pelos
convencionais. O Brasil. Rio de Janeiro, 02/05/1925, p. 8 apud Michel Zaidan Filho. Pão-e-pau:
Política de governo e sindicalismo reformista no Rio de Janeiro (1923-1926), p. 178-179.
160

intermediários, que só procuram os operários para deles se servirem em benefício


próprio e quando desejam atacar o governo.”17

Como ocorrera também em Santos, foram criados comitês de alistamento de


eleitores em prol da candidatura de Luís de Oliveira ligados aos sindicatos, que,
acabaram sendo, como veremos, mais eficazes em sua tarefa, facilitada,
certamente, pelo apoio oficial dado à candidatura.
O lançamento do nome de Luís de Oliveira e o surgimento do PSB geraram
imediata reação por parte do PCB.
Em fins de junho de 1925, com respeito à “Convenção Operária de 1º de
Maio”, os comunistas avaliaram que o mutismo, somente rompido com a entrega
da plataforma a Arthur Bernardes em julho de 1925, que se seguira à agitação do
lançamento do nome de Luís de Oliveira parecia uma conspiração. O PCB
resolveu entrar em cena e quebrar o silêncio sobre o assunto. Fundado em um
discurso de frente única, o partido coloca a questão da participação eleitoral,
através da formação de um organismo que englobasse todas as “forças obreiras”,
o Bloco Operário:

“Somos partidários da formação de um Bloco Operário único, o qual,


concentrando e coordenando todas as forças obreiras e baseado numa plataforma
única de classe, apresente uma chapa única de candidatos operários. [...] Vamos
elaborar um programa que consulte aos legítimos interesses da massa de
operários e camponeses do Distrito Federal, e sobre ele propor a formação do
Bloco Operário.
Iniciando e participando do Bloco Operário na qualidade de órgão do partido
proletário, para a formação do mesmo, na base de um programa de classe,
convocaremos os demais grupos operários, que pretendem pleitear as próximas
eleições para o Conselho Municipal.”18

Pensou-se, assim, em preparar uma base política legal para o PCB, criando-
se, desse modo, uma organização que pudesse agregar aqueles que
simpatizassem com as idéias do PCB, mas não estivessem dispostos, sobretudo

17
- O momento político operário. A entrega ao Presidente da República da mensagem da
Convenção de Maio. O Brasil. Rio de Janeiro, 14/07/1925, p. 4 apud Michel Zaidan Filho. Pão-e-
pau: Política de governo e sindicalismo reformista no Rio de Janeiro (1923-1926), p. 197-198.
18
- A formação do Bloco Operário. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 9, 27/06/1925, p. 1.
161

em razão do quadro de repressão vivido por ocasião do estado de sítio, a aderir


ao partido. Com isto, se diria mais tarde, se evitaria o ataque direto da repressão
ao PCB, bem como se dariam os primeiros passos no sentido de criar uma base
social para a ação dos comunistas e conquistar a pequena burguesia19. Não
houve, no entanto, oportunidade para que esta proposta se concretizasse. Com o
fechamento de A Classe Operária, em julho de 1925, a direção do PCB avaliou
que não seria mais possível sustentar o plano de inicial de lançamento do Bloco
Operário. Tal apreciação dava-se em função da convicção de que a conjuntura
política fechava-se novamente e da ausência, com a proibição de seu órgão
oficial, de um instrumento de propaganda e agitação para as eleições.
Embora tivesse até tentado continuar a publicar A Classe Operária em outro
lugar, no caso Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais, o PCB não teve
condições de manter a publicação. No entanto, para não perder de todo o
trabalho feito e os investimentos orgânicos colhidos, o PCB, por meio de uma
série de panfletos, ou “cartas” como eram intituladas, assinadas como “A
Redação de A Classe Operária”, posicionou-se sobre uma série de eventos
conjunturais. Desse modo, não pôde deixar de manifestar-se quanto à
candidatura de Luís de Oliveira, sobretudo após o apoio a ela publicamente dado
pelo presidente da República.
O panfleto referente à “Convenção Operária de 1º de Maio” também foi lido
pelo deputado federal Azevedo Lima no plenário do Congresso Nacional20. Nele,
depois de rememorar a iniciativa de constituição do Bloco Operário para
participação dos trabalhadores nas eleições de intendentes municipais do Rio de
Janeiro e informar que aquela ação tinha sido prejudicada, o PCB afirmou que a
candidatura lançada pela “Convenção Operária de 1º de Maio” não era
representativa do proletariado, tratando-se, na verdade, de uma iniciativa oficial,
isto é, apoiada pela burguesia. Os comunistas justificaram tal assertiva em razão

19
- S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 1.
20
- A redação da A Classe Operária. O Bloco Operário e as próximas eleições municipais. Rio
de Janeiro, 21/09/1925 apud Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 28/09/1925, p. 3872-
3873 (ver o texto integral no Anexo IV).
162

de a candidatura de Luís de Oliveira não representar uma política operária de


classe, nem de possuir um programa que defendesse os reais interesses dos
trabalhadores, tratando-se de um “programa demagógico de promessas fáceis e
de reformazinhas medrosas e inócuas, que qualquer candidato burguês podia
incluir em sua plataforma”.
Além de denunciar o caráter oficial da candidatura da “Convenção Operária
de 1º de Maio”, aproveitou a ocasião, sobretudo, para demarcar seu campo. O
PCB apresentou neste documento nove pontos que serviriam para orientar o que
seria uma plataforma do Bloco Operário. Embora, a rigor, pudessem ser
considerados como a primeira plataforma eleitoral apresentada publicamente
pelos comunistas brasileiros, tais pontos, na verdade, foram um esboço de
programa. Como vimos, eles subsidiaram e estiveram na base da plataforma da
Coligação Operária de Santos, a qual acabou sendo, de fato, a primeira
plataforma eleitoral comunista do Brasil.
O documento do PCB fez com que o presidente do Centro Político dos
Operários do Distrito Federal, José da Rocha Soutello, enviasse uma carta,
publicada no Jornal do Brasil, em sua edição de 8 de outubro, protestando contra
seus termos e defendendo a candidatura de Luís de Oliveira. A resposta,
reiterando a caracterização de que a candidatura e o programa não eram
operários, foi dada em carta dirigida a Azevedo Lima. Nela, os argumentos foram
reiterados pelos comunistas, além de invocarem como reforço para sua
caracterização a mensagem dirigida pela “Convenção Operária de 1º de Maio” ao
presidente Arthur Bernardes e os cartazes de propaganda de Luís de Oliveira, ao
lado de cujo nome aparecia o de um outro candidato governista21. Tal polêmica
teve como resultado a clara delimitação entre comunistas e os “amarelos”.
No início de 1926, a CCE foi procurada por “pequenos burgueses liberais
que desejavam incluir um candidato operário em sua lista” para as eleições
municipais marcadas para 1º de março de 1926. No entanto, o PCB não tinha
intenção naquele momento de fazer alianças com nenhum grupo eleitoral. Por
163

isso, valendo-se do pretexto da não existência do voto cumulativo22 nas eleições


para intendente do Distrito Federal em 1926, a CCE avaliou que o partido não
deveria aparecer nas eleições enquanto tal. No entanto, o responsável sindical na
CCE do PCB, Joaquim Barboza de Souza, teve seu nome inscrito, “a título
pessoal”, entre os membros da chapa liberal23. Certamente, esta solução foi, de
um lado, uma maneira de os comunistas não fecharem totalmente as portas à
“pequena burguesia liberal” e, de outro, um modo de terem mais uma (não
esqueçamos de Santos) experiência prática em disputas eleitorais.
Assim, no início de fevereiro de 1926, três deputados federais pelo Distrito
Federal, João Batista de Azevedo Lima, Adolpho Bergamini e Vicente Ferreira da
Costa Piragibe, provavelmente os acima mencionados “pequenos burgueses
liberais”, lançaram um manifesto apresentando as duas chapas de oito nomes
cada para os dois Distritos eleitorais nos quais se dividia o Rio de Janeiro, entre
eles Joaquim Barboza de Souza, este no 1º Distrito24. Em um texto redigido com
um linguajar rebuscado, de leitura enfadonha, onde eram feitos apelos

21
- A Redação da A Classe Operária. Em torno de “Bloco Operário”. Rio de Janeiro,
18/10/1925.
22
- Cf. Artigo 1º das Instruções do Decreto Federal nº 17.192, de 15/01/1926, que dá
instruções para a eleição de intendentes municipais no Distrito Federal. Walter Costa Porto informa à
página 350 do seu Dicionário do voto: “Quando o eleitor, em uma escolha plurinominal, pode dispor
de todos ou de parte de seus votos para a escolha de um só candidato. Exemplo: em um determinado
distrito, 3.000 eleitores têm três representantes a eleger; cada um pode ou votar em três nomes ou
mais de um ou dar todos os seus votos a um só candidato.” (Walter Costa Porto. Dicionário do voto,
p. 350.) Naquela época tinha-se o entendimento do voto cumulativo como sendo um voto pessoal, pois
o eleitor costumava votar tantas vezes no mesmo candidato conforme a legislação permitisse. No caso
da cidade do Rio de Janeiro permitia-se oito vezes. No entanto, nas eleições de 1º de Março de 1926
estabeleceu-se que o eleitor votaria em oito nomes diferentes, só se apurando, para cada candidato,
um voto em cada cédula. Assim, optando o eleitor dar seu voto a mais de um candidato ou a uma
chapa, não se saberia em quem efetivamente o eleitor quis votar, já que não havia a tradição do voto
em listas de candidatos.
23
- S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 1
(RGASPI).
24
- Os candidatos apresentados pelos três parlamentares eram os seguintes: Para o 1º Distrito:
Augusto Pinto Lima, Belisário Augusto de Oliveira Penna, Joaquim Barboza de Souza, Bartlett
James, Raul Paranhos Pederneiras, Antônio Evaristo de Moraes, Jorge Santos e Brenno dos Santos;
Para o 2º Distrito: Maurício Paiva de Lacerda, Miguel de Oliveira Monteiro, Mário Ferreira Piragibe,
Edgard Fontes Romero, Oswaldo de Moura Nobre, Bruno Álvares da Silva Lobo, Mário Júlio dos
Santos e Alfredo Muniz Peixoto. Destes, apenas foram diplomados, pelo 2º Distrito, Maurício de
Lacerda, com 5.689 votos, e Mario Piragibe, com 4.203 (cf. Apuração das eleições municipais. O
Paiz. Rio de Janeiro, 23/03/1926, p. 4). Este último, apesar de diplomado, não foi empossado, tendo
164

emocionais e vazios e, sobretudo, carente de propostas, apresentavam-se os


dezesseis candidatos da lista apoiada pelos parlamentares:

“Os candidatos que temos a honra de recomendar aos sufrágios do


eleitorado emancipado desafiam a mais severa crítica, quer quanto ao entranhado
patriotismo, submetido, em relação a alguns, à prova dos maiores sacrifícios e à
perda da liberdade, por motivos de opinião [alusão a Maurício de Lacerda, que se
encontrava preso então, dk], quer quanto à cultura científica ou literária,
demonstrada por [ilegível, dk], cabalmente, em prélio público ou nas cátedras do
magistério superior do país.
Esperamos agora, confiantes, que o eleitorado cumpra, sobranceiramente o
seu dever, comparecendo às urnas e assegurando com os seus sufrágios
magnífico triunfo aos seguintes nomes de brasileiros capazes de representar
nobremente, sem deslustro, a Capital da República na assembléia do município!”25

Dias mais tarde, outro manifesto no mesmo estilo era publicado. Aludindo à
iniciativa dos três deputados, desta vez era dirigido à “mocidade carioca” e
assinado por 37 estudantes apoiando os mesmos dezesseis nomes. Em ambos os
textos não se abordavam questões específicas do mundo do trabalho e não
existia nada que se aproximasse de um conjunto de propostas. Faziam-se,
apenas, apelos grandiloqüentes e vazios, que serviam apenas para louvar os
componentes da chapa, “esses vultos de democratas, cuja palavra é sempre o
hino que canta e soluça, invocando, em anseios, a liberdade da Pátria, [os quais]
valem por um magnífico programa”26. Apesar disso, este grupo de candidatos foi
cognominado pela imprensa governista de “Chapa Vermelha”27.

sido “degolado” na verificação de poderes (Cf. Brasil. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados.
Anais da Câmara dos Deputados de 1926. Volume I, p. 303).
25
- Azevedo Lima, Adolpho Bergamini e Vicente Piragibe. Ao eleitorado do Distrito Federal.
Rio de Janeiro, 01/02/1926.
26
- Ruy Barbosa dos Santos et alii. Manifesto cívico à invicta mocidade carioca. Rio de
Janeiro, 06/02/1926.
27
- Apuração das eleições municipais. O Paiz. Rio de Janeiro, 23/03/1926, p. 4.
165

Panfleto da campanha de Joaquim Barboza.


(ASMOB)

Quanto à candidatura de Joaquim Barboza, sua campanha ocorreu de forma


modesta e, na documentação a ela referente que se encontra entre os papéis de
Astrojildo Pereira, não há nela qualquer menção ao partido comunista, apenas
ressaltava-se sua condição de operário, de explorado e de pobre, como em um
panfleto assinado por “Operários da Gávea”. Joaquim Barboza disputou as
eleições no 1º Distrito, que agrupava os bairros do centro e cujo grosso do
eleitorado era composto de funcionários públicos, e onde também havia uma
grande concentração de trabalhadores, principalmente, nos bairros da Gávea das
Laranjeiras. O 2º Distrito, por sua vez, reunia os bairros de subúrbio, onde havia
realmente uma grande concentração de trabalhadores28. A opção de disputa pelo
1º Distrito deveu-se em razão de os comunistas buscarem um confronto direto
com Luís de Oliveira. Por outro lado, também é lícito supor que, dada a ausência
de uma máquina de propaganda eleitoral, ou seja A Classe Operária, havia uma
fraca penetração dos comunistas naquelas regiões do Rio de Janeiro.

28
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 142-143.
166

Embora não alimentasse ilusões com respeito ao resultado das eleições, às


quais houve um baixo comparecimento29, o fato é que o PCB foi duplamente
derrotado. De um lado, com a fraca votação obtida por Joaquim Barboza: apenas
900 votos. De outro, com a vitória de Luís de Oliveira - oitavo candidato mais
votado no 1º Distrito, com 4.761 votos -, cuja candidatura os comunistas haviam
denunciado e combatido.
O candidato da “Convenção Operária 1º de Maio” arvorou-se como o
primeiro candidato operário eleito no Brasil – recorde-se aqui apenas o caso de
João Ezequiel de Oliveira Luz, gráfico, militante socialista vinculado ao Centro
Protetor dos Operários e que foi eleito deputado estadual em Pernambuco no ano
de 1912 – e, em seu primeiro pronunciamento como intendente eleito não perdeu
oportunidade para afrontar os comunistas:

“A fase atual reclama que cada um de nós produza, trabalhe, construa:


destruir, agravar é atitude prejudicial e até antipatriótica. Senhor Presidente, desta
tribuna eu lanço meu protesto contra a campanha funesta dos derrotistas, contra
esses cidadãos que combatem a organização chamando-nos ‘amarelos’ e
esquecendo-se de que nesse amarelo se espelha o desrespeito que lhes domina o
ser.”30

A campanha aludida aqui por Oliveira foi a divulgação, feita através das
páginas do jornal A Manhã, com base em informações obtidas pelos comunistas,
de que o chefe da polícia, marechal Manuel Lopes Carneiro da Fontoura31,

29
- N. A. O novo Conselho Municipal: Descrenças que podem ser transformadas em
esperanças. O Paiz. Rio de Janeiro, 07/03/1926, p. 3 e Eleições Municipais: Confrontos edificantes. O
Barbeiro. Rio de Janeiro, nº 19, 06/05/1926, p. 3-4.
30
- Como se definiu, no Conselho Municipal, o primeiro intendente operário. Vanguarda. Rio
de Janeiro, 14/06/1926 apud John W. Foster Dulles. Op. cit., p. 238.
31
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 326-327. O marechal
Fontoura também agira durante as eleições no 2º Distrito, no qual disputava uma vaga de intendente
Maurício de Lacerda, que se encontrava preso em razão de seus contatos com os “revolucionários” de
1924 e assim fora mantido por exigência pessoal do presidente Bernardes. Azevedo Lima, um dos
patronos da “Chapa Vermelha” e cuja principal base eleitoral situava-se no Distrito de São Cristóvão,
relata em suas memórias que, na véspera das eleições, à noite, oitenta por cento dos mesários desse
distrito foram presos – dois anos depois da época dos fatos, Azevedo Lima falava em “mais de
cinqüenta por cento dos meus amigos, mesários em São Cristóvão” (cf. As arbitrariedades do 4º
delegado auxiliar. Um discurso de sr. Azevedo Lima, ontem, na Câmara. Correio da Manhã. Rio de
Janeiro, 27/10/1928, p. 3) , e, no dia 1º de março, agentes ligados à polícia atacaram as poucas seções
que conseguiram instalar-se, praticamente impedindo ali a realização de eleições. Além de tentar
167

ordenara aos policiais e agentes secretos que votassem no candidato da


“Convenção Operária 1º de Maio”32. Em junho de 1926, novas informações sobre
o apoio oficial à candidatura de Luís Oliveira vieram a público:

“Noutro jornal burguês, o intendente protetor de Luís Oliveira diz que este só
tivera 72 eleitores seus, próprios; que Luís Oliveira só fora eleito porque ele, líder
da chapa, desviara votos de seus amigos para o tal ‘candidato operário’; e que Luís
Oliveira ‘tinha ligações com o Corpo de segurança’ (polícia secreta). Era um golpe
mortal, descarregado por um burguês insuspeito, e que vinha comprovar o que ‘A
Classe Operária’ dissera a respeito de tal candidatura desde 21 de setembro de
1925. Esperamos 9 meses; e, ponto por ponto, os fatos vieram comprovar as
nossas palavras. Outros jornais burgueses, isto é, anticomunistas, portanto,
insuspeitos, como ‘A Tribuna’, dizem com todas as letras: ‘Luís Oliveira, em vez de
ser o representante dos operários, foi apenas o enviado do Marechal Fontoura’ (o
chefe da polícia, nosso perseguidor). No ‘Jornal do Commercio”, o próprio Luís
Oliveira diz que as reuniões da chapa de que ele fazia parte se realizavam no
gabinete do Marechal Fontoura; e confessa que o presidente da república de
fazendeiros recebera em audiência especial a comissão encarregada da
propaganda de sua candidatura. [...] A 30 [de junho], Luís Oliveira, desmoralizado
e desesperado, quase transforma o Conselho Municipal num campo de luta
romana; um seu capanga, contra os dispositivos do Conselho, injuria o intendente
que desmascarara Luís Oliveira.”33

Durante todo o ano de 1926, o PCB envolveu-se em uma exacerbada


disputa político-ideológica não apenas contra Luís de Oliveira e os socialistas,
mas, também, nos meios sindicais, contra o sindicalismo “amarelo” e os
anarquistas, que, todos eles, foram congregados no que os comunistas
denominaram de “frente única multicor”, a qual, finalmente, se compunha com as
34
classes dominantes . Como fora dito mais tarde, era uma luta “pela hegemonia

dificultar a eleição de Lacerda, Azevedo atribuiu a ação também como um gesto de vingança pessoal.
Ela resultou do fato de que há algum tempo vinha denunciando da tribuna da Câmara dos Deputados,
com farta documentação, o enriquecimento ilícito do próprio chefe da polícia, bem como o uso de
recursos públicos para o pagamento de informantes, suborno etc., episódios estes que levaram à sua
demissão do cargo (cf. Azevedo Lima. Reminiscências de um carcomido, p. 131-134). Sobre este
episódio, ver também os Anais da Câmara dos Deputados de 1926. Volume I, p. 295-305.
32
- John W. Foster Dulles. Op. cit., p. 238. Ver também Octavio Brandão. Otávio Brandão
(Depoimento, 1977), p. 17-18.
33
- Octavio Brandão. O “P.C.B.” em junho de 1926. Rio de Janeiro, 12/07/1926, p. 4-5
(RGASPI).
34
- M. B. A frente única multicor. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 82, 01/06/1926, p. 4.
Um relato do acirramento desse confronto, que chegou a ponto de Amaro de Araújo, presidente da
União dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, comandar pessoalmente uma invasão ao Sindicato dos
Alfaiates, de influência comunista, juntamente com policiais, pode ser visto em três relatórios de
168

do P.C. no movimento sindical como uma preliminar para a hegemonia do P.C. no


movimento propriamente político”35.

Octavio Brandão enviados à IC: A propaganda comunista no Brasil, de 10/06/1926 (publicado no nº


98/1926 de La Correspondance Internationale); A reação no Brasil, de 11/06/1926 (publicado no nº
11 de La Correspondencia Sudamericana); No setor brasileiro da batalha mundial. Os
acontecimentos de maio de 1926, de 07/07/1926 (publicado nos nºs 12, 14 e 15 de La
Correspondencia Sudamericana); e O “P.C.B.” em junho de 1926, de 12/07/1926. Outro episódio
significativo deste confronto é o da indicação do ex-anarquista Carlos Dias à delegação oficial
brasileira que tomou parte na Conferência de Genebra, em outubro de 1926, do Bureau Internacional
do Trabalho. Sobre este episódio ver Edgard Carone. Classes sociais e movimento operário, p. 132-
136. Ver também Joaquim Barbosa. Relatório (Seção Sindical do P.C.B.) (Julho de 26 a Janeiro de
27). Campanha contra o bando composto por Luiz de Oliveira, Amaro de Araújo, José Soutello,
Pereira de Oliveira e outros. Rio de Janeiro, 16/01/1927.
35
- S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 2
(RGASPI).
169

Votação de Joaquim Barboza de Souza (PCB), Evaristo de Moraes (“Chapa


Vermelha”) e Luís de Oliveira (Convenção 1º de Maio) nas eleições de 01/03/1926 para
Intendente Municipal no Distrito Federal, no 1º Distrito

Bairro Seções Votos de Votos de Votos de Obs.


Joaquim Evaristo de Luís de
Barboza Moraes Oliveira
Candelária 11 106 284 278
Copacabana 4 18 115 10
Gamboa 7 3 6 558 Não funcionaram a 4ª e a 5ª Seções
Gávea 3 42 114 247
Glória 12 58 262 97
Ilha de Paquetá - - - - Sem dados
Ilha do Governador - - - - Sem dados
Lagoa 11 157 229 81 Não funcionou a 8ª Seção. Os
eleitores votaram na 3ª Seção
Sacramento 16 100 272 333
Santa Rita 12 54 165 1410 Faltou apurar a 3ª Seção
Santa Tereza 8 14 28 10 Não funcionou a 3ª Seção
Sant'Anna 19 0 0 559 Não funcionou a 8ª Seção. Os
eleitores votaram na 1ª seção
Santo Antônio 16 239 471 681 Não funcionaram a 11ª e a 14ª
Seções
São José 13 109 381 1055
Total de votos - 900 2327 4761
FONTE: O Paiz. Rio de Janeiro, 03/03/1926, p. 5.

OBS. A falta dos votos das seções da Ilha do Governador e Ilha de Paquetá não causou grandes discrepâncias nos resultados finais divulgados
no dia 23 de março.
Por estes dados, Luís de Oliveira obteve 4.737 votos.
170

Votação de Maurício de Lacerda e Mário Piragibe nas eleições de 01/03/1926


para Intendente Municipal no Distrito Federal, no 2º Distrito

Bairro Seções Votos de Votos de Obs.


Maurício de Mário
Lacerda Piragibe
Andaraí 10 574 563
Campo Grande 7 215 216
Engenho Novo - - - Sem dados
Engenho Velho 6 481 256
Espírito Santo 8 558 192
Guaratiba 3 21 15
Inhaúma 11 755 578 Não funcionou a 4ª Seção
Irajá 11 1258 970 Funcionaram 9 seções. Os eleitores da 6ª
Jacarepaguá 4 148 122
Meyer 8 710 568 Não funcionou a 7ª Seção
Santa Cruz 4 76 110
São Cristóvão - - - Sem dados
Tijuca 5 273 98 Não funcionou a 5ª Seção
Total de votos - 5069 3688
FONTE: O Paiz. Rio de Janeiro, 03/03/1926, p. 5.

OBS.: Ao contrário do que ocorreu com os dados do 1º Distrito, no caso do 2º Distrito a ausência dos votos obtidos pelos candidatos nas
seções de São Cristóvão e Engenho Novo causou discrepâncias nos resultados finais apresentados em 23 de março pelo mesmo jornal. Por
estes dados, Maurício de Lacerda obteve 5.689 votos e Mário Piragibe 4.203 sufrágios.
171

ESBOÇANDO UM PROGRAMA PARA O BLOCO OPERÁRIO

Em 1º de março, além das eleições para intendentes do Distrito Federal,


também ocorreram eleições presidenciais, às quais foram apresentadas as
candidaturas únicas de Washington Luís e Fernando Mello Vianna, a presidente e
vice-presidente, as quais obtiveram 688.528 e 685.754 votos, respectivamente.
Deste total, Washington Luís obteve 236.289 votos no Distrito Federal, 191.067
em Minas Gerais e 125.124 em São Paulo. Naquele ano, a população brasileira
era estimada em 36.870.917 habitantes, dos quais apenas 1.271.764 (3,467%),
estavam qualificados como eleitores, o que significou o comparecimento de cerca
de 54% do eleitorado, ou seja, coube a 1,867% da população brasileira decidir a
escolha do presidente da República36.
Frente às eleições presidenciais o PCB não chegou a fazer um
pronunciamento formal. De certo modo, mantinha o mesmo posicionamento
externado nas eleições presidenciais anteriores, disputadas entre Arthur
Bernardes e Nilo Peçanha, ocorridas pouco antes da fundação do partido.
Naquela ocasião, afirmava-se que o proletariado não tinha interesse nenhum em
intervir na disputa entre os dois candidatos, pois era indiferente a vitória de um ou
outro, já que qualquer um dos vencedores seria o presidente de uma república
burguesa, “de opressão e exploração dos trabalhadores”. Isto não significava,
todavia, sua indiferença diante dos acontecimentos, pois eles afetavam seus
interesses, devendo, pois, ser ouvida sua opinião. Mas era necessário, antes de
tudo, que os trabalhadores se unissem e se organizassem em torno de seu
partido para poderem defender seus interesses de classe37. Tanto é assim, que,
em 1926, em um artigo publicado no órgão noticioso da IC, La Correspondance
Internationale, logo após as eleições, Washington Luís foi caracterizado como um
típico representante dos fazendeiros e se prognosticou ali que o seu governo iria

36
- Walter Costa Porto. Op. cit., p.145-146; O Paiz. Rio de Janeiro, 03/03/1926; Joseph Love.
A locomotiva. São Paulo na Federação Brasileira 1889-1937, p. 193; John D. Wirth. O fiel da
balança. Minas Gerais na Federação Brasileira 1889-1937, p. 195; Brasil. Ministério das Relações
Exteriores. Serviços Comerciais. Brasil – Estatísticas e diagramas, p. 4.
172

manter a mesma política antiproletária exercida durante o governo de Arthur


Bernardes. Neste artigo, a diferença para o posicionamento de 1922 era a
existência “do” partido da classe operária. Com o jovem e audacioso PCB,
prognosticava o autor do texto – embora ressalvasse que até então havia sido
fácil à burguesia controlar movimentos esporádicos de oposição -, a situação
seria diferente no futuro, pois, apesar de tudo, “as massas operárias começavam
a testemunhar sua simpatia pelo Partido”, o que lhe permitiria “criar sólidas
posições”.38 Como se colocava a questão da efetiva influência nos destinos do
País ainda para um futuro, próximo, ficava posta a tarefa, não de organização,
dada a existência do PCB, mas de fortalecimento e crescimento orgânico do
partido.
O abstencionismo dos comunistas ante as eleições presidenciais de 1926,
apesar da participação de Joaquim Barboza nas eleições para intendente do
Distrito Federal, de certo modo vê-se confirmado pelo posicionamento da
Coligação Operária de Santos, que conclamou seus eleitores a não votarem nas
eleições. E, muito provavelmente, a Coligação não tomou tal decisão sem antes
ter ouvido a CCE 39.
Tal posicionamento também pode ser compreendido como um resultado das
resoluções do II Congresso do PCB, nas quais transparecia uma visão de que ao
partido, como portador da “verdade operária” e titular dessa “reserva de domínio”,
não era necessário exercê-las de modo contínuo e permanente diante da
sociedade, bastavam apenas as críticas ao governo feitas por intermédio da sua
imprensa. Tal postura, como vimos, aliás, foi alvo das críticas feitas por Palmiro
Togliatti, que muito insistiu, como forma de estabelecer tal ponte, na
apresentação e difusão de um programa concreto de reivindicações políticas e
reivindicações econômicas imediatas. Na carta em que tais críticas foram feitas, o
comunista italiano, apesar de ter ciência da apresentação de um programa que

37
- O dever mais urgente. Movimento Communista. Rio de Janeiro, nº 2, fev. 1922, p. 37-38.
38
- B. D. [Octavio Brandão]. Lettre du Brésil. La Correspondance Internationale. Paris, nº 43,
1926, p. 417-418. O mesmo texto também foi publicado em La Correspondencia Sudamericana.
Buenos Aires, nº 3, 15/05/1926, p. 10-11.
39
- A Coligação Operária ao seu eleitorado. O Solidário. Santos, nº 39, 25/02/1926, p. 1.
173

coincidia com o que propunha, fez questão de reiterar a importância do tema,


talvez por temor de que o programa dos comunistas brasileiros, lançado para o 1º
de Maio, acabasse esquecido logo depois da data comemorativa40.
Pouco depois das eleições, o PCB iniciou os preparativos para a
comemoração do 1º de Maio, lançando este extenso documento a que se referiu
Togliatti, um “verdadeiro programa de reivindicações imediatas”, datado de 18 de
março, no qual eram formuladas reivindicações e palavras de ordem a ser
difundidas entre os trabalhadores41. Embora destinado para o 1º de Maio, e
apesar de sua forma de catálogo de reivindicações e palavras de ordem (com
cento e quinze itens) distribuídas ao longo de vários tópicos - reivindicações
internacionais (11 itens) e nacionais, sendo que estas se dividiam em gerais (17)
e particulares, as quais, por sua vez, se subdividiam em reivindicações dos
campos (18) e das cidades (69) -, acabava este documento transformando-se em
uma plataforma política nacional do PCB, a qual, atendendo à orientação da CCE,
deveria ser adaptada às realidades locais.
O primeiro bloco de reivindicações é o referente a questões internacionais e
ele agrupou basicamente palavras de ordem que naquele momento também eram
defendidas pela IC: defesa da URSS, ataques contra a II Internacional e a política
da Sociedade das Nações, defesa da China, independência dos povos coloniais
etc. Ao contrário das plataformas anteriores e mesmo das posteriores do Bloco
Operário, ressalte-se que este conjunto de reivindicações internacionais somente
apareceu neste programa de 1926.
Outro ponto de distinção deste programa em relação às plataformas
anteriores foi o da introdução de reivindicações específicas referentes ao campo
(cujos segmentos com os quais o PCB pretendia buscar diálogo eram os que

40
- Ercoli a Au C.C. du P. C. du Brésil. Moscou, 02/07/1926, p. 5 (RGASPI).
41
- A C.C.E. do P.C.B. Para o 1º de Maio de 1926. Reivindicações e palavras de ordem. Voz
Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 79, 15/04/1926, p. 2. Este mesmo texto foi reproduzido em um jornal
especial, de único número, intitulado 1º de Maio, e que foi lançado pelo Comitê Nacional do Socorro
Operário Internacional. Praticamente idêntico, com algumas atualizações, foi repetido no número de
1º de Maio de 1927 de A Nação. O texto completo deste documento, bem como as modificações de
1927, podem aqui ser vistos no Anexo V. A frase citada foi extraída de El 1º de Mayo y el Partido
Comunista del Brasil. La Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 2, 30/04/1926, p. 2.
174

englobavam operários agrícolas, pequenos lavradores sem terra e pequenos


proprietários que não exploravam trabalho alheio). Como registrou em relatório
existente nos arquivos da IC em Moscou, o encarregado da Seção Camponesa do
PCB, Paulo de Lacerda, deixava clara a inexistência de qualquer trabalho efetivo
nesta área e que tudo estava por se fazer:

“Temos que elaborar um plano, teórico e prático, para penetração eficaz nos
centros agrícolas. E para isso, é mister estudar minuciosamente o meio em que
vamos operar. Nesse sentido, teremos necessidade de lançar mão de abundante
material, como sejam, estatísticas rurais, sistemas de explorações agrícolas,
condições de trabalho e as múltiplas feições que os proprietários de terra
emprestam à exploração do braço nas suas fazendas, nos seus engenhos e nos
seus campos de criação. [...] Só agora, orientados pelo que interessa
objetivamente à nossa atuação no meio nacional, eu e o camarada Octavio
Brandão, o encarregado da Agit-Prop., [pudemos] traçar um plano seguro de
atividade revolucionária e de organização, a fim de darmos início à penetração no
campo – uma das tarefas mais importantes de todo Partido Comunista do Brasil,
que visa ter a necessária eficiência. Sem o apoio das grandes massas
camponesas do Brasil, que se podem tornar, pelo seu atraso, reservas contra-
revolucionárias, utilizáveis pela burguesia para a reação contra o proletariado das
cidades, não poderemos vencer.”42

Por este relatório, apresentado em meados de janeiro de 192643, pode-se


notar que a apreensão sobre a questão do trabalho no campo seria de início feita
de maneira completamente externa ao movimento. Isto se reflete claramente nas
reivindicações arroladas no programa para o 1º de Maio de 1926. Nas poucas
reivindicações levantadas no programa – que correspondiam a cerca de 25% em
relação às apresentadas para os trabalhadores urbanos – a obviedade e a
ausência de especificidade denunciam a falta de familiaridade com o tema.
Mesmo naqueles casos em que há um corpo mais alentado de propostas, como
nas relativas aos pequenos lavradores sem terras (rendeiros ou arrendatários,
meeiros, terceiros), que poderiam revelar algum conhecimento real sobre o tema -
não nos esqueçamos que Paulo de Lacerda fazia parte de uma família com
propriedades rurais em Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro -, elas têm mais

42
- P. Lacerda. Relatório do Encarregado da “Seção Camponesa”. S.l., s.d (RGASPI).
43
- Cf. carta de Astrojildo Pereira a Camarada Humbert-Droz. Rio de Janeiro, 04/04/1926
(RGASPI).
175

o caráter de racionalização e eficiência da produção e comercialização dos


produtos agrícolas, ficando a imagem de que elas se originaram não de um
movimento social, mas de alguém externo a ele. Finalmente, cumpre chamar a
atenção para a ausência de menção à questão da reforma agrária neste
programa.
Nos segmentos referentes às reivindicações nacionais de caráter geral - as
quais, aliás, refletem mais um ponto de vista urbano - e nas particulares
referentes às cidades nos deparamos com temas, alguns desenvolvidos de forma
mais detalhada, já existentes nos programas de 1925 do Bloco Operário e da
Coligação Operária de Santos, como habitação operária, jornada de trabalho,
aplicação da legislação operária, cooperativas e ensino.
Nestes dois segmentos que abordamos agora há um grupo de questões que
já haviam sido tratadas nos programas anteriores, sob a genérica rubrica “direitos
políticos de classe”, e que no programa de 1926 estão agrupadas nas
reivindicações “políticas”. Há, neste último, uma considerável ampliação e
aprofundamento no conjunto deste tipo de reivindicações. Embora sem dúvida
persista, de modo subjacente, uma visão de que tais questões são mais pensadas
em referência ao mundo do trabalho, é inegável que palavras de ordem como
restabelecimento das liberdades constitucionais, voto secreto e obrigatório, direito
de voto às praças de pré e às mulheres – sendo esta reivindicação do voto aos
militares e às mulheres pela primeira vez expressa em uma plataforma de um
agrupamento político -, facilidade do alistamento eleitoral, direito de reunião e
revogação de todas as leis de exceção têm uma amplitude social muito maior e
muitas delas faziam parte de plataformas políticas de diversos grupos de
oposição ao regime, como os “tenentes”, diversos partidos políticos etc. Isto
revela, de um lado, um certo esforço no sentido da aproximação com setores da
pequena burguesia urbana que integrava estes grupos e, de outro, embora isto
não fosse então pensado absolutamente desta forma, a busca da ampliação do
exercício da cidadania por parte das classes trabalhadoras.
176

Três outras questões merecem ser rapidamente destacadas. A primeira é a


ausência, mesmo com a existência da fórmula “contra os capitalistas e os seus
patrões imperialistas internacionais”, de um tema levantado na plataforma da
Coligação Operária de Santos de 1925 e que reapareceu posteriormente na
plataforma do Bloco Operário, qual seja, da palavra de ordem da nacionalização
das empresas estrangeiras.
A segunda trata, embora se encontre a palavra de ordem “contra a opressão
do governo de fazendeiros de café”, da ausência na plataforma da questão da
conquista do poder, ou da instituição de um governo operário e camponês.
A terceira decorre das anteriores. Poder-se-ia pensar com razão que a
ausência destas reivindicações e da relativa à reforma agrária fosse uma maneira
de abrandar ou tornar mais palatável o conjunto das reivindicações. E isto tinha
realmente sentido, como se pode ver em posteriores afirmações de Octavio
Brandão, nas quais ele chamava atenção para o fato de “o partido [ser] mais
avançado, [tinha] palavras de ordem mais avançadas. E o Bloco só podia avançar
44
até certa altura. Precisávamos ter cuidado para ele não ser fechado” . No
entanto, como considerar deste modo, se encontramos uma reivindicação que
afronta o núcleo do sistema capitalista, qual seja, a do controle operário sobre a
produção? Enfim, o conjunto de tais questões serve para mostrar, de um lado, a
ausência de uma maior experiência no trato destes temas por parte dos
comunistas de então e, de outro, a existência de um processo empírico e
assistemático de construção de um núcleo de proposições por parte dos
comunistas a fim de travar um diálogo com a sociedade brasileira, a qual já vinha,
desde o início dos anos 1920, dando mostras, ainda que sem uma maior
organicidade e coerência, de insatisfação com o regime político vigente. Este
processo sofreu uma grande evolução nas eleições para deputados federais que
aconteceram em 1927.

44
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 139.
ANEXO IV
Plataforma do Bloco Operário (1925)

“O Bloco Operário e as próximas eleições municipais

Conforme é do domínio público, pretendia a classe operária lançar as bases para a


formação do Bloco Operário, tendo em vista a participação dos trabalhadores, como partido
independente, na próxima eleição de intendentes municipais.
A iniciativa mereceu os aplausos dos operários de todas as categorias do Distrito
Federal. Nosso jornal, A Classe Operária, interpretava, com inteira fidelidade, o sentimento
geral das massas a respeito da política proletária, que por sua natureza deve ser uma política
independente, isto é, uma política de classe.
A idéia do Bloco Operário era, além disso, fácil de compreender, correspondendo
perfeitamente às necessidades do momento. O Bloco Operário significa o esforço comum e
associado de todas as forças nitidamente operárias, verdadeiramente representativas da
classe operária em geral, para o fim de participar da batalha eleitoral anunciada, como um
‘bloco’ único, baseado em um programa único e com uma lista única de candidatos.
Nenhum partido ou grupo, que seja ou se presuma operário, poderia se recusar a
aderir ao ‘bloco’ proposto pelo jornal dos trabalhadores A Classe Operária. Era uma idéia
vencedora e só os falsos representantes de falsas correntes ditas operárias poderiam fugir ao
imperativo de sua realização.
No entanto, circunstâncias totalmente independentes e contrárias à nossa vontade
vieram prejudicar em grande parte a consecução do plano traçado.
A Classe Operária teve sua publicação suspensa por ordem do Governo. Não
podemos agora tratar aqui deste particular: fa-lo-emos mais tarde. Mas, suspenso o jornal,
ficamos a bem dizer peados, desarmados para a batalha. Tivemos, pois, que restringir ao
apenas possível no momento a ampla e vigorosa campanha que havíamos planejado.
Queremos, pelo menos, dar uma satisfação às massas operárias, que nos apoiaram, e cujos
aplausos à idéia do Bloco Operário bem mostraram que seguimos um caminho justo e reto
na defesa dos superiores e verdadeiros interesses do proletariado.
Antes, porém, devemos fazer uma referência ao ‘programa’ de uma pretensa
‘convenção operária’ que apresenta um candidato oficial às eleições para intendentes. Desde
logo se vê que sua qualidade de candidato ‘oficial’, isto é, apoiado pela burguesia, tira-lhe
toda capacidade de apresentar-se como ‘representativo’ do proletariado.
Vamos falar com toda franqueza.
Luiz de Oliveira não é um candidato especificamente operário, por vários motivos,
principalmente porque:
1. Não representa uma política operária de classe, isto é, uma política independente de
classe, visto que se acha enfeudado e comprometido junto do poder oficial, isto é, da classe
burguesa.
2. Não se apóia em um programa independente, que verdadeiramente consulte aos
reais interesses dos trabalhadores. Com efeito, o programa apresentado pela chamada
‘convenção operária’ é tudo quanto há de mais incolor e sem a menor significação operária.
178

É um programa demagógico de promessas fáceis e de reformazinhas medrosas e inócuas,


que qualquer candidato burguês podia incluir em sua plataforma.
A seu devido tempo havemos de submeter esse programa a uma rigorosa análise e
então veremos o que ele vale.
Dito isso, para evitar confusões entre a idéia do Bloco Operário preconizado pela A
Classe Operária e a pretensa ‘convenção operária’ escorada nos elementos oficiais – quer
dizer: antioperários – passamos a expor os princípios pelos quais nos orientaríamos na
elaboração da plataforma do Bloco Operário:
1. A formação do Bloco Operário, sua participação nas próximas eleições municipais e
sua atuação no Conselho Municipal devem ser postas ao serviço da luta geral do
proletariado e contribuir experimentalmente para a consolidação de seu espírito de classe.
2. A tarefa primordial do Bloco Operário consiste, por sua política independente de
classe, em chamar a massa operária ao exercício efetivo e direto de seus direitos políticos de
classe.
3. Os eleitos do Bloco Operário devem constituir, no C[onselho]. M[unicipal]., um
verdadeiro e severo comitê de controle sobre a política e os políticos burgueses no Distrito
Federal.
4. As questões fiscais, na elaboração do orçamento municipal, devem ser postas pelos
eleitos do Bloco Operário no seguinte plano: só os ricos devem pagar impostos.
5. Os serviços públicos municipais devem visar servir a interesses gerais da maioria da
população – que é a população laboriosa – e não apenas em obras suntuárias ao luxo da
minoria de ricaços.
6. A questão da habitação deve constituir ponto básico do programa de ação do Bloco
Operário. Os representantes operários denunciarão as meias soluções burguesas, os
paliativos e engodos e bater-se-ão em prol de soluções proletárias radicais, como sejam: a) a
municipalização da habitação operária; b) construção de grandes habitações coletivas
modernas, com todos os requisitos de higiene; c) aluguéis proporcionais aos salários.
7. Sempre obedecendo ao princípio das soluções proletárias, definitivas e radicais,
serão encarados todos os problemas de higiene e assistência social, a questão hospitalar, os
sanatórios de férias, etc.
8. Igualmente, a questão do ensino público e da educação da infância proletária. O
Bloco Operário sustenta a reivindicação exposta pelas colunas da A Classe Operária: junto
de cada grande fábrica uma escola instalada e mantida pelo patronato. Outro grande
problema: a multiplicação das escolas profissionais como uma continuação necessária e
natural das escolas primárias.
9. O Bloco Operário pretende ampliar-se, tornando-se o Bloco Operário e Camponês.
Os representantes do proletariado da cidade colocam-se também ao serviço dos operários
agrícolas e dos pequenos lavradores. Os que trabalham na cidade e os que trabalham na
lavoura devem dar-se as mãos e aliar-se na defesa de seus comuns interesses. Assim, o
Bloco Operário constituir-se-á, naturalmente, em defensor, na municipalidade carioca, dos
lavradores pobres e dos operários agrícolas do Distrito Federal, cujas reivindicações apoiará
e defenderá.
Eis aí os princípios que inspiraram A Classe Operária a lançar a idéia da formação do
Bloco Operário, visando participar das próximas eleições municipais.
179

Circunstâncias posteriores vieram criar obstáculos momentaneamente insuperáveis à


realização prática da idéia aventada. Não importa. Esperaremos nova oportunidade.
Seja, porém, com for, queremos deixar assentado, perante a opinião proletária que nos
aplaudiu e apoiou, os pontos essenciais do programa que pretendíamos estabelecer como
base para a constituição do Bloco Operário.
Uma coisa é certa e ficará registrada: é que fora dos princípios que orientaram A
Classe Operária em sua campanha pelo Bloco Operário não há política proletária possível,
visto que a condição primária de sua ação está em sua independência de classe.

A redação de A Classe Operária

Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1925.”

(Fonte: Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 28-09-1925, p. 3872-3873.)


180

ANEXO V
Programa de Reivindicações do PCB (1926)

“PARA O 1º DE MAIO DE 1926


REIVINDICAÇÕES E PALAVRAS DE ORDEM

Primeira parte – Internacionais

Contra o pacto de segurança, que visa a intervenção na Rússia. Contra a Liga das
Nações, esteio da Inglaterra contra-revolucionária (imperialista). Contra a reação mundial.
Contra o imperialismo. Contra a 2ª Internacional – esteio do imperialismo. Vitória completa
da Rússia (dos trabalhadores russos) sobre todos os seus inimigos. Independência dos
povos coloniais. A China liberta dos caudilhos e imperialistas. Frente única de todos os
trabalhadores das três Américas contra o imperialismo anglo-americano. Unidade sindical
internacional. Bloco mundial das massas operárias e camponesas em torno da União
Sovietista (da obra dos trabalhadores russos).

Segunda parte – Nacionais

I – GERAIS

Econômicas: Baixa dos aluguéis. Barateamento dos gêneros de primeira necessidade.


A grande propriedade sujeita ao imposto sobre a renda (O imposto direto extensivo à renda
dos grandes fazendeiros).
Políticas: (+ Política de classe independente. Combate à política dos capitalistas.
Andamento do Código do trabalho. Contra a reforma monetária que só vem
beneficiar os fazendeiros de café) Restabelecimento das liberdades constitucionais. Prisão
política para os presos políticos. Voto secreto e obrigatório. Direito de voto às praças de
pré e às mulheres. Facilidade do alistamento eleitoral. Reconhecimento ‘de jure’ da União
Sovietista. Frente única dos trabalhadores fabris, dos transportes e da lavoura. Aliança dos
operários municipais e do Estado, das mulheres trabalhadoras, dos empregados pobres do
comércio, dos correios, dos telégrafos e telefones com o proletariado fabril sob a direção do
P. C. Apoio material e moral dos pequenos proprietários, das cidades e dos campos, ao
proletariado fabril, dirigido pelo P.C. Contra a opressão do governo de fazendeiros de café.
Contra o partido republicano, o partido dos maiores opressores do proletariado. Contra o
imperialismo anglo-americano e a 2ª Internacional que apóiam a atual reação brasileira.
Contra os capitalistas e os seus patrões imperialistas internacionais. Contra a frente única
socialista, amarela, anarquista, fascista e imperialista visando a desagregação da vanguarda
proletária.

II – PARTICULARES
181

(A) NOS CAMPOS

1) Para o operário agrícola (jornaleiro, assalariado, ambulante (+colono servo das


fazendas de café, caboclo dos engenhos do Norte)):
Econômicas: Aumento dos salários. Diminuição das horas de trabalho.
Política: Nenhuma sujeição aos fazendeiros, criadores, usineiros, senhores de engenho.
Orgânica: Formação de sindicatos.
Higiênicas: Casas de taipa em lugar de palhoças. Médico e farmácia grátis.
Intelectual: Escolas públicas nos grandes estabelecimentos agrícolas, sendo a
manutenção custeada pelos respectivos proprietários.
2) Para o pequeno lavrador sem terras (rendeiro ou arrendatário, meeiro, terceiro):
Econômicas: Redução do arrendamento. Facilidade e barateza dos transportes.
Conservação e melhoramentos das estradas atuais, por conta dos grandes proprietários.
Construção de novas estradas de rodagem por conta do governo. Isenção de quaisquer
impostos ou taxas de qualquer natureza sobre os veículos de toda espécie destinados ao
transportes dos produtos da pequena lavoura. Fornecimento gratuito de sementes e adubos.
Fornecimento, a crédito ou por aluguel, de animais e máquinas agrícolas.
Orgânicas: Desenvolvimento das Ligas de pequenos lavradores. Adesão à
Internacional dos Camponeses.
3) Para o pequeno proprietário que não vive do trabalho alheio:
Econômico-políticas: Combate aos direitos hipotecários. Combate à opressão do
grande proprietário.

(B) NAS CIDADES

1) Para o proletariado industrial:


Econômicas: Aumento geral dos salários. Generalização do pagamento semanal.
Nenhum desconto dos salários. Metade do salário quando o trabalhador cair doente.
Extinção das multas. Generalização do dia de 8 horas. Horário semanal de 44 horas. Horário
de 7 horas para as mulheres. Horário de 6 horas para os menores. Extinção das empreitadas.
Direito de atrasar-se 5 minutos. Controle, pelos sindicatos operários, da lei das férias anuais.
Licença, às operárias, de 8 semanas antes e 8 semanas depois do parto, e pagamento
integral. Auxílio do estado às cooperativas operárias. Controle operário sobre a produção.
Políticas: Direito de reunião. Direito aos meetings na praça pública. Direito de livre
associação para os operários da Light, Mocanguê, América Fabril, S. Felix, Cachoeira,
Muritiba, etc. Respeito às associações e aos jornais operários. (+ Auxílio à A NAÇÃO
operária.) Revogação do fechamento da A CLASSE OPERÁRIA. Revogação da lei de
imprensa por dificultar a vida dos jornais proletários. Revogação de todas as leis de exceção.
Libertação dos operários presos por questões sociais. Legalidade para o P. C., primeiro e
único partido do proletariado do Brasil. Nenhuma perseguição aos membros do P.C. (aos
militantes operários) Restituição dos milhares de livros e folhetos confiscados. Livre
propaganda do comunismo. Inviolabilidade da correspondência proletária. Nenhuma
confiscação da literatura comunista pelos Correios. Conquista dos menores e das mulheres
trabalhadores à luta de classes. Leitura e propaganda dos jornais operários dentro dos locais
de trabalho. Reconhecimento dos sindicatos por parte do patronato, isto é, recusa de todo
182

operário não associado. Comemoração do 1º de maio sob o ponto de vista da luta de


classes.
Econômico-políticas: Direito de greve para os operários da Light, da S. Paulo
Railway, etc. Nova lei de acidentes. Não intervenção policial nas greves. Extinção do
filhotismo nas empresas do Estado.
Orgânicas: Organização e reorganização à base industrial, das grandes massas de
operários. Concentração das massas. Comitês de fábrica. Organização dos inquilinos pobres.
Organização das mulheres e da juventude. Unidade sindical nacional em ligação com a
unidade sindical internacional. Adesão à Internacional Sindical Vermelha. (+ Organização e
consolidação da C.G.T.)
Higiênicas: Generalização do descanso semanal. Extinção dos serões. Melhoramento
da condução. Limpeza e renovação de ar nas empresas. (+Extinção dos “chuveiros” nas
fábricas. Extinção das lançadeiras de sugar nas fábricas de tecidos.) Proibição da
dormida nos locais de trabalho. Melhor alimentação. Extinção da gamela. Água filtrada.
Arejamento e desinfecção geral (a cargo dos proprietários e do Estado) das habitações
proletárias.
Econômico-higiênicas: Moradia perto do local de trabalho. Derrubada dos barracões e
das atuais casas de cômodo e sua substituição por grandes habitações coletivas, baratas e
higiênicas.
Intelectuais: Usufruto de uma casa a fim de nela os operários de cada fábrica
instalarem uma escola de trabalhadores, criada e dirigida por trabalhadores, para
trabalhadores. Subvenção de meio por cento dos lucros líquidos anuais de cada fábrica para
a manutenção da escola. Escolas profissionais para os filhos dos trabalhadores, sustentadas e
sustentados pelo Estado.
Morais: Suspensão dos contramestres que maltratarem os menores. Nenhuma
suspensão ou demissão de operários sem motivo justificado e sem comunicação ao delegado
sindical na empresa. Toda a consideração aos trabalhadores. Nenhuma espionagem.
2) Para o operário municipal ou do Estado:
Econômica: Aumento dos salários.
Políticas: Direito de livre associação. Direito de livre opinião política.
3) Para o funcionário pobre:
Econômicas: Melhoria dos vencimentos. Combate à agiotagem.
4) Para o pequeno proprietário:
Econômica: Redução dos impostos.

Essas reivindicações e palavras de ordem devem ser adaptadas às condições concretas


de cada localidade; em torno daquelas, as vastas massas trabalhadoras devem, a 1º de maio,
em todo o país, realizar grandes manifestações. A palavra de ordem fundamental imediata –
chave de todas as outras – é: Revogação do fechamento da A CLASSE OPERÁRIA!

18/3/1926
A C.C.E. do P.C.B.”

(FONTES: Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 79, 15/04/1926, p.2 e A Nação. Rio de
Janeiro, 01/05/1927, p. 1)
183

Obs.: A texto base é o de 1926. As modificações tipográficas utilizadas nesta transcrição


referem-se ao texto de 1927. O texto tachado indica que foi suprimido em 1927. Quando há
substituição do trecho, o trecho tachado é seguido pela modificação, entre parênteses e em
itálico. Os acréscimos feitos na versão de 1927 estão entre parênteses e em negrito,
antecedidos pelo sinal de +.
d) O Bloco Operário vem à luz (1927)

O momento em que os comunistas brasileiros exerceram sua primeira


experiência de participação eleitoral de uma forma que eles julgavam a mais
próxima do ideal – sendo esta, é claro, se apresentar abertamente como PCB - foi
antecedido por um ajuste nas teses do II Congresso. Esta mudança aconteceu
com respeito às relações com a pequena burguesia e seu papel no processo
revolucionário. Com a publicação, em abril de 1926, da obra de Octavio Brandão,
Agrarismo e industrialismo, a qual serviu para reiterar (por meio de uma quase
infindável cadeia de exemplos procurando demonstrar as ligações da burguesia
agrária ou da burguesia industrial brasileiras com este ou aquele imperialismo) a
esquemática análise do Brasil como palco do confronto interimperialista entre
Estados Unidos e Inglaterra, apareceu a teoria da “terceira revolta” e, juntamente
com ela, a de revolução democrático-pequeno-burguesa1. Para formulá-la
Brandão examinou as revoltas militares de 1922 e 1924 (a primeira e a segunda
revoltas). Os “tenentes” continuavam a ser apresentados como “essencialmente
pequeno-burgueses”, vinculados à burguesia industrial e apoiados pelo
imperialismo norte-americano, como os definiu o II Congresso do PCB. Para
reforçar tal visão, Brandão afirmou que, na sua primeira tentativa, em 1922, de
“destruição dos elementos feudais do país”, eles fracassaram em razão de sua
inexperiência política e do desconhecimento dos “segredos da insurreição
armada”. Talvez cause espécie ver-se um civil dando “aulas de insurreição
armada” a militares, mas, na verdade, logo se nota que Brandão não fala aqui na
mesma linguagem dos militares. Enquanto estes se pautam por, grosso modo,

1
- A idéia de terceira revolta, rebelião ou revolução como a definitiva ação para a conquista do
poder era uma expressão corrente entre os meios de oposição ao governo, veja-se, por exemplo, em
Maurício de Lacerda, na sua obra Entre duas revoluções, às páginas 188-189. Para um exame mais
detalhado e bem fundamentado de Agrarismo e industrialismo ver Ângelo José da Silva. Crítica
operária à Revolução de 1930: Comunistas e trotskistas, p. 72-87. Uma curiosidade apontada por
Silva: no subtítulo da obra de Brandão - “Ensaio marxista-leninista sobre a revolta de S. Paulo e a
guerra de classes no Brasil” – foi, ao que consta, a primeira vez em que se usou a expressão
“marxista-leninista” em um documento de um partido comunista. Até então se julgava que a
expressão havia sido lançada em março de 1928 na URSS (cf. p. 76).
185

“quarteladas”, para aquele o modelo de insurreição é o da Revolução Russa de


1917. Em conseqüência disso, Brandão aponta o que seriam as falhas do
movimento sob sua ótica, entre elas algumas como “Nenhum manifesto que
explicasse os fins do movimento. Nenhuma agitação nas ruas. Nenhum apelo ao
proletariado”2, as quais acabavam por revelar seu universo de interpretação. Já
para 1924, embora Brandão reconhecesse neste movimento uma maior
amplitude, mais uma vez imputa seu fracasso às “ilusões pequeno-burguesas de
seus dirigentes, [que] perturbaram-lhes a marcha”. Mesmo fazendo uso do
parâmetro da via insurrecional bolchevique, pela qual eram imputadas “falhas”
como “descuraram o auxílio do proletariado: greve geral e armamento”, Brandão
exigia mais ainda dos revoltosos, culpava-os por não terem explorado a rivalidade
econômica e política anglo-americana. Enfim, na visão de Agrarismo e
industrialismo seu erro foi não terem feito uma insurreição bolchevique. O que era
uma missão impossível, pois, para Brandão, quem somente a poderia tê-la feito
era o partido bolchevique, o PCB.
No entanto, como Brandão avaliava que as causas que deram origem às
duas revoltas persistiam, colocava-se a inevitabilidade da terceira revolta. Para
que esta chegasse a bom termo era condição fundamental a intervenção dos
comunistas:

“Apoiemos, com aliados independentes, como classe independente, a


pequena burguesia na sua luta contra o fazendeiro do café, pois, segundo Marx, é
preciso sustentar os partidos pequeno-burgueses quando estes resistem à reação.
Empurremos a pequena burguesia à frente da batalha, para que, mais cedo, seja
desbaratada pelas forças destruidoras da história, sustentando-as, diria Lênin,
como a corda sustenta o enforcado. Não tomemos parte em complots, porque é
uma tática pequeno-burguesa e porque devemos ser um partido para influir sobre
as massas, e não uma seita. [...] Não consintamos a menor influência da política e
da ideologia pequeno-burguesa sobre o proletariado. Ataquemos a fraseologia
pequeno-burguesa. Armemos, na hora precisa, os trabalhadores, subordinando-os
politicamente ao seu partido, ao Partido Comunista. Exijamos dos revoltosos
pequeno-burgueses concessões econômicas e políticas importantes. [...] Lutemos
por impelir a fundo a revolta pequeno-burguesa, fazendo pressão sobre ela,
transformando-a em revolução permanente no sentido marxista-leninista,
prolongando-a o mais possível, a fim de agitar as camadas mais profundas das

2
- Fritz Mayer (pseudônimo de Octavio Brandão). Agrarismo e industrialismo, p. 17.
186

multidões proletárias e levar os revoltosos às concessões mais amplas, criando um


abismo entre eles e o passado feudal. Empurremos a revolução da burguesia
industrial – o 1789 brasileiro, o nosso 12 de março de 1917 – aos seus últimos
limites, a fim de, transposta a etapa da revolução burguesa, abrir-se a porta da
revolução proletária, comunista. Depois da vitória dos revoltosos, veremos...”3

Daqui transparece a proposta de aliança, de uma frente única, com a


pequena burguesia, para impulsionar a revolução, a qual, concretizada, a julgar
pelas analogias históricas evocadas por Brandão, seria a revolução burguesa,
tanto em sua versão francesa como russa. Cumprida esta etapa, a ela se seguiria
a revolução proletária, com o PCB à frente:

“A Terceira Revolta empurrará para o poder a grande burguesia industrial;


mas esta, pela sua fraqueza numérica, pela sua relativa pobreza, por ter vivido
servilmente das migalhas da burguesia feudal, por não ter um partido político com
tradições de combate, por ter sido tantos anos o reboque do feudalismo, por ter
pactuado com todos os crimes dos agrários contra a nação em peso – será
igualmente incapaz de resolver os problemas nacionais. Além de tudo isto, sua
vitória será o prelúdio fugaz da revolução proletária. Assim, o proletariado urbano e
rural, dirigido pelo Partido Comunista, e aliado à pequena burguesia, aos técnicos
e aos intelectuais revolucionários, é que terá de resolver esse problema.
O proletariado realizará a obra da revolução democrática, obra que a
burguesia, pela sua incapacidade, não realizou antes. E realizará sua própria
revolução, empurrando a sociedade para o comunismo.”4

Mais tarde, o próprio Brandão contextualizaria politicamente esta mudança


na orientação do PCB:

“Em 1924, com a insurreição de São Paulo, de 5 de julho, de Isidoro Dias


Lopes, verificamos que não era possível a Ditadura do Proletariado para o Brasil.
Aí mudamos de tática: Queríamos um bloco com os proletários, os trabalhadores
rurais, as massas da pequena burguesia urbana, os revoltosos de Copacabana, de
São Paulo, da Coluna Prestes - Miguel Costa e dizíamos a burguesia industrial
contra o imperialismo e o latifúndio.”5

Nas resoluções do II Congresso estava delineada uma aproximação, muito


confusa e desconfiada, com a pequena burguesia. Aqui, já com menos ressalvas,

3
- Idem. Ibidem, p. 59.
4
- Síntese nacional. Os problemas nacionais. A Nação. Rio de Janeiro, 09/05/1927, p. 2.
5
- Entrevista com Octavio Brandão.Aparte. Rio de Janeiro, nº 1, jun. 1979, p. 15.
187

a questão da aliança do proletariado e seu partido com a pequena burguesia


urbana era mais concreta e notava-se uma maior compreensão por parte dos
comunistas a respeito da necessidade da ampliação do espectro social ao qual
buscavam se dirigir. Ainda é, no entanto, uma postura que, politicamente, a julgar-
se pelas ressalvas feitas, punha dificuldades para a consecução de alianças, as
quais, para serem feitas, exigem, ao menos em tese, uma certa disposição para
acomodações ou concessões das partes, o que não se nota muito neste momento
pelo lado comunista. Como veremos por ocasião do lançamento da Carta Aberta
que dará início ao processo eleitoral de 1927, nós ainda nos encontraremos com
esta postura inflexível.
O processo de sucessão de Arthur Bernardes, por meio da escolha do nome
de Washington Luís, como nota Edgard Carone, foi a expressão da continuidade
do domínio oligárquico no Brasil6. A unanimidade na definição do nome e a baixa
presença às eleições – ainda que a sucessão se desse sob a vigência do estado
de sítio - eram indicadores de que o nome de Washington Luís, empossado em
15 de novembro de 1926, não se fazia acompanhar da idéia de grandes
mudanças no País. No período decorrido desde sua eleição, em 1º de março, até
a posse e daí até os primeiros meses de 1927, no entanto, em termos políticos,
houve algumas expectativas ligadas à distensão da conjuntura. A primeira delas,
que acabou se verificando, foi o fim do estado de sítio, sob o qual o País vivera
praticamente durante todo o quadriênio presidencial de Bernardes. A outra foi a
possibilidade de anistia aos opositores e aos militares rebeldes “tenentistas”, o
que inclusive teve efeitos na decisão de internação da Coluna Prestes na Bolívia.
A anistia, no entanto, apesar da libertação de muitos opositores sem culpa
formada, acabou não acontecendo. No fundo, ambas as esperanças refletiam o
grande desgaste causado ao regime republicano pelos quatro anos de governo
de Arthur Bernardes e, aos olhos dos brasileiros, sua saída do poder significou a
retomada da normalidade das instituições, sentimento este que acabou tornando

6
- Edgard Carone. A República Velha (Evolução política), p. 391.
188

a posse de Washington Luís um evento entusiástico7. Tal normalidade, destaque-


se, considerada do ponto de vista das elites da chamada “República Velha” tinha
seus limites, tanto é assim que o nome escolhido para suceder Arthur Bernardes
era associado à frase “A questão social é um caso de polícia”. A confirmação de
que essencialmente nada se alterara, ao menos em relação aos trabalhadores,
veio da edição de leis arbitrárias e do rigor da repressão desencadeada em vários
momentos contra suas mobilizações durante o quatriênio de Washington Luís.
Mesmo que com um maior ceticismo, os comunistas brasileiros repercutiam
algumas dessas expectativas, como se pode perceber neste trecho da
correspondência de uma das lideranças do PCB:

“O novo governo (15 de novembro), apesar de ser do mesmíssimo partido do


atual, provocará, em todo o país, não digo um renovamento, mas um certo
deslocamento político. (Isto acontece, no Brasil, a cada ‘novo’ governo, isto é, a
cada substituição dos homens de governo.) Este fenômeno criará uma situação
propícia ao lançamento de nosso programa às massas. Se o sítio for suspenso,
podemos contar como certo que o P.C.B. receberá um forte impulso para a frente.
Em fevereiro ou março próximos realizam-se eleições federais para deputados.
Interviremos no pleito. Isto dar-nos-á margem para uma larga agitação política
entre as massas obreiras. Em suma, nossas perspectivas são francamente
favoráveis a um amplo trabalho de penetração, organização e propaganda.
Possuímos já uma boa dose de experiência destes anos duros e assim, assistidos
pela I.C. e mais estreitamente ligados aos partidos irmãos do continente, havemos
de trabalhar com redobrada energia e redobrado proveito.”8

Cumpre chamar a atenção para o fato de que, no vislumbre de uma


modificação na situação política, os comunistas brasileiros tiveram como meta,
naquele instante, ao mesmo tempo em que defendiam a teoria da “terceira
revolta”, a participação política nos marcos da legalidade burguesa por meio da
via parlamentar. Na verdade, isto também serve para dimensionar uma evolução
na postura do PCB, que começava a compreender a necessidade de, como
partido que almejava ser uma referência de massas, possuir várias frentes de

7
- Edgard Carone. Op. cit., p. 392; Hélio Silva. Washington Luís. Revolução de 30,1926-
1930, p. 19.
8
- Carta de Astrojildo Pereira a Camarada V[ictorio]. C[odovilla]. Rio de Janeiro, 21/08/1926,
p. 2 (RGASPI).
189

atuação, funcionando de maneira coordenada e subordinadas ao objetivo maior,


que era a conquista do poder.
A construção da via parlamentar, através da constituição do Bloco Operário,
foi sendo preparada durante o período em que ainda vigia o estado de sítio.
Nesse sentido, foram feitos contatos preliminares com algumas personalidades
políticas do Distrito Federal, como o deputado federal João Batista de Azevedo
Lima e o intendente municipal eleito do Distrito Federal, mas ainda preso e não
empossado, Maurício Paiva de Lacerda, e organizações do mundo operário.

Maurício de Lacerda, por Álvarus.


(O Combate, 03/08/1928, AESP)

Sobre estes contatos, somente nos chegaram maiores detalhes das


negociações feitas com Lacerda9. Pouco antes de sua libertação, somente
ocorrida em 27 de novembro de 1926, Lacerda narra que foi procurado por um

9
- Maurício Paiva de Lacerda, filho de Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda, ministro do
Supremo Tribunal Federal, e irmão do médico Fernando e do advogado Paulo, ambos militantes do
PCB, nasceu em 1888 na cidade de Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro, e era também formado
em Direito. Após trabalhar para a eleição presidencial de Hermes Rodrigues da Fonseca para o
quatriênio 1910-1914, Maurício de Lacerda obteve um mandato de deputado federal no ano de 1912,
mesmo ano em que seu pai fora nomeado pelo Presidente da República para o Supremo Tribunal
Federal. Reeleito sucessivamente até 1921, quando perdeu o mandato em razão de sua oposição ao
governo de Epitácio Pessoa, Lacerda foi, na Câmara dos Deputados, um defensor de causas relativas
ao mundo do trabalho e um dos patrocinadores da chamada legislação social, que buscava
regulamentar as relações entre patrões e empregados. Desenvolvera por isso uma polêmica atuação,
sendo classificado tanto de demagogo como criara fama de ser “bolchevista”. Envolvendo-se nas
conspirações “tenentistas” acabou sendo preso em 5 de julho de 1924. Na prisão, como vimos,
resolveu aceitar o lançamento de sua candidatura a intendente no Distrito Federal nas eleições de 1º
de março de 1926, na “Chapa Vermelha”, sendo o segundo mais votado no 2º Distrito.
190

grupo de militantes comunistas, os quais lhe vieram propor a adesão ao Bloco


Operário e o lançamento de sua candidatura, nas eleições de 24 de fevereiro de
1927, a deputado federal por um distrito, enquanto o PCB apresentaria seu
próprio candidato em outro distrito. Além disso, este grupo afirmou que faziam
mais questão da candidatura de Maurício de Lacerda pelo Bloco Operário que a
de Azevedo Lima. Lacerda recusou a proposta. Afirmou que continuaria o “mesmo
amigo livre” e que - em uma alusão à teoria da “terceira revolta” comunista -, “se a
revolução política vencida ou evoluída facultasse a abertura da revolução, eu lhes
estenderia a mão, no Parlamento ou fora dele”, mas que, para manter sua
coerência, se recusava a filiar-se a partidos. Pouco depois, aliás, também recusou
idêntica proposta feita pelo PSB. Além disso, aconselhou os comunistas a
apresentar uma “candidatura vermelha”, “afirmativa e pura”, a qual, mesmo que
derrotada, seria muito melhor “que fingir que faziam um deputado”, palavras
estas, como veremos, que se revelaram proféticas. No entanto, instado pelos
visitantes, se dispôs a examinar o programa do Bloco Operário. Dias depois, no
início de novembro de 1926, foi visitado por Octavio Brandão, o qual, em nome do
PCB, lhe reiterou os termos da proposta. Brandão, muitos anos depois, afirmou
que Lacerda reagiu violentamente, dizendo que se recusava a “receber
intimações”, ao que lhe foi retrucado que não se tratava de uma intimação: “Eu
estou comunicando, é um simples comunicado”. Lacerda, algum tempo depois
dos acontecimentos, por sua vez, deixou uma versão franca, mas um pouco mais
cordata, na qual afirmava que reiterara a Brandão sua recusa à “tática de se fingir
uma eleição própria com eleitores de empréstimo, do bas-fond eleitoral de certos
cabos sem convicções de qualquer espécie, ou infensos às do referido partido, e
que só por um personalismo inferior ou um conchavo degradante entrariam em tal
manobra”. Mais uma vez, apesar de seu decidido posicionamento, Lacerda teria
concordado em examinar a plataforma eleitoral do Bloco Operário. Libertado,
Maurício de Lacerda afirmou que só foi tomar conhecimento do texto depois de
publicado em A Nação 10.

10
- John W. Foster Dulles. Carlos Lacerda: a vida de um lutador.Vol. 1: 1914-1960, p. 5-21.
191

Durante a campanha eleitoral, o diário dos comunistas divulgou mais


algumas informações a respeito das negociações. A Nação informou que Lacerda,
depois de ouvir a proposta de constituição do Bloco Operário, não a aceitou,
alegando que partidos, programas, chapa comum o limitavam, pois era “livre,
independente, insubordinável”. Segundo a versão do PCB, Lacerda pediu aos
comunistas que não o apoiassem, pois isso dificultaria seu reconhecimento após
a eleição, comprometendo-se, após empossado, a “desfraldar a bandeira do
comunismo”. Além disso, garantira que, com a eleição para o preenchimento da
vaga que se abriria com sua saída no Conselho Municipal do Distrito Federal,
elegeria um candidato comunista. O diário comunista também deixa esclarecidas
as razões pelas quais o PCB não mais procurou Lacerda depois de sua saída da
prisão para discutir o programa do Bloco Operário, cuja redação, informa-se, fora
concluída na segunda quinzena de dezembro de 1926. Explicavam os comunistas
que as atitudes que Lacerda passou a tomar logo após sua posse no Conselho
Municipal, combinando atitudes teatrais com aproximação com “piratas notórios”,
fazendeiros e usineiros, fizeram-nos perceber que “seria completamente inútil
continuar a conversa”, a qual deveria ser decidida em público11.
Destas negociações já fica evidenciada a existência de um “formato” de
atuação para as eleições: tendo se obtido o apoio de um nome reconhecidamente
popular e com eleição praticamente garantida em um distrito eleitoral da cidade
do Rio de Janeiro, este serviria para tentar auxiliar um candidato comunista no
outro distrito o obter o número de votos necessários para sua eleição.

Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 36. Maurício de Lacerda. Entre duas
revoluções, p. 190-192. Como o livro de Lacerda foi publicado após a eleição, na qual, como
veremos, não teve sucesso, é justo avaliar-se que talvez sua informação de que o PCB o preferia como
candidato do Bloco Operário ao invés de Azevedo Lima fosse uma maneira de tentar indispor este
com os comunistas.
11
- Maurício de Lacerda contra o Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 26/01/1927, p. 5.
192

Azevedo Lima.
(A Classe Operária, APERJ)

Quanto às negociações com Azevedo Lima12, ocorridas em fins de dezembro


de 192613, destas temos poucas informações. No entanto, de seu processo de
aproximação com o PCB pode-se vislumbrar algo por meio de sua trajetória
anterior. Azevedo Lima constituiu, como resultado de sua ação como médico e
como parlamentar, um eleitorado fiel no distrito eleitoral de São Cristóvão. Sua
atuação como deputado ganhou destaque a partir de 1924, quando se tornou
opositor do governo de Arthur Bernardes - por se recusar a participar do processo
de “degola” de Irineu Marinho à vaga de senador pelo Distrito Federal – e passou,
após as revoltas “tenentistas”, a ser um dos poucos parlamentares a dar, pela
tribuna da Câmara do Deputados, vazão aos apelos e denúncias dos revoltosos e
a criticar as arbitrariedades e os atos de violência, corrupção e desperdício do
dinheiro público realizados pelo governo, sob o regime do estado de sítio, e com
a “indulgência passiva”, como dizia Azevedo Lima, da esmagadora maioria
governista com assento no Congresso Nacional.
Data desta época sua aproximação com o comunismo:

12
- João Batista de Azevedo Lima nasceu no Rio de Janeiro, no bairro de São Cristóvão, em
1889. Filho de pai médico e neto, por parte de mãe, do Visconde de Ibituruna, formou-se em
medicina, profissão à qual se dedicou, mesmo quando ingressou para a política, o que ocorreu em
1917, quando se elegeu intendente do Distrito Federal. Novamente eleito em 1920, não chegou a
concluir seu mandato em razão de ter sido eleito deputado federal pelo Distrito Federal em 1921,
reelegendo-se sucessivamente até 1930.
13
- Maurício de Lacerda contra o Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 26/01/1927, p. 5.
193

“A esses [Azevedo Lima refere-se aos “trabalhadores mais cultos da cidade”, dk]
não terá já passado desapercebida a pertinácia com que, de cabo a cabo, do meu último
triênio [1924-1926 dk] de atividade parlamentar, adotei, segundo orientação por assim
dizer quase uniforme, os conceitos marxistas sobre a supremacia política do
proletariado, a teoria do antagonismo de classes, a idéia da conquista da democracia
pelos trabalhadores organizados em classe diretora, o princípio da ruptura dos moldes
tradicionais em matéria de relações da propriedade e posse dos instrumentos de
produção.”14

Em junho de 1924 Azevedo Lima escreveu uma carta a Leon Trotsky


pedindo sua “proteção pessoal” para realizar uma viagem de “instrução política” à
URSS. Tempos depois enviou outra carta a Tchitcherine informando-o que
apresentara um projeto de lei em favor do reconhecimento diplomático da URSS
pelo governo brasileiro, o que deve, aliás, também ter chamado a atenção dos
comunistas brasileiros. Em agosto, desta vez a Gregori Zinoviev, reiterou o
pedido feito a Trotsky. Este, em outubro de 1924, por meio de um secretário,
respondeu a Azevedo Lima informando-o que no Brasil havia uma seção da
Internacional Comunista. Aconselhava-o, “como adepto das idéias comunistas e
amigo da União Soviética”, a desenvolver tais idéias no Brasil, em conjunto com o
PCB15. Até onde pudemos apurar, Azevedo Lima não viajou então para a URSS.
No entanto, a partir de 1925, como vimos por ocasião da leitura, no plenário
da Câmara dos Deputados, do programa do Bloco Operário, o parlamentar passa
a divulgar documentos comunistas, denunciar torturas, violências policiais
cometidas contra operários e militantes do PCB e expulsões de militantes
comunistas estrangeiros do território brasileiro, repercutir a campanha contra a
escolha de Carlos Dias como representante brasileiro à Conferência Internacional
do Trabalho em Genebra etc. À imprensa também externava seus
posicionamentos. Assim, no dia 03/10/1926, A Manhã, diário do Rio de Janeiro,
publicou entrevista de Azevedo Lima, na qual se declarava favorável ao
reconhecimento “de jure” da URSS recentemente dado pelo governo uruguaio e

14
- O Bloco Operário triunfará!. A Nação. Rio de Janeiro, 07/01/1927, p. 1.
194

nela também defende que o governo brasileiro faça o mesmo16. Ao mesmo tempo
participava de comemorações e atos promovidos pelo PCB:

“Na noite de 6 de novembro, o Grupo Comunista Israelita promoveu uma


sessão comemorativa da Revolução Russa, que constou de uma reunião privada
em casa particular, num dos arrabaldes da cidade do Rio de Janeiro.
Compareceram centenas de comunistas e de simpatizantes do P.C., e entre estes
últimos o deputado federal Azevedo Lima. Entre o maior entusiasmo e a maior
fraternidade, um camarada pronunciou eloqüente discurso em português, relativo
ao festejo, e dois outros camaradas israelitas falaram em ydish sobre o mesmo
assunto, todos vibrantemente aplaudidos. Prestou-se homenagem aos camaradas
russos mortos, Frunzé e Dzerjinsky, e aos camaradas mortos do P.C.B., Antônio
Carvalho, José de Barros, Manoel Perdigão. Três membros da J. C. Russa,
recentemente chegados ao Brasil, recitaram canções e poemas revolucionários, na
língua russa. Finalmente, terminou a festa com o canto da ‘Internacional’,
entusiasticamente entoado por todos os presentes.”17

Tais atitudes fizeram com que o PSB chegasse a acusá-lo de ser militante
comunista, o que levou o PCB a pronunciar-se formalmente, afirmando que
Azevedo Lima não era “líder do comunismo, nem membro do P.C.”18.
Em suas memórias, Azevedo Lima assim narrou, com uma cronologia um
pouco distinta da que vimos acima, este momento:

“De 1926 para diante atraíam-me mais a atenção as reivindicações do


operariado urbano e os grandes problemas do internacionalismo proletário do que
as aventuras genuínas ou fabulosas dos democratas de cutiliquê.
Não me pejo de confessar que, saturado de desilusões quanto à utilidade de
qualquer esforço, no sentido e instigar o andamento dos projetos de convenção e
as recomendações da Organização Internacional do Trabalho, passei à crítica
acerba das instituições liberais que se negavam, aqui e no Velho Continente, a pôr
em obra a legislação protetora, elaborada nas conferências do organismo
permanente criado pelo Tratado de Versalhes. Apesar das recriminações de que
me crivavam os paladinos da ordem conservadora, recalcitrei, agravando o pecado

15
- Carta de Azevedo Lima a M. Zinovieff. Rio de Janeiro, 17/08/1924 (RGASPI); Carta do
Sekretariat der Kommunistisch International a Deputiern Azevedo Lima. Moscou, 23/10/1924
(RGASPI).
16
- Seção de Informação do C.C. do P.C.B. A questão do reconhecimento do governo
sovietista. Como repercutiu na imprensa burguesa do Brasil o ato do governo uruguaio reconhecendo
“de jure” a U.R.S.S. Carta de Informação. Rio de Janeiro, nº 1, 26-10-1926, p. 2.
17
- Seção de Informação do C.C. do P.C.B. A comemoração do 7 de Novembro no Brasil.
Carta de Informação. Rio de Janeiro, nº 2, 30-11-1926, p. 1-2.
18
- C.C.E. do P.C.B. O socialismo geraldista. Voz Cosmopolita. Rio de Janeiro, nº 74,
06/02/1926, p. 10.
195

de dissentir do nosso parlamento retardatário, a ponto de lançar a barra muito


adiante das pontualidades do direito público, interpretadas por exímios
especialistas em rabulices e chirinolas.
Transpondo as fronteiras dos acontecimentos nacionais, dava de quando em
quando uma vista d’olhos no panorama político internacional, para evidenciar que
já não correspondiam, nem podiam corresponder às esperanças dos povos
desarmados os compromissos dos estadistas europeus. [...] Como que farto de
serrazinar a indolência do Legislativo, de todo em todo impermeável à
compenetração dos seus deveres para com os direitos elementares das massas
laboriosas, desloquei-me da tribuna da Câmara para a dos comícios sindicais.”19

De tudo isso é fácil intuir-se a enorme empolgação da parte de Azevedo


Lima com as idéias comunistas e a Revolução Russa, que era ainda um fator vivo
e presente para as pessoas e, portanto, catalisador, o que, portanto, propiciou
uma grande aproximação entre as partes. Insuficiente avizinhação, no entanto,
para que Azevedo Lima ingressasse nas fileiras do PCB. É difícil especular a
esse respeito, se havia da parte de um ou de outro, ou de ambos, alguma
resistência ao seu ingresso. Aparentemente, para manter sua independência, de
um lado, e, por sua desconfiança em relação às suas “origens pequeno-
burguesas”, do outro, sendo esta última hipótese a mais plausível. Tanto pode ser
assim, que, de acordo com um dos poucos sinais existentes a respeito das
negociações entabuladas com Azevedo Lima, com relação ao lançamento de sua
candidatura pelo Bloco Operário, este acabou fazendo apenas uma exigência
para sua adesão: respeito ao “seu compromisso anterior de apoio individual a
outro pequeno-burguês liberal nas eleições municipais de 1928”20.
Algum tempo antes das negociações com Maurício de Lacerda e Azevedo
Lima, o PCB recebera uma oferta inesperada por parte de Leônidas de Rezende,
um professor de Direito que, juntamente com Maurício de Lacerda, editara um
jornal de oposição que fora fechado pelo estado de sítio em 14 de julho de 1924.
Desde então, sem atividades públicas, aproximara-se das idéias comunistas
através da leitura de Marx e Engels, mas, de modo curioso, pretendia conjugá-las

19
- Azevedo Lima. Reminiscências de um carcomido, p. 167-171.
20
- S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 1
(RGASPI). O candidato em questão era o médico Oswaldo de Moura Nobre, “prestigioso chefe
196

com as positivistas de Auguste Comte. Em fins de agosto de 1926, e não em


novembro ou dezembro, como resultado, certamente, de um lapso de memória de
Astrojildo Pereira21, Leônidas de Rezende propôs aos comunistas a retomada da
publicação do jornal, desta vez como órgão comunista a serviço do PCB. Esta
oferta, posteriormente, foi classificada por Maurício de Lacerda como desleal e
desonesta, pois teria sido feita sem o seu conhecimento, já que era sócio de
Rezende na publicação. Durante a campanha eleitoral, no entanto, esta
sociedade foi negada, afirmando-se que Lacerda era apenas um empregado e
que teve o seu nome colocado no expediente do jornal em razão de uma
circunstância de ocasião22. As condições dessa proposta foram assim detalhadas
em correspondência enviada pelo secretário geral do PCB à Internacional
Comunista:

“Temos agora aqui um fato de grande importância. Um jornalista burguês da


oposição, que esteve preso e foragido durante estes quatro últimos anos, desde a
revolta de 1922, declara-se comunista e disposto a trabalhar de comum acordo
com o Partido. É homem moço (40 anos no máximo), culto, especialista em
assuntos financeiros e chegou ao comunismo – diz ele – através de estudos
sistemáticos da questão social, que fez durante os ócios forçados destes 4 anos.
Ele possui 5 linotipos e uma grande rotativa moderna e vai montar um diário da
tarde (‘A Nação’, que ele publicava antes da revolta). Para isso procurou-nos e
propôs-nos: a) organizar a redação de acordo e com elementos fornecidos pelo
P.C.; b) o diário não aparecerá como jornal comunista oficial, mas, embora de
propriedade e obediente à direção de seu proprietário, será um jornal
substancialmente comunista, politicamente controlado pelo P.C.; c) as oficinas
(talleres) ficarão à disposição do P.C., que nelas poderá fazer o seu órgão oficial,
como semanário ou diário da manhã. Nós não decidimos ainda nada em definitivo.
Estamos em negociações. Mas em princípio aceitamos as propostas feitas. Sem
ilusões que nos possam prejudicar, entendemos que este fato contribuirá em
grandíssima parte para resolver o nosso programa da imprensa. Temos, assim, a
possibilidade de publicar 2 diários: ‘A Classe Operária’, órgão oficial do P.C.B., pela
manhã, e ‘A Nação’, pela tarde, controlado pelo P.C. E teremos ainda as máquinas
para o resto! Converse sobre isto com [Andreu] Nin e Ercoli [Palmiro Togliatti] e
escreva-me a respeito. Brevemente enviaremos ao Comintern uma comunicação
oficial sobre o que tivermos decidido.”23

político do 2º Distrito” (cf. O Dr. Moura Nobre apóia os candidatos do Bloco Operário. A Nação. Rio
de Janeiro, 23/02/1927, p. 1.).
21
- Astrojildo Pereira. Formação do PCB, p. 75.
22
- Resposta a um fantoche-confusionista. A Nação. Rio de Janeiro, 12/02/1927, p. 1 e 6.
23
- Carta de Astrojildo Pereira a Caro Codo [Victorio Codovilla]. Rio de Janeiro, 02/09/1926,
p. 1-2 (RGASPI).
197

Foi basicamente este formato exposto por Astrojildo Pereira que acabou
sendo acordado, com apenas algumas formalidade legais: o título foi doado ao
PCB, bem como o “uso e gozo de suas máquinas e contratos, sem qualquer lucro
ou benefício individual sobre um capital avaliado em 700 contos de réis”, sendo
transformado em propriedade de uma “Sociedade Cooperativa Proletária
organizada pelo P.C.B.”24. Com o acordo selado, o breve lançamento de A Nação
foi tornado público, em 8 de novembro de 192625; dada a expectativa de que, tão
logo tomasse posse em 15 de novembro, o presidente Washington Luís
revogasse o decreto do estado de sítio. No entanto, o decreto vigorou até o final
do ano, não sendo mais renovado. Com isso, A Nação acabou saindo a público
somente em 1927.
Ao findar-se o estado de sítio, em 31 de dezembro de 1926, o PCB já tinha
articulada sua estrutura básica para participar das eleições no Distrito Federal
para escolha de seus deputados federais: um candidato com expressão eleitoral
própria disposto a apoiar a plataforma do Bloco Operário e um jornal diário para
levar seus pontos de vista a uma grande parcela da população carioca, muito
além da atingida até então pelo partido.
Assim, no dia 3 de janeiro de 1927 aparece o primeiro número de A Nação.
No cabeçalho, do lado esquerdo do título, havia o símbolo comunista da foice e
do martelo, ao qual era sobreposto o dístico do Manifesto Comunista, “Proletários
de todos os países, uni-vos!”, encimava-o um trecho do hino “A Internacional”,
“Não há direitos para o pobre, ao rico tudo é permitido” e do lado direito havia
uma frase de um expoente do socialismo internacional, como Marx, Lênin, Bebel
etc., que era diariamente renovada. Inicialmente publicado com seis páginas, que
foram reduzidas a quatro a partir de 16 de fevereiro, era, como não poderia deixar
de ser, um jornal predominantemente político, com artigos sobre questões locais,

24
- Presidium do PCB. “A Nação”, Leônidas de Rezende e o Partido Comunista do Brasil. A
Nação. Rio de Janeiro, 01/02/1927, p. 1.
25
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 23/07/1927, p. 2.259; Edgard Carone.
Classes sociais e movimento operário, p. 174.
198

regionais, nacionais ou internacionais. Ao movimento sindical era dedicada uma


página diária, sob o título “Movimento Sindical”, onde, além de artigos, manifestos
etc., eram publicados estatutos, pequenos comunicados, convocações para
reuniões etc. Mas A Nação também possuía algumas características próprias de
um diário, com seções dedicadas aos esportes e a bailes (que tinha o singular
nome de “Vai Quebrar”), bem como aos “fait-divers”. Seus principais redatores
eram Octavio Brandão, Paulo de Lacerda e Astrojildo Pereira. Leônidas de
Rezende também publicava seus artigos, geralmente editoriais, nos quais
apresentava seus heterodoxos pontos de vista sobre marxismo e positivismo, que,
apesar de duramente criticados por Brandão, acabavam sendo publicados pela
interferência apaziguadora de Pereira, aparentemente receoso de se indispor com
Rezende26.
No segundo número de A Nação a CCE publicava praticamente uma
declaração de apresentação do PCB à sociedade, coisa que pela primeira vez
tinha a oportunidade de fazer em sua história, emergindo de uma clandestinidade
de quase cinco anos e à qual retornará sete meses depois. Neste texto, diante do
que avaliava ser a volta da normalidade institucional, os comunistas colocavam a
questão da legalidade do PCB, ou seja, de sua institucionalização. Argumentavam
que nos países mais avançados e industrializados existiam partidos comunistas
legais, com jornais, editoras, escolas e assento nos legislativos de todos os graus,
e que no Brasil, apesar de ser um país predominantemente agrícola, mas que ia
“se tornando cada vez mais um país industrial”, também cabia a existência legal
de um partido comunista:

“Agora, acabado o estado de sítio, terminado o período da ilegalidade, o


Partido Comunista do Brasil, genuíno representante da vanguarda proletária do
Brasil, surge na arena da luta política legal e ingressa na atividade partidária do
país clamando por um lugar ao sol, em nome da classe operária, que
legitimamente representa. O proletariado brasileiro, a igual do proletariado dos
demais países do mundo, tem a sua própria palavra de classe a dizer no

26
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 331-333; John W. Foster
Dulles. Anarquistas e comunistas, p. 254-255. Ver também Leandro Konder. A derrota da dialética,
p. 152-154.
199

movimento político nacional. O P.C.B. é o órgão natural por onde se exprime esta
palavra de classe do proletariado. E esta palavra há de ser dita e ouvida.
Valha esta declaração como o intróito do que temos de dizer de agora em
diante.”27

Neste mesmo número, em matéria saída na página sindical, anunciava-se


para o dia seguinte a publicação de “sensacional documento, destinado a causar
profundo reboliço nos meios políticos nacionais e particularmente nesta Capital”.
Este documento, já naquele mesmo instante qualificado de histórico, era
apresentado como “um marco inicial na vida política da classe operária brasileira”.
Adiantava a matéria que se tratava de uma carta aberta do PCB a Maurício de
Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao Centro Político dos Operários
do Distrito Federal, ao Centro Político dos Choferes, ao Partido Unionista dos
Empregados no Comércio, ao Centro Político Proletário da Gávea e ao Centro
Político Proletário de Niterói e informava que A Nação colocaria suas páginas a
serviço da “campanha saneadora que o Bloco Operário sustentará em prol de seu
programa e de seus candidatos” 28.
No dia 5 de janeiro de 1927 a primeira página de A Nação trazia a Carta
Aberta29. Junto ao texto era publicada uma foto de Maurício de Lacerda.
A Carta Aberta iniciava-se com um exame da conjuntura política relativa às
eleições, afirmando que o “proletariado e as classes laboriosas em geral” de todo
o Brasil tem manifestado vivo interesse por elas, ocorrendo, pela primeira vez, a
possibilidade de sua intervenção direta e independente nesse processo.
Ressalvando as experiências de Santos, em 1925, e a de Joaquim Barboza, em
1926, o PCB afirma que “jamais o eleitorado operário do Brasil participou de uma
campanha eleitoral nacional como força própria, como classe independente,
apresentando um programa de reivindicações ditadas por seus interesses e
aspirações de classe”. Até então, os “operários eleitores” votavam em candidatos

27
- Comissão Central Executiva do P.C.B. Novo fator na política nacional. Uma declaração do
Partido Comunista do Brasil. O proletariado clama pela legalidade de seu partido de classe. A Nação.
Rio de Janeiro, 04/01/1927, p. 2.
28
- O proletariado intervirá nas próximas eleições federais. O Partido Comunista do Brasil
promove a formação de um Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 04/01/1927, p. 3.
29
- Ver a transcrição da Carta Aberta no Anexo VI.
200

da burguesia, de um lado, pressionados pelos patrões e, de outro, em razão da


sua desorganização partidária. Mas as coisas estariam mudando. Em primeiro
lugar, pelo fato de os comunistas julgarem que o proletariado brasileiro “já vai
adquirindo uma consciência de classe” que já se refletia e projetava no terreno
eleitoral. Esta “consciência de classe” lhe ditava a necessidade de votar em
“autênticos representantes seus ao parlamento nacional”. Neste ponto, operava-
se uma importante modificação com respeito às experiências eleitorais anteriores
dos comunistas, como resultado das transformações que vinham acontecendo
desde o II Congresso do PCB nas suas relações com a pequena burguesia. Não
se falava mais aqui em candidato operário genuíno e puro, como nas eleições
anteriores, mas sim em “candidatos que representam realmente seus interesses
de classe independente”, o que justificava a abertura de diálogo da Carta Aberta
com Maurício de Lacerda, Azevedo Lima e outros interlocutores a quem o
documento era dirigido, perfilando-se, assim, com as novas concepções dos
comunistas em relação com a pequena burguesia. E, em segundo lugar,
reiterando os argumentos da declaração lançada na véspera, outro sinal de
mudança era o fato de o proletariado ter percebido, como já existia em outros
países, que havia um partido comunista no Brasil, que era a sua vanguarda
consciente e defendia seus interesses e suas aspirações. Note-se que a
argumentação desenvolvida na abertura da Carta Aberta é muito semelhante à da
apresentação da plataforma da Coligação Operário de Santos, de 1925.
Era na condição de representante da classe operária que o PCB se dirigia
aos seus interlocutores, que representavam grupos de pessoas ou de entidades
que se apresentavam como defensores dos trabalhadores no campo político.
Havia basicamente três conjuntos de interlocutores.
O primeiro grupo era o das personalidades políticas, representadas por
Maurício de Lacerda e Azevedo Lima, os quais, para os comunistas, encarnavam
o tipo de político que até então se reivindicava como representante dos
trabalhadores (individualista, não partidário, ou revelando certas contradições
ideológicas).
201

O segundo grupo era o situado no campo do chamado reformismo, que os


comunistas acusavam, por sua ação, de criar confusão no campo operário e
acabava tendo uma prática de colaboração de classes, que agrupava o PSB, com
quem o PCB vinha mantendo uma dura polêmica desde sua criação, o Centro
Político dos Operários do Distrito Federal, o qual, recorde-se, teve sua sede
usada para lançar a candidatura de Luís de Oliveira em 1º de maio de 1925 e era
vinculado à corrente do “sindicalismo reformista”, o Centro Político dos Choferes e
o Partido Unionista dos Empregados no Comércio. Sobre estes dois últimos não
pudemos obter maiores informações, mas, pelo contexto em que são situados na
Carta Aberta e em A Nação, são claramente associados a este contingente.
E, por fim, o terceiro grupo, que era composto pelas entidades que tinham
proximidade ideológica com o PCB e, provavelmente, eram por este influenciadas:
o Centro Político Proletário de Niterói e o Centro Político Proletário da Gávea.
Este último, por exemplo, foi fundado em 01/05/1926, e criado com o intuito de
permitir a intervenção do proletariado na política, pois, para seus fundadores, a
postura de abstenção acabava beneficiando apenas aos “inimigos da classe
operária”. Ao intervir na política o proletariado abria caminho ao “exercício, por
conta própria, de seu poder de classe”. Seus fundadores ressalvavam, no
entanto, que tal intervenção de classe deveria se dar como força independente,
com programa próprio. Para isso, apresentaram um programa quase que idêntico
ao do Bloco Operário divulgado em 1925, ao qual se acrescentou o voto secreto e
obrigatório e extensivo às mulheres e o fim das intervenções policiais nas greves
de trabalhadores. Por isso, esta similaridade programática nos faz constatar que,
apesar de não termos encontrado nomes de integrantes do Centro Político
Proletário da Gávea, esta organização foi criada por militantes influenciados ou
do próprio PCB30.
A Carta Aberta dirige-se de modo específico a Azevedo Lima, a Maurício de
Lacerda e ao PSB. De modo geral os três receberam ataques, de intensidade
variada, reservando-se os mais fortes aos dois últimos. Ambos, por sua ação, são

30
- Centro Político Proletário da Gávea. 1º de Maio. Rio de Janeiro, 01/05/1926, p. 2.
202

criticados por servirem aos inimigos da classe operária e que, por isso, deles
desconfiava o PCB. Os comunistas afirmavam que a única maneira de mudar seu
ponto de vista a respeito de ambos seria o “compromisso de defender e submeter-
se à plataforma proletária do Bloco Operário”. Quanto a Azevedo Lima, que tinha
um eleitorado próprio, este era classificado como ideologicamente contraditório,
mas o PCB lhe propunha uma aliança “lógica”, pela proximidade de suas posições
e que traria vantagens mútuas. Aos demais os comunistas estendem o “convite”,
afirmando, no entanto, não saber como se posicionarão, com exceção do Centro
Político Proletário da Gávea e do Centro Político Proletário de Niterói, que,
acreditavam, iriam acabar aderindo por suas afinidades programáticas.
A estes interlocutores o PCB propunha a criação do Bloco Operário e
afirmava não pretender concorrer com candidatos próprios. O Bloco seria fundado
nos marcos de uma política de “frente única”, a qual tinha por objetivo unificar e
juntar os esforços de todos eles, em razão de sua “afinidade básica de
interesses”, para a disputa eleitoral. Este agrupamento teria como base as idéias
apresentadas na Carta Aberta e uma plataforma ali também exposta. Realizada a
frente única, pretendiam iniciar o que chamavam de “saneamento da política”:
combater “sem tréguas a política personalista, individualista e irresponsável dos
cabos eleitorais sem princípio, sem programa e sem finalidade” e garantir, assim,
o compromisso dos políticos com as massas.
O caráter dessa frente única, dessa coligação de grupos políticos e
indivíduos que tinham em comum determinadas idéias e sua defesa em nome das
massas, tinha características que a definiam e a delimitavam: ela era eleitoral e
parlamentar. A “tarefa” da revolução, na concepção de seu proponente,
permanecia na esfera do PCB. Ao Bloco Operário ficava o uso de certos
instrumentos, como a campanha e o alistamento de eleitores, e de um espaço, o
parlamento. No entanto, esta distinção nunca ficaria muito clara. No entanto,
neste primeiro momento ela tinha sua orientação mais especificamente voltada
para as eleições de fevereiro, pois o PCB, através de sua própria estrutura e da
propaganda e agitação levadas a cabo por meio das páginas de A Nação tinha
203

naquele instante um amplo espectro de ação e a atuação eleitoral era uma das
suas possibilidades de intervenção dos comunistas no panorama político do País.
Todos, ao final da Carta Aberta, receberam o prazo de uma semana para se
posicionar.
Quanto à plataforma em si ela foi, em linhas gerais, uma consolidação dos
programas apresentados pela Coligação Operária de Santos, pelo Bloco
Operário, em 1925, e o do PCB, apresentado para o 1º de maio de 1926. O
programa da Carta Aberta possuía um melhor detalhamento de palavras de ordem
anteriormente existentes. Como foi destacado durante a campanha, o programa
do Bloco Operário firmou um trabalho que refletia anos de experiência do
movimento dos trabalhadores:

“A plataforma do Bloco Operário codifica, em suas alianças, as soluções


imediatas dos mais graves e prementes problemas proletários, da atualidade
nacional e internacional.
Não se trata de um programa de circunstância, redigido com brilhaturas de
forma, transbordante de retórica insincera e lirismo demagógico, visando
unicamente os efeitos da propaganda eleitoral.
Não; é um trabalho resultante de velha experiência, de acurada meditação,
de interpretação realista do pensamento e do sentimento das massas laboriosas; é
trabalho essencialmente coletivo, discutido, debatido e esmiuçado, ponto por
ponto, em sucessivas assembléias da vanguarda consciente do proletariado.
É trabalho modesto de proletários, mas é sólido, profundo e sincero, porque é
construído com o esforço penoso e rude de anos inteiros de batalha sem
tréguas.”31

Na plataforma do Bloco Operário de 1927 há uma retomada da noção,


expressa no programa da Coligação Operária, de direitos políticos de classe; há,
no campo do exercício destes direitos uma ênfase no controle, por parte de seus
eleitores, dos mandatos dos eleitos pelo Bloco Operário; esta relação, por sua
vez, é transposta para outro nível: os eleitos pelo Bloco Operário seriam, por seu
turno, um “comitê de controle” sobre os políticos burgueses, como assinalado nos
programas de 1925; o programa de 1926 contribuiu aqui com a questão do
reconhecimento da URSS, do combate às leis de exceção e do antiimperialismo,
204

recuperando a reivindicação existente no programa santista da nacionalização de


empresas estrangeiras, porém, limitada, na plataforma de 1927, aos setores
estratégicos de estradas de ferro, minas e usinas de energia elétrica, bem como
da revisão dos contratos das concessões de serviços públicos executados por
empresas estrangeiras; o programa de 1925 do Bloco Operário tem recobrada
sua palavra de ordem de “só os ricos devem pagar impostos”.
A questão do voto secreto e obrigatório, tão cara à oposição ao Governo, é
colocada da mesma forma que no programa de 1926, acrescida da observação de
quais eram seus limites para os comunistas: ele não era uma “panacéia universal
capaz de curar todos os males da democracia, nem tampouco um fim em si
mesmo”, como a apresentavam de modo geral os demais setores de oposição ao
governo, mas sim um meio de ampliar a cidadania dos trabalhadores. Também é
mantida a proposta de direito de voto extensivo às mulheres32 e às praças de pré,
bem como aos operários estrangeiros com residência definitiva no País, que são
reivindicações sobre as quais os partidos de oposição, como o Partido
Democrático, preferiam silenciar, em razão de sua postura elitista de considerar o
povo sem preparo para o exercício da democracia33. Por isso, juntou-se a esta
reivindicação, a proposta, também já apresentada em 1926, de simplificação no
processo de alistamento eleitoral e, pela primeira vez, a substituição do sistema
de representação majoritário nos corpos eleitorais pelo proporcional, proposta
esta que, na opinião dos comunistas, teria como resultado a criação de
verdadeiros partidos políticos no Brasil, pois permitiria que correntes de opinião

31
- Nas vésperas do grande pleito. Porque os trabalhadores devem votar só nos candidatos do
Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 22/02/1927, p. 1.
32
- Na questão do voto feminino os comunistas destacavam que esta conquista seria inócua se
não viesse acompanhada da aquisição de uma consciência de classe. A propósito do 10º Congresso da
Aliança Internacional pelo Sufrágio das Mulheres, A Nação fez o seguinte comentário: “Seu
programa se reduz na verdade a esta reivindicação única: ‘O direito de sufrágio para as mulheres e a
igualdade dos sexos perante a lei’. É um programa pouco assustador, pouco perigoso, pois não atinge
propriamente a organização da atual sociedade: não toca nem nos privilégios dos grandes, nem na
miséria dos humildes. [...] O direito de voto, o reconhecimento dos direitos civis e políticos da mulher
não a libertará enquanto pesarem sobre ela, como sobre o conjunto da classe trabalhadora, a
exploração do capital e o domínio da burguesia” (A mulher em ação. O que o comunismo fará por
ela. A Nação. Rio de Janeiro, 05/01/1927, p. 5).
33
- Maria Lígia Coelho Prado. A democracia ilustrada (O Partido Democrático de São Paulo,
1926-1934), p. 35.
205

distintas dos partidos republicanos pudessem ter representação política nas


casas legislativas. É importante destacar esta última questão, pois ela se
contrapunha frontalmente com a prática situacionista, fundamentada em uma
alínea da Constituição de 1891, reproduzida, por sua vez, em todas as
constituições estaduais, que estabelecia como princípio constitucional da
República brasileira a existência de um “regime eleitoral que permita a
representação das minorias” (letra “h” da alínea II do artigo 6º da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil), mas que, na prática, não funcionava e
somente servia para os discursos dos “dias de festa” de exaltação liberal do
republicanismo brasileiro, pois a adoção do sistema majoritário, em combinação
com a sistemática de reconhecimento do resultado das eleições pelos próprios
parlamentares, tudo isso inserido no contexto da chamada “política dos
governadores”, impedia que isso efetivamente ocorresse.
Além disso, as questões referentes à chamada legislação social34 e ao
trabalho existentes nas plataformas anteriores são retomadas e mais bem
consolidadas e detalhadas, bem como as referentes à habitação e ao ensino e
educação. Dentro deste corpo vale a pena mencionar a reaparição da palavra de
ordem existente no programa da Coligação Operária, de “enérgica repressão ao
jogo e ao alcoolismo”. Recorde-se, quando da passagem de Astrojildo Pereira
pelo anarquismo, que no II Congresso da anarcossindicalista Confederação
Operária Brasileira, realizado em 1913, Pereira nele aprovara uma moção relativa

34
- Aqui vale a pena mencionar a reaparição da palavra de ordem existente no programa da
Coligação Operária, de “enérgica repressão ao jogo e ao alcoolismo”. Curiosamente, quando da
passagem de Astrojildo Pereira pelo anarquismo, no II Congresso da anarcossindicalista
Confederação Operária Brasileira, realizado em 1913, Pereira nele aprovara uma moção relativa ao
tema “Meios de extensificar e intensificar a propaganda contra o alcoolismo” (cf. A Voz do
Trabalhador. Rio de Janeiro, nº 39-40, 01/10/1913, p. 4). No único artigo encontrado em A Nação
com respeito a esta questão, em que, ao mesmo tempo se louva a proibição do álcool e afirma-se que a
burguesia americana proibiu o álcool para forçar o proletariado a gastar menos, para poder rebaixar
os salários, e para poder exigir-lhe mais trabalho, assevera-se que se deve deixar o álcool para melhor
combater a burguesia (Por que a burguesia americana instituiu a campanha contra o álcool?. A
Nação. Rio de Janeiro, 21/06/1927, p. 4). Essa postura moralista, sob outro ângulo, reaparece em A
Nação por ocasião do Carnaval, que é assim “politicamente” definido: “O carnaval é uma invenção
dos antigos exploradores para satisfazer com mais liberdade seus desejos libidinosos com as
conquistadas durante o ano e para ter ocasião de fazer novas vítimas com a ajuda dos líquidos e
206

ao tema “Meios de extensificar e intensificar a propaganda contra o alcoolismo”.


No único artigo encontrado em A Nação com respeito a esta questão, em que, ao
mesmo tempo se louva a proibição do álcool e afirma-se que a burguesia
americana proibiu o álcool para forçar o proletariado a gastar menos, para poder
rebaixar os salários, e para poder exigir-lhe mais trabalho, assevera-se que se
deve deixar o álcool para melhor combater a burguesia35. Essa postura
conservadora e moralista, sob outro ângulo, reaparece em A Nação por ocasião
do Carnaval, que é assim “politicamente” definido:

“O carnaval é uma invenção dos antigos exploradores para satisfazer com


mais liberdade seus desejos libidinosos com as conquistadas durante o ano e para
ter ocasião de fazer novas vítimas com a ajuda dos líquidos e tóxicos
embriagadores.”36

Com relação à questão da educação, convém salientar outra questão


conexa, aqui não abordada. Embora se encontrasse muitas vezes, por exemplo,
no que se refere à propaganda das idéias comunistas, a orientação para que os
militantes promovessem leituras coletivas de jornais, documentos, etc. para os
analfabetos, além de preocupações, manifestadas nas plataformas eleitorais com
a questão da educação fundamental, o que deixa implícita uma proposta de
solução para o problema do analfabetismo, não se vê transposta essa
preocupação para o campo político-eleitoral neste momento. Assim, é curioso
notar que a reivindicação do voto para o analfabeto, que somente seria inscrita no
texto constitucional de 1988, apenas integrou as plataformas apresentadas pelo
PCB na campanha para as eleições presidenciais de 1930, ao passo que o direito
de voto ao estrangeiro já fazia parte da plataforma do Bloco Operário em 1927, o
que mostrava uma visão, para dizer o mínimo, incompleta da extensão do direito
de cidadania aos trabalhadores.

tóxicos embriagadores” (Trabalhadores em geral, detestemos o Carnaval burguês! A Nação. Rio de


Janeiro, 14/02/1927, p. 3).
35
- Cf. A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, nº 39-40, 01/10/1913, p. 4; Por que a burguesia
americana instituiu a campanha contra o álcool?. A Nação. Rio de Janeiro, 21/06/1927, p. 4.
36
- Trabalhadores em geral, detestemos o Carnaval burguês! A Nação. Rio de Janeiro,
14/02/1927, p. 3.
207

Dos treze pontos em que o programa do Bloco Operário foi dividido, três
deles surgem aqui formulados pela primeira vez. O primeiro destes novos pontos,
a anistia aos presos políticos, que fundamentalmente se dirigia aos revoltosos de
1922 e 1924, já era então uma questão corrente na sociedade e que capitalizava
setores da pequena burguesia, aos quais o PCB pretendia aliar-se, como
resultado da política do seu II Congresso, e já se percebia, naquele momento, a
tendência de o governo Washington Luís manter-se leal ao governo anterior nesta
questão e não enfrentar as resistências do Exército à reintegração dos rebeldes.
Esta questão, aliás, era quase que diariamente abordada nas páginas de A
Nação. Já o segundo novo ponto, que tratava da questão específica da autonomia
do Distrito Federal, o qual tinha seu prefeito nomeado pelo presidente da
República e seus atos legais revisados pelo Senado federal, era uma questão
muita debatida e que possuía ampla adesão nos mesmos setores que levantavam
a questão da anistia. O próprio Azevedo Lima defendia publicamente a completa
autonomia do Distrito Federal frente ao governo federal e não será de todo ocioso
imaginar se a entrada deste ponto no programa do Bloco Operário não se deu por
influência direta do parlamentar37. Por fim o terceiro e último ponto era o que
tratava da questão da reforma monetária, pela qual o presidente Washington Luís
pretendia fazer da estabilidade cambial e de preços a principal medida econômica
de seu governo. Destaque-se que - além de ser inspirada em modelo francês -,
como usualmente ocorre nestes casos, teve efeitos perversos sobre a população
brasileira, especialmente encarecimento do custo de vida e redução de salários38,
o que, obviamente, não poderia deixar de se refletir em uma plataforma política.

37
- Veja-se, sobre este ponto, a entrevista de Azevedo Lima concedida ao jornal carioca A
Prensa, em sua edição de 27/10/1926 (cf. recorte existente no Arquivo de Astrojildo Pereira).
38
- “Em dezembro de 1926, foi decretada nova reforma monetária. Pretendia-se um retorno ao
padrão ouro, pelo qual a moeda em circulação seria conversível em ouro a 2000 miligramas por mil
réis. Para isso seriam utilizados o estoque de ouro disponível, saldos orçamentários, operações de
crédito, etc. Foi criado um novo fundo de estabilização cambial – a Caixa de Estabilização, que mais
tarde seria incorporada ao Banco do Brasil. Nela seria acumulado o estoque de ouro, o qual seria
comprado com emissões de suas próprias notas. [...] Estabeleceu-se, assim, uma taxa de 40 mil réis
por libra, o que causou forte reação negativa, por parte do comércio, que a chamou de ‘taxa vil’. A
contenção monetária e a estabilização cambial [...] foram complementadas por uma política de
equilíbrio orçamentário. [...] A Caixa de Estabilização foi bem sucedida no seu objetivo de causar
um impacto inicial através de pequena depreciação e subseqüente estabilização. Foi grande o influxo
208

Embora a publicação da foto de Lacerda ao lado da Carta Aberta pudesse


traduzir até uma expectativa de engajamento por parte de Maurício de Lacerda ao
Bloco Operário, o tom da carta se encarregaria de afastá-lo de vez da iniciativa do
PCB. Classificado, mais tarde, por um de seus prováveis autores, como um
documento sectário39, é muito difícil imaginar que a reação à leitura de Carta
Aberta por parte das pessoas e instituições a quem era dirigido não fosse de
estupefação. Embora seja relativamente freqüente no campo da ação política a
delimitação do terreno e da iniciativa, documentos como a Carta Aberta são
incomuns. Afinal, ser intimado a participar de uma ação comum e, ao mesmo
tempo, atacado não era algo passível de provocar reações positivas. Na verdade,
como vimos, todo o cenário, as definições e as dimensões em que se daria a
campanha do Bloco Operário já haviam sido previamente definidos, mesmo a
questão anunciada de o PCB não pretender concorrer com candidatos próprios,
sabe-se que ele o faria. A questão aqui era, a partir das reações suscitadas,
silêncio ou repulsa - porque a adesão já estava predeterminada -, reiterar o que
se afirmava na carta aberta: traidores, reformistas, agentes da burguesia etc. A
esse respeito, a propósito da maneira pela qual se aplicou a política de frente
única por parte dos comunistas brasileiros, refletindo, como havíamos visto mais
acima, os impasses que esta tática provocou em sua aplicação no movimento
comunista internacional, é interessante expor as judiciosas considerações feitas
por Munakata:

de divisas atraído até a crise no setor cafeeiro em 1929 [...]. Em 1929, com a política de procurar
manter a estabilidade cambial durante a crise do café, o País terminou perdendo suas reservas de ouro
e divisas com as saídas de capital.” (Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan. Política do governo
e crescimento da economia brasileira,1889-1945, p. 136-137.) Ver também Edgard Carone. A
República Velha - 1.Instituições e classes sociais, p. 128-129. Segundo artigo publicado em A Nação,
em sua edição de 07/01/1927, os gêneros de primeira necessidade, logo após a aprovação da reforma
no Congresso Nacional, subiram mais de cem por cento (Cf. o artigo assinado por Um Grupo de
Operários e Empregados Públicos: O projeto de estabilização e os operários e empregados públicos, p.
3). Ver também carta, datada de 25/06/1928, de Roberto Morena, em nome da Federação Sindical
Regional do Rio de Janeiro, ao deputado Azevedo Lima. Diário do Congresso Nacional. Rio de
Janeiro, 27/06/1928, p. 959-960.
39
- Astrojildo Pereira. Formação do PCB, p. 100.
209

“A proposta da frente única serve, no ato mesmo da proposição, [para]


‘desmascarar’ os não aderentes como traidores do proletariado. É por isso que ela
é apresentada como algo ‘natural’, necessário, que obedece à ‘lógica econômica e
social’: só os traidores do proletariado podem recusar esta lógica. E é neste
contexto que se tornam inteligíveis as denúncias que os comunistas
invariavelmente endereçam aos anarquistas, no mesmo momento em que os
convida para aderirem à frente única. Pois, na realidade, em momento algum é
cogitada a adesão desses adversários: quando se lhes propõe a frente é apenas
para ‘demonstrar’ que a recusa de algo tão óbvio como a necessidade de unificar
as forças só pode significar traição.”40

Ao mesmo tempo em que construía o Bloco Operário no Distrito Federal, a


direção do PCB planejou nacionalizá-lo e impulsionar candidaturas em outros
Estados, mas sem nenhum sucesso. Houve praticamente unanimidade nas
respostas negativas dos diversos centros regionais comunistas ao pedido da CCE
para lançamento do Bloco Operário e de candidatos, nos mesmos moldes em que
ocorrera no Distrito Federal, vinculando-se tais recusas, sobretudo, à fraqueza da
implantação das seções regionais comunistas, em combinação com a
proximidade do pleito.
Assim aconteceu em Juiz de Fora, em Minas Gerais, onde a resposta foi a
de que não existiam pessoas em condições para candidatar-se a deputado, seja
pela falta de “consciência proletária”, seja por sua condição de pequeno-
burgueses. Além disso, havia poucos operários alistados. E completava-se: “Os
outros são pouco menos de que analfabetos, como o são quase todos os
mineiros”41.
O quadro em São Paulo, por sua vez, também era desalentador:

”Nada te posso dizer ainda sobre o B[loco]. O[perário]. Estamos agitando a


formação da S[ociedade]. Amigos da R[ússia]. Aqui há muito descaso, grande
indiferença e muita [ilegível] anárquica a entulhar o caminho... Veremos o que se
pode fazer.”42

40
- Kazumi Munakata. Algumas cenas brasileiras, p. 74-75. Para um exame mais detalhado e
interessante da estrutura argumentativa da Carta Aberta veja-se, também em Munakata, às páginas
106-118.
41
- Carta de José Marcílio a Astrojildo Pereira. Juiz de Fora, 12/01/1927 (ASMOB).
210

Algum tempo depois o jornalista Everardo Dias afirmava não haver mais
tempo para o lançamento de uma candidatura e julgava melhor preparar-se para
futuras eleições, pois naquele momento seria uma temeridade que poderia levar o
PCB ao ridículo43. Na cidade de Santos, os comunistas locais também tomaram
uma resolução de não apresentar candidaturas44.
Já em Recife, os comunistas decidiram fundar o Bloco Operário, mas não
lançar candidaturas, pois estas seriam um fiasco: “Não estamos preparados, nem
mesmo para a derrota”. Eles se propuseram a fazer reuniões de formação do
Bloco Operário, usando a idéia da frente única, com todas as organizações. Além
disso, surpreendentemente, ressaltaram uma grande dificuldade que havia entre
os comunistas de Pernambuco:

“Na mesma sessão eu tratei um ponto que deve, forçosamente, também


interessar a v.v. Inexistência de uma literatura (em folhetos), fazendo a propaganda
da intervenção proletária nas eleições, como meio de propaganda (e talvez seja
bom acrescentar-se defesa). Nós sofremos a tradição anarquista – contra essas
intervenções. Há ainda o indiferentismo, oriundo da falência do voto. Este,
atacando mais os pequenos burgueses. É necessário que alguém no P[artido].
trate esta questão em 20 ou 30 páginas. Isto seria meio caminho andado para a
propaganda.”45

Dias depois, efetivamente, fundaram o Bloco Operário e, talvez como


resultado da insistência da CCE, chegaram a apresentar um candidato a
deputado federal, mas logo depois retiraram a candidatura com temor da
repressão e, mais uma vez, de passar ridículo. Assim, concluíam, “melhor parecer
uma força oculta que uma fraqueza declarada”46.
No caso da Bahia, apesar de uma certa voluntariosidade manifestada pelos
comunistas locais, não se julgava possível apresentar o programa do Bloco
Operário: “Para não entornar o caldo, é preciso que apresentemos aquilo pela 3ª

42
- Carta de Everardo [Dias] a Meu caro Gildo [Astrojildo Pereira]. São Paulo, 16/01/1927
(ASMOB).
43
- Carta de Everardo a Gildo. São Paulo, 27/01/1927 (ASMOB).
44
- Carta de Hygino Alonso Delgado a Camaradas da C.C.E. Santos, 01/02/1927 (ASMOB).
45
- Carta de Souza Barros a C. Astrojildo. Recife, 20/01/1927 (ASMOB).
46
- Carta de Souza Barros a Cam. Astper [Astrojildo Pereira]. S.l., s.d. (ASMOB) .
211

ou 4ª parte”. Dias depois, todavia, acabaram lançando a candidatura de Alberto


Campos a deputado federal, fazendo-o, no entanto, pela legenda do Partido
Liberal Eleitoral, depois Partido Popular da Bahia, fundado por um militante
comunista. Este partido, “reservadamente ligado ao PCB”, tinha um “programa
água-morna, muito tato e tática, pois infelizmente o povo baiano não se mostra
apenas ultraconservador, mas mesmo retrógrado e decadente...”. Assim,
participavam das eleições sem esperança de resultados positivos pelo pouco
tempo de campanha, pela falta de eleitores alistados e de recursos materiais 47.
Em Sertãozinho, no interior do Estado de São Paulo, ocorreu o que
poderíamos classificar como a única iniciativa relevante, obviamente em escala
bem mais diminuta que a do Bloco Operário do Distrito Federal, de constituição
de uma frente única para as eleições de 1927. Os militantes do PCB constituíram
o Partido Operário de Sertãozinho e lançaram três candidatos a deputado federal
(o farmacêutico Henrique Aguiar e Lauro de Castro e Sigismundo Sandoval,
ambos barbeiros) e um a senador (o médico Antônio Farlan), que acabaram tendo
uma votação conjunta de mais de 100 votos, que, no entanto, se viram
“depurados” e reduzidos a 35 sufrágios. Tal iniciativa foi a única a ter sido
apresentada no bojo do processo de avaliação dos resultados obtidos nas
eleições cariocas, recebendo elogios que, ao mesmo tempo, serviram como
censura aos agrupamentos comunistas que mais acima citamos:

“Certo, os camaradas de Sertãozinho não podiam contar com a vitória. Mas


podiam contar – e não se enganaram – com a forte impressão que semelhante
atitude independente causaria no seio da massa trabalhadora e bem assim no
meio da politicagem burguesa.”48

Afora Sertãozinho, a participação dos comunistas nas eleições de 24 de


fevereiro de 1927 acabou resumindo-se ao Bloco Operário do Distrito Federal.

47
- Carta de Alberto a Cam. O. Brandão. S. l., 17/01/1927 (ASMOB). Carta de João Borges a
Prezados camaradas da C.C.E. Bahia, 06/02/1927 (ASMOB). Carta de Alberto Campos a Astrojildo.
Bahia, 14/02/1927 (ASMOB).
48
- Como a campanha do Bloco Operário repercutiu no Estados. A vanguarda proletária de
Sertãozinho concorreu ao pleito de 24 de fevereiro com 4 candidatos. A Nação. Rio de Janeiro,
09/03/1927, p. 2.
212

PRIMEIROS MOVIMENTOS

Passado o prazo estipulado na Carta Aberta, apenas três dos seus


interlocutores responderam positivamente, como já era esperado. O primeiro a
fazê-lo foi Azevedo Lima, por meio de uma carta datada de 6 de janeiro, na qual
dizia que, como vimos acima, desde 1924 vinha adotando, em sua conduta
parlamentar, “conceitos marxistas”. No entanto, ele como que se desculpa por se
ter deixado arrastar muitas vezes, no “ardor das refregas parlamentares”, “ao
programa do liberalismo moderno”. Aliás, a respeito do “liberalismo moderno”
Azevedo Lima talvez tivesse dúvidas sobre se esta corrente era mesmo tão
condenável, pois em sua carta de adesão deixou uma interrogação aos
comunistas: se o programa do “liberalismo moderno” não conteria grande parte
das reivindicações apresentadas na Carta Aberta. Mas, naquele momento,
garantia Azevedo Lima, “as sonoridades declamatórias da burguesia
conservadora e dos democratas socialistas” não mais o iludiam. Por isso, a partir
daquele instante colocava sua “colaboração parlamentar com o proletariado
nacional” e, solenemente, punha-se de acordo com o programa apresentado na
Carta Aberta:

“Aceito-o, pois. Prometo aos trabalhadores do Brasil, se for reeleito, sustentá-


lo ou defendê-lo, sem prejuízo de levar-lhe, porventura, aditamentos ou
acréscimos, que lhe não desvirtuem a substância.”49

Um parêntese aqui: é importante dizer que a adesão de Azevedo Lima ao


Bloco Operário teve alguma oposição dentro das fileiras comunistas. Embora não
tivesse sido relevante a ponto de ter expressão pública, esta servia, no entanto,

49
- O Bloco Operário triunfará!. A Nação. Rio de Janeiro, 07/01/1927, p. 2. No próprio dia 6
de janeiro A Nação, um jornal vespertino, anunciava a existência da carta, cf. A intervenção
proletária nas próximas eleições. Causou sensação a plataforma do Bloco Operário. Publicaremos
amanhã declarações de Azevedo Lima respondendo à Carta aberta da P.C.B. A Nação. Rio de
Janeiro, 06/01/1927, p. 3.
213

para indicar resistências internas à proposta de aliança com a pequena


burguesia, e que, mais adiante, terão repercussões concretas. Foi o que relatou o
então militante da Juventude Comunista, Hilcar Leite:

“Mas o próprio Azevedo Lima foi um tanto imposto, porque o pessoal de base
não o queria, queria candidatos operários típicos. O Azevedo Lima já representava,
como dizia o Octavio Brandão, o início da aliança do proletariado com a pequena-
burguesia, a caminho da aliança com a burguesia nacional.”50

Na noite do dia 7 de janeiro, Azevedo Lima estava presente em uma


assembléia do Centro Político Proletário da Gávea, que tinha como ordem do dia
a discussão da Carta Aberta. Ao final da assembléia foi unanimemente aprovada
uma moção de adesão ao Bloco Operário e a reunião encerrou-se com vivas ao
Bloco Operário, ao Partido Comunista e à III Internacional51.
No dia 11 de janeiro foi a vez do Centro Político Proletário de Niterói. A sua
Comissão Organizadora enviou um comunicado informando que estavam
preparando uma assembléia dos seus aderentes para “resolver em definitivo” a
questão do Bloco Operário. Mas, de antemão, a Comissão Organizadora já
hipotecava seu apoio à campanha lançada pelo PCB. No dia 16, realizou-se a
assembléia, que ratificou a adesão ao Bloco Operário52.
Ao final do “prazo”, A Nação, além de informar quem respondeu
afirmativamente ao apelo da Carta Aberta, noticiou o silêncio de Maurício de
Lacerda e a recusa do trabalho em comum por parte do PSB53, e assim se referiu
aos demais interlocutores:

“A Carta aberta do P.C.B. dirigia-se também ao Centro Político dos Operários


do Distrito Federal, ao Centro Político dos Choferes, ao Partido Unionista dos
Empregados no Comércio. Nada disso tem existência real. O primeiro, chefiado
pelo intendente-policial Luiz de Oliveira, extinguiu-se órfão da mão de Fontoura,
50
- Ângela de Castro Gomes (Org.). Velhos militantes, depoimentos, p. 161.
51
- O Bloco Operário marcha para a vitória! A Nação. Rio de Janeiro, 01/01/1927, p. 3.
52
- O Bloco Operário inaugura um novo período na política nacional. A Nação. Rio de
Janeiro, 12/01/1927, p. 3. A moção de apoio do C.P.P. de Niterói. A Nação. Rio de Janeiro,
18/01/1927, p. 3.
53
- Quem não está com o Bloco Operário está contra o proletariado. A Nação. Rio de Janeiro,
13/01/1927, p. 1.
214

que o apadrinhava e sustentava. O segundo foi tentativa gorada. O último é projeto


falido, rebento que é de um vergonhoso colaboracionismo com os patrões.
Eis aí. A Carta aberta foi uma vassourada que mandou para a sapucaia todo
esse lixo miúdo.”54

No caso do PSB, a resposta à Carta Aberta foi dada por meio de


declarações concedidas à imprensa pelo secretário geral do partido, o jornalista
Francisco Alexandre. Este, dizia-se, ao mesmo tempo, surpreendido pela Carta
Aberta e pelo fato de não terem havido “as indispensáveis negociações
preliminares”. Sobre este último ponto, como vimos, tais negociações existiram,
mas não com o PSB, e só vieram a público em fins de janeiro, durante a
campanha eleitoral. Aqui se revela a falta de experiência política do secretário
geral do PSB. Na pressa de dar uma resposta qualquer e atacar o PCB, o
socialista acabou tendo de ouvir uma indevida lição, e que acabou criando um
desgaste desnecessário ao seu partido:

“Os dirigentes do P.S.B. desejariam primeiro tramar as coisas por trás dos
bastidores, fazendo diplomacia barata, marchas e contramarchas, à revelia das
massas, isto é, dos interessados. Mas isto, precisamente, é o que nós não
queremos – e o dizemos na carta aberta. A política proletária tem de ser, por sua
própria natureza, uma política ‘feita de verdade, nitidez e firmeza’, política feita à
luz do sol, sem rebuços nem dissimulações. O contrário da política burguesa e...
social-reformista.”55

Dias depois, para não deixar possíveis arestas em seu discurso, os


comunistas retomaram a questão e afirmaram que as “negociações preliminares”
eram perfeitamente dispensáveis, pois os comunistas batiam-se “por princípios e
não por pessoas, por programas e não por arranjos, por uma política responsável
e não por uma política demagógica”56. Com isso, colocou-se o argumento,
ardiloso, de que, como os socialistas estariam defendendo pessoas, arranjos e
uma política demagógica, os comunistas estavam dispensados de tê-los
consultado preliminarmente sobre o lançamento do Bloco Operário, ao mesmo

54
- O Bloco Operário contra os blocos burgueses. A Nação. Rio de Janeiro, 14/01/1927, p. 3.
55
- O Bloco Operário ganha terreno entre as massas. A Nação. Rio de Janeiro, 08/01/1927, p.
1.
215

tempo em que deixavam justificadas as tratativas por eles feitas, em razão de


terem se dado no terreno dos princípios, dos programas e da política responsável.
Francisco Alexandre também afirmou que os socialistas não iriam se sentir
bem na companhia dos “filiados a Moscou”. Além disso, declarou que a
plataforma do Bloco Operário estava “muito aquém” do programa mínimo do PSB,
dando como exemplo a questão do voto secreto, à qual os socialistas opunham a
representação por classes no parlamento.
A ingenuidade e a precipitação do dirigente do PSB levou-o à armadilha
criada pelo PCB para “demonstrar” o caráter traidor dos socialistas, dando aos
comunistas farta munição para criticá-los. Embora não fosse uma resposta formal
por parte dos socialistas, os comunistas assim a entenderam. O PCB afirmava
que não era necessário ser comunista ou socialista para aceitar a plataforma do
Bloco Operário, bastando para tal ser apenas “proletário, trabalhador, homem
pobre ou amigo da classe operária”. Daí a conclusão:

“E todo aquele que se negar a aceitá-la e a apoiá-la deve ser considerado um


inimigo da classe operária, esconda-se sob qualquer máscara que seja, apegue-se
a qualquer pretexto que seja.
É o que está acontecendo com os chefes do P.S.B.”57

Ao longo da campanha o uso desse tipo de raciocínio contra o PSB se


repetiu à exaustão, trazendo como resultados imediatos para o Bloco Operário e o
PCB o desligamento de militantes das fileiras socialistas e o seu conseqüente
ingresso nas hostes comunistas ou nas do Bloco. Muitas destas rupturas serão
feitas por meio de cartas divulgadas pelas páginas de A Nação58.
Quanto a Maurício de Lacerda, houve, de início, uma reação inicial por parte
de A Nação com uma certa ambigüidade: ao mesmo tempo em que se apontavam

56
- O Bloco Operário tem o apoio das massas. A Nação. Rio de Janeiro, 11/01/1927, p. 3.
57
- O Bloco Operário ganha terreno entre as massas. A Nação. Rio de Janeiro, 08/01/1927, p.
2.
58
- Citemos algumas: As declarações de Danton Jobim. A Nação. Rio de Janeiro,
13/01/11927, p. 1 e 4; Os chefes do P.S.B. repudiados e abandonados pelos trabalhadores sinceros
[carta do gráfico Francisco José de Oliveira]. A Nação. Rio de Janeiro, 10/01/1927, p. 2; Outro
216

de modo incisivo, mais uma vez, as contradições nas atitudes que Lacerda vinha
tomando após sua libertação, fazia-se ainda um apelo a que apoiasse o Bloco
Operário, sendo isto feito por meio de um texto assinado por seus irmãos
Fernando e Paulo. No entanto, tal procedimento não durou um dia sequer. A carta
de seus irmãos, que acabou restando como documento de uma vã tentativa, fora
redigida antes de uma atitude tomada por Maurício de Lacerda que modificou
definitivamente a situação. No dia seguinte ao anúncio da segunda candidatura
do Bloco Operário, Lacerda lançou, através de um manifesto, sob a forma de
entrevista, o nome de Luiz Carlos Prestes como candidato pelo 1º Distrito, o que
foi interpretado pelos comunistas como uma explícita tentativa de jogar Prestes
contra o candidato do Bloco e retirar os votos deste59. A partir de então,
desenrolou-se uma virulenta disputa entre os comunistas e Maurício de Lacerda
durante toda a campanha eleitoral, chegando a confronto físico, além da
publicação de outras cartas de seus irmãos, numa desconfortável situação em
que o público e o privado perdiam seus limites60.

membro do P.S.B. que adere ao Bloco Operário [sobre o operário Balthazar Mendonça]. A Nação. Rio
de Janeiro, 28/01/1927, p. 6.
59
- Fernando Paiva de Lacerda e Paulo Paiva de Lacerda. Pelo Bloco Operário contra os
mistificadores.: Um enérgico apelo dos irmãos de Maurício de Lacerda. A Nação. Rio de Janeiro,
18/01/1927, p. 2-3; Da “Coluna” à “Comuna” é uma questão de passo. A Nação. Rio de Janeiro,
18/01/1927, p. 1. Fackel. A política da pequena burguesia confusionista. O proletariado não deve
iludi-se com essa política!. Rio de Janeiro, 12/01/1928.
60
- Fernando Paiva de Lacerda. Maurício de Lacerda e o operariado e pequeno funcionalismo
municipal. A Nação. Rio de Janeiro, 27/01/1927, p. 2; Fernando Paiva de Lacerda. Carta aberta a
Maurício de Lacerda. A Nação. Rio de Janeiro, 21/02/1927, p. 2; Paulo Lacerda. Um paralelo,
Maurício. A Nação. Rio de Janeiro, 16/02/1927, p. 2. Ver também a série “Bilhetes a Maurício de
Lacerda”, assinada por Paulo Lacerda (25/01/1927, p. 2; 29/01/1927, p. 2; 10/02/1927, p. 2).
217

João da Costa Pimenta.


(A Nação. ASMOB)

Assim, definidos os integrantes do Bloco Operário (o PCB, o CPP da Gávea,


o CPP de Niterói e, individualmente, Azevedo Lima), este anunciou no dia 16 de
janeiro a candidatura que apresentaria no 1º Distrito, já que Azevedo Lima se
candidataria pelo 2º Distrito, onde ficava seu reduto eleitoral, São Cristóvão. A
escolha recaiu sobre o nome do gráfico João da Costa Pimenta61.

COMEÇA A CAMPANHA

61
- A Direção do Bloco Operário. Os candidatos do Bloco Operário nesta Capital. A Nação.
Rio de Janeiro, 16/01/1927, p. 3. João Jorge da Costa Pimenta, nasceu em 1890, em Campos, Estado
do Rio de Janeiro, onde cursou a escola primária, terminando seus estudos no Liceu de Artes e
Ofícios, no Rio de Janeiro. Não chegou a cursar o ginásio. Começou a trabalhar em um escritório de
advocacia, depois exercendo as profissões de garçom, pintor de carros, jornalista e gráfico. Por sua
atividade sindical no Centro Cosmopolita, quando chegou a representá-lo no 2º Congresso Operário
do Brasil, de 1913, acabou perseguido pela polícia, mudando-se, em 1918, para São Paulo, onde
trabalhou como gráfico e foi um dos fundadores da União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo,
sendo, por esta entidade, delegado ao 3º Congresso Operário do Brasil, em 1920. Chegou a ser
secretário da Federação Operária de São Paulo, de orientação anarcossindicalista. Após a Revolução
Russa aproximou-se do comunismo, sendo um dos fundadores do PCB. Em 1924 voltou ao Rio de
Janeiro, onde também participou da fundação da União dos Trabalhadores Gráficos do Rio de Janeiro,
sendo, na época do lançamento de sua candidatura, seu secretário geral (Quem são os candidatos do
Bloco Operário. João Jorge da Costa Pimenta, 47 anos de luta. A Nação. Rio de Janeiro, 25/01/1927,
p. 2; Os candidatos do Bloco Operário. A vida heróica de João da Costa Pimenta. A Nação. Rio de
Janeiro, 28/01/1927, p. 4.).
218

Com a definição dos nomes de João da Costa Pimenta e Azevedo Lima, o


Bloco Operário iniciou sua campanha eleitoral efetivamente.
Na operacionalização da campanha, todavia, já era patente um grande
desnível, em termos de experiência, entre as forças que compunham o Bloco
Operário. Um exemplo dessa diferença pôde ser apreendido quando do momento
de constituição das mesas eleitorais. Estas tinham um papel importante na
eleição, dirigindo os trabalhos desde a abertura das seções eleitorais até o seu
encerramento, apuração, confecção dos boletins e redação das atas dos
trabalhos eleitorais. Presididas, no Distrito Federal, por autoridades do Poder
Judiciário, secretariadas pelo escrivão da autoridade judiciária que presidia a
mesa, tinham como mesários duas pessoas indicadas em ofício por eleitores da
respectiva seção e designadas pelo juiz federal da 2ª vara62. Isto significava, em
termos práticos, um loteamento das seções por parte dos candidatos, pois tendo
estes um forte alistamento em determinado lugar significava poderem indicar, ao
menos, os mesários. Além disso, estas mesas também acabaram servindo para
as eleições para intendentes do Distrito Federal, de 1928. Como o alistamento de
eleitores se encerrava 60 dias antes da eleição e o período final deste prazo
decorrera sob estado de sítio, quando o Bloco Operário foi apresentado e criado
não havia mais condições de interferência nesta questão, ao menos para os
comunistas, pois, como sabemos, Azevedo Lima, desde fins da década de 1910,
possuía um forte trabalho nas seções de São Cristóvão. Assim, quando o juiz da
2ª vara federal formou as mesas eleitorais já se tinha um mapa das seções e dos
candidatos que nelas detinham influência, inclusive Azevedo Lima, em São
Cristóvão, mas a Pimenta nada coube neste processo no 1º Distrito, lugar aonde
um candidato chegou a fazer 36 mesas63.
Além da inexperiência, os comunistas vinham de um período de
clandestinidade e a constituição do Bloco Operário foi decidida sob estado de

62
- Artigos 16 a 21 do Decreto federal nº 14.631, de 19/02/1921.
63
- Política Burguesa. As mesas eleitorais. A Nação. Rio de Janeiro, 26/01/1927, p. 6. Dias
depois, o diário comunista denunciou a ocorrência de fraudes no processo de formação das mesas (Cf.
A avacalhação política do Distrito. Dizem que para a formação das mesas eleitorais houve indicações
falsas em quantidade. A Nação. Rio de Janeiro, 10/02/1928, p. 6.).
219

sítio e pouco antes do encerramento do prazo de alistamento, mas o fato é que


estas e outras práticas do viciado processo eleitoral da República Velha tinham
como conseqüência garantir a eleição dos candidatos apoiados pelas oligarquias
políticas do País e este era um espaço que, no jogo político, precisava também
ser disputado. Como não pudera estabelecê-las de antemão, a candidatura
comunista começara a campanha em desvantagem, pois, sempre é importante
recordar, votar não era um ato compulsório e boa parte do eleitorado acabara se
alistando por influência de outros segmentos políticos.
Todavia, o Bloco Operário tinha a seu favor uma conjuntura política menos
tensa, em razão da suspensão do estado de sítio, e, sobretudo, o fato de ser uma
novidade no cenário político. Ele trazia a este novas e inexploradas questões, até
então restritas ao mundo do trabalho, em boa parte sintetizadas na sua
plataforma, e que, desse modo, ganhavam foro de cidadania, pois levavam a
concretude da vida de parcelas significativas do eleitorado ao centro da disputa
política e faziam um contrapeso às questões genéricas e imateriais, como
honestidade, caráter etc., que então se colocavam em campanhas eleitorais.
Embora o Bloco Operário tenha sido criado pelo PCB como uma frente
eleitoral, é importante destacar que ele abrangia, sob a política de frente única,
um universo de militância e adesão muito maior que o do partido, comprovando
isto tanto os resultados eleitorais como os comitês “Pró-Bloco” que se criaram e
que se expandiriam mais adiante, bem como a audiência aos eventos promovidos
pelo Bloco, todos estes quesitos com freqüência muito superior aos números de
filiação partidária. O Bloco Operário surgiu, como destacamos, dentro de um
momento da vida do PCB em que este buscava a adesão da pequena burguesia
urbana, o que necessariamente lhe dava um caráter mais amplo que o partido e
um programa mais fluido, fato que, evidentemente, propiciava o surgimento das
contradições entre uma orientação política estritamente comunista e a atuação de
uma frente eleitoral. Isto, de certo modo, esteve entre os pontos que
determinaram a dissolução do Bloco Operário por imposição da IC.
220

O PAPEL DE A NAÇÃO

A reversão da inferioridade inicial que o Bloco Operário possuía em relação


ao andamento do processo eleitoral teria de ser feita por meio da intensificação
da propaganda de massa, aqui compreendidas tanto as formas de interação
direta, como palestras, comícios, festas, como indireta, por meio de A Nação,
panfletos, cartazes etc. Nisso, o diário comunista tinha um peso significativo, pois
por seu intermédio o Bloco Operário podia atingir um público muito mais amplo do
que aquele que participava de atos públicos. Também o PCB beneficiava-se pela
aquisição de novos militantes, que a ele aderiam pela publicidade dada às idéias
e às práticas dos comunistas expostas nas páginas do jornal. Assim, o incentivo
que o jornal dava aos seus leitores para que relatassem - de maneira direta ou
aos seus redatores - suas condições de vida tinha como resultado a produção de
matérias e reportagens, que, por sua vez, subsidiavam a intervenção dos
candidatos e apoiadores do Bloco Operário, ou vice-versa, quando realizavam
comícios nos bairros e fábricas64.
A campanha levada a efeito pelas páginas de A Nação era dirigida
fundamentalmente ao proletariado e à pequena burguesia e buscava
essencialmente, de um lado, qualificar o Bloco Operário como “o” representante
do proletariado carioca no processo eleitoral e, de outro, desclassificar aqueles
candidatos que diziam possuir a habilitação que o Bloco reivindicava
exclusivamente a si e deixar claro quem eram e que interesses defendiam os
demais candidatos.
O modo pelo qual A Nação procurava estabelecer vínculos e ser a
expressão da pequena burguesia era, sobretudo, por meio da publicação de um
grande número de matérias referentes ao movimento “tenentista” e à questão

64
- Veja-se, por exemplo, que a publicação de uma matéria sobre as oficinas ferroviárias do
Engenho de Dentro (Na Bastilha de Engenho de Dentro. A Nação. Rio de Janeiro, 16/02/1927, p. 1-
2) foi publicada no dois dias depois de um comício ali realizado. No sentido oposto pode-se ver o caso
da matéria sobre a fábrica de tecidos Corcovado, publicada na edição de 27 de janeiro, enquanto o
comício aconteceu no dia 11 de fevereiro.
221

militar. Já com relação ao proletariado havia uma maior amplitude de objetos e


formas, desde matérias sobre as condições de trabalho e de vida da classe
trabalhadora, que expunham de forma cotidiana e prática vários pontos da
plataforma do Bloco Operário - como a questão da habitação, da reforma
monetária e da carestia, da penetração imperialista no Brasil, da anistia, das leis
de exceção e da legislação social, em particular da aplicação da lei de férias -,
passando por textos referentes à União Soviética – que remetiam, portanto, à
questão de um possível futuro da classe trabalhadora brasileira –, ao esporte e ao
lazer, até textos sobre o movimento sindical, concentrados na página sindical,
expressando suas lutas, propostas e reivindicações. E isto se dava com um
volume de informação específica relativa ao mundo do trabalho que não tinha
paralelo com qualquer outro periódico carioca.
A publicação de artigos tratando especificamente de pontos do programa do
Bloco Operário foi escassa, pois parecia que se julgava mais importante e mais
didático fazer o leitor chegar aos temas do programa por meio de textos
jornalísticos que expunham situações concretas e cotidianas65.
Já com relação à questão da delimitação, nos meios que se reivindicavam
dos trabalhadores, de quem efetivamente “representava” os trabalhadores, A
Nação dirigiu muito de sua energia fundamentalmente contra um alvo: Maurício
de Lacerda. Durante a campanha eram praticamente cotidianas as matérias
atacando-o como traidor do proletariado e tratando-o por pequeno burguês
reacionário e aliado da burguesia66. Todas suas manifestações e atitudes eram
analisadas e interpretadas à luz dessas qualificações. Tal disputa chegou, como
vimos, ao campo da vida privada, envolvendo os irmãos Lacerda em uma

65
- Com respeito a ponto do programa do Bloco Operário especificamente enfocado enquanto
tal veja-se O programa do Bloco Operário. Política independente de classe. A Nação. Rio de Janeiro,
17/02/1927, p. 3 e também O programa do Bloco Operário. Luta sem tréguas contra o imperialismo.
A Nação. Rio de Janeiro, 18/02/1927, p. 4. Sobre ponto do programa do Bloco Operário que recebeu
um tratamento jornalístico, citemos, entre muitos, o texto, acompanhado de fotos, “Comparai!... Onde
se refestela Epitácio Pessoa, Onde o proletariado curte a sua miséria. A Nação. Rio de Janeiro,
15/02/1927, p. 1.
66
- Uma síntese de tais interpretações pode ser vista no artigo A classe que oscila e o homem-
pêndulo. A Nação. Rio de Janeiro, 23/02/1927, p. 2.
222

polêmica pública, que, não raro, envolvia questões como o respeito à memória de
seu pai ou acusações de caráter pecuniário.
Neste mesmo campo, outro alvo que aparentava que iria tomar corpo e
acabou se esvaecendo foi o PSB. A Nação chegou a polemizar contra
candidaturas socialistas que acabaram não empolgando, o que foi o caso das de
Maurício de Lacerda e de Carlos Dias. O primeiro em razão de uma rejeição
formal por parte de Lacerda ao apoio que os socialistas pretendiam lhe dar67 e o
segundo, ex-anarquista que fora indicado pelo governo para representar os
trabalhadores do Brasil na Conferência de Genebra da Organização Internacional
do Trabalho e que foi violentamente atacado pelo PCB em 192568, pelo fato de
simplesmente sua candidatura não ter “decolado”. Houve, no entanto, duas
candidaturas à reeleição, de Adolpho Bergamini e Nicanor do Nascimento, que
foram alvos de pesadas críticas por parte dos comunistas. O primeiro -
apresentado como aliado do diário Correio da Manhã -, sobretudo por ter
realizado uma composição com Maurício de Lacerda, uma “dobradinha”, como
chamaríamos hoje, e o segundo – acusado pelos comunistas de ter votado
favoravelmente a favor do estado de sítio no Distrito Federal em 192469 - por ter
polemizado diretamente, por meio de carta, com o Bloco Operário. Ambos, com
um perfil mais conservador, mas que tinham em sua atuação parlamentar anterior
sustentado atitudes de oposição ao governo, foram qualificados por A Nação,
embora com menor intensidade e volume, com os mesmos epítetos concedidos a
Maurício de Lacerda.
Já com relação aos demais candidatos situacionistas, A Nação, por meio de
uma coluna dedicada às questões políticas do Distrito Federal, inicialmente
chamada de “Política do Distrito Federal”, depois “Política do Distrito”, “A
politiquice carioca” e, finalmente, “A avacalhação política do Distrito”,
acompanhava suas ações e propostas, fazendo-o por meio de um tom jocoso e

67
- A causa do Bloco Operário é a boa causa. A Nação. Rio de Janeiro, 20/01/1927, p. 3.
68
- O renegado Carlos Dias, candidato do Partido Socialista. A Nação. Rio de Janeiro,
15/01/1927, p. 6.
69
- O Bloco Operário contra os blocos burgueses. Uma carta de Nicanor Nascimento. A
Nação. Rio de Janeiro, 14/01/1927, p. 3 e 6.
223

insinuante, muito semelhante às atuais colunas políticas da imprensa nacional. As


candidaturas, excetuadas as do Bloco Operário, dividiam-se fundamentalmente
em dois grupos, que se alinhavam em torno dos candidatos a senador, Sampaio
Corrêa e Irineu Machado. O primeiro, “candidato oficial”, era, conforme os
comunistas, um “super-reacionário”, ligado ao senador e ex-preito do Distrito
Federal André Gustavo Paulo de Frontin e a José Mendes Tavares, lideranças
políticas cariocas, mas não possuía apoios ostensivos, pois os candidatos tinham
“receio de ser tidos também como governistas, o que pode acarretar-lhes a
derrota”. O agrupamento recebera o nome de “Coligação Frontin-Mendes”. Já o
segundo, de acordo com A Nação, era um liberal, mas que vivia “a namorar a
burguesia feudal, reacionária” e tinha o favoritismo do eleitorado 70.
Através de “A avacalhação política do Distrito” os candidatos situacionistas
mais em evidência eram apresentados ao público por meio de suas vinculações
políticas e econômicas, demarcando-se, assim, quais as distinções entre o Bloco
e este conjunto de candidatos, que eram qualificados de modo geral como sendo
“instrumentos da contra-revolução feudal, instrumentos diretos e indiretos dos
fazendeiros de café, defensores da propriedade privada”71. Assim, por exemplo, o
deputado federal Henrique de Toledo Dodsworth Filho, sobrinho de Paulo de
Frontin, era apresentado como irmão de “um dos exploradores de nossos
companheiros da Fábrica de Tecidos Aliança” e sua iniciativa da apresentação da
lei de férias foi explicada como sendo um ardil para “desmanchar a má impressão
causada pela interferência do governo Bernardes na delegação de Carlos Dias”.
O deputado federal Oscar Augusto Loureiro era sobrinho de Arthur Bernardes. O
deputado federal Antônio Máximo Nogueira Penido foi apresentado como sendo
um capitalista. Augusto Pinto Lima como fascista e monarquista. Flávio Amaro da

70
- Política do Distrito Federal. No meio da “bagunçada” geral, há um homem: Azevedo
Lima. A Nação. Rio de Janeiro, 14/01/1927, p. 6; A politiquice carioca. Nem Sampaio nem Irineu
representam o interesse d classe pobre!. A Nação. Rio de Janeiro, 28/01/1928, p. 6; A avacalhação
política do Distrito. Ninguém quer descobrir as baterias... – Existe muita “trancinha” por aí... – O
lema é este: salve-se que puder... . A Nação. Rio de Janeiro, 05/02/1927, p. 6.
71
- Como goiabas comidas de “bicho”, os políticos burgueses estão caindo de podres!!!. A
comédia dos Endiabrados de Ramos. Nem Irineu nem Sampaio! Nem Maurício nem Bergamini! Só
João Pimenta e Azevedo Lima!. A Nação. Rio de Janeiro, 09/02/1927, p. 2.
224

Silveira como “genro do jogador Antônio Azeredo, senador feudal por Mato
Grosso, instrumento de Epitácio e Bernardes”72. E assim por diante.
Um dos poucos a receber um tratamento “neutro”, o que valeu aos
comunistas estocadas de Maurício de Lacerda, foi o jornalista Mário Rodrigues,
diretor do diário carioca A Manhã. O Bloco Operário, que o qualificava de liberal,
reconheceu que, durante o governo Bernardes, Rodrigues sempre deu espaço
nas páginas de seu jornal à “vanguarda operária, que através delas travou rudes
batalhas contra os agentes da burguesia e, ainda agora, conseqüente com seu
ponto de vista liberal, tem A Manhã combatido ao nosso lado contra os botes da
imprensa da direita”. Porém, deixou claro que, naquele instante, estavam
colocados em campos distintos73.
Nessa campanha, e mesmo depois, por fim, merece destaque ainda um
ponto abordado por A Nação. É o que se refere ao Poder Legislativo. Desde a
fundação do PCB, foi esta, efetivamente, a primeira oportunidade que os
comunistas tiveram, de modo ainda um tanto confuso, é verdade, de expor
publicamente algumas das concepções que possuíam a respeito do tema. Talvez
até movidos por uma necessidade de propiciar melhor coesão interna a respeito
do assunto – recorde-se o comentário do dirigente da seção regional de
Pernambuco acima registrado -, os comunistas aproveitaram-se de uma carta
enviada por “Um acadêmico comunista”, na qual, revoltado com mais um aumento
que os membros do Congresso Nacional deram a si mesmos, este sugeriu que A
Nação propusesse um inquérito sobre o que a população pensava a respeito do
Congresso Nacional, e lançaram a questão aos leitores74.
No entanto, as coisas não saíram como se imaginou. Acabaram sendo
publicadas somente duas cartas: Uma desejando que os trezentos membros do

72
- A avacalhação política do Distrito. Ninguém quer descobrir as baterias... – Existe muita
“trancinha” por aí... – O lema é este: salve-se quem puder... A Nação. Rio de Janeiro, 05/02/1927, p.
6; É dever de todo operário só votar nos seus candidatos. Abaixo os candidatos da burguesia!. A
Nação. Rio de Janeiro, 19/02/1927, p. 2.
73
- Política do Distrito. A candidatura-bomba. A Nação. Rio de Janeiro,03/02/1927, p. 6.
74
- A palavra da grande massa. Um estudante comunista propõe-nos o seguinte inquérito: Que
pensam a mocidade, os operários, empregados do comércio e funcionários sobre o Congresso? Que
todos no-lo respondam. A Nação. Rio de Janeiro, 10/01/1927, p. 3.
225

Congresso tivessem apenas uma cabeça, para que o povo a cortasse de um só


golpe e outra opinando pelo envio de todos os parlamentares à Clevelândia, o
lugar de degredo criado para os presos políticos no governo de Arthur Bernardes.
Ambas foram precedidas de um comentário indicando um desapontamento pela
incompreensão dos leitores com relação ao que fora proposto pelo jornal. Nele,
os comunistas puseram-se de acordo com a opinião pública na constatação do
“desprestígio profundo e irremediável” do Poder Legislativo, que se agravava a
cada dia. Frente a isso, prossegue o esclarecimento, era natural que surgisse a
pergunta: Não seria contraditório, então, o PCB ter formado o Bloco Operário e
lançado candidatos ao Congresso? Esta questão revelava, na opinião dos
comunistas, uma incompreensão a respeito do papel do parlamento burguês, que
classificavam como sendo uma instituição a serviço do capitalismo e contra o
proletariado. Assim sendo, era natural que os parlamentares integrantes dessa
“máquina legislativa da democracia burguesa” ali só elaborassem medidas contra
“as classes pobres em proveito das classes ricas”, reproduzindo a lógica inerente
que constituía o Estado burguês, da qual o Parlamento fazia parte, de oprimir as
classes que se opunham aos interesses do capitalismo. E concluía:

“Para destruir o parlamento é preciso destruir o Estado burguês, destruir a


organização do poder capitalista, do poder ao serviço do capitalismo. É o que visa
a revolução proletária, que levantará o Estado proletário – sem parlamento – sobre
as ruínas do estado burguês. Foi isso que fizeram os comunistas russos, em 1917.
É isso que estão preparando os comunistas do mundo inteiro, orientadores argutos
que são das massas laboriosas em geral.”75

A proposição deixava explícito que o fim último dos comunistas, com relação
ao Parlamento, era a sua destruição, embora não deixasse claro o que seria
colocado em seu lugar, exceto, como ficou dito em outro lugar, a vaga noção de
um “governo da vanguarda operária, apoiado pela maioria da população em

75
- A palavra da grande massa. Que pensam a mocidade, os operários, empregados no
comércio e funcionários pobres sobre o Congresso? Um esclarecimento necessário. A Nação. Rio de
Janeiro, 13/01/1927, p. 2.
226

proveito desta mesma maioria”76. Mas isto, de qualquer modo, prosseguia o texto,
era uma tarefa que se concluiria ao final de um “longo, penoso, rude, trabalho de
anos inteiros, de organização e agitação” a que se dedicariam os comunistas, que
não eram “sectários, nem idealistas, e sim políticos realistas”. Naquele instante
era preciso fazer uso de todos os meios possíveis de combate para se chegar ao
objetivo final. Um deles era justamente a participação em eleições:

“É preciso que o proletariado ponha seus próprios representantes dentro do


parlamento burguês para, lá de dentro, sob o controle das massas (por intermédio
do partido), auxiliar a obra de desagregação do mesmo parlamento. Sabemos
todos do alcance e da repercussão que têm as campanhas parlamentares
simplesmente oposicionistas. Imagine-se o que não farão os verdadeiros
representantes do proletariado, dentro do Congresso!”77

Neste trecho, aliás, chama atenção a ingenuidade dos comunistas com


relação à “máquina legislativa da democracia burguesa”, como se esta fosse
assistir impassível a este trabalho de “desagregação” por parte dos parlamentares
do Bloco Operário, ilusão pela qual pagariam caro, sobretudo os intendentes
eleitos em 1928.
Mais adiante, os comunistas, ainda que de modo genérico, dizem algo a
respeito do que iriam fazer “lá dentro” os representantes do proletariado:

“No parlamento, os deputados pelo Bloco não irão fazer a colaboração entre
opressores e oprimidos, em benefício daqueles e prejuízo destes. Pelo contrário,
eles declararão guerra, guerra de morte aos exploradores, em nome dos interesses
da classe proletária! Não irão também republicanizar a República, isto é, consolidar
o regime de exploração das largas massas operárias por uma insignificante minoria
de capitalistas. Eles irão, sim, preparar a destruição do regime capitalista para no
lugar dele instituir o nosso regime, o regime dos pobres e oprimidos!”78

76
- Confrontemos as duas! A “democracia” burguesa no Brasil e a “democracia proletária” na
Rússia. A Nação. Rio de Janeiro, 12/02/1927, p. 3.
77
- A palavra da grande massa. Que pensam a mocidade, os operários, empregados no
comércio e funcionários pobres sobre o Congresso? Um esclarecimento necessário. A Nação. Rio de
Janeiro, 13/01/1927, p. 2.
78
- Bernardo Braúna. Candidatos do Bloco Operário. A classe operária deve estar a postos. A
Nação. Rio de Janeiro, 23/02/1927, p. 3.
227

Em outro lugar, mais outra faceta deste mesmo objeto foi explicitada: as leis.
Em uma polêmica com o candidato Henrique Dodsworth, autor da chamada “lei de
férias”, declarava-se que as leis que beneficiavam a classe operária eram, na
verdade, instrumentos utilizados pelos liberais para manter os trabalhadores em
“escravidão eterna”, evitando, também, que estes se revoltassem contra o “jugo
capitalista”. Afirmava-se, no entanto, que o Bloco Operário não era contrário a leis
que beneficiavam a classe operária - e aqui se introduzia a mesma estrutura
argumentativa empregada com relação ao Parlamento - apenas buscava
transformar a luta por melhorias imediatas, personificada aqui na chamada
“legislação social”, em “uma arma para a organização dos trabalhadores, para a
luta contra o regime da brutal e desumana exploração capitalista”79. Era, enfim,
mais um meio para se chegar ao ponto final.
Este conjunto de idéias, porém, era assimilado de modo desigual. Assim, por
exemplo, em sua primeira intervenção como aderente do Bloco Operário, falando
à assembléia do Centro Político Proletário da Gávea, Azevedo Lima afirmou que,
se o Parlamento se mostrava incapaz de resolver o problema social, mesmo
assim era necessário que o proletariado para ali mandasse os seus
representantes para mostrar a responsabilidade da burguesia pelos “graves
problemas sociais que atormentam a hora atual do mundo”80, revelando muito
mais uma compreensão moral que política a respeito do tema
Mas também ocorria o extremo oposto, onde, sob um tom mais de esquerda
acabava-se criando uma verdadeira confusão. Em um texto sem assinatura, que
manifestava revolta frente a uma proposta de aumento do número de deputados
na Câmara Federal, afirmava-se que se travava no mundo uma luta entre duas
ditaduras, a da minoria, capitalista, e a da maioria, trabalhista, como a
inusitadamente tratava o artigo. E que ambas, por serem ditaduras, eram “contra
os congressos, contra o regime do palavrório”, que não passavam de dispendiosa
inutilidade e nada mais faziam que “obedecer cegamente à vontade do executivo”.

79
- A campanha eleitoral. Um meeting pró-Dodsworth, na Gávea, transformado em meeting
pró-Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 31/01/1927, p. 2.
80
- O Bloco Operário marcha para a vitória! A Nação. Rio de Janeiro, 10/01/1927, p. 3.
228

Eram, espantosamente, citados e colocados em um mesmo bloco como exemplos


dessa visão a Itália – que anunciara que iria fechar o seu Senado -, a Argentina –
cujo governo ameaçava encerrar as atividades do Congresso Nacional caso este
não resolvesse alguns assuntos em uma semana -, a Espanha e a Rússia81.
Ficava aqui um curioso discurso que, sob uma argumentação que encobria a
defesa da ditadura do proletariado e criticava a submissão do Legislativo ao
Executivo, fazia a apologia deste último. Ou seja, os extremos se tocavam e a
direita e a esquerda igualavam-se: a Itália fascista e a Rússia comunista eram
postas em um mesmo saco.
Enfim, embora não ficasse claro como exatamente seria tratada a questão
da representatividade dos trabalhadores em um Estado proletário, os comunistas
deixam claro que tinham como fim a destruição do Parlamento, acompanhada da
criação de um Estado proletário, mas que esta era uma questão para um futuro
indefinido. Naquele instante, a luta travada no campo eleitoral era um aspecto de
vários da luta travada pelos comunistas pela constituição deste Estado futuro e
que, estando dentro desta “máquina legislativa da democracia burguesa”, os
comunistas não perderiam de vista este objetivo e que isso tornava inconciliáveis
seus interesses com os dos representantes da burguesia.

OS COMÍCIOS

Os comícios promovidos pelo Bloco Operário para seus dois candidatos e


que receberam a cobertura jornalística de A Nação nos ajudam a compreender
com que segmentos da classe trabalhadora ele pretendia dialogar e levar suas
propostas e, ao mesmo tempo, revelam de quais setores tinha a expectativa que
fossem a fonte de votos para seus candidatos, particularmente Pimenta, pois
Azevedo Lima, como o próprio Bloco Operário sabia, tinha um eleitorado cativo.

81
- Por toda parte, vai sendo reconhecido que os congressos são verdadeiras inutilidades. A
Nação. Rio de Janeiro, 31/01/1927, p. 2.
229

Pode-se considerar a primeira atividade de campanha eleitoral de um


candidato do Bloco Operário a realizado por Azevedo Lima, candidato pelo 2º
Distrito, na assembléia do Centro Político Proletário da Gávea, situado no 1º
Distrito, em 7 de janeiro. Nesta data ainda o Bloco Operário não havia anunciado
o nome de Pimenta como candidato pelo 1º Distrito. Para um auditório lotado,
Azevedo Lima fez um pronunciamento no qual defendeu o princípio da luta de
classes, “mostrando, ao mesmo tempo, como toda a colaboração entre ricos e
pobres acarretava a sujeição dos últimos”. Aí também dissertou sobre o papel do
parlamento. Outra questão abordada por Azevedo Lima, e que seria recorrente
em seus pronunciamentos subseqüentes, era a de que, saído da burguesia e
conhecedor dos horrores da sociedade capitalista, identificava-se cada vez mais
com as aspirações da classe operária, colocando-se doravante ao seu serviço 82.
Mesmo depois de lançado oficialmente o nome de Pimenta, no dia 16 de
janeiro, A Nação continuou a divulgar apenas atividades de Azevedo Lima.
Temos, desse modo, o anúncio de conferência no Centro Auxiliador dos
Operários em Calçados, situada no Jardim Botânico, região do 1º Distrito, no dia
15 de janeiro. Para o dia 22, na vizinha cidade de Niterói, anuncia-se outra
conferência de Azevedo Lima em um festival promovido pela Federação Operária
do Rio de Janeiro em benefício da Escola Operária 1º de Maio, desta vez
“dissertando sobre o tema proletário”. Neste mesmo evento estavam previstos
uma apresentação de um grupo para cantar a “Internacional”, composto pelos
alunos da Escola Operária 1º de Maio, uma conferência sobre a “mulher
operária”, por Thereza Escobar, e um “grandioso baile familiar, ao som de
excelente ‘jazz-band’”. Na matéria sobre este evento, aliás, ilustrada com fotos,
Azevedo Lima reiterou sua disposição de luta pelo programa do Bloco Operário,
criticando aqueles que se diziam amigos do proletariado, mas, quando se fazia
necessário seu apoio, se esquivavam de atitudes mais concretas, em uma alusão

82
- O Bloco Operário marcha para a vitória! A Nação. Rio de Janeiro, 10/01/1927, p. 3.
230

a Maurício de Lacerda, pela recusa em apoiar o Bloco Operário. Também criticou


o regime capitalista, assinalando suas contradições e seu caráter de classe83.
É somente neste momento que, pela primeira vez, ao lado da matéria citada,
publicou-se um retrato de João da Costa Pimenta, bem como a aceitação de um
repto feito por Maurício de Lacerda de que fosse travado um debate franco por
meio de comícios84. No dia seguinte, A Nação apresentou um perfil biográfico de
Pimenta.
No dia 29 de janeiro ocorria outro comício de Azevedo Lima na Gávea.
Neste mesmo dia, próximo deste, sucedeu-se uma assembléia pública de um
candidato situacionista, que, pelas constantes intervenções de apoiadores do
Bloco Operário, transformou-se em um evento do Bloco85.
Ainda sem repercutir qualquer aparição pública de João da Costa Pimenta,
A Nação publicou uma pequena nota na qual se afirmava que a candidatura do
gráfico havia ecoado favoravelmente em sua terra natal, Campos, no Estado do
Rio de Janeiro e se fazia um apelo a que todos os campistas residentes no
Distrito Federal sufragassem Pimenta86. No dia seguinte era publicado outro curto
texto, que noticiou uma assembléia da União dos Trabalhadores Gráficos, na qual
Pimenta, invocando sua condição de candidato a deputado federal pelo Bloco
Operário, apresentou um pedido de demissão de seu cargo de secretário geral da
entidade, que acabou sendo rejeitado, em “uma prova de confiança ao camarada
João da Costa Pimenta e aprovação ao seu ato de disciplina proletária”87.

83
- A conferência de hoje do deputado Azevedo Lima no C.A. Operários em Calçados. A
Nação. Rio de Janeiro, 15/01/1927, p. 6. A próxima conferência de Azevedo Lima, em Niterói. A
Nação. Rio de Janeiro, 19/01/1927, p. 6. Federação Operária do E. do Rio: Azevedo Lima falará no
festival do próximo dia 22. A Nação. Rio de Janeiro, 20/01/1927, p. 3. O brilhante festival da
Federação Operária em Niterói. Falam Azevedo Lima e diversos camaradas comunistas. A Nação.
Rio de Janeiro, 24/01/1927, p. 3.
84
- O Bloco Operário e Maurício de Lacerda. A Nação. Rio de Janeiro, 24/10/1927, p. 3.
85
- A campanha eleitoral. Um meeting pró-Doodsworth, na Gávea, transformado em meeting
pró-Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 31/01/1927, p. 2.
86
- Repercussão, em Campos, da candidatura de J. C. Pimenta. A Nação. Rio de Janeiro,
01/02/1927, p. 2.
87
- A assembléia de domingo da União dos Trabalhadores Gráficos. A Nação. Rio de Janeiro,
02/02/1927, p. 4.
231

No dia 4 de fevereiro foi anunciada a criação do “Grupo Gráfico Pró-Bloco


Operário”, que aderiu ao organismo. Incentivados pela candidatura de Pimenta,
alguns gráficos resolveram constituir a nova organização. Dizendo considerar a
ação política “como meio para apressar a emancipação integral da classe
operária” e defendendo sua independência de classe, o Grupo Gráfico Pró-Bloco
Operário tinha por finalidade organizar reuniões de propaganda dos candidatos
do Bloco e obter recursos financeiros para tal. Chame-se a atenção para este
formato de grupos de apoio de trabalhadores que aqui foi criado, que pôs em
prática um das modificações procedidas pela Coligação Operária de Santos em
sua estrutura, como resultado da constatação de que o engajamento de
organizações sindicais diretamente na campanha propiciava o surgimento de
atritos desnecessários entre os comunistas e aqueles que defendiam a autonomia
das organizações sindicais frente aos partidos políticos. Isto não significava que,
no caso de um sindicato vinculado ao PCB, este não apoiasse candidaturas,
apenas esta forma evitava desgastes e polêmicas, pois a fórmula de adesão
individual servia para descaracterizar o apoio institucional. Logo após a eleição o
“Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário” foi efetivamente consolidado como
organização permanente que tinha como fim “secundar a ação do Bloco Operário
na política social” e, juntamente com este, iria organizar “o seu serviço de
propaganda, alistamento eleitoral e agitação política”, indicando, portanto, uma
atividade permanente88.
Foi a partir de então que começou a se divulgar, pelas páginas de A Nação,
a aparição de Pimenta em eventos. Mesmo assim, inicialmente, na condição de
representante de A Nação, como ocorrera no festival de aniversário do jornal Voz
Cosmopolita, realizado no centro da cidade, em região pertencente ao 1º Distrito,
evento no qual, aliás, Azevedo Lima proferiu uma conferência89.
Finalmente, no dia 8 de fevereiro, pouco mais de duas semanas antes do
pleito, a direção do Bloco Operário anunciou a organização de um plano de

88
- Grupo gráfico pró-Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 23/03/1927, p. 3.
89
- Grande festival da “Voz Cosmopolita”. Falarão Azevedo Lima e João da Costa Pimenta. A
Nação. Rio de Janeiro, 05/02/1927, p. 2.
232

comícios públicos, que se iniciaria no dia seguinte com um comício em frente à


fábrica de tecidos Confiança, em Vila Isabel, situada no 2º Distrito. A partir desta
data também foi criada uma espécie de plantão eleitoral por parte de Pimenta,
que até o dia das eleições permaneceu na redação de A Nação duas horas por
dia, a fim de “atender a todos quantos o procurarem para tratar de matéria
referente às próximas eleições”.
Definida como a “primeira vez que os candidatos do Bloco Operário se
punham em contato direto – como pessoas e candidatos – com a massa
trabalhadora”, a assembléia defronte a fábrica Confiança foi, na avaliação da
direção do Bloco Operário, “uma vitória – profunda e vibrante”. Embora se
deixasse entrever alguma insegurança a respeito das possibilidades de sucesso
do comício (“era um terreno que estava por lavrar”), sabe-se que o PCB, em uma
acirrada disputa, havia conquistado através do “Bloco Têxtil”, em dezembro de
1926, com uma folgada maioria (445 votos para os comunistas contra 105 dados
às outras duas chapas), uma das principais cidadelas do “sindicalismo amarelo”
carioca, a União dos Operários em Fábricas de Tecidos90. Havia, portanto, uma
diretoria recém-empossada, cujo prestígio ainda usufruía a mobilização resultante
de uma vitória duramente conquistada, o que podia ser considerado um aval para
uma boa freqüência ao evento.
Além disso, os comícios feitos pelo Bloco Operário possuíam alguns
dispositivos organizacionais que garantiam uma certa dinâmica ao evento, como
nos relatou Hilcar Leite:

“Eu assistia aos comícios, distribuía prospectos, fazia campanha em favor


dos candidatos. Era claque dos comícios. A maioria deles eram feitos em portas de
fábricas. Saía uma turma de oradores do Partido, um grupo para garantir a
situação e gente para bater palmas, distribuir prospectos, cédulas etc. [...] Até eu
falava nesses comícios! A gente chegava, fingia que tinha sido conquistado pelo
discurso e dizia: ‘É, precisamos eleger nossos companheiros! Chega de eleger
tapeadores!’.”91

90
- Joaquim Barbosa. Relatório (Seção Sindical do P.C.B.) (Julho de 26 a Janeiro de 27).
Campanha contra o bando composto por Luiz de Oliveira, Amaro de Araújo, José Soutello, Pereira de
Oliveira e outros. Rio de Janeiro, 16/01/1927, p. 2-3.
91
- Ângela de Castro Gomes (Org.). Velhos militantes, depoimentos, p. 160.
233

Além dos candidatos, os comícios também contavam com a presença de


oradores, militantes do PCB, que possuíam uma função específica:

“[Os] ‘meetings’ serão feitos por oradores escalados pelo Bloco, nos locais de
trabalho, de forma a que os trabalhadores ouçam a palavra de sua vanguarda,
numa afirmação nítida de sua consciência de classe, de sua política proletária,
desfazendo a confusão reinante nos meios operários, confusão provocada pela
ingerência de políticos profissionais burgueses no seio da massa trabalhadora.”92

Em meio a sindicalistas da União dos Operários em Fábricas de Tecidos e


do representante de A Nação, falaram Azevedo Lima e João da Costa Pimenta. O
deputado orientou sua intervenção, além de reiterar seu interesse na defesa da
classe operária e sua disciplina na aceitação no cumprimento das determinações
programáticas, no sentido de destacar a questão do Bloco Operário como sendo
um órgão da classe operária independente, além de destacar a existência de “um
núcleo de militantes e intelectuais capazes e devotados, e esta era a hora de
aproveitarmos todos os minutos para conquistarmos os direitos”. Azevedo fez uso
da mesma abordagem em um comício, acontecido no dia 14 de fevereiro, em que
foi o único candidato do Bloco Operário presente e realizado nas oficinas da
Estrada de Ferro Central do Brasil, no bairro de Engenho de Dentro, situado no 2º
Distrito.

Comício na Gávea. O orador é Paulo de Lacerda.


(A Nação. ASMOB)

92
- As eleições fluminenses de 10 de abril. A Nação. Rio de Janeiro, 30/03/1927, p. 4.
234

Já o gráfico Pimenta, no comício na Fábrica Confiança, orientou sua


intervenção no sentido de demonstrar o caráter de classe que a atividade e as
candidaturas do Bloco Operário estavam pondo em jogo naquele momento e do
papel fundamental que A Nação e a organização independente de classe tinham
em superar o comportamento que até então vigorava entre os proletários de votar
em seus inimigos de classe, transformando-se, assim, em instrumentos da
burguesia. No dia 11 de fevereiro, em um comício na Gávea, na Ponte das
Tábuas, próximo ao Cotonifício Gávea e às fábricas de tecido Corcovado e
Carioca, Pimenta, sem a companhia de Azevedo Lima, praticamente repetiu a
mesma intervenção93.
A narrativa do comício da tecelagem de Vila Isabel se encerrou mostrando
que as palavras dos oradores não tocaram apenas os operários e as operárias,
comovendo também as “senhoras da pequena burguesia” que assistiam ao
evento.

Comício da Fábrica Aliança.


(A Nação. ASMOB)

93
- O grande meeting na fábrica de tecidos Confiança foi uma verdadeira vitória! A Nação.
Rio de Janeiro, 10/02/1927, p. 6. Na Gávea Proletária. O grande meeting de ontem, na Ponte das
235

O comício seguinte, no dia 15 de fevereiro, repetiu a mesma receita, sendo


realizado defronte a fábrica Aliança, uma tecelagem situada no bairro das
Laranjeiras, pertencente ao 1º Distrito. Apesar de anunciada a presença de
Azevedo Lima, este não compareceu, cabendo a Pimenta conduzir o evento, onde
acrescentou ao mesmo discurso que já vinha fazendo o tema da importância da
presença dos parlamentares do Bloco Operário na Câmara dos Deputados. Para
o líder gráfico esta atuação completava “a luta de classes nos outros setores. A
luta na Câmara auxiliará a luta no sindicato, na fábrica e no jornal”94.

Comício na Fábrica Cruzeiro.


(A Nação. ASMOB)

No dia seguinte, mais um comício, novamente uma tecelagem, a fábrica de


tecidos Cruzeiro, situada no bairro de Andaraí, que fazia parte do 2º Distrito, à
qual compareceu mais uma vez apenas Pimenta, repetindo os argumentos
utilizados na véspera. Nesta mesma data, à noite, os candidatos pela primeira vez
dirigiram-se a um outro segmento da classe trabalhadora carioca, os gráficos, de
cuja entidade de classe Pimenta era dirigente. A assembléia aconteceu à noite
nas oficinas da Imprensa Nacional, situada no Centro, na região do 1º Distrito,
sucedendo-se novamente para a turma diurna no dia 18 de fevereiro. Na
Imprensa Nacional, Pimenta salientou que a campanha do Bloco Operário era

Tábuas, foi uma grane demonstração. O proletariado da Gávea apóia, firmemente, o Bloco Operário.
A Nação. Rio de Janeiro, 12/02/1927, p. 6.
94
- Pela vitória do Bloco Operário! Pimenta no seio dos tecelões e tecelãs. A Nação. Rio de
Janeiro, 16/02/1927, p. 4.
236

uma novidade no cenário político brasileiro e que, pelo seu caráter independente,
propiciava uma obra de “saneamento político do país e de concentração das
forças proletárias para o embate das pugnas eleitorais”. Enfatizando que esta
novidade era o resultado de uma política impessoal de partido e de programas,
que se contrapunha ao verbalismo e ao personalismo tão em voga entre os
políticos, o dirigente gráfico afirmou que a batalha eleitoral era um episódio da
luta de classes ao qual se seguiria uma intensa luta, que contaria com a
participação dos trabalhadores, na defesa de seus interesses, fazendo da tribuna
parlamentar uma “trincheira de combate contra o capitalismo e de defesa dos
interesses proletários”. Por fim, concluiu seu discurso mostrando que o programa
do Bloco Operário era o resultado da experiência e das tradições do movimento
operário brasileiro:

“O mesmo não era obra de afogadilho, arranjado à última hora para os


efeitos da campanha eleitoral. Era, pelo contrário, a obra resultante de anos
inteiros de obscuro labor em prol da causa proletária, levada a cabo por velhos e
experimentados militantes do proletariado, que conheciam a fundo as
necessidades e as aspirações das massas obreiras, de que eram, de resto,
elementos integrantes.”

Ao candidato do 1º Distrito seguiu-se Azevedo Lima, que explicou sua


adesão ao Bloco Operário como o resultado de sua evolução pessoal. Embora
pudesse se afirmar como independente Lima preferia a esse individualismo
pessoal contrapor a independência da classe operária, “em cujo seio ingressava
de coração aberto”, e a cuja luta subordinava seu futuro político. Transformava-se
assim em um soldado “do grande exército proletário mundial em batalha de vida e
morte contra a dominação capitalista”. Como Pimenta, concluiu seu
pronunciamento destacando a importância do programa do Bloco Operário:

“Dentro dele se continham o presente e o futuro do proletariado, porque, em


seu mesmo desenvolvimento e sua mesma aplicação prática, ele iria até resolver o
237

problema dos problemas: a conquista do poder político pelo proletariado, a


implantação da ditadura do proletariado.”95

Apesar da retórica apresentada durante a campanha a respeito do novo tipo


de política que se mostrava ao País, esta não era suficiente para impedir
arroubos discursivos como este de Azevedo Lima, os quais, aliás, os dirigentes
comunistas tentavam refrear, a fim de que não propiciassem o isolamento político
do Bloco Operário, como testemunhou Octavio Brandão:

“Um dia, no meio de um discurso dele, ele pregou a ditadura do proletariado


para o Brasil. Eu tive que ir a ele: ‘Azevedo Lima, por favor, não repita isto. O
regime não pode ter nenhuma ditadura do proletariado. Nós ainda tratamos de
formar uma frente única com Deus e com o diabo, um saco de gatos tremendo, por
favor não diga mais isto não’.”96

Aqui Brandão deixara claro a Azevedo Lima que o tema “ditadura do


proletariado” não se colocava naquele instante. Pela teoria da “terceira revolta”,
aquele era o momento da luta pela revolução democrático-pequeno-burguesa,
não se tratava de colocar a questão da revolução proletária e da instauração da
ditadura do proletariado, que eram questões, pela visão etapista implícita nesta
teoria, que posteriormente seriam colocadas.

Imagens de comício no Teatro República. À direita, os candidatos do BOC.


(A Nação. ASMOB)

95
- A campanha do Bloco Operário. Os gráficos da Imprensa Nacional e os tecelões da fábrica
Cruzeiro aplaudem calorosamente os nossos candidatos. A Nação. Rio de Janeiro, 17/02/1927, p. 4.
238

No dia 20 de fevereiro realizou-se um ato de campanha incomum nas


atividades que até então João da Costa Pimenta e Azevedo Lima vinham
realizando conjuntamente. Ambos usaram da palavra em um festival promovido
em homenagem ao Bloco Operário pela Companhia Teatral Maria de Castro. O
evento aconteceu no Teatro República, onde a Companhia levava à cena a peça
“João José”, um “drama de caráter social” de autoria de Joaquim Dicenta.
Inicialmente previsto para o dia 13 e depois adiado “de acordo com a vontade dos
camaradas, que nos sindicatos estão encarregados de vender localidades para o
espetáculo”97, o evento foi organizado pelo ator Carlos Torres e teve metade da
renda líquida da sessão doada ao Bloco Operário. À sessão, conforme narra A
Nação, compareceu “um grande número de operários que ali iam ter, não só para
assistir ao espetáculo, como, principalmente, para ouvir a palavra“ de Pimenta e
Azevedo Lima, como atesta uma fotografia que ilustra a matéria do diário. No
intervalo entre o 2º e o 3º ato ambos subiram ao palco para fazer seus discursos.
Antecedidos por Paulo de Lacerda, repetiram os pronunciamentos que cada um
vinha fazendo naqueles dias.
No dia 22 de fevereiro, ocorreu um comício nas oficinas da Central do Brasil
no Engenho de Dentro, onde se desenrolou o único distúrbio assinalado durante
as atividades eleitorais do BOC às quais estiveram presentes os candidatos
naquela campanha. De acordo com A Nação a situação foi provocada por um
grupo de apoiadores das candidaturas de Irineu Machado, este disputando vaga
de senador, Adolpho Bergamini e Maurício de Lacerda. Na verdade, eles estavam
presentes ao comício porque em um comício de propaganda do Bloco Operário,
realizado anteriormente por militantes neste mesmo local, sem a presença dos
candidatos, um estudante comunista atacou Maurício e muitos de seus
apoiadores presentes ficaram indignados com os ataques, que aumentaram o

96
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 137.
97
- A campanha do Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 12/02/1927, p. 1. Os ingressos
foram vendidos no Centro Cosmopolita, União dos Operários em Fábricas de Tecidos, União dos
Trabalhadores Gráficos, Associação dos Marinheiros e Remadores, Resistência dos Cocheiros, C. A.
dos Operários em Calçado e Federação Operária do Estado do Rio de Janeiro, esta em Niterói e os
demais no Rio de Janeiro.
239

clima da rancorosa polêmica entre os irmãos Lacerda. No dia 21 de fevereiro


repetiu-se a atividade de propaganda, com uma audiência superior a mil
trabalhadores, e, desta vez, com a presença de Paulo de Lacerda. Este, depois
de ser chamado pelos presentes de “Caim” começou a ser agredido, juntamente
com Octavio Brandão e o garçom espanhol José Lago Molares. No dia seguinte,
agora com a companhia de Pimenta e de Azevedo Lima, voltaram para fazer um
novo comício. Recebidos com vaias, acabaram se impondo, o que permitiu que
Paulo de Lacerda encerrasse o ato. De acordo com Octavio Brandão, como
resultado desse episódio, o PCB conseguiu posteriormente formar uma célula
com sessenta militantes no Engenho Novo98.
Na véspera das eleições foram realizados os últimos comícios que
anunciavam a presença dos dois candidatos e que ocorreram no Largo de Santo
Cristo, no bairro da Gamboa, no 1º Distrito, na Praça 11 de Junho, na Cidade
Nova, no 1º Distrito, e em Bonsucesso, no 2º Distrito (este apenas com a
presença de Azevedo Lima).
Dos dezessete comícios relatados por A Nação e realizados no Distrito
Federal, além do ocorrido em Niterói, doze deles ocorreram no 1º Distrito e cinco
no 2º Distrito, contando cinco com a presença exclusiva de Azevedo Lima –
excluído aqui o realizado em Niterói, quatro com a de Pimenta e oito com a
participação de ambos. Estes números retratam o óbvio esforço do Bloco
Operário para eleger João da Costa Pimenta.
Desse conjunto de atividades que o Bloco Operário passou a realizar cerca
de quinze dias antes da data das eleições, e que visivelmente obedece a um
planejamento, nota-se a organização de eventos junto a grandes concentrações
operárias, particularmente fábricas, cujos trabalhadores votavam em seus locais
de residência, o que ajudava a disseminar a propaganda pela cidade. Embora
tenha realizado atividades entre gráficos, ferroviários, garçons e sapateiros,
chama a atenção a quantidade de comícios realizados nas proximidades de

98
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 25-26. A vitória do comício do
Engenho de Dentro ontem. A Nação. Rio de Janeiro, 23/02/1927, p. 4. Maurício fascista. Como ele
prova ser inimigo da Rússia dos trabalhadores!. A Nação. Rio e Janeiro, 25/02/1927, p. 2.
240

fábricas de tecidos, que estavam entre as mais importantes quanto ao número de


operários, capital investido e valor produzido na cidade do Rio de Janeiro99. Nota-
se aqui, por exemplo, a ausência de qualquer atividade eleitoral levada a efeito
entre os trabalhadores portuários, outra importante concentração operária, bem
como entre os trabalhadores da construção civil, dos transportes e do comércio,
estes, no entanto, pela natureza de seus ofícios, mais pulverizados.
Esta opção do Bloco Operário é facilmente compreensível e tem clara
vinculação com a recente conquista da direção da entidade representativa da
categoria dos trabalhadores têxteis por parte de uma chapa ligada ao PCB.
Todavia, do ponto de vista eleitoral, a opção de ênfase em relação à categoria
dos trabalhadores têxteis revelou-se problemática, como, aliás, se revelaria
qualquer outra voltada para segmentos específicos da classe trabalhadora e nas
condições de exíguo tempo de campanha eleitoral a ser desenvolvido, em
combinação com as restrições impostas pela legislação que determinava quem
poderia ser eleitor ou não, normas estas claramente excludentes.
Voltando o foco para a categoria têxtil, e tendo como base os dados do
Censo de 1920 - os únicos disponíveis, já que só em 1940 ocorreria outro censo
no País e também pelo fato de que, como assinala Eulália Lobo, não ter havido
um significativo aumento de trabalhadores na indústria de tecidos, por esta se
encontrar, de um lado, em declínio nos anos de 1920, pela sua deficiente
organização, superprodução e retração do crédito, e, de outro, pela redução da
atividade artesanal e crescente mecanização, o que significava contração de
mão-de-obra100 -, vemos que o total de trabalhadores aí recenseados foi de
14.914, dos quais 6.717 eram do sexo masculino e 4.747 do feminino. Do total de
trabalhadores masculinos da indústria têxtil, havia 3.857 de nacionalidade
brasileira com mais de 21 anos. Embora o Censo não apresentasse dados
relativos a analfabetismo em vinculação com a atividade profissional, sabe-se que
o índice de analfabetismo no Distrito Federal, que era um dos mais baixos do
País, aliás, era um pouco menor que 40%, o que significava algo em torno de

99
- Eulália Maria Lahmeyer Lobo (coord.). Rio de Janeiro operário, p. 21.
241

2.300 trabalhadores que poderiam ser eleitores. Com a situação de estagnação


apontada por Eulália Lobo, mesmo sete anos depois, é razoável crer-se que em
torno desse número se pudesse considerar a efetiva força eleitoral dos
trabalhadores em fábricas de tecidos.
Os comunistas, no entanto, durante o processo eleitoral trabalhavam com o
número de 30.000 trabalhadores nessa categoria, o que englobaria os tecelões
do Distrito Federal e adjacências101. No entanto, como se pode perceber em um
relatório do responsável sindical do PCB, este é um número que vem desde 1918
e ficou como um parâmetro. Além disso, o fato de quinhentas e cinqüenta
pessoas terem votado, em um universo de 1.200 associados, nas eleições que
deram a vitória ao Bloco Têxtil, em dezembro de 1926, serve para, ao menos, pôr
em questão este número de trinta mil.
Levando-se em conta que, nas eleições de 1927, um eleitor poderia dar até
quatro votos para o mesmo candidato e que, com base nesta característica, o
quinto e último candidato eleito do 1º distrito, Flávio Silveira, obteve 6.849 votos,
o que significava pelo menos 1.712 eleitores sufragando-o, era muito arriscado
investir tanto esforço em um segmento que possuía um corpo eleitoral em torno
de dois ou três mil eleitores102.
Outro complicador na campanha do Bloco Operário foi, como já ressaltamos,
a entrada tardia em campanha de João da Costa Pimenta, combinada com a
inexperiência dos comunistas, em particular, no campo eleitoral. Para
aquilatarmos o peso dessa demora, basta verificarmos que Maurício de Lacerda,
uma personagem política que detinha um alto grau de reconhecimento público,
iniciara sua campanha, por meio de entrevistas e participação em atividades

100
- Eulália Maria Lahmeyer Lobo (coord.). Idem, p. 20-21.
101
- A eleição de hoje na U. O. em Fábricas de Tecidos. Votai na chapa do Bloco Têxtil. Cerca
de 300 operários e operárias têxteis recomendam aos 30.000 tecelões do Rio a chapa e o programa da
vanguarda organizadora da União!. A Manhã. Rio de Janeiro, 18/12/1926. Joaquim Barbosa.
Relatório (Seção Sindical do P.C.B.) (Julho de 26 a Janeiro de 27). Campanha contra o bando
composto por Luiz de Oliveira, Amaro de Araújo, José Soutello, Pereira de Oliveira e outros. Rio de
Janeiro, 16/01/1927, p. 2-3. O Bloco Têxtil. Consolidemos a vitória! Uma eleição operária que foi
uma luta política!. A Manhã. Rio de janeiro, 22/12/1926.
242

públicas, praticamente desde sua saída da prisão, em novembro de 1926. O que


se dizer, então, com respeito ao fato de que João da Costa Pimenta, conhecido
apenas da diminuta vanguarda do movimento operário, somente ter saído a
público quinze dias antes da eleição? Talvez seja possível especular que, dada a
convicção de uma derrota quase certa, aquele seria apenas um ensaio ou um
momento de aquisição de maior experiência, mas, mesmo assim, a pouca
diligência salta aos olhos.
Já com relação a Azevedo Lima, considerado um candidato com reeleição
praticamente certa, é possível notar-se, mesmo tendo ele feito uso de um discurso
novo e mais radical, o emprego e manutenção dos recursos “usuais” em sua
campanha eleitoral, particularmente em seu reduto, São Cristóvão. Por exemplo,
uma nota publicada em A Nação, na sua edição de 21 de fevereiro, orientava a
que todos os correligionários de Azevedo Lima que não houvessem recebido
correspondência relativa às eleições o procurassem pessoalmente em sua
residência, onde seriam atendidos e, além disso, determinava que, caso não
fosse necessário ou possível o contato, comparecessem “às respectivas seções,
no dia 24, para votar”. Outros poucos sinais dessas práticas, noticiados por A
Nação em 22 de fevereiro, eram as manifestações e atividades exclusivas de
Azevedo Lima em São Cristóvão – sobre as quais, afora estas e das atividades
feitas conjuntamente com Pimenta, nada foi divulgado pelas páginas do diário
comunista -, como o apoio que lhe foi manifestado por carta pela delegação do
clube de futebol São Cristóvão, que se encontrava em excursão pelo norte do
País, ou, então, a “batalha de confete” – o carnaval de 1927 aconteceu no fim de
semana anterior à data das eleições, que ocorreram em uma quinta-feira –
organizada em homenagem ao candidato, “que se travará na própria rua de São
Cristóvão, residência do homenageado, no percurso que vai da avenida Pedro Ivo
à rua Escobar”.

102
- Brasil. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Diretoria Geral de Estatística.
Recenseamento do Brasil realizado em 1º de Setembro de 1920, Vol. II – População do Rio de
Janeiro, p. 415 e 514; O Paiz. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 5.
243

O PRIMEIRO SUCESSO

Chegou assim o Bloco Operário ao dia 24 de fevereiro de 1927. Além dos


comícios, festivais, debates e palestras e do trabalho desenvolvido por meio do
jornal, acima já vistos, cartazes, panfletos e cédulas, provavelmente impressos na
gráfica de A Nação, foram afixados e distribuídos pela cidade. Dias antes do
pleito, A Nação publicou uma chamada convocando “camaradas choferes” a
comparecer ao jornal a fim de “prestarem serviços profissionais nos dias das
eleições”103, para o transporte de eleitores e deslocamento de fiscais pelas
seções. Fiscais estes, aliás, como se saberia mais tarde, muito escassos104.
Durante a campanha eleitoral A Nação valeu-se, aliás, de um curioso expediente
de aproximação com os choferes. Isto era feito pela publicação de uma coluna
intitulada “Choferes perseguidos pela polícia”, que, ao lado da suposta ou não
infração, publicava a matrícula do chofer e o informava do prazo que possuía para
se apresentar à Inspetoria de Veículos da Prefeitura. O título da coluna sugeria
uma atmosfera de perseguição indiscriminada contra a categoria, o que acabava,
logicamente, criando conexões, que também visavam a organização sindical
desse grupo de trabalhadores. Segundo A Nação, os choferes eram uma das
maiores vítimas do regime capitalista, pois, além de sofrerem os efeitos da crise
gerada pela reforma monetária, eram perseguidos pela polícia, que, com seu
“regulamento draconiano, [...] visa arrancar-lhes o último vintém”105. Como já foi
destacado, não existem dados demográficos referentes ao Distrito Federal mais
próximos do ano de 1927 que os do Censo de 1920106. Por ele havia uma
população total de 1.157.873 habitantes, dos quais 559.566 pertenciam ao sexo

103
- Aos choferes aderentes do P. C.. A Nação. Rio de Janeiro, 22/02/1927, p. 3.
104
- Daniel. Cerremos fileiras em torno do “Bloco Operário”. Voz do Gráfico. Rio de Janeiro,
nº 7, 19;/08/1927, p. 3.
105
- Os choferes oprimidos. Todos para dentro da União!. Aderi ao Congresso Sindical!. A
Nação. Rio de Janeiro, 07/04/1927, p. 2.
106
- Os dados a seguir provêm de Brasil. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil realizado em 1º de Setembro de 1920, Vol. II
– População do Rio de Janeiro, passim.
244

feminino e 598.307 ao masculino. Destes últimos, 155.883 eram estrangeiros e


442.424 eram brasileiros, dos quais 201.300 possuíam mais de 21 anos. Postos
de lado os 20.697 soldados de pré, os 325 religiosos, os 8.764 mendigos e os
37.304 analfabetos107, que, somados, totalizavam 67.090 homens de
nacionalidade brasileira com mais de 21 anos excluídos constitucionalmente do
direito de votar, restavam, ao final, um total de 134.210 habitantes do Distrito
Federal que, potencialmente, possuíam o direito de voto em 1920,
correspondendo esse número a 11,59% da população.

107
- Aqui reproduzimos o modo de cálculo que empregamos para obter o número de
analfabetos com mais de 21 anos no Brasil.
245

Votação de Nicanor Nascimento, João da Costa Pimenta e Luiz Carlos Prestes


nas eleições de 24/02/1927 para Deputado Federal no Distrito Federal, no 1º Distrito

BAIRRO Seções Nicanor João da Costa Luiz Carlos OBS


Nascimento Pimenta Prestes
Candelária 12 198 151 534
Copacabana 5 519 6 212
Gamboa 5 44 84 60
Gávea 3 543 507 33
Glória 12 2556 207 385
Ilhas de Paquetá e do Governador 5 102 16 2
Lagoa 6 426 109 369
Sacramento 14 466 222 376
Santa Rita 11 217 132 306
Santa Tereza 2 178 6 28
Sant'Anna 15 212 195 252 Não funcionou a 10ª Seção.
Santo Antônio 12 159 146 317
São José 12 695 184 497
Total de Votos 104 6315 1965 3371
FONTE: O Paiz. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 5 e 26/02/1927, p. 5-6.

Votação de Adolpho Bergamini, Azevedo Lima, Mário Rodrigues e Maurício de


Lacerda
nas eleições de 24/02/1927 para Deputado Federal no Distrito Federal, no 2º Distrito

BAIRRO Seções Adolpho Azevedo Mário Maurício de OBS


Bergamini Lima Rodrigues Lacerda
Andaraí 9 562 449 175 699
Campo Grande 6 513 197 327 322
Engenho Novo 11 1582 522 182 511
Engenho Velho 7 1190 2122 210 386
Espírito Santo 8 831 841 1487 713
Guaratiba 3 200 42 16 42
Inhaúma 9 2281 430 2432 759
Irajá 10 681 352 601 612
Jacarepaguá 3 431 56 159 194
Meyer 8 1638 372 331 475 Não funcionou a 7ª Seção. Seus
Santa Cruz 4 599 21 57 40
São Cristóvão 9 375 5787 182 253
Tijuca 5 659 311 401 366
Total de Votos 92 11542 11502 6560 5372
FONTE: O Paiz. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 5 e 26/02/1927, p. 5-6.
246

Estes números podem ser cotejados com estimativas e dados oficiais que
encontramos para os anos de 1926 e 1927. Estes apresentavam, para o ano de
1926, uma população de 1.360.586 habitantes para o Distrito Federal e, para o
ano de 1927, informavam que o número de eleitores existentes seria de 68.177,
isto é, cerca de 5% da população108. Assim, pode-se crer que pouco mais da
metade da população potencialmente alistável do Distrito Federal efetivamente o
fazia.

Imagens das eleições no Primeiro Distrito.


(Correio da Manhã, 24/02/1927)

Como o voto não era obrigatório, nas eleições de 1927 compareceram


37.887 eleitores. No 1º Distrito, haviam 38.473 eleitores alistados nas 92 seções,
mas, no entanto, votaram apenas 19.473, ou seja, 50,6% do total do distrito109.
Assim, os restantes 18.814 eleitores que participaram do pleito fizeram-no no 2º
Distrito. Ou, dito de outro modo, menos de um quarto dos potenciais eleitores
votou, o que significava que algo em torno de quarenta mil eleitores (2,9% da
população total) decidiram quais seriam os deputados federais e o senador do

108
- Dados retirados, respectivamente, de Brasil. Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio. Instituto de Expansão Comercial. O Brasil atual, p. 11 e Brasil. Ministério das Relações
Exteriores. Serviços Comerciais. Brasil, estatísticas e diagramas, p. 4. A Nação, em uma nota
informou aos seus leitores que o número de eleitores alistados era superior a setenta mil no Distrito
Federal (As eleições de ontem. Formidável abstenção. A Nação. Rio de Janeiro, 04/07/1927, p. 4.).
109
- Centro Político Proletário da Gávea. Todo operário, empregado, lavrador pobre ou
pequeno funcionário deve ser eleitor! Eleitor do Bloco Operário e Camponês! Proletários, alistai-vos
no 1º Distrito!. A Esquerda. Rio de Janeiro, 28/02/1928, p. 4. Brasil. Congresso Nacional. Câmara
dos Deputados. Anais da Câmara dos Deputados 1927, vol. I, p. 177. O jornal governista O Paiz, em
editorial comentando o que foram as eleições pelo País afora, informava que no Distrito Federal
houvera uma abstenção de mais de 60% dos eleitores (O pleito eleitoral de 24. Como ele transcorreu e
qual será o seu resultado. O Paiz. Rio de Janeiro, 27/02/1927, p.5).
247

Distrito Federal que teriam assento no Congresso Nacional, transformando-os em


representantes de cerca de 1.360.000 de habitantes.

Eleitores do Segundo Distrito defronte seção eleitoral, em 1927.


(Correio da Manhã, 24/02/1927)

Terminadas as eleições, nas dez vagas disputadas à representação do


Distrito Federal na Câmara dos Deputados, em quatro houve novos nomes,
enquanto nas outras seis houve reeleição, aí incluído o de Azevedo Lima, o que
levou o diário O Paiz a afirmar em editorial que “o Congresso futuro será uma
continuação deste, cujo mandato está a expirar. Teremos ainda e felizmente um
Congresso com tendências conservadoras”110.
Os comunistas, no entanto, tinham uma avaliação distinta111. Afirmavam que
aquelas eleições marcavam a vitória do Bloco Operário e as derrotas, de um lado,
de Maurício de Lacerda e Nicanor do Nascimento e, de outro, de Paulo de
Frontin. Quanto a este último, que apenas obteve sucesso na reeleição de seu
sobrinho Henrique de Toledo Dodsworth Filho, também para o senado, apesar do
apoio dado pela máquina governamental, viu seu candidato Sampaio Corrêa ser
derrotado por Irineu Machado. Já em relação a Maurício de Lacerda e Nicanor do

110
- O pleito eleitoral de 24. Como ele transcorreu e qual será o seu resultado. O Paiz. Rio de
Janeiro, 27/02/1927, p. 5. Entre os seis reeleitos O Paiz também incluía o nome de Francisco Antônio
Rodrigues de Salles, que fora deputado de 1912 a 1914 e de 1918 a 1923. Embora tecnicamente não
fosse correto considerá-lo como reeleito, a sua passagem anterior, não tão afastada, como fora a de
Flávio Amaro da Silveira, este considerado como novo eleito, embora tivesse sido deputado de 1915 a
1917, e a sua ação política fizeram com que O Paiz o considerasse reeleito.
111
- Os resultados do pleito de ontem. A grande vitória do Bloco Operário. A Nação. Rio de
Janeiro, 25/02/1927, p. 1.
248

Nascimento, o Bloco comemorou a derrota de ambos, reivindicando para si


grande parte pela responsabilidade do resultado. Com relação a Nicanor do
Nascimento, o Bloco Operário afirmou que os votos que lhe faltaram para sua
eleição foram dados a João da Costa Pimenta. Já com respeito a Maurício de
Lacerda, a avaliação apresentada foi a de que, de um lado, a campanha contra
ele desenvolvida pelo Bloco Operário lhe “arrancara a máscara” de suposto
comunista e, de outro, porque Adolpho Bergamini o teria traído em sua promessa
de lhe dar dois de seus quatro votos – recorde-se que o eleitor podia votar em até
quatro nomes, fazendo-o da maneira que melhor lhe aprouvesse, tanto votando
em quatro nomes distintos como repetindo nomes até o limite permitido -, porque,
se o fizesse, seriam ambos derrotados. Além disso, a campanha desenvolvida
pelos comunistas também resultou na diminuição de cerca de 1.300 votos em
relação à eleição de 1924, quando recebera 6.535 sufrágios112. Mesmo assim, a
avaliação lamentava que Lacerda não tivesse se definido em favor do Bloco
Operário, pois, caso o fizesse, “teríamos feito dois deputados: Maurício de
Lacerda e Azevedo Lima. Seriam duas forças poderosas”.
Embora ao longo da campanha o PSB tivesse praticamente desaparecido de
cena, o Bloco Operário, no seu balanço do resultado, fez questão de se referir a
ele. Ao final da apuração, o nome de Carlos Dias contabilizara 12 votos. Para os
comunistas isto confirmou suas assertivas de que o PSB não tinha qualquer
prestígio entre as massas e que os dirigentes socialistas eram “agentes do
capitalismo no meio operário”, o que condenou de antemão ao fracasso as
candidaturas que o partido socialista pretendia lançar113.
Quanto ao próprio Bloco Operário, sua apreciação era de que as votações
obtidas por Azevedo Lima (11.502 votos, ou seja, ao menos 2.876 eleitores o
sufragaram na realidade) e João da Costa Pimenta (1.965 votos, de pelo menos

112
- Ainda depois da derrota, Maurício continua a mistificar a opinião pública. A Nação. Rio
de Janeiro, 26/02/1927, p. 2.
113
- Está provado que o PSB não existe. O julgamento implacável das eleições de 24 de
fevereiro. A Nação. Rio de Janeiro, 02/03/1927, p. 1.
249

492 eleitores114) atestavam uma vitória “indiscutível, indisfarçável, patente”.


Embora, como já se falava desde o início, a reeleição de Azevedo Lima fosse
quase certa, em razão de possuir “um eleitorado próprio, talvez o maior
alistamento pessoal de todo o Distrito Federal”, o Bloco Operário chama a
atenção para o fato de que sua votação não apenas se manteve, como obteve um
acréscimo de cerca de dois mil votos em relação à sua eleição anterior, além de
uma votação mais concentrada em alguns bairros com concentração de
operários, como Espírito Santo, Engenho Novo, Andaraí, Meyer, Inhaúma, fora de
seu reduto São Cristóvão e de Engenho Velho, onde também possuía influência.
Ao mesmo tempo, o Bloco Operário chamava a atenção para o fato de que suas
menores votações estavam no que se chamava de zona rural: Jacarepaguá,
Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba. O que levou à conclusão, reveladora da
visão essencialmente urbana e industrial que os comunistas então tinham dos
trabalhadores brasileiros, da importância do “voto operário”:

“O comunismo é filho do proletariado, assim como o proletariado é filho da


indústria. Onde esta predomina, nós abrimos caminho. E como o predomínio da
indústria é inevitável, inevitável é, igualmente, o caminho aberto ao
comunismo...”115

Tal avaliação, tempos depois, seria considerada “equivocada”, por


subestimar os trabalhadores do campo.
De qualquer modo, o incremento da votação obtida por Azevedo Lima em
1927 foi uma contribuição da parte do Bloco Operário. Tal avaliação nos parece
acertada, sobretudo em razão do fato de que, mesmo em um eleitorado com as
características do de Azevedo Lima, as mudanças de ordem político-ideológica,
sempre produzem, com maior ou menor volume, resultados em termos de

114
- Adotamos aqui os números apresentados, seção a seção, por O Paiz em suas edições de 25
e 26 de fevereiro, os únicos que encontramos com este nível de detalhe, pois os demais órgãos de
imprensa pesquisados, inclusive A Nação, apresentavam apenas totalizações. Isto levava a que às
vezes um mesmo órgão apresentasse dois números diferentes para um mesmo candidato, sem que
isso, no entanto, alterasse sua colocação na ordem dos candidatos.
115
- Ainda as eleições de 24 de fevereiro. Significativas revelações que os algarismos nos
fornecem. Porque o comunismo há de triunfar. A Nação. Rio de Janeiro, 05/03/1927, p. 1.
250

defecções da base anterior à alteração. Isto nos permite dizer que não somente o
Bloco Operário recompôs como aumentou sua votação.
Já com relação a João da Costa Pimenta, a avaliação era de que sua
votação fora além da expectativa, sendo a maior surpresa das eleições:

“Nós não temos alistamento eleitoral. Não temos dinheiro: as poucas


despesas que fizemos foram só de propaganda, cartazes, boletins, cédulas...
Nosso candidato Pimenta é um operário conhecido, até agora, somente da
vanguarda. Nossa campanha durou pouco mais de um mês. Nossa inexperiência
era total, pois pela primeira vez participou o partido proletário de uma eleição
federal. E ainda mais: com exceção da Gávea – a gloriosa Gávea vermelha –, das
Laranjeiras, todo o 1º Distrito é por excelência o distrito da grande burguesia.”116

Mesmo frente a uma irada carta de um gráfico, que dizia que sentia
desprezo por pertencer à corporação gráfica porque os seus seis mil
companheiros de categoria, por “falta de consciência”, deixaram de eleger
Pimenta, A Nação respondia que não se devia confundir quantidade com
qualidade, pois, apesar de somente uma minoria de operários estar qualificada
para votar nas eleições, a votação de Pimenta significou a ação de eleitores
livres, que sufragaram o nome de Pimenta “por opinião, por convicção, por
partidarismo”, o que, assegurava A Nação, nenhum outro candidato tivera117.
Na distribuição dos votos do 1º Distrito, na apreciação feita pelo Bloco
Operário em relação à votação de João da Costa Pimenta, chamava-se a atenção
para certas votações como sendo o resultado de um trabalho feito em
determinadas categorias de trabalhadores. Assim ocorrera na Gávea e nas
Laranjeiras, locais de concentração de fábricas, sobretudo têxteis, em
Sacramento, cuja votação era atribuída aos “eleitores sócios” do Centro
Cosmopolita, e em Santana, onde predominava o “eleitorado operário”.

116
- A oposição em marcha. A Nação. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 1.
117
- Euclydes D. A. Pessoa. Carta aberta ao amigo e colega João Jorge da Costa Pimenta. A
Nação. Rio de Janeiro, 17/03/1927, p. 2.
251

“Em sentido inverso, vemos que as mais baixas votações do candidato


comunista se fizeram sentir nos bairros ricos: Copacabana, Lagoa (Botafogo),
Santa Tereza...”118

Com relação à votação de Pimenta é importante fazer uma comparação com


a votação obtida por Joaquim Barboza nas eleições do ano anterior. Antes de
tudo, é preciso colocar os números em pé de igualdade, pois as formas de
votação foram distintas. Nas eleições para intendente de 1926, o eleitor votava
em oito nomes diferentes, só se apurando, para cada candidato, um voto em cada
cédula. Já nas eleições de 1927, o eleitor votava em até quatro nomes, podendo,
no entanto, repeti-los ou não, até limite de quatro. Isto significa que Barboza teve
900 votos, ao passo que para Pimenta não é possível estabelecer um número
preciso, oscilando o seu número de eleitores de 491 – ou perto disso, o que
parece ser o mais provável, dada a prática comum de se dar os quatro votos para
um mesmo candidato, o chamado “voto de caixão” – a 1.965 pessoas, ou seja,
Barboza, aparentemente, teve quase o dobro da votação de Pimenta. Com a
equivalência destes números – cujo resultado da divisão por quatro está entre
parênteses, na tabela abaixo -, excetuando-se os bairros da Gávea, da Gamboa,
das ilhas e de Santana, Barboza teve melhor votação em todos os outros distritos.
Por outro lado, como Barboza integrava uma chapa composta por oito candidatos,
era possível que muitos de seus votos tenham surgido da situação de votação em
chapa, ou seja, o eleitor apanhava a cédula da chapa completa que possuía à
cabeça o seu candidato, por considerar que, além dele, deveria apoiá-la, e os
outros sete acabavam também recebendo um voto cada. Isto coloca a
possibilidade de que Barboza tenha obtido essa significativa votação como
resultado dessa situação, não sendo possível determinar quantos votos foram a
ele efetivamente dados enquanto “o” candidato escolhido pelo eleitor e quantos
“recebeu” enquanto integrante da lista. Sobretudo pelas condições de campanha
que dispôs, infinitamente inferiores às de Pimenta, é possível acreditar que

118
- Ainda as eleições de 24 de fevereiro. Significativas revelações que os algarismos nos
fornecem. Porque o comunismo há de triunfar. A Nação. Rio de Janeiro, 05/03/1927, p. 1.
252

Barboza teve uma votação menor que a do gráfico, ficando, porém, ressalvado
que não se pode determinar com precisão se isto de fato ocorreu.

Votação comparada de Joaquim Barboza e de João da Costa Pimenta, nas


eleições de 1926 e 1927, no 1º Distrito do Distrito Federal

Bairro Votação de Joaquim Barboza Votação de João da Costa


- 1926 Pimenta - 1927
Candelária 106 151 (37,75)
Copacabana 18 6 (1,5)
Gamboa 3 84 (21)
Gávea 42 507 (126,75)
Glória 58 207 (51,75)
Ilhas de Paquetá e do Governador 0 16 (4)
Lagoa 157 109 (27,25)
Sacramento 100 222 (55,5)
Santa Rita 54 132 (33)
Santa Tereza 14 6 (1,5)
Sant’Anna 0 195 (48,75)
Santo Antônio 239 146 (36,5)
São José 109 184 (46)
Total de votos 900 1965 (491,25)
FONTE: O Paiz, 03/03/1926, p. 5; O Paiz. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 5 e 26/02/1927, p. 5-6.

Por fim, havia um último ponto da avaliação feita pelo Bloco Operário que o
fazia, de certo modo, comungar com o ponto de vista expresso pelo O Paiz, o qual
dizia que os resultados da eleição mantinham o perfil conservador do Congresso
Nacional. A Nação afirmava que havia uma tal situação de ódio da população
contra o governo que muitos dos deputados eleitos o foram pela etiqueta que se
punham de oposicionistas, sem que, na verdade, o fossem. O maior exemplo
253

nesse sentido, dado pelos comunistas, era o do Partido Democrático de São


Paulo:

“O partido democrático, que é uma salada de fazendeiros de café, financistas


e pequenos burgueses, só porque ‘banca’ de oposicionista, consegue eleger
Marrey Júnior, Francisco Morato e Paulo de Moraes Barros.”119

A fim de que se dissipasse esta dubiedade, A Nação afirmava que o


proletariado, a “verdadeira oposição”, precisava se organizar sindical, política e
eleitoralmente para que a oposição pudesse realmente ter expressão.

AMPLIANDO A AÇÃO: AO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Os comunistas saíram das eleições convictos que deveriam manter a


iniciativa e indubitavelmente animados pelos resultados obtidos no Distrito
Federal. Ao mesmo tempo, o recém-reeleito deputado do Bloco Operário Azevedo
Lima deu várias entrevistas à imprensa afirmando que uma de suas maiores
preocupações naquele momento era “mobilizar as massas trabalhadoras para as
futuras refregas eleitorais”120, através da intensificação do alistamento eleitoral.
Após as eleições de 24 de fevereiro era constituído definitivamente o “Grupo
Gráfico Pró-Bloco Operário”, para secundar o Bloco e promover propaganda e
alistamento, o que indicava a perenidade de sua ação.
No dia 18 de março a CCE do PCB reuniu-se para discutir, entre outros, dois
assuntos: as eleições fluminenses e as eleições para as vagas de intendente ao
Distrito Federal, vacâncias estas que ocorreram em razão da eleição de membros
desta casa legislativa ao Congresso Nacional nas eleições de 24 de fevereiro121.
Com relação às duas vagas do Conselho Municipal do Rio de Janeiro, o PCB

119
- A oposição em marcha. A Nação. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 1.
120
- Palavras de Azevedo Lima. A Nação. Rio de Janeiro, 01/03/1927, p. 2. Grupo gráfico
pró-Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 23/03/1927, p. 3. Ver também A bandeira vermelha
tremulará pela primeira vez no Congresso Nacional! A Nação. Rio de Janeiro, 26/02/1927, p. 1 e 4.
121
- Vida do Partido: C.C.E. A Nação. Rio de Janeiro, 18/03/1927, p. 2.
254

preferiu não apresentar candidatos e recomendar abstenção ao eleitorado,


alegando que seria inútil “fazê-lo em eleição da natureza desta, com o sistema
eleitoral em vigor [...], só favorável aos corrilhos da politicalha burguesa”122. Já
com relação às eleições fluminenses, os comunistas resolveram apresentar-se às
eleições. Não nos chegaram documentos, mas pode-se especular que os
comunistas resolveram investir forças no sentido de expandir o Bloco Operário
para fora do Distrito Federal, sendo uma das evidências nesse sentido as ordens
do dia de diversas reuniões de células da cidade do Rio de Janeiro, publicadas
em A Nação, que tinham como ponto da ordem do dia a questão das eleições
fluminenses, indicando a participação dos militantes cariocas nas eleições
fluminenses.

Propaganda do Bloco Operário no Estado do Rio de Janeiro.


(ASMOB)

Uma das primeiras providências com relação ao pleito do Estado do Rio de


Janeiro foi a criação do Centro Político Proletário de Petrópolis, o qual,
juntamente com o Centro Político Proletário de Niterói e a direção do Bloco
Operário apresentaram as candidaturas às eleições para deputados pelo 1º (o
secretário geral do PCB, o jornalista Astrojildo Pereira) e 4º Distritos (o tecelão
Raphael Garcia Gonzalez) do Estado do Rio de Janeiro e para vereadores em
Petrópolis (Sebastião de Oliveira Mello - encabeçando a lista -, Bento Aguiar,
Maximino Piobelli, Virgílio Prata, Octavio Soares, José Annibal, Belmiro Carvalho,
Victorio Padovani e Henrique Peixoto, todos tecelões) e Niterói (o estucador João

122
- As eleições municipais de amanhã. Declaração do Bloco Operário. A Nação. Rio de
Janeiro, 02/07/1927, p. 1. No espaço de tempo decorrido entre a decisão (18 de março) e a publicação
da nota decorreu o processo de aprovação da “Lei Celerada”, o que ajuda a compreender o tom mais
sectário da nota do Bloco Operário.
255

Menezes – encabeçando a lista -, os metalúrgicos Eduardo José de Freitas e


Joaquim Antônio da Cunha, o remador José Lopes Vidal Filho, o eletricista
Juvenal Ferreira Torres, o caldeireiro de ferro Álvaro Fernandes Lopes, o pedreiro
José Ignácio da Silva, o chofer Olyntho Pereira de Araújo e o sapateiro Osório
José de Menezes) e lançaram um manifesto à população. Neste manifesto
apresentavam-se os candidatos que defenderiam o mesmo programa
apresentado pelo Bloco Operário do Distrito Federal no dia 5 de janeiro, “feitas as
necessárias adaptações às condições objetivas do Estado do Rio”. Os candidatos
eram definidos como “homens de Partido”, que levariam às câmaras legislativas a
“palavra rude do proletariado”, valendo-se da tribuna parlamentar para fazer uma
“vasta campanha de propaganda de agitação” entre os trabalhadores da cidade e
do campo.
Na campanha do Estado do Rio de Janeiro já não havia um nome de forte
apelo eleitoral sem vínculos de militância com o PCB, como era o caso de
Azevedo Lima, eram todos militantes comunistas, embora se mantivesse ainda o
formato, ao menos nas eleições para deputado, de um candidato com perfil de
pequeno-burguês e de outro operário123.
Esta campanha teve um tempo mais exíguo que a do Distrito Federal, pois
as eleições estavam marcadas para 10 de abril. Discutida pela direção do PCB no
dia 18 de março, foi tornada pública apenas no dia 28, iniciando-se os comícios
no dia 30. Ou seja, houve apenas onze dias de atividades. Valendo-se do mesmo
“formato” empregado no Distrito Federal, foram realizados comícios e um festival,
fundamentalmente em Niterói e Petrópolis, cidades-sede dos dois distritos aos
quais o Bloco Operário apresentou candidatos. Além destas, São Gonçalo e Magé
foram citadas como cidades onde as candidaturas de deputados obtiveram
simpatia. No caso de Petrópolis, também se repetiu a mesma fórmula de ênfase
no apelo à categoria dos têxteis, bastante acentuada nesta eleição, inclusive pelo
perfil profissional dos candidatos, pois tanto o candidato a deputado pelo 4º
Distrito como os todos os candidatos a vereador da cidade eram tecelões. Já no
256

caso de Niterói, houve uma ênfase na categoria dos marítimos124. E, por fim,
embora em menor volume, também as páginas de A Nação cobriram a campanha.

Astrojildo Pereira em 1926.


(ASMOB)

No entanto, o Bloco Operário não conseguiu eleger nenhum candidato no


Estado do Rio de Janeiro. Como usualmente ocorria, houve baixo
comparecimento. A Nação apontou como causa principal a fraude eleitoral,
chamando o pleito de encenação eleitoral125. Em Niterói, que possuía cerca de
8.000 eleitores inscritos, compareceram menos de 2.000. As seções desta cidade
onde os governistas não conseguiriam obter maioria de votos, foram impedidas
de funcionar, os fiscais do Bloco Operário foram ameaçados “pelos capangas e
mesários do governo” e também ocorreram fraudes na apuração. Muitos dos

123
- As próximas eleições fluminenses. Manifesto do Bloco Operário ao proletariado do Estado
do Rio. A Nação. Rio de Janeiro, 29/03/1927, p. 2.
124
- De acordo com os dados do Censo de 1920, em Petrópolis, cuja população era de 65.574
habitantes, havia 1.000 tecelões do sexo masculino, maiores de 21 anos. Era a quarta categoria da
cidade. Antes dos tecelões estavam os trabalhadores agrícolas, com 5.291, os comerciários, com
1.310, e os trabalhadores da construção civil, com 1.119. Já em Niterói, com 86.238 habitantes, o
maior contingente profissional era o dos marítimos e fluviais, com 3.228 trabalhadores do sexo
masculino, maiores de 21 anos. O segundo era o dos comerciários, com 2.832 (Cf. Brasil. Ministério
da Agricultura, Indústria e Comércio. Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil
realizado em 1º de Setembro de 1920. Vol. IV - População (5ª parte) Tomo II, p. 444-445 e 448-449).
125
- As “eleições” no E. do Rio. Apesar da compressão e da fraude, os candidatos do Bloco
Operário apareceram com votação que seria vitoriosa, se o pleito fosse verdadeiro. A experiência, no
entanto, foi ótima. A Nação. Rio de janeiro, 12/04/1927, p. 1 e 4; Ainda as “eleições” no e. do Rio.
As manobras de Norival Penna Mallat. Os 2.209 votos de Raphael não aparecem nas estatísticas do
Ingá. A Nação. Rio de janeiro, 14/04/1927, p. 1; Ecos do pleito fluminense. Como ocorreram as
coisas na 13º seção de Niterói. Conta de chegar: 321 eleitores, 301 para o governo, 20 para a
oposição. A Nação, 16/04/1927, p. 1 e 4; As eleições de 10 de Abril em Petrópolis. Impressões do
candidato do Bloco Operário. A Nação. Rio de Janeiro, 18/04/1927, p. 2.
257

ausentes justificaram a inutilidade da sua presença em razão das habituais


fraudes cometidas pelo principal político governista da cidade, Norival Penna
Mallat: “Para que votar se Norival é que vai fazer a apuração!”.
Embora longa, vale a pena transcrever a saborosa narração, provavelmente
da autoria de Astrojildo Pereira, da eleição e da apuração ocorridas em uma
seção de Niterói, exemplar do que se passava pelo País durante os processos
eleitorais:

“Nesta altura decidimos concentrar nossas atenções sobre a 13ª seção, na


Engenhoca, onde deveriam votar os eleitores do Barreiro. Para lá seguimos e lá
ficamos até ao fim.
Na Engenhoca, quem manda e chuva e o vento é o português Chico
Esteves, homem de confiança de Norival Mallat e seu candidato a vereança. Ele já
estava na 13ª seção, com seu estado maior de capangas na boca da urna –
“fazendo” as eleições...
Ele trocava as cédulas que os eleitores traziam; ele é que colocava as
cédulas nas urnas; ele gritava e ameaçava. Só os eleitores mais enérgicos e
decididos não se submetiam a seus manejos.
Devido ao acúmulo de eleitores – aliás num total de apenas 321 – só por
volta das 8 horas da noite acabava a votação.
Veio o jantar – gulosamente papado, ali mesmo, por sobre as mesas dos
trabalhos eleitorais, pela voracidade da capangada de Chico Esteves.
Nós, ali, firmes.
Os dichotes e as ameaças indiretas choviam, misturados com a farofa do
peru, em direção a nós:
- Isto aqui hoje ainda acaba mal...
- As borboletas vão voar...
- Braço é braço!
- A oposição aqui não tem nem 20 votos. Nem vale a pena contar...
Chico Esteves dizia e repetia:
- Eu não vou fazer apuração. Vou largar aí esta m...da! O Dr. Norival que
tome conta disto...
Mas nós não arredávamos pé dali. Aquelas caretas não nos faziam tremer...
Afinal, depois de várias tentativas feitas pela capangada às ordens de Chico
Esteves, mas frustradas pela serena e irredutível energia em que nos
mantínhamos, veio o próprio Norival, em pessoa, e ‘ordenou’ – note-se bem:
‘ordenou’ – que a apuração fosse feita.
Passava já de 9 horas. Em todas as demais seções estava tudo pronto. É
que só na 13ª seção foi a apuração feita realmente, na parte referente aos
deputados e vereadores.
Éramos dois candidatos e dois fiscais – oito olhos fixados atentamente em
cada cédula. Podemos, pois, assegurar que não houve fraude na ‘contagem’ das
cédulas encontradas nas urnas para deputados e vereadores, na 13ª seção de
Niterói.
258

Mas mesmo assim, sob nossos olhos, houve fraude na apuração dos votos
para presidente, vice-presidente e prefeito.
Passava já de duas horas da madrugada. Norival, que estava presente,
mandou Esteves perguntar-nos se exigíamos a apuração daqueles votos. Nós, de
cálculo pensado, dissemos que não, que aquela apuração não nos interessava.
Vimos então, com os nossos próprios olhos, Norival, Supremo Eleitor, eleger o
presidente, o vice-presidente e o prefeito...
Ele apanhou uma folha de papel e fez a... apuração. Eram 321 eleitores, os
que haviam comparecido na 13ª seção. Norival dividiu-os assim: 301 para o
governo e 20 para a oposição...
Tínhamos, pois, a prova testemunhal da fraude. Tínhamos a certeza de que
nas outras seções, que não pudemos fiscalizar pessoalmente, os votos que
tivemos foram ‘atribuídos’ pelo supremo Eleitor Norival. Queríamos uma prova de
que havíamos sido roubados. Estávamos satisfeitos.”126

Astrojildo Pereira, no 1º Distrito, obteve 746 votos. No 4º Distrito, Raphael


Garcia Gonzalez fora o terceiro mais votado, com cerca de 2.313 votos, mas
acabou não sendo diplomado. De acordo com uma avaliação disseminada
publicamente pelos comunistas algum tempo depois, ambos teriam sido eleitos,
mas teriam sido “degolados antes da verificação dos poderes, isto é, no próprio
pleito, à custa de fraudes e falsificações, que são o apanágio de nossa terra”127.
Nestas eleições, com o exíguo prazo de disputa e a ausência de um
candidato “puxador” de votos, não deixava de ser previsível o resultado negativo
obtido pelo Bloco Operário. Apesar de considerá-las uma boa experiência, pois,
na sua avaliação onde havia população operária era possível vencer, os
comunistas chegaram a uma conclusão, que também servia para o Distrito
Federal, a respeito da necessidade de se criar, além do embate em comícios e
debates, uma estrutura a fim de realizar a disputa eleitoral:

“O que é preciso, pois, fazer é arregimentar o eleitorado operário, eleger


mesários, preparar fiscais enérgicos, e comparecer em massa às seções eleitorais.
Temos a convicção – e vamos trabalhar firmemente neste sentido – que o
proletariado desde que se organize politicamente, levará de roldão todos os
norivais imagináveis.

126
- Ecos do pleito fluminense. Como ocorreram as coisas na 13º seção de Niterói. Conta de
chegar: 321 eleitores, 301 para o governo, 20 para a oposição. A Nação, 16/04/1927, p. 1 e 4.
127
- Homero Barbosa dos Santos. A Coligação Operária e a mentalidade proletária atual.
Praça de Santos. Santos, 09/12/1927, p. 3.
259

Vamos ver, da próxima vez...”128

Enfim, os comunistas começavam a se dar conta que era preciso mais que o
debate ideológico, a conquista das mentes. Era preciso disputar com a burguesia
o espaço no campo político-eleitoral. Para isso, se fazia necessário constituir
estruturas organizativas que tanto superassem o problema da arregimentação de
eleitores - pois o alistamento, ou seja, a obtenção do título de eleitor, era uma
operação propositadamente complexa, como vimos acima, que, para uma parte
significativa dos trabalhadores, requeria auxílio – como o da pouca participação
ativa no processo eleitoral por parte dos trabalhadores. Particularmente neste
último ponto, a longa citação acima é exemplar, pois, além da denúncia da fraude,
ela mostrou que uma presença ativa no processo eleitoral poderia muito bem
garantir a expressão da vontade dos interesses dos trabalhadores nas urnas.
No entanto, neste campo permanecia intocado um fundamento de ação, que
era o enfoque da questão político-eleitoral feito a partir da visão sindical. Houve,
como vimos, no caso do Distrito Federal e do Estado do Rio de Janeiro, uma
condução de campanha feita a partir da ótica de que ela deveria ser conduzida
privilegiando-se as categorias profissionais, com maior ênfase nos têxteis nestas
duas eleições. Isto se casava com o destaque dado a questões afetas ao mundo
sindical no programa apresentado e também tinha reflexos na formulação aí
existente de “direitos políticos de classe”. No entanto, isto acabava chocando-se
com a proposta de aliança com a pequena burguesia urbana, embora tal conflito
acabasse atenuado pelo emprego de reivindicações como anistia, voto secreto.
Esta visão do ângulo sindical acabou dificultando uma ação mais abrangente nas
campanhas eleitorais. Com exceção dos gráficos, levando-se em conta as
categorias nas quais os comunistas tinham influência e militância, havia
importantes índices de analfabetismo e um considerável número de estrangeiros
entre os trabalhadores dos grandes centros urbanos, o que reduzia

128
- As “eleições” no E. do Rio. Apesar da compressão e da fraude, os candidatos do Bloco
Operário apareceram com votação que seria vitoriosa, se o pleito fosse verdadeiro. A experiência, no
entanto, foi ótima. A Nação. Rio de janeiro, 12/04/1927, p. 4.
260

significativamente o número de eleitores e, portanto, de votos. Assim, se do ponto


de vista do crescimento do PCB isto era irrelevante, pois não eram questões que
interferissem com relação ao fato de ser militante comunista, do ponto de vista de
uma campanha eleitoral o enfoque sindical criava limitações, pois o número de
eleitores que poderia ser conquistado em uma atividade eleitoral realizada
defronte uma fábrica talvez fosse menor daquele que poderia ser alcançado se a
atividade houvesse ocorrido em uma grande concentração urbana.
DIVISÃO DISTRITAL DO RIO DE JANEIRO
ANEXO VI

“Carta aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao


Centro Político dos Operários do Distrito Federal, ao Centro Político dos Choferes, ao
Partido Unionista dos Empregados no Comércio, ao Centro Político Proletário da
Gávea e ao Centro Político Proletário de Niterói.

CANDIDATURAS DE CLASSE

As próximas eleições federais, para renovação do Parlamento nacional, estão


interessando sobremaneira ao proletariado e às classes laboriosas em geral de todo o Brasil.
Pode dizer-se que pela primeira vez, entre nós, vê o proletariado brasileiro a
possibilidade de sua intervenção direta e independente no pleito a travar-se. Com efeito, até
aqui – salvo alguma que outra exceção de caráter local ou pessoal – jamais o eleitorado
operário do Brasil participou de uma campanha eleitoral nacional como força própria, como
classe independente, apresentando um programa de reivindicações ditadas por seus
interesses e aspirações de classe. Os operários eleitores votavam indistintamente nos
diversos candidatos da burguesia, a isto quase sempre obrigados pela pressão patronal e
devido à sua própria desorganização partidária.
Mas esses tempos são passados. O proletariado já vai adquirindo uma consciência de
classe – o que quer dizer que já vai compreendendo serem seus interesses antagônicos aos
interesses da burguesia. Ora, este despertar da consciência proletária reflete-se e projeta-se
igualmente sobre o terreno eleitoral. O mesmo instinto de classe diz aos operários eleitores
que eles, nas eleições para os cargos públicos, devem votar nos próprios candidatos, isto é,
nos candidatos que representam realmente seus interesses de classe independente.
É o que agora se verifica. O eleitorado proletário quer enviar gente sua, lídimos e
autênticos representantes seus ao parlamento nacional. Ele não quer mais votar no candidato
patrão, ou no aliado e criatura do patrão-candidato, o qual será, necessariamente, nas
Câmaras, como tem acontecido até hoje, o defensor dos interesses patronais contra os
interesses proletários.
Demais, o proletariado brasileiro vê o que se passa nos demais países do mundo e
aprende no exemplo prático que nos vem – nisto como em tudo o mais – do estrangeiro. O
proletariado dos países europeus e americanos possui seus próprios partidos de classe e, nas
eleições, só vota nos candidatos de seus partidos. Aqui mesmo bem perto de nós, no
Uruguai, na Argentina, no Chile, os partidos operários participam dos pleitos eleitorais
como força independente e como tais elegem seus próprios candidatos.

A INTERVENÇÃO DO P.C.B.

Assim sendo, o Partido Comunista do Brasil, constituído pela vanguarda consciente


do proletariado deste país, não podia deixar de participar nas próximas eleições de fevereiro.
Os interesses e as aspirações do Partido Comunista não são diversos dos interesses e das
aspirações do proletariado em geral. Pelo contrário, o Partido Comunista é o único partido
263

operário que verdadeiramente representa os reais interesses e aspirações totais da classe


operária. É, pois, em nome da massa proletária, que o P.C.B. se dirige, nesta carta aberta, às
pessoas, aos partidos e aos centros acima mencionados, os quais, de uma forma ou de outra,
apresentam-se aos sufrágios operários como candidatos das classes laboriosas e
espezinhadas , cujos interesses dizem representar.
É o caso de Maurício de Lacerda. Gozando da mais larga popularidade, com um
passado de brilhantes lutas parlamentares em prol das liberdades públicas, ele surge no
cenário da campanha eleitoral como candidato dos oprimidos e explorados. O Partido
Socialista o apóia como candidato dos oprimidos e explorados. Nós não concordamos de
modo algum com a sua política individualista, não partidária, geradora de confusões e mal-
entendidos, que só podem servir aos inimigos da política proletária, prejudicando, por
conseguinte, ao próprio Maurício de Lacerda. Certo, sua popularidade é grande, e a massa,
apesar de tudo, apesar daquelas reservas formuladas pela vanguarda, tem-no como um dos
seus e irá votar nele, convicta de que votará num candidato proletário, defensor dos
interesses proletários. Pois bem: o P.C.B., mesmo desconfiando, quer confiar em Maurício
de Lacerda e, em nome da classe operária, propõe-lhe a formação de uma frente única
proletária na campanha eleitoral iniciada, tomando para base uma plataforma única do
combate, contendo as reivindicações mais elementares comuns às massas laboriosas em
geral.
Igual proposta fazemos a Azevedo Lima. Este possui um eleitorado próprio,
fortemente arregimentado e não depende de ninguém do ponto de vista estritamente
eleitoral. Mas sua atuação combativa durante a extinta legislatura, com o criar-lhe uma justa
auréola de indômita bravura no bom combate em prol das causas populares, criou também,
tacitamente, uma espécie de compromisso moral entre ele e o proletariado. Demais, como
reforço a esse compromisso, Azevedo Lima, embora ainda revelando certas contradições
ideológicas, tem feito afirmações peremptórias de simpatia do comunismo e tem tomado
atitudes de desassombrado apoio às luta de classe do proletariado, como foi principalmente
no caso da campanha da ‘A Classe Operária’ contra Luís de Oliveira. De tal sorte, a aliança
de Azevedo Lima ao Bloco Operário, cuja formação propomos, parece decorrer
logicamente de todo seu recente passado e assim o esperamos firmemente. Sua eleição é
geralmente tida como assegurada pelo numeroso e dedicado eleitorado que ele pessoalmente
arregimentou. Neste sentido é evidente que sua aliança conosco pouco resultado prático
numérico lhe trará. Há, porém, o aspecto essencialmente político da batalha e neste sentido
sua adesão ao Bloco Operário, que propomos, é não só uma adesão lógica, mas necessária e
de recíprocas vantagens, isto é, de vantagens para a política proletária, feita de verdade,
nitidez e firmeza.

AOS DEMAIS PARTIDOS E CENTROS

O Partido Socialista, partido reformista, mas que pretende representar as massas


laboriosas, além de apoiar a candidatura de Maurício de Lacerda, apresenta vários
candidatos seus, não só aqui no Distrito Federal, como também no Estado do Rio, na Bahia,
em Pernambuco, em Santa Catarina. Adversários intransigentes da nefasta política
reformista, confusionista, colaboracionista do P.S.B., entendemos, todavia, que é esta uma
excelente oportunidade para, aos olhos das massas, pôr-se à prova a sinceridade dos
264

socialistas, que se apresentam aos sufrágios proletários. O P.C. quer unir, reunir numa frente
única todas as forças proletárias que se aprestam para o próximo combate eleitoral. É o
próprio interesse proletário – que o P.C. põe acima de tudo, visto como o interesse
proletário é o próprio interesse do comunismo – que comanda, em momentos tais, a coesão
e a unificação das forças diante do inimigo comum. E como nós não fazemos questão de
nomes pessoais – guardadas, é claro, certas exigências mínimas – porém, sim, de programa,
de compromisso coletivo, convidamos o P.S.B. a integrar-se na formação do Bloco
Operário, sob cuja bandeira comum, batalhando sobre a mesma comum plataforma
proletária, se apresentarão seus candidatos, no Distrito Federal e nos Estados. Falando claro
e franco, nós não acreditamos na sinceridade dos chefes do P.S.B. nem dos seus candidatos,
e muito menos em sua influência ou força eleitoral, mas estamos prontos a apóia-los, desde
que assumam publicamente, perante o proletariado, o compromisso de defender e submeter-
se à plataforma proletária do Bloco Operário.
Não sabemos ainda que atitude vão tomar, com relação às próximas eleições, o Centro
Político Operário, o Centro Político dos Choferes, o Partido Unionista dos Empregados no
Comércio, o Centro Político Proletário da Gávea e o Centro Político Proletário de Niterói.
Quanto a estes dois últimos, não temos dúvida de que formarão ao nosso lado, dadas as
afinidades entre o seu programa e o nosso. Quanto aos outros três, não sabemos se
pretendem apresentar candidatos próprios ou apoiar eventualmente tais ou quais candidatos.
Seja como for, tornamos extensivo a essas organizações políticas operárias este convite para
sua adesão ao Bloco Operário, na base dos princípios e reivindicações mais adiante
expostas.

FRENTE ÚNICA PROLETÁRIA

É coisa muito fácil de compreender que a participação no pleito eleitoral de todos


esses candidatos e partidos, concorrendo uns contra os outros, dispersivamente, só pode
dar como resultado o enfraquecimento das forças operárias, que todos eles pretendem
representar. Enfraquecimento e dispersão não somente no terreno estritamente eleitoral,
aritmético, do pleito, mas, sobretudo, enfraquecimento e dispersão no terreno político.
As massas operárias e as classes laboriosas em geral estão entre si ligadas por uma
afinidade básica de interesses, que lhes são comuns. Toda a gente pobre – operários,
empregados no comércio, pequenos funcionários, artesãos, trabalhadores agrícolas,
pequenos lavradores, todos aqueles que vivem de seu trabalho pessoal cotidiano –, toda essa
grande massa sofredora e oprimida passa a mesma ‘vida apertada’, porque seus ganhos mal
chegam, quando chegam, para fazer frente às dificuldades crescentes da existência. A
carestia dos gêneros, a crise de habitações, a falta de trabalho, a inflação, a baixa cambial, a
política escorchadora dos impostos federais, estaduais e municipais, toda a sorte de
gravames pesando principalmente sobre os pobres, tudo isso cria uma base comum de
interesses, que o bom senso indica deverem ser defendidos pelo esforço comum dos
interessados.
É esta uma verdade claríssima, que ninguém poderá contestar: na defesa dos interesses
que são comuns todos os interessados deverão unificar e concentrar seus esforços num
bloco único que vá ao combate de fileiras cerradas, obedecendo a um plano comum único.
265

É isto precisamente que nós vimos propor. O Partido Comunista, cônscio de que os
interesses supremos do proletariado devem ser postos acima das tendências desta ou
daquela facção política, propõe a formação de uma frente única, de um bloco operário de
todos os candidatos, partidos e grupos que vão disputar as próximas eleições alegando ou
pleiteando representação das classes laboriosas. O Partido Comunista não pretende
concorrer com candidatos próprios e de tal sorte dividir as forças operárias. O Partido
Comunista, que pleiteia a vitória da política proletária independente, propõe, portanto, a
concentração de todas as forças operárias. O Partido Comunista está disposto a apoiar a
campanha eleitoral dos candidatos e demais grupos e partidos que aceitem travar a batalha
na base em comum na base de uma plataforma comum, segundo um plano comum.
Demais disso, o Partido Comunista, interpretando o verdadeiro e instintivo
pensamento de classe das massas trabalhadoras, pretende por este meio iniciar uma vasta
campanha de saneamento do meio político nacional, combatendo sem tréguas a política
personalista, individualista e irresponsável dos cabos eleitorais sem princípio, sem programa,
sem finalidade. É preciso sanear a política e para isto é preciso intervir nela e não afastar-se
dela, deixando-a entregue aos manejos imorais de ambiciosos e negocistas sem escrúpulo. E
o primeiro passo a dar no sentido do saneamento da política está em exigir a
responsabilidade dos políticos perante as massas. Queremos uma política de princípios,
de programas, de responsabilidades.
O Partido Comunista, partido do proletariado, tem responsabilidades, defende
princípios e bate-se por um programa. Daí, sua atitude presente, saltando na arena do
combate eleitoral e convocando para a defesa em comum dos interesses do proletariado
todos aqueles que se apresentam como partidários do proletariado.

A plataforma do Bloco Operário

Como base para a constituição do Bloco Operário, apresentamos a seguir os itens da


plataforma eleitoral a ser apresentada às massas laboriosas. Esta plataforma, como se verá, é
um verdadeiro programa de reivindicações imediatas, consubstanciando em seus pontos as
mais urgentes necessidades e as aspirações mínimas das classes oprimidas deste país.

Política independente de classe – A tarefa primordial dos candidatos do Bloco


Operário consistirá em chamar a massa operária ao exercício efetivo de seus direitos
políticos de classe. Realizando uma política independente de classe, os candidatos do Bloco
Operário manter-se-ão em contato permanente com a massa operária por meio de seus
órgãos representativos – sindicais e partidários – e por meio dos comícios públicos.
Representando a massa operária, cujos interesses reais defenderão a todo transe no
Congresso, os candidatos do Bloco Operário tomam o prévio compromisso de subordinar
sua atividade parlamentar ao controle da massa operária, cujo pensamento ouvirão em cada
ocasião, através de seus órgãos de classe autorizados. Eleitos e sustentados pela massa
operária, os candidatos do Bloco Operário são responsáveis perante a massa operária por
toda a atividade política e legislativa que desenvolverem dentro e fora do parlamento.
Crítica e combate à política plutocrática – Órgãos da política de classe da massa
operária dentro do Parlamento, os candidatos do Bloco Operário exercerão a mais severa
vigilância sobre a política e os políticos, que direta ou indiretamente representam os
266

interesses da plutocracia, não poupando a crítica aos seus crimes, desmandos, abusos,
hipocrisias, explorações. Os candidatos do Bloco Operário bater-se-ão incessantemente por
uma política de responsabilidades perante as massas populares, contra a política personalista
dos conchavos e arranjos tramados à revelia do povo contribuinte.
Contra o imperialismo – Na política exterior do país, os candidatos do Bloco
Operário orientarão sua atividade no sentido da luta mais encarniçada contra o imperialismo
das grandes potências financeiras. Dentro desta orientação, os seguintes pontos serão
particularmente visados: a) oposição a todo novo empréstimo externo; b) revisão dos
contratos das empresas capitalistas estrangeiras concessionárias de serviços no Brasil; c)
nacionalização das estradas de ferro, das minas e das usinas de energia elétrica; d) extinção
das missões militar e naval estrangeiras; e) aliança com os países irmãos da América Latina,
com os países coloniais e oprimidos (as Índias, a China etc.) que lutam contra os opressores
imperialistas.
Reconhecimento “de jure” da U.R.S.S. – A União das Repúblicas Socialistas dos
Sovietes, imensa federação de povos, com cerca de 20 milhões de quilômetros quadrados e
140 milhões de habitantes é hoje uma grande potência econômica e política mundial que os
Estados mais reacionários (como a Itália, a Inglaterra, o Japão, etc.) não podem
desconhecer e cujas relações comerciais não podem dispensar. A U.R.S.S. é a aliada natural
e a esperança suprema das classes laboriosas e oprimidas do mundo inteiro, que nela têm o
exemplo prático da constituição e funcionamento da verdadeira democracia proletária, do
governo do trabalho. Ela é ainda o baluarte irredutível, o ponto de apoio principal dos povos
que lutam contra o imperialismo. Por tudo isso, os candidatos do Bloco Operário
preconizarão o reconhecimento “de jure”, pelo Brasil, do governo da U.R.S.S. e pelo
restabelecimento das relações diplomáticas, comerciais e culturais entre os dois países.
Anistia aos presos políticos – Somos partidários da mais ampla anistia aos presos
políticos de toda natureza, processados ou não, civis e militares. Pior, porém, que as prisões
sofridas pelas vítimas do sítio foram as deportações de operários para a Clevelândia, no
Oiapoque. Todos esses trabalhadores e suas famílias ficaram com a vida completamente
arruinada. Muitos deles morreram devorados pelas febres e pelas misérias daquelas regiões.
Os candidatos do Bloco Operário, representantes dos trabalhadores oprimidos, pensam em
primeiro lugar nas vítimas operárias da repressão policial. E, assim, bater-se-ão para que os
operários sobreviventes, ou as famílias dos que morreram no desterro do Oiapoque, sejam
devidamente indenizados pelo Estado, calculando-se a indenização de cada caso segundo os
salários que respectivamente ganhavam, acumulados durante o tempo decorrido, desde o dia
da prisão ao da libertação ou morte de cada qual. Esta medida justíssima de indenização
deve ser aplicada em todos os casos semelhantes aos dos vitimados no Oiapoque.
Autonomia do Distrito Federal – Entendemos que a administração do Distrito
Federal – o maior centro de trabalho do país – deve estar liberta da tutela e da opressiva
influência da política federal. Para isto preconizamos principalmente: a) a eleição do
prefeito, que deve ser responsável de sua gestão perante o Conselho Municipal; b) aumento
das cadeiras do Conselho Municipal, sendo as eleições feitas segundo o sistema da
representação proporcional (como em Buenos Aires); c) nenhuma subordinação da
administração local ao Senado Federal ou qualquer outro organismo do governo federal; d)
municipalização completa da polícia e do corpo de bombeiros, sendo os respectivos
comandantes de nomeação do prefeito.
267

Legislação social – Os candidatos do Bloco Operário bater-se-ão pelo andamento


imediato do Código do Trabalho encalhado no Senado, propondo seja o mesmo submetido à
revisão por uma assembléia especial de representantes autorizados dos sindicatos operários.
No que concerne à rigorosa aplicação das leis e regulamentos integrantes do Código do
Trabalho (bem como a lei de férias, a lei de acidentes, a lei de pensões), preconizamos como
medida preliminar indispensável que sua fiscalização e controle sejam confiados aos comitês
operários eleitos nas próprias fábricas, oficinas e sindicatos. Os itens a seguir constituirão os
pontos principais da atividade parlamentar dos candidatos do Bloco Operário em matéria de
legislação social, condições de trabalho, problemas de higiene e assistência social, no lar, na
rua, na fábrica, na oficina, no comércio, nos transportes, no subsolo, na lavoura: a) máximo
de 8 horas de trabalho diário e 44 semanais, e redução a 6 horas diárias nos trabalhos
malsãos; b) proteção efetiva às mulheres operárias, aos menores operários com a proibição
do trabalho a menores de 14 anos; c) salário mínimo; d) contratos coletivos do trabalho; e) o
seguro social a cargo do Estado e do patronato, contra o desemprego, a invalidez, a
enfermidade, a velhice; f) enérgica repressão ao jogo e ao alcoolismo; g) licença às operárias
grávidas de 60 dias antes e 60 dias depois do parto, com pagamento integral dos respectivos
salários; h) extinção dos serões e extraordinários; i) descanso hebdomadário em todos os
ramos do trabalho, na indústria, no comércio, nos transportes, na lavoura; j) proibição da
dormida nos locais de trabalho; k) água filtrada nas fábricas e oficinas; l) saneamento rural
sistemático, visando a regeneração física e moral do trabalhador agrícola, a higienização das
condições de trabalho e habitação na lavoura, assistência médica gratuita aos doentes
pobres; m) fomento e facilidades às cooperativas operárias de consumo e às cooperativas de
produção na pequena lavoura.
Contra as leis de exceção – Pugnando pela mais completa liberdade de opinião,
associação e reunião para as classes laboriosas, os candidatos do Bloco Operário oferecerão
encarniçado combate a todas as leis de exceção (lei Adolpho Gordo, lei de expulsão de
operários estrangeiros, lei de imprensa), inspiradas no espírito reacionário e antiproletário do
capitalismo dominante. O direito de greve é, teoricamente, reconhecido pelo Código Civil.
Para que esse direito de torne uma realidade prática é absolutamente necessário proibir a
indébita e arbitrária intervenção policial nas greves. Por este direito bater-se-ão os
candidatos do Bloco Operário. Os direitos de livre associação e livre opinião política devem
ser extensivos aos pequenos funcionários e operários federais, estaduais e municipais
(correios e telégrafos, arsenais, limpeza pública, obras públicas, professorado primário etc.).
Impostos – Em matéria de imposto e taxações fiscais de qualquer natureza – federais,
estaduais ou municipais – os candidatos do Bloco Operário orientarão sua atividade
parlamentar guiados pelo seguinte princípio: só os ricos devem pagar impostos.
Atualmente, a quase totalidade dos impostos é de fato paga pelos pobres. Estes pagam 300
mil contos, sobre o consumo; ao passo que os ricos pagam, sobre a renda, a insignificância
de 24 mil contos. O operário contribui com 25% de seus magros ganhos para o Tesouro, ao
passo que o nababo, que nada em dinheiro, contribui, proporcionalmente, com apenas
0,5%... Os candidatos do Bloco Operário propugnarão por que a totalidade dos impostos de
toda natureza seja paga somente pelos ricos, eximindo-se os pobres de tão pesados
encargos.
A reforma monetária e a carestia da vida – As conseqüências da reforma monetária
– quebra do padrão, conversão, estabilização, substituição do mil réis pelo cruzeiro – vão
268

atingir e afligir principalmente as camadas pobres da população: operários, artesãos,


empregados no comércio e nos transportes de terra e mar, pequenos funcionários, pequenos
lavradores, intelectuais pobres, soldados, marinheiros, trabalhadores em geral, enfim, todos
aqueles que vivem de um salário ou de seu trabalho pessoal. A estabilização já decretada vai
operar-se na base de um câmbio baixo e isto significa a estabilização da carestia, senão o
aumento da carestia. Demais, o decreto da reforma monetária autoriza o governo a procurar
os recursos de que carecer para a conversão e estabilização principalmente nas duas fontes
seguintes: a) nos saldos orçamentários – o que será obtido pela majoração dos impostos, de
onde resultará maior alta nos preços das utilidades; b) nos empréstimos no exterior – o que
acarretará a necessidade de aumentos das rendas (isto é, novos impostos) para fazer face aos
compromissos agravados, e aí teremos novas causas de carestia. Haverá ainda, com o
estabelecimento do “cruzeiro”, um reajustamento geral nos preços e nos salários, e isto
fatalmente será pretexto de novas diminuições na capacidade aquisitiva dos ganhos
proletários. Estas considerações fundamentais bastam para mostrar o grau de gravidade que
atingirá a situação das camadas pobres da população com o efetivar-se do decreto de
reforma monetária. Mas, encarando de frente a situação, cônscios das responsabilidades que
assumem nesta plataforma, os candidatos do Bloco Operário reivindicarão para as massas
laboriosas a aspiração das seguintes medidas de defesa de seus interesses ameaçados pela
reforma monetária: a) o reajustamento dos salários operários, dos vencimentos dos
pequenos funcionários bem como das etapas dos oficiais inferiores e praças de pré, segundo
uma tabela, cientificamente estabelecida, de relação entre o preço das utilidades e as
necessidades mínimas da população trabalhadora; b) oposição a todo novo empréstimo no
exterior, o que só poderá agravar o estado de dependência nacional ao imperialismo
financeiro anglo-americano; c) severa repressão à jogatina cambial; d) oposição a toda
majoração de impostos que venham recair sobre as camadas pobres da população; e)
imposição das classes ricas, majoração dos impostos sobre o luxo, sobre as rendas e sobre o
capital dos grandes senhores agrários, industriais e comerciais.
Habitação operária – A questão da habitação operária é daquelas que mais
preocuparão a atividade parlamentar dos candidatos do Bloco Operário. Eles denunciarão
implacavelmente as meias soluções burguesas, as medidas de emergência, os paliativos
demagógicos, e bater-se-ão em prol de soluções proletárias amplas e decisivas, como sejam:
a) construção, expropriação e municipalização geral das casas para operários; b) aluguéis
proporcionais aos salários, sendo as respectivas tabelas estabelecidas e fiscalizadas por
comissões de inquilinos pobres; c) supressão dos depósitos, e pagamento por mês vencido;
d) derrubada dos barracões, “casas de cômodos” e “cabeças de porco”, e construção em seu
lugar de habitações que possuam todos os requisitos da higiene e da comodidade; e) severa
repressão da especulação dos intermediários e sublocadores.
Ensino e educação – Nas questões referentes ao ensino público, os candidatos do
Bloco Operário bater-se-ão não só pela extensão e obrigatoriedade do ensino primário,
como ainda, complementarmente: a) pela ajuda econômica às crianças pobres em idade
escolar, fornecendo-lhes, além do material escolar, roupa, comida e meios gratuitos de
transporte; b) pela multiplicação das escolas profissionais de ambos os sexos como uma
continuação necessária e natural das escolas primárias de letras; c) pela melhoria nas
condições de vida do professorado primário, cuja dedicação à causa do ensino público deve
269

ser melhor compreendida e compensada; d) pela subvenção às bibliotecas populares e


operárias.
Voto secreto – Somos partidários do voto secreto e obrigatório, e extensivo às
mulheres e às praças de pré, bem como aos operários estrangeiros com residência definitiva
no país. Entendemos, porém, que o voto secreto e obrigatório não é panacéia universal
capaz de curar todos os males da democracia, nem tampouco um fim em si mesmo, e sim
um meio de facilitar a participação das massas na política e na administração do país. Neste
sentido, entendemos que a instituição do voto secreto e obrigatório deve ser acompanhada
(ou mesmo precedida): a) [de] facilidade e simplificação no processo de alistamento
eleitoral, criando-se a possibilidade real de intervenção das largas massas nos pleitos
eleitorais; b) do sistema de representação proporcional por quociente eleitoral, meio único
de acabar com a existência da “cabos” eleitorais e de forçar a criação dos partidos e a
apresentação dos candidatos em listas coletivas de cada partido.

Eis aí estão condensadas as reivindicações imediatas que verdadeiramente consultam


aos interesses e aspirações das massas laboriosas em geral.
Por estas reivindicações bater-se-ão denodadamente os candidatos do Bloco Operário.
Todo operário, toda a gente pobre compreenderá que fora desta plataforma não pode
haver política proletária sincera. Fora do Bloco Operário, que sustentará esta plataforma,
não pode haver candidatos operários.
O P.C.B., que toma a iniciativa da formação do Bloco Operário, estabelece o prazo de
uma semana, a contar desta data, para resposta daqueles a quem se dirige nesta Carta aberta.

Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1927

A Comissão Central
Executiva do P.C.B.”

(FONTE: A Nação. Rio de Janeiro, 05/01/1927, p. 1, 2, 3)


e) Ampliando a ação

Logo após as eleições do Rio de Janeiro dois importantes acontecimentos


colocaram-se na trajetória do PCB e tiveram influência sobre as questões aqui
tratadas: a Lei Celerada e o contato com Luiz Carlos Prestes.

DE VOLTA À CLANDESTINIDADE

A partir de maio de 1927 iniciou-se um recrudescimento da conjuntura


política do Brasil. Como observou Carone, Washington Luís alternava algumas
concessões liberais com uma repressão sistemática, o que provocou um
crescente descontentamento1. Isto levava a que, por exemplo, em editorial de O
Jornal, diário carioca do jornalista Assis Chateaubriand, reproduzido por O
Combate, de São Paulo, se afirmasse que Washington Luís perdia as vantagens
da popularidade que tinha amealhado quando de sua posse - ao deixar a
impressão de que pretendia alterar o rumo político do governo de seu antecessor
e “promover o apaziguamento da nação” - e propiciava, com seus atos, o
crescimento da influência da oposição ao governo. Frente à situação, o matutino
de Chateaubriand aconselhava o presidente:

“Enquanto a incompatibilidade entre o presidente da República e a opinião


nacional não se torna irremediável, um movimento de salutar recuo para a órbita
traçada pelos princípios liberais e republicanos, pode evitar a precipitação de
acontecimentos que todos desejam ver afastados. Um movimento neste sentido
não comprometeria de modo algum o prestígio da autoridade e dissiparia as
dúvidas que começam a sobrecarregar o movimento político, permitindo ao sr.
Washington Luís realizar no seu governo a obra administrativa que se esperava
dele e cuja execução é urgentemente reclamada pelos interesses vitais do País.
Compenetrados das necessidades de manutenção e apaziguamento das
paixões políticas que tendem a recrudescer, pediríamos ao presidente da
República, certos d estarmos interpretando o pensamento das classes
conservadoras, que evitasse a formação de violentas correntes oposicionistas,

1
- Edgard Carone. A República Velha (Evolução política), p. 396.
272

libertando-se das tendências ao arbítrio e à prepotência, sem as quais aquelas


correntes se dissolverão por terem perdido a sua razão de ser.”2

Este apelo de O Jornal deu-se a propósito da aprovação daquela que viria a


ser a mais conhecida das medidas repressivas do governo de Washington Luís.
Em seu início ela aparecera como um projeto de lei do Senado que aumentava as
penas de artigos do Código Penal referentes à violência nas greves. Aprovado no
Senado foi enviado para a apreciação da Câmara. Depois de encerrada a terceira
discussão, foi requerida a volta do projeto à Comissão de Constituição e Justiça
da Câmara dos Deputados para que aí recebesse uma emenda do deputado
Maurício de Medeiros abrandando as penas. No entanto, valendo-se disso ele
acabou sendo alterado por um parecer substitutivo dado na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados pelo deputado mato-grossense
Annibal Benício de Toledo, que agravava ainda mais as penas propostas no texto
inicial e acrescentava ao artigo da lei de repressão ao anarquismo (Lei nº 4.269,
de 17/01/1921), o qual permitia ao governo fechar, por tempo determinado,
entidades envolvidas com os crimes ali capitulados, medida que atingia entidades
que praticassem “atos contrários à ordem, moralidade e segurança públicas e,
quer operem no estrangeiro, quer no País, vedar-lhes a propaganda impedindo a
distribuição de escritos ou suspendendo os órgãos de publicidade que a isto se
proponham”. A menção feita a operações no estrangeiro e no Brasil, como
destacou Pinheiro, referia-se evidentemente à IC e ao PCB3.
Aliás, de acordo com A Nação, reproduzindo informação do Diário Nacional,
órgão do Partido Democrático de São Paulo, o parecer não teria sido redigido por
Annibal de Toledo, mas sim pelo

“Sr. [Heráclito Fontoura] Sobral Pinto, revista por dois ministros do Supremo,
srs. [Antônio Joaquim] Pires [de Carvalho] e Albuquerque e Heitor de Souza. Isto
significa o seguinte: Washington e [Augusto] Vianna do Castello [ministro da
Justiça e Negócios Interiores] chamaram o procurador Sobral Pinto e os ministros

2
- A esquerda parlamentar se agita. O discurso de ontem do sr. Bergamini. O Combate. São
Paulo, 19/08/1927, p. 6.
3
- Paulo Sérgio Pinheiro. Estratégias da ilusão, p. 122.
273

do Supremo Pires e Heitor, ordenando-lhes que redigissem o projeto; chamaram


depois o deputado Annibal e ordenaram-lhe que o apresentasse à Câmara.
Santíssima trindade: três poderes distintos – Executivo, Legislativo e Judiciário –
num só poder – o Executivo.”4

Este substitutivo ficou conhecido como “Lei Celerada”.


Depois de dois incidentes da conjuntura política, o substitutivo de Toledo
ganhou maior visibilidade e provocou a aceleração de sua tramitação em regime
de urgência.
O primeiro deles foi a divulgação, pela imprensa, de referências ao Brasil em
documentos apreendidos pela polícia britânica após a invasão da sede da Arcos5
em 12 de maio de 1927. Azevedo Lima, em pronunciamento na Câmara dos
Deputados feito no dia 27 de maio, esclareceu tais alusões e lhe apontava os fins:

“Na parte referente ao Brasil, o ‘Livro Branco’ – assim se chama o livro das
explicações sobre este ato violento e insidioso da diplomacia britânica – declara,
como prova dessa alegação, que no próprio Rio de Janeiro certos agentes da
espionagem russa exercem o trabalho de demolição do regime e de hostilidade à
República. Aduzindo fatos concretos, o ‘Livro Branco’ cita até nomes e endereços
de alguns desse espiões. [...]
Ora, o Partido Comunista Brasileiro, para se furtar a essa bisbilhotice
criminosa, ignóbil e inócua, para não dizer imbecil, do Governo passado [Azevedo
Lima alude à censura postal durante o estado de sítio, dk], houve por bem adotar,
a fim de receber a correspondência impressa que lhe era endereçada, constituída
por jornais, revistas, ‘magazines’, um certo número de endereços artificiais, que
pusessem os seus destinatários ao abrigo da imediata perseguição da polícia. Daí
o ter essa penetrante e perspicaz polícia inglesa descoberto os nomes de certos
destinatários que recebiam, não só da Inglaterra, mas ainda de Paris, de Amsterdã,
de Roma, de Madrid e outras grande metrópoles européias, a correspondência
relativa ao movimento social do planeta [...]
O assalto, a invasão, a busca, a depredação perpetrada pela polícia inglesa,
contra todos os princípios do liberalismo britânico, no interior de um departamento
anexo à embaixada russa, a Arcos, é bem o indício de que a Inglaterra desejava

4
- Ditadura da classe capitalista. A Nação. Rio de Janeiro, 23/07/1927, p. 1.
5
- Arcos era sigla para All Russian Cooperative Society, empresa criada em Londres em 1922,
que tinha como objetivo fomentar o comércio anglo-russo e que foi apresentada pelo governo
britânico como um reduto de espionagem e uma frente de subversão na Grã-Bretanha. Louis Fischer
informou que vários documentos dados como apreendidos na Arcos foram, na verdade, inseridos pelo
governo britânico. O secretário de estado de negócios externos Sir Joseph Austen Chamberlain
negou-se a explicar ao Parlamento a origem destes “novos” documentos (cf. Louis Fischer. Les
Soviets dans les affaires mondiales, p. 626)
274

um mais largo acontecimento, qual o da ruptura definitiva das relações


diplomáticas e comerciais. “6

A estas referências, mais tarde, juntara-se um suposto plano de subversão,


envolvendo atentados políticos, sabotagens, greves etc., articulados por “agentes
de Moscou” em conjunto com “dirigentes dos partidos de oposição ao atual
governo, pouco importando a bandeira e as idéias desses partidos”7.
É justamente neste ponto que se encaixou o segundo evento conjuntural que
desencadeou a aceleração do substitutivo de Toledo. A polícia anunciou a
descoberta de uma suposta conspiração, idealizada por ex-funcionários da Light,
em sua maioria estrangeiros, na qual se combinava uma greve por reivindicações
salariais com projetados atos de sabotagem na rede elétrica. Os envolvidos foram
presos e treze estrangeiros rapidamente expulsos do Brasil8.
O PCB, por meio de uma declaração, na qual classificava a situação de
romance e encenação policial e jornalística, afirmava que só se tinha um objetivo
com tudo isto:

“Criar um ambiente artificial de terror na opinião pública e, a favor de tal


ambiente, desencadear a mais feroz reação contra a classe operária, suas
organizações sindicais e sobretudo seu partido, o Partido Comunista.”9

Acrescentava a declaração que tal situação não era condizente com as


convicções do PCB, pois este repelia “greves sem preparo prévio, ação individual,
bombas que fazem o jogo da polícia” e afirmava que sua ação se dava às claras

6
- Brasil. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Anais da Câmara dos Deputados
1927. Vol. III (De 3 a 31 de Maio), p. 393 e 394. O pronunciamento foi reproduzido em A Nação em
sua edição de 28 de maio.
7
- En Brasil se prepara um proceso monstruo contra los comunistas. La Correspondência
Sudamericana. Buenos Aires, nº 28, 31/07/1927, p. 25-27. Ver também O comunismo no Brasil.
Preparava-se um movimento geral? Commercio de Santos. Santos, 07-06-1927, p. 1.
8
- John W. Foster Dulles. Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 273. A serviço do
capitalismo estrangeiro. O governo expulsa trabalhadores do território nacional. A Nação. Rio de
Janeiro, 01/07/1927, p. 1. Continuam as deportações!. A Nação. Rio de Janeiro, 19/07/1927, p. 1.
9
- Presidium do PCB. Pela defesa do direito de greve! A Light contra as leis brasileiras. Os
acontecimentos da madrugada de sábado. Espionagem e provocação. A polícia ao serviço do
imperialismo estrangeiro. Desmascarando planos maquiavélicos. Declaração do Presidium do Partido
Comunista. A Nação. Rio de Janeiro, 06/06/1927, p. 1.
275

e dentro da lei, “visando, com a propaganda pública de seus princípios, a


organização das largas massas operárias”.
O PCB atribuiu, logo depois, a iniciativa às “ordens dos banqueiros de
Londres”, que exigiam a “pacificação” do País. Caso o governo brasileiro não se
dispusesse a isso, não teria à disposição “dinheiro para resolver o grave
problema da reforma da moeda e o gravíssimo problema do funding”. A aprovação
do substitutivo de Toledo teria como resultado, na avaliação comunista, um
“estado de sítio para o proletariado e para a pequena burguesia rebelde”10. A isto
se somou uma vigorosa campanha envolvendo vários jornais cariocas, que
propiciou, deste modo, um ambiente favorável à aprovação do substitutivo de
Toledo. Por meio desta campanha os comunistas, em reação, enxergaram uma
coligação dos imperialismos estrangeiros, uma “frente única” contra o comunismo,
tendo como base para suas afirmativas a origem econômica de seus anunciantes:

“Como ‘Vanguarda”, ‘A Noite’ e outros jornais capitalistas, o ‘Correio’ publica


os anúncios dessas empresas. Em troca, silencia a miséria dos operários e
empregados desses imperialistas. Silencia a opressão exercida pelos mesmos. Faz
a política desses opressores. Aplaina o caminho para a absorção do Brasil por
esses imperialistas. Combate os comunistas brasileiros porque estes constituem o
grande obstáculo a essa obra maldita.
Abri os olhos! Deixai-vos de ilusões. Esses jornais preparam novas guerras,
uma intervenção militar na Rússia Proletária e a colonização do Brasil por Londres
e Nova York. Preparam as leis celeradas contra nós e contra vós! Defendei-nos!
Sigamos o exemplo da China!
Abaixo o imperialismo! Abaixo os jornais corrompidos pelos capitalistas
estrangeiros! Viva o bloco de ferro dos 30 milhões de proletários e pequenos
burgueses!”11

Independentemente das razões apontadas pelo PCB, sabe-se hoje que em


1927 o governo brasileiro estreitou laços com uma organização anticomunista

10
- Levantemo-nos contra os fazendeiros de café que estão vendendo o país aos banqueiros de
Londres! Abaixo o estado de sítio contra o proletariado! A Nação. Rio de Janeiro,08/06/1927, p. 1-2.
11
- Pequenos burgueses oprimidos, olhai a realidade brasileira!! Como “A Noite” e a
“Vanguarda”, o “Correio da Manhã” é um [sic] instrumento do imperialismo estrangeiro! Quem não
estiver com o proletariado e o seu partido, há de estar com Londres e Nova York!. A Nação. Rio de
Janeiro, 15/06/1927, p. 4. Ver também os artigos Proletários e pequenos burgueses oprimidos!! “A
Noite” prepara o caminho para a reação imperialista estrangeira. Defendei-vos e defendei-nos contra
276

estabelecida na Suíça, a “Entente contra a Terceira Internacional”, dirigida pelo


advogado Théodore Aubert. Através de um diplomata brasileiro estabelecido na
Suíça, Raul do Rio Branco, e do delegado titular da Delegacia de Ordem Política
e Segurança Pública, coronel Carlos Reis, Aubert desejava criar um “centro
antibolchevique” no Brasil e solicitou subsídios do governo para isso. Na época
da divulgação da documentação aprendida na Arcos, Rio Branco, em viagem ao
Brasil, manteve “numerosas e prolongadas” conversações com Washington Luís
sobre o problema comunista e as atividades da “Entente”. O presidente brasileiro
concordou em dar um subsídio anual de 10.000 francos suíços para a
organização anticomunista suíça em troca de informações e material de
contrapropaganda. A documentação – cuja inconsistência, aliás, já está
demonstrada por Pinheiro - que fora exibida, em nome do governo, por Annibal de
Toledo em sessão secreta na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados e
depois em plenário, como prova da “conspiração” comunista, chegou ao País
durante estas conversações entre Rio Branco e Washington Luís. O próprio
Annibal de Toledo aludiu, em plenário, à origem da documentação, mencionando
o nome da “Entente” - embora o fato tenha passado desapercebido naquele
momento – e definindo-a como “uma associação criada para o fim exclusivo de
organizar e dirigir a profilaxia social do Ocidente contra a peste asiática do
bolchevismo”. Mesmo o diário comunista A Nação refere-se ao fato, sem, no
entanto, mencionar a “Entente”, dizendo que toda a “papelada” exibida pelo
parlamentar mato-grossense era estrangeira e parte dela havia sido entregue por
Raul do Rio Branco. Aliás, também é importante recordar que naquela mesma
época apareceram em vários países muitos “documentos” comprovadamente
falsificados que envolviam mirabolantes conspirações soviéticas12.

as leis celeradas impostas por Londres e Nova York!. A Nação. Rio de Janeiro, 14/06/1927, p. 1 e 4 e
Frente única!. A Nação. Rio de Janeiro, 16/06/1927, p. 1.
12
- Stanley E. Hilton. Brazil and the soviet challenge, 1917-1947, p. 17-18; Paulo Sérgio
Pinheiro. Op. cit., p. 128-129; Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 23/07/1927, p. 2262; a
definição da “Entente” foi retirada de um pronunciamento de Toledo, visivelmente redigido por um
“ghost writer”, e publicado em Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 28/07/1927, p. 2398;
O espernear dos boiadeiros! Refutando o pai do monstrengo... A Nação. Rio de Janeiro, 19/07/19278,
p. 1; Resposta aos aleives da direita! Mais um discurso de Azevedo Lima. O silêncio bovino da
277

A Nação promoveu uma intensa campanha contra a aprovação da “Lei


Celerada”, publicando matérias diariamente sobre o assunto, além de reproduzir
os pronunciamentos que Azevedo Lima e alguns outros deputados faziam na
Câmara. Além disso, procurou organizar uma campanha de envio de protestos
contra o substitutivo por parte de entidades sindicais, que eram publicados em
suas páginas e, também, lidos por Azevedo Lima no plenário da Câmara dos
Deputados.
O diário preocupou-se em demonstrar à saciedade que o substitutivo de
Annibal de Toledo visava fundamentalmente o movimento organizado dos
trabalhadores e o PCB, mas acabaria atingindo a todos os opositores do regime,
comunistas ou não, pois ele, na verdade, revogava o artigo 72 da Constituição,
que tratava da declaração dos direitos relativos à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, através da proibição do direito de associação e de
reunião, bem como a liberdade de expressão e pensamento. Do mesmo modo,
buscou demonstrar a falsidade das alegações que estavam na base do
substitutivo através da exigência de publicidade da documentação que Annibal de
Toledo afirmava deter e chamar a atenção para o fato de que, em uma aberração
ímpar, os parlamentares iriam aprovar uma medida com base em algo que nunca
viram, como afirmou Azevedo Lima:

“Não posso, assim, sob pena de transigir com a minha própria honra, fazer
obra para o País, mediante a exibição, mais ou menos clandestina e reservada, de
documentos cuja autenticidade desde já contesto, porque se verdadeiros, se são
legítimos, se são fidedignos, não devem deixar de vir à luz da publicidade. Se são
falsos, mentirosos, encomendados, nunca deverão servir para levar o Congresso
Federal à aprovação de mediadas como esse, contrárias à própria índole de nosso
regime, ao decoro do nosso país e ao respeito que devemos aos nossos
concidadãos.”13

Esta questão levou a uma crítica formulada com muita ênfase naquele
momento, qual seja, a da subordinação do Poder Legislativo ao Executivo, o qual,

Câmara diante das duras verdades proferidas pelo deputado do Bloco Operário. A Nação. Rio de
Janeiro, 28/07/1927, p. 1 e 2.
13
- Quem é subornado pelo ouro estrangeiro?. A Nação. Rio de Janeiro, 26/07/1927, p. 1-2.
278

desse modo, dava mostras de uma completa ausência de zelo pela sua
independência.
Enquanto isso, os deputados Azevedo Lima, Adolpho Bergamini, Batista
Luzardo, Marrey Júnior, Maurício de Medeiros e os senadores Irineu Machado,
Antônio Moniz e Soares dos Santos buscaram desenvolver no Congresso
Nacional, tanto por meios suasórios como através de recursos regimentais, uma
atividade de bloqueio e retardamento da tramitação do substitutivo de Annibal de
Toledo.
Ao mesmo tempo, em uma antevisão do que ocorreria após a aprovação do
substitutivo proposto por Annibal de Toledo, vários militantes comunistas foram
vitimados pela repressão do governo: dois militantes estrangeiros, um russo, o
metalúrgico Hermann Berezin, e outro português, o padeiro José Maria de
Carvalho, foram presos e expulsos do País, também sendo aprisionados
Fernando Alô, por ter criticado o regime, Arthur Basbaum, Júlio Kengen,
Estanislau Guimarães, César Leitão, Hygino Alonso, Aristides Lobo, além de João
Freire de Oliveira, gerente de A Nação, ter sofrido uma tentativa de assassinato14.
Com o vulto das discussões chegou a ser constituída, a partir de uma
iniciativa liderada por um grupo de pessoas composto essencialmente por
jornalistas, uma organização sem caráter partidário denominada “Núcleo de
Defesa dos Direitos Constitucionais”, criada para a “manutenção do sistema
constitucional que tem permitido a formação da consciência democrata brasileira,
assegurando-nos os direitos de propriedade, de associação, de reunião e de
pensamento”15. O PCB aderiu a esta organização, ressalvando que não era
“partidário” da Constituição em vigor, mas que naquele momento julgava
necessário apoiar e aliar-se a “todos os elementos sinceros que pretendem opor

14
- Abaixo as hienas da contra-revolução! Liberdade para o jovem estudante mineiro Aristides
Lobo!. A Nação. Rio de Janeiro, 05/08/1927, p. 3.
15
- Eloy Pontes (O Globo), Rodolpho Motta Lima (Correio da Manhã), Severino Barbosa
Correia (O Globo), Barreto Leite Filho (A Manhã), Miguel Costa Filho (Jornal do Brasil), Balthazar
de Oliveira (A Esquerda), Heitor Moniz (Correio da Manhã), Carlos Maul (escritor e jornalista),
Aurélio Brito (jornalista) e João Pecegueiro do Amaral (médico). Pelas liberdades constitucionais!
Contra as leis celeradas! A Nação. Rio de Janeiro, 03/08/1927, p. 1.
279

barreiras aos passos retrógrados da reação”16. O “Núcleo de Defesa dos Direitos


Constitucionais” constituiu-se em organização permanente e elegeu uma direção,
cabendo sua presidência ao deputado gaúcho Batista Luzardo, a vice-presidência
ao deputado carioca Adolpho Bergamini e sua secretaria aos jornalistas Miguel
Costa Filho e Rodolpho Motta Lima. É relevante notar-se a ausência de
integrantes do Partido Democrático de São Paulo e do Distrito Federal. A nova
organização promoveu três grandes comícios na Praça Marechal Floriano,
defronte o Teatro Municipal, no centro da cidade do Rio de Janeiro17. O segundo
deles, aliás, se fez acompanhar de uma greve de protesto contra a “Lei Celerada”
feita pelos trabalhadores das oficinas do Lloyd Nacional, do Lloyd Brasileiro, de
Pereira Carnello e dos Estaleiros Guanabara, em Niterói.
No entanto, esta mobilização revelou-se inútil, pois a Câmara dos
Deputados, por 115 votos a favor e 27 contra18, e o Senado Federal, por 37 votos
a favor e 3 contra, aprovaram o substitutivo de Annibal de Toledo, sancionado em
lei por Washington Luís no dia 12 de agosto.
Os comunistas preferiram não esperar a entrada em vigor da lei. Além disso,
sua direção avaliou que não deveria tentar resistir abertamente nas condições
daquele momento, sob o risco de provocar o esmagamento do Partido e de seu
trabalho até então construído, recusando, desse modo, a provocação que lhe
faziam os setores reacionários19. No dia 11 de agosto, através de um manifesto, o
PCB encerrou a publicação de A Nação: “Seria quixotada completamente inócua

16
- O Presidium do PCB. Porque aderimos ao Núcleo de Defesa dos Direitos Constitucionais.
A Nação. Rio de Janeiro, 04/08/1927, p. 1.
17
- Núcleo de Defesa dos Direitos Constitucionais. Manifesto à Nação Brasileira. O Combate.
São Paulo, 09/08/1927, p. 1.
18
- Entre os que votaram contra a “Lei Celerada” estavam os deputados do Partido
Democrático de São Paulo, que, no entanto, apoiavam a repressão ao comunismo, como declarara o
deputado Francisco Morato, em pronunciamento feito no dia 26 de julho de 1927: “Não podemos
deixar de conceder nosso apoio aos poderes públicos na vigilância contra o perigo dessa onda que, lá
das eminências do Kremlin, assopra o anarquismo eslavo pela superfície de toda a terra e, por outro
lado, que não queremos também deixar de salientar a repulsa que causam em nós as doutrinas e os
intentos da chamada Terceira Internacional de Moscou” (Diário do Congresso Nacional. Rio de
Janeiro, 30/07/1927 apud Maria Lígia Coelho Prado. A democracia ilustrada (O Partido
Democrático de São Paulo, 1926-1934), p. 166).
19
- Astrojildo Pereira. La situación política. La Correspondencia Sudamericana. Buenos
Aires, nº 4 (2ª Época), 15/09/1928, p. 11-15.
280

esperar que a polícia venha fechar-nos as portas, violentamente. Preferimos nós


mesmos fechá-las – na cara da polícia”20. Neste manifesto os comunistas
mostravam que seu jornal, aparecido e desenvolvido em um clima de legalidade,
“arma legal para o combate legal”, perdia seu sentido diante da aprovação, por
uma “mal disfarçada ditadura burguesa” de uma lei de exceção, que decretava a
morte da Constituição, desmascarando a democracia republicana, pondo a nu a
ditadura da classe capitalista. Aos comunistas cabia, naquele instante, o retorno à
clandestinidade.
Com o fechamento de A Nação encerrava-se um curto período de vida legal
do PCB, mas que lhe foi muito frutífero, em termos político-organizativos, como
avaliava o manifesto. Além do Bloco Operário e da eleição de Azevedo Lima,
nestes sete meses de legalidade, o partido, enquanto organização, pôde se expor
à opinião pública e apresentar-lhe suas propostas e teve um crescimento em
termos de número de militantes. No momento da decretação da “Lei Celerada”
avaliava-se que o PCB teria cerca de mil aderentes, mas debilmente articulados
com seus organismos, em razão da falta de experiência partidária dos comunistas
e, sobretudo, como resultado da “concentração do trabalho do Partido, durante o
período em questão, mais no terreno da agitação e propaganda do que no terreno
da organização”. Nos últimos meses de publicação de A Nação, este divulgava
em suas páginas fichas de filiação ao PCB e à Juventude Comunista, o que
permitiu um ingresso sem muito controle de novos militantes. Com a promulgação
da “Lei Celerada” houve uma “readaptação à clandestinidade”. Tempos depois a
máquina partidária teve seus “parafusos” apertados, quando se procedeu a uma
“revisão geral em todas as células e seus membros”21, como resultado das
decisões tomadas pela Conferência de Organização da Região do Rio de Janeiro,
realizada de 19 a 21 de fevereiro de 1928, abandonando o PCB aqueles que não
puderam manter uma militância regular. Em março de 1928 o número de
militantes caíra para cerca de seiscentos aderentes, subindo, em meados do ano,
para algo em torno de setecentos, quatrocentos dos quais estavam no Rio de

20
- Abaixo a reação imperialista!!!. A Nação. Rio de Janeiro, 11/08/1927, p. 1-3.
281

Janeiro, oitenta em São Paulo, o mesmo número no Rio Grande do Sul, sessenta
em Pernambuco e os oitenta filiados restantes divididos entre Salvador, Vitória
(12 militantes), Campos, Juiz de Fora e outras cidades22.
O PCB, em seu manifesto de encerramento de A Nação, destacou a
realização de atividades de massa (como a comemoração do 1º de Maio, a
realização do ato comemorativo do aniversário da morte de Lênin – que chegou a
ser impedido pela polícia, mas aconteceu por garantia da justiça), lutas
ideológicas (combates aos adversários da direita e da “esquerda”, luta contra o
imperialismo, campanha contra a reação e defesa da URSS) e a fundação da
Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro.

O PCB ENCONTRA OS “TENENTES”

O segundo acontecimento após as eleições do Rio de Janeiro foi o


concernente às relações dos comunistas com a pequena-burguesia.
Logo após o fechamento de A Nação, Octavio Brandão publicou uma série
de artigos no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, na qual defendia a aliança do
proletariado, e do PCB, com os “tenentes”, e que provocaram, durante três
meses, debate nas fileiras comunistas, nas quais foram distribuídas circulares nas
quais se levantava a questão da constituição de um “Kuomintang brasileiro”.
Ao mesmo tempo, conforme relata Astrojildo Pereira, a CCE do PCB realizou
um exame da situação que resultou na “Lei Celerada” e no fechamento de A
Nação, chegando à conclusão de que ela era resultante das “posições sectárias
do Partido” relativamente à questão dos “aliados para a classe operária e para a
participação da classe operária no movimento revolucionário popular em

21
- O Organizador do C.R. Circular a todos os camaradas. S.l., [mar. 1928], p. 2 (ASMOB)
22
- Astrojildo Pereira. La situación política. La Correspondencia Sudamericana. Buenos
Aires, nº 4 (2ª Época), 15/09/1928, p. 13. Le travail du P. C. brésilien (Lettre du Brésil).
L’Internationale Communiste. Paris, nº 12, jun. 1928, p. 805. La situación actual de Partido. La
Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 5 (2ª Época), 30/09/1928, p. 13. Os dados sobre
282

marcha”23. Os comunistas concluíram que as posições que vinham apresentando


desde seu II Congresso em relação à aproximação com a pequena burguesia
mostravam uma grande distância entre o escrito e o realizado e que era
necessário efetivar esta aliança.
O responsável sindical do PCB, Joaquim Barboza, no contexto de outra
discussão, chamou atenção para o caráter sectário da política sindical do PCB
naquele momento, a qual, de um lado, lutava pela unificação das forças do
movimento sindical e, de outro, levava uma acirrada disputa ideológica travada
com os “amarelos” e os anarcossindicalistas, a qual tinha como resultado uma
identificação entre partido e sindicato24. Isto tinha como resultado prático o
isolamento dos comunistas, já que os trabalhadores não conseguiam
compreender os acontecimentos, como, por exemplo, a fundação da Federação
Sindical Regional do Rio de Janeiro, como uma conquista conjunta, mas sim
exclusiva dos comunistas.
Para fazer frente ao “sectarismo”, surgiu uma proposta, defendida por
Astrojildo Pereira, de entrar em contato político com a Coluna Prestes. Pereira,
como diria mais tarde, via esta proposta como um modo de superar o radicalismo
do PCB e fazer com que este desse mais um passo em sua inserção entre as
massas trabalhadoras do Brasil:

“Era, em suma, o problema político da aliança entre os comunistas e os


combatentes da Coluna Prestes, ou, em termos mais amplos, entre o proletariado
revolucionário sob a influência do Partido Comunista e as massas populares,
especialmente as massas camponesas, sob a influência da Coluna e do seu
comandante.“25

Como observou Pinheiro, esta menção de ligação com as massas


camponesas era resultado mais do desejo de aproximação com os trabalhadores

Vitória estão em Carta de Carlos Vilanova a Astper [Astrojildo Pereira]. Vitória, 16/05/1928
(ASMOB).
23
- Astrojildo Pereira. La situación política. La Correspondencia Sudamericana. Buenos
Aires, nº 4 (2ª Época), 15/09/1928, p. 11-15. Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol.
1), p. 338. Astrojildo Pereira. Op. cit., p. 106.
24
- Joaquim Barboza. Carta aberta aos membros do Partido Comunista do Brasil, p. 6.
283

rurais do que algo ligado à realidade, pois “confundia-se na época o internamento


dos tenentes e da Coluna nas regiões interiores do País com ‘influência’ sobre as
massas camponesas, o que não é verdadeiro”26. Já no testemunho deixado por
Leôncio Basbaum era dada outra ênfase na proposta de Pereira, enfocando-se
mais a questão do ponto de vista dos trabalhadores urbanos:

“Pensávamos que a Coluna tinha em seu seio elementos revolucionários,


que, aliados aos comunistas, ao movimento comunista operário das cidades, seria
capaz de dar um grande impulso às forças de nosso próprio movimento
revolucionário.”27

Enfim, era do aprofundamento da aliança com a pequena burguesia que se


tratava. O contato com Prestes seria claramente simbólico dos propósitos dos
comunistas: estes buscavam aproximar-se daqueles setores que mais
caracterizavam a radicalidade da pequena burguesia e que apontavam para uma
mudança política do País.
Em outubro de 1927 este assunto foi muito debatido em quatro ou cinco
reuniões da CCE e afinal aprovado, em uma reunião realizada na casa de
Joaquim Barboza. A justificação teórica da decisão tomada foi redigida por
Octavio Brandão. Nela se afirmava que a Coluna Prestes não havia sido vencida,
mantendo-se, porém, as condições que lhe deram origem, bem como ainda
existindo o “estado de espírito revolucionário” que a revolta “tenentista” criou nas
mais amplas camadas da população. A direção do PCB avaliava que a luta
revolucionária tendia a “esquerdizar-se” cada vez mais, favorecida pela
conjuntura política que apontava uma combinação de crise econômica, em
decorrência de um desastre - favorecido pela ascensão de Hoover à presidência
dos E.U.A. -, na política do café, de crise política, aberta pelo processo
sucessório de 1930, e pela possibilidade da chamada “Terceira Revolta”, à frente
da qual cabia o PCB tomar seu lugar com vistas à conquista da hegemonia de
todo o movimento. Como decorrência desse quadro se fazia necessário que o

25
- Astrojildo Pereira. Op. cit., p. 108.
26
- Paulo Sérgio Pinheiro. Op. cit., p. 210.
284

PCB buscasse aliar-se com os revolucionários pequeno-burgueses, que


simpatizavam com a luta antiimperialista dos comunistas, apresentando-lhes as
seguintes condições:

“1) completa independência e autonomia do Partido, antes e durante o


movimento; 2) completa liberdade de organização e propaganda para o Partido
durante o movimento; 3) liberdade de crítica durante o movimento, para o Partido e
sua imprensa; 4) aceitação do programa de reivindicações imediatas sustentado
pelo B.O.C.; 5) trabalho preparatório, paralelo e convergente, desde já, do Partido
e do Comando Militar revolucionário, estabelecendo-se um mínimo de ligação
estreitamente controlada, entre as duas direções; 6) representação do Partido no
E[stado]. M[aior]. Revolucionário durante a luta; 7) armamento do proletariado e
formação de unidades proletárias de combate.”28

Também se resolveu que Astrojildo Pereira seria o emissário dos comunistas


para a feitura da proposta. No final do ano, Pereira encontrou-se com Luiz Carlos
Prestes na cidade boliviana de Puerto Suárez, onde apresentou a proposta de
aliança e lhe entregou uma mala cheia de livros marxistas para que ele os
estudasse. Embora, pessoalmente, a partir de então, Prestes tenha iniciado um
processo de aproximação com os comunistas brasileiros, ele foi um tanto reticente
às propostas, em razão das perspectivas que ainda possuía:

“O chefe dos ‘revoltosos’ Luis Prestes, disse que ele sabia muito bem quem
eram estes partidos ‘democráticos’ e que, por isso, seus partidários neles não
entravam, mas que no momento ele não aceitava a formação de um partido, como
lhe propunha o P.C. Dizendo-se simpatizante da União Soviética e do movimento
operário, dispunha-se a armar os operários no momento da revolução e de dar-lhe
a liberdade. Quanto à formação de um novo partido, esta questão somente poderia
se colocar após a tomada do poder. No que concerne ao imperialismo, ele estava
disposto a aliar-se a um dos grupos, inglês ou americano, se isto fosse necessário,
para destruir o atual governo. Isto quer dizer que ele queria dar um novo golpe,
como o de São Paulo.”29

27
- Leôncio Basbaum. Uma vida em seis tempos (memórias), p. 50.
28
- Astrojildo Pereira. La situación política. La Correspondencia Sudamericana. Buenos
Aires, nº 4 (2ª Época), 15/09/1928, p. 11-15.
29
- Rapport sur la situation au Brésil au VI Congrès de l’I.C.. Moscou, 1928, p. 68 (RGASPI).
Ver também Le travail du P. C. brésilien (Lettre du Brésil). L’Internationale Communiste. Paris, nº
12, jun. 1928, p. 807.
285

No entanto, a decisão de aproximação com os tenentes não se deu sem


resistências na direção do PCB, tendo Rodolfo Coutinho votado contra e Joaquim
Barboza se abstido, ambos sob a premissa de que aquela aliança com a Coluna
Prestes, por eles caracterizada como um movimento pequeno-burguês, seria uma
traição ao proletariado e aos ensinamentos de Marx e Engels30, que foram
profusamente citados naquela última reunião de outubro de 1927:

“Coutinho, argumentando que se deveria manter no Partido uma pureza


incontaminada, recorreu a uma pilha de livros escritos em alemão; ao citar Kautsky,
porém, sua fundamentação foi por água abaixo, pois os presentes consideravam
Kautsky um traidor do socialismo. Mesmo o trabalho do próprio Coutinho na
organização das ligas camponesas no Estado do Rio recebeu críticas ásperas, por
fundar ligas exclusivamente compostas de operários rurais relativamente
prósperos, como os kulaks da Rússia.”31

Mais do que purismo, o posicionamento de Coutinho, no entanto, pode ser


compreendido, ao menos, como uma tentativa de colocar uma ponderação a
respeito do aprofundamento da orientação de aliança com a pequena burguesia
ali proposto à luz da recente e desastrosa política de alianças praticada pela IC
na China com o Kuomintang.
Antes, porém, de tratarmos desse tema é necessário fazer um rápido recuo
ao II Congresso da IC, realizado em 1920, onde se debateu a questão colonial. Ali
se defrontaram duas visões sobre o tema. A primeira, representada por Vladimir
Ilitch Ulianov - Lênin, de viés claramente “eurocêntrico”, expressava a convicção
de que a liberação do capitalismo nos chamados países coloniais seria obra da
revolução socialista no Ocidente. A outra, que se contrapunha à de Lênin,
defendida pelo delegado da seção mexicana, o hindu Manabendra Nath Roy, era
centrada no Oriente e afirmava que, ao contrário, a revolução se daria no sentido
oposto, dependendo a revolução européia da asiática, pois, já que os países
europeus retiravam sua riqueza das matérias-primas provindas do Oriente, estas
escasseariam à medida que a revolução se instalasse nos países do Oriente, o

30
- Octavio Brandão. Op. cit., p. 338. Leôncio Basbaum. Op. cit., p. 50.
286

que provocaria o desmoronamento do capitalismo. Chegou-se, ao fim dos debates


a uma solução de consenso que ressaltava a importância da revolução nas
colônias, sem, no entanto, haver uma determinação de sua importância no
processo revolucionário mundial. Pensava-se aqui mais em Índia e China, formas
elípticas de confronto com a Grã-Bretanha, considerada naquele momento o
principal inimigo da União Soviética. No entanto, dada a ausência nos países
coloniais de partidos comunistas com peso, era preciso garantir sua autonomia
frente aos movimentos nacionalistas de caráter revolucionário que lutavam pela
independência dos países coloniais e, desse modo, o II Congresso da IC aprovou
em suas teses sobre o assunto que os partidos comunistas deveriam “selar uma
aliança temporária com a democracia burguesa dos países coloniais e atrasados,
mas não devem fundir-se com ela e devem manter incondicionalmente a
independência do movimento proletário, inclusive em suas formas mais
embrionárias”32. Durante alguns anos, esta resolução orientará a ação dos
partidos comunistas dos países coloniais e atrasados, classificação esta na qual
se enquadrava o Brasil. No entanto, tempos depois, sob a alegação de que, frente
às supostas ameaças de guerra contra a URSS da parte da Grã-Bretanha e da
França, era necessário defender o Estado Soviético e, para isso era necessário
atacar os imperialismos britânico e francês pela retaguarda, passando os partidos
comunistas a fazer parte deste jogo da diplomacia soviética. Assim, a IC punha de
lado suas funções de coordenação da revolução mundial, com as quais fora
erigida, e transformava-se, nas palavras de Lev Davidovtich Bronstein - Trotsky,
em guarda-fronteiras da URSS33.
No caso do Partido Comunista da China (PCC), a IC lhe determinou, em
agosto de 1922, que seus militantes entrassem no partido Kuomintang - visto pela
Internacional como um partido operário e camponês e que defendia o
nacionalismo, a reforma agrária, a democracia -, com vistas a aproximar-se dos

31
- Entrevista de Octavio Brandão a John W. Foster Dulles. Rio de Janeiro, 14/12/1968 citada
em John W. Foster Dulles. Op. cit., p. 282. Octavio Brandão. Op.cit., p. 338.
32
- Internacional Comunista. Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista.
Primera parte, p.156.
33
- Leon Trotsky. A revolução permanente, p. 8.
287

segmentos operários sob influência do agrupamento nacionalista. À época, vários


comunistas chineses manifestaram suas reservas com relação à ação, por nela
enxergarem a transformação do PCC na extrema esquerda da burguesia e o início
de sua degringolada no oportunismo. O Kuomintang assinou em 1923 um tratado
de aliança político-militar com a URSS. Para esta, foi mais uma garantia defensiva
contra os imperialismos britânico e japonês. A partir da morte do líder do
Kuomintang, Sun-Yat-Sen, em 1925, deu-se uma disputa interna pelo seu lugar.
Ao lado da expansão militar da influência do Kuomintang, que foi aceito como
partido associado da IC em 1926, sobre o norte chinês, permitindo a unificação da
China, ocorre ao mesmo tempo um curso à direita da principal liderança desse
processo, Chang-Kai-Chek, e uma maior mobilização e radicalização das massas
chinesas. Os comunistas chineses, serão mantidos dentro do Kuomintang e
submetidos à disciplina deste, apesar de seus reclamos em favor da autonomia
da PCC na condução desse processo de mobilização e radicalização dos
trabalhadores chineses, por interferência direta da IC, que defendia a teoria de
Iossif Vissarionovitch Djugachvili – Stalin e Nikolai Ivanovitch Bukharin de
sustentação do “bloco das quatro classes” – operários, camponeses, pequena
burguesia e burguesia nacional – contra o imperialismo. Tal postura será mantida
até os massacres de Changai executados pelas tropas de Chang-Kai-Chek em
abril de 1927, onde morrem, de acordo com as estimativas mais baixas, cerca de
550.000 operários e camponeses. Depois disso a IC reconheceu a “traição” de
Chang-Kai-Chek e admitiu a “passagem da burguesia para o campo da contra-
revolução”. O CEIC determinou ao PCC aliar-se ao principal rival de Chang-Kai-
Chek na disputa pela liderança do Kuomintang, Wang-Ching-Wei, líder da sua ala
esquerda, e que controlava o governo de Wuhan, reconhecendo nele a expressão
política e governamental do “bloco dos operários, dos camponeses e da pequena-
burguesia”. Em julho, a ala esquerda do Kuomintang entra em acordo com Chang-
Kai-Chek e o seu exército entra em Wuhan liquidando os últimos pontos de
resistência ao seu controle total. A partir de então, quando, para piorar as coisas
chegasse ao extremo do emprego de “putsches” para insuflar uma “situação
288

revolucionária”, nada mais consegue salvar a situação, que, no entanto, em nível


de IC será abafada e caberá aos dirigentes do PCC e a alguns “enviados” da
Internacional a responsabilidade total desse fracasso34.
No Brasil a questão do Kuomintang, particularmente a política de alianças de
classe entre o proletariado, o campesinato e a pequena burguesia contra o
imperialismo, pondo-se de lado a burguesia nacional, que, como já vimos, era
associada aos imperialismos, teve fortes repercussões e inspirou, de certo modo,
a estratégia revolucionária do PCB35. Este, em várias manchetes de primeira
página de A Nação, como “Frente Única do proletariado com a pequena
burguesia oprimida!!” (11/06/1927), “Sigamos o exemplo da China heróica!!”
(16/06/1927), “Venha o Kuomintang!” (09/07/1927), publicação de fotos de Sun-
Yat-Sen e charges, deixava isto claro. Da mesma maneira, por exemplo, quando
se referia à situação de Cantão:

“O exército de Cantão é dirigido pelo partido da aliança dos operários, dos


lavradores pobres e dos pequenos burgueses em geral [o Kuomintang, dk]. Sua
ala esquerda é formada pelos comunistas chineses. Cantão luta pela
independência e pela unidade da China numa república democrática pequeno-
burguesa,preliminar da república proletária.”

E a Mukden:

“Mukden é a aliança dos imperialistas estrangeiros com os proprietários rurais


feudais da China. Estes traidores aliam-se aos inimigos de sua ‘pátria’ e vendem-
na aos banqueiros de Londres, Tóquio e Nova York. Escravizam-na. Desagregam-
na. Votam leis celeradas contra os operários. Deportam-nos a fim de tornar-se
agradáveis aos patrões imperialistas. Assassinam operários e pequenos
burgueses, como fizeram Epitácio e Bernardes, com o apoio de Londres e Nova
York...”

Fica, assim, inevitável o paralelo com o Brasil e a proposta de solução:

34
- Pierre Broué. Histoire de l’Internationale communiste, 1919-1943, p. 425-444. José
Castilho Marques Neto. Solidão revolucionária. Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil,
p. 70-87.
289

“O Partido Comunista do Brasil, defensor dos interesses gerais do


proletariado e de todos os explorados, convida todos os pequenos burgueses
oprimidos a uma união sólida contra os opressores nacionais e contra a
intervenção do imperialismo estrangeiro na vida interna do Brasil.”36

Tal quadro ainda se encontra muito presente na proposta de aliança com


Prestes e suas forças, que estavam acantonadas na vizinha Bolívia, apesar de,
em outubro, o movimento chinês ter sido completamente esmagado e a “traição”
de Chang-Kai-Chek configurada. Assim, no momento em que se discutiu a
aproximação com os “tenentes” - o que, aliás, deixava também subjacente a
expectativa de aliar-se a forças militares - já circulavam pela imprensa comunista
internacional, em especial daqueles setores que criticaram a orientação da IC na
China desde seus primeiros momentos, detalhes do que realmente ocorrera na
China e não é improvável que Coutinho tenha evocado estas questões na defesa,
não da “pureza”, mas da independência de ação do PCB e do futuro da revolução
no Brasil. Ressalte-se que este gesto de Coutinho foi a primeira manifestação do
processo de dissensão que culminou na constituição da Oposição de Esquerda
no Brasil em 1930.

35
- Marcos Del Roio. A classe operária na revolução burguesa. A política de alianças do
PCB: 1928-1935, p. 43.
36
- Aliança do proletariado com a pequena burguesia oprimida!! Na China heróica, os
trabalhadores manuais e intelectuais unem-se contra os imperialismos estrangeiros e os proprietários
de terra. O Brasil deve seguir o exemplo da China heróica!. A Nação. Rio de Janeiro, 13/06/1927, p.
1.
290

Luiz Carlos Prestes, por Guevara.


(ASMOB)

Enfim, com a decisão de aproximação com Luiz Carlos Prestes, o PCB levou
definitivamente a proposta de aliança com a pequena burguesia ao seu limite, o
que o fez travar relações mais próximas com alguns setores de oposição ao
regime, fazendo com que ganhasse espaços de intervenção e exposição de suas
idéias em órgãos que repercutiam as posições da Aliança Libertadora do Rio
Grande do Sul, do Partido Democrático de São Paulo e do Partido Democrático
Nacional do Distrito Federal e defendiam os posicionamentos dos “tenentes”,
como O Combate, de São Paulo, e A Esquerda, no Rio de Janeiro. Aliás, foi com
credenciais deste que Astrojildo Pereira reuniu-se com Prestes, publicando,
posteriormente, material sobre o encontro em suas páginas. Fato, aliás, que não
passou desapercebido àqueles que tinham uma leitura mais fina da situação
política: o que estaria fazendo o secretário geral do PCB com Prestes?
Certamente não era apenas trabalho jornalístico...

SURGE O BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS


291

Apesar de o PCB retornar à clandestinidade, o Bloco Operário continuou a


existir, como meio de garantir-se uma forma organizativa de atuação legal aos
comunistas. Para isso, foram aprovados, em 2 de novembro de 1927, estatutos
que regulavam seu funcionamento37. Por meio de tais estatutos, definiu-se que o
Bloco seria formado por “centros, comitês e agrupações políticas de proletários e
camponeses”, não existindo, portanto, adesões individuais, pois todo membro do
bloco necessariamente deveria estar ligado a um desses organismos, que poderia
ter seu próprio programa38, desde que, evidentemente, na conflitasse com o de 5
de janeiro de 1927, apresentado por meio das páginas de A Nação. O Bloco tinha
como instância diretiva maior a sua Assembléia de Delegados representantes dos
centros, comitês e agrupamentos aderentes, que se reunia uma vez por mês, da
qual também faziam parte os parlamentares eleitos. Competia também à
Assembléia a escolha dos candidatos a cargos eletivos.
Abaixo da Assembléia, na estrutura organizativa, estava o Comitê Central do
Bloco, composto de presidente, primeiro e segundo secretários, arquivista e
tesoureiro. Ao presidente competia presidir reuniões, chancelar a documentação
da entidade e representar o Bloco “nos atos externos”. Seria uma espécie de
presidente de uma república parlamentar. Já o primeiro secretário, o “primeiro
ministro”, tinha como responsabilidade “a correspondência política, o serviço de
propaganda e agitação, a interposição de pareceres sobre questões de caráter
político submetidas à apreciação do Comitê Central, o relatório sobre propostas
de novas adesões, o expediente do Comitê Central e das Assembléias dos
Delegados e substitui o presidente em seus impedimentos”. O segundo
secretário, por sua vez, detinha a incumbência de centralizar e supervisionar os
serviços de organização e administração do Bloco e dos filiados, redigir as atas e
substituir o primeiro secretário em seus impedimentos.
Fica nítida aqui a transposição da estrutura organizativa dos partidos
comunistas, à qual foi acrescentada a figura decorativa do presidente, cuja função
foi ocupada por Azevedo Lima, submetida, na prática, à centralizadora

37
- Ver a íntegra dos Estatutos do BOC no Anexo VII.
292

personagem do primeiro secretário, equivalente à do poderoso secretário geral


dos partidos comunistas. Aqui, aliás, parece também ficar demarcada uma certa
desconfiança que os comunistas nutriam em relação a Azevedo Lima.
Os estatutos definiam a origem dos recursos do Bloco, que provinham,
basicamente, de três fontes: dos proventos dos parlamentares eleitos, de
mensalidade ou doações do filiados individuais dos centros, comitês e
agrupamentos e de atividades organizadas com o fito específico de obter
arrecadação, como festivais, etc. Era também estabelecido pelos Estatutos que o
trabalho de alistamento eleitoral seria centralizado e supervisionado pela direção
do Bloco. E, por fim, os estatutos definiam normas de controle sobre os
parlamentares eleitos, a fim de garantir que estes se submetessem às
deliberações tomadas pelo Bloco, que previam até a perda de mandato, mas que
se revelaram, como veremos, ineficazes39.
Além disso, o Bloco Operário teve seu nome modificado para Bloco Operário
e Camponês (BOC), decisão tomada provavelmente em uma das reuniões da
CCE em outubro, mas formalizada na assembléia que aprovou os estatutos, em 2
de novembro de 1927. Tal alteração teve como intenção deixar manifesta a
disposição dos comunistas de buscar expandir sua atuação também em direção
aos trabalhadores do campo. Mas, como destacou Astrojildo Pereira, as coisas
não se deram do modo desejado:

“O elemento ‘camponês’ representava apenas uma palavra incluída no BOC,


era um desejo, um propósito, mas mesmo assim servia como indicação de largos e
justos objetivos. Nada se fez de prático nesse sentido porque na realidade o
Partido não sabia como faze-lo, como aproximar-se do campo, como promover a
tarefa, que os livros diziam ser fundamental, de aliança entre operários e
camponeses. Debilidade crucial, que até hoje, como se sabe, não foi superada
satisfatoriamente em nosso País.”40

38
- Veja-se, no Anexo VIII, o programa do Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário.
39
- Bloco Operário e Camponês. Programa e estatutos, passim.
40
- Astrojildo Pereira. Formação do PCB, p. 102.
293

Mesmo na época, em relatório apresentado no VI Congresso da IC, os


comunistas admitiam que a participação de camponeses no BOC era
praticamente nula41.

NO BOC DE SÃO PAULO, UM CONTRATEMPO

Nos primeiros dias de outubro de 1927 Azevedo Lima, depois de fazer uma
palestra na União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo sobre a
reorganização e a atuação dos trabalhadores do Distrito Federal, deu uma longa
entrevista ao diário paulistano O Combate 42. Nela o deputado do BOC afirmava
que voltava ao Rio de Janeiro com uma impressão desagradável do proletariado
de São Paulo. Azevedo Lima declarou que esta sua opinião decorria da quase
completa desorganização da classe trabalhadora, que, naquele momento, apesar
de contar com mais de duzentos mil trabalhadores, possuía atuantes “apenas três
ou quatro associações sindicais”43. Categorias antes fortes e organizadas, como
metalúrgicos, trabalhadores da construção civil, trabalhadores em transporte,
naquele momento viviam em um “marasmo criminoso, acovardadas diante dos
arreganhos policiais e juguladas miseravelmente ao carro de ouro da burguesia”.
O deputado do BOC concluiu sua entrevista afirmando que, apesar disso, tinha a
esperança de que os trabalhadores de São Paulo imitassem o exemplo dos
trabalhadores cariocas e se organizassem sindical e politicamente. Apesar
dessas críticas, uma nova visita foi demandada pelos comunistas de São Paulo,

41
- Rapport sur la situation au Brésil au VI Congrès de l’I.C.. Moscou, 1928, p. 67 (RGASPI).
42
- É preciso organizar o proletariado de S. Paulo. Fala-nos o deputado Azevedo Lima. O
Combate. São Paulo, 10/10/1927, p. 3.
43
- Em outro lugar eram citadas, além da UTG, a União dos Artífices em Calçados e Classes
Anexas, a União dos Canteiros e “A Internacional”, entidade esta que agrupava os empregados em
hotéis, restaurantes, cafés, bares e similares (O proletariado de S. Paulo agita-se para a conquista do
benefício da Lei de Férias. Fala-nos o sr. Ísis de Sílvio, membro da comissão que esteve no Rio de
Janeiro. O Combate. São Paulo, 23/01/1928, p. 1). Já outro militante do PCB, o gráfico Mário
Grazzini, apresentou à imprensa carioca um panorama mais pessimista, indicando apenas três
entidades: a UTG, a União dos Canteiros e A Internacional (cf. A polícia de Santos vai deportar
dezenas de operários! A Esquerda. Rio de Janeiro, 07/02/1928, p. 6.).
294

pois era inegável que a sua presença era fundamental para agregar maior
militância em torno da criação do BOC de São Paulo.
As críticas de Azevedo Lima à falta de organização ao movimento operário
de São Paulo, na verdade, refletiam apreciações de há muito existentes dentro
das fileiras comunistas. Tais apreciações apontavam para vários fatores,
passando desde a influência por parte dos anarquistas sobre o movimento
operário paulista até a existência de uma forte repressão, mas, em nosso caso,
também para uma fraca implantação dos comunistas. São Paulo sempre foi
considerado um dos pontos fracos da implantação do PCB pelo País, desde sua
fundação. Era, como afirmou um de seus dirigentes, “a vergonha, a imoralidade, é
o terror, da obra revolucionária do P.C.B.”44. Embora seu crescente
desenvolvimento industrial estivesse na base de um importante segmento da
classe operária brasileira – pois, desde 1910, o Estado de São Paulo ocupava o
primeiro lugar na produção industrial do País -, as idéias do PCB não se
conseguiam fazer ouvir na cidade. Octavio Brandão apontava como causa
principal o fato de a direção do partido não ter se empenhado nunca em enviar
quadros qualificados para realizar este trabalho. Na época, os militantes
paulistas, por sua vez, queixavam-se com freqüência da falta de atenção e
recursos colocados à disposição e também pelo fato de, ao invés de investir em
recursos humanos, a direção do PCB deslocava militantes que se destacavam em
São Paulo para outras regiões:

“É o diabo – esta falta de elementos, entre nós. Vocês dispõem de gente em


quantidade e ainda nos foram tirar Gr[azini]. Vocês são insaciáveis. S. Paulo
precisava de mais gente que a que vocês têm no Rio e, no entanto, além de meia
dúzia, ainda vocês nos reduzem a cinco ... E S. Paulo valeria, trabalhando, o dobro
do Rio, para a causa.”

Tal situação era tão evidente que no III Congresso do PCB, realizado em
dezembro 1928 / janeiro 1929, houve um ponto específico de sua ordem do dia
dedicado à questão paulista, mas que, mesmo assim, apesar de ter-se aí lançado

44
- Aristides Lobo. Carta particular à CCE do PCB. São Paulo, 26/06/1928 (TSN).
295

a palavra de ordem “À conquista de São Paulo”, na avaliação de Astrojildo


Pereira, o tema foi tratado de maneira superficial45.
Este quadro teve reflexos na questão da implantação do BOC em São Paulo,
pois, desta vez, ao contrário do que ocorrera em princípios de 1927, a CCE
deliberara, em outubro de 1927, como vimos acima, promover a organização de
“sessões regionais” do Bloco, sob o controle do PCB. No entanto, mais uma vez,
a situação arrastou-se além do que deveria, sem que houvesse mais tempo hábil
para um trabalho de propaganda e, sobretudo, de alistamento de eleitores, cujo
prazo, como se recorda, encerrava-se 60 dias antes do pleito para a escolha de
deputados e senadores estaduais, que estava marcado para 24 de fevereiro de
1928.
Em 21 e 22 de janeiro de 1928, realizou-se a II Conferência Regional do
PCB em São Paulo, na qual foi discutida a possibilidade ou não de lançamento de
uma candidatura própria. A CCE, nas instruções que trouxe seu enviado à
Conferência Regional, recomendou que, caso se decidisse concorrer às eleições,
o BOC evitasse fazer “uma demonstração de força eleitoral que antes fosse uma
demonstração de fraqueza política” e, também, se aí fosse decidido não lançar
candidato, fosse adotada a posição de “abstenção indireta”, isto é, a não
apresentação da candidatura operária, aconselhando-se os trabalhadores à
abstenção por meio de um manifesto. Esta orientação da CCE foi julgada na
Conferência Regional como sendo equivalente a um apoio, de modo indireto, às
“forças conservadoras”, decidindo-se, então, pelo lançamento da candidatura,
mas exigiu-se que a CCE garantisse a presença de Azevedo Lima durante a
campanha46.

45
- Heitor Ferreira Lima. Evolução industrial de São Paulo, p. 86. Octavio Brandão. Otávio
Brandão (Depoimento, 1977), p. 38. Aristides Lobo. Carta particular à CCE do PCB. São Paulo,
26/06/1928 (TSN). A citação foi extraída de Carta de Everardo [Dias] a Gildo [Astrojildo Pereira].
São Paulo 12/08/1928 (ASMOB). Astrojildo Pereira. Formação do PCB, p. 133.
46
- A citação é de Plínio Mello. A questão das eleições estaduais. Carta à C.C.E. São Paulo,
21/04/1928, p. 1 (AE-D). As demais informações provém de: CCE do PCB. O BOC de S. Paulo e as
eleições de 24 de fevereiro. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 3, s.d., p. 13 e Comitê Regional. O Bloco
Operário e Camponês e o seu apoio ao Partido Democrático nas eleições de Fevereiro. São Paulo,
03/03/1928.
296

O mês de janeiro de 1928 também mostrou uma conjuntura relativamente


“aquecida”. Em Santos, foram presos vários militantes estrangeiros, que a polícia
pretendia deportar. Também havia, naquele momento, do ponto de vista sindical,
importantes mobilizações em São Paulo. Além da greve na fábrica têxtil Maria
Ângela, pertencente ao conglomerado Matarazzo, havia manifestações de
insatisfação no Cotonifício Scarpa, na fábrica de tecidos Moinho Santista e na
Companhia Construtora. Mas, sem dúvida, a mais importante mobilização, que
atingia o movimento sindical como um todo, era a da luta pela aplicação da “Lei
de Férias”, que previa 15 dias de férias àqueles trabalhadores que tivessem pelo
menos um ano de serviço em um estabelecimento e cujo regulamento era de
janeiro de 1926. Naquele momento, a partir de uma iniciativa dos gráficos do Rio
de Janeiro e de São Paulo, ambos com forte influência dos comunistas,
constituiu-se, depois de uma audiência com o ministro da Agricultura, a quem
estava afeto o assunto, um “Comitê pró-Lei de Férias”, de caráter nacional, com
ramificações estaduais. Este comitê tinha como atribuições centralizar as
denúncias de não cumprimento da lei e tomar as providências legais cabíveis.
Além disso, o Comitê reuniu-se com o presidente do Conselho Nacional do
Trabalho, o qual, frente à constatação de o órgão não tinha condições para
fiscalizar o cumprimento da “Lei de Férias”, se dispôs a receber as denúncias
coletadas pelo Comitê, “desde que estivessem conforme o regulamento em vigor”.
Isto provocou a adesão, em São Paulo e Santos, para ficarmos adstritos ao nosso
universo, de muitos sindicatos, mesmo os que tinham uma existência precária,
que passaram a realizar assembléias para a eleição de representantes no
“Comitê pró Lei de Férias” paulista47.
No dia 24 de janeiro, através da “seção operária” do diário paulistano O
Combate, intitulada “Movimento Operário”, iniciou-se a campanha, por meio de
artigo assinado por Zarabatana, provavelmente pseudônimo do ex-estudante de

47
- No país das leis celeradas o operariado não tem direitos! A Esquerda. Rio de Janeiro,
18/01/1928, p. 1 e 6; O proletariado de S. Paulo agita-se para a conquista do benefício da Lei de
Férias. O Combate. São Paulo, 23/01/1928, p. 1; Movimento Operário. O Conselho Nacional do
Trabalho enviou aos membros da delegação dos operários paulistas, um ofício, confirmando a vitória
obtida. O Combate. São Paulo, 31/01/1928, p. 3.
297

Direito e jornalista Plínio Gomes de Mello, levantando a questão da necessidade


da participação ativa dos trabalhadores “nas lides eleitorais” e, também, da
formação do Bloco Operário e Camponês. Seguindo a fórmula que já vinha sendo
adotada em outras eleições pelos comunistas, o autor propunha que se iniciasse
o alistamento e que ele fosse feito por meio de “seções especiais para esse fim“
inauguradas nos sindicatos e “encarregando os militantes mais aptos, mais
capazes para levar avante a empresa através de uma propaganda inteligente e
perseverante”. O fruto mais importante desse trabalho seria a agitação decorrente
da campanha, que teria como resultantes “a arregimentação sindical das forças
dispersas do proletariado” e o preparo “para outras lutas de seu interesse
econômico-político”48. Zarabatana, como já vimos em eleições anteriores,
abordava aqui a questão da participação política dos trabalhadores pelo viés dos
sindicatos. Além disso, o autor abordava a questão do alistamento de modo a
crer-se que ainda seria possível alistar-se eleitores para o pleito de 24 de
fevereiro, resultado evidente da falta de experiência e informação dos comunistas
de São Paulo com o assunto eleições.
Outros artigos de Zarabatana, alguns sob o mesmo título deste primeiro,
enfatizavam a questão eleitoral sob o ponto de vista da luta de classes. As
eleições simbolizavam, até então, uma disputa, sem caráter de classe, refletindo
apenas interesses pessoais, entre facções antagônicas da economia. Aqui
Zarabatana transpunha ao campo eleitoral e político a concepção de agrarismo
versus industrialismo. No entanto, após o surgimento do BOC, saltava aos olhos a
questão da luta de classes no terreno eleitoral, pois o candidato proletário
apareceu com um programa de reivindicações em favor de sua classe e
frontalmente oposto ao da burguesia. Eleito, o candidato do BOC-SP,
representante do “braço produtor”, serviria para evidenciar os direitos dos
trabalhadores “ao exame da opinião pública e reconhecidos pelo menos em suas
mais largas linhas”49.

48
- Zarabatana. O proletariado e as eleições. O Combate. São Paulo, 24/01/1928, p. 6.
49
- Zarabatana. O proletariado e as eleições. O Combate. São Paulo, 31/01/1928, p. 3;
Zarabatana. O proletariado e as eleições. O Combate. São Paulo, 01/02/1928, p. 6; Zarabatana. A luta
298

Em geral, em matérias de O Combate, como as de Zarabatana, nas quais se


anunciava a participação eleitoral dos trabalhadores, esta era tratada pelo ponto
de vista sindical, pondo-se de lado a questão político-social. Isto decorria de uma
visão que compreendia o “terreno” sindical como o lugar exclusivo dos
trabalhadores, onde estavam, em “estado puro”, os “valores proletários”, e que
aqui eram mais difíceis de serem “contaminados” pelas ideologias burguesas. No
entanto, na matéria publicada em O Combate sobre a fundação do BOC-SP
surgem, pela primeira vez, conceitos a respeito da participação política dos
trabalhadores que fogem ao que até aqui era habitual ver-se na propaganda
sobre o assunto. Abordava-se a questão da existência do BOC por meio do ponto
de vista da conquista do espaço da cidadania:

“Dada a situação dos trabalhadores neste Estado, principalmente aqui, na


capital – a organização de um partido política que defenda os interesses do
proletariado é de uma grande atualidade. Os interesses de classes das camadas
pobres da sociedade vivem cada vez mais postergados pelos detentores do
capital; além de não lhes dar satisfação alguma às necessidades imprescindíveis
de que carecem, ainda se os priva dos direitos elementares consagrados pela
nossa Constituição.
O Bloco Operário e Camponês, que se funda prestigiado por elementos
representativos das várias associações de classe dessa capital e de Santos – vem,
pois, preencher uma lacuna na vida social de S. Paulo. Constituem os
trabalhadores existentes, principalmente, nesta cidade, uma força social poderosa,
que precisa ser melhor aproveitada, ao menos no sentido de defender os próprios
interesses de classe, fazendo valer os direitos prescritos pela nossa Carta Magna a
todos os cidadãos brasileiros.”50

Este enfoque incomum, como se verá mais adiante, pode ser relacionado
com a particular visão que parte dos comunistas de São Paulo possuíam a
respeito da questão da aliança com a pequena burguesia e o ponto de vista que
estes tinham a respeito do partido que em São Paulo se dizia vinculado a este
setor, o Partido Democrático de São Paulo.

de classes no campo eleitoral. O Combate. São Paulo, 06/02/1928, p. 6; e Zarabatana. A luta eleitoral
das classes. O Combate. São Paulo, 09/02/1928, p. 6. A citação foi extraída do primeiro texto.
50
- O proletariado intervirá nas próximas eleições. A fundação do Bloco Operário e Camponês
em São Paulo. O Combate. São Paulo, 26/01/1928, p. 3.
299

No dia 25 de janeiro de 1928 foi fundado o Comitê Regional do Bloco


Operário e Camponês de São Paulo, filiado ao do Rio de Janeiro. Integravam o
novo organismo, além da Coligação Operária de Santos e do BOC de Cubatão,
os Comitês Eleitorais dos empregados no comércio, dos trabalhadores gráficos,
dos sapateiros, de “A Internacional” (que representava os empregados em hotéis,
restaurantes, cafés, bares e similares) e o Centro Político Proletário do Brás.
Além disso, se anunciou uma conferência de Azevedo Lima, sobre “A participação
do proletariado nas eleições”, na sede da União dos Trabalhadores Gráficos de
São Paulo, onde também seria comunicado o nome do candidato que disputaria
as eleições pelo BOC-SP no 1º Distrito51.
No dia 1º de fevereiro foi realizado o comício, sem a presença de Azevedo
Lima, que alegara doença, de lançamento da candidatura do BOC-SP e de seu
manifesto inaugural. Tiveram a palavra o jornalista Plínio Mello, os gráficos Ísis de
Silvio (que era chefe da gráfica de O Combate), Manoel Carreira Medeiros e João
Gomes Júnior, além do candidato lançado naquele ato. O nome apresentado foi o
do comerciário Manoel Nestor Pereira Júnior, presidente da Associação dos
Empregados no Comércio de São Paulo, que não pertencia às fileiras do PCB, e
foi, também, escolhido para presidir a seção paulista do Bloco.
Pode-se dizer que, em São Paulo, os comunistas locais buscaram criar uma
situação análoga à do Rio de Janeiro, onde houve um candidato que não
pertencia às suas fileiras partidárias e que presidia o BOC. Além disso, ambos
não detinham o perfil de “candidato operário”; médico e comerciário, tinham, pelas
suas atividades profissionais, mais um apelo junto à pequena burguesia.
No caso de Nestor Pereira Júnior, o fato de ser presidente da entidade de
classe dos comerciários paulistanos fez com que seu nome fosse apresentado
como sendo um “proletário”, mas isto não era muito enfatizado, sendo ele mais
apresentado como um candidato “dos” trabalhadores. Isto ocorria porque, ao

51
- Nas eleições de 1928 para vagas a deputados e senadores, sessenta e dez, respectivamente,
no Congresso Legislativo do Estado de São Paulo, o Estado estava dividido em dez distritos. O
primeiro era composto pelos seguintes municípios: Cananéia, Capital (sede), Cotia, Guarulhos,
Iguape, Iporanga, Itanhaém, Itapecerica, Juqueri, Parnaíba, Santo Amaro, Santos, São Bernardo, São
Vicente e Xiririca (cf. § 2º do art. 3º do Decreto nº 4.341, de 12/01/1928).
300

mesmo tempo, os comerciários tinham uma auto-imagem e também eram vistos


como um segmento diferenciado dos trabalhadores, que alegavam possuir
“interesses diferentes aos do resto do proletariado, não lhes assentando mesmo o
qualificativo de operário” 52.
O manifesto, lido por Plínio Mello, destacava a importância histórica daquele
ato, pois, pela primeira vez, os trabalhadores de São Paulo - que até então
“viviam, politicamente, apartados de qualquer atividade de classe, ou pela
abstenção pura e simples, ou pela dependência individual aos partidos e grupos
políticos não proletários”, o que deixava ao desamparo seus interesses, fazendo
com que a política do País fosse conduzida pelos “interesses e conveniências da
pequena minoria dominante de fazendeiros e capitalistas” e pelos políticos
profissionais a serviço dessa minoria – intervinham “diretamente, como classe, na
política do país”. Embora o texto ressaltasse que isso não era uma novidade em
outros países, nem para o proletariado carioca, chegara a hora de os
trabalhadores de São Paulo mostrarem que “existem e de que têm consciência de
sua força de classe”. O símbolo dessa consciência de classe seria Nestor Pereira
Júnior, que foi apresentado como um candidato digno dos votos independentes
dos trabalhadores. O último item do manifesto, antes dos apelos finais em favor
do BOC-SP, foi o relativo ao programa, que se dizia ser o mesmo apresentado
pelo Bloco Operário em 5 de janeiro de 1927, apenas adaptado “às circunstâncias
e condições locais”, embora no texto não houvesse qualquer indicação desta
especificidade53.
Uma característica especial desta campanha foi o fato de ela ter-se
desenvolvido em um distrito eleitoral composto por várias cidades, o qual, aliás,
abrigava as duas mais populosas do Estado de São Paulo, a Capital e Santos, e

52
- Homero Barboza Jr. Nestor Pereira Júnior, candidato do povo trabalhador. Praça de
Santos. Santos, 14/02/1928, p. 4. A frase citada é de João Freire de Oliveira. Os empregados no
comércio e a Coligação Operária. Praça de Santos. Santos, 28/04/1928, p. 3.
53
- Comitê Regional do Bloco Operário e Camponês de S. Paulo. Apelo aos operários da
cidade e do campo, aos empregados no comércio, aos trabalhadores em transporte, aos pequenos
funcionários públicos, aos eleitores pobres em geral do Primeiro Distrito. O Combate. São Paulo,
02/02/1928, p. 6. O manifesto também foi publicado em Praça de Santos. Santos, 04/02/1928, p. 3 e
301

que, à diferença do que ocorrera por ocasião da eleição estadual do Rio de


Janeiro, onde a campanha teve vazão pelas páginas de A Nação, ela se
desenvolveu concomitantemente por meio de dois órgãos diários de imprensa
situados naquelas cidades, O Combate, em São Paulo, e Praça de Santos, em
Santos. Ambos, além do mais, possuíam as mesmas características: eram jornais
de oposição, que davam espaço em suas páginas a “colunas operárias”
(“Movimento Operário” e “Vida Operária”) que eram editadas por militantes
comunistas – que era o espaço pelo qual a campanha eleitoral era desenvolvida,
afora o noticiário -, tinham ligações com os “tenentes” e também davam espaço
aos candidatos do Partido Democrático de São Paulo. Esta simultaneidade
envolvia aspectos comuns, como o apoio à candidatura e a divulgação de pontos
da plataforma do BOC, e próprios de cada localidade, como o foco da campanha
a ser dado mais em determinadas categorias de trabalhadores.
Os pontos da plataforma do BOC que foram enfatizados tanto em São Paulo
como em Santos foram os relativos à legislação social, aos impostos, ao
imperialismo, à habitação e ao papel do parlamentar. Relativo a este último ponto
publicou-se um artigo de Astrojildo Pereira54, no qual se explicitava como seria a
ação do parlamentar eleito pelos trabalhadores. Este era apresentado como o
representante de um partido de classe, levando a cabo a “política impessoal do
partido a que pertence” e agindo em estreito e permanente contato com a “massa
proletária”, a qual, além de fiscalizar sua atividade, orientava esta, de modo a que
ele se transformasse, efetivamente, no “porta-voz autêntico da massa
trabalhadora”. Desse modo, o parlamentar contribuía, “de modo efetivo, para a
educação política das largas massas operárias”, fazendo, assim, sua “obra
primordial”. Tal “obra” realizava-se, na visão de Pereira, dentro de um novo
contexto que estava colocado pela existência e a ação do Bloco Operário. Tal
contexto - e este é um registro que merece ser destacado aqui, pois até então ele

O Internacional. São Paulo, nº 126, 15/02/1928, p. 1. Um resumo do programa está em Bloco


Operário e Camponês de S. Paulo. O Trabalhador Gráfico. São Paulo, nº 92, 07/02/1928, p. 4.
54
- Astrojildo Pereira. O candidato operário e sua obra primordial. Praça de Santos. Santos,
30/01/1928, p. 3. Ver o texto integral no Anexo IX.
302

não se fazia presente de modo tão explícito - era o da superação do “alheamento


do governo e da administração da coisa pública, isto é, daquilo exatamente que
acima de tudo interessa à maioria da população, formada pela massa
trabalhadora”. Ou seja, era a ocupação da conquista do espaço político de uma
forma mais ampla, embora aqui ainda um tanto mediado pela visão do mundo do
trabalho. Cumpre ressaltar que escapava ao exame procedido por Pereira a
atividade propriamente legislativa do parlamentar, o qual possuía uma ação
prática voltada para a questão da agitação e propaganda.
Complementando este texto de Astrojildo Pereira, Praça de Santos publicou
outro no qual eram apresentadas as características do lugar onde iria atuar o
candidato operário. O espaço do Poder Legislativo era apresentado pelo autor do
texto, Homero Barboza Júnior, como um local que buscavam atuar aqueles que
desejavam “melhor instalar-se na vida”. As então quase quatro décadas de
República transformaram o Legislativo em um lugar onde apenas discutiam-se
interesses individuais. Os ideais dos fundadores da República, como Lopes
Trovão e Rangel Pestana, de vê-lo como um espaço onde os “cidadãos eleitos
iriam com isenção de ânimo, sem peias materiais e morais, discutir os
sacratíssimos interesses do país” esboroaram-se completamente, convertendo-se
o Legislativo em um lugar onde “discute-se a melhor forma de empenhar o país e
de vendê-lo nem que seja a prestações“. Para Barboza Júnior houve uma dupla
descaracterização. De um lado, o Poder Legislativo deixara de ser o local onde se
discutiam os interesses do povo e tomavam-se medidas em favor da maioria e, de
outro, seus ocupantes deixaram de ser os representantes das aspirações
populares. Por isso, concluía o autor, fazia-se necessário que o “povo proletário”
desse, nas eleições de 24 de fevereiro, uma demonstração de sua “repulsa contra
os políticos que infelicitam a nossa exuberante e ubérrima terra, votando em
Nestor Pereira Júnior, único e lídimo candidato do proletariado”55.
Já no que se refere às características especiais de São Paulo e Santos
trabalhadas durante a campanha elas fundam-se na distinção entre um segmento
303

com maior experiência nas práticas eleitorais da República Velha, a Coligação


Operária, e outro ainda um tanto inexperiente. Isto é possível notar-se, através de
notas publicadas em “Vida Operária”, pela “máquina” montada pela Coligação
Operária para o alistamento eleitoral, que acompanha todo o processo, desde o
preenchimento da documentação, passando pelo seu encaminhamento, até a
comunicação de que o título de eleitor já está à disposição dos alistados. Em
contraposição a isso, o BOC-SP, mesmo não podendo mais alistar eleitores para
as eleições de fevereiro, o faz de modo assistemático e sua ênfase na
propaganda para a conquista de voto era extremamente ingênua e voluntariosa56,
revelando uma ausência de estrutura de apoio.
Outra questão, reveladora, ao mesmo tempo, das especificidades de cada
uma das cidades e de suas dificuldades era o dos setores com quem buscavam
interlocução. No caso de São Paulo, além dos eleitores operários, no manifesto
inaugural são diretamente evocados “comerciários, empregados nos transportes,
ferroviários, choferes, pequenos funcionários públicos, bem como os lavradores
pobres e trabalhadores agrícolas do 1º Distrito”. Nenhum deles faz parte das
categorias que constituíram os comitês eleitorais fundadores do BOC-SP, nem
das que foram mencionadas por Azevedo Lima como sendo as que possuíam uma
organização efetiva, das quais, aliás, a dos canteiros sequer integrou o núcleo
inicial do Bloco. Ao final da campanha o Comitê Regional de São Paulo do PCB
fez um balanço do que havia sido alcançado:

“O reduzido número de eleitores de que dispúnhamos era formado, em sua


quase totalidade, e empregados no comércio, e isto devido ao prestígio de que, no
seio desses trabalhadores, gozava o nosso candidato. As demais corporações
operárias muito pouco nos dariam do seu concurso. A dos ferroviários, por
exemplo, manifestara-se firmemente comprometida com o Partido Democrático,
alegando termos chegado muito tarde.”57

55
- Homero Barboza Jr. O deputado Azevedo Lima e o candidato do Bloco Operário e
Camponês de São Paulo. Praça de Santos. Santos, 16/02/1928, p. 3.
56
- Ver Prospero Ottaiano. Aos gráficos de São Paulo. O Combate. São Paulo, 13/02/1928, p.
6.
304

Note-se que neste balanço sequer são mencionados os gráficos, os


sapateiros e os empregados em hotéis, restaurantes, cafés, bares e similares,
agrupados em “A Internacional”, entidades estas controladas pelos comunistas e
que foram os segmentos profissionais que chegaram a fazer funcionar durante a
campanha seus comitês pró-Bloco. Isto, além de tudo, indicava um baixo
alistamento em tais categorias, o que, por sua vez, apontava a falta de preparo e
experiência dos comunistas de São Paulo. Também é interessante ressaltar que
nem o Comitê Eleitoral dos Empregados no Comércio nem o Centro Político
Proletário do Brás deram manifestação de vida durante a campanha, apesar de
estarem inscritos entre os organismos fundadores do BOC-SP.
Já no caso da Coligação Operária, que também tinha em vista as eleições
municipais de outubro de 1928, sua ação já tinha um foco mais definido. Além dos
vocativos dos artigos publicados na Praça de Santos dirigirem-se a “operário,
empregado no comércio ou pequeno funcionário”, resultante da percepção do
simbolismo decorrente de uma candidatura de um empregado no comércio, sua
ação tinha o nítido sentido de busca de adesão e conquista de militantes. Assim,
por exemplo, ocorreu quando, logo após o lançamento do nome de Nestor Pereira
Júnior, a diretoria da Liga dos Empregados no Comércio de Santos, que era uma
entidade na qual os comunistas não detinham influência, anunciou seu apoio à
candidatura. Imediatamente, João Freire de Oliveira, o maior expoente da
Coligação Operária, publicou um artigo no qual procurava mostrar que, apesar
das reticências manifestadas pelos comerciários em relação à colaboração com
os trabalhadores na luta pela conquista de suas reivindicações econômica e
políticas, não havia, na verdade, distinções reais que fundamentassem estas
resistências e que elas somente prejudicavam os próprios comerciários. Por isso,
concluía, era preciso, naquele instante em que o “operariado de Santos enceta
uma obra séria e sólida, no caminho de suas reivindicações políticas”, que tal
obra encontrasse apoio entre os comerciários. Dias depois era publicado um
artigo de um comerciário propondo a formação de um Grupo Eleitoral dos

57
- Comitê Regional. O Bloco Operário e Camponês e o seu apoio ao Partido Democrático nas
305

Empregados no Comércio e manifestando seu apoio à candidatura de Pereira


Júnior58. Além disso, também poderiam ser citados vários textos buscando
conectar a questão do cumprimento da Lei de Férias com a Coligação Operária, o
que não se passou ostensivamente em São Paulo. Enfim, era perceptível a
combinação de experiência e sensibilidade política nas ações protagonizadas
pelos comunistas de Santos.
A campanha do BOC-SP publicamente iniciou-se de fato com um comício
realizado no dia 12 de fevereiro no Largo da Concórdia, no bairro do Brás, “onde
uma grande massa ouviu com interesse e cheia de entusiasmo os diversos
oradores”. O BOC-SP anunciou à imprensa um plano de realização de uma série
diária de “comícios de propaganda” pela cidade de São Paulo, além de comícios
nos municípios de São Bernardo e Santos, sendo que alguns deles contariam
com a presença de Azevedo Lima e de Edgardo de Castro Rebello, professor de
Direito da Universidade do Brasil59. De tais comícios, se realizados, nada se
soube, pois não foram divulgados pela imprensa e os que seriam realizados em
São Bernardo e Santos acabaram não acontecendo em razão da ação repressiva
da polícia. A campanha via páginas da imprensa acabou sendo mais
substanciosa.
No dia 16 de fevereiro, no quarto comício da campanha60, as coisas
começaram tomar outro rumo, após o comício realizado no Largo do Cambuci, em
São Paulo. Nele, Plínio Mello e Ísis de Sílvio

“Fizeram a autópsia desse cadáver putrefato que é a política dominante, da


política de estabilização e da miséria; esmiuçaram com riqueza de detalhes as
condições em que se encontra o proletariado, acorrentado pelo jugo capitalista ao

eleições de Fevereiro. São Paulo, 03/03/1928.


58
- João Freire de Oliveira. Os empregados no comércio e a Coligação Operária. Praça de
Santos. Santos, 28/01/1928, p. 3. Jayme Ferreira. Pela formação do Grupo Eleitoral dos Empregados
no Comércio. O apoio ao candidato operário nas eleições de 24. Praça de Santos. Santos, 06/02/1928,
p. 4.
59
- Os interesse da classe operária. O Bloco Operário e Camponês realizou seu primeiro
comício na Paulicéia. A Esquerda. Rio de Janeiro, 13/02/1928, p. 6; Movimento Operário. O comício
de ontem do Bloco Operário e Camponês. O Combate. São Paulo, 13/02/1928, p. 6.
60
- Moacyr Nogueira. Em torno das eleições municipais. A propósito de uma carta...falsa. O
Combate. São Paulo, 06/11/1928, p. 5.
306

pelourinho da escravidão política e econômica; incitaram o proletariado a cerrar


fileiras ao lado de seu partido, para assim pôr um freio a essa devassidão, da qual
nós pagamos as custas.”61

Sob o pretexto de que teriam criticado a política econômica de Washington


Luís, os dois oradores foram presos no final do comício. Tal prisão fora feita sem
ordem judicial, sendo os detidos mantidos presos durante 24 horas e sem que
fosse aberto qualquer inquérito policial, ou seja, não houve nenhuma motivação
legal exceto a de intimidar.
A Esquerda, de sua parte, protestou contra estas prisões de forma enfática,
destacando a questão do desrespeito aos direitos civis:

“Não compreendemos essa atitude maquiavélica do governo, negando aos


homens do trabalho o direito de cidadania, garantido pela Constituição, pelo
verdadeiro regime legal, que se tem desvirtuado e transformado numa indústria
rendosa. Não compreendemos providências tão absurdas, tão estúpidas, tão
extemporâneas!”62

Dois dias antes, o correspondente paulista de A Esquerda publicava uma


matéria na qual informava que setores ligados ao PRP estavam ”preocupados”
com o fato de o governador de São Paulo, Júlio Prestes, não ter tomado qualquer
iniciativa contra a campanha eleitoral promovida pelo Partido Democrático de São
Paulo pelas cidades do interior do Estado. No dia 10 de fevereiro, inclusive, o
Chefe de Polícia do Estado de São Paulo, Mário Bastos Cruz, expediu uma
circular na qual recomendava às “autoridades policiais” que garantissem “o livre
exercício dos direitos políticos indistintamente” durante a campanha eleitoral. O
espanto era maior frente à “conhecida índole autoritária e o espírito reacionário”
que caracterizavam Júlio Prestes. As críticas que eram feitas nos comícios das
“caravanas democráticas” desagradavam aos “chefões e chefetes” perrepistas,
que viam nisto um enfraquecimento de seu partido. De fato, afora um episódio
ocorrido em Taubaté e em “outras poucas localidade do interior”, a campanha

61
- Comitê Gráfico Pró-Bloco Operário. Aos gráficos paulistas. O Combate. São Paulo,
18/02/1928, p. 6.
307

democrática desenvolveu-se sem maiores dificuldades de ordem pública.


Fundado em “opinião de pessoa chegada às intimidades dos Campos Elísios”
[sede oficial do governo paulista], A Esquerda explicava que o “liberalismo” do
governador paulista integrava uma “estratégia no sentido de se apoderar da curul
presidencial da República” e que ia até o ponto de tentar obter o apoio dos
democráticos para suas aspirações presidenciais63. No entanto, com as prisões
de 16 de fevereiro em São Paulo, verificou-se que a estratégia não era a mesma
com relação aos trabalhadores, limitando-se apenas aos democráticos, que
realizaram comícios sem quaisquer problemas com a polícia, tendo, inclusive,
realizado um no mesmo dia em que os dirigentes do BOC-SP foram presos, no
qual também foram feitas críticas ao governo64.
Aliás, no dia 14 de fevereiro, no Rio de Janeiro, na sede da UTG carioca, o
deputado Azevedo Lima, em uma assembléia na qual este apresentou provas de
ligações do ex-presidente da União dos Operários em Fábricas de Tecidos do Rio
de Janeiro José Pereira de Oliveira, conhecido com “Zé-Doutô”, com a polícia,
houve um tiroteio, do qual resultaram vários feridos e um morto, bem como o
fechamento da entidade dos gráficos por dois anos, por determinação do ministro
da Justiça. Por meio deste ato fechamento, a propósito, foi pela primeira vez
utilizada a “Lei Celerada” pelo governo Washington Luís. Maurício de Lacerda,
que se encontrava em São Paulo, deu declarações à imprensa afirmando que
este incidente lhe fazia crer que a polícia carioca planejava assassinar militantes
sindicais e interrogava-se se a polícia paulista, com as prisões dos dirigentes do

62
- Os trabalhadores da Paulicéia não podem ser votados! A Esquerda. Rio de Janeiro,
22/02/1928, p. 6.
63
- As caravanas democráticas e o sr. Júlio Prestes. O falso liberalismo do “futuro” presidente
da República. A Esquerda. Rio de Janeiro, 14/02/1928, p. 2. A nota do chefe de polícia está transcrita
em As eleições estaduais em S. Paulo. Circular do chefe de polícia do Estado. A Esquerda. Rio de
Janeiro, 11/02/1928, p. 3.
64
- Manoel Nestor Pereira Júnior, Ísis de Sílvio e Plínio Mello. Carta aberta ao chefe de
polícia de São Paulo. O Combate. São Paulo, 18/02/1928, p. 2. As eleições de 14 do corrente. O que
disse o sr. Secretário da Justiça a um jornal carioca. A atitude que manterá, no pleito, o sr. Júlio
Prestes. Assim seja!. O Combate. São Paulo, 18/02/1928, p. 1. A propaganda eleitoral. Belemzinho
vibrou, ontem, ouvindo os oradores do Partido Democrático. O indescritível entusiasmo popular.
Maurício de Lacerda eletrizou o auditório enorme, presa de sua palavra fluente. O Combate. São
Paulo, 17/01/1928, p. 1.
308

BOC e de quatro anarquistas, feitas alguns dias antes, não pretendia seguir o
mesmo caminho. No dia 17, pouco antes da libertação dos dois militantes do
BOC, foi preso o presidente da “A Internacional”, João Nunes65. Logo depois, a
polícia invadiu algumas entidades sindicais. Tal quadro fez com que, no dia 20 de
fevereiro, a direção do BOC-SP avaliasse que este conjunto de episódios,
interpretado como o desencadeamento do terror no seio da classe operária,
significava a negação do direito à sua representação política. Frente a isso,
sentia-se obrigada a retirar a candidatura do Manoel Nestor Pereira Júnior. Com
sua retirada do pleito restavam dois partidos “não proletários, um, governamental,
oligárquico, conservador e reacionário” e outro, na oposição, popular,
democrático e liberal, que promete ao proletariado liberdade de reunião e
associação, defendendo-o nas ocasiões precisas”, frente aos quais era
necessário se posicionar, já que a abstenção seria um modo indireto de proteger
os que oprimiam os trabalhadores. Assim, ressalvando que sua decisão não
importava em adesão, recomendava aos trabalhadores de São Paulo que
votassem nos candidatos do Partido Democrático de São Paulo66.
No dia seguinte à divulgação da retirada da candidatura, Nestor Pereira
Júnior concedeu uma longa entrevista a O Combate. Nela reiterava os

65
- No Rio, o assassinato premeditado; aqui, as prisões arbitrárias. O que nos disse Maurício
de Lacerda. O Combate. São Paulo, 17/02/1928, p. 1; Movimento Operário. Os nossos irmãos do Rio
estão sendo assassinados e os daqui recolhidos na enxovia. Ísis de Sílvio, Plínio de Mello e Costa
Pimenta foram presos, ontem, no comício do Cambuci. O Combate. São Paulo, 17/02/1928, p. 6;
Manoel Nestor Pereira Júnior, Ísis de Sílvio e Plínio Mello. Carta aberta ao chefe de polícia de São
Paulo. O Combate. São Paulo, 18/02/1928, p. 2; Movimento Operário. Continua em S. Paulo e no Rio
a perseguição aos operários. João Nunes, presidente da Internacional, foi preso ontem. Domingos
Passos, Affonso Festa, Pedro Catallo e Paschoal Martinez continuam presos. O Combate. São Paulo,
18/02/1928, p. 6; Imitando a polícia do tempo do Czar. Praça de Santos. Santos, 20/02/1928, p. 1.
Plínio Mello, indignado com a falta de solidariedade da direção do jornal em que trabalhava, a Folha
da Noite, com relação à sua prisão, dele afastou-se publicamente, classificando-o de “jornal
baixamente policial” (Plínio Mello. Carta Aberta aos srs. Olival Costa e Pedro Cunha, diretores da
“Folha da Noite”. O Combate. São Paulo, 23/02/1928, p. 3). Embora O Combate tenha noticiado a
prisão de João da Costa Pimenta, este conseguiu se evadir durante o comício. Isto foi posteriormente
confirmado na Carta Aberta de Manoel Nestor Pereira Filho, Ísis de Silvio e Plínio Mello, citada
acima. Sobre isto ver também a chamada A reação policial. A Esquerda. Rio de Janeiro, 17-02-1928,
p. 1.
66
- Comitê Regional Provisório do Bloco Operário e Camponês. O Bloco Operário e
Camponês e o Partido Democrático. A participação dos trabalhadores nas próximas eleições. O
Combate. São Paulo, 22/02/1928, p. 6.
309

argumentos expostos no manifesto publicado na véspera. Indagado pelo jornalista


sobre como definia “política de classe”, ao dizer tratar-se esta da defesa dos
“próprios interesses econômicos e políticos, não individualmente, mas
coletivamente, como classe organizada”; Pereira Júnior não conseguiu fazer com
que esta resposta esclarecesse ao eleitor porque o BOC-SP abandonara o pleito
e apoiara os democráticos. O constrangimento ficou maior quando o candidato
procurou responder à indagação sobre se o Partido Democrático era ou não um
partido da classe adversária:

“Até certo ponto, nós, trabalhadores, consideramo-lo como tal. Os seus


dirigentes, na quase totalidade, têm o que nós chamamos espírito burguês. Os
interesses econômicos, o meio social, a formação espiritual, tudo isso concorre
para que eles não possam ser afastados dessa classificação. O que eles não têm
é o que também falta geralmente entre os trabalhadores de São Paulo –
consciência de classe. E isto, para felicidade nossa, porque então, seria muito
maior a opressão que teríamos de sofrer...
O P.D., constituindo, não propriamente um partido de classe (pelo menos
agora, antes de alcançar o poder), mas uma coligação de correntes políticas de
oposição à oligarquia dominante – pode, pois, fazer jus ao apoio do proletariado.
Não implica isso em colaboração de classe. Constitui, apenas, uma aliança política
de momento, para maior eficácia da luta contra o inimigo comum. Essa frente
única, que não chamarei de liberal, mas libertadora, - é uma necessidade no
momento histórico que atravessamos. A ela não podíamos, nem poderemos
fugir...”67

Essa confusa explicação, à qual se seguiu a afirmativa de que seria muito


difícil um acordo com o Partido Democrático de São Paulo, não conseguiu deixar
claras as reais motivações do gesto do BOC-SP, que Pereira Filho classificou
como “retirada estratégica”.
Nas eleições, houve uma clara vitória do Partido Republicano Paulista,
acompanhada dos tradicionais incidentes de confronto físico e fraudes, que já
haviam sido denunciadas publicamente antes do pleito68.

67
- A frente única liberal contra o Perrepismo dominante. O apoio do B.O.C. ao P.D. nas
eleições de amanhã. O que nos diz a respeito o ex-candidato trabalhista. O Combate. São Paulo,
23/02/1928, p. 6.
68
- O situacionismo paulista quer vencer pela fraude e pela violência! Delegados militares
espalhados pelo Estado exercem compressão sobre o eleitorado. Uma representação do P.D. ao
310

O Partido Democrático teve um desempenho sofrível, elegendo apenas seis


deputados (os advogados Antônio Ezequiel Feliciano da Silva, que era vereador
em Santos, e Luiz Barbosa de Gama Cerqueira pelo 1º Distrito; o fazendeiro Luís
Augusto de Queiroz Aranha pelo 6º Distrito; o fazendeiro e advogado Vicente
Dias Pinheiro pelo 7º Distrito; o advogado e jornalista Pedro Krahenbuhl pelo 8º
Distrito; e o advogado e jornalista Zoroastro Gouveia, pelo 10º Distrito) e nenhum
senador.
Em um comentário sobre os resultados do pleito no 1º Distrito, o BOC-SP
apresentou a avaliação, não desmentida, de que a eleição de Feliciano se dera
em razão dos votos transferidos de Nestor Pereira Júnior ao candidato
democrático69. Às eleições, no 1º Distrito, compareceram 35.246 eleitores, os
quais deram 25.028 votos (71%) aos candidatos perrepistas, 10.201 votos
(28,94%) aos democráticos e os restantes foram dados a candidatos avulsos,
sendo que Manoel Nestor Pereira Júnior ainda recebeu três votos70. Antônio
Feliciano recebeu 4.019 votos em 1º turno e 9.941 em 2º, na forma definida pelo
artigo 34 e parágrafo único do Decreto nº 4.341, de 12 de janeiro de 1928, que
dava instruções para a eleição de deputados e senadores:

“Artigo 34 – A cédula para deputados terá duas partes distintas ou turno: o


primeiro turno será de voto uninominal devendo o eleitor inscrever o nome do
candidato sob a epígrafe – ‘Primeiro turno’, o segundo turno será de voto por
escrutínio de lista, na qual o eleitor inscreverá tantos nomes quantos quiser, até
preencher o número de deputados a eleger pelo distrito [nove, no 1º Distrito, dk],
sob a epígrafe – ‘Segundo turno’.
Parágrafo único – O nome votado em primeiro turno poderá ser incluído
também no segundo.”

O quociente eleitoral - resultado da divisão do número total de eleitores que


compareceram ao pleito pelo número de vagas do distrito, cujo resultado definia o

presidente do Estado. Maurício de Lacerda fala a “A Esquerda” sobre a sua excursão a S. Paulo. A
Esquerda. Rio de Janeiro, 22/02/1928, p. 1 e 6.
69
- Tangapema. Apelo aos trabalhadores de S. Paulo. O Combate. São Paulo, 18/04/1928, p.
4.
70
- São Paulo. Congresso Legislativo. Câmara dos Deputados. Anais da Sessão Ordinária de
1928 da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, p. 27.
311

valor mínimo da votação a ser obtida para o candidato ser eleito em 1º turno –, no
caso do 1º Distrito, foi de 3.916, número que Feliciano superou apenas por 103
votos, o que tornava plausível a afirmativa do BOC-SP – que afirmava possuir
entre 300 e 400 eleitores certos -, embora esta não fosse de fácil comprovação.

Resultado da votação nas eleições de 24 de fevereiro de 1928,


para deputado estadual, no 1º Distrito do Estado de São Paulo

NOME (PARTIDO) VOTOS VOTOS


(1º TURNO) (2º TURNO)
Luiz Barbosa da Gama Cerqueira* (PD) 6.174 10.007
Carlos Cyrillo Júnior* (PRP) 5.685 23.041
Raul de Frias Sá Pinto* (PRP) 4.648 23.728
Armando da Silva Prado* (PRP) 4.523 23.046
Alberto Cintra* (PRP) 4.184 23.124
Antônio Ezequiel Feliciano da Silva* (PD) 4.019 9.941
Orlando de Almeida Prado* (PRP) 3.317 23.283
João Maurício Sampaio Vianna (PRP) 2.656 21.255
Luciano Gualberto* (PRP) 7 23.627
Raphael Archanjo Gurgel* (PRP) 3 22.867
Spencer Vampré (PRP) 3 22.838
Manoel Nestor Pereira Júnior (BOC) 3 0
Zeferino Alves do Amaral (?) 3 0
João Baptista Lacy Sant’Anna (?) 1 0
Manoel José da Fonseca Júnior (?) 1 0
FONTE: Anais da Sessão Ordinária de 1928 da Câmara dos Deputados do Estado de S.
Paulo, p. 27-28. O sinal (*) indica os candidatos eleitos.

A decisão, como não poderia deixar de ser, causou surpresa. Especialmente


nos meios comunistas. A Coligação Operária, por meio de um comunicado
público, defendeu a decisão, embora deixasse nas entrelinhas, ao afirmar que
teve “forçosamente o dever de acatar a palavra de ordem da direção do B.O.C.”,
manifesto que o fazia diante do fato consumado. Dois dias mais tarde, a coluna
operária da Praça de Santos publicava um artigo no qual seu autor, sob o
pseudônimo de “Um velho operário”, depois de confessar que chegou a defender
a continuidade da apresentação da candidatura do BOC, manifestou, por fim,
concordância com a decisão da retirada. Em sua avaliação, afirmava que a fraca
organização dos fiscais e distribuidores de chapas na Capital e o pouco tempo de
campanha sujeitavam o candidato a uma derrota que poderia comprometer o
futuro. Sob esta abordagem, que não foi enfocada no manifesto da Coligação
312

Operária, repare-se, “Velho Operário” reconhecia o acerto da decisão. Note-se,


também, que o autor do artigo não discutiu a questão do “terror”. Porém, com
relação à questão do apoio aos candidatos do Partido Democrático de São Paulo,
deixou claro que não acreditava ser ele capaz de fazer “a política da classe
proletária, porque esta só o pode fazer um partido genuinamente proletário”71.
Enfim, no que era essencial, deixou seu desacordo com a decisão.
Embora publicamente tivesse defendido a decisão, a direção da Coligação
Proletária, por meio de seu secretário geral, João Freire de Oliveira, fez questão
de marcar sua opinião contrária no âmbito interno do PCB. Em uma carta dirigida
a Astrojildo Pereira relatava-se que, em uma assembléia realizada na sede da
Coligação Operária, no dia 22 de fevereiro, com a presença de 30 pessoas, se
resolvera acatar a decisão do BOC-SP, mas por “uma questão de disciplina”. No
entanto, deixava clara ao secretário geral do PCB sua real posição com respeito à
decisão e os danos que ela causava e à forma pela qual foi tomada:

“1º - Desde o aparecimento do B.O.C., e anteriormente, já desde a fundação


da C[oligação]. O[perária]., sempre dissemos que este é um partido de operários
para eleger operários, visto que nenhum outro candidato ligado às empresas
capitalistas poderá realizar as aspirações dos trabalhadores.
2º - Escudados neste nosso propósito, o proletariado tema acorrido ao nosso
apelo e acha-se atualmente convicto dos nossos argumentos.
3º - Estávamos perfeitamente aparelhados com o nosso corpo de fiscais e de
distribuidores de chapas em prontidão e com gastos de impressos etc., o que muito
nos sobrecarrega neste momento.
4º - Estas eleições tinham ainda para nós a oportunidade de balancearmos
nossas forças para outubro, cristalizar no proletariado o hábito de votar em nossos
próprios candidatos, treinar nosso corpo de fiscais, distribuidores de chapas,
pregadores de cartazes, etc.
Tudo isto, porém, parece ter sido em parte desfeito pela resolução dos
camaradas de São Paulo, tomando esta atitude no dia 20, e nem se dignando
comunicar-nos qualquer coisa, vindo nós a saber do fato no dia 22 pelos jornais, à
tarde.”72

71
- Comissão Executiva da Coligação Operária. A Coligação Operária ao proletariado. Praça
de Santos. Santos, 23/02/1928, p. 1 (grifo nosso, dk); Um velho operário. O proletariado e o Partido
Democrático. Praça de Santos. Santos, 25/02/1928, p. 3.
72
- Os camaradas de Santos obedeceram, mas protestaram. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 3,
s.d., p. 11.
313

A reação da direção do PCB, também, foi de espanto73. Pediu


esclarecimentos aos comunistas de São Paulo sobre sua atitude e desenvolveu-
se, a partir de então, um debate que somente teve seu ponto final no III
Congresso do PCB, realizado de 29 de dezembro de 1928 a 4 de janeiro de 1929.
No seu relatório à CCE, o Comitê Regional de São Paulo (CR-SP) o inicia
com o concentrado da justificativa para seu ato. Desde o momento em que se
principiou a discussão sobre o lançamento da candidatura do BOC-SP há uma
idéia clara: não era possível se abster, frente aos dois partidos que disputavam o
pleito, o Partido Republicano Paulista, o reacionário, e o Partido Democrático de
São Paulo, o liberal, sob pena de favorecer, de modo indireto, “as forças
conservadoras” em detrimento das liberais. Ou seja, caso não houvesse uma
candidatura dos trabalhadores, isto é, do BOC, ter-se-ia de apoiar as forças
liberais. Assim, frente à repressão desencadeada pouco antes das eleições,
tomou-se a decisão da retirada da candidatura de Nestor Pereira Júnior e apoiar
os candidatos da burguesia liberal, o que se classificou como um “gesto
altamente político”, porque preparava “o terreno para as lutas futuras” e, ao
mesmo tempo, enfraquecia a “onda ameaçadora da reação que se levantava”. Tal
atitude, na avaliação do CR-SP, teria propiciado a vitória dos “candidatos liberais
no 1º Distrito” com os votos que migraram de Nestor Pereira Júnior. Na opinião
dos comunistas de São Paulo, este apoio demonstraria “à pequena burguesia
democrática e aos trabalhadores de mentalidade pequeno-burguesa” sua
sinceridade de propósitos, aumentando, em conseqüência, a “simpatia pela nossa
organização, reforçando, consideravelmente, as nossas fileiras”.
Todavia, o CR-SP reconheceu não ter deixado claro em seu manifesto que,
apesar do apoio aos liberais, não se deveria deixar aos trabalhadores qualquer
esperança de

73
- A CCE somente tomou conhecimento da decisão por meio da imprensa carioca, que
publicou o manifesto de retirada da candidatura no dia 22 de fevereiro (Cf. Os trabalhadores da
Paulicéia não podem ser votados!. A Esquerda. Rio de Janeiro, 22/02/1928, p. 6).
314

“melhoria da situação econômica precária do proletariado, porque, embora


liberais e, portanto, mais dignos, politicamente, da nossa simpatia, os democráticos
tinham, entretanto, como sempre afirmamos, os mesmos interesses
completamente opostos aos da massa trabalhadora.”74

Além disso, não fazia parte da reflexão do CR-SP sobre este “gesto
altamente político” se ele havia sido realmente compreendido desse modo pelo
seu eleitorado. A julgar por um comentário posterior, inserido em um relatório
sobre as eleições de outubro de 1928, dizendo que a situação política havia caíra
em inércia, fazendo com que o BOC-SP desaparecesse da cena política, a
resposta seria negativa. Acreditamos, do mesmo modo, que os resultados das
eleições municipais de outubro de 1928 na cidade de São Paulo, quando a
candidatura do BOC-SP obteve 82 votos, são uma resposta muito clara de que
não houve esse entendimento. Afinal, é lícito supor-se que não foi muito fácil aos
cerca de 300 ou 400 eleitores – estimativa apresentada à época como o número
dos que sufragariam Nestor Pereira Júnior75 -, mesmo aos militantes, ver todos os
argumentos apresentados até o dia 20 de fevereiro em favor da sua candidatura
sendo simplesmente postos de lado em favor de uma demonstração de
“sinceridade de propósitos” aos liberais.
Além deste relatório do CR-SP, a CCE também se valeu de uma série de
cartas e de um relatório de Plínio Mello – relatório este que não foi aprovado pelo
CR-SP, “por ter sido julgado inconsistente em seus argumentos e por defender
um ponto de vista pessoal (o do acordo com o P.D.) com o que não concordava,
como não concorda, o C.R. nem a totalidade dos aderentes do P.C. em S.
Paulo”76 -, dos quais não restaram cópia, para examinar a posição dos comunistas
de São Paulo na eleição de 24 de fevereiro. Em uma longa resposta, com data de

74
- Comitê Regional. O Bloco Operário e Camponês e o seu apoio ao Partido Democrático nas
eleições de Fevereiro. São Paulo, 03/03/1928.
75
- A citação e o número de votos obtidos provêm de: Comitê Regional. As eleições paulistas e
o B.O.C. São Paulo, 18/11/1928, p. 1 (ASMOB). A estimativa dos eleitores está em Plínio Mello. A
questão das eleições estaduais. Carta à C.C.E. São Paulo, 21/04/1928, p. 2 (AE-D).
76
- CCE do PCB. Ainda as eleições de fevereiro em S. Paulo. Tréplica final da C.C.E. Auto-
Crítica. Rio de Janeiro, nº 6, s.d., p. 16.
315

9 a 14 de março de 1928, a CCE fez um duro balanço da decisão tomada pelo


BOC-SP.
A resposta inicia-se afirmando que a retirada da candidatura não contribuiu
em absolutamente nada na elevação do “nível de consciência, de capacidade de
luta e de vitória do proletariado”. Para justificar este juízo, declara-se que a
decisão, em primeiro lugar, foi o resultado de uma “capitulação sem a menor
resistência”, pois os comunistas de São Paulo “perderam a cabeça, tomados de
pânico”. Tal recuo significou, de um lado, a perda da oportunidade de “afirmação
da luta de classe no terreno eleitoral”, e, de outro, a desmoralização “aos olhos da
massa”. Para a CCE o gesto do BOC-SP tivera como conseqüências a destruição
e a anulação de todo o trabalho até então realizado.
Mas o entendimento da CCE era o de que a causa “terror” não explicava o
gesto dos comunistas de São Paulo, na verdade, esclarecia a direção do PCB, “o
apoio aos democráticos foi causa e não efeito da retirada de nosso candidato”.
Esta afirmativa encontrou sua explicação no relatório pessoal de Plínio Mello,
onde era mencionada a vinda, uma semana antes da desistência da candidatura,
de um emissário do Partido Democrático, o advogado, jornalista de O Combate e
candidato a deputado estadual Bertho Antonino Condé, para fazer uma proposta
ao BOC-SP. Embora tal “proposta de acordo” não seja mencionada no relatório do
CR-SP, a simpatia com que o Partido Democrático de São Paulo nele foi
mencionado significava para a CCE um forte indício de sua existência. Tal
proposta de acordo possuía vários pontos: a ajuda dos democráticos na soltura
dos “camaradas presos pela polícia”; “a criação de uma ‘seção operária’ dentro do
P.D. e no Diário Nacional” (ó órgão oficial do seu partido), que “seria organizada
com o ‘apoio’ e o ‘auxílio’ dos comunistas, a cuja direção seria entregue”; e, para
as eleições de 24 de fevereiro, os comunistas apoiariam os candidatos do Partido
Democrático de São Paulo, sendo garantida “a representação operária nos pleitos
vindouros, para o que o P.D. incluiria em seu programa o programa do B.O.C.”.
Na opinião da CCE esta “proposta de acordo”, que, na prática, significava a
dissolução do BOC-SP, revelava que os maiores interessados na retirada da
316

candidatura Pereira Júnior eram os democráticos, pois haviam se dado conta de


que os votos dos comunistas iriam prejudicá-los mais que aos republicanos. Logo
depois, ocorreram as prisões e os democráticos, que conseguiram a soltura dos
presos, ao receberem a contraproposta comunista, já diziam que a questão dos
lugares na Câmara Municipal dependia de outras instâncias do partido, mas que
os proponentes se empenhariam em sua aprovação. Mesmo assim, continuava de
pé a proposta de “seção operária”, a mais importante, pois era em torno dela que
se daria a dissolução do BOC-SP, o que levava os comunistas de São Paulo a
conjeturar que poderiam valer-se dela para educar “a massa trabalhadora, até
agora empolgada pelo liberalismo absorvente”, como dizia Plínio Mello em seu
relatório. Esta possibilidade, como resultado da “causa sedução democrática”,
que, muito mais que a “causa terror”, explicaria a retirada da candidatura de
Nestor Pereira Júnior. Para a CCE ficava evidente que houve um erro no recuo e
que ele tinha uma causa clara: a “falsa apreciação do verdadeiro caráter do P.D.”:

“Que vem a ser, na realidade o P.D.? É um partido ‘liberal’, ‘democrático’ – da


burguesia, dirigido pela burguesia, pela fração mais inteligente da burguesia,
aquela que diz: ‘façamos a revolução antes que o povo a faça’, o que em
linguagem inconfessável significa o seguinte: ‘arranjemos as coisas de modo que a
nossa dominação sobre o povo trabalhador continue indefinidamente’.
Sem dúvida, o P.D. agrupa em seu seio elementos descontentes da pequena
burguesia e mesmo elementos proletários. Sendo o único partido legal de
oposição, todos os descontentes ingressam nele ou o apóiam. Poderia traduzir-se
fielmente o P.D. por Partido dos Descontentes – mas de descontentes dirigidos
pela burguesia em proveito da burguesia. Quer dizer: a fração mais inteligente da
burguesia,compreendendo que a acumulação dos descontentamentos pode
acabar em revolução, que seria mortal para toda a burguesia, fundou o P.D., cujo
objetivo político essencial consiste em canalizar para o liberalismo democrático
burguês os descontentamentos perigosos, controlando-os e dirigindo-os de modo a
desviar quanto possível o curso revolucionário dos mesmos. Não é por acaso que
o P.D. nasceu precisamente em São Paulo e precisamente após o 5 de julho de
1924.
Mão esquerda da burguesia, o P.D. não é sequer um partido de reformas.
Órgão do ilusionismo liberal, da mistificação democrática, ele não tem outro fito
que não seja o de iludir e mistificar, com o seu verbalismo oco e enganoso, as
massas cansadas da exploração e da opressão.”77
317

Concluía o texto resolvendo a CCE condenar a atitude do CR-SP, indicando


a continuidade do BOC-SP, cuja propaganda deveria prosseguir por meio das
páginas de O Combate, mantendo-se também o alistamento de eleitores. E que,
sobretudo, deveriam os comunistas continuar na defesa de sua independência
política, que era incompatível com qualquer acordo que significasse a
subordinação da política proletária à burguesa.
Preservando o conjunto desta argumentação, no dia seguinte também foi
divulgado um manifesto do Comitê Central do BOC condenando a atitude do
BOC-SP78.
O debate, todavia, ainda prosseguiu por meio de um texto do CR-SP
intitulado “Réplica necessária ao contra-relatório”, o qual não encontramos, e de
uma “Carta à CCE”, de Plínio Mello, nas quais ambos contestavam a resolução da
CCE. Ainda defendiam seus pontos de vista, não abrindo mão deles. Aqui, o
relevante nestas respostas é a explicitação das visões de ambos sobre o Partido
Democrático de São Paulo.
Na resposta de Plínio Mello, datada de 21 de abril, este afirma que se o
BOC mantivesse a candidatura, seu candidato teria apenas os 300 ou 400 votos
do seu eleitorado mais garantido. Este resultado, em sua opinião, isto
desmoralizaria o BOC aos “olhos do proletariado”. Mas a mais grave
conseqüência, em sua opinião, seria:

“Reforçaríamos desse modo a frente burguesa contra o proletariado; em vez


de procurarmos cindir essa frente, fazendo jus às simpatias da força política mais
utilizada por nós, os democráticos ‘pequeno-burgueses’, o que provocaríamos seria
o seu ódio político e mesmo pessoal que, aumentado da repressão policial
‘perrepista’, colocar-nos-ia em situação verdadeiramente inaturável, prejudicando-
nos a atividade futura. Só não vê isso quem não quer mesmo ver...”79

77
- CCE do PCB. O B.O.C. de S. Paulo e as eleições de 24 de fevereiro. Auto-Crítica. Rio de
Janeiro, nº 3, s.d., p. 11-16. Os grifos desta citação, extraída da página 15 do texto, são do original.
78
- CC do BOC. O BOC e as eleições paulistas de 24 de fevereiro. Manifesto do Comitê
Central condenando a atitude assumida naquelas eleições pelo Comitê Regional de S. Paulo. O
Combate. São Paulo, 23/03/1928, p. 6. O manifesto também foi publicado na edição 26 de março da
Praça de Santos, à página 4 , no nº 131, de 1º de abril, de O Internacional, à página 4,e na edição de
11 de abril de A Esquerda, à página 4.
79
- Plínio Mello. A questão das eleições estaduais. Carta à C.C.E. São Paulo, 21/04/1928, p. 3
(AE-D).
318

Mello também levantou a hipótese a respeito de quais teriam sido as


conseqüências se o BOC-SP recomendasse a abstenção. Além de reiterar a
posição de que os únicos beneficiários seriam os conservadores do Partido
Republicano Paulista, os comunistas teriam a “antipatia dos eleitores
‘democráticos’ que precisamos trazer para o nosso lado, e impossibilitaríamos,
assim, qualquer acordo político que futuramente precisemos fazer com os
‘democráticos’”.
Dentro deste prisma, frente à decisão efetivamente adotada, Plínio Mello
acreditava ter-se comprometido o “P.D. para conosco, facilitando assim a nossa
atividade futura, como também despertar a simpatia dos trabalhadores de S.
Paulo, em sua maioria de mentalidade pequeno-burguesa encantados com a obra
dos ‘democráticos’”.
É de se notar, pelos trechos citados, o enquadramento do autor dentro da
lógica da política de aliança com a pequena-burguesia revolucionária que vinha
se desenvolvendo desde 1925, aqui levada, pelos raciocínios formulados, à sua
exacerbação. Tanto é assim, que, logo depois, ele deixa explícita a completa
subordinação que julgava que o PCB deveria ter nesta questão:

“Vê-se por aí [Plínio Mello citava passagem da obra de Lênin, A moléstia


infantil do comunismo, na qual este afirmava que os comunistas deveriam obter o
máximo de flexibilidade em suas táticas], que se nos países de largo
desenvolvimento capitalista, a tática do Partido deve ser aplicada com grande
plasticidade, nos países economicamente atrasados, como é o caso do Brasil, essa
tática deve ser ainda mais maleável de jeito a servir primeiro à revolução liberal
democrático-burguesa que se aproxima, a fim de que possamos conseguir as
condições necessárias para a revolução proletária conseqüentemente posterior.
Daí o necessário cuidado que devemos tomar, evitando quaisquer
incompatibilidades com os elementos ‘democrático-liberais’ no período pré-
revolucionário.”80

Curiosamente, vemos Plínio Mello, apesar do caminho heterodoxo que trilha,


adotar as etapas, passo a passo, preconizadas para a revolução brasileira pelo

80
- Plínio Mello. A questão das eleições estaduais. Carta à C.C.E. São Paulo, 21/04/1928, p. 4
(AE-D).
319

modelo agrarismo versus industrialismo. Esta curiosa maneira de proceder


decorria da visão que possuía sobre o Partido Democrático de São Paulo:

“É falsa a apreciação da C.C.E. sobre o programa e a estrutura do P.D. Esse


partido tem uma estrutura sui generis, com uma programa ‘liberal’, ‘democrático’,
que entretanto o distingue sobremodo dos ‘partidos liberais’ de Europa. O seu
programa é constituído por um mínimo de princípios antes de política-jurídica do
que propriamente de política-econômica. No célebre ‘decálogo’ desse programa,
podem se acolher todas as correntes de idéias. É verdade que não por muito
tempo; apenas enquanto tal partido estiver lutando na oposição. Partido que
pretende estabelecer o regime liberal instaurado no Brasil com a Constituição de
91, o P.D. não é um partido da grande burguesia liberal, como pretende fazer crer
a C.C.E. Pelo seu programa generalizado e vago, e pela sua ‘estrutura ampla e
elástica, capaz de receber em seu seio todos os descontentes’ – o P.D. é um
partido típico da pequena-burguesia. A maioria dos seus dirigentes são intelectuais
de mentalidade pequeno-burguesa, mas sinceramente iludidos com a panacéia do
voto secreto e com a democracia pura e outros, vendo no mesmo a possibilidade
de guindarem altas posições políticas. A massa que constitui o eleitorado desse
partido é na sua grande maioria constituída pela pequena-burguesia e por
operários de mentalidade pequeno-burguesa.”81

O CR-SP, por sua vez, em sua “Réplica”, datada de 29 de março, aqui


utilizada através das citações dela feitas em um documento da CCE, recuara
rapidamente frente à resolução da CCE, procurando imputar toda a
responsabilidade do imbróglio a Plínio Mello, que, ao que transparece do conjunto
da documentação, fora o grande apologista do acordo, mas, destaque-se, não
tomara a decisão isoladamente. Na “Réplica”, o CR-SP, no entanto, defendia uma
confusa visão sobre o Partido Democrático de São Paulo, na qual este era
apresentado como um partido da burguesia liberal, mas que ainda possuía
características revolucionárias, fazendo-o de modo tateante, como se quisesse
não demonstrar seus reais pontos de vista. Veja-se:

“É um ponto de vista falso este em que se coloca a C.C.E. de atribuir ao P.D.


o propósito político essencial de desviar o curso revolucionário dos
descontentamentos existentes no seio da burguesia, unicamente pelo fato de ter
aquele partido nascido ‘precisamente em S. Paulo e precisamente após o 5 de
Julho de 1924’. Ora, isso prova, simplesmente, o seguinte: que os liberais, vendo

81
- Plínio Mello. A questão das eleições estaduais. Carta à C.C.E. São Paulo, 21/04/1928, p. 7
(AE-D). Grifos do original.
320

que a revolução já estava vencida, não tendo conseguido pelas armas os objetivos
da burguesia liberal, resolveram, obrigados por esse fato, agir dentro das normas
legais. É claro que, vencida a revolução, os liberais não podiam e não deviam ficar
de braços cruzados. O que fizeram, fundando, o P. D. logo após o 5 de Julho não
foi senão apoiar, dentro da lei, o que não conseguiram pelas armas, por terem sido
vencido. Demais, é sabido que o P.D. é constituído, em sua maioria, de
revolucionários de 1924. Que esses revolucionários não são os que nos servem,
bem o sabemos nós! Concluindo: os democráticos são contra-revolucionários no
sentido proletário, mas revolucionários no sentido burguês-liberal da palavra. Não
são revolucionários ‘russos’ de 1917, mas são revolucionários ‘franceses’ de 1789,
embora o sejam em miniatura.”82

Embora o texto final dessa polêmica seja datado de 17 de dezembro de


1928, já no contexto dos debates preparatórios para o III Congresso do PCB, a
discussão realmente encerrou-se com a carta de Plínio Mello, em fins de abril.
Não houve, como costuma ocorrer em ocasiões semelhantes no interior de
partidos políticos, qualquer cisão ou afastamento de militantes. Coisa que, aliás,
ocorria ao mesmo tempo, por conta da discussão levantada por Joaquim Barboza,
sobre a qual trataremos mais adiante, a respeito da política sindical dos
comunistas, e que resultou, desta vez, sim, em afastamento de um significativo
número de militantes, algo perto de 10 % de seus aderentes. Na discussão sobre
a retirada da candidatura do BOC-SP nas eleições de 24 de fevereiro, em
momento algum foi posta em questão a política de alianças levada a efeito pelo
partido nem tampouco a identificação entre agrarismo/PRP e
industrialismo/Partido Democrático de São Paulo. Ela não estava em jogo e era
considerada válida pelas partes envolvidas, jamais chegando as conclusões do
debate a conceber modificações em sua linha. O que no debate se viu foi a
radicalização da premissa da busca de aliança com a pequena burguesia, que,
por meio da postura externada por Plínio Mello, deveria ser levada ao paroxismo
de uma aliança incondicional por parte dos comunistas. A esta interpretação
somavam-se as explicações do caráter de classe do Partido Democrático de São
Paulo como sendo um partido da pequena burguesia ou como um partido burguês
e liberal com características “revolucionárias”, visões estas resultantes de uma

82
- CCE do PCB. Ainda as eleições de fevereiro em S. Paulo. Tréplica final da C.C.E. Auto-
Crítica. Rio de Janeiro, nº 6, s.d., p. 17.
321

apreensão subjetiva de características daquele partido, que as faziam perder de


vista seu real caráter de classe. Foi, neste caso, a visão da direção do PCB a
respeito dos democráticos que levou este debate a um consenso. A CCE
mostrara-os, claramente, como sendo um partido que tinha na sua direção
fazendeiros, industriais e comerciantes que expressavam na sua condução do
organismo partidário uma política conservadora. Se possuíam divergências com a
corrente dominante do Partido Republicano Paulista, de onde saíram, e se
conseguiram, com base em suas propostas, atrair setores da pequena-burguesia,
isto não deveria, porém, deixar de desviar a atenção da maneira pela qual se
relacionavam com os trabalhadores e suas propostas e, neste caso, como esta
postura coincidia com a do “perrepismo”.
Tal debate, inclusive, acabou servindo como fundo para uma polêmica que
se iniciara em abril de 1928, em Santos, entre a Coligação Proletária e setores do
movimento operário que defendiam a idéia de que se deveria abandonar a
proposta de candidatura própria e aliar-se com a seção local do Partido
Democrático para as eleições municipais de outubro, criando uma unidade entre
os setores de oposição. Desde sua reorganização, aliás, a Coligação Operária
deixara manifestas suas diferenças com o Partido Democrático de São Paulo83.
Neste debate a Coligação Operária fez questão de demarcar, antes de tudo, o
seu terreno de ação, suas finalidades e sua face própria e independente, ou seja,
as posições em jogo. Os comunistas de Santos deixaram claro a estes setores
que o Partido Democrático era representante dos mesmos ideais dos perrepistas
e defendia os mesmos interesses econômicos da elite dirigente do País, do
estado e do município, sendo tanto a composição de seu diretório em Santos,
integrado por chefes de companhias comissárias de café, proprietários, etc., como
a de sua direção estadual, com grandes proprietários rurais, banqueiros,
industriais, evidências neste sentido. E acrescentavam a estranheza de que sua
defesa dos princípios de “Justiça e Representação”, uma de suas bandeiras
centrais, ao lado do “voto secreto”, se fizesse justamente à custa de que tais
322

princípios fossem sonegados aos trabalhadores, a quem propunham não


apresentar suas próprias candidaturas.84
Por fim, com relação ao debate sobre as eleições de 24 de fevereiro, é
importante elucidar que o último texto da polêmica, datado de 17 de dezembro de
1928, tinha duas motivações distintas das que originaram a polêmica. Na
verdade, o texto citado constatava que as posições da CCE já haviam sido
adotadas pelo CR-SP há meses.
A primeira motivação no reavivamento da discussão no III Congresso do
PCB - que, aliás, condenou formalmente a “aliança eleitoral que o B.O.C. de São
Paulo fez com o P.D.” - cujos principais textos foram republicados no boletim
preparatório do Congresso, Auto-Crítica, era de que ela servisse como um caso
exemplar de “perigos” que o conclave julgou que poderiam afetar as futuras
atividades do BOC.
A segunda motivação era alertar alguns setores do PCB sobre os “novos
ventos” que sopravam na Internacional Comunista e no PCB e que veremos mais
adiante com detalhes. Basicamente, o texto de 17 de dezembro fazia questão de
chamar a atenção sobre uma frase do texto de Plínio Mello, escrito em abril de
1928, na qual este, a propósito de uma analogia que fazia a respeito da polêmica
sobre o apoio de CR-SP ao Partido Democrático de São Paulo, afirmava que a
fracasso do Partido Comunista Chinês fora resultado, não de sua entrada no
Kuomintang, mas sim de sua permanência além do devido tempo dentro do
partido nacionalista. Além disso, Mello perguntava se a IC não teria sido a maior

83
- Ver, por exemplo, Horácio Ramos. A base fundamental de um partido é o princípio que
defende e a sua disciplina. Praça de Santos. Santos, 01/12/1927, p. 3.
84
- Calimério dos Anjos. O ponto de vista de um guarda-livros. Praça de Santos. Santos,
17/04/1928, p. 4; João Freire de Oliveira. Rebatendo os confusionistas encapuzados. Praça de Santos.
Santos, 18/04/1928, p. 4; Calimério dos Anjos. O Partido Democrático e o proletariado. Praça de
Santos. Santos, 26/04/1928, p. 4; Homero Barbosa Júnior. O parto da montanha... Praça de Santos.
Santos, 29/04/1928, p. 4; Antônio de Miranda Henriques. A Coligação Operária é o partido da grande
massa operária. Sua política, portanto, deve ser exclusivamente proletária. Nada temos com os
Partidos Democráticos e outros. Praça de Santos. Santos, 04/05/1928, p. 3; Jota. Liberais, o vosso
partido é a Coligação Operária. Praça de Santos. Santos, 06/05/1928, p. 4; Homero Barbosa Júnior.
Porque os operários devem votar nos candidatos operários. Praça de Santos. Santos, 08/05/1928, p. 4;
Homero Barbosa Júnior. Porque combatemos o Partido Democrático. Praça de Santos. Santos,
09/05/1928, p. 4; Calimério dos Anjos. O Partido Democrático e o operariado. Praça de Santos.
Santos, 29/05/1928, p. 4.
323

responsável por isso em razão de ter sido ela quem determinou a permanência do
PCC, contra a vontade de seu Comitê Central, no Kuomintang. Frente a isso, a
CCE deixou seu alerta:

”Além de erradíssima, a argumentação do camarada P[línio]. M[ello].


envereda por um caminho perigoso, quando acusa ou insinua a I.C. de ‘maior
culpada’ em pretensos erros cometidos na revolução chinesa. Este é o caminho
que vai em linha reta parar no trotskismo. Que vai – ou que vem.”

Depois de citar um texto de Stalin, de agosto de 1927, sobre a questão


chinesa, o qual terminava com a indagação sobre quem, exceto os membros da
oposição russa, poderia contestar a “justeza e o caráter revolucionário” da política
aplicada na China, o texto da CCE concluía:

“Quem?, perguntou Stalin. Nós responderíamos, meses atrás: aqui está um,
no Brasil, o camarada P.M.! Estamos certos, porém, de que, a estas horas, o
camarada P.M. tenha já saído do buraco em que se meteu, cavado pelas próprias
mãos, e, reconhecendo como insubsistentes as tolices que escreveu, deixe a
pergunta sem resposta...”85

Embora presente entre os delegados do III Congresso do PCB, Plínio Mello


ali não se manifestou sobre o assunto, mas, de fato, em janeiro de 1931, estaria,
por esta e outras razões, entre os fundadores da seção brasileira da Oposição
Internacional de Esquerda, a Liga Comunista do Brasil.
Esta discussão propiciou uma visão mais clara por parte dos comunistas
sobre o caráter do Partido Democrático de São Paulo e, por extensão, dos outros
dois criados sob sua influência: o do Distrito Federal e o Nacional. Apesar de seu
discurso liberal, da presença de uma grande contingente de elementos oriundos
das classes médias, de sua aproximação com o “tenentismo”, características que
muito seduziram parte dos militantes comunistas de São Paulo, a discussão
permitiu um exame mais acurado de sua ação e de seu corpo dirigente. Isto
propiciou aos comunistas vê-lo como um partido da grande burguesia liberal e

85
- CCE do PCB. Ainda as eleições de fevereiro em S. Paulo. Tréplica final da C.C.E. Auto-
Crítica. Rio de Janeiro, nº 6, s.d., p. 19.
324

compreender seu papel de dique do movimento de lutas pela conquista das


reivindicações dos trabalhadores que então se alastrava pelo País86:

“Estes partidos, ditos ‘democráticos’ e ‘herdeiros’ da revolta de 1924,


tentaram trazer para seu seio a pequena burguesia da revolta de São Paulo. Uma
parte desta, a mais rica, estava com eles. Estes partidos entretinham relações
cordiais com o governo reacionário. Isto quer dizer que estes partidos são apenas
uma máscara e que eles serviam de ligação entre a burguesia industrial e
agrária.”87

A partir desta discussão, as possibilidades de eventuais alianças com o


Partido Democrático de São Paulo e seus assemelhados ficaram definitivamente
excluídas do horizonte político do PCB. Doravante, os “democráticos” não
estavam mais entre aqueles segmentos da pequena burguesia com os quais os
comunistas pretendiam levar sua política de alianças. Isto não significou, todavia,
que aqueles setores da pequena burguesia que aderiram aos “democráticos”, em
especial os que tinham mais identificação com os “tenentes”, fossem ignorados
pelos comunistas. Muito ao contrário. Na prática, o que ocorreria daí por diante
seria uma disputa política direta entre comunistas e “democráticos” por tais
setores, cujas manifestações ficaram muito nítidas durante os processos eleitorais
de outubro de 1928.

86
- A idéia de “dique” foi tomada em Maria Lígia Coelho Prado. A democracia ilustrada (O
Partido Democrático de São Paulo, 1926-1934), p. 158.
87
- Rapport sur la situation au Brésil au VI Congrès de l’I.C.. Moscou, 1928, p. 68 (RGASPI).
ANEXO VII

ESTATUTOS DO BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS

“I – O Bloco Operário e Camponês é constituído pelos centros, comitês e agrupações


políticas de proletários e camponeses existentes no Rio e nos Estados que aceitem, em sua
integralidade, o programa de 5 de janeiro de 1927.
II – Cada dentro, comitê ou agrupamento componente do Bloco Operário e
Camponês pode ter o seu programa particular, desde, porém, que não esteja em contradição
com o do Bloco Operário e Camponês.
III – Novos centros, comitês ou agrupamentos, que solicitarem sua filiação ao Bloco
Operário e Camponês, deverão fazê-lo por escrito ao Comitê Central do mesmo. Este último
investigará da idoneidade dos postulantes e proporá sua aceitação ou rejeição à Assembléia
dos Delegados, que decidirá por maioria absoluta.
IV – Os centros, comitês ou agrupamentos filiados que infringirem o programa de 5 de
janeiro de 1927 ou as diretivas políticas do Comitê Central, poderão ser irradiados do Bloco
Operário e Camponês mediante proposta do Comitê Central à Assembléia dos Delegados
que decidirá por maioria absoluta.
V – A direção do Bloco Operário e Camponês é exercida:
a) por uma Assembléia dos Delegados dos centros, comitês ou agrupamentos
aderentes, a qual se reunirá ordinariamente uma vez por mês. Cada centro, comitê ou
agrupamento aderente tem direito a um único delegado com voto singular. Além desses
delegados farão parte da Assembléia, pessoalmente ou pro procuração (conferida a membro
do Bloco Operário e Camponês, não se podendo acumular procuração), e com os mesmos
direitos e deveres, os representantes do Bloco Operário e Camponês nas câmaras legislativas
federais, estaduais e municipais;
b) por um Comitê Central composto de 5 membros e eleito na primeira Assembléia
ordinária realizada em novembro de cada ano. Há o direito de reeleição e as vagas são
preenchidas na primeira Assembléia ordinária posterior à data em que se verificarem. O
Comitê Central dirige e coordena, com plenos poderes, a atividade política e administrativa
do Bloco Operário e Camponês, devendo dar contas somente à Assembléia dos Delegados,
a qual traçará as diretivas dessa atividade.
VI – O Comitê Central compõe-se de: presidente, 1º secretário, 2º secretário,
arquivista e tesoureiro, sendo as seguintes as atribuições de cada um:
O presidente – preside o Comitê Central e as assembléias dos delegados com direito a
votar, visa a correspondência e demais papéis do Comitê Central e representa o Bloco
Operário e Camponês nos atos externos.
O 1º secretário – tem a seu cargo a correspondência política, o serviço de propaganda
e agitação, a interposição de pareceres sobre questões de caráter político submetidas à
apreciação do Comitê Central, o relatório sobre propostas de novas adesões, o expediente
do Comitê Central e das Assembléias dos Delegados e substitui o presidente em seus
impedimentos.
O 2º secretário – centraliza e superintende os serviços de organização e administração
do Bloco Operário e Camponês e dos organismos ao mesmo filiados, redige as atas do
326

Comitê Central e das Assembléias dos Delegados e substitui o 1º secretário em seus


impedimentos.
O arquivista – tem a incumbência de organizar, guardar e manter em ordem os
registros eleitorais, título, documentos, correspondência e demais papéis pertencentes ao
Bloco Operário e Camponês.
O tesoureiro – dirige a administração financeira e responde pelos haveres do Bloco
Operário e Camponês, apresentando balancetes mensais do movimento financeiro da
tesouraria às Assembléias dos Delegados.
O presidente, o 1º e 2º secretários formam de direito a mesa das Assembléias de
Delegados.
VII – Metade e mais um dos delegados podem convocar uma assembléia
extraordinária dos delegados para o fim especial de apreciar e julgar os atos de qualquer dos
membros do Comitê Central, podendo ir ate à sua destituição, mediante aprovação do ato,
pelo menos por dois terços dos componentes da Assembléia.
VIII – Os fundos do Bloco Operário e Camponês são constituídos por:
a) quotas rateadas entre os representantes do Bloco Operário e Camponês nas
assembléias legislativas, segundo as necessidades financeiras da propaganda e organização, a
critério do Comitê Central;
b) quotas ou donativos voluntários dos centros, comitês, agrupamentos ou indivíduos
filiados ao Bloco Operário e Camponês;
c) festivais de propaganda, etc.
IX – Os candidatos aos cargos eletivos federais, bem como ao Conselho Municipal do
Distrito Federal, são escolhidos em Assembléia extraordinária dos Delegados para esse fim
convocada. Nos estados ou municípios, essa escolha pode ser feita pelos centros, comitês ou
agrupamentos correspondentes, mas sujeita sempre à ratificação do Comitê Central. Em
ambos os casos a escolha deve ser feita, pelo menos, 60 dias antes da data fixada para as
eleições.
X – Os representantes do Bloco Operário e Camponês nas casas legislativas, toda vez
que for necessário, serão chamados a prestar contas de sua atividade política, perante a
Assembléia dos Delegados, e submeter-se-ão às deliberações adotadas pela mesma. Em caso
de inobservância, serão passíveis das seguintes penas:
a) à repreensão;
b) à perda do mandato;
c) à expulsão do Bloco Operário e Camponês.
Os motivos da expulsão serão tornados públicos.
XI – Os candidatos aos cargos legislativos, quando escolhidos pelo Bloco Operário e
Camponês, devem deixar em poder do Comitê Central seu pedido de renúncia do cargo,
com a data em branco.
O Comitê Central só poderá apresentar esse pedido de renúncia à mesa da casa
legislativa, de que faz parte o representante do Bloco Operário e Camponês, depois de se
haver pronunciado a favor da renúncia ou expulsão a Assembléia dos Delegados, pelo
menos por dois terços de seus componentes. Ficam assegurados aos representantes julgados
os mais amplos meios de defesa perante a referida assembléia.
XII – A direção do Bloco Operário e Camponês centraliza e superintende todo o
trabalho de alistamento eleitoral feito pelos centros, comitês e agrupamentos filiados. Estes
327

são obrigados a fornecer mensalmente ao Comitê Central todas as informações referentes ao


seu alistamento, requisitadas pelo Comitê Central.
XIII – Os representantes do Bloco Operário e Camponês nas câmaras legislativas
ficam à disposição do Comitê Central para os trabalhos necessários de alistamento,
organização e propaganda.
XIV – Os casos não previstos nestes estatutos serão resolvidos pela Assembléia dos
Delegados.

Estes Estatutos foram aprovados em Assembléia dos Delegados, reunida em 2 de


novembro de 1927.”

(FONTE: Bloco Operário e Camponês. Programa e estatutos. Rio de Janeiro, Comitê


Central do BOC, 1928, p. 11-15.)
328

ANEXO VIII

Bases de Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário

“Assim fica constituído:


1º - No seio da corporação gráfica e definitivamente o Grupo Gráfico Pró-Bloco
Operário, com o fim de secundar a ação do Bloco Operário na política social.
O Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário procurará estender-se por meio de seções
fundadas no seio do sindicato da nossa corporação nos Estados, sob o mesmo programa e
impulsionadas pelo mesmo estímulo político.
2º - O Grupo Gráfico Pró-Bloco manterá uma firme linha de conduta no campo
político, de acordo com o Bloco Operário.
3º - O Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário combaterá os males que ainda afligem a
nossa corporação:
a) o derrotismo em matéria de organização;
b) o corporativismo estreito;
c) os restos da mentalidade pequeno-burguesa que ainda existe entre os nossos
companheiros.
4º - O Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário será dirigido por uma Comissão Executiva
composta de cinco membros, um dos quais será o secretário geral.
5º - O Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário organizará, de comum acordo com o Bloco
Operário, o seu serviço de propaganda, alistamento eleitoral e agitação política e, para
desenvolvimento dos mesmos, fará cobrara dos seus aderentes a mensalidade de 500
réis, cobrados englobadamente por trimestre.”

(FONTE: A Nação. Rio de Janeiro, 23/03/1927, p. 3)


329

ANEXO IX

“O candidato operário e sua obra primordial

Candidato dum partido, ligado a este partido por laços de disciplina, o candidato
operário não vai fazer na Câmara Municipal uma política pessoal de arranjos e cambalachos
mais ou menos inconfessáveis. Eleito, sujeito ao controle do partido, ele só poderá fazer, na
C. M., a política impessoal do partido a que pertence e que nele deposita sua confiança. Isto
quer dizer que ele vai fazer a política do proletariado, política de classe, de franco e
desassombrado combate em prol da classe operária.
Para isto, ele estará sempre em contato direto e cotidiano com a massa proletária. A
esta prestará ele contas, em assembléias públicas, de seu mandato, de sua atividade na C. M.
Por sua vez a massa proletária estará sempre ao seu lado, prestando-lhe todo o apoio
necessário nas campanhas empreendidas.
Por exemplo. Agita-se, na C. M., em dado momento, uma questão de interessa para a
massa laboriosa. Que faz o representante operário? Ele irá ouvir diretamente a opinião da
massa interessada, Irá aos sindicatos e sociedades de resistência, e em assembléias
especialmente convocadas debaterá o assunto, assentando, combinando e coordenando as
medidas que devem ser tomadas. Irá aos lugares mesmos de trabalho, às oficinas, aos
armazéns, ao cais, às obras em construção, etc., etc., e convocará os trabalhadores aos
meetings da praça pública, onde a questão em foco sofrerá a discussão requerida. Ele será
assim, na C.M., um verdadeiro representante das massas laboriosas, com as quais estará em
contato permanente. Não a sua opinião pessoal, mas a opinião e a política da própria massa:
eis o que sua voz exprimirá na C.M. Ele será, na C.M., verdadeiramente, o porta-voz
autêntico da massa trabalhadora.
E é assim que o candidato da Coligação Operária contribuirá, de modo efetivo, para a
educação política das largas massas operárias. Obra primordial, só por si merecedora dos
mais decidido apoio.
Amigos ursos do proletariado dizem que este último não deve “meter-se política”. É
precisamente isto o que melhor convém à burguesia capitalista. O alheamento político do
proletariado quer dizer – o que tem sucedido até aqui – alheamento do governo e da
administração da coisa pública, isto é, daquilo exatamente que acima de tudo interessa à
maioria da população, formada pela massa trabalhadora. Alhear-se o proletariado da política
quer dizer ainda, em sentido inverso, reconhecer praticamente o privilégio da minoria
burguesa e capitalista no exercício do poder.
Não; muito ao contrário disso, o proletariado deve “meter-se” o mais ativamente
possível na política – justamente para fazer sua política própria de classe
independentemente, consultando, apenas – o que é tudo – os interesses da população
laboriosa, isto é, da maioria da população.
A Coligação Operária nasceu dessa aspiração da consciência de classe do proletariado.
Seu candidato no próximo pleito municipal, sustentando as reivindicações de seu programa e
tornando-se, na C. M., o legítimo intérprete das massas obreiras, muito contribuirá, por sua
atividade prática, para essa obra necessária de alevantamento político. Só esta consideração
330

bastaria, se não houvera outras, para que em seu nome se concentrassem todos os votos de
todos os operários, de todos os oprimidos, de todos os explorados, de todos os pobres.

Astrojildo Pereira.”

(FONTE: Praça de Santos. Santos, 30-01-1928, p. 3. Este artigo também foi publicado,
sem assinatura, sob o título “O candidato da Coligação Operária e sua obra primordial” e
com algumas alterações que refletiam a mudança de título, em O Solidário. Santos, nº 49,
31/01/1928, p. 1)
f) No Topo: As Eleições Municipais de 1928

Após o fechamento de A Nação, o PCB procurou readaptar sua estrutura às


condições de clandestinidade. Os comunistas, nas mesmas reuniões em que se
decidiu a aproximação com a Coluna Prestes, em outubro de 1927, reorientaram
suas atividades em direção à constituição de organizações antiimperialistas, à
realização da frente única sindical, à organização de ligas operárias no interior,
abarcando trabalhadores urbanos e rurais, ao reerguimento das organizações
regionais do partido, à retomada da publicação de A Classe Operária e, por fim, a
“desenvolver e sistematizar a atividade dos blocos operários e camponeses no
Rio de Janeiro, promover sua organização nos Estados, sob o controle do P.C.”1.
Nesta última diretiva pode ser encontrada uma das causas que
determinaram o fim do Bloco em 1930. A “Lei Celerada” obrigou os comunistas a
buscar uma forma de ação pela qual os posicionamentos do PCB pudessem ter
uma expressão pública, mesmo que não explicitamente em nome do partido. Tal
opção acabou recaindo sobre o Bloco Operário, pois a possibilidade de realizar
comícios, debates etc. fazendo uso do nome do Bloco e da presença de seu
deputado Azevedo Lima, bem como o trabalho de alistamento dos eleitores – o
que significava, também, a possibilidade de obter-se novos militantes ao PCB -,
permitia um amplo espectro de oportunidades de ação. Octavio Brandão, em
depoimento, mostrou a maneira pela qual os comunistas passaram a usar o BOC
como cobertura para suas ações:

“O Bloco não era registrado, mas custou várias cadeias, minhas, de


Astrojildo. Perguntavam: ‘O que vocês estão fazendo aqui?’ E nós: ‘Eleição.’ E
eles: ‘E o Partido Comunista?’ E eu respondia: ‘Eu não sei. Eu não sei, não sei...’ E
o partido continuava a viver a sua vida própria. E o Bloco com aquela preocupação
oficial de eleições...”2

Estas atividades, por exemplo, no movimento sindical, muito visado pela

1
- Astrojildo Pereira. La situación política. La Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires,
nº 4 (2ª Época), 15/09/1928, p. 15.
332

repressão, já eram mais difíceis de serem realizadas. Esta opção teve suas
conseqüências, pois a lógica de ação do Bloco Operário conduzia-se, sobretudo,
pelo espectro eleitoral e parlamentar, que recobria zonas de ação de um partido
político, mas estava muito longe de abranger a totalidade de suas ações, em
especial a de um partido comunista. Isto propiciava a que parte da militância
comunista acabasse por adaptar suas ações à lógica do Bloco Operário, assim
como, ao contrário, fazia com que outro segmento da militância tentasse fazer do
Bloco um partido comunista.
Além disso, isso também tendia a gerar tensões nas relações com Azevedo
Lima, pois as ações do PCB a partir de então se fizeram sentir diretamente dentro
do BOC, o que, em termos práticos, significou a busca de um maior controle sobre
seu mandato e suas posturas.
Ao mesmo tempo em que se constituíram os núcleos organizativos no
Distrito Federal, apareceram também alguns organismos filiados ao Bloco,
majoritariamente, até março de 1928, no eixo Rio de Janeiro/São Paulo. Além dos
já existentes em Niterói (RJ) e Petrópolis (RJ) e da Coligação Operária de Santos
(SP), surgiram os centros políticos proletários de Campos (RJ) e de Sertãozinho
(SP), bem como as seções do BOC de São Paulo (SP) e de Cubatão (SP)3.
Note-se a ausência do Bloco Operário de Pernambuco nesta relação.
Somente em uma Conferência Regional, realizada em fins de março de 1928,
decidiu-se, a partir de orientação da CCE, e com base em explicações dadas por
Christiano Cordeiro, reestruturar a organização eleitoral, além de determinar-se a
organização de Comitês Eleitorais nas entidades operárias e do serviço de
alistamento, iniciando-se este pelos próprios militantes comunistas, demonstrando
tais diretivas que o BOC criado em 1927 até ali apenas hibernara. Mesmo assim,
as coisas não se deram tão imediatamente. No dia 17 de agosto de 1928 foi

2
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 139.
3
- Bloco Operário e Camponês. Programa e estatutos, p. 16. Sobre o BOC de Cubatão veja-se:
Antônio Simões de Almeida. Cubatão. Proletários e camponeses!. O Solidário. Santos, nº 49,
31/01/1928, p. 2. Também encontramos, fora do Distrito Federal, menção à criação do Comitê
Eleitoral na Estação de Estrella, no Estado do Rio de Janeiro, no dia 31 de março de 1928 (Cf.
333

fundada a Coligação Operária de Pernambuco, que, no entanto, teve suas


atividades de alistamento impossibilitadas pela polícia4. A isto se somou a falta de
recursos materiais, fazendo com que a iniciativa dos comunistas pernambucanos,
mais uma vez, se paralisasse. Além disso, em setembro foi criado o Partido
Democrático de Pernambuco. Das suas listas iniciais de adesão publicadas pela
imprensa constavam os nomes de vários comunistas. Frente a isso, o Comitê
Regional do PCB exigiu desses militantes que suas adesões fossem publicamente
repudiadas e se reafirmasse seu apoio à Coligação Operária5. Embora os
comunistas tivessem apresentado um candidato a conselheiro municipal
(vereador) de Recife, isto se deu sob a forma de candidatura avulsa, não se
permitindo a sua caracterização como sendo a de um candidato comunista,
conforme esclareceu o Comitê Regional de Pernambuco ao III Congresso do
PCB:

“Nas vésperas do pleito, foi sugerido no Comitê Regional a conveniência de


apresentar-se como candidato avulso o membro do Partido [Juvêncio] Carlos
Mariz, que dispõe de prestígio pessoal no seio da pequena burguesia e do
comércio. Eleito que fosse o mesmo (e o seria se à última hora o governo não
apresentasse chapa completa, como ficou provado com a 2ª suplência que obteve)
este daria à Coligação os seus subsídios de Conselheiro, criando-se assim uma
base econômica para o trabalho da Coligação. É bom notar que, apesar do
compromisso assumido pelo camarada Mariz, o nome da Coligação não foi
envolvido na apresentação desta candidatura. Perguntar-se-á, por que, então, não
foi envolvido o nome da Coligação? Porque os eleitores comprometidos com o
candidato Mariz não sufragariam o seu nome se soubesse das suas ligações com
o proletariado avançado. O camarada Mariz obteve 623 votos, conquistando a 2ª
suplência. Ele foi apresentado por um Comitê Eleitoral, no qual participavam dois
comunistas.”6

Dos núcleos acima citados os poucos dados referentes ao Centro Político


Proletário de Campos nos dão conta que este possuía, em fins de 1928, cerca de

Comitê Eleitoral com sede na Estação de Estrella, E. do Rio de Janeiro. A Esquerda. Rio de Janeiro,
14/04/1928, p. 4).
4
- Comitê Regional de Pernambuco do PCB. Resoluções da Conferência de Região. Recife,
abril de 1928. (ASMOB). Souza Barros à CCE. Recife, 10/07/1928 (ASMOB). Carta de Souza Barros
à C.C.E. Recife, 20/08/1928 (ASMOB).
5
- Circular do CR-PE. Recife, 24/09/1928 (ASMOB).
334

200 filiados, compostos em boa parte por trabalhadores da usina elétrica de


Campos e tecelões. Sua ação era orientada politicamente pelo Comitê de Zona
do PCB de Campos, organizado em 30/03/1928, o qual, na época do III
Congresso, tinha 14 militantes7.
Já em Sertãozinho a ação do PCB desenvolvera-se a partir de 1925. Aí
ocorreu um dos raros casos de atividade comunista entre trabalhadores rurais,
desenvolvida a partir de um movimento de solidariedade à greve de colonos da
Fazenda Brasil, daquele município. Em 1927, como vimos, os comunistas
lançaram candidatos às eleições federais e obtiveram uma boa votação. Em
agosto de 1928 foi criado o BOC, em substituição ao Partido Operário de
Sertãozinho, criado no ano anterior. Às eleições de outubro de 1928 apresentou
três candidatos a vereador e dois a juiz de paz (Theotonio Souza Lima,
pirotécnico, Joaquim de Freitas, empregado no comércio, Ovídio Matrangolo,
sapateiro, Armando Chiaratti, marceneiro, e Gumercindo Paes Vidal, pedreiro),
tendo obtido uma significativa votação, fazendo um primeiro suplente de vereador
(com 282 votos) e um terceiro suplente de juiz de paz (com 130 votos)8.
Em Ribeirão Preto, importante centro regional paulista produtor de café,
situado ao lado de Sertãozinho, os comunistas, cujo primeiro núcleo na cidade
data de 1923, também impulsionaram, em 1928, a criação do Centro Político
Proletário de Ribeirão Preto, que tinha quarenta filiados. Lançou - embora
chegasse a cogitar, em função da repressão, a apresentação de outro nome - às
eleições para vereador de outubro de 1928 a candidatura do ferroviário-
metalúrgico Guilherme Milani. Este obteve, em uma campanha que o III

6
- Comitê Regional de Pernambuco do PCB. Relatório do C. R. de Pernambuco ao III
Congresso do P.C.B. Recife, dez. 1929, p. 2. (RGASPI)
7
- Duvitiliano Ramos. A organização do Partido em Campos. Campos, [dezembro de 1928]
(RGASPI).
8
- Relatório da célula de Sertãozinho. Sertãozinho, [dezembro de 1928], p. 1 (RGASPI). Vida
Operária. Vinte candidaturas operárias disputarão as próximas eleições no Distrito Federal e Estado
do Rio [há aqui um evidente erro, pois se trata do Distrito Federal e do Estado de São Paulo, dk].
Praça de Santos. Santos, 10/10/1928, p. 4; S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de
Janeiro, dezembro de 1928], p. 5 (RGASPI).
335

Congresso do PCB classificou como tendo sofrido “desvios ideológicos”, sem,


todavia, especificá-los, 28 votos9.

Guilherme Milani.
(AESP)

Durante o ano de 1928 a única unidade federativa em que se criaram seções


do BOC, afora as mencionadas no início deste capítulo, foi o Rio Grande do Sul.
Organizados desde a fundação do PCB, os comunistas gaúchos pouco
conseguiram fazer em termos de crescimento do partido durante seus cinco
primeiros anos de vida. No início de 1928, havia cerca de 40 militantes no
Estado, dos quais 10 ou 12 estavam em Porto Alegre, encontrando-se os demais
espalhados em Pelotas, Caxias, Rio Grande e Santana do Livramento, sendo em
boa parte estrangeiros. Seu principal dirigente, Luiz Cuervo, conduzia a
organização acreditando, segundo um contemporâneo, que “o ideal revolucionário
é um monopólio exclusivamente seu”10.
No Rio Grande do Sul houve algumas tentativas de organização de núcleos
do BOC em várias cidades, testemunhando o entusiasmo com a sua proposta,
mas que não conseguiram, de modo geral, prosperar pelos mais diversos motivos,
mas que refletiam a fraca implantação e organização do PCB. Os comunistas

9
- Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa. Comunistas em Ribeirão Preto (1922-1947), p, 40;
Relatório do Comitê de Zona de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, [dezembro de 1928] (RGASPI); Carta
de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 16/09/1928 (ASMOB); Vida
Operária. Vinte candidaturas operárias disputarão as próximas eleições no Distrito Federal e Estado
do Rio. Praça de Santos. Santos, 10/10/1928, p. 4; PCB. Teses & resoluções adotadas pelo III
Congresso do Partido Comunista do Brasil, p. 15.
336

gaúchos afirmavam que era mais fácil propagar a plataforma do BOC que a
comunista entre os pequenos lavradores e arrendatários de terra, atribuindo-se
isto ao fato destes tomarem “muito a sério as questões parlamentares” 11.
Em abril de 1928 já havia se organizado um Bloco Operário e Camponês em
Porto Alegre, o qual, como uma de suas primeiras atividades, organizou
comemorações do 1º de maio na capital gaúcha. Na cidade de Rio Grande
fundou-se em 1928 um núcleo do BOC, o qual conseguiu alistar, em um só dia,
sem preparação ou propaganda, 31 membros, mas que não conseguiu prosseguir
em suas atividades12.
Em maio de 1928 também foi fundado um núcleo do BOC em Santana do
Livramento, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. No entanto, de
acordo com Luiz Gonzaga Madureira (um comunista de origem portuguesa que
fora dirigente do Comitê Local de Santos e que ali se encontrava fugindo da
polícia, em razão de um processo de expulsão contra ele decretado13), o seu
principal dirigente, Satyro Lacerda, orientava o BOC local a tentar se compor com
a oposição para fazer parte de sua chapa de candidatos a intendente para as
eleições que ocorreriam em julho. Temeroso com relação a este
encaminhamento, Madureira recomendava que a CCE interviesse rapidamente, a
fim de que “o mesmo caso que se deu com a formação do Partido Trabalhista” de
Santos não se repetisse14. Quase um mês depois novos detalhes aumentaram a
confusão: descobriu-se que Satyro Lacerda fora membro do Partido Comunista do

10
- Carta de Hugo Hungaretti a Camarada dr. Azevedo Lima. Porto Alegre, 27/02/1928, p. 2
(ASMOB); Carta de Hugo Hungaretti a Ilustre Camarada Astrogildo Pereira. Porto Alegre,
12/05/1928, p. 1 (ASMOB).
11
- No relatório do CR-RS apresentado ao III Congresso do PCB menciona-se o caso de um
pequeno lavrador e militante do PCB, Hyppolito da Silva, que chegou a promover “uma viagem de
propaganda do Bloco Operário Camponês ao interior do Estado”. Relatório do Comitê Regional do
R. G. do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928], p. 2 (RGASPI).
12
- Bloco Operário e Camponês. Ao proletariado de Porto Alegre: 1º de maio de 1928. Porto
Alegre [abril 1928] (ASMOB). Relatório do Comitê Regional do R. G. do Sul. Porto Alegre,
[dezembro 1928], p. 1 (RGASPI).
13
- O ”espantalho do comunismo”. O Combate. São Paulo, 04/02/1928, p. 1; A polícia de
Santos vai deportar dezenas de operários! A Esquerda. Rio de Janeiro, 06/02/1928, p. 2; A polícia de
Santos vai deportar dezenas de operários! A Esquerda. Rio de Janeiro, 07/02/1928, p. 6; Responda o
proletariado!. A Esquerda. Rio de Janeiro, 08/02/1928, p. 2.
337

Uruguai e deste fora expulso. Decidiu-se fundar um novo BOC na cidade, mas a
iniciativa revelou-se inócua, pois a maioria dos aderentes era estrangeira15, pouco
podendo fazer com relação à sua principal função: atuar no processo eleitoral.
Houve uma reorganização do partido no Rio Grande do Sul, tendo-se
constituído um Comitê Regional provisório em 05/07/1928, contando nesta época
com 34 membros, que aumentaram para 48 em fins de setembro, quando se
realizou a 1ª Conferência Regional. Nesta mesma época fundou-se o BOC,
impulsionado pela nova direção do CR-RS, e que não possuía nenhum vínculo
com os anteriormente organizados e que nos seus primeiros meses de existência
não conseguiu empreender nenhuma atividade de peso. Seu lançamento teve
alguma repercussão entre os sindicatos, especialmente entre os gráficos. Nestes
meses iniciais tentou estabelecer conexões com os núcleos regionais do PCB
para a expansão de suas atividades, mas sem sucesso e sem se dedicar a
disputas eleitorais16. O elevado número de militantes estrangeiros, como em
Livramento, também era um problema que ocorria em Porto Alegre, tendo a CCE
recomendado que nos seus comícios falassem preferencialmente brasileiros, “só
em último caso, poderão fazê-lo os estrangeiros”17.
A direção do BOC, a fim de estimular a criação de novos núcleos, fazia uso
da presença de Azevedo Lima em comícios, debates e palestras. Tal presença
tinha duas dimensões complementares. A primeira, de caráter mais prático,
referia-se ao fato de Azevedo Lima poder circular livremente pelo País para
“transmitir notícias e orientações”18 valendo-se de sua imunidade parlamentar. O
segundo aspecto era sua popularidade, decorrente de sua atuação como
deputado do BOC, que também auxiliava na adesão à organização. Um trecho de

14
- Carta de Luiz Gonzaga Madureira a Camarada Astper [Astrojildo Pereira]. Santana do
Livramento, 20/05/1928. (ASMOB)
15
- Carta de Luiz Gonzaga Madureira a Camarada Astp. [Astrojildo Pereira]. Rivera,
21/06/1928 (ASMOB)
16
- Relatório do Comitê Regional do R. G. do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928], p. 4
(RGASPI).
17
- Carta a C.C.E. ao C.R. de Porto Alegre. Rio de Janeiro, 04/10/1928 (ASMOB).
18
- Carta de Everardo [Dias] a Gildo [Astrojildo Pereira]. [São Paulo], fev. de 1928, p. 3.
(ASMOB)
338

uma carta de um dirigente do Comitê Regional de São Paulo do PCB nos dá um


bom exemplo desta última dimensão:

“E, para cúmulo de tudo, a C.C.E. procura esquecer-se de que nos havia
prometido, por intermédio de Astrojildo, a vinda de Azevedo Lima a S. Paulo.
Tendo sido esse um dos motivos mais preponderantes da fundação do B.O.C. em
véspera do pleito de fevereiro (Everardo só se decidiu a respeito depois da
promessa de Astrojildo), por conseguinte sem o tempo necessário para uma séria
arregimentação eleitoral. A C.C.E. bem poderia ter se lembrado dessa promessa
antes de formular as suas críticas à nossa atitude. A vinda de Azevedo Lima era
absolutamente imprescindível. Essa foi uma das causas que mais contribuiu para o
recuo a que fomos obrigados. Não é necessário relembrar aqui os motivos que
justificavam a nossa exigência. Eles são bem intuitivos.”19

Além disso, a forma de expressão pública de Azevedo Lima era um


importante chamariz. Em um testemunho publicado na Praça de Santos, um
eleitor comparava os discursos do parlamentar do BOC com os de Maurício de
Lacerda feitos na cidade de Santos há algum tempo. Este último, em discurso
testemunhado por esse eleitor, “omitiu as palavras sobre o proletariado” e lhe
pareceu um demagogo. Azevedo Lima, por outro lado, o deixou impressionado
por dirigir seu discurso contra o regime em si e não, como fazia Lacerda, contra
um indivíduo, no caso o ex-presidente Arthur Bernardes. Ou seja, para este eleitor
o discurso de Azevedo Lima “foi um anátema terrível contra a sociedade. Não
pecou, como os democráticos e republicanos que vêem no indivíduo as idéias que
professa”. Como resultado de tal comparação, o eleitor em questão acabou
declarando-se futuro eleitor da Coligação Operária20. Além disso, neste mesmo
aspecto, os comunistas ressaltavam que as declarações de Azevedo Lima, feitas
tanto no plenário da Câmara dos Deputados como à imprensa, bem como as
dadas em praça pública, eram atacadas pela imprensa burguesa porque “vão de
encontro às aspirações da massa trabalhadora e contra os interesses do
capitalismo”:

19
- Plínio Mello. A questão das eleições estaduais. Carta à C.C.E. São Paulo, 21/04/1928, p. 2.
(AE-D)
20
- Benedicto Seraphico Mimoso. Porque voto na Coligação Operária. Praça de Santos.
Santos, 23/05/1928, p. 3.
339

“A burguesia do Brasil, acostumada a explorara a massa trabalhadora sem


obstáculos que lhe opusessem uma resistência sólida, berra a plenos pulmões
quando um deputado no parlamento chama o proletariado para que se organize
nos seus respectivos sindicatos, ao menos para a defesa dos seus interesses
imediatos.
É necessário que a vanguarda proletária de São Paulo tome na devida
consideração as palavras do nosso viril e único defensor no parlamento.”21

Todo este trabalho desenvolvido ao longo do ano de 1928 propiciou o


surgimento de várias seções do Bloco Operário Camponês, das quais algumas
lançaram candidaturas a vereador nas eleições de outubro de 1928, bem como o
desenvolvimento das que já existiam. A seguir nos deteremos em três casos, Rio
de Janeiro, Santos e São Paulo, que julgamos representativos da atuação
desenvolvida pelo BOC neste ano, relevando vários questões específicas e gerais
encontradas durante as campanhas.

RIO DE JANEIRO (DISTRITO FEDERAL)

Estruturando a campanha: Os Comitês Eleitorais e os Centros Políticos

Seguindo o exemplo dado pela criação do “Grupo Gráfico Pró-Bloco


Operário” foram formados no Distrito Federal, entre meados de 1927 e o início de
1928, uma série de organismos vinculados tanto a sindicatos como de
representação de base local (de bairro) ou municipal, e que tinham como principal
tarefa fazer a propaganda do programa do BOC e realizar a filiação de
trabalhadores ao BOC e, naturalmente, seu alistamento como eleitores. Estes
organismos, no caso de serem compostos por sindicalistas, passaram a
denominar-se de Comitê Eleitoral da categoria tal e, se representassem uma
organização local, de Centro Político do bairro ou município tal. Estes comitês

21
- Azevedo Lima e a imprensa burguesa. O Internacional. São Paulo, nº 121, 01/11/1927, p.
1.
340

eleitorais e centros proletários agrupavam tanto membros do PCB como apenas


aderentes do BOC22. Apesar de não nos terem chegado dados sobre a
composição de tais organismos é lícito supormos que havia uma predominância
de militantes comunistas entre seus aderentes. Até março de 1928, depois dos
gráficos, foram criados na cidade do Rio de Janeiro os Comitês Eleitorais dos
camponeses, trabalhadores da construção civil, da indústria alimentícia, da
indústria de bebidas, ferroviários (este, fundado em 25 de agosto de 1927, foi o
segundo depois do dos gráficos23), metalúrgicos, sapateiros e tecelões e os
centros eleitorais, além do da Gávea, de Engenho Velho, Espírito Santo e São
Cristóvão24, estes três últimos situados no 2º Distrito Eleitoral. Boa parte dos
comitês eleitorais vinculados a categorias profissionais tinha como seu endereço
o da sede do BOC, à praça da República25.

Prédio que abrigou a sede do BOC no Rio de Janeiro.

Após o mês de março, somente no dia 22 de julho de 1928, na sede da


Associação dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica do Rio de Janeiro,

22
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 139.
23
- Operários e lavradores. Comitê Eleitoral dos Ferroviários. A Esquerda. Rio de Janeiro,
20/08/1928, p. 4.
24
- Bloco Operário e Camponês. Programa e estatutos, p. 16. Sobre a fundação do Centro de
Espírito Santo ver: O Centro Político da Paróquia do Espírito Santo. Sua adesão ao Bloco Operário e
Camponês. A Esquerda. Rio de Janeiro, 13/02/1928, p. 5.
25
- Operários e Lavradores. Comitê Eleitoral da C. Civil filiado ao Bloco Operário e
Camponês. A Esquerda. Rio de Janeiro, 28/02/1928, p. 4; Operários e Lavradores. Comitê Gráfico
Eleitoral (Filiado ao Bloco Operário e Camponês). A Esquerda. Rio de Janeiro, 10/03/1928, p. 4;
Operários e Lavradores. Comitê Eleitoral Ferroviário, filiado ao Bloco Operário e Camponês. A
Esquerda. Rio de Janeiro, 03/04/1928, p. 4.
341

fundou-se um outro comitê eleitoral. Este, no entanto, diferenciava-se dos até


então formados, pois tinha um recorte de gênero: era o Comitê Eleitoral das
Mulheres Trabalhadoras, que tinha como representante junto ao BOC a operária
tecelã Maria Lopes. Além desta, entre suas integrantes estavam Laura da
Fonseca e Silva Brandão, Isaura Casemiro Nepomuceno, Erecina Lacerda, Sylvia
Casini e Margarida Pereira. De acordo com Octavio Brandão era a primeira vez
no Brasil que mulheres trabalhadoras “fizeram discursos aos operários,
chamando-os à organização e à luta”. Tais discursos, na verdade, eram
preparados pelos dirigentes comunistas e lidos pelas mulheres diante dos
operários. Embora no início houvesse alguma resistência, elas acabaram se
impondo. O Comitê tinha entre seus objetivos, além de atuar nas campanhas
eleitorais, lutar pela conquista do voto feminino e “colocar no Conselho Municipal,
na Câmara e no Senado, mulheres pobres que saibam defender os interesses das
mulheres trabalhadoras de todo o Brasil” 26.
Logo de início, os militantes destes comitês e centros eleitorais encontraram
dificuldades em uma de suas primordiais tarefas, pois faziam propaganda,
distribuíam documentos, davam explicações, mas não sabiam como alistar os
eleitores. Esta “arte” lhes foi transmitida pela experiência de seu deputado
Azevedo Lima. Além disso, com os recursos propiciados pela parte de seus
subsídios que eram destinados ao BOC, pagava-se o aluguel da sua sede e, mais
importante, custeavam-se as despesas com o alistamento (fotografias, certidões,
declarações, reconhecimento de firmas etc.)27.
Assim, com vistas a preparar-se para as futuras eleições, iniciou-se o
alistamento de eleitores para o Bloco. Destes, além de tentar fazê-los colocar uma
cédula do Bloco dentro da urna eleitoral, tinha-se também a expectativa de

26
- Operários e Lavradores. Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras. A Esquerda. Rio de
Janeiro, 25/07/1928, p. 4; Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 348-349;
Cinco moças do Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras, detidas pela polícia. A polícia anda
com medo das mulheres comunistas. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 10/11/1928, p. 6; Octavio
Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 109; Diário do Congresso Nacional. Rio de
Janeiro, 14/11/1928, p. 5.406. Para ver as finalidades do Comitê Eleitoral das Mulheres
Trabalhadoras ver o Anexo X.
342

transformá-los em militantes da causa comunista. O trabalho de alistamento foi


assim explicado, por exemplo, junto à categoria dos gráficos cariocas:

“Todos os trabalhadores da indústria poligráfica precisam, quanto antes,


alistar-se no registro eleitoral. Necessitamos, assim como do pão de cada dia, da
política proletária, política esta que combaterá sem desfalecimentos a política
retrógrada, e por isso mesmo, sem princípios, da burguesia já inanimada que aí
está a infelicitar-nos com leis de arrocho e com os mais deslavados conchavos e
imoralidade de toda ordem. Assim como não deverá existir um só gráfico fora da
U[nião]. [dos] T[rabalhadores]. G[ráficos]., do mesmo modo não deverá haver um
só companheiro não alistado eleitor. [...]
Provisoriamente, por uma gentileza dos companheiros, na assembléia geral,
o ‘Grupo Gráfico Pró-Bloco Operário’ obteve um lugarzinho num recanto da
primorosa sede da U.T.G. Aí, nesse local, vêm tendo a referida comissão as provas
mais inequívocas de adesões dos trabalhadores da indústria poligráfica. A lista dos
alistados aumenta dia a dia. [...]
Podemos, entretanto, afiançar que obtivemos experiência e nos
encontramos, agora, aptos para os futuros prélios que hão de agitar as grandes
massas proletárias do país. Chegou a hora de penetrarmos nas assembléias
legislativas. É um direito que assiste aos trabalhadores e no dia em que todos os
operários estiverem dentro dos sindicatos, os sindicatos dentro das Federações e
estas coroadas pela Confederação Geral do Trabalho, nesse dia, então, todos já
alistados, poderemos dizer altissonantes:
- Somos a maioria esmagadora. As cadeiras do parlamento nos pertencem!
E te-las-emos, então!”28

Enfim, considerando-se que as próximas eleições, no Distrito Federal,


estavam previstas apenas para outubro de 1928, tinha-se, a partir desta estrutura
criada, um considerável espaço de tempo para promover a propaganda do BOC
junto aos trabalhadores destas categorias que organizaram comitês eleitorais ou
da população dos bairros em que foram organizados centros políticos. Se, além
disso, considerarmos que o alistamento era usualmente feito somente nas últimas
semanas antes do encerramento do prazo para inscrição dos eleitores habilitados
a votar nas eleições a serem realizadas, podemos considerar que a organização
do BOC apresentou algo diferente e novo ao mundo político-eleitoral do final dos

27
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 34. A apuração do último pleito
carioca. Comunismo a granel... Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 18/11/1928, p. 2.
28
- Daniel. Cerremos fileiras em torno do “Bloco Operário”. Voz do Gráfico. Rio de Janeiro,
nº 7, 19;/08/1927, p. 3.
343

anos 1920: um organismo político permanente, que funcionava, como as demais


organizações partidárias até então existentes, apenas à véspera das eleições.
Este, como nos deixou claro o depoimento de Octavio Brandão, foi um
trabalho que revelou uma visão de longo prazo e uma escala muito maior que a
ânsia cotidiana da militância política conseguia enxergar:

“Um dia se reúne a direção do partido. [...] . E eu disse: ‘Já uma ou duas
vezes tentamos eleger alguém, não conseguimos porque não temos eleitorado
próprio, precisa eleitorado próprio. [...] Bem, se o partido me encarrega, eu vou
fazer esse trabalho, com uma característica: o partido não assume nenhuma
responsabilidade a respeito da escolha dos candidatos.’ Sem compreender que eu
iria levar um ano, um ano e meio, dois anos, a preparar eleitores, eleitores fiéis e
que, na hora, o partido iria naturalmente escolher o que estava acostumado.
Aqueles eleitores estavam acostumados com a minha propaganda cada dia. Bem,
o partido decidiu sem nenhum compromisso relativamente à escolha dos
candidatos, e eu fui fazer o trabalho. [...] Todo dia fazíamos propaganda pela
esquina, não conseguíamos nada, nada; mas quando nos mudamos para a praça
da República, esquina da rua da Constituição, aí começou a aparecer gente.
Aquela massa das fábricas que ia pela rua Larga, por aquela zona toda, dava
meia-volta e entreva na sede do Bloco. E eu, toda tarde, fazendo propaganda,
dando manifesto, explicações e tudo, e procurando alistar. [...] Bem, eu, todo dia,
às quatro horas da tarde, chego lá na praça da República, esquina com rua da
Constituição. Abro a porta e fico ali esperando. Chegava um e outro, às vezes
verdes, verdes, verdes e eu começava a erva brava na cabeça dessa gente,
explicando: ‘O Bloco Operário é isso, está aqui o programa. O Bloco Operário é
isso, lugar de camponês é isso e aquilo outro e tal, tal’. Creio que todo o ano de
1928 foi assim.”29

Cumpre ressaltar que, apesar do acima relatado por Brandão, sua presença
em atos públicos, comícios, debates, festivais, onde era apresentado como
“representante do BOC”, é um seguro indício de que o PCB o promovia a um
processo de exposição pública tendo em vista a apresentação de seu nome como
candidato às futuras eleições de outubro de 1928.
A partir das orientações veiculadas aos militantes para realizar sua tarefa de
“alistadores” e de propagandistas é possível ter-se uma dimensão do exaustivo
trabalho cotidiano a que se dedicaram durante este período que antecedeu as
eleições municipais de outubro de 1928:

29
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 34 e 35.
344

“É preciso que cada operário, empregado, lavrador pobre ou pequeno


funcionário seja eleitor do Bloco Operário e Camponês. Mas não basta. É preciso
ser um alistador, um propagandista infatigável; recortando os nossos artigos e
pregando-os nas paredes das fábricas, oficinas, sindicatos; grudando os nossos
cartazes nos lugares mais salientes; discutindo pacientemente com os refratários;
convencendo os adversários; argumentando; infiltrando entusiasmo; ganhando
confiança; convocando reuniões aos domingos para ler e comentar o programa e
os estatutos do Bloco e os artigos publicados; realizando rateios para auxiliar a
edição de manifestos.
É imprescindível perguntar a cada companheiro: É eleitor?
Se o é, conseguir a carteira com o endereço, para ele ficar inscrito em nossas
listas. Se não o é, informar-se sobre os documentos necessários e levá-lo ao
Bloco.
Além deste trabalho positivo, é preciso realizar o trabalho negativo, ligando
os senadores, deputados e intendentes às respectivas classes – proletariado
(Azevedo Lima), pequena burguesia confusionista (Maurício, Irineu, Bergamini),
grande burguesia liberal (os três partidos ‘democráticos’) e a grande burguesia
conservadora (o partido republicano). As atitudes dos pequenos burgueses
confusionistas e dos grandes burgueses liberais devem ser criticadas, mostrando o
caráter reacionário das mesmas e provando que elas não correspondem às
aspirações do proletariado.
A obra no seu duplo aspecto – positivo e negativo, construtor e destruidor –
deve ser feita metodicamente e sistematicamente.”30

O trabalho positivo e o trabalho negativo

Um das fontes do chamado trabalho positivo eram os textos divulgados pela


imprensa: a “coluna operária” do diário A Esquerda, num primeiro momento, e o
órgão oficial do PCB, A Classe Operária, que reapareceu em 1º de Maio de 1928,
em sua segunda fase. Além disso, este trabalho também era feito por intermédio
de panfletos e outros textos avulsos. Os textos publicados na imprensa,
fundamentalmente, procuravam explicar a importância da participação dos
trabalhadores na contenda eleitoral e seu papel na luta de classes. Os principais
argumentos colocados voltavam-se contra os posicionamentos abstencionistas de

30
- Fackel. Contra o voto mercenário, pelo voto de classe! O Bloco Operário e Camponês é a
organização dos que votam por consciência de classe! A Esquerda. Rio de Janeiro, 29/02/1929, p. 4.
O mesmo artigo, assinado aí por Orlando Paiva, foi publicada na seção “Vida Operária” da Praça de
Santos, em sua edição de 03/03/1928.
345

origem anarquista e contra um universo ideológico difuso, que abrangia tanto os


“sindicalistas amarelos” como a pequena burguesia, e que se deixavam seduzir
por candidaturas que se diziam defensoras das causas populares.

Capa do nº1 de A Classe Operária, de 1928.


(ASMOB)

Assim, depois de afirmar que mais importante que esta era a luta
extraparlamentar e ilegal, deixava-se claro que não se poderia cair no
abstencionismo, que simplesmente reforçava a burguesia. Esta, por meio de
candidatos que se faziam de “amigos das classes menos favorecidas da sorte”,
buscavam iludir os trabalhadores, para arrastá-los às urnas:

“E a consciência de classe dos trabalhadores mais e mais se dissolvia, ao


contato mascavado destes políticos sem escrúpulos, puros trampolineiros, cheios
de um verbalismo mais ou menos demagógico, mas profundamente ligados aos
interesses de sua classe, da classe burguesa, a que estavam presos pelos
múltiplos laços de família e de inconfessáveis compromissos.”31

Era necessário fazer das eleições um episódio a mais da luta de classes, por
meio das quais se daria a entrada do proletariado na cena política, nela
manifestando seus pontos de vista e sua independência de classe por meio dos
346

representantes que ele próprio escolhia. Criavam-se, desse modo, “novas bases
para um mais largo movimento de massas capaz de derrubar definitivamente os
seus exploradores e levá-los à definitiva vitória contra os seus inimigos
seculares”.
Ao mesmo tempo, várias outras questões foram enfatizadas neste trabalho
“positivo”. Assim, por exemplo, foram tratadas questões como a relevância de
levar-se de modo simultâneo o trabalho eleitoral e o trabalho sindical32, o
compromisso dos representantes do BOC com seu programa, a importância da
criação de uma consciência de classe e de uma educação política dos
trabalhadores, bem como a exposição de uma série de pontos da plataforma
eleitoral do Bloco33.
Já um exemplo de subsídio ao trabalho “negativo”, posteriormente difundido
por meio de panfletos, era o que tratava sobre a política e as formas de se fazê-
la34. A política recebia uma definição extremamente utilitária e prática, sendo
considerada como uma atividade por meio da qual classes, partidos,
agrupamentos e indivíduos, valendo-se de elementos conjunturais, buscavam a
conquista do poder político e da máquina do Estado. Para tanto, explicava o BOC,

31
- P. Lavinsky. Todo operário, empregado, lavrador pobre ou pequeno funcionário deve ser
eleitor! Eleitor do Bloco Operário e Camponês! Proletários, alistai-vos no 1º Distrito!. A Esquerda.
Rio de Janeiro, 16/02/1928, p. 4.
32
- Esta questão era o reflexo da cisão que ocorrera nas fileiras do PCB em torno da Oposição
Sindical e que trataremos mais adiante. Tal tema, embora não se abordasse a questão da cisão de
maneira direta, foi tratado em artigos assinados por Tob. Guarany e publicados na coluna “Operários
e Lavradores” de A Esquerda em suas edições de 21/07/1928, 30/07/1928, 31/07/1928 e 15/08/1928.
33
- Veja-se, por exemplo, Centro Político Proletário da Gávea. Todo operário, empregado,
lavrador pobre ou pequeno funcionário deve ser eleitor! Eleitor do Bloco Operário e Camponês!
Proletários, alistai-vos no 1º Distrito!. A Esquerda. Rio de Janeiro, 17/02/1928, p. 4; Centro Político
Proletário da Gávea. Todo operário, empregado, lavrador pobre ou pequeno funcionário deve ser
eleitor! Eleitor do Bloco Operário e Camponês! Proletários, alistai-vos no 1º Distrito!. A Esquerda.
Rio de Janeiro, 23/02/1928, p. 4; Fackel. O povo brasileiro não escolhe os seus dirigentes! O Bloco
Operário e Camponês combate essa política errada. A Esquerda. Rio de Janeiro, 28/02/1928, p. 4;
Fackel. Contra o voto mercenário, pelo voto de classe!! O Bloco Operário e Camponês é a
organização dos que votam por consciência de classe! A Esquerda. Rio de Janeiro, 29/02/1928, p. 4;
Fackel. As três classes e as três políticas. Só o Bloco Operário e Camponês representa os interesses
das massas laboriosas. A Esquerda. Rio de Janeiro, 03/04/1928, p. 4.
34
- Fackel. As três classes e as três políticas. Só o Bloco Operário e Camponês representa os
interesses das massas laboriosas. A Esquerda. Rio de Janeiro, 03/04/1928, p. 4. O texto de Fackel foi
reproduzido no seguintes panfletos: Comitê Eleitoral dos Ferroviários. As três classes e as três
347

havia, fundamentalmente, três maneiras de se fazer política, cada uma delas


correspondendo a uma das classes em que se dividia a sociedade: grande
burguesia, pequena burguesia e proletariado.
A primeira era definida como sendo aquela praticada pelos capitalistas,
sendo subdividida em conservadora, representativa dos “fazendeiros de café e
seus instrumentos”, e liberal, associada aos grandes industriais e comerciantes,
aliados aos proprietário de terras descontentes com a política de defesa do café.
Como representativos do primeiro subgrupo eram apresentados:

“O partido republicano (paulista e mineiro), “O Paiz”, Frontin, Antônio Carlos,


Getúlio Vargas, Sampaio Correia, Dodsworth, os Penidos, Machado Coelho,
Cândido Pessoa, Flávio da Silveira, Nicanor Nascimento, Azurem, Pinto Lima, Júlio
Cesário, Piragibe, Alberico de Moraes.”

Já do segundo subgrupo, classificado dos “lobos que vestem a pele dos


cordeiros”, faziam parte “o pretenso partido libertador do Rio Grande do Sul, os
vários partidos democráticos, “O Jornal”, Assis Brasil, Marrey, Morato, Moraes
Barros”. A inclusão dos libertadores e democráticos no grupo dos “lobos”,
observe-se, deixa sinalizado à militância comunista – que nesta altura
acompanhava a polêmica entre a CCE e o CR-SP em torno da questão da
retirada da candidatura operária e o apoio ao Partido Democrático de São Paulo -
que estes foram nitidamente dissociados do campo da pequena burguesia e não
mais representam um campo passível de aliança ou frente única, embora seus
militantes, individualmente, ainda pudessem ser objeto de atenção e busca de
adesão ao BOC.
A política da pequena burguesia era representativa da classe média e dos
pequenos proprietários. Esta também era agrupada em duas facções. A primeira,
chamada de confusionista, era basicamente caracterizada como a feita pelos
políticos que se diziam defensores dos trabalhadores (Maurício de Lacerda,

políticas. Rio de Janeiro, 1928 (RGASPI) e Comitê Central do Bloco Operário e Camponês. Votai no
Bloco Operário e Camponês. Rio de Janeiro, 1928 (RGASPI).
348

Adolpho Bergamini, Salles Filho e Irineu Machado), e, como foi dito em outro
lugar:

“Esses pequenos burgueses confusionistas preconizam a conciliação de


classes com o fim de não desaparecer no desenrolar da luta das classes, com o
fim de não ser jogados no seio do proletariado. [...] O instinto de conservação
desses confusionistas leva-os ao reformismo e à conciliação das classes, leva-os a
turvar a água para que as duas classes não se separem, não se delimitem.”35

A outra facção era a da pequena burguesia revoltosa, que tinha em Luiz


Calos Prestes o seu representante mais conspícuo.
E, por fim, a política do proletariado, que era representada pelo BOC,
“organização dos trabalhadores, formada pelos trabalhadores, para os
trabalhadores”. Tem ele como finalidade a defesa dos interesses imediatos dos
trabalhadores, para fazer da “luta por essas pequenas melhorias uma luta pela
nossa emancipação”. Por fim, este texto chamou a atenção para a questão da
aliança com a pequena burguesia ao afirmar que no BOC havia aderentes
pequeno-burgueses, mas que dentro dele defendiam a política dos trabalhadores.
É digna de nota uma ambivalência no que se refere às relações com do BOC com
o PCB, pois este documento trata daqueles segmentos que têm por fim a
conquista do poder e não se refere ao partido comunista. O Bloco, embora aqui
não se intitule como tal – cuidado que não existe, por exemplo, na Coligação
Operária de Santos e no BOC de São Paulo, que assim se definem -, assume, ao
colocar entre suas finalidade a “luta pela nossa emancipação”, todas as funções
de um partido político dos trabalhadores. Portanto, a julgar-se pelo aqui exposto,
o BOC deixava de ser apenas uma organização com fins eleitorais para ser um
organismo de conquista do poder.
Outro exemplo de “trabalho negativo” pode ser encontrado por meio de uma
análise do quadro político-eleitoral do 1º Distrito, traçada a partir dos resultados
das eleições federais de fevereiro de 1927. Os deputados mais votados do
Distrito Federal eram apresentados como os chefes eleitorais do distrito, os quais
349

detinham, ressaltava o texto, esta condição em razão dos sufrágios recebidos de


muitos “operários, empregados e pequenos funcionários”. Estes chefes eram
identificados como pertencentes à “direita da grande burguesia”. A matéria trata
dos três chefes mais importantes, os deputados federais Henrique Dodsworth,
Antônio Máximo Nogueira Penido e Machado Coelho. O texto mostrava as
vinculações de cada um deles. No caso de Henrique Dodsworth, ressaltava-se o
fato de ser sobrinho e instrumento de Paulo de Frontin, “grande senhorio
explorador, ligado a numerosas empresas capitalistas”. Penido era apresentado
como diretor da Companhia Brasileira Industrial e Construtora, vinculada aos
bancos Nacional Brasileiro e Português do Brasil. Machado Coelho, o qual não
residia no Rio de Janeiro, era dono de uma empresa de móveis e conseguiu sua
eleição, de acordo com a matéria, “a peso de ouro”. Depois do estabelecimento
destas relações político-econômicas, a matéria ressaltava como dois deles
pretendiam atuar nas eleições municipais de outubro por meio de candidatos a
intendente a eles vinculados. Assim, Dodsworth apoiaria as candidaturas de João
Clapp Filho, amigo de Frontin, e de Jacintho Alves da Rocha, um “bicheiro” do
bairro da Lapa, e Penido apresentaria seu irmão Jeronymo Máximo Nogueira
Penido e Lourenço Méga, um advogado de contraventores do “bicho”. Frente a
este exame das vinculações eleitorais e político-econômicas, que, por vezes, mais
parecia a exposição de um prontuário policial, os apoiadores do BOC tinham
inegavelmente um vigoroso material de intervenção junto aos simpatizantes e
indecisos36.

O “trabalho negativo” sobre o Partido Democrático

35
- Fackel. A política da pequena burguesia confusionista. O proletariado não deve iludir-se
com essa política!. Rio de Janeiro, 12-10-1928 (RGASPI).
36
- Fackel. Os chefes atuais do 1º distrito são instrumentos da grande burguesia conservadora.
Operários, empregados, lavradores pobres e pequenos funcionários, nem um voto sequer para esses
reacionários!!. Apoiai o Bloco Operário e Camponês. A Esquerda. Rio de Janeiro, 04/04/1928, p. 4.
350

Vale aqui ressaltar o “trabalho negativo” desenvolvido em relação aos


democráticos e, em particular, ao Partido Democrático do Rio de Janeiro. Como
vimos acima os democráticos foram deixados de fora pelos comunistas do seu
arco de eventuais alianças para a consecução da sua revolução democrático-
pequeno-burguesa. Os comunistas passaram a adotar uma relação de confronto
político com os democráticos e, ao mesmo tempo, de disputa em torno daqueles
setores da pequena-burguesia urbana que giravam em torno dos “tenentes”, dos
parlamentares chamados de “confusionistas” (Maurício de Lacerda, Adolpho
Bergamini etc.) e dos próprios democráticos. Tal disputa era resultado, de um
lado, da caracterização que se consolidara durante a polêmica do CR-SP com a
CCE como sendo o Partido Democrático um partido da “grande burguesia ‘liberal’-
tapeadora” e instrumento da finança inglesa, assim como os seus congêneres de
São Paulo e Nacional. Além disso, afirmavam os comunistas, quando começaram
ocorrer as revoltas “tenentistas” a “grande burguesia feudal” começou a se dar
conta de que se isolava cada vez mais da pequena burguesia liberal e do
proletariado. A pequena burguesia parecia ganhar novos adeptos e rumar em
destino à derrocada do regime, ao mesmo tempo em que o proletariado
acompanhava este processo, entusiasmado com esta “primeira etapa de sua
libertação”. Frente a esta situação foi preciso que a “grande burguesia feudal”
buscasse “embrulhar” uma parte “descontente, confusionista, vacilante” da
pequena burguesia e isolar outra, “realmente revolucionária”. Para isso, surgiram
os partidos democráticos com seus programas “mais ou menos” liberais, e que
acabaram por dividir a pequena burguesia revolucionária, concretizando seu
principal objetivo. Além disso, os democráticos também teriam como meta,
definida pela “grande burguesia feudal”, a divisão do proletariado. Aliás, foi em
decorrência desta última “meta” que os comunistas travaram um confronto público
com os democráticos por ocasião das comemorações do 1º de Maio de 1928. O
Partido Democrático do Rio de Janeiro, alegando pretender “desenvolver o
espírito de solidariedade a par da educação moral e cívica”, convocou a
realização de um ato no bairro de Bangu para aquela data. Os comunistas, que
351

estavam convocado um comício para a Praça Mauá, classificaram tal iniciativa de


“divisionista” e acusaram os democráticos de pretenderem “fazer uma pescaria a
favor da burguesia” e chamaram ao boicote da reunião de Bangu. De acordo com
Octavio /Brandão, mais de dez mil trabalhadores compareceram á Praça Mauá 37.
De certo modo, os comunistas começaram, ainda de forma muito tateante, a
se dar conta do desenho que se esboçava e que tomaria seus contornos
definitivos com a constituição da Aliança Liberal e dos compromissos que
conformariam as alianças que lhe deram forma. Por meio desta interpretação,
fornecida através de um texto de autoria de Antônio Corrêa, é possível
compreender as razões pelas quais o PCB passou a hostilizar abertamente os
democráticos e a disputar politicamente os mesmos setores aos quais os partidos
democráticos se dirigiam38.
Outro exemplo de “trabalho negativo” foi a repetição do recurso de examinar
as vinculações político-econômicas de Paulo de Castro Maia e Octavio da Rocha
Miranda, dirigentes do Partido Democrático do Rio de Janeiro, mostrando suas
relações com o governo, em decorrência de contratos mantidos pelas grandes
empresas das quais eram titulares e questionando o caráter de oposicionistas dos
democráticos39.
Além do “trabalho negativo” em relação aos democráticos, os comunistas
também desenvolveram outro “positivo”. Por seu intermédio, embora sem
mencionar o Partido Democrático de maneira direta, os comunistas destacavam
pontos da plataforma do BOC, mas o faziam de modo a tratar de questões nas

37
- Atividade partidária. Como o Partido Democrático comemorará as datas de 1º e 3 de maio.
A Esquerda. Rio de Janeiro, 26/04/1928, p. 2; Comitê Eleitoral dos Tecelões. Operários! Cuidado
com o partido democrático – o partido da grande burguesia tapeadora. Voz Cosmopolita. Rio de
Janeiro, nº 127, 01/05/1928, p. 4; Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 346.
38
- Fackel. O partido “democrático” do Rio é um partido de grandes exploradores. Só o Bloco
Operário e Camponês defende as aspirações das massas laboriosas. A Classe Operária. Rio de
Janeiro, nº 2 (2ª fase), 05/05/1928, p. 2; Lloyd George e o “Partido Democrático” do Rio. Tal partido
é dirigido por instrumentos da finança estrangeira! Só Bloco Operário e Camponês combate a finança
estrangeira, base do imperialismo! A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 4 (2ª fase), 19/05/1928, p. 1
e 2; Antônio Corrêa. O partido democrático é um instrumento dos senhores feudais. A Classe
Operária. Rio de Janeiro, nº 4 (2ª fase), 19/05/1928, p. 2.
352

quais os democráticos se embaraçavam. Uma delas era a questão do


posicionamento frente ao imperialismo. Para os comunistas a defesa das
liberdades democráticas no Brasil desacompanhada do combate ao imperialismo
era “realizar nada de positivo”, era uma “tapeação”. Mostrando à exaustão as
vinculações da burguesia nacional com o imperialismo, o “Aranhol Capitalista”,
como o chamava Octavio Brandão, através da teoria da disputa interimperialista,
o PCB afirmava que,

“A opressão reacionária nacional apóia-se diretamente no imperialismo


estrangeiro. Por conseguinte, a verdadeira democracia tem que lutar contra a
reação brasileira e contra o imperialismo estrangeiro e tem de basear sua ação em
duas classes: o proletariado e a pequena burguesia.”40

Esta temática, em especial, foi abordada por se dirigir àqueles setores que
simpatizavam com o “tenentismo”, pois, quando de seus contatos com Prestes,
Astrojildo Pereira enfatizou a simpatia dos revolucionários “com nossa luta contra
o imperialismo, embora sua simpatia parta de um ponto de vista patriótico e
nacionalista”41, ênfase esta que também pesou na decisão de criação de
organizações antiimperialistas tomada nas reuniões da CCE de outubro de 1927,
questão esta que foi retomada no III Congresso do PCB. Assim, quando os
comunistas abordavam a questão do imperialismo tencionavam fazer confrontar
os tenentistas, que tinham algum posicionamento sobre o tema, e os
democráticos, que o tergiversavam.
Outro destes temas era o referente à questão do campo. Os comunistas
acreditavam que não havia chance de vitória de um movimento democrático
nacional que se limitasse às cidades, que não arrastasse o assalariado agrícola,
o pequeno lavrador sem terras e o pequeno proprietário à luta política e não

39
- Fackel. O partido “democrático” do Rio é um partido de grandes exploradores. Só o Bloco
Operário e Camponês defende as aspirações das massas laboriosas. A Classe Operária. Rio de
Janeiro, nº 2 (2ª fase), 05/05/1928, p. 2.
40
- Salomão. Democracia é combate ao imperialismo. A Esquerda. Rio de Janeiro,
30/06/1928, p. 4. Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 347.
41
- Astrojildo Pereira. La situación política. La Correspondência Sudamericana. Buenos
Aires, nº 4 (2ª época), 15/09/1928, p. 14.
353

defendesse as reivindicações destes. Era preciso que tal movimento realizasse o


“nosso 1889 nos campos do Brasil” e tal movimento só poderia se realizar, da
mesma forma que na questão imperialista, tendo como base o proletariado e a
pequena burguesia (que também os comunistas, em sua confusão conceitual,
tendiam a igualar com a classe média e que abrangia os pequenos proprietários
urbanos e rurais). Importante segmento da pequena burguesia, os “tenentes”, na
opinião dos comunistas, poderiam ter um importante papel nesta questão se
reavaliassem o que consideravam o “maior erro de Luiz Carlos Prestes”, não dar
a terra às massas rurais. Caso se dispusessem a fazê-lo, poderiam tomar
medidas concretas de defesa dos interesses elementares destas massas:

“As forças militares democráticas poderão constituir um instrumento


incomparável da história no processo de transformação e radicalização das
massas rurais: fazendo pressão sobre os grandes proprietários, intensificando a
organização das massas rurais, incentivando e convidando à expropriação e
nacionalização (pelo Estado democrático); o movimento democrático e,
especialmente, o proletariado deve esforçar-se para ganhar a confiança das três
categorias rurais.”42

Fica evidente aqui o esforço dos comunistas em abrir a discussão deste


tema como os “tenentes” ao mesmo tempo em que os punham em confronto com
os democráticos, entre cujos dirigentes, particularmente os de São Paulo, havia
grandes proprietários de terra.

O alistamento no 1º e no 2º Distritos

No início de 1928, como decorrência do acordo feito em 1927 com Azevedo


Lima para que este ingressasse no Bloco Operário, os apelos para alistamento
eram dirigidos somente para os trabalhadores que residiam no 1º Distrito. O outro

42
- Salomão. O futuro democrático e o problema rural. A Esquerda. Rio de Janeiro,
09/07/1928, p. 4. Ver também outro texto de Salomão sobre o mesmo tema: Salomão. A república
democrática brasileira. Só o proletariado e a classe média poderão realizá-la. A Esquerda. Rio de
Janeiro, 10/07/1928, p. 4.
354

distrito, como se recorda, era a base eleitoral de Azevedo Lima e este possuía um
candidato próprio a intendente43. A operacionalização deste acordo também podia
ser vista através de algumas notas publicadas na coluna “Operários e
Lavradores” de A Esquerda, pela qual se publicavam textos, avisos etc., do BOC,
ao lado de noticiário de entidades sindicais. Estas notas eram convocações, em
nome do BOC, solicitando o comparecimento de uma série de pessoas cujos
nomes vinham neles publicados. Estas pessoas eram chamadas a buscar seus
títulos eleitorais ou para resolver questões a eles atinentes na sede do BOC, no
caso de pertencerem ao 1º Distrito, ou na residência de Azevedo Lima, à rua de
São Christóvão, número 502, entre as 19 e 22 horas, no caso de serem eleitores
do 2º Distrito44. No entanto, surgiram sinais de que os comunistas pretendiam
alterar de algum modo o acordo de 1927. Assim, no início do ano, a imprensa
divulgou que o BOC conseguiria eleger três candidatos a intendente no Conselho
Municipal do Distrito Federal: um pelo 1º Distrito (Octavio Brandão) e dois pelo 2º
Distrito (Oswaldo de Moura Nobre, o candidato apoiado por Azevedo Lima, e João
da Costa Pimenta)45. Esta projeção, na verdade, avançava a intenção dos
comunistas de também apresentar um candidato pelo 2º Distrito, coisa que
originalmente, em 1927, parece não ter sido prevista.

A definição dos candidatos

Com a confirmação de que as eleições para o Conselho Municipal do Distrito


Federal não teriam sua data alterada, o BOC, em fins de julho, procurou ultimar

43
- Operários e Lavradores. Todo operário, empregado, lavrador pobre ou pequeno funcionário
deve ser eleitor! Eleitor do Bloco Operário e Camponês! Proletários, alistai-vos no 1º distrito!. A
Esquerda. Rio de Janeiro, 16/02/1928, p. 4.
44
- Como exemplo para o 1º Distrito ver Operários e Lavradores. Compareçam ao Bloco
Operário e Camponês. A Esquerda. Rio de Janeiro, 19/03/1928, p. 4; para o 2º Distrito ver Operários
e Lavradores. Bloco Operário e Camponês. A Esquerda. Rio de Janeiro, 09/04/1928, p. 4.
45
- Vida Operária. O Bloco Operário e Camponês no Rio, provavelmente elegerá 3 intendentes
em Outubro. O despertar da consciência operária. Praça de Santos. Santos, 01/03/1928, p. 4. A
intenção de lançar três candidatos também foi anunciada na imprensa comunista internacional (Le
355

os trabalhos de alistamento eleitoral, trabalhando com a data-limite de 16 de


agosto. Para isso, passou a veicular pela imprensa um chamado aos eleitores do
BOC no qual dava as orientações necessárias ao alistamento, além de informar
os documentos a ele indispensáveis46.
Findo este prazo, o BOC convocou para o dia 19 de agosto, um domingo,
uma assembléia extraordinária dos delegados para escolha dos candidatos às
eleições para intendentes do Distrito Federal, na sede do BOC. Estes delegados
representavam 21 organizações, abarcando os Comitês Eleitorais de categorias
profissionais e os Centros Políticos Proletários de bairro, incluídos os de outros
municípios, que também foram convocados, apesar de destinar-se a reunião à
escolha de candidatos a intendente do Distrito Federal47. Uma ausência
inexplicável à reunião foi a do Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras. Na
assembléia compareceram delegados representantes de 16 organismos, sendo
que quatro dos ausentes (os Centros Políticos Proletários de Petrópolis, de
Sertãozinho e de Vitória48 e BOC de Cubatão) não haviam escolhido delegados. O
único Centro Político Proletário carioca que não enviou seu delegado foi o de
Espírito Santo. Esta ausência merece ser destacada, pois o Centro Político
Proletário do Espírito Santo, pertencente ao 2º Distrito, tinha como uma de suas
principais figuras o candidato que Azevedo Lima apoiava às eleições, o médico
Oswaldo de Moura Nobre, sendo este, muito provavelmente, o seu delegado junto
ao BOC.

travail du P. C. brésilien (Lettre du Brésil). L’Internationale Communiste. Paris, nº 12, jun. 1928, p.
805).
46
- Operários e Lavradores. Aos eleitores do B.O.C.. A Esquerda. Rio de Janeiro, 25/07/1928,
p. 4.
47
- Ao final da assembléia solicitaram sua adesão ao BOC o Centro Político Proletário dos
Subúrbios da Leopoldina e o Comitê Eleitoral dos Marmoristas.
48
- Na verdade, embora o BOC divulgasse, na contracapa de seus Estatutos, a existência de
uma seção em Vitória (ES) e sua fundação houvesse sido comunicada à CCE em março de 1928 (Cf.
Carta de Carlos Vilanova a Camaradas. Vitória, 11/03/1928 (ASMOB)) este não teve existência real,
tanto é que, em seu relatório ao III Congresso do PCB, o Comitê Regional de Vitória afirmava que a
sua fundação era “uma das obras que pretendemos empreender o mais depressa que for possível”
(Relatório apresentado ao III Congresso do P.C.B. pelo Comitê Regional de Vitória. Vitória,
27/12/1928, p. 6 (RGASPI)).
356

Na assembléia, de acordo com as matérias publicadas pela imprensa, houve


um intenso debate, iniciado pelo delegado do Centro Político Proletário de São
Cristóvão, o próprio Azevedo Lima, que propôs o lançamento da chapa: Octavio
Brandão pelo 1º Distrito e Edgardo de Castro Rebello pelo 2º Distrito. Durante as
discussões houve rejeição ao nome de Castro Rebello em função da opção que
se estabeleceu na assembléia em favor de candidaturas operárias. Azevedo Lima
sugeriu, então, a sua substituição de seu nome por João Jorge da Costa Pimenta.
Depois de sucessivas intervenções dos delegados de Campos, dos Gráficos, da
Indústria Alimentícia, dos Metalúrgicos, da Gávea, do Engenho Velho, novamente
de São Cristóvão, de Niterói e dos Sapateiros, deliberou-se a escolha dos nomes
de Octavio Brandão, para o 1º Distrito, e do operário marmorista Minervino de
Oliveira, para o 2º Distrito49.

Minervino de Oliveira.

O órgão oficial do PCB, A Classe Operária, comentou em editorial a


importância da decisão. Nele chamava atenção para o fato de que a escolha dos
nomes de seus candidatos significou que a batalha eleitoral fora colocada num

49
- As próximas eleições municipais. Em reunião de ontem, os delegados do Bloco Operário e
Camponês escolheram os seus candidatos a intendente pelo 1º e 2º Distrito. A Esquerda. Rio de
Janeiro, 20/08/1928, p. 6; Octavio Brandão e Minervino de Oliveira são os candidatos do Bloco
Operário. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 18 (2ª fase), 25/08/1928, p. 1; Como o parlamentar
carioca explica, definitivamente, em carta ao eleitorado, os motivos do seu gesto rompendo com os
comunistas. A Manhã. Rio de Janeiro, 13/03/1929.
357

terreno de classe pelo BOC. Isto ficava claro pelo fato de terem sido escolhidos
dois candidatos operários, que representavam uma organização operária e um
programa de reivindicações do proletariado, marcando, assim, um claro caráter de
classe. Para o PCB a escolha destes dois nomes delimitou os campos: com ou
contra o proletariado50.

Octavio Brandão.

Ficaram evidentes algumas mudanças em relação à campanha de 1927. Em


primeiro lugar, as candidaturas surgiram em uma reunião pública, a qual, aliás,
pelos debates mencionados, pode-se dizer que não foi um jogo de “cartas
marcadas”. Outra questão importante era o perfil dos candidatos. Havia uma
ênfase na questão da origem operária e, ambos militantes do PCB, tinham
vínculos explícitos com o comunismo, no caso de Octavio Brandão, e com o
movimento sindical, no caso de Minervino de Oliveira. Embora o nome de Castro
Rebello tivesse sido aventado na assembléia de escolha dos candidatos, o que
marcaria a repetição da estratégia adotada com Azevedo Lima, os delegados
optaram por assinalar claramente o caráter de classe das candidaturas do BOC,
destacado pelo editorial de A Classe Operária.
Pode-se dizer que houve uma volta para o período anterior a 1927, quando
a condição operária do candidato integrava o conjunto programa operário e
partido operário. Embora Brandão não fosse exatamente um operário, era

50
- Batalha de classe. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 18 (2ª fase), 25/08/1928, p. 1 e 4.
358

farmacêutico de formação, o perfil apresentado na imprensa enfatizava o seu lado


“proletário”: era apresentado como “redator”, e não jornalista, e operário da
imprensa: linotipista e revisor. É relevante notar que esta ênfase de seu perfil era
voltada aos gráficos, cuja principal figura, João Jorge da Costa Pimenta, se
recusara a sair candidato, como resultado do desgaste causado pela cisão que
dera origem à Oposição Sindical.

Um parêntese: a Oposição Sindical de 1928

Esta teve suas origens em fevereiro de 1928, quando os principais


responsáveis pela política sindical do PCB, Joaquim Barboza e João Jorge da
Costa Pimenta – curiosamente dois ex-candidatos comunistas - , foram criticados
na Conferência de Organização da Região do Rio de Janeiro por sua postura
“corporativista”, a qual privilegiava “a obra do sindicato isolado de sua corporação
acima da obra dos sindicatos federados, que são de todo o proletariado. O critério
deles é o seguinte: não pode haver federação sem sindicatos; tratemos, portanto,
de organizar primeiro os sindicatos, que a federação virá depois”51. Em resposta,
Pimenta preferiu demitir-se do cargo da Federação Sindical Regional do Rio de
Janeiro, enquanto Barboza, mesmo demitindo-se da CCE, resolveu polemizar
abertamente com a direção.
Joaquim Barboza, em uma carta aberta, alinhavou as principais
divergências. Ele as iniciou pela relativa à regulamentação da lei de férias, que
concedia 15 dias de férias aos trabalhadores da indústria e do comércio. Barboza,
que defendia um movimento independente dos trabalhadores de pressão direta
sobre o governo, afirmava que, com a participação dos sindicatos dirigidos pelos
comunistas no processo de discussão da regulamentação, o partido viu-se
colocado na posição de cúmplice do que foi aprovado nos debates, sendo a lei de
férias, na prática, “revogada mercê de um regulamento capcioso e inexeqüível”.
359

Durante as discussões da lei de férias surgiu a questão da criação da


Confederação Geral do Trabalho do Brasil, sustentada em uma suposta unidade
de pontos de vista entre os representantes operários. Para Barboza tratava-se de
um “plano mirabolante” que ignorava a realidade e servia para distanciar o partido
da vida sindical, além de chocar-se com as resoluções do II Congresso do PCB
(1925). Chamava atenção para o caráter sectário da política sindical do PCB que,
de um lado, lutava pela unificação das forças do movimento sindical e, de outro,
levava uma acirrada disputa ideológica travada com os “amarelos” e os
anarcossindicalistas que resultava em uma identificação entre partido e sindicato.
A CCE proibiu a difusão da carta de Barboza. Mas o Comitê Regional do Rio
de Janeiro ignorou a interdição e promoveu discussões entre seus militantes, o
que levou à destituição da direção regional em abril. Em protesto contra a decisão
da CCE, Rodolpho Coutinho se demitiu da direção do Partido. Frente à situação,
em 2 de maio, meia centena de militantes enviou um documento à direção do
partido. Nela, criticavam, indignados com os acontecimentos em torno do episódio
da Oposição Sindical e seus desdobramentos, os atentados à democracia interna
partidária e os abusos cometidos pela direção na questão. Concluindo pela falta
de idoneidade da direção para conduzir o partido, exigiam a realização de uma
conferência nacional e lhe davam um prazo para a resposta. Com o silêncio da
CCE, 46 deles demitiram-se do partido. Parte destes acabaram formando o
núcleo inicial da Oposição de Esquerda na Brasil, a qual passou a defender aqui
as posições de Leon Trotsky.
Este desenlace precipitado foi criticado por um militante que se encontrava
no exterior:

“A suposta censura que fiz não é censura coisa nenhuma. Foi tudo motivado
pela surpresa que causou o ato de demissão: vocês deram uma solução rápida
demais à crise. Se bem que o ato final deveria ser esse mesmo – em todo caso
acho que vocês o precipitaram. Menosprezaram o valor de algumas formalidades,
quando mais não fosse para facilitar a justificação da atitude de vocês perante a IC
e sobretudo mostrar aos fanáticos da disciplina (que é a maioria) a sinceridade da

51
- Resolução da Conferência Regional de Organização do Rio de Janeiro apud Marcos Del
Roio. A classe operária na revolução burguesa. A política de alianças do PCB: 1928-1935, p. 48.
360

atitude de vocês etc. Vocês erraram na tática – não aproveitavam nenhuma


oportunidade, não para fazer conchavos ou concórdias puramente formais etc.,
não – foram logo às vias de cabo etc. A 2a carta não me convenceu do contrário. E
por isso nesse sentido achei graça e acertada a definição dada pelo Castro – de
raid comunista. Não há nisto nenhum zelo maior excessivo pelas formalidades etc.
Estou certo que tudo acabaria como acabou – e era mesmo a solução verdadeira –
mas acho que foi tomada sem preparativo prévio – de modo a facilitar a
compreensão do ato pela maioria ou ao menos pela parte hesitante, indecisa
desta. Ou vocês não ligaram, desdenharam esse resto – como massa sem
significação? O que seria também uma atitude errada, intelectual e sectária.”52

Várias dos demissionários acabaram retornando às fileiras comunistas, mas


os problemas levantados por ocasião dos episódios acima desencadearam dentro
das fileiras comunistas um debate que se prolongou até o III Congresso, que
aconteceu de 29 de dezembro de 1928 a 4 de janeiro de 1929. Neste Congresso
aprovou-se uma resolução específica sobre a oposição, que foi classificada como
um “desvio pequeno-burguês”, na qual se estabeleceu que, mediante autocrítica,
os demissionários poderiam retornar individualmente às fileiras comunistas.

A campanha eleitoral

A campanha do BOC desenvolveu-se de modo intenso, a partir de fins de


agosto de 1928, ocorrendo quase que diariamente comícios realizados pelos
propagandistas e os dois candidatos “à porta das fábricas, das oficinas, nos locais
de trabalho mais importantes da cidade”, repetindo-se a mesma ênfase de 1927
nestes locais. Ao contrário do que ocorrera em 1927,
por conta da existência de A Nação, não ficaram
registros mais detalhados sobre os comícios e outras
atividades realizadas pelo BOC durante a campanha
de 1928. No entanto, sabe-se que foram realizados
59 comícios. Uma explicação para a ausência de
registro talvez tenha sido o fato deles terem sido “na

52
- Carta de Mário Pedrosa a Livio Xavier. Berlim, 24 de agosto de 1928.
361

grande maioria ilegais, nas maiores fábricas e oficinas”, ao contrário do que


ocorria, mencione-se, com os comícios realizados pelo Partido Democrático do
Rio de Janeiro, realizados sem perturbação por parte da polícia. De acordo com
Azevedo Lima, os comícios do BOC eram de ordem exemplar, feitos,

“Sem anúncio prévio, para evitar o comparecimento dos representantes da


ordem pública, que são os maiores responsáveis pelas desordens no Distrito
Federal. Destarte, têm os meus dignos companheiros de atuação política evitado a
perturbação da ordem, longe das vistas da polícia, burlando-lhe a própria
fiscalização, evitando o seu contato.”53

Estes comícios tinham duas características: buscava-se a adesão, como na


campanha de 1927, a partir da exposição de problemas e reivindicações
existentes nos locais de trabalho, e pedia-se que os eleitores dessem seus oito
votos a Minervino de Oliveira e Octavio Brandão. De acordo com a imprensa,
havia uma recepção bastante positiva por parte dos assistentes destes eventos 54.

Os comícios
eram previamente
preparados. Eles eram
antecedidos por uma
ou mais visitas de
militantes ou dos
próprios candidatos,
que iam aos locais de
trabalho para levantar as condições de vida e de trabalho específicas de cada um.

53
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 29/09/1928, p. 3.800. A informação sobre
os comícios do Partido Democrático está em Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro,
27/10/1928, p. 5.038.
54
- As eleições municipais de Outubro. A propaganda do B.O.C. A Esquerda. Rio de Janeiro,
22/09/1928, p. 2.
362

Quando ocorria o comício, parte dos discursos era especificamente dirigida para
aquele local de trabalho, o que auxiliava em muito na conquista da audiência55.
Octavio Brandão, mais tarde, deixou um vívido depoimento sobre estes comícios:

“Fizemos uma lista das grandes empresas do Rio de Janeiro. E, uma por
uma, na hora do almoço, ou às quatro horas, fomos para a porta, abrimos um
pano, um pano vermelho com letras brancas: ‘Parai! Assisti ao comício do Bloco
Operário’. Ele [Minervino de Oliveira] de um lado, e eu do outro. E aquela massa
parava. Nós subíamos numa pedra, num banco, num caixão, em qualquer coisa. E
começávamos: ‘pá, pá...’. Explicando. Fizemos cerca de sessenta comícios nas
grandes empresas. Imaginem vocês! Comício nas três grandes fábricas da Gávea.
Comício nas Laranjeiras, que era uma fábrica de tecidos muito importante, grande.
[...] Comícios lá no Moinho Inglês, na Saúde. Comícios lá em Deodoro. Comícios
no Engenho de Dentro. Nas grandes empresas. Falando assim diretamente,
virando a cabeça dos operários. Eram massas completamente..., que não sabiam
nada de nada. E distribuindo o programa do Bloco Operário e Camponês e o
manifesto especial e tudo mais. Esses comícios e manifestos foram decisivos.”56

Além disso, com o auxílio de Azevedo Lima, os candidatos do BOC entravam


em oficinas de empresas estatais, como as da Imprensa Nacional e da Central do
Brasil, e até em empresas privadas57. Houve, como decorrência do trabalho de
alistamento, em combinação com o trabalho desenvolvido pelo PCB nos meios
sindicais, uma maior amplitude tanto numérica como de categorias profissionais
nas quais o BOC realizou sua campanha em comparação com 1927. Além dos
têxteis, em 1928 o BOC já possuía penetração entre os garçons e cozinheiros,
construção civil, tecelões e ferroviários, marítimos, trabalhadores do cais do porto,
motoristas58.
Durante a campanha, além de comícios, realizavam-se os chamados
festivais, como os promovidos pelo Comitê Eleitoral dos Ferroviários, destinados
a reunir operários e suas famílias e que combinavam discursos dos candidatos e

55
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 39.
56
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 35; Octavio Brandão. Combates
e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 345.
57
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 144-145.
58
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 50; Octavio Brandão. Combates
e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 345.
363

de convidados, como Azevedo Lima e Castro Rebello, com teatro e “baile familiar,
acompanhado por uma excelente jazz-band”59.
Apesar de a campanha vir se desenvolvendo com intensidade, ela não
recebia espaço na imprensa, recusando-se os principais jornais a até pequenas
notas, por mais inócuas que fossem. No entanto, ela ganhou maior amplitude
após um incidente ocorrido em um comício realizado defronte o Arsenal da
Marinha no dia 27 de setembro. Com a presença de Octavio Brandão e Minervino
de Oliveira, realizava-se um comício dirigido aos trabalhadores civis e militares
das oficinas do Arsenal de Guerra e do Dique Fluminense da Ilha das Cobras,
que reuniu, segundo informações da Polícia, cerca de 500 pessoas60. Durante seu
andamento surgiu uma viatura oficial a serviço da delegacia de ordem política e
seus ocupantes prenderam os dois candidatos. A massa que assistia ao comício
cercou o carro e um dos policiais disparou contra a multidão, ferindo mortalmente
um dos assistentes, o trabalhador da Marinha Raymundo de Souza Moraes. O
acontecimento gerou um intenso debate no Congresso Nacional e repercutiu na
imprensa durante dias, permitindo ao BOC fazer uma grande agitação em torno
do assassinato de Moraes. Por outro lado, isto também provocou um
recrudescimento das ações da polícia política, que chegou a ponto de intimar
trabalhadores a comparecer à 4ª delegacia Auxiliar para prestar depoimentos a
fim de explicar por que apoiavam a campanha do Bloco Operário e Camponês61.
É possível conjeturar que à agitação promovida em torno da plataforma do
BOC tais violências e arbitrariedades também tenham se somado no sentido de
propiciar mais votos aos candidatos do Bloco Operário e Camponês.

59
- Operários e Lavradores. Grandioso festival. A Esquerda. Rio de Janeiro, 15/09/1928, p. 4.
60
- Boletim da Seção de Ordem Política e Social de 4ª Delegacia Auxiliar. Rio de Janeiro,
27/09/1929 apud Luitgarde Oliveira Cavalcanti de Barros (org.). Octavio Brandão: Centenário de
um militante na memória do Rio de Janeiro, p. 179-180.
61
- A polícia do Rio não fica atrás. O Combate. São Paulo, 29/09/1928, p. 2; Octavio Brandão.
Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 351-352; S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês.
[Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 4 (RGASPI); Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro,
27/10/1928, p. 5.037.
364

Comício com os candidatos do BOC.

De acordo com um documento de época teriam assistido a eles cerca de


8.600 pessoas, com uma média de 145 pessoas por evento. Neles também teriam
sido pronunciados 232 discursos, “breves, concisos, nada enfadonhos”, sendo
que 132 deles foram feitos por trabalhadores sem partido e os restantes por
comunistas, o que servia para mostrar uma importante adesão de não-comunistas
ao BOC. Os candidatos do BOC também realizavam visitas casa a casa nos
bairros operários62. Outra forma de ação utilizada foi a feita por intermédio dos
sindicatos controlados pelos comunistas, os quais enviavam material do BOC aos
seus associados63.
Além disso, como também em 1927, o BOC contava com um grande número
de militantes e apoiadores que se incumbiam de distribuir e afixar o material

62
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 351; S. A. A vida do Bloco
Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 4 (RGASPI). Os dados deste último
documento são apontados, equivocadamente, pelo historiador russo Boris Koval como sendo
referentes às eleições de fevereiro de 1927, sendo que os assistentes aos comícios aí citados foram
transformados em militantes na sua obra (Cf. Boris Koval. História do proletariado brasileiro: 1857
a 1967, p. 215).
365

impresso, como narra em suas memórias Leôncio Basbaum, ressaltando o


voluntarismo dos militantes:

“[...] todos trabalharam, pregando cartazes, fazendo comícios em porta de


fábricas, porque não tínhamos dinheiro. Muitas vezes saíamos, à noite, Octavio
[Brandão] com um pote de cola, eu segurando uma pequena escada, Paulo [de
Lacerda] com um maço de cartazes, e íamos pelas ruas desertas, colando nas
paredes.”64

De acordo com Octavio Brandão, teria sido impresso um total de 262.000


exemplares de cartazes, folhetos, manifestos e folhas volantes. Sobre estes
restou uma estatística, que transcrevemos:

“Foram impressos e mais ou menos distribuídos ou vendidos nessas


assembléias de massas, encaminhadas através dos bairros pobres, na sede do
Bloco ou nos sindicatos: dezenas de milhares de exemplares da ’A Classe
Operária’; dois mil exemplares do ‘Aranhol Capitalista’; alguns milhares do
programa e dos estatutos do Bloco; mil exemplares do cartaz grande; cinco mil
exemplares do cartaz pequeno; 75 mil exemplares de um manifesto ‘Oito votos no
Bloco Operário e Camponês (a maior tiragem proletária realizada no Brasil); 50 mil
chapas; 30 mil envelopes; mil exemplares do manifesto ‘Aos trabalhadores do
Campo e da Oficina, residentes em Oswaldo cruz’; uns 8 mil selo de propaganda;
sete mil e quinhentos exemplares do manifesto ‘O Deputado Azevedo Lima’; 5 mil
do manifesto ‘Que escolhereis?’; 15 mil exemplares do manifesto ‘As 3 Classes e
as 3 políticas’; mil do manifesto ‘A Política da Pequena Burguesia Confusionista”;
milhares dos jornais sindicais ‘Voz Cosmopolita’, ‘O Marmorista’, ‘O Sapateiro’, ‘A
Abelha’, ‘O Poligráphico’, ‘O Mobiliário’, e dos seguintes manifestos em folhas
volantes: ‘proletários dos Subúrbios da Leopoldina’, ‘Aos Companheiros
Ferroviários’, ‘As Mulheres Trabalhadoras e a Próximas Eleições’, ‘Bloco Operário e
Camponês’ (lançado pelo centro Político Proletário de Niterói, ‘Operários e
Lavradores de Bangu’, ‘Um Apelo a todos os Choferes do Distrito Federal’, ‘Aos
Operários’ (lançado pelo centro Político proletário das Laranjeiras), ‘Trabalhadores!
Mulheres Trabalhadoras! ’, ‘Trabalhadores em transportes!! ’.”65

63
- Ata da reunião da C.C.E. do P.C.B., em 7 de outubro de 1928 (RGASPI).
64
- Leôncio Basbaum. Um vida em seis tempos (memórias), p. 62-63.
65
- S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 4
(RGASPI).
366

A despesa total da campanha foi avaliada pelos comunistas em sete contos


de réis, o que equivalia a 35 dias de subsídio dos dois intendentes66.

A eleição

No dia 28 de outubro de 1928, um domingo, os cariocas compareceram às


urnas nas 242 seções distribuídas pelos dois distritos eleitorais para escolher
aqueles que seriam os vinte e quatro futuros intendentes do Conselho Municipal,
doze em cada distrito. Para este pleito estavam habilitados a votar 85.711
eleitores, mostrando que houve um aumento de 17.534 pessoas (25,7%) em
relação aos alistados em 192767. Diferentemente do pleito de 1926, onde cada
eleitor podia escolher até oito candidatos, mas cada um deles só recebeu um

66
- S. A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 4
(RGASPI).
67
- Brasil. Ministério das Relações Exteriores. Serviços Comerciais. Brasil, estatísticas e
diagramas, p. 4.
367

voto, desta vez ele poderia “votar em oito nomes diferentes, ou acumular todos os
seus votos, ou parte deles, em um só candidato, escrevendo o nome do mesmo,
tantas vezes quantos votos lhe quiser dar”68.
No Rio de Janeiro os agrupamentos políticos davam-se em torno das
lideranças políticas locais, tanto que a imprensa reunia os candidatos em chapas
que tinham os nomes desses chefes. Assim, para as eleições de 28 de outubro,
as cadeiras de intendentes municipais foram disputadas por 76 candidatos, cuja
maioria se reunia nas chapas Frontin-Mendes (11), Penido-Irineu Marinho (8
candidatos), Bloco Cesário de Mello (4), Grupo Bergamini (3), Grupo Salles Filho
(2), Grupo Mário Piragibe (2) e, como já vimos, Grupo Azevedo Lima (1). Também
já apareciam as formações partidárias clássicas como, além do BOC (com seus
dois candidatos), o Partido Democrático (2) e o Partido Trabalhista (1). Além
disso, havia um candidato que era ligado à poderosa concessionária anglo-
americana-canadense Light and Power, o intendente Baptista Pereira. Mas o
maior grupo de candidatos era o dos avulsos, entre os quais estavam Maurício de
Lacerda e o “intendente operário” Luiz de Oliveira, que juntava 39 nomes – dos
quais muitos também se apresentavam como vinculados a lideranças políticas,
segmentos sociais e organizações as mais variadas69.
A imprensa carioca, mesmo a mais conservadora, tinha a expectativa de que
o aumento verificado no alistamento eleitoral mostrasse um interesse maior por
parte da população no pleito e, particularmente, dele participasse para promover
uma renovação no Conselho Municipal, a fim de apagar a “penosa impressão”
deixada pelos intendentes que encerravam seu mandato. Outro diário, este de
oposição, afirmava que “desacreditado e desmoralizado, esse Conselho estava a
70
exigir uma limpeza em regra” . Enfim, havia uma unanimidade na cidade em
torno do tema.

68
- Artigo 2º do Decreto Federal nº 18.345, de 13/08/1928, que dá instruções para a eleição de
intendentes municipais no Distrito Federal.
69
- As eleições municipais. Uma lista completa dos candidatos ao pleito de domingo. Correio
da Manhã, 26/10/1928, p. 3.
70
- Eleições municipais. O Paiz. Rio de Janeiro, 28/10/1928, p. 6; As eleições municipais.
Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 30/10/1928, p. 4.
368

Apesar de uma grande abstenção, atribuída “à festa da Penha, às corridas,


os jogos de futebol”, foi uma eleição sem distúrbios, na qual 13 candidatos
conseguiram reeleger-se, entre eles Maurício de Lacerda. Foi, como afirmou o
Correio da Manhã em editorial, uma “vitória da opinião popular” carioca, “não só
desacostumada de aplaudir como de se curvar aos maus governos, [que] provou
ainda uma vez que é independente e, votando, vota como quer e bem entende”71.
Finda a contagem dos votos nas seções, o BOC conseguira, no 1º Distrito, eleger
Octavio Brandão em 10º lugar, com 7.650 votos, ou seja, com o sufrágio de ao
menos 957 pessoas. Na contagem dos votos do 2º Distrito, Minervino ficara em
13º lugar, como 8.082 votos (pelo menos 1.011 eleitores), 197 votos atrás do 12º
colocado, Sisínio Carreira de Oliveira, pertencente este ao “Bloco Cesário de
Mello”72. No entanto, nesta somatória dos votos de Minervino de Oliveira e de seu
antecessor na classificação estavam incluídos os votos em separado (dados em
seções que apresentaram os mais diversos problemas em seus trabalhos: atas
sem assinaturas, falta de mesários, disparidade entre cédulas e votantes etc.) de
ambos: Carreiro de Oliveira tinha 745 votos, ao passo que o candidato do BOC
apenas 31. Isto significava que não estava ainda definida a situação, cabendo à
Junta Apuradora a decisão sobre os votos em separado e quem seria o 12º
candidato a ser diplomado pelo 2º Distrito. O Partido Democrático do Rio de
Janeiro conseguira eleger seus dois candidatos, Leitão da Cunha (15.511 votos,
em 2º lugar no 1º Distrito) e Ferdinando Labouriau Filho (9. 361 votos, em 9º lugar
no 2º Distrito), e Azevedo Lima também obtivera sucesso com a eleição de Moura
Nobre (12.732 votos, em 3º lugar no 2º Distrito). Outro resultado que certamente
deixou o BOC satisfeito, mas que naquele contexto perdera a importância que
tivera anteriormente, foi a derrota do “intendente operário” Luís de Oliveira, que
obteve 1.913 votos, ou seja, 240 eleitores ao menos, um número bem inferior aos
4.761 sufrágios individuais que recebera em 1926.

71
- As eleições municipais. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 30/10/1928, p. 4. As razões
para a abstenção foram apontadas em As eleições de domingo. Os eleitos – A abstenção do eleitorado.
O Paiz. Rio de Janeiro, 29-30/10/1928, p. 2.
72
- Terminada a apuração do último pleito carioca. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
20/11/1928, p. 2.
369

O exame comparativo das votações recebidas nas eleições anteriores pelos


candidatos comunistas no 1º Distrito mostrava indubitavelmente o resultado
positivo do trabalho de organização e alistamento realizado em 1928. Pelos
dados da tabela abaixo, onde os números sublinhados indicam a melhor votação
nos três anos e os números entre parênteses indicam o número mínimo de
eleitores que sufragou cada candidato – pois, como se recorda, na eleição de
1926 o eleitor podia escolher até oito nomes, dando, no entanto, apenas um voto
a cada candidato escolhido, enquanto na de 1927 o eleitor poderia votar até
quatro vezes o mesmo nome e na de 1928 o eleitor podia sufragar até oito vezes
o mesmo nome -, pode-se notar que, excetuando-se cinco bairros, nos demais a
votação obtida por Octavio Brandão sempre foi a melhor. Mesmo naqueles cinco
onde Joaquim Barboza obteve melhor votação, talvez estes números possam ser
relativizados pelas circunstâncias da forma de votação da eleição de 1926.

Votação comparada de Joaquim Barboza, João da Costa Pimenta e Octavio


Brandão, nas eleições de 1926, 1927 e 1928, no 1º Distrito do Distrito Federal

Bairro Votação de Votação de João da Votação de Octavio


Joaquim Barboza - Costa Pimenta - Brandão - 1928
1926 1927
Candelária 106 151 (37,75) 528 (66)
Copacabana 18 6 (1,5) 280 (35)
Gamboa 3 84 (21) 224 (28)
Gávea 42 507 (126,75) 1.410 (176)
Glória 58 207 (51,75) 907 (113)
Ilhas de Paquetá e do Governador 0 16 (4) 48 (6)
Lagoa 157 109 (27,25) 128 (16)
Sacramento 100 222 (55,5) 1.333 (166)
Santa Rita 54 132 (33) 640 (80)
Santa Tereza 14 6 (1,5) 48 (6)
Sant’Anna 0 195 (48,75) 576 (72)
Santo Antônio 239 146 (36,5) 640 (80)
São José 109 184 (46) 552 (69)
Total de votos 900 1965 (491,25) 7.288 (911)
FONTES: O Paiz, 03/03/1926, p. 5; O Paiz. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 5 e 26/02/1927, p. 5-6; Praça de Santos,
06/11/1928, p. 4.

Já a votação de Minervino de Oliveira, consideradas as circunstâncias de ter


seu nome sido lançado de última hora - ao contrário do que ocorrera com Octavio
370

Brandão, que tivera uma maior “exposição” eleitoral durante praticamente todo o
ano de 1928 – e a surda disputa eleitoral travada com a candidatura Moura
Nobre, pode ser considerada muito boa. Mais que isso, sua votação demonstra
que o BOC conseguira alguma implantação no 2º Distrito, que, conforme se
recorda, abrigava os bairros periféricos cariocas, onde havia uma grande
concentração de trabalhadores. Obviamente, não se pretende aqui negar que
houve transferência da votação de Azevedo Lima para a de Minervino de Oliveira.
No entanto, a aberta preferência dada a Moura Nobre, pois apesar de Azevedo
Lima ter anunciado seu apoio a ambos, sabemos que pendeu ele em honrar sua
palavra empenhada desde 1927, permite aventar a hipótese de um certo
descolamento em relação à votação de Azevedo Lima e, portanto, o
estabelecimento embrionário de um eleitorado próprio do BOC73.

Votação comparada de Azevedo Lima e de


Minervino de Oliveira, nas eleições de 1927 e
1928, no 2º Distrito do Distrito Federal

Bairro Votação de Votação de


Azevedo Lima - Minervino de
1927 Oliveira – 1928
Andaraí 449 (113) 510 (64)
Campo Grande 197 (50) 361 (46)
Engenho Novo 522 (131) 572 (72)
Engenho Velho 2.122 (531) 574 (72)
Espírito Santo 841 (211) 685 (86)
Guaratiba 42 (11) 0
Inhaúma 430 (108) 1.068 (134)
Irajá 352 (88) 522 (66)
Jacarepaguá 56(14) 247 (31)
Meyer 372 (93) 417 (53)
Santa Cruz 21 (6) 78 (10)
São Cristóvão 5.787 (1447) 2.810 (352)
Tijuca 311 (78) 238 (30)
Total de votos 11.502 (2.876) 8.082 (1.011)
FONTES: O Paiz. Rio de Janeiro, 25/02/1927, p. 5 e 26/02/1927, p. 5-6;
Praça de Santos. Santos, 02/11/1928, p. 4.

73
- Nesta tabela apresentamos os números finais anunciados nos boletins eleitorais, constando
entre parênteses o número aproximado de eleitores que votaram em cada candidato, pois as eleições
371

A apuração e o reconhecimento

Frente ao resultado da contagem dos votos nas seções eleitorais a imprensa


de oposição carioca teve de admitir, apesar de sua euforia com os resultados do
pleito, que “já se começa a propalar que nem todos os eleitos serão
reconhecidos”:

“Os elementos do Distrito mais íntimos do governo, ou, pelo menos,


especulando à sua sombra, que não puderam vencer, como planejavam,
apesar das vantagens que lhes assegurou disfarçadamente o situacionismo,
insinuam que manobrarão a próxima verificação de poderes na esperança
de anularem atas, subtraírem votos e deslocarem a posição dos que foram
sufragados. São os elementos que imaginam formar no futuro Conselho uma
maioria facciosa, disciplinada, prepotente.”74

Na verdade, tal quadro referia-se essencialmente à disputa entre Minervino


de Oliveira e Carreiro de Oliveira, mas também se pretendia, caso fosse possível,
impedir o reconhecimento de Octavio Brandão. Dando-se conta de tal situação, o
PCB decidiu que iria empenhar sua militância na fiscalização da apuração e do
reconhecimento dos intendentes. Para tal publicou e difundiu 20.000 cópias um
manifesto concitando os trabalhadores à fiscalização e realizou comícios, a
pretexto de agradecer ao eleitorado, a fim de salientar “a ação dos candidatos
operário e a necessidade de uma constante vigilância das massas em torno das
fases seguintes do pleito”75. Além disso, os comunistas decidiram enviar
delegações de trabalhadores aos jornais e fazer seus principais dirigentes darem
entrevistas para protestar contra as manobras que se preparavam para impedir o
reconhecimento dos “candidatos operários”, como fizera Octavio Brandão em
declarações publicadas O Globo, em sua edição de 3 de novembro:

de 1927 permitiam até quatro votos em um mesmo candidato e as de 1928 permitiam ao eleitor dar
até oito sufrágios em um mesmo candidato. Os números sublinhados indicam a maior votação.
74
- Reconhecimento dos intendentes. Correio da Manhã, 02/11/1928, p. 4.
372

“A imensa massa não é formada de eleitores porque a máquina eleitoral


complicadíssima não o permite. Mas esta imensa massa acompanhou com
entusiasmo a nossa campanha e está disposta a lutar contra qualquer tentativa de
espoliação. Esta massa receberá qualquer tentativa de espoliação como um
desafio e uma provocação e como um fato monstruoso provando que a maioria da
população – a classe pobre – nem sequer tem o direito elementar de possuir
representantes próprios.
A menor tentativa de degola dos candidatos operários será um golpe mortal
no regime. Acarretará as conseqüências mais graves. E toda a responsabilidade
recairá na classe dominante e não no proletariado que reclama apenas um direito
elementar.”76

No dia 7 de novembro, no recinto do Conselho Municipal, foram iniciados os


trabalhos da Junta Apuradora das eleições municipais do Distrito Federal,
presidida pelo juiz federal da 2ª Vara, Octavio Kelly, e também composta pelo juiz
federal substituto da 2ª Vara Victor Manoel de Freitas e pelo procurador geral do
Distrito Federal Jorge Americano. Aos seus trabalhos, como procuradores de
Minervino de Oliveira, estiveram presentes o professor da Faculdade de Direito
do Distrito Federal Edgardo de Castro Rebello e o candidato Octavio Brandão.
Também compareceu aos trabalhos Azevedo Lima.
Durante a realização dos trabalhos da Junta Apuradora, que duraram até o
dia 18 de novembro, sempre estiveram presentes grupos de militantes assistindo
aos trabalhos. Em uma das sessões, realizada no dia 9 de novembro, esteve
presente um grupo do Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras do BOC.
Além de já ser algo incomum a presença de mulheres na apuração, fato
destacado pela imprensa, cinco de suas integrantes foram detidas pela polícia
política por terem arremessado ao plenário manifestos apelando à fiscalização do
pleito. O BOC e seus candidatos protestaram contra a arbitrariedade. De acordo

75
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., em 02/11/1928 (RGASPI).
76
- Publicações a pedido. As eleições municipais. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
04/11/1928, p. 6. Um relato das visitas de delegações de trabalhadores aos jornais pode ser visto em
Reconhecimento de poderes do Conselho Municipal. O que dispõe o regimento Interno dessa casa.
Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 07/11/1928, p. 2 e em Eleitorado vigilante. Correio da Manhã.
Rio de Janeiro, 07/11/1928, p. 4.
373

com uma delas, a detenção teria ocorrido a pedido do intendente Clapp Filho, que
negou o fato. Levadas à 4ª Delegacia, foram interrogadas e libertadas77.
Uma tentativa de incêndio na sede do BOC e as prisões do trabalhador da
Light Antônio Cavaco e do operário da indústria de comestíveis Amaro Ribeiro em
razão de sua atuação no reconhecimento dos candidatos foram episódios que
ocorreram também naquele momento e mostravam o ambiente tenso que cercou a
apuração e o reconhecimento78.
No dia 13 de novembro foram encerrados os trabalhos de apuração do 1º
Distrito, confirmando a eleição de Octavio Brandão e iniciados os relativos ao 2º
Distrito. Na apuração destas atas, embora tivesse também feito o mesmo nas do
1º Distrito, a atuação de Edgardo de Castro Rebello foi decisiva, discutindo ata a
ata para que muitos dos votos de Minervino de Oliveira não fossem anulados e
levassem, como resultado final, no dia 18, à sua diplomação como o 12º
intendente do 2º Distrito, à frente de Carreiro de Oliveira79. Enquanto a atuação de
Castro Rebello teve um aspecto mais jurídico e formal, a qual, em razão de a
mesa diretora dos trabalhos ser formada por membros do Poder Judiciário, foi
determinante, mas nem por isso deve deixar-se de destacar, na defesa dos votos
dados ao candidato do BOC no 2º Distrito, o papel de Azevedo Lima, que, em
razão de sua experiência eleitoral, atuou de maneira complementar, e mais
voltada às questões políticas.
Ao final dos trabalhos, vinte e duas atas de seções, das quais oito
pertenciam ao 2º Distrito, não foram apuradas por terem sido lavradas em livros
distintos dos determinados em lei; por falta ou irregularidades do reconhecimento
de votos começado pelo atraso de entrega de livros pelo correio, às 10 horas e 50

77
- A apuração do último pleito carioca. O comunismo no “sexo frágil”. Lede três vezes e
passai adiante.... Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 10/11/1928, p. 6; A apuração do último pleito.
Bloco Operário e Camponês. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 10/11/1928, p. 6; Cinco moças do
Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras detidas pela Polícia. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
10/11/1928, p. 6; A apuração do último pleito. O sr. Clapp Filho e os comunistas do “belo sexo”.
Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 11/11/1928, p. 2.
78
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 14/11/1928, p. 5.406.
79
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 352. Para um
acompanhamento mais detalhado da atuação de Castro Rebello e de Azevedo Lima consulte-se o
374

minutos; por excesso de votos, tendo-se em vista o número de eleitores que


assinaram a ata; por não constar da ata referência ao começo da eleição; por não
constar a hora da instalação dos trabalhos; e por não estar assinada por todos os
mesários80. Para a diplomação de Minervino de Oliveira foram decisivas as
anulações dos votos da 8ª seção do Espírito Santo, onde havia mais votos que
eleitores e se pretendia que um boletim de apuração prevalecesse sobre a ata e
na qual Carreiro de Oliveira perdeu 685 votos e Minervino de Oliveira 128, e da 6ª
seção de Jacarepaguá, onde o secretário da mesa eleitoral não reconheceu
assinaturas de eleitores que estavam na ata e Carreiro de Oliveira teve 136 votos
anulados e Minervino de Oliveira apenas 8.
O resultado dos trabalhos da Junta de Apuração foi inesperado para aqueles
que pretendiam valer-se de expedientes para “degolar” os candidatos do BOC.
Mesmo assim, ainda restava a verificação de poderes feita no Conselho
Municipal, o chamado “3º escrutínio”. Nesta ocasião, além de definirem-se, não
mais por membros do Poder Judiciário, mas pelos próprios candidatos eleitos,
quais deles seriam os intendentes, estabelecia-se ali quem comporia a Mesa
Diretora do Conselho Municipal que dirigiria os trabalhos da Casa. Ou seja, saia-
se do âmbito de uma análise supostamente mais isenta, a jurídica, e passava-se
ao reino da política, onde tudo era absolutamente possível, como afirmara o
intendente representante da Light Baptista Pereira a Carreiro de Oliveira logo
após a anulação da ata da 8ª seção do Espírito Santo:

“Fique sossegado. Você terá o diploma. Se não o tiver, não custará o Poder
Verificador reconstituir uma ata...”81

Desde o último dia da reunião da Junta Apuradora já circulavam informações


a respeito de que Minervino de Oliveira iria ser “degolado”, havendo até notícias

noticiário relativo às apurações, particularmente o do Correio da Manhã, que dedicou uma coluna
diária, “A Apuração do Último Pleito Carioca”, onde noticiava fartamente os acontecimentos.
80
- Conselho Municipal do Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões
preparatórias de 23 de Novembro a 21 de dezembro, p. 4.
81
- A apuração do último pleito carioca. O sr. Minervino será depurado? Correio da Manhã.
Rio de Janeiro, 14/11/1928, p. 6.
375

de que o próprio ministro da Justiça e Negócios Interiores, Augusto Viana do


Castelo, iria intervir no reconhecimento de poderes do Conselho Municipal “a fim
de ser rasgado o diploma do sr. Minervino de Oliveira”, pois não se “via com os
melhores olhos o ingresso, de uma pancada, de 2 comunistas para a assembléia
municipal”82. Havia no campo governamental, no entanto, pontos de vista
distintos. Em um episódio narrado por Octavio Brandão, valendo-se de
testemunho do jornalista M. Paulo Filho, do Correio da Manhã, soube-se que o
prefeito do Distrito Federal, Antônio Prado Júnior, teria interferido pelo
reconhecimento dos “intendentes operários” sob o argumento de que ambos
jamais iriam lhe pedir favor algum, “mas com os outros eu estou até aqui”,
afirmou83.
Além do viés anticomunista e dos interesses particulares de Carreiro de
Oliveira, havia outra questão que também possuía conexões com o
reconhecimento do candidato do BOC: a eleição da Mesa Diretora do Conselho
Municipal do Distrito Federal. Havia dois grupos que disputavam esse espaço: o
do deputado federal Antônio Máximo Nogueira Penido e o do ex-deputado federal
Júlio Cesário de Mello. Ambos, desde a definição dos intendentes, eram os mais
ativos nas articulações de bastidores para a eleição da Mesa. O de Penido
propôs um acordo ao PCB: votar nos seus candidatos em troca do apoio do grupo
ao reconhecimento de Minervino de Oliveira. A direção do PCB, todavia, recusou
a proposta e tomou a seguinte resolução:

“Diante das informações de O[ctavio]. B[randão]. sobre os perigos de


depuração dos candidatos operários e sobre uma proposta de acordo apresentada
por P[enido]. de garantir-lhes os votos de sua facção em troca dos votos dos
intendentes operários pelos candidatos de P[enido]. à mesa provisória e definitiva
do C[onselho]. M[unicipal].; a C.C.E., depois de largos debates, em que tomaram
parte S[ouza]. B[arros]. e M[inervino de]. O[liveira]., resolve: 1º) não aceitar
conchavo nenhum, que viria enfraquecer a posição política favorável do B.O.C.; 2º)
firmar, desde logo, a linha geral a seguir no C[onselho]. M[unicipal]. pelos
intendentes operários – votar, sempre que o seu voto for decisivo, contra a
corrente mais reacionária e, quando não for decisivo o voto, pela solução
82
- Terminada a apuração do último pleito carioca. Querem depurar o sr. Minervino de
Oliveira? Correio da Manhã, 20/11/1928, p. 2.
83
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 36.
376

proletária; 3º) tardar o mais possível a resposta a P[enido].; 4º) continuar com a
agitação entre as massas, em favor do reconhecimento dos diplomados pelos
jornais, por comissões operárias aos jornais e aos chefes políticos, por manifestos
distribuídos, etc.”84

Além disso, o PCB aumentou a pressão sobre o Conselho Municipal e


afirmou que sua defesa dos candidatos eleitos e diplomados seria intransigente.
Os candidatos e a militância foram às ruas e às fábricas, passando a ameaçar o
desencadeamento de greves de protesto, caso algum dos “intendentes do BOC”
não fosse reconhecido:

“E nós dizíamos: ‘Não precisa nenhuma ordem do partido nem ninguém.


Quando chegar a notícia, simples notícia, de que os dois vereadores eleitos não
foram reconhecidos, parai todas as fábricas do Rio de Janeiro’. Claro que a Polícia
sabia que não podíamos parar todas as fábricas, mas uma parte poderíamos parar,
porque tínhamos força. Tínhamos força em Real Grandeza, fábrica Aurora, na
Gávea, no Engenho de Dentro. E o quarto delegado Oliveira Sobrinho era contra,
não queria que fôssemos reconhecidos, mas a pressão foi muito grande, dos
operários e mesmo de grupos burgueses.”85

No dia 23 de novembro, com a presença permanente nas galerias do


Conselho Municipal de apoiadores do BOC, os intendentes diplomados reuniram-
separa escolher a Mesa provisória, instalar a Comissão de Verificação de
Poderes e eleger o relator. Houve uma intensa disputa pelos cargos, que somente
se resolveu ao final do terceiro dia de reunião. Para a Mesa foram eleitos J. J.
Seabra (presidente), Jeronymo Penido (1º secretário) e Corrêa Dutra (2º
secretário). Para relator foi escolhido o intendente democrático Ferdinando
Labouriau Filho. Formaram-se dois grupos entre os intendentes: os que
defendiam o respeito ao parecer da Junta de Apuração, “pelo diploma”, e os que
defendiam o “critério político”, o que significava, com a restauração de várias atas
anuladas pela Junta de Apuração, a “degola” de Minervino de Oliveira e a posse
de Carreiro de Oliveira. Essencialmente, o grupo que defendia o critério do
diploma era composto pelos representantes do BOC, do Partido Democrático do

84
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., em 20 de Novembro de 1928 (RGASPI).
377

Rio de Janeiro, Maurício de Lacerda, alguns membros da chapa “Penido” (pois


outros de seus integrantes flutuavam para um lado ou outro) e Moura Nobre, o
que, em termos numéricos, não lhe dava maioria suficiente para fazer vitoriosa
sua posição, embora tivesse elegido o presidente, o primeiro secretário e o
relator.
Com a definição da relatoria em favor de um elemento do grupo que
defendia a tese do respeito ao diploma, Carreiro de Oliveira, apesar de ter
afirmado anteriormente que não iria apresentar nenhuma contestação, acabou
apresentando-a em 29 de novembro. Minervino de Oliveira, por sua vez, após
pedir vistas do documento apresentado por Carreiro de Oliveira, apresentou sua
contracontestação no dia 2 de dezembro, sendo ambos textos entregues ao
relator, que teria então o prazo de dez dias para apresentar seu relatório. O BOC,
ao tomar conhecimento do teor da contestação de Carreiro de Oliveira, que
essencialmente propunha que fosse aceita a votação da 8ª seção do Espírito
Santo, julgou-a pobre de argumentação e a classificou de imoral, por propor a
apuração de uma ata que era evidentemente uma fraude, argumentação esta
desenvolvida na contracontestação de Minervino de Oliveira e que foi assinada
por Castro Rebello 86.
No entanto, no dia 3 de dezembro, na solenidade de recepção a Alberto
Santos-Dumont no Rio de Janeiro, o avião que conduzia a comitiva que iria
receber o ilustre visitante no navio que o trazia ao País sofreu uma queda e entre

85
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 140. Octavio Brandão.
Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 352-353.
86
- Comissão Central da Campanha Eleitoral do Bloco Operário e Camponês. O
descarrilamento do sr. Carreiro. Correio da Manhã. Rio de janeiro, 30/11/1928, p. 7; Comissão
Central da Campanha Eleitoral do Bloco Operário e Camponês. Minervino foi o eleito! Correio da
Manhã. Rio de janeiro, 01/12/1928, p. 7; o texto integral da contestação de Carreiro de Oliveira está
em Conselho Municipal do Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões preparatórias de
23 de Novembro a 21 de dezembro, p. 303-309; o texto integral da contracontestação de Minervino
de Oliveira está em Conselho Municipal do Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões
preparatórias de 23 de Novembro a 21 de dezembro, p. 310-320 e também em O reconhecimento dos
intendentes cariocas. A contracontestação do intendente operário. O novo relator. Correio da Manhã.
Rio de Janeiro, 05/12/1928, p. 2 e 7;
378

os quatorze passageiros que perderam a vida estava o engenheiro e jornalista


Ferdinando Labouriau Filho87.
Passado o choque do acontecimento, reiniciaram-se as articulações políticas
para pôr fim à questão do reconhecimento dos intendentes. Os integrantes do
“critério político” se valeram da ocasião para impor seu ponto de vista e, como
primeiro passo, conseguiram que fosse eleito para relator, em substituição ao
falecido, uma das principais lideranças de sua corrente, o intendente Nélson de
Almeida Cardoso (da “Chapa Cesário de Mello”). Este preparou seu relatório na
conformidade do que propunha a contestação de Carreiro de Oliveira, o que fez
com que este passasse à frente de Minervino de Oliveira (ver abaixo os
resultados das eleições, onde se discriminam os resultados de acordo com cada
fase do processo de eleição) e, apesar de haverem interpretações sobre a
necessidade de uma nova eleição em razão do falecimento de Labouriau Filho,
Cardoso propôs que fosse reconhecido o 13º candidato, no caso o do BOC, pois
o democrático não fora proclamado intendente.
Logo após a morte de Labouriau Filho o BOC foi procurado por membros da
corrente do “critério político” que o informaram qual seria o conteúdo do parecer
de Cardoso. O BOC respondeu que somente estava interessado em defender o
diploma legítimo de Minervino de Oliveira e que votaria contra qualquer outra
proposição da corrente do “critério político”88.
Maurício de Lacerda, um dos mais destacados e ferrenhos defensores,
durante a verificação de poderes, do reconhecimento de Minervino de Oliveira,
apresentou um voto em separado, para o qual o Conselho lhe dera três dias ao
invés dos dez que pleiteara, no qual defendia o reconhecimento do candidato do
BOC e fosse convocada uma nova eleição para a vaga aberta pelo falecimento do
candidato democrático. Lacerda afirmava não poder concordar nem com a

87
- A cidade, que se engalanara para acolher um filho glorioso, recebeu-o com as suas
bandeiras em funeral. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 04/12/1928, p. 1, 3 e 7; Pela qualidade das
vítimas, a horrível catástrofe de ontem foi a de maior proporção registrada na história da aviação
mundial. O Combate. São Paulo, 04/12/1928, p. 1 e 5.
379

“degola de um morto” e nem que fossem eleitos vinte e dois intendentes com
diplomas e um portador de uma certidão de óbito, referindo-se a Carreiro de
Oliveira. Ao lado do autor deste voto em separado figuraram as assinaturas de
Raul Leitão da Cunha (do Partido Democrático), Jeronymo Penido e Lourenço
Méga (da “Chapa Penido”), Dormund Martins (da “Chapa Adolpho Bergamini”),
Octavio Brandão e Minervino de Oliveira (do BOC, que votaram apenas pelas
conclusões) e J. J. Seabra (também da “Chapa Penido”, mas com voto de
restrições).
Apesar de ter havido protestos encabeçados pelo Partido Democrático do
Rio de Janeiro – nos quais Octavio Brandão fez uso da palavra em nome do BOC
e no qual afirmara que, apesar de convidado, recusara-se à “consecução de uma
indecência com o seu colega de ideais e também ambos vinham pela sua voz
protestar contra o esbulho e o esfacelamento do diploma de Ferdinando
Labouriau, hipotecando a sua solidariedade e com ela a de seu partido ao Partido
Democrático do Distrito Federal”89 - contra o texto de Cardoso, que foi classificado
de monstruoso pela imprensa, nada pôde impedir sua apreciação, que aconteceu
no dia 21 de dezembro de 1928. Na votação do parecer de Cardoso este obteve
doze votos. O de Lacerda obteve dez votos, sete dos que o assinaram
originalmente (pois Lourenço Méga não compareceu à sessão) mais Vieira de
Moura e Costa Pinto (da “Chapa Penido”) e Moura Nobre (da “Chapa Azevedo
Lima”). Apenas Carreiro de Oliveira não votou. Uma votação apertada, a qual
indicava que a atuação dos intendentes do BOC não teria caminhos fáceis a
trilhar.
Logo após o reconhecimento, os intendentes assumiram seus cargos como
de praxe. O Regimento Interno do Conselho Municipal do Distrito Federal
dispunha o seguinte compromisso:

88
- Ata de reunião da C.C.E. do P.C.B., em 5 de dezembro de 1928 (ASMOB). O
reconhecimento dos intendentes cariocas. Um acordo impossível. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
07/12/1928, p. 7.
89
- Um parecer monstruoso. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 21/12/1928, p. 3.
380

“Prometo manter, cumprir com lealdade e fazer respeitar a Constituição


Federal, a Lei Orgânica do Distrito Federal, as leis emanadas do Conselho
Municipal e promover, quanto em mim couber, o bem público e a prosperidade
deste Distrito.”

Ele foi lido e cada intendente disse “Assim o prometo”. A este juramento os
intendentes do BOC acrescentaram a frase “submetendo, porém, essas
disposições aos interesses do operariado”, o que gerou protestos de alguns dos
intendentes empossados90.
Pela primeira vez, ao fim de um processo de intensivo trabalho que durara
cerca de um ano, os comunistas conseguiram fazer-se representar diretamente
em uma casa de leis no Brasil.

Resultados das eleições de 28/10/1928 – 1º Distrito

Nome “Chapa”/ Partido Votos Votos Votos


Pleito Apuração Reconhecimento
José Joaquim Seabra* “Penido-Irineu” 16104 14420 15936
Raul Leitão da Cunha Partido Democrático 15511 13915 15416
Jeronymo Máximo Nogueira “Penido-Irineu” 13866 13574 14248
Penido*
João Clapp Filho* “Frontin-Mendes” 11516 11246 11427
Lourenço Méga* “Penido-Irineu” 10236 9513 10301
Francisco Vieira de Moura* “Penido-Irineu” + 9425 8247 9516
“Azurém Furtado”
Antônio Philadelpho Pereira de “Frontin-Mendes” + 9562 8361 9222
Almeida “Sampaio Corrêa”

90
- Para o texto completo do parecer de Cardoso ver Conselho Municipal do Distrito Federal.
Anais do Conselho Municipal. Sessões preparatórias de 23 de Novembro a 21 de dezembro, p. 35-46.
Para o texto completo do voto em separado de Maurício de Cardoso ver Conselho Municipal do
Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões preparatórias de 23 de Novembro a 21 de
dezembro, p. 46-55 e também em O reconhecimento dos intendentes cariocas. O sr. Maurício de
Lacerda declara, da tribuna, que vão ser reconhecidos vinte e dois intendentes, mediante diplomas, e
um portador de certidão de óbito!. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 19/12/1928, p. 7; Um parecer
monstruoso. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 20-12;1928, p. 4; Um parecer monstruoso. O que foi
o grande comício popular de ontem, contra a politicagem do Conselho Municipal. Correio da Manhã.
Rio de Janeiro, 21/12/1928, p. 3; O novo Conselho Municipal. Depois de “degolarem” um morto, os
Intendentes se reconheceram e prestaram compromisso, alta noite, à hora do crime!... Correio da
Manhã. Rio de Janeiro, 22/12/1928, p. 4.
381

Nome “Chapa”/ Partido Votos Votos Votos


Pleito Apuração Reconhecimento
Floriano de Araújo Góes “Frontin-Mendes” + 9305 8417 8843
“Cândido Pessoa”
Henrique Maggioli* “Frontin-Mendes” 7343 6916 7915
Octavio Brandão do Rego BOC 7650 7088 7439
Ataliba Corrêa Dutra Avulso 6888 5974 6694
João da Costa Pinto* “Penido-Irineu” 8050 6053 6494
FONTES: Correio da Manhã, 20/11/1928, p. 2 e Conselho Municipal do Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões
preparatórias de 23 de Novembro a 21 de dezembro, p. 39.
(*) Reeleito

Resultados das eleições de 28/10/1928 – 2º Distrito


Nome “Chapa”/ Partido Votos Votos Votos
Pleito Apuração Reconhecimento
Edgard Fontes Romero “Mário Piragibe” 15566 15249 15673
Maurício de Paiva Lacerda* Avulso 13742 12439 13044
Oswaldo de Moura Nobre “Azevedo Lima” 12732 12494 12871
Nélson de Almeida Cardoso* “Cesário de Mello” + 11220 10316 10805
“Geremario Dantas”
Antônio Dormund Martins “Adolpho Bergamini” 10049 7977 10181
Mário Monteiro Alves Barbosa* “Cesário de Mello” 10437 9584 9677
Felippe Basílio Cardoso Pires “Mário Piragibe” 9769 8729 9607
João da Costa Pache de Faria* “Frontin-Mendes” 8821 8035 9254
Francisco Caldeira de Alvarenga* “Cesário de Mello” 11232 8101 9228
Ferdinando Labouriau Filho (**) Partido Democrático 9361 8649 8949
João Baptista Pereira* Light 9093 8450 8728
Sisínio Carreiro de Oliveira “Cesário de Mello” + 8250 7560 8442
“Abelardo Reis”
Minervino de Oliveira BOC 8053 7692 8046
FONTES: Correio da Manhã, 20/11/1928, p. 2 e Conselho Municipal do Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões
preparatórias de 23 de Novembro a 21 de dezembro, p. 39.
(*) Reeleito
(**) Faleceu antes de tomar posse

SANTOS

A reorganização da Coligação Operária


382

Até outubro de 1927, de


acordo com o informe apresentado
ao III Congresso do PCB pelo
delegado santista, “a Zona de
Santos era uma instituição
puramente, simplesmente
decorativa”, os comunistas apenas
faziam suas reuniões e tomavam
conhecimento dos documentos
internos discutidos nas reuniões
de células. Esta situação,
justificava ele, era resultante da “Lei Celerada” e da repressão e tinha seus
reflexos, além do PCB, nos sindicatos, que estavam desorganizados. A situação
modificou-se com a volta de João Freire de Oliveira – que ocupara o cargo de
gerente em A Nação, no Rio de Janeiro - à cidade e com a presença, em outubro
de 1927, do deputado Azevedo Lima para dar uma conferência em Santos. Além
da conferência, o parlamentar acabou envolvendo-se em uma polêmica pública
com o delegado de Ordem Política e Social, Armando Ferreira da Rosa, que teve
como causa um militante preso por distribuir convites para o evento, e que
Azevedo Lima fora pessoalmente libertar. A coragem do parlamentar causou tão
forte impressão, que Azevedo Lima foi novamente convidado para realizar outro
comício, em 18 de outubro de 1927, no qual a ação da repressão novamente se
fez presente, com a prisão de outro militante. Sua presença na cidade, de acordo
com um balanço divulgado em fins de 1928, fez com que a Coligação Operária
saísse da inatividade em que estava e reiniciasse a propaganda e o alistamento
eleitoral, tendo em vista as eleições de outubro do ano seguinte, de forma “calma
e metódica”. Também foram postas em circulação listas de subscrição a fim de
custear as despesas com o alistamento de eleitores, as quais envolviam
pagamento de fotografias, de reconhecimento de firmas, de certidões, de
383

deslocamentos etc.91. Logo depois, no dia 17 de novembro, a Coligação Operária


de Santos realizou uma assembléia e aderiu formalmente ao BOC92. Logo em
seguida se iniciou, de um lado, a formação de grupos eleitorais vinculados a
segmentos profissionais em Santos e, de outro, a propaganda, pelas páginas de
O Solidário – que recentemente fora retomada das mãos dos anarquistas - e
também do diário A Praça de Santos93, e o alistamento eleitoral. Até o final de
fevereiro de 1928 haviam sido organizados grupos eleitorais entre gráficos,
barbeiros, operários da construção civil, têxteis e metalúrgicos94. Em fins de maio
anunciava-se que existiam organizados comitês eleitorais de trabalhadores da
construção civil, gráficos, garçons e cozinheiros e barbeiros. Note-se que houve o
acréscimo de garçons e cozinheiros, ocorrendo ao mesmo tempo o
desmantelamento dos de têxteis e metalúrgicos95. Estes fluxos e refluxos na
existência de comitês eleitorais servem para demonstrar que tais organismos
eram, algumas vezes, na verdade, compostos por uns poucos ou apenas um
solitário elemento, que, ao sabor das contingências cotidianas – como demissão
do seu emprego ou, no caso de desempregado fazendo da atuação no comitê um
expediente momentâneo, obtenção de uma colocação em uma empresa, mudança

91
- Coligação Operária. Normas de propaganda e divulgação. O Internacional. São Paulo, nº
122, 15/11/1927, p. 3.
92
- O deputado Azevedo Lima vigiado pela polícia paulista. Um “baratino” infantil. O
Combate. São Paulo, 07/10/1927, p. 1. Relatório da Comissão Executiva da Coligação Operária de
Santos, sobre o pleito de outubro de 1928. Diretriz futura. Conclusão. Praça de Santos. Santos,
27/11/1928, p. 3. Vida Operária. A Coligação Operária de Santos adere ao Bloco Operário e
Camponês, com sede no Rio de Janeiro. Praça de Santos. Santos, 21/11/1927, p. 3.
93
- “Em 1923 surgia a ‘Praça de Santos’, jornal valente e de muita força, fundado por Antonio
de Araújo Cunha e Raphael Corrêa de Oliveira, redacionado por este, com o concurso ainda de Reis
Perdigão e Ayres dos Reis, jornalistas que secundaram o trabalho brilhante de Raphael Corrêa, e por
fim Brasil Gerson. Realizou esse jornal uma das mais violentas e destemerosas campanhas políticas
que Santos assistiu nos últimos trinta anos, arrostando Leis de Imprensa e outros arrochos e medidas
de compressão adotadas e criadas pelo governo Bernardes sob a repulsa geral do povo brasileiro.”
(Francisco Martins dos Santos. História de Santos 1932-1936. Vol. II, p. 97.)
94
- Vida Operária. Coligação Operária (Chamado). Praça de Santos. Santos, 17/02/1928, p. 3.
Bloco Têxtil Pró-Coligação Operária. O proletariado têxtil de Santos e a “Coligação Operária”. Praça
de Santos. Santos, 29/02/1928, p. 4. O grupo da construção civil foi criado no dia 12/01/1928 (cf. ;
Odilon Lima. Operários e empregados de todas as profissões e categorias, da cidade e da lavoura!
Votai somente nos nossos companheiros de trabalho, de luta e de classe. Viva a Coligação Operária!.
Praça de Santos. Santos, 22/10/1928, p. 5.).
95
- Silva. A Coligação Operária precisa do esforço de todos os seus simpatizantes. Praça de
Santos. Santos, 26/05/1928, p. 4.
384

de cidade etc. -, acabavam abandonando as atividades, o que acarretava a


desativação destes comitês. De qualquer forma, além de demonstrar um acúmulo
de experiência dos comunistas de Santos na preparação de uma campanha
eleitoral, estas atividades eram o reflexo da conjuntura política, não só da cidade,
mas do País, como notavam aqueles:

“Decorreram-se, porém, dois anos e pouco e vemos que começamos agora a


ser compreendidos, isto é, que as camadas laboriosas da população, para a qual
havíamos apelado naquela época, compreendendo agora melhor a nossa
sinceridade e capacidade realizadora do proletariado, despertam e vêm a campo
juntar as forças com seus verdadeiros aliados.
Aliás, essa ânsia incontida de reivindicações políticas e econômicas das
massas laboriosas, é o característico predominante da época, e a inércia, a apatia,
a indiferença vão sendo sacudidas pelo próprio arrojo excessivo a que a
submeteram durante anos a fio.
É promissor o despertar dessas consciências. É que elas se vão
convencendo de que o seu alheamento da obra do resto do proletariado só aos
negocistas do poder aproveita.”96

O garçom João Freire de Oliveira.

Mesmo tendo em vista esta conjuntura favorável aos seus propósitos, os


comunistas de Santos enfatizavam, dentro do contexto de “revolução democrática
pequeno-burguesa”, a necessidade de forjar-se uma aliança entre os intelectuais
liberais, a classe média e o proletariado com vistas a enfrentar as “forças
385

concentradas e disciplinadas da burguesia insaciável”, as quais, no entanto,


esmagariam cada uma dessas forças isoladamente se não consolidassem sua
união. A Coligação Operária chegou a propor ao Partido Democrático uma “frente
única eleitoral, para estas eleições” que foi recusada97. Este apelo, apesar de
navegar em um confuso mar conceitual, como destacou Del Roio98, mostrava uma
preocupação de dialogar, não com sua direção ou seu núcleo ideológico, mas
com os segmentos sociais de classe média que circundavam o Partido
Democrático de São Paulo. A estes, que ansiavam por mais liberdade e justiça, se
apontava esta aliança como forma de superação da chamada “questão social”:

“É preciso, porém, não dispersar as forças, rolar cada vez mais para a
esquerda, abandonar o falso democratismo, cuidar mais dos problemas
econômicos das massas e veremos então, todos, o despertar do povo sofredor,
para a conquista de seus direitos políticos até aqui postergados, e vendidos ao
ouro dos banqueiros de Londres e Nova York.”99

Com o lançamento da candidatura de Nestor Pereira Júnior os comunistas


de Santos viram aí também uma boa ocasião para fazer uma espécie de “treino”
para as eleições municipais:

“Isso dar-nos-ia uma prova eloqüente e segura com quantos eleitores


poderíamos contar para as eleições de outubro, de treinar nosso corpo de fiscais e
distribuidores de chapas e, também, de ensinar aos eleitores estreantes a forma
como se votava [...]. Assim, as eleições seriam um ótimo meio para termos um
contato permanente com eles [os eleitores], ensiná-los a comparecerem em nossa
100
sede, e uma infinidade de outras vantagens teríamos que é desnecessário citar.”

Apesar do desgaste provocado pela retirada da candidatura de Nestor


Pereira Júnior, e que resultou, segundo avaliou o delegado santista presente ao

96
- Vida Operária. A Coligação Operária é o verdadeiro Partido dos pequenos funcionários e
operários municipais, estaduais ou federais. Praça de Santos. Santos, 27/01/1928, p. 3.
97
- Vida Operária. O proletariado é a única classe com capacidade de lutar e vencer. Praça de
Santos. Santos, 28/10/1928, p. 5.
98
- Marcos Del Roio. A classe operária na revolução burguesa. A política de alianças do
PCB: 1928-1935, p. 45.
99
- João Freire de Oliveira. Aliança necessária. O Solidário. Santos, nº 47, 29/12/1927, p. 2.
100
- A. R.. Relatório da Zona de Santos. Santos, [dezembro de 1928], p.1.
386

III Congresso do PCB, na “perda de um ótimo coeficiente de eleitores”, a


Coligação Operária retomou a iniciativa e prosseguiu em sua atividade rumo às
eleições municipais de outubro. Em março os comunistas locais já haviam
definido a forma pela qual se apresentariam ao pleito: com um candidato em 1º
turno e uma chapa completa de 12 nomes para o segundo, da qual boa parte dos
nomes e categorias já estava discutida. Além de indicar uma melhor estruturação
para a campanha e uma maior experiência, mostrava que o PCB de Santos
estabelecera um importante trabalho de articulação dentro do movimento operário
local:

“Serão candidatos um garçom, dois empregados no comércio, talvez, o


Presidente da Liga, um barbeiro, um ensacador (o presidente da Soc. dos T. em
Café), um carroceiro (o presidente da Soc. dos Condutores de Veículos), um
gráfico (o Hissen Dias), um chofer (da Comp. de Transportes), um pintor, um
pequeno funcionário público, um operário portuário e um ferroviário.
Por esta forma conseguiremos, estamos certos, um bom sucesso.
Forçaremos esta gente a trabalhar conosco, o que não sucederia coma
apresentação de um único nome.”101

O trabalhador em café Antônio Fernandes.

101
- Carta de João Freire de Oliveira a Camarada Astrojildo [Pereira]. Santos 25/03/1928
(ASMOB).
387

Além disso, manifestavam convicção de que, afinal, iriam conseguir eleger


um candidato, coisa que até os adversários pareciam reconhecer. Em maio de
1928, além de informar que logo iriam apresentar publicamente a sua chapa às
eleições municipais, os comunistas de Santos noticiavam que haviam alistado 450
eleitores, sendo necessários 350 para eleger um candidato, portanto, havia até
sobras, a fundar-se nestes cálculos102. Este alistamento, no entanto, não se deu
sem dificuldades, somente ganhando maior impulso nos dois últimos meses antes
do pleito. Tais dificuldades eram resultado do fato de que muitos trabalhadores
recusavam-se a participar do processo eleitoral. A Coligação atribuía tal atitude a
uma combinação de diversos fatores:

“A primitiva propaganda anarquista e a desmoralização dos políticos safados,


impregnaram o proletariado da descrença quanto aos efeitos do voto. Por outro
lado, a falta de documentos, o analfabetismo, a falta de dinheiro para subvencionar
alistadores, a indolência dos alistandos, a hora que funcionam os cartórios,
contrastando com a hora disponível dos eleitores operários, os recursos feitos
pelos partidos inimigos aos nossos processos inutilizando cerca de 100 eleitores
nossos, a cara feia dos patrões e encarregados para com os operários que
queriam alistar-se eleitores, a porcentagem vultuosa de estrangeiros, o
indiferentismo de muitos, a dispersão do proletariado, a não leitura dos nossos
jornais, cartas, comunicados, etc.”103

O programa

Antes de apresentar a chapa de candidatos, a Coligação Operária lançou,


por meio das páginas da coluna “Vida Operária” da Praça de Santos, uma
enquete dirigida inicialmente aos gráficos e depois estendida às várias categorias
profissionais da cidade pedindo a opinião dos trabalhadores sobre quais as
reivindicações que julgavam mais urgentes, com o objetivo de incluí-las na
plataforma eleitoral. Nela eram solicitadas não apenas opiniões sobre questões

102
- Carta de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 20/05/1928
(ASMOB).
103
- Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório sobre o pleito de outubro de 1928.
Diretriz Futura. Conclusão. Santos, 10/10/1928, p. 1.
388

estritamente corporativas, mas “aspirações e necessidade econômicas, políticas e


morais, as quais, depois de previamente discutidas, serão incluídas no programa”
104
. Esta foi uma forma encontrada pelos dirigentes da Coligação Operária de
ampliar a penetração, via plataforma, das idéias do conjunto Coligação/BOC entre
os trabalhadores da cidade e de dar “um caráter mais eminentemente popular ao
programa”, ao mesmo tempo em que, como conseqüência, possibilitava a
aumento de sua influência e o crescimento do alistamento eleitoral. Por meio das
respostas que chegavam, era possível notar-se, além do inevitável cuidado com
os problemas do local de trabalho, um tipo de preocupação, que poderíamos
chamar de “corporativismo de bairro”, voltada para o local de moradia, quando
eram listados um significativo número de sugestões voltadas para calçamento,
pavimentação de ruas, iluminação etc. Além disso, havia inquietações de maior
amplitude, mas que tinham sua origem de um ponto de vista local, como, por
exemplo, a questão da moradia dos trabalhadores, educação105.

O comerciário Antônio Simões de Almeida.

104
- O programa da Coligação Operária será a expressão real da reivindicação do proletariado
de Santos. Uma “enquête” popular. Praça de Santos. Santos, 15/06/1928, p. 4. Carlos Mário de
Andrade. A “enquête” sobre o programa da Coligação Operária. Praça de Santos. Santos, 16/05
/1928, p. 4. Vida Operária.
105
- Carlos Mário de Andrade. A “enquête” sobre o programa da Coligação Operária. Praça
de Santos. Santos, 16/05 /1928, p. 4. Vida Operária. Américo Ratto. A “enquête” sobre o programa
da Coligação Operária. Praça de Santos. Santos, 21/06 /1928, p. 3; Sylvio Gonçalves. A “enquête”
sobre o programa da Coligação Operária. Têm a palavra os gráficos. Praça de Santos. Santos, 23/06
/1928, p. 4.
389

Em meados de setembro, depois de apresentados os nomes dos candidatos,


divulgou-se o programa da Coligação Operária106. Era um longo rol de
reivindicações, e, desta vez, ainda mais extenso que o de 1925. Na nova versão
foi suprimida a introdução de 1925, que fazia as vezes de análise de conjuntura, e
houve a incorporação de tópicos e temas tratados pela plataforma do Bloco
Operário apresentada em janeiro de 1927 – a qual a Coligação Operária afirmava
aceitar em sua integralidade e seus representantes iriam defender, adaptando-a
“às condições objetivas do município de Santos” - e que não foram tratados em
1925, particularmente os referentes à questão do imperialismo e mais de um terço
das reivindicações relativas à legislação social, onde também se introduziram
algumas outras, em especial as relativas ao trabalhador do campo, oriundas do
programa de reivindicações de 1926. Além disso, certas questões provenientes
do programa do Bloco Operário de 1927 foram adaptadas às necessidades de
Santos ou tornadas mais precisas, como, por exemplo, no capítulo referente ao
imperialismo, onde eram explicitados os serviços públicos que seriam
nacionalizados ou no capítulo de legislação social, onde foi definida a idade
mínima de 14 anos para o trabalho de menores ou, ainda, a determinação de que
os recursos das obras luxuosas dos bairros ricos deveriam ser destinados ao
arruamento, calçamento e saneamento dos bairros pobres.

106
- Vida Operária. Programa da Coligação Operária. Praça de Santos. Santos, 24/09/1928, p.
4. Para a íntegra do programa ver o Anexo XI.
390

O trabalhador da construção civil Odilon Lima.

Cumpre destacar neste novo programa o acréscimo de novas questões.


Assim, reivindicações como a de criação de creches ao lado dos locais de
trabalho, de construção de praças, recreio e bibliotecas nos bairros pobres,
assistência de saúde aos alunos e professores, de subvenção públicas às escolas
mantidas por associações operárias, a de apoio ao esporte operário, a de auxílio
às caixas rurais de pequenos lavradores, a de auxílio às famílias dos conscritos, a
de jornada de oito horas para o trabalhador rural, a de igualdade salarial entre
homens e mulheres, a extensão da lei de férias aos operários em transporte, na
lavoura e às mulheres são significativas nesse sentido. Do mesmo modo devem
ser observadas aquelas reivindicações novas inspiradas nas questões locais,
como aquela voltada à venda direta de peixe diretamente pelos pescadores e
contra os intermediários, a da revogação da lei dos chalés de madeira – que fez
passar aos inquilinos destas habitações populares os custos pela sua adaptação
às exigências legais107 - e a de fiscalização e distribuição de tarefas pelos
sindicatos, nitidamente inspirada pelos trabalhadores portuários.

107
- De Santos. A questão dos Chalets de Madeira. A Nação. Rio de Janeiro, 21/07/1927, p. 3.
391

O gráfico Mário de Castro.

Também merece ser mencionada uma questão polêmica, a do item voltado


aos cultos. Apesar de já existente no programa de 1925, na forma de supressão
de subvenção às escolas de caráter religioso e que no novo programa se fez
acompanhar da reivindicação de proibição do ensino religioso nas escolas
mantidas pelo poder público, em 1928 ganhou autonomia e certamente criou
indisposições na cidade, apesar de inspirada no laicismo republicano
formalmente existente no Brasil, mas que, na realidade, nunca passou de uma
ficção jurídica.
Por fim, outra questão polêmica no novo programa: a ausência de menção à
questão do voto secreto. Esta supressão, embora talvez tivesse até algum sentido
formalmente legal, pois a sua aplicação em prática em uma eleição municipal
dependia de uma lei estadual, portanto, fora da alçada de um vereador, mostra,
na verdade, a disposição em diferenciar-se claramente dos democráticos, que
tinham nela uma de suas principais bandeiras.
De qualquer modo, ao contrário do que ocorrera em São Paulo e no Rio de
Janeiro, onde simplesmente apresentou-se o programa de 1927, sem quaisquer
atualizações ou revisões, a Coligação Operária mostrou uma salutar disposição
em tentar dialogar com os trabalhadores santistas, e também a preocupação dos
comunistas de Santos em responder às demandas que a conjuntura colocava.
392

Em campanha

Embora ainda não estivesse efetivamente em andamento, pode-se dizer que


a campanha se iniciou no dia 5 de junho de 1928. A polícia, após uma reunião na
sede da Coligação Operária, em que se discutia a campanha eleitoral, invadiu-a,
apreendeu material e deteve cinco pessoas, ou “magros lambaris”, como os
classificou a Praça de Santos - entre elas João Freire de Oliveira -, que foram
soltos no dia seguinte. O material apreendido serviu para que a imprensa local
fizesse um forte alarido anticomunista. Sarcasticamente, O Combate, ao noticiar a
invasão, descrevia o material apreendido pelo delegado Armando Ferreira da
Rosa:

“Em poder do sr. Oliveira foram encontrados os seguintes e


comprometedores documentos que, certamente, o levarão à cadeira elétrica:
‘Bandeira Proletária’, jornal operário da Argentina; ‘A Voz do Chauffeur’, órgão da
classe, do Rio; ‘A Classe Operária’, do Rio; ‘O Solidário’, de Santos; ‘O
Internacional ‘ e o matutino ‘Praça de Santos’.
Vai pra forca!
Também encontrou o Sherlock Holmes Ferreira da Rosa uma carta de Luiz
Gonzaga Madureira, operário expulso de Santos devido a sua tenaz perseguição.
Dizia Gonzaga que havia fundado em Sant’Anna, no Uruguai, um B.O.C.
B.O.C.?
Nick Carter da Rosa traduziu: Bloco Operário Comunista!
Toda gente sabe que há no Rio e em S. Paulo outros B.O.C. Vivem
legalmente. O B.O.C. do Rio elegeu um deputado à Câmara Federal. E ninguém
desconhece – exceto o argus de Santos – que B.O.C. quer dizer Bloco Operário e
Camponês.”108

Na verdade, do mesmo modo que ocorrera no início do ano em São Paulo,


tratou-se mais um ato de intimidação e ao arrepio da lei feito pela polícia política.
Além disso, como observou em editorial de primeira página o diário santista Praça
de Santos protestando contra a “ridícula façanha da polícia”, a invasão também

108
- O delegado de Santos descobriu uma conspiração comunista... O olho do “argus” de
Santos e o “olho de Moscou”. Fechando o dito ao jogo, ao vício e abrindo-o para as perseguições ao
operariado. O Combate. São Paulo, 07/06/1928, p. 1.
393

teve como meta desorganizar eleitoralmente a Coligação Operária para as


eleições de outubro de 1928 e “satisfazer os três diretórios” (do PRP, do Partido
Democrático de São Paulo e do Partido Republicano Municipal). A Coligação, de
sua parte, dizendo-se habituada a “sofrer periodicamente essas violências por
parte da polícia deste burgo”, afirmou que nada disso a demoveria de seus
objetivos109. Algum tempo depois, João Freire de Oliveira deu uma entrevista
tratando do assunto e nela reiterou a análise apresentada pela Praça de Santos,
acrescentando que ela repercutia uma ameaça feita pela A Tribuna de Santos, no
sentido de que a Coligação Operária deveria ser “destruída pela polícia”, a fim de
que não pudesse apresentar candidatos próprios nas eleições e se dispersasse o
seu eleitorado, que já estimava, então, em cerca de 600 eleitores. Oliveira afirmou
que a polícia pretendia processá-lo, impedindo-o do exercício dos direitos
políticos que a Constituição brasileira lhe dava, bem como abrir um inquérito
contra a Coligação Operária, pelo fato desta alistar eleitores comunistas. A este
ponto Oliveira fazia questão de destacar o caráter da organização:

“Para a Coligação não importa que o eleitor seja monarquista, republicano,


democrata, liberal, socialista, comunista ou anarquista, religioso ou ateu, espírita
ou teósofo, velho ou moço, preto, branco ou amarelo. É indiferente, porque seus
fins são apenas de arregimentação das massas operárias para efeito do exercício
eleitoral, em partido próprio e candidaturas próprias, como um meio de conquistar
pelos processos parlamentares, medidas de caráter econômico, político e
higiênico.”110

109
- A invasão da Coligação Operária de Santos teve um objetivo político. Praça de Santos.
Santos, 09/06/1928, p. 1; C. E. da Coligação Operária. A Coligação Operária ao Eleitorado de
Santos. Explicação necessária. O Combate. São Paulo, 12/06/1928, p. 6; Homero Barbosa Júnior. A
polícia do dr. Ferreira da Rosa. Praça de Santos. Santos, 12/06/1928, p. 7.
110
- A Coligação Operária, os seus objetivos políticos e a polícia. O que nos disse o “leader”
operário João F. de Oliveira. Praça de Santos. Santos, 13/07/1928, p. 6.
394

O carroceiro Antônio Bento de Menezes.

Concluía dizendo, em desafio ao delegado da polícia política, Armando


Ferreira da Rosa, que se quisesse acabar a Coligação Operária deveria “destruir
todos os meios de trabalho que criam a classe operária”. Mas que, de qualquer
modo, Oliveira afirmava que a Coligação Operária iria até o fim na defesa dos
direitos políticos dos trabalhadores.
Em meados de agosto, foram divulgados os nomes que comporiam a chapa
da Coligação Operária. Composta por 12 integrantes, número que correspondia
ao total de vagas disputadas na Câmara Municipal, era encabeçada por João
Freire de Oliveira, que teria o papel de “puxador de votos”, em razão de ser a
figura de maior notoriedade. A ele se destinariam os votos de “1º turno” e aos
demais os de “2º turno”. Do mesmo modo que ocorrera no Distrito Federal, a
chapa possuía a característica de ser integrada por operários, cada um
pertencendo a uma categoria profissional diferente111. Esta chapa, no entanto,
ainda sofreria modificações entre seus componentes até as eleições.
A divulgação da chapa logo provocou reações por parte de lideranças locais
do Partido Democrático de São Paulo, que afirmaram que a iniciativa da
Coligação Operária prejudicava a frente única da oposição na cidade. Na visão de
tais lideranças era preciso auxiliar sua vitória, à qual se seguiria a organização
dos operários. João Freire de Oliveira retrucou imediatamente:

111
- Amaro Corrêa. Os candidatos da Coligação Operária e os eleitores proletários. Praça de
Santos. Santos, 23/08/1928, p. 5.
395

“Têm razão. Havemos de ser sempre contra a ‘frente única’ multicor e incolor
que procura unir elementos heterogêneos, de interesses opostos e contraditórios,
em cujo ‘saco de gatos’ os operários levariam na cabeça, na certa. Querem o
cordeiro operário submetido ao lobo capitalista. Não concordam que o proletariado
tenha seu partido e seus candidatos. Operário, na frase de um dos chefes
democráticos santistas, é para trabalhar, ser pago e nada mais. Frente única assim
nós não apoiaremos nunca. Nosso dever é guiar o proletariado, e defender-lhe o
interesse de classe a todo o custo. E não poderemos concordar em pôr a classe do
futuro atada de pés e mãos ao carro-chefe do cordão democrático.”112

Oliveira afirmava, além disso, que os trabalhadores nada teriam a ganhar


com uma vitória dos democráticos, como já ocorrera em outros países, mas
principalmente no Brasil, “em virtude da casca grossa da educação reacionária-
feudal com que estão petrificados os nossos democráticos, como Antônio Prado e
Fernando Magalhães”. Mostrando as vinculações das principais lideranças
democráticas aos “interesses vultosos dos banqueiros da libra esterlina e do
dólar” e sua omissão frente a uma série de eventos e lutas dos trabalhadores em
Santos, concluía que “quem não está conosco está contra nós”. Assim, Oliveira já
deixava demarcado o terreno na disputa eleitoral com relação ao Partido
Democrático. Tempos depois foi também recordada a atuação dos deputados
democráticos paulistas durante a votação da “Lei Celerada” para demonstrar as
“políticos burgueses, conservadores ou liberais, no fundo são todos iguais”113.
Com relação às outras forças políticas em disputa, o Partido Republicano
Municipal e o Partido Republicano Paulista114 a demarcação era mais nítida e
taxativa e um exemplo disso pode ser visto em uma carta publicada de uma
importante liderança sindical de Santos e que recentemente havia sido deportada

112
- João Freire de Oliveira. O Partido Democrático e seus candidatos nada podem esperar do
proletariado. Praça de Santos. Santos, 28/08/1928, p. 4.
113
- Antônio de Moura. O proletariado santista forma na vanguarda da organização político-
econômica do Brasil. O Internacional. São Paulo, nº 143, 01/10/1928, p. 1.
114
- No início de 1928, quando da preparação para as eleições de fevereiro de 1928, o PRM
rompeu com o PRP em razão de seu candidato a deputado estadual ter sido preterido na chapa oficial
do PRP em favor de um candidato (Alberto Cintra) que tinha o apoio do governador Júlio Prestes,
pois este pretendia “premiá-lo” por ter deixado as fileiras do Partido Democrático de São Paulo (cf.
Ferve a panela do P.R.P. O Partido Municipal de Santos desligou-se do partido governista e o sr.
Samuel Baccarat renunciou da sua candidatura a deputado estadual. O Combate. São Paulo,
14/02/1928, p. 1; O Perrepismo em bancarrota. A crise de Santos e o sr. Júlio Prestes. A Esquerda.
Rio de Janeiro, 17/02/1928, p. 1).
396

para Portugal, o garçom Bernardino Marques do Valle. O exilado colocava um


sinal de igualdade entre ambos e afirmava que representavam o “Brasil medieval,
a escravatura, os fazendeiros do café, os coronéis mandões do sertão” e o
imperialismo anglo-americano. Sua política, na síntese de Valle, era comparável à
“situação da França antes de 1789” 115.
Deste retrato dos partidos políticos de Santos, a Coligação Operária
concluía que, embora aparentemente antagônicos entre si, se unificavam no
combate aos trabalhadores, quando tentavam suprimir a conquistas destes,
votavam “leis de arrocho”, buscavam impedir a organização do proletariado. Daí a
necessidade da Coligação Operária, para que o proletariado, inserido na arena
política, pudesse “reivindicar por suas mãos aquilo que seus inimigos sempre lhe
negaram”116.

O operário da Cia. Docas Roldão José Sant’Anna.

A partir do primeiro dia de outubro, pelas páginas de Praça de Santos,


quando se deu a publicação de um grande artigo contendo o perfil dos

115
- Bernardino Marques do Valle. Ao operariado santista. Votar nos candidatos da Coligação
Operária é concorrer para a vitória da causa dos oprimidos. Praça de Santos. Santos, 14/09/1928, p.
4.
116
- Antônio de Moura. O proletariado santista forma na vanguarda da organização político-
econômica do Brasil. O Internacional. São Paulo, nº 143, 01/10/1928, p. 1.
397

candidatos, foram entrevistados ou publicados artigos dos membros da chapa da


Coligação Operária, em geral acompanhados de seus retratos, onde eram
discutidos os problemas da cidade, apresentavam-se pontos de vista específicos
da plataforma da Coligação e eram enfocadas questões relativas às categorias
profissionais às quais pertenciam117. A chapa originalmente apresentada em fins
de agosto, composta por 12 membros, logo depois foi desfalcada de um nome: o
candidato ferroviário, Augusto Monteiro, retirou-se. Além disso, embora fossem
mantidos na chapa da Coligação Operária candidatos representando os
trabalhadores em café e dos barbeiros, os nomes originalmente apresentados,
Juvenal Feliciano e Duílio Bulgarelli, foram substituídos, respectivamente, por
Antônio Fernandes e Lucas Rubens. Este último, no entanto, retirou seu nome no
dia 02/10/1928, dizendo que o fazia para que fatos de sua vida privada não
pudessem ser explorados contra a Coligação Operária118. Enfim, a chapa reduziu-
se a dez elementos, que eram os seguintes, além de Antônio Fernandes e de
João Freire de Oliveira: Antônio Simões de Almeida (empregado no comércio),
Maurício Pereira Barros (chofer), Odilon Lima (trabalhador da construção civil),
Manoel Costa (operário de bananal), Mário Cursino de Castro (gráfico), Antônio
Bento de Menezes (carroceiro), Claudionor Jardim França (metalúrgico) e Roldão

117
- Vida Operária. Em plena batalha eleitoral. O entusiasmo pelas candidaturas da Coligação
Operária. Quem são os nossos candidatos. Praça de Santos. Santos, 01/10/1928, p. 4; Antônio
Fernandes. Aos trabalhadores em café. O candidato operário Antônio Fernandes lança um apelo
fraternal aos seus companheiros. Votai na Coligação Operária. Praça de Santos. Santos, 03/10/1928,
p. 4; Vida Operária. Os chauffeurs e as próximas eleições. O candidato Maurício Pereira Barros
expõe a sua opinião. Praça de Santos. Santos, 06/10/1928, p. 4; Vida Operária. O candidato da
Coligação Operária sr. Antônio Bento de Menezes faz revelações importantes sobre as causas da crise
de trabalho atual. Praça de Santos. Santos, 08/10/1928, p. 5; Vida Operária. Só os ricos devem pagar
impostos – disse-nos, ontem, o candidato operário Mário de Castro. Vida Operária. Praça de Santos.
Santos, 11/10/1928, p. 4; Odilon Lima. Operários e empregados de todas as profissões e categorias,
da cidade e da lavoura! Votai somente nos nossos companheiros de trabalho, de luta e de classe. Viva
a Coligação Operária!. Praça de Santos. Santos, 22/10/1928, p. 5.
118
- Lucas Rubens. Ofício. Praça de Santos. Santos, 03/10/1928, p. 4. De acordo com a
Gazeta do Povo, em sua edição de 18/10/1928, houve um discussão familiar, na qual tentou ferir sua
esposa a navalha, tendo sido preso e libertado sob fiança, paga pela Coligação Operária. Depois da
retirada de sua candidatura, Rubens, que possuía doze passagens pela polícia, transformou-se em cabo
eleitoral do PRP. Suas atitudes o levaram a ser expulso da União Beneficente dos Oficiais de
Barbeiros de Santos (Cf. Vida. Operária. Como o P.R.P. sabe premiar os seus serviçais. O traidor
Lucas Rubens abandonado. A explicação do caso pela Coligação Operária. Praça de Santos. Santos,
25/12/1928, p. 5).
398

José Sant’Anna (operário da Companhia Docas). Além disso, para o distrito de


paz de Cubatão, que fazia parte de Santos, o BOC de Cubatão apresentou três
candidaturas ao cargo de juiz de paz: José Ribeiro dos Santos (ferroviário),
Joaquim Gomes Euzébio (metalúrgico) e Antônio Simões de Almeida, que
também se apresentara como candidato a vereador em Santos. Completando o
quadro das candidaturas em Santos, o PRP apresentou uma chapa completa de
doze nomes, o Partido Democrático apresentou uma lista com seis candidaturas e
houve mais uma candidatura avulsa.
O fato de Santos não ser uma cidade industrial, onde houvesse pontos de
concentração de trabalhadores, fez com que a campanha da Coligação Operária
se desenvolvesse através de comícios por toda a cidade, dos quais nos chegaram
apenas a menção de sua existência, sem traços, no entanto, do que se dizia
neles. Mais uma forma de propaganda eleitoral foi a desenvolvida através do
material de propaganda distribuído em comícios e outras atividade e afixado
durante a campanha. De acordo com uma estatística divulgada ao final do pleito
foram produzidos 89.800 impressos de propaganda e alistamento:

“Circulares diversas de instrução, 3000; avisos e convocações, 5600; para


organização interna e secretaria, 4800; manifestos de propaganda dos grupos
eleitorais, 19000; manifestos da Comissão Executiva, 7000; avulsos de
propaganda 26000; cartazes, 3600; programas, 8000; cartas particulares, 1000;
cadernetas, 400; artigos publicados na ‘Praça de Santos’, 360; 17 números do
‘Solidário’ num total de 1900 exemplares; ‘A Classe Operária’, 8500 exemplares;
gastamos durante o ano de propaganda, Rs. 14:850$000.”119

Por fim, outro espaço utilizado pela Coligação foi o da imprensa. Além dos
artigos publicados em O Solidário e na A Classe Operária, fez-se uso da coluna
”Vida Operária” do diário Praça de Santos, na qual foram publicados, como vimos,
360 artigos. Por seu intermédio foram apresentados seus candidatos, discutidos
os pontos da sua plataforma e também foi travada a polêmica com democráticos e

119
- Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório sobre o pleito de outubro de 1928.
Diretriz Futura. Conclusão. Santos, 10/10/1928, p. 3.
399

perrepistas. O confronto com os democráticos, como vimos mais acima, tinha um


caráter mais ideológico, até pelo fato de serem, ambos, oposição ao PRP.
Já o debate da Coligação Operária com o perrepismo possuía um caráter
mais prático e concreto. Isto era feito por meio de denúncias do uso da máquina
pública em favor dos candidatos do PRP, dado o fato de que o funcionalismo não
possuía estabilidade e a ocupação de cargos públicos era moeda de troca na
campanha eleitoral. Tais denúncias juntavam-se às que a imprensa de oposição
já vinha fazendo corriqueiramente, como as que se faziam envolvendo fraudes na
qualificação, compra de eleitores (“que vendem o futuro de 150.00 almas em troco
de 20$000 ou uma feijoada”) etc., porém tinham um caráter específico, pois elas
eram voltadas para o universo dos trabalhadores organizados. Assim, por
exemplo, acusavam-se os fiscais da Câmara, que tinham a atribuição de multar os
motoristas e carroceiros, de pressionar estes profissionais a votar, por meio de
promessas e ameaças, nos candidatos oficiais. Sobre tal procedimento a
Coligação Operária era muito enfática:

“Francamente, os políticos profissionais estão acostumados a fazerem uso do


que é do povo, que até julgam que seja propriedade particular, deles. Nós que
pagamos impostos asfixiantes, nós que gememos o ano inteiro com a majoração
desses impostos, que são lançados a fim de promover melhorias no município, e
no fim acabamos não vendo nada. Os empregados municipais que são pagos com
o suor do povo andam fazendo ‘servicinhos’ para os srs. políticos do PRP, e as
ruas andam esburacadas, a Câmara anda ‘enforcada’, o povo passa fome e
miséria. Basta de cinismo! [...] O povo paga impostos para ser bem servido, e não
para pagar a cabos eleitorais de um partido da situação que é o causador da nossa
miséria!”120

Mas sem dúvida a polêmica com o PRP que mais chamou a atenção foi a
questão da ocupação de uma vaga de vereador na Câmara Municipal por parte
da Coligação Operária. Nas eleições de 1925, embora tivesse uma diminuta
votação, João Freire de Oliveira foi declarado como sexto suplente de vereador.
No correr da legislatura vários suplentes deixaram de possuir tal condição, por

120
- Vida Operária. De que forma o P.R.P. pretende vencer as eleições. Suborno direto e
indireto. Os fiscais da Câmara, pagos pelo povo, transformados em “cabos” eleitorais. Praça de
Santos. Santos, 15/10/1928, p. 5.
400

uma série de razões. Ao mesmo tempo em que isto ocorria, no último ano da
legislatura abriram-se três vagas na Câmara Municipal de Santos, combinação
que fez com que fosse atingida a colocação do candidato da Coligação Operária,
o que aconteceu em meados de outubro de 1928, às vésperas do pleito. Como se
tratava do último ano da legislatura, não se fariam eleições suplementares para
preenchimento dos cargos vagos, mas, sim, seriam chamados os suplentes para
preenchimento das vagas. A partir de então, os vereadores do PRP passaram a
não mais se reunir para que Oliveira não pudesse tomar posse do cargo.
Pretextando que a presença de um trabalhador não era compatível na Câmara
Municipal, na verdade, não queriam dar a oportunidade, por mais exíguo que
fosse o tempo que Oliveira ocupasse o cargo, para que a Coligação Operária
tivesse a oportunidade de fazer uso do espaço do Legislativo municipal.
Por conta deste episódio, uma das lideranças perrepistas locais, o vereador
Albertino Moreira, acabou sendo obrigado a comentá-lo. Depois de afirmar que
Oliveira não assumiria em razão de o número de vagas existentes na Câmara não
atingir sua colocação – o que Oliveira em sua petição demonstra, pelos
impedimentos legais existentes para vários suplentes, ser infundado -, Moreira diz
que, de qualquer maneira, a Câmara Municipal poderia funcionar mesmo com
nove de seus doze vereadores. Para Moreira pouco importava sequer a
formalidade de o corpo legislativo santista funcionar em sua integridade,
ignorando o fato de a Câmara Municipal ser o lugar onde deveriam se reunir os
representantes dos cidadãos, sejam de quais partidos fossem. Ou seja, o PRP
não admitia a hipótese de empossar Oliveira. Além disso, Moreira não perdeu a
oportunidade para tripudiar sobre a Coligação Operária:

“Aceitamos o concurso de todas as pessoas bem intencionadas, e o nosso


maior empenho é estarmos sempre ao lado do povo. Ainda agora, li, com atenção,
o manifesto com que se apresentou ao eleitorado a Coligação Operária de Santos.
Vou relê-lo ainda, e se encontrar qualquer idéia que se possa tornar realidade por
meio de providências da alçada municipal, certos podem estar todos os operários
401

de Santos, que eu pugnarei pela vitória dessa idéia, como pugnarei pela realização
de todas as idéias de utilidade geral.”121

Moreira, como típico representante das elites nacionais, afirmava, em outra


ocasião, a “reserva de domínio” do exercício da política para seus pares, os
“chefes políticos” (“são, na sua quase totalidade, homens experientes, de
cultivada inteligência e de suficiente cavalheirismo”) e fazia o tradicional, e até
hoje ainda utilizado, discurso sobre a incapacidade da população, a “massa
popular”, como a chamava, para a política. A esta cabia apenas aprimorar-se para
eleger moreiras:

“A massa popular, em qualquer lugar do mundo, evolui lentamente na sua


educação, no conhecimento dos homens que a dirigem e das suas próprias
condições de vida.
Entre nós, ou porque a instrução não esteja disseminada, ou porque seja
extenso demais o território, de variada configuração geográfica, ou, talvez, por
causa da verde juventude de nossa nacionalidade, a massa popular ainda se
encontra na situação de não perceber nitidamente os assuntos políticos e sociais,
de não perceber o que significa o aparelhamento do governo no segredo das suas
múltiplas e complicadas engrenagens. [...] O povo é que necessita modificar-se
diante das correntes políticas, e, modificando-se, poderá influir nelas
decisivamente, escolhendo para os postos eletivos os homens realmente dignos
desses postos.”122

Enfim, valendo-se dessa situação, e repercutindo o noticiário que a respeito


do fato se publicou na imprensa paulistana, aonde chegou a ser tratado pelo
conservador O Estado de S. Paulo, tanto a Coligação Operária como a Praça de
Santos, que saiu em campanha pública em defesa do exercício do mandato por
parte de Oliveira, atacaram o PRP na reta final da campanha eleitoral, fato que
teve inegável repercussão na cidade de Santos123.

121
- A questão dos suplentes. Uma palestra com o dr. Albertino Moreira. A Tribuna. Santos,
21/10/1928, p. 2.
122
- Albertino Moreira. A orientação do Partido Democrático em face da educação política do
povo brasileiro. A Tribuna. Santos, 26-10-1928, p. 2.
123
- O P.R.P. contra o operariado. Praça de Santos. Santos, 16,10/1928, p. 16; Humilhando o
operariado. Porque o suplente de vereador João Freire de Oliveira não é convidado a preencher uma
das vagas existentes na Câmara. Praça de Santos. Santos, 17/10/1928, p. 1; Continuam as
hostilidades ao operariado. Uma nota de “O Estado de S. Paulo” sobre o suplente João F. de Oliveira.
Praça de Santos. Santos, 18/10/1928, p. 16; Humilhando o operariado. O caso do suplente João
402

A eleição

No dia 30 de outubro de 1928, uma terça-feira, os eleitores santistas


dirigiram-se, além daqueles que votaram nos distritos de Cubatão e Guarujá
(cada um com duas seções), a uma das 36 seções eleitorais espalhadas pela
cidade. A Coligação Operária conseguiu montar para este dia uma “miniatura de
aparelho eleitoral”, envolvendo cerca de 140 pessoas, algumas delas
profissionalmente e “muitos outros operários por iniciativa própria”. Este
“aparelho” era composto de distribuidores de chapas, fiscais, chefes de setores e
cinco automóveis, “para buscar em casa os eleitores que até o meio-dia não
haviam comparecido às seções para votar”.
Em relação à eleição de 1925 houve um aumento no número de seções, que
passou de 14 para 36, o que significava - já que o número máximo de 250
eleitores por seção era estabelecido por lei e funcionou tanto para a eleição de
1925 como para a de 1928 - um importante acréscimo no número de eleitores
inscritos. Como o número do título do último eleitor que se alistou no prazo para
votar em 1925 era 3.557 e o de 1928 recebeu a inscrição 8.859, isto significou
que nos três anos decorridos entre uma eleição e outra 5.302 novos eleitores
alistaram-se, ou seja, houve um aumento de 149% no tamanho do eleitorado124.
Este dado assinala - sabendo-se que durante o mesmo período a população da
cidade não cresceu no mesmo ritmo -, um maior interesse da população santista
pela disputa eleitoral e uma intensificação, por parte de todos os agrupamentos
políticos envolvidos, no processo de alistamento eleitoral O comparecimento à
eleição também confirma este maior interesse. Em 1925 apresentaram-se às
seções eleitorais 1.913 eleitores, isto é, 48,34% do universo de cidadãos com o

Freire de Oliveira. Praça de Santos. Santos, 19/10/1928, p. 1; A Câmara Municipal e os suplentes de


vereadores. Uma petição do “leader” operário João F. de Oliveira. Praça de Santos. Santos,
28/10/1928, p. 16.
124
- Os dados foram retirados de editais publicados em A Tribuna, em suas edições de
29/11/1925 e 30/10/1928.
403

título eleitoral. Em 1928, por sua vez, votaram 5.620 eleitores, ou seja, 63,43% do
total de eleitores inscritos.Tais números mostram que houve, entre um pleito e
outro, 3.707 eleitores a mais, mostrando este dado um crescimento de 193,7% no
período, superior, portanto, em 44,7% ao número de novos eleitores inscritos.
Enquanto a imprensa situacionista informou que o pleito se dera em “um
ambiente de inteira ordem e de rigorosa obediência à vontade eleitoral”, a
oposição classificou-o de um “mercado de votos”, onde se presenciou o
“espetáculo infeliz do suborno em grande escala. Até estrangeiros, que não
exerciam profissão regular, compravam a consciência dos brasileiros
degenerados, cuja opinião se modifica conforme o preço maior ou menor da
recompensa”125. O diário Praça de Santos, o qual afirmou que os recursos eram
oriundos das “bancas de ‘bicho’ da cidade”, chegou a publicar em primeira
página, de sua edição de 2 de novembro, fotos mostrando agrupamentos onde se
estariam mercadejando votos.
Os 5.620 eleitores que compareceram às eleições deram 3.264 votos ao
PRP, 1.968 ao Partido Democrático, 270 à Coligação Operária e 118 a um
candidato avulso. Este total de eleitores fez com que o quociente para a eleição
de um vereador em 1º turno fosse de 468 votos. Assim, os perrepistas
conseguiram fazer nove e os democráticos três vereadores. A votação da
Coligação Operária propiciou que ela tivesse os cinco mais votados para a
constituição do quadro de suplentes. Este foi o quadro de votos da Coligação:

NOME VOTOS TURNO


João Freire de Oliveira 270 1º
Antônio Simões de 264 2º
Almeida
Manoel Costa 264 2º
Maurício Pereira Barros 263 2º
Odilon Costa 263 2º

125
- As eleições de ontem. O pleito decorreu animado e na melhor ordem. O Partido
Republicano Paulista conquistou mais uma brilhante vitória, elegendo nove vereadores.
Compareceram às urnas, no município, 5.260 eleitores. A Tribuna. Santos, 31/10/1928, p. 16; As
eleições de ontem, em meio de violências, de fraudes vergonhosas. Em Santos. Um mercado de votos.
O Combate. São Paulo, 31/10/1928, p. 2; O pleito de ontem. Aspectos interessantes e considerações
oportunas. Praça de Santos. Santos, 31/10/1928, p. 1 e 6.
404

Antônio Bento de Menezes 262 2º


Antônio Fernandes 262 2º
Claudionor Jardim França 262 2º
Mário de Castro 262 2º
Roldão José Sant’Anna 262 2º
FONTE: Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório
sobre o pleito de outubro de 1928. Diretriz Futura. Conclusão.
Santos, 10/10/1928.

Em relação à eleição de 1925, a representação do partido situacionista


(PRM em 1925 e PRP em 1928) diminuiu em 2 vagas, assim como a oposição
(Partido Democrático – apesar de ter sido fundado em 1926, o vereador Antônio
Feliciano elegeu-se como candidato avulso de oposição e foi um dos primeiros
aderentes da nova organização - e Coligação Operária) dobrou seu eleitorado,
passando a abranger 40% do eleitorado santista, conforme se vê na tabela
abaixo:

PARTIDO 1925 1928


Partido Republicano Municipal / Partido Republicano Paulista 78,35% 58,00%
Partido Democrático 17,35% 35,00%
Coligação Operária 1,77% 4,80%

É também interessante notar, a partir dos dados acima, as distorções


resultantes do sistema majoritário, que fizeram com que o PRP acabasse detendo
75% das cadeiras, apesar de possuir menos de 60% dos votos. Aqui é possível
perceber-se o quanto a fórmula do estabelecimento de um processo eleitoral que
assegure a “representação das minorias”, existente nas constituições estaduais e
na constituição federal, e apresentada como uma das provas do liberalismo das
elites nacionais, não suportava o confronto com a prática das eleições.
Em termos numéricos, foi evidente o avanço da Coligação Operária entre
1925 e 1928, passando de 48 a 270 votos. No entanto, o balanço126 feito sobre o
pleito dava conta que a Coligação havia alistado 300 eleitores e obtido a adesão
de outros duzentos, totalizando 500 votos, número mais que suficiente para se

126
- Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório sobre o pleito de outubro de 1928.
Diretriz Futura. Conclusão. Santos, 10/10/1928, p. 3 (RGASPI). Este mesmo relatório foi publicado
405

chegar aos 468 votos necessários à eleição do vereador, embora em meados de


1928, como se recorda, tenha se apresentado a cifra de 600 eleitores. Além disso,
100 eleitores deixaram de ser alistados, pois tiveram suas inscrições anuladas em
razão de recursos interpostos pelo PRP e pelo Partido Democrático contra a
documentação apresentada pela Coligação Operária. No entanto, de acordo com
a mesma avaliação, houve um elevado número de abstenções (não
comparecimentos) entre estes quinhentos eleitores, estimado em 180 pessoas
(36%), e outro significativo número de pessoas, chamadas de “traidores”, que
acabaram votando em outros partidos, calculados estes em 50 (10%). A
Coligação, em seu relatório sobre as eleições, avaliou que estes números eram
resultado de duas causas fundamentais: a coação e a corrupção. Esta, como
vimos, foi denunciada pela imprensa de oposição e deu-se, fundamentalmente,
através das “promessas de emprego público, concessões de serviço do Estado e
do município e a compra descarada e sem vergonha de voto”. O “mercado do
voto”, de acordo com a Coligação Operária, teve seus recursos oriundos não
apenas dos cofres públicos, canalizados pela máquina do PRP, mas também dos
“monopolizadores do jogo de azar”, que, com isso, pleiteavam junto aos
perrepistas a reabertura dos cassinos. Quanto à coação, esta se dava de vários
modos, sendo exercida tanto pelo PRP como o Partido Democrático e seus
apoiadores. Ela acontecia, como narrou a Coligação Operária, diretamente
através da pressão exercida pelos donos das empresas sobre seus trabalhadores
dentro dos locais de trabalho e também por meio de “cabos eleitorais” que
controlavam a freqüência e o voto dos eleitores às seções no dia das eleições,
criando a atmosfera de que haveria retaliações, pois “os eleitores sabem
perfeitamente que se votarem contra seus chefes, [estes] virão a saber, e estará
ele despedido no dia seguinte, na certa”. Além disso, a Coligação Operária
apontava outros fatores que influíram nas abstenções:

em três partes na Praça de Santos, em suas edições de 27/11/1928, p. 3; 28/11/1928, p. 3; e


02/12/1928, p. 7.
406

“Prisão do companheiro Antônio Duarte no dia do comício de Azevedo Lima


em 18 de outubro de 1927; prisão de cinco membros da Coligação Operária no dia
5 de junho de 1928; as deportações de Madureira, Bernardino, Perdigão, Alvarez e
Esteves em 2 de fevereiro de 1928; a vigilância da polícia sobre os nossos
elementos mais ativos; ameaça da vinda de Ibrahim Nobre [delegado de polícia]
para Santos no dia das eleições; os boatos de chegada de esquadrões de
cavalaria, de terror policial, de brigas, mortes, prisões etc., que no final nada
sucedeu. Pura encenação para desbaratar nossos eleitores.”

A avaliação do processo eleitoral também apontava uma meta, da qual


somente se encontrou menção no relatório final, que não foi alcançada pelos
grupos eleitorais profissionais: constituição de comitês de propaganda nos bairros
e nas empresas.
Apesar das dificuldades expostas, avaliava-se que o resultado fora “uma
brilhante vitória do proletariado” e servira para demonstrar “força, organização e
capacidade” da Coligação Operária, sendo, por isso, animador o “ambiente geral
no proletariado”. Tal quadro fez com que a direção da Coligação decidisse, em
reunião realizada no dia 3 de novembro, “transformar todos os grupos
profissionais eleitorais em associações de classe. Fundar a Federação Sindical
local, e a Federação Esportiva Operária, e continuar o alistamento eleitoral”. Os
grupos que os comunistas julgavam poder transformar em associações de classe
eram os da construção civil, gráficos e metalúrgicos127.
Deste balanço é importante reter algumas questões. A primeira é o modo de
pensar uma campanha eleitoral adequada às questões locais. Os comunistas de
Santos, mais de uma vez, caracterizavam sua cidade afirmando que “Santos não
é uma cidade essencialmente operária, como S. Paulo e Rio”128. O fato de Santos
também ser um centro envolvido com o comércio de café a tornava também um
lugar de grande concentração de trabalhadores da área de serviços e comércio,
onde, porém, estes se espalhavam por muitas empresas. Assim vista, insere-se

127
- Carta de João F[reire de]. O[liveira]. a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 01/11/1928
(ASMOB); Carta de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 04/11/1928
(ASMOB).
128
- Comissão Executiva. A Coligação Operária ao proletariado de Santos. A explicação do
resultado do pleito de ontem. Praça de Santos. Santos, 01/11/1928, p. 2. A mesma afirmativa pode
ser encontrada em Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório sobre o pleito de outubro de
1928. Diretriz Futura. Conclusão. Santos, 10/10/1928, p. 1.
407

nesta visão mais abrangente a diretiva estabelecida, mas não cumprida, de


constituição de “comitês de propaganda nos bairros e nas empresas”129. Se não
há grandes concentrações de trabalhadores faz sentido ir contatá-los em suas
moradias ou em seus locais de trabalho. Porém, talvez se possa compreender o
insucesso nesta proposta quando se percebe um certo desconforto na situação
de estar em uma cidade que não é “essencialmente operária”. Isto se nota no
relatório de balanço da campanha quando se afirma que a Coligação Operária
deveria privilegiar sua propaganda em algumas categorias profissionais, como
tecelões, trabalhadores em armazéns de café, operários da construção civil,
carroceiros, operários dos bananais, da Companhia Docas, operários da
Companhia City, metalúrgicos, trabalhadores da alimentação e choferes, também
podendo ser feita, observe-se, em “outras profissões menos importantes”, como
“gráficos, empregados no comércio, operários do Matadouro, barbeiros, operários
do Estado e do município”. Fica subjacente aqui a visão de que uma das razões
para as dificuldades de penetração das idéias comunistas e do insucesso da
campanha eleitoral era sua condição de cidade não “essencialmente operária”.
Conectando-se com esta última, outra questão que vale a pena ressaltar é a
de que, como na eleição anterior, parte da responsabilidade pelo malogro
eleitoral foi imputada à responsabilidade da “mentalidade e educação hereditária
medieval” dos trabalhadores de Santos ou então ao corpo dos militantes. No
entanto, mais uma vez, nenhuma palavra foi mencionada a respeito de uma
possível falha na condução da campanha por parte da direção da Coligação
Operária.

SÃO PAULO

129
- Comissão Executiva da Coligação Operária. Relatório sobre o pleito de outubro de 1928.
Diretriz Futura. Conclusão. Santos, 10/10/1928, p. 2.
408

Logo após o episódio da retirada da candidatura de Manoel Nestor Pereira


Júnior a deputado estadual, nas eleições de 24 de fevereiro de 1928, o BOC-SP
entrou em um período de letargia, ou, como preferia dizer um dos seus dirigentes,
o segundo secretário Aristides da Silveira Lobo, “está hoje francamente
moribundo”. Além disso, entre os dirigentes locais, havia um ambiente fortemente
impregnado por disputas pessoais e intrigas, no qual a responsabilidade pela
situação era jogada de um a outro, o que, evidentemente, somando-se à
conjuntura decorrente da derrota, resultava em uma completa paralisia da
organização.
O principal dirigente comunista de Santos, o garçom João Freire de Oliveira,
em carta enviada a Astrojildo Pereira, fez um relato bastante crítico das atividades
desenvolvidas pelos comunistas de São Paulo, que, de modo cáustico, chamava
de “Pólo Norte”, porque “lá, tudo frio”. Oliveira afirmava que os comunistas
paulistanos não alistavam eleitores, nem estavam se preparando para as eleições
de outubro de 1928. Isto era confirmado por Aristides Lobo, que narrou que os
comitês eleitorais não funcionavam, apenas o dos comerciários realizava algum
trabalho de qualificação dos funcionários, como resultado da iniciativa pessoal de
Nestor Pereira Júnior130.
Além disso, Oliveira criticava a postura de dois dos principais dirigentes
comunistas de São Paulo. Um deles era o jornalista Everardo Dias, que, na
época, trabalhava no Diário Nacional, órgão do Partido Democrático. Oliveira
criticava a Dias pelo fato de escrever artigos nos quais falava sobre a
necessidade da organização sindical, mas não os conectava a questões
conjunturais, o que, evidentemente, dificultava a ação por parte daqueles a quem
eram dirigidos. Outro comunista que era alvo das observações do garçom santista
era o também jornalista Plínio Mello, que ocupava o cargo de primeiro secretário
no BOC-SP e de secretário de organização no CR-SP do PCB, além de trabalhar
no Diário Nacional e em O Combate e ser correspondente em São Paulo do diário
carioca A Esquerda. O santista não via com bons olhos o fato de ele dedicar-se

130
- Aristides Lobo. Carta particular à CCE do PCB. São Paulo, 26/061928, p. 3 (TSN).
409

mais ao órgão dos democráticos, pois este vivia atacando os comunistas,


enquanto O Combate transcrevia “artigos e entrevistas nossos”. A postura
pessoal de Mello o irritava particularmente, levando-o a indagar de Pereira até
quando o partido iria tolerá-la, pois, de sua parte, dizia que não estava mais
disposto “a ter que endossar maloqueiros”131. Aristides Lobo, por sua vez,
enfatizava que as obrigações profissionais de Mello levavam o BOC-SP e o CR-
SP a uma paralisia organizativa, pois Plínio Mello alegava não poder nada fazer
em razão de seu trabalho no Diário Nacional, porém ficava “firme no cargo, com
todas as honras, medalhas e funções decorativas ao mesmo inerentes... Teria
resolvido assim a Conferência Regional”.

Aristides Lobo, candidato nas eleições de 1930.

Em um relato sobre a situação em São Paulo, Plínio Mello, sob seu ângulo,
também traçava um quadro desalentador:

131
- Carta de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 20/05/1928
(ASMOB). Plínio Mello justificava sua entrada no Diário Nacional “por excesso de miséria”, mas ali
se submetia a uma jornada de trabalho estafante, que não raro ia das 15 às 2 horas da manhã seguinte
(Cf. Carta de Plínio [Gomes de Mello] a Astrojildo [Pereira]. São Paulo, 27/05/1928, p. 2-3
(ASMOB)).
410

“Mas isto aqui continua a ser um caso sério!... Tenho culpa nisso; mas, penso
que a maior culpa deverá recair sobre os próprios camaradas que não me auxiliam
na obra de reorganização do Partido. Não falo nos membros do C. R., que estes
têm feito sempre alguma coisa, bastando dizer que vem se reunindo
semanalmente, com regularidade. Mas, as resoluções que tomamos não
encontram o necessário apoio dos membros do P[artido]., em sua maioria bastante
negligentes demais, o acúmulo de obrigações em que estão sobrecarregados
acarreta uma desorientação verdadeiramente lastimável. Todos os meses temos
realizado assembléias de zona; entretanto nessas reuniões outra coisa não temos
feito do que nos criticar pessoalmente... Essa é a dolorosa verdade! Por isso não
me animei de relatar isso...”132

Como conseqüência de tal situação, Plínio Mello afirmava que BOC-SP


sofria os efeitos de paralisia dessa desorganização do CR-SP do PCB, aos quais
se juntava o problema do pagamento das dívidas de campanha, que servia para
criar desgastes com Manoel Nestor Pereira Júnior, que por ela se
responsabilizou. Tudo isto, justificava-se, “constituem as razões fatais da nossa
frigidez polar...”.
Em meados de 1928 a direção do BOC-SP ficou praticamente, segundo o
relato de Lobo, em estado de acefalia:

“O arquivista [José Salvador] do Bloco pediu demissão. O 1º secretário [Plínio


Mello] não pode trabalhar porque o horário que o prende no “Diário Nacional” não
lho permite. O tesoureiro [Manoel Carreira Medeiros] não pode trabalhar porque se
acha esgotado e assoberbado de incumbências em seu sindicato [a União dos
Trabalhadores Gráficos de São Paulo]. Praticamente existem: o presidente [Manoel
Nestor Pereira Júnior] e o 2º secretário [Aristides da Silveira Lobo]. Mas, aquele só
aceitou o cargo depois de muita insistência (a minha, inclusive) da assembléia que
o elegeu, alegando não dispor de tempo. Eis aí o que existe da direção do Bloco
Operário e Camponês.”133

Frente a tal situação, Lobo dirigiu-se à CCE solicitando alguma solução,


alertando-a que “se o Bloco morrer, dentro de 10 anos não se levantará em São

132
- Carta de Plínio [Gomes de Mello] a Astrojildo [Pereira]. São Paulo, 27/05/1928, p. 2-3
(ASMOB).
133
- Aristides Lobo. Carta particular à CCE do PCB. São Paulo, 26/06/1928, p. 3 (TSN).
Movimento Operário. Foi eleito, ontem, o novo Comitê Executivo do Bloco Operário e Camponês. O
Combate. São Paulo, 19/04/1928, p. 3. No dia 30 de julho houve alterações na diretoria do BOC:
Manoel Nestor Pereira Júnior deixou a presidência, sendo substituído por Everardo Dias, e José
Salvador retornou às suas funções de arquivista (cf. Comitê Regional. O Bloco Operário e Camponês.
A direção atual do partido dos trabalhadores em São Paulo. O Combate. São Paulo, 31/07/1928, p. 3).
411

Paulo”. Porém, nada se fez naquele momento, prosseguindo tanto o BOC-SP


como o CR-SP sendo consumidos por essa situação. Assim, por exemplo, no dia
1º de julho foi realizada a I Conferência de Agit-Prop da Zona de São Paulo, que
tomou várias deliberações, em geral ligadas à difusão, leitura de textos, criação
de cursos etc. Com relação ao BOC, na mesma tônica, ficou decidido estudar e
difundir seus estatutos e programa. No dia 11 de setembro, quando se realizou a
II Conferência, o primeiro ato desta, depois de lida a ata da conferência anterior,
foi constatar que em sua quase totalidade as resoluções anteriormente tomadas
não foram postas em prática134.
Durante todo este período o Bloco jamais deixou de publicar manifestos e
outros documentos, e até desenvolver polêmicas – como a de Plínio Mello contra
A Gazeta, por conta de uma matéria favorável à polícia política ali publicada -, por
meio das páginas de O Combate, mas que, como vimos pelos testemunhos acima
citados, não produziram qualquer efeito organizativo em favor do BOC-SP.
Além disso, ocorriam manifestações de propostas de duvidosa eficácia,
como o plano de “Concurso Eleitoral” elaborado por Plínio Mello, pelo qual seriam
premiados, com cortes de tecidos, gêneros alimentícios, cigarros, entradas de
cinema, cobertores, calçados, peças de roupa etc., aqueles que mais alistassem
eleitores para o BOC-SP135. Independente de sua possibilidade de sucesso, esta
heterodoxa proposta revela, no mínimo, uma curiosa maneira de tentar solucionar
problemas ou contorná-los. A CCE, por intermédio de Astrojildo Pereira, não se
opôs à iniciativa, mas não a incentivou.
Tal situação, porém, não era apenas examinada de um ponto de vista
interno. Em meados de maio ela já era tão visível, que na “página operária” de O
Combate foi estampada uma carta de um tecelão na qual este perguntava o que
era do BOC, que há um mês não dava um sinal de vida:

134
- Atas da I e II Conferência de Agit-Prop da Zona de São Paulo (ASMOB).
135
- Carta de Plínio [Mello] a Astrojildo [Pereira]. São Paulo, 13/08/1928 (ASMOB). Em
anexo a proposta de “Concurso Eleitoral”, datada de 20 de agosto (ASMOB).
412

“Há já um mês que nem um comunicado, nem um artigo de propaganda,


nada se tem lido a respeito do B.O.C. Nestas condições chegará Outubro e nos
veremos nas mesmas contingências em que nos encontramos nas últimas
eleições.”

O tecelão até admitia que depois da retirada da candidatura nas eleições de


fevereiro, que ele chamava de “recuo inestratégico”, houvesse uma certa
retração, mas não achava compreensível que os dirigentes do BOC tivessem
caído em tal esmorecimento. Por isso, instava-os a superar esta situação a fim de
não perder seu prestígio entre o proletariado e poder “medir forças com os nossos
inimigos”136.

Uma mão na roda

A situação de paralisação do CR-SP e do BOC-SP chegou a tal ponto que


nos dois últimos dias do mês de agosto, João Freire de Oliveira saiu de Santos e
veio a São Paulo para dar “uma ‘mão na roda’ naquela máquina emperrada”137.
Aparentemente com o apoio, ou ao menos ciência, da CCE, pois uma atitude
desta seria algo inconcebível em uma instituição com tamanho grau de
centralização como os partidos comunistas, Oliveira chegou a São Paulo e
convocou uma reunião de militantes e simpatizantes. Nela discutiu-se a questão
do BOC. Depois de apresentar a situação, constatar que se vivia uma situação de
letargia e que era necessário superá-la, Oliveira propôs a apresentação de um
candidato em 1º turno e dezesseis em segundo turno, “um de cada corporação”,
transpondo para sua proposta feita a São Paulo o modelo de chapa completa que
se decidira fazer uso em Santos. No entanto, o número de candidatos, pela
alegada dificuldade em se achar os nomes que coubessem na proposta, foi sendo
sucessivamente reduzido para doze, em seguida para oito, e mais tarde para
quatro, e, finalmente, depois de quinze dias de discussão e várias desistências,

136
- N. Jimenez. Nos arraiais da política proletária. O Combate. São Paulo, 23/05/1928, p. 2.
413

chegou-se à solitária candidatura de Everardo Dias, resultante da avaliação da


não existência de um eleitorado “garantido” e de que a apresentação de mais de
um nome provocaria o desvio de atenção do candidato, bem como desperdício de
votos no 2º turno. Do mesmo modo que é lícito supor que a vinda de Oliveira fora
uma espécie de “intervenção” no CR-SP com anuência da CCE, não seria errôneo
imaginar-se que as sucessivas desistências e reduções do número de candidatos
ao 2º turno tenham sido uma espécie de “resistência passiva” ao ato, contra o
qual não houve protestos abertos - exceto pela referência “sem me consultar”,
feita em carta de Plínio Mello, a propósito da reunião convocada por João Freire
de Oliveira -, pois não era difícil aos comunistas de São Paulo intuir que a CCE
tinha ciência do que se passava então. Após a fragorosa derrota na eleição de
outubro, explicou-se a adoção da candidatura única como resultado da “falta de
confiança no apoio de todos os eleitores pobres” 138.
Ao final, apesar de ainda de não poder vislumbrar uma solução definitiva
para o ambiente de intrigas entre os comunistas de São Paulo, Freire avaliou
positivamente o episódio:

”Everardo e Plínio saíram do “Diário Nacional”. Aporrinharam tanto que eles


tiveram que sair. Mas o Bloco vai a passo de cágado. Perdem o tempo numa
reunião a discutir coisas insignificantes e acabam aborrecendo-se mutuamente.
Contudo, creio que faremos bom trabalho.”139

Em campanha

137
- Carta de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 01/09/1928
(ASMOB).
138
- Carta de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 08/09/1928
(ASMOB); Carta de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 10/09/1928
(ASMOB); Carta de Plínio [Mello] a Astrojildo [Pereira]. São Paulo 14/09/1928; Moacyr Nogueira.
Em torno das eleições municipais. A propósito de uma carta...falsa. O Combate. São Paulo,
06/11/1928, p. 5.
139
- Carta de João [Freire de Oliveira] a Cam. Astrojildo [Pereira]. Santos, 16/09/1928
(ASMOB);
414

No dia 28 de setembro foi publicamente lançada a candidatura de Everardo


Dias, respaldada por indicações feitas em assembléia que reuniu os Comitês
Eleitorais dos gráficos, sapateiros, empregados na indústria hoteleira, tecelões,
eletricistas e empregados no comércio140. Em relação à campanha de fevereiro é
de notar-se o aumento do número de Comitês Eleitorais (no caso, tecelões e
eletricistas) e a ausência do Centro Político Proletário do Brás.

Everardo Dias.

Como ocorrera com a candidatura de Manoel Nestor Pereira Júnior, o


anúncio oficial fora antecedido por uma série de artigos, desta vez assinados por
Moacyr Nogueira e que foram publicados no ritmo da evolução da campanha.
Assim, nos primeiros textos Nogueira fazia uma didática introdução sobre a
questão da importância de um partido operário e da participação eleitoral. Depois,
abordou a questão das qualidades requeridas para ser um candidato operário, no
mesmo dia em que seu nome era anunciado. Finalmente, em outro artigo,

140
- Relatório de Everardo Dias a Camaradas da C.C.E. do B.O.C.. São Paulo, 04/11/1928, p.
1 (ASMOB).
415

mostrava a relevância de um programa partidário na mesma data em que se


publicava a plataforma para a campanha141.
Fundados na divisão da sociedade em apenas duas classes, os textos de
Nogueira mostravam que era necessário superar a “balela da conciliação de
classes”, que servia apenas para “retardar a marcha dos acontecimentos, de
eternizar a ignorância e a ilusão em que vivem os trabalhadores”. Somente a
existência de um partido de defesa dos interesses dos proletários e por eles
constituído é que permitiria sobrepujar esta situação. Só havia lugar, na lógica
dicotômica de Nogueira, para um partido do proletariado, pois todo aquele que
não defendia “exclusivamente os interesses do proletariado é um partido da
burguesia”. E o partido do proletariado, o partido dos trabalhadores, já existia: era
o BOC, o qual possuía uma política de classe independente, um programa de
classe, enfrentava as “maquinações da política adversa” e buscava organizar
politicamente a classe proletária142. Mas se faziam necessários alguns requisitos,
que Nogueira via preenchidos na figura de Everardo Dias, para representar este
partido no parlamento: era necessário ser um militante proletário – o que
significava naquela conjuntura ser militante comunista e uma alusão negativa ao
nome de Manoel Nestor Pereira Júnior -, conhecer a fundo a situação dos
trabalhadores e estar habituado ao calor das discussões.
Este discurso didático e dicotomizado, exposto na série de artigos de
Nogueira, era também a base do manifesto no qual se apresentou a candidatura
de Everardo Dias e o programa do BOC-SP. Neste manifesto143, lançado em um
momento no qual, avaliavam os comunistas, além de viverem coagidos entre uma
miserável situação econômica e uma repressão policial, os trabalhadores estavam

141
- Moacyr Nogueira. Como escolher nossos candidatos?. O Combate. São Paulo,
24/09/1928, p. 2; Moacyr Nogueira. Nosso programa. O Combate. São Paulo, 26/09/1928, p. 3.
142
- Moacyr Nogueira. O que o operariado precisa saber. O Combate. São Paulo, 18/09/1928,
p. 3; Moacyr Nogueira. O partido dos trabalhadores. O Combate. São Paulo, 19/09/1928, p. 2;
Moacyr Nogueira. Política independente de classe. O Combate. São Paulo, 20/09/1928, p. 3; Moacyr
Nogueira. Contra a mistificação. O Combate. São Paulo, 21/09/1928, p. 2; Moacyr Nogueira. Como
escolher nossos candidatos?. O Combate. São Paulo, 24/09/1928, p. 2.
143
- C.R. do B.O.C.. Manifesto aos trabalhadores de São Paulo. O Combate. São Paulo,
26/09/1928, p. 3. Ele também foi duas vezes reproduzido na Praça de Santos em suas edições de
04/10/1928, à página 5, e 30/10/1928, à página 4.
416

desorganizados sindicalmente e eram “arregimentados quase à força, pelos


partidos da burguesia que os obrigam, desse modo, a contrariar os seus próprios
direitos mais elementares”. Tal situação fazia com que os trabalhadores, de
maneira inconsciente, servissem, econômica e politicamente, “os interesses do
patronato e não lutando pelos seus interesses de classe”. Dentro deste quadro,
ao apoiarem um partido que não o seu, os trabalhadores faziam a política da
burguesia contra o proletariado. Esta política era a do PRP, considerado como um
partido genuinamente de classe, o partido dos grandes proprietários e
capitalistas.
Mas o manifesto também fazia referência aos democráticos. Dizia que estes
tinham um programa vago e desenvolviam uma atividade em que não davam
atenção aos problemas da maioria da população, contrariando muitas vezes, na
verdade, tais interesses e não passavam de “mistificadores da grande massa
popular”. Por isso, os comunistas avaliavam que o Partido Democrático de São
Paulo não merecia o apoio do proletariado e da classe média. Esta observação,
aliás, mostrava que o BOC-SP, ao dirigir-se à classe média, mais de uma vez
mencionada neste manifesto, tencionava influenciá-la e nela disputar
politicamente espaço com os democráticos, os quais, desse modo, estavam
descartados de qualquer política de aliança ou frente única.
Os trabalhadores de São Paulo, por sua vez, tinham reivindicações – e o
manifesto passava a transcrever do programa de 1927 uma longa série delas - e
estas faziam parte do programa do BOC, o qual, por meio de seu candidato, se
dispunha a defendê-las na Câmara Municipal de São Paulo. Assim, o texto
fechava o circuito.
Todavia, este esforço didático revelava-se praticamente inútil, pois a
paralisia a que a direção do BOC-SP o submeteu de fevereiro a setembro o
impediu de realizar um trabalho consistente de organização e alistamento de
eleitores, repetindo-se o mesmo quadro do início do ano. Ainda havia um
agravante, enquanto em fevereiro se cometera um erro por inexperiência, em
outubro se perpetrava outro por incompetência. Ou seja, se partia praticamente
417

do zero nesta nova campanha eleitoral, ficando nítida a falta de acúmulo de


experiência. Além disso, quando se recorda que a primeira campanha do BOC-SP
iniciou-se em meio a greves e mobilizações por reivindicações dos trabalhadores
paulistanos, e que tal quadro não ocorria naquele mês de setembro de 1928,
pode-se também encontrar mais um elemento a indicar que a campanha eleitoral
não apontava resultados promissores.
Preocupado com esta situação, a CCE determinou que Astrojildo Pereira,
designado para ir a Buenos Aires submeter ao Secretariado Sul-Americano da
Internacional Comunista os projetos de teses propostos para discussão ao III
Congresso do PCB, passasse por São Paulo para discutir a campanha, além de
remeter recursos (duzentos mil réis - 200$000) para sua realização144.
Com tais recursos foi possível a realização de uma modesta campanha, por
meio da publicação de panfletos, alguns poucos cartazes (que foram afixados no
centro “e num ou outro bairro proletário”) e cédulas (estas em número de 5.000),
que subsidiavam os comícios e outras atividades organizados pelo BOC-SP.
Foram levados a efeito apenas cinco comícios durante toda esta campanha,
sendo todos eles feitos à revelia da Polícia, que proibira a realização de comícios
na Capital sob o pretexto de que era preciso prevenir a repetição dos episódios
que resultaram no empastelamento do jornal paulistano pró-facista Il Piccolo145.
Dois deles, os realizados no Largo da Luz e no Largo da Concórdia, receberam
pequenas notas da imprensa. Em ambos, sem a presença do candidato, falaram
as principais figuras do PCB em São Paulo, Plínio Mello, Aristides Lobo, Manoel
Medeiros e Reis Perdigão, que buscavam enfatizar a questão da necessidade do
voto no partido e candidato operários e mostrar que “tanto o perrepista como o
democrático não poderão defender os interesses vitais dos trabalhadores, visto
que terão de contrariar os seus próprios interesses e do patronato a que eles

144
- Ata da reunião da C.C.E. do P.C.B., de 30/09/1928 (RGASPI).
145
- Moacyr Nogueira. Em torno das eleições municipais. A propósito de uma carta...falsa. O
Combate. São Paulo, 06/11/1928, p. 5; Carta de Everardo Dias a Camaradas do C.C.E. do B.O.C..
São Paulo, 04/11/1928, p. 1 (ASMOB); Aristides Lobo. O empastelamento de “Il Piccolo”. O
Combate. São Paulo, 27/09/1928, p. 2.
418

estão ligados”146. No caso dos comícios, estes foram feitos em locais de


concentração popular, que reunia um público mais heterogêneo, e não defronte a
fábricas, demonstrando a busca de diálogo com um público mais diversificado.
Por outro lado, tal opção demonstrava as dificuldades que os comunistas
paulistas possuíam em desenvolver suas atividades e penetrar nos locais de
trabalho, como observou Octavio Brandão:

“Essa era a nossa ambição: transformar os militantes sindicais em líderes


políticos. [...] Aristides Lobo levou anos e anos, o partido insistindo: ‘Vá às fábricas,
vá conversar com os operários’. E ele dizia: ‘Eu não sei conversar com os
operários’. ‘Mas meta a cara; também nós não sabemos, nós vamos à hora do
almoço para a porta da fábrica conversar’. Levamos anos e anos e não
conseguimos nada de nada com Aristides Lobo. [...] Era estudante do Pedro II,
jovem eu o conheci, muito boa pessoa, família tradicional, mas não deu nada,
nada. Pegou cadeia e não fez nada. De modo que gente incapaz; gente capaz
num terreno, mas incapaz em outro terreno, e o resultado em São Paulo sempre foi
uma desgraça.”147

Também é indício dessa dificuldade o fato de os artigos publicados durante


a campanha, todos assinados por Moacyr Nogueira148, e nos quais se expunham
os principais pontos da plataforma do BOC, terem um caráter muito mais
doutrinário que agitativo, repetindo-se aqui o que havia observado João Freire de
Oliveira a respeito dos artigos de Everardo Dias sobre a questão da organização
sindical. Tais artigos procuravam expor, de modo abstrato, questões como
higiene, habitação, salário mínimo, etc., vinculando-as sempre à organização do
partido operário e encerrando-se de maneira ritual com um parágrafo em que se
fazia um apelo à votação na candidatura do BOC. Com a única exceção da
questão do salário mínimo, não se usavam exemplos concretos e palpáveis à
experiência dos trabalhadores de São Paulo para demonstração dos seus

146
- Bloco Operário e Camponês. O que foram os comícios de ontem. O Combate. São Paulo,
15/10/1928, p. 6.
147
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 38.
148
- Moacyr Nogueira. Educação proletária. O Combate. São Paulo, 03/10/1928, p. 2; Moacyr
Nogueira. Salário mínimo. O Combate. São Paulo, 09/10/1928, p. 3; Moacyr Nogueira. Aumento de
salários. O Combate. São Paulo, 10/10/1928, p. 5; Moacyr Nogueira. Habitação operária. O Combate.
São Paulo, 13/10/1928, p. 3; Moacyr Nogueira. Higiene. O Combate. São Paulo, 16/10/1928, p. 3;
Moacyr Nogueira. Luta de classes. O Combate. São Paulo, 19/10/1928, p. 5;
419

postulados. Era uma postura extremamente racional, de exposição de um


conjunto de princípios que serviam de base ao comunismo, porém era feita em
meio a uma campanha eleitoral, onde o que se buscava era, antes de tudo, a
conquista de um voto e não apenas de mais um militante comunista, com uma
elevada consciência de classe, como parecia transparecer de tais artigos.
Dentre algumas atividades levadas a efeito pelo BOC-SP, é importante
destacar o ato público de assinatura de termo de renúncia ao mandato assinado
por Everardo Dias, preconizado nos Estatutos do BOC, realizado no dia 12 de
outubro, na sede da União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo. Depois de
adiado uma vez em razão de fortes chuvas, “na sociedade burguesa até o clima
persegue o proletariado” comentara o redator da coluna “Movimento Operário” de
O Combate, foi o evento ali realizado, com discursos do candidato, do dirigente
da UTG-SP Manoel Medeiros e do jornalista Reis Perdigão. Tal ato, também
caudatário da postura acima assinalada sobre o caráter mais doutrinário
assumido na campanha, foi uma tentativa de criar um fato político aos olhos dos
eleitores a partir de uma questão que era um claro diferencial entre o BOC e os
demais partidos políticos então existentes: o fato de o mandato do parlamentar
ser detido pelo partido e não pelo indivíduo. Na verdade, como veremos no caso
da saída de Azevedo Lima do BOC, não havia meios jurídicos para fazer valer
este documento, já que a legislação eleitoral permitia a possibilidade de se
apresentarem candidaturas avulsas. Estas, na estrutura político-partidária da
República Velha, eram a materialização da tese de que o mandato era uma posse
individual e a prova de que aquela cultura político-partidária era calcada em
personalidades e infensa a partidos que fossem a representação de interesses
político-econômicos e sociais distintos. No dizer de um candidato:

“Os partidos políticos no Brasil sempre foram partidos sem princípios e sem
programas. Movimentam-se, apenas, em torno de interesses e compromissos
pessoais, numa política de pacotilha indesejável e indecorosa.
A Coligação Operária em Santos, e os Blocos Operário e Camponeses hoje
instalados por quase todo o país, é que vieram romper com essa rotina hereditária,
inaugurando no Brasil a política em torno de partidos de programas e princípios.
420

É por essa razão que hoje os partidos Republicanos e Democráticos foram


obrigados a apresentar programas.
Fomos nós, pois, que os forçamos a essa atitude.”149

O pleito

Na véspera da eleição a imprensa paulistana divulgou entrevistas de


Everardo Dias. Através de suas declarações já era possível perceber que o
resultado das eleições não seria muito alentador ao BOC-SP. De fato, logo após a
eleição, admitiu-se que “a derrota era esperada por todos”150. Em uma das
entrevistas publicadas antes do pleito, concedida ao Diário da Noite, Dias admitiu
que o BOC-SP não possuía “uma forte arregimentação eleitoral”. Em outra, dada
a O Combate, notava-se a completa falta de conhecimento do que os comunistas
julgavam ser o seu eleitorado, confirmando, de forma até ingênua, o nulo
alistamento eleitoral promovido pelo BOC-SP, o malogro de sua propaganda e um
escasso contato efetivo com os eleitores. Embora extensa, é importante
transcrever a resposta de Dias. Indagado pelo jornalista se julgava que iria ser
eleito, o candidato operário respondeu:

“O regime eleitoral de S. Paulo não pode dar a nenhum candidato


oposicionista a certeza de que será eleito. Em todo caso é sabido que a grande
maioria do eleitorado desta capital é constituída de trabalhadores; há no mínimo
45.000 operários alistados. Descontando-se desse número os elementos já
comprometidos com os partidos da burguesia a aqueles que não têm bastante
consciência de classe, a fim de compreender que deixando de votar no candidato
operário para votar no candidato burguês, ele está fazendo a política do patronato
contra os trabalhadores – a décima parte ao menos, isto é, 4.500 eleitores
operários poderão sufragar o nome do candidato da sua classe. Reduzamos esse
número, ainda, à terça parte e teremos 1.500 votos que são mais ou menos, o
quociente eleitoral com que cada candidato poderá ter como garantir a sua eleição.
Não haverá acaso, no seio da massa trabalhadora de S. Paulo, 1.500
eleitores operários que percebam a necessidade de eleger um legítimo

149
- Vida Operária. Só os ricos devem pagar impostos – disse-nos, ontem, o candidato operário
Mário de Castro. Vida Operária. Praça de Santos. Santos, 11/10/1928, p. 4.
150
- Moacyr Nogueira. Em torno das eleições municipais. A propósito de uma carta...falsa. O
Combate. São Paulo, 06/11/1928, p. 5.
421

representante de sua classe, a fim de que ela tenha na Câmara Municipal um


porta-voz dos seus interesses e aspirações?
No caso, porém, de o B.O.C. não ver eleito o seu candidato em primeiro
turno, é quase certo ser ele o mais votado em 2º turno; isto porque os eleitores
operários já comprometidos procurarão por todos os meios incluir o nome do
candidato operário entre os dos outros candidatos. Vários companheiros nessas
condições, isto é, já comprometidos como P.R.P. ou com o P.D., nos garantiram
que iriam fazer isso...”151

Esta impressão de amadorismo pode também ser confirmada pelo


dispositivo que foi posto nas ruas para fiscalizar as 257 seções espalhadas pela
cidade de São Paulo: 6 ou 7 fiscais, “para as seções mais importantes”. Além
desse escasso número de pessoas trabalhando em um enorme universo de
seções, em eleições tradicionalmente fraudulentas, o BOC-SP, em uma
demonstração de desmedida inocência, acreditava que haveria uma espécie de
“união” da oposição no que se refere à fiscalização do pleito. Mais tarde, um dos
dirigentes do BOC-SP teve de confessar publicamente as conseqüências da
ingenuidade cometida:

“É preciso que se saiba o seguinte: O B.O.C., confiando em que a


fiscalização democrática, dados os propósitos ‘regeneradores’ desse partido, seria
bastante para evitar as fraudes perrepistas, não se preocupou tanto com a
fiscalização do pleito como com a propaganda e distribuição de cédulas nos
colégios eleitorais; por isso, destacou apenas alguns fiscais, 6 ou 7, para as
seções mais importantes. Na hora da apuração, porém, os perrepistas acharam
que seria mais prático aumentar com os sufrágios dados a Everardo a votação de
seus próprios candidatos; e, é necessário que se deixe bem frisado, tiveram como
auxílio nessa transformação a cumplicidade dos fiscais democráticos, que, não só
se abstiveram de protestar devidamente, como até, segundo informações seguras
que tivemos, em certas seções chegaram a ‘rachar’ a votação obtida por Everardo
Dias e Arlindo Amaral...”152

Como nos outros casos que já examinamos, não temos números exatos
sobre o eleitorado da cidade de São Paulo, embora os dados acima apresentados

151
- As próximas eleições municipais e o proletariado. “O Combate” entrevista o candidato
operário Everardo Dias. O Combate. São Paulo, 2910/1928, p. 3. A entrevista ao Diário da Noite está
na página do BOC-SP de O Combate, chamada Folha do Bloco Operário e Camponês: O que disse
ao “Diário da Noite” o candidato operário Everardo Dias. O Combate. São Paulo, 20/10/1925, p. 5.
152
- Plínio Mello. Em torno das eleições municipais. Rebatendo as pretensões de um lacaio da
burguesia. O Combate. São Paulo, 13/11/1928, p. 5.
422

por Everardo Dias nos pareçam um pouco subestimados. Os dados censitários


mais próximos de 1928 são os referentes a 1920, com os problemas já
assinalados. Os do censo paulista de 1934 nos informam apenas os números
mais globais.
De acordo com o Censo de 1920, São Paulo possuía 579.033 habitantes,
sendo 294.007 do sexo masculino, e 285.026 do sexo feminino. Os dados do
censo paulista de 1934 informavam que a população paulistana havia aumentado
quase 78,5% nesses 14 anos, passando a 1.033.202 habitantes.
A cidade de São Paulo era notoriamente conhecida pelo grande número de
estrangeiros que nela habitavam. O Censo de 1920 indicava a existência de
205.245 estrangeiros - ou seja, 35,4% da população - na capital paulista,
dividindo-se em 109.809 homens e 95.436 mulheres. Entre os estrangeiros,
91.544 eram de nacionalidade italiana, sendo seguidos, com 64.687, pelos
portugueses. Já no censo paulista de 1934, embora o número de imigrantes na
cidade de São Paulo houvesse nominalmente aumentado para 289.058, a sua
participação relativa já diminuíra para 28% da sua população153.
Portanto, deste universo, para a determinação do número de eleitores
possível, excluíam-se as mulheres e os homens de nacionalidade estrangeira, o
que deixava 183.384 homens. Destes, apenas 59.346 possuíam mais de 21 anos,
dos quais excluíam-se os 539 praças de pré, os 310 religiosos e 2.520 habitantes
sem profissão, totalizando, portanto, 55.977 pessoas sem direito a voto, faltando
ainda descontar o número de analfabetos.

153
- Os dados foram retirados de Brasil. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil realizado em 1º de Setembro de 1920, Vol.
IV – População (5 partes), passim; de José Francisco de Camargo. Crescimento da população no
Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos (Ensaio sobre as relações entre a Demografia e a
Economia), passim; e de São Paulo. Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e
Comércio e Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Comissão Central de
Recenseamento. Op. cit., passim. Os dados divulgados do censo paulista de 1934 (São Paulo.
Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio e Secretaria de Estado dos
Negócios da Educação e Saúde Pública. Comissão Central de Recenseamento. Recenseamento
demográfico escolar e agrícola-zootécnico do Estado de São Paulo (20 de Setembro de 1934)) não
discriminaram as nacionalidades que compunham a população estrangeira que vivia no Estado,
apenas o seu total.
423

Quanto aos analfabetos, mantivemos a fórmula de cálculo anteriormente


utilizada. Na cidade de São Paulo havia 11.195 homens brasileiros com idade
superior a 15 anos que eram analfabetos. Assim, se a população masculina
brasileira de São Paulo com idade superior a 15 anos totalizava 90.083, os
habitantes com idade entre 15 e 20 anos (30.737) equivaliam a 34,12% desse
total. Este percentual correspondia a 3.820 habitantes da capital do Estado de
São Paulo, com idade superior a 15 e inferior a 21 anos, que não sabiam ler nem
escrever. Logo, pode-se supor que havia 7.375 analfabetos com idade superior a
21 anos em São Paulo.
Teríamos, portanto, em 1920, 48.602 habitantes de São Paulo que
potencialmente tinham condições de ser eleitores. No entanto, a realidade da
qualificação eleitoral, com fraudes incluídas, era muito inferior a estes números.
Na eleição presidencial de 01/03/1922 alistaram-se para votar 19.460 eleitores
paulistanos, dos quais compareceram 13.327 às seções eleitorais154.
No dia 30 de outubro de 1928, participaram das eleições municipais 35.727
eleitores, que foram às urnas para escolher o prefeito e os 16 vereadores à
Câmara Municipal da Capital nas 257 seções dos 25 distritos de paz em que se
dividia a cidade155. Em tese, em razão do limite máximo de 250 eleitores por
seção, haveria 64.250 eleitores alistados na cidade de São Paulo. A presença
daquele número de eleitores fez com que o quociente eleitoral para se eleger um
vereador em primeiro turno fosse de 2.332 votos. Além do candidato do BOC-SP,
aos paulistanos foram apresentadas duas chapas: uma completa, com 16
membros, do PRP e outra, de dez integrantes, do Partido Democrático.
Apesar das promessas por parte do governo estadual de garantir a
normalidade do pleito, as coisas não ocorreram deste modo. Fraudes e violências

154
- Correio Paulistano. São Paulo, 28/03/1922 apud José Ênio Casalecchi. O Partido
Republicano Paulista (1889-1926), p. 265.
155
- Eram os seguintes os distritos de paz da Capital e suas respectivas seções: Belenzinho (10
seções), Bela Vista (18), Bom Retiro (29), Brás (15), Butantã (2), Cambuci (6), Cantareira (4),
Consolação (13), Ipiranga (8), Itaquera (4), Jardim América (9), Lapa (14), Liberdade (10), Mooca
(12), Nossa Senhora do Ó (5), Osasco (6), Penha de França (6), Perdizes (12), Santana (10), Santa
Cecília (19), Santa Efigênia (10), São Miguel (2), Saúde (4), Sé (14) e Vila Mariana (8) (Cf. Em todo
424

desenrolaram-se livremente. De acordo com a imprensa de oposição tais fatos


nunca haviam tomado anteriormente esta dimensão:

“Em verdade, jamais na história política e cívica do país se constataram, e


jamais prazam os céus que se constatem – para salvaguarda de nossa vergonha
de brasileiros e de paulistas – tão desbragados atentados à lisura de um pleito
eleitoral, tão maquiavélicos manejos contra a crença cívica de um povo, tão
sorrateiro desbaratamento dos ideais de uma população.”156

Os episódios sucederam-se por toda a cidade. Eis alguns deles,


denunciados pela imprensa e pela oposição: irregularidades das listas eleitorais;
recusa de fiscais; mesários ilegais; livros não rubricados; instalação ilegal de
mesas; seções que tiveram cerca de 500 ou 600 eleitores presentes,
apresentaram atas com resultados que assinalavam o comparecimento de 1.500
pessoas; eleitores, os chamados “fósforos”, que votavam em mais de uma seção;
menores votando até duas vezes; criação de “postos de fabricação de carteiras
eleitorais perrepistas, em plena rua, à luz do sol”; pessoas fazendo uso de títulos
eleitorais que não lhes pertenciam; capangas armados e policiais circulando nas
seções para garantir tais fraudes e intimidar eleitores. Tais eventos se deram
abertamente, não se incomodando os perrepistas sequer com a presença, como
“observador”, do deputado oposicionista gaúcho Baptista Luzardo. Em um
comentário atribuído, e não desmentido, ao chefe de polícia de São Paulo, e
publicado na imprensa carioca, este teria afirmado que:

“Já sabeis como pensa o futuro presidente da República [referência ao


governador de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque, dk]: em assunto político
quem não é por nós, é contra nós! Aquele que souberdes que pretenda ter o
audacioso gesto de votar contra o nosso Partido, colocai sobre a ponta dos sabres
ou sobre a rigidez dos cacetes policiais.”157

o Estado realizam-se hoje, com animação, eleições municipais. A luta na Capital. As ocorrências em
Piracicaba. O Combate. São Paulo, 30/10/1928, p. 1).
156
- A vergonheira das eleições. A ciência da fraude, o requinte da fraude, numa lição que S.
Paulo político dá ao Brasil. O Combate. São Paulo, 01/11/1928, p. 1.
157
- Comentário do “Diário Carioca” em torno do pleito paulista. O Combate. São Paulo,
01/11/1928, p. 1.
425

Os acontecimentos foram de tamanha monta que repercutiram por todo o


País. No entanto, apesar dos protestos e denúncias, os objetivos dos seus
promotores foram alcançados: ao final do pleito foram eleitos apenas os
candidatos do PRP158.
No próprio dia 30 de outubro o BOC-SP foi à imprensa explicar o pífio
resultado da eleição, 44 votos, os quais, ao final da apuração, se transformaram
em 82 sufrágios. “Não fomos derrotados, e, sim, roubados”, esclareceu Plínio
Mello. Para justificar sua afirmativa, Mello desenvolveu o raciocínio de que aquele
total de votos não era plausível em função da agitação e propaganda realizadas
durante a campanha e das 5.000 cédulas eleitorais distribuídas, o que, de acordo
com seus cálculos, no mínimo, resultaria em 500 votos, o que seria, “ao menos
uma demonstração de força política”. O que acabou ocorrendo, na opinião de
Mello, foi a apropriação dos votos ou sua subtração da apuração, como resultado
do temor que os inimigos do BOC-SP tiveram da “ascendência do proletariado na
vida política de São Paulo”. Ao final de sua entrevista, o dirigente do BOC-SP
acabou confessando que “fomos ao pleito sem que tivéssemos ainda uma
159
organização política disciplinada com alistamento eleitoral próprio” . Ou seja, o
BOC-SP apenas empenhara-se em agitação e propaganda e não havia
construído nenhuma organização capaz de tomar parte em uma disputa eleitoral.
Em entrevista à imprensa carioca, o candidato Everardo Dias reiterou a linha
de fraude e acrescentou que faltou “consciência de classe ao proletariado de São
Paulo, que não sabe defender os seus interesses”. Isto, na opinião do candidato,
somente poderia ser superado com a constituição de uma “forte organização
política” que pudesse enfrentar nas urnas vitoriosamente os seus adversários. De
qualquer modo, concluía Dias, a eleição servira para colocar na cena política de

158
- Ecos da vergonheira de 30 de outubro. Os estudantes de Direito dirigem-se ao povo
brasileiro. O pleito da Capital. Pela contagem verificada, não foi eleito nenhum dos candidatos
democráticos. As eleições realizadas em diversos distritos da Capital. O Combate. São Paulo,
13/11/1928, p. 6.
159
- Bloco Operário e Camponês. O Combate. São Paulo, 31/10/1928, p. 5. Os mesmos
argumentos estão na carta de Plínio Mello a Astrojildo Pereira. São Paulo, 05/11/1928 (ASMOB).
426

São Paulo o Partido dos Trabalhadores160. O candidato também enviou um


relatório ao Comitê Central do BOC, onde historiava sumariamente a campanha
eleitoral e detalhava as fraudes das quais teria sido vítima a seção paulista,
atribuindo a derrota, sobretudo, à ausência de militância suficiente e organização
para atuar nas seções eleitorais, pondo-se de acordo, neste ponto, com a postura
acima exposta por Plínio Mello. Neste relatório não se tocava na questão da falta
de consciência de classe.
No entanto, em um segundo relatório, ao Comitê Central do BOC, datado de
quase quinze dias depois, e desta vez assinado pelo seu Comitê Regional de São
Paulo, o tema da consciência de classe voltou a ser tratado:

“De qualquer forma, porém, é preciso patentear a dolorosa impressão que


nos fica do nível de consciência dos trabalhadores de São Paulo. Sua mentalidade
é, nitidamente, pequeno-burguesa. A ilusão democrática e a balela de que ‘o
operário de hoje será o capitalista de amanhã’ dominam a maioria.
Apesar da fraude desbragada, a votação obtida pelo candidato operário
deveria e poderia ser bem maior, se os nossos trabalhadores possuíssem uma
gota de consciência.”

Além disso, houve neste segundo relatório um aspecto incomum, que foi o
reconhecimento da responsabilidade da militância comunista nos resultados:

“Mas, não culpemos a massa de todos os desastres. A vanguarda merece,


bem mais a aspereza de uma crítica severa e enérgica. A maioria dos nossos
militantes não é digna, sequer, deste nome. Tem sido, sempre, um fato
verdadeiramente irritante a inércia e a indisciplina irremediáveis da quase
totalidade dos nossos camaradas. Dura e angustiosa verdade!”161

Evidentemente, do mesmo modo que vimos no início desta seção, na carta


de Plínio Mello a Astrojildo Pereira, de 27 de maio, acima citada, e também em
outras eleições, a direção do CR-SP do PCB, a direção do BOC-SP e suas

160
- As eleições paulistas. Um dos principais órgãos da imprensa local assevera que houve as
mais reprováveis irregularidades. Palavras de um candidato. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
01/11/1928, p. 2.
161
- Comitê Regional do BOC. As eleições paulistas e o B.O.C.. São Paulo, 18/11/1928, p. 2.
427

respectivas orientações eram caucionadas pela infalibilidade, razão pela qual


colocavam-se acima do bem e do mal.
A questão da “falta de consciência de classe” foi tratada, também, pelo
dirigente do CR-SP Aristides Lobo em um artigo publicado em O Combate. Este,
além disso, apresentou uma cifra bem menor de sufrágios, duzentos, que,
potencialmente, Dias teria obtido162. Além de demonstrar a falta de acordo entre
os dirigentes comunistas a respeito de números e projeções, estas diferenças de
dados serviam para mostrar, na verdade, um profundo desconhecimento do
eleitorado paulistano por parte dos membros da seção paulista do Bloco.
Além destas avaliações, o resultado da eleição foi também tema de uma
polêmica travada pelos dirigentes do BOC-SP com o jornalista Robespierre de
Mello163. Ao comentar os 44 votos dados a Everardo Dias, afirmava que tal
resultado mostrava que o BOC-SP não gozava de nenhuma influência entre os
cinqüenta mil trabalhadores paulistanos, ou, então, a escolha da candidatura fora
infeliz, porque não teria a simpatia do operariado. Para demonstrar sua tese,
Robespierre de Mello exemplificava com o caso da União dos Trabalhadores
Gráficos de São Paulo, à qual Dias era filiado, e que possuía dois mil sócios.
Caso todos estes, com o apoio de outros tantos trabalhadores, houvessem votado
em Dias, este teria sido eleito, de acordo com Robespierre de Mello. Além disso,
Robespierre de Mello, tocando também na questão da consciência de classe dos

162
- Aristides Lobo. Verdade que se confirma. O Combate. São Paulo, 03/11/1928, p. 2.
163
- R. L.. Em torno das eleições municipais. A falência do Bloco Operário e Camponês. Ou
isso, ou então Everardo Dias não é da simpatia do operariado paulista. O Combate. São Paulo,
05/11/1928, p. 4 [Em razão de um erro tipográfico o artigo saiu com a identificação aqui assinalada,
ao invés de R.M..]; Moacyr Nogueira. Em torno das eleições municipais. A propósito de uma carta ...
falsa. O Combate. São Paulo, 06/11/1928, p. 5; A. Paulino. Em torno das eleições municipais. A
falência do Bloco Operário e Camponês. Ou isso, ou então Everardo Dias não é da simpatia do
operariado paulista. O Combate. São Paulo, 08/11/1928, p. 6; R. M. Em torno das eleições
municipais. A falência do Bloco Operário e Camponês. Ou isso, ou então Everardo Dias não é da
simpatia do operariado paulista. O Combate. São Paulo, 10/11/1928, p. 4; Plínio Mello. Em torno das
eleições municipais. Rebatendo as pretensões de um lacaio da burguesia. O Combate. São Paulo,
13/11/1928, p. 5; Robespierre Mello. Em torno das eleições municipais. A falência do Bloco Operário
e Camponês. Ou isso, ou então Everardo Dias não é da simpatia do operariado paulista. O Combate.
São Paulo, 22/11/1928, p. 2; Aristides Lobo. Em torno das eleições municipais. As bobagens do
Robespierre... O Combate. São Paulo, 26/11/1928, p. 4; Everardo Dias. Ainda as eleições de 30 de
Outubro e o sr. R. M.. O Combate. São Paulo, 29/11/1928, p. 5; Robespierre de Mello. Em torno das
428

trabalhadores paulistanos, afirmava - em consonância, aliás, com o que também


manifestava a direção do BOC-SP, apenas de um modo mais brutal - que “a
cocaína do operariado de S. Paulo são hoje, incontestavelmente, o cinema e a
dança; e a prova está nas enchentes que ele mesmo proporciona diariamente às
sedes desses gêneros de diversões”164 A maioria das respostas que Robespierre
de Mello obteve ao seu insidioso dilema oscilou entre a irritação, com acusações
de pertencer às fileiras democráticas, perrepistas ou de ser um agente da polícia,
e as tentativas de justificativa para a derrota, mas centraram-se,
fundamentalmente, na explicação de que não seria possível a uma organização
com tão pouco tempo de vida ter condições de influir sobre a consciência de
classe dos trabalhadores e modificar a situação neste curto prazo, mas que, sem
dúvida, este era o seu objetivo. Embora dura, a resposta dada por Everardo Dias
pôs estas questões de maneira clara, servindo até para vários dos dirigentes
comunistas envolvidos no debate sobre o resultado do pleito:

“Achincalhar os operários porque não deram seus votos ao candidato


operário, e recomendando ao B.O.C. que se transforme em clube dançante, é,
pois, fazer obra puramente policial, é usar do derrotismo tão à feição da burguesia,
e que é incompatível com um lutador bem intencionado e até com um liberal
sincero. Se o operariado fosse consciente ao ponto em que o sr. R. M. esperava
que fosse, não só um candidato seria eleito, mas faríamos toda a Câmara, a lei de
férias seria um fato, a legislação não seria um engodo, as 8 horas não seriam uma
ficção e os bairros e subúrbios onde moram não seriam o que são: sujos,
descuidados, sem água, sem luz, sem higiene, sem conforto algum; os salários
não seriam os salários de fome que hoje são distribuídos, nem as injustiças e
brutalidade da parte dos industriais seriam permitidas. Se houvesse um
proletariado consciente, não se sujeitaria a um regime de escravidão e de fome,
como o que presentemente padece... E é para sair deste estado que lutamos. A
massa explorada não nos ouviu no setor político, por meio do B.O.C.? Isso não nos
comove em nossas convicções: apenas nos leva a examinar melhor se essa
propaganda é útil e trará resultados profícuos ao proletariado. Mas esse é um
ponto que só deve ser discutido a seu tempo, e após a devida experiência. As

eleições municipais. A falência do Bloco Operário e Camponês. Ou isso, ou então Everardo Dias não
é da simpatia do operariado paulista. O Combate. São Paulo, 08/12/1928, p. 4.
164
- R. M. Em torno das eleições municipais. A falência do Bloco Operário e Camponês. Ou
isso, ou então Everardo Dias não é da simpatia do operariado paulista. O Combate. São Paulo,
22/11/1928, p. 2.
429

derrotas são para nós sempre grandes e severos ensinamentos, e as vezes


também se transformam em formidáveis triunfos.”165

Apesar do tom judicioso da resposta de Dias, o PCB acreditava que a


orientação adotada pelo BOC-SP no correr do ano de 1928 precisava ser
rediscutida, pois as duas campanhas conduzidas no correr do ano e suas
respectivas orientações mostraram situações que mantiveram a organização
isolada em relação ao movimento dos trabalhadores.
Tanto foi assim que, como já se mencionou, a situação de São Paulo foi
objeto da ordem do dia do III Congresso do PCB, que adotou como palavra de
ordem a consigna “À conquista de São Paulo!”. Nas suas considerações sobre o
assunto os comunistas não podiam deixar de concordar com a insuficiente
atividade levada a efeito pelo partido em um Estado com a preponderância
político-econômica que tinha São Paulo em relação ao Brasil. Além de propor a
realização de aprofundados estudos sobre a situação paulista, o III Congresso
determinou uma série de medidas organizativas (constituição da Federação
Sindical Regional, fundação da seção regional da Liga Antiimperialista, adesão à
Liga Antifascista, criação da seção regional do Socorro Proletário e formação de
sociedades esportivas e culturais) e fixou a necessidade da intensificação da
atividade do BOC-SP, que devia ser encarado como uma “organização política de
frente única das grandes massas de operários e camponeses” e não uma mera
fachada legal do PCB, como até então vinha ocorrendo. Mas, sem dúvida, a
deliberação que mais colocou em xeque a orientação do CR-SP até então
vigente, cuja direção era tão ciosa de sua capacidade como vanguarda do
proletariado paulista, foi a que definiu a necessidade do “reforçamento da base
orgânica e ideológica do Partido, com a exigência da mais rigorosa disciplina em
suas fileiras, maior educação teórica de seus membros e mais intenso
recrutamento de novos membros”166. Por intermédio de tal diretiva deixava-se

165
- Everardo Dias. Ainda as eleições de 30 de outubro e o sr. R. M.. O Combate. São Paulo,
29/11/1928, p. 5.
166
- PCB. Teses & resoluções adotadas pelo III Congresso do Partido Comunista do Brasil, p.
23.
430

claro que até ali praticamente nada se conseguira constituir em termos de


implantação do comunismo entre os trabalhadores de São Paulo.
ANEXO X

Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras – Finalidades (1928)

“Os fins do Comitê são:

Auxiliar a propaganda do Bloco Operário e Camponês;


Conquistar o maior número possível de aderentes entre as operárias, as domésticas, as
mulheres que vivem do próprio trabalho;
Distribuir manifestos;
Pregar cartazes;
Conseguir oradores trabalhadores nos comícios, festivais, reuniões dos sindicatos, etc;
Formar propagandistas que convençam as companheiras dos eleitores proletários e as
levem a conseguir dos companheiros a adesão ao Bloco Operário e Camponês;
Organizar companheiras que, no dia das eleições, realizem um trabalho intenso de
distribuição de chapas à frente das seções;
Conquistar o direito de voto para as mulheres trabalhadoras;
Colocar no Conselho Municipal, na Câmara e no Senado, mulheres pobres que saibam
defender os interesses das mulheres trabalhadoras de todo o Brasil.”

(FONTE: A Esquerda. Rio de Janeiro, 25/07/1928, p. 4)


432

ANEXO XI
“Programa da Coligação Operária para as eleições municipais de 1928

ATUAÇÃO POLÍTICA

A) A tarefa primordial da Coligação Operária consiste, por sua política independente


de classe, em chamar a massa proletária ao exercício efetivo e direto de seus direitos
políticos de classe.
B) Os candidatos da Coligação Operária estarão na Câmara Municipal inteiramente ao
serviço das lutas do proletariado em geral, apoiando sempre, política, moral e
materialmente, os operários e lavradores pobres em suas reivindicações econômicas ou
políticas, contribuindo assim praticamente para despertar, avivar e consolidar seu espírito de
classe.
C) Os representantes da Coligação Operária, sempre sujeitos às diretivas traçadas pela
Coligação Operária, formarão na Câmara Municipal verdadeiros e severos comitês de
controle sobre a política e os políticos burgueses.
D) Em matéria de impostos e problemas fiscais de qualquer natureza, a Coligação
Operária estabelece desde já como um dos princípios fundamentais de sua política o seguinte
postulado: SÓ OS RICOS DEVEM PAGAR IMPOSTOS.
E) Os serviços públicos devem visar servir aos interesses gerais da maioria da
população – que é a população laboriosa – e não apenas, em obras suntuárias, ao luxo da
maioria dos ricaços.

PROGRAMA NACIONAL

A Coligação Operária aceita em sua integridade o manifesto de 5 de janeiro de 1927 e


as diretivas políticas traçadas pelo Bloco Operário e Camponês do Brasil, que serão
defendidas pelos representantes da Coligação Operária, na sua atividade política, de acordo
com as possibilidades que se lhes oferecerem e feitas as necessárias adaptações às condições
objetivas do município de Santos.

CONTRA O IMPERIALISMO

A Coligação Operária na Câmara Municipal orientará sua atividade no sentido da luta


mais encarniçada contra o imperialismo das grandes potências financeiras. Dentro desta
orientação, os seguintes pontos serão visados:
A) Oposição a todo novo empréstimo municipal;
B) Revisão dos contratos das empresas capitalistas estrangeiras concessionárias de
serviços do município;
C) Municipalização da água, bondes, luz, gás, moagem de trigo e milho, matança e
distribuição de carne em geral.

LEGISLAÇÃO SOCIAL
433

Sempre obedecendo ao princípio das soluções proletárias radicais, serão encarados


pelos representantes da Coligação Operária na Câmara Municipal todos os problemas em
matéria de legislação social, condições de trabalho, problemas de higiene e assistência social,
no lar, na rua, na fábrica, na oficina, no comércio, nos transportes, no sub-solo, na lavoura
etc. Assim é que reivindicaremos, entre outras medidas:
1º) Generalização da jornada de 8 horas de trabalho e, complementarmente, da semana
inglesa, ou sejam, 44 horas de trabalho por semana, e redução a 6 horas diárias nos
trabalhos malsãos;
2º) Proteção efetiva às mulheres operárias, aos menores operários, com a proibição do
trabalho a menores de 14 anos, garantindo a municipalidade aos pais proletários os meios de
subsistência e educação desses menores;
3º) Salário mínimo (para isso a Coligação Operária bater-se-á pela revisão dos
ordenados dos empregados em geral da Cia. Docas, City, S. P. R. e Telephonica,
aumentando-os de acordo com os seus lucros globais, a fim de equipará-los ao alto custo de
vida);
4º) Contratos coletivos de trabalho;
5º) Seguro social a cargo do município e do patronato, contra o desemprego, a
invalidez, a enfermidade, a velhice (com referência às atuais caixas de pensões, os
representantes da Coligação Operária pugnarão pela reforma das mesmas, no sentido, entre
outros, de serem as mesmas abastecidas unicamente por porcentagens retiradas do capital e
nunca do trabalho);
6º) Tratamento médico e salário integral aos acidentados a cargo dos patrões. As
enfermidades derivadas pelo trabalho devem ser consideradas como acidentes;
7º) Criação de Bolsas do Trabalho, controladas pelas associações dirigidas por
operários;
8º) Enérgica repressão ao jogo, ao alcoolismo e à prostituição;
9º) Licença às operárias grávidas de 60 dias antes e 60 dias depois do parto, com
pagamento integral dos respectivos salários;
10º) Extinção dos serões e extraordinários;
11º) Descanso semanal em todos os ramos do trabalho, na indústria, no comércio, nos
transportes, na lavoura etc.;
12º) Regulamentação do trabalho noturno, restringindo-o às estritas necessidades do
município;
13º) Estabelecimento do trabalho diurno nas padarias e ainda o descanso semanal por
turmas e horários nos hotéis, restaurantes, bares, cafés, confeitarias, leiterias, botequins e
similares;
14º) Fechamento integral do comércio nos dias feriados nacionais, estaduais e
municipais;
15º) Estabelecer o uso obrigatório das capotas nas boléias e freios nas rodas dos
veículos de tração animal;
16º) Proibição da dormida nos locais de trabalho;
17º) Água filtrada nas oficinas, fábricas, armazéns, escritórios etc.;
18º) Limpeza e renovação do ar nos locais de trabalho;
434

19º) Fiscalização e distribuição das tarefas nos locais de trabalho pelos sindicatos e
comitês constituídos e dirigidos por operários, a fim de evitar que trabalhadores sejam
empregados por tempo indeterminado em certos serviços prejudiciais à saúde;
20º) Saneamento rural sistemático, visando a regeneração física e moral dos
trabalhadores agrícolas, a higienização das condições de trabalho e habitação na lavoura,
assistência médica gratuita aos pobres;
21º) Fomento e facilidade às cooperativas operárias do consumo e às cooperativas de
produção na pequena lavoura. Com relação aos pequenos lavradores, além de medidas que
os isentem de encargos fiscais mais pesados, estabelecer principalmente:
a) A isenção de quaisquer impostos municipais ou taxas de qualquer natureza sobre os
veículos de toda a espécie, destinados ao transporte dos produtos;
b) Fornecimento de utensílios, sementes e adubos aos lavradores pobres e às
cooperativas agrícolas;
c) Auxiliar às caixas rurais de pequenos lavradores estabelecidas no município;
d) Fornecimento à pequena lavoura pela municipalidade, a crédito ou por aluguel, de
animais e máquinas agrícolas;
e) Extensão à lavoura de 8 horas de trabalho;
22º) Arejamento e desinfecção geral das habitações proletárias;
23º) No que concerne à rigorosa aplicação a dar e aos melhoramentos a serem
introduzidos na chamada de legislação social, preconizamos como medida preliminar
indispensável que sua fiscalização e controle sejam confiados aos comitês operários eleitos
nos próprios locais de trabalho e nos sindicatos;
24º) Intervenção da mulher proletária em todos os atos da vida municipal e nas
empresas públicas e privadas com iguais direitos que o homem e ainda com iguais salários,
aplicando-se o princípio: PARA TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL;
25º) Construção de creches ao lado de cada fábrica, oficina, armazéns e nas povoações
rurais, para abrigar os filhos das mães operárias, durante as horas em que estas trabalhem;
26º) Garantia da lei de férias extensivas aos operários em transportes e na lavoura, e às
mulheres operárias;
27º) Estabelecimento de 2 horas para almoço, durante o dia, aos trabalhadores,
carroceiros, estivadores, ternos em café, manobristas de estrada, choferes de carga,
construção civil, Companhia Docas etc., sendo uma hora integralmente paga pelo patronato
e absoluta proibição de pagamento dos salários em gêneros de consumo.

CARESTIA DE VIDA

A situação angustiosa por que passa a maioria da população – que é o proletariado –


tende a tornar-se cada vez mais aflitiva em virtude das manobras ardilosas dos extorquistas e
por outro lado de vícios inerentes ao regime econômico e ao sistema político e
administrativo vigentes. Os representantes da Coligação Operária denunciando
primeiramente a causa principal da carestia – residente na própria estrutura econômica do
regime – trabalharão, no entanto, no sentido de minorar quanto possível as conseqüências
imediatas de uma tal situação, reclamando, entre outras medidas:
435

a) Criação de um aparelho popular de rigoroso controle sobre os manobristas,


açambarcadores e toda a espécie de intermediários e especuladores que provocam a alta
artificial dos gêneros, estabelecendo-se pesadas penalidades contra os mesmos;
b) Regulamentação dos preços de venda dos gêneros de primeira necessidade, com o
estabelecimento de uma tabela geral podendo a municipalidade requisitar dos infratores
todos os gêneros em seu poder e vende-los a varejo pelos preços regulares da tabela;
c) Combate aos açambarcadores do peixe e facilitação de venda direta ao consumidor
pelos próprios pescadores;
d) Estabelecimento de feiras livres, para a venda dos gêneros de primeira necessidade.

HABITAÇÕES PROLETÁRIAS

A questão da habitação proletária é daquelas que mais nos devem preocupar.


Denunciaremos as meias soluções burguesas, os paliativos e os engodos, e bater-nos-emos
em prol de soluções proletárias radicais, como sejam:
a) Municipalização das habitações operárias, devendo a municipalidade, para isto,
desapropriar, por utilidade pública, as propriedades particulares que julgar conveniente;
b) Construção de grandes e modernas habitações coletivas e vilas operárias, pela
municipalidade, com todos requisitos da higiene;
c) Aluguéis proporcionais aos salários, sendo as respectivas tabelas estabelecidas e
fiscalizadas por associações de inquilinos pobres;
d) Supressão dos depósitos, e pagamento por mês vencido; derrubada dos barracões,
casas de cômodos, casas de pau a pique, e construção em seu lugar de habitações que
possuam todos os requisitos da higiene e da comodidade;
e) Severa supressão da especulação dos intermediários e sublocadores;
f) Suspensão de todas as obras suntuárias nos bairros ricos, e destino dessas verbas ao
arruamento, calçamento e deságües nos bairros pobres e outras medidas de higienização
indispensável à saúde dos moradores;
g) Construção de praças, recreio e bibliotecas nos bairros pobres.

QUESTÃO DOS CHALÉS DE MADEIRA

Revogação pura e simples da lei dos chalés de madeira como medida de garantia da
pequena propriedade.

TRANSPORTES

Estabelecimento de bondes a 100 réis destinados aos operários, mas, com todas as
comodidades dos bondes ordinários e linhas de ônibus a preço reduzido, para os bairros
onde habita o proletariado. Os representantes da Coligação Operária na Câmara Municipal
pugnarão pela revisão do regulamento geral dos veículos a fim de competir somente a
fiscalização e cobranças de multas à inspetoria da prefeitura municipal.

AUXÍLIO AOS CONSCRITOS


436

Pugnaremos pelo auxílio por parte da municipalidade, às famílias dos conscritos


operários chamados às armas.

ENSINO E EDUCAÇÃO

A) A questão do ensino público é, por sua própria natureza, dos mais importantes: a
Coligação Operária, pela voz de seus representantes na Câmara Municipal, lança a seguinte
palavra de ordem:
Escolas para os filhos dos operários! Para isto, preconiza, entre outras medidas:
a) Criação de um conselho popular de instrução pública, do qual devem participar
todos quantos, mestres e pais de famílias, se interessam diretamente pelos problemas
escolares, e que será órgão técnico, livre do burocratismo destinado a promover e sugerir
medidas que possam prática e prontamente intensificar a alfabetização, quer às crianças, que
à mocidade em geral;
b) Tornar obrigatório o ensino, facilitar a freqüência às aulas com o fornecimento às
crianças pobres em idade escolar, além do material escolar, roupa, calçado, refeições e
meios gratuitos de transporte;
c) Promover a criação de escolas profissionais para ambos os sexos, gratuitas, como
uma continuação necessária e natural das escolas primárias;
d) Assistência médica, dentária e farmacêutica gratuita aos professores e alunos;
e) Os representantes da Coligação Operária, na Câmara Municipal, pugnarão para que
seja concedida uma subvenção aos cursos escolares mantidos pelas associações operárias;
f) Melhoria nas condições de vida do professorado primário cuja dedicação à causa do
ensino público deve ser melhor compreendida e compensada;
g) Subvenção às bibliotecas populares e operárias.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os representantes da Coligação Operária – únicos e verdadeiros representantes das


massas laboriosas -, na Câmara Municipal, bater-se-ão pela responsabilidade dos
encarregados da administração pública, pelos prejuízos, danos e ações judiciárias
conseqüentes de seus desmandos e, ainda, pugnarão para que sejam vedadas de modo
absoluto as subvenções feitas pelos cofres públicos do município a jornais.

FUNCIONALISMO

Para que o funcionalismo seja de fato executor útil e fiel dos serviços necessários à
administração pública e não um instrumento eleiçoeiro, é preciso libertá-lo do regime do
burocratismo, sujeito aos caprichos dos políticos que periodicamente transitam pelas
posições de dominação governamental. Para isto, mediadas várias serão apontadas, tais
como:
a) O princípio de serem criados somente os cargos estritamente exigidos pelas
necessidades públicas, bem assim o princípio, não menos salutar, do concurso regular para
nomeação de funcionários;
437

b) Sistematização do montepio, generalizando-o a todos os funcionários públicos do


município, de maneira que não represente um sacrifício para seus vencimentos, mas uma
ajuda do seu esforço pelo serviço público;
c) Assegurar, por meio de vencimentos suficientes, as condições de vida do
funcionário, a fim de que possa ele libertar-se da agiotagem e possa servir honestamente à
coletividade;
d) Aplicação de uma tabela de ordenados (à semelhança da tabela Lyra) como medida
de emergência, em conseqüência da carestia da vida em geral.

CULTOS

A Coligação Operária pugnará pela liberdade de pensamento e condena as relações da


municipalidade com qualquer culto religioso. Para isto, medidas várias serão apontadas, tais
como:
a) Supressão de toda subvenção, direta ou indireta, feita pelos cofres municipais a
instituições ou escolas com caráter religioso;
b) Proibição do ensino religioso nas escolas municipais ou subvencionadas pelos cofres
do município.

ESPORTE OPERÁRIO

Para os clubes operários pugnaremos para que sejam facilitados todos os meios de
desenvolvimento, auxiliando-os na aquisição de todo material, terrenos, praias etc..

Nós, abaixo assinados, candidatos a vereadores à Câmara Municipal de Santos, como


representantes do proletariado do município de Santos, assumimos o compromisso de
sustentar no legislativo local o programa acima da Coligação Operária e o programa e as
diretrizes traçadas pelo Bloco Operário e Camponês, com sede no Rio de Janeiro, de acordo
com as possibilidades que se nos oferecerem e feitas as necessárias adaptações às condições
objetivas do município de Santos.

Santos, 14 de Setembro de 1928

João Freire de Oliveira – Jornalista-operário


Antônio Fernandes – Trabalhador em café
Lucas Rubens – Barbeiro
Antônio Simões de Almeida – Empregado no comércio
Mário de Castro – Gráfico
Roldão José Sant’Anna – Trabalhador da Docas
Maurício Pereira Barros – Chofer
Claudionor Jardim França – Metalúrgico
Odilon Lima – Construção civil
Manoel Costa – Operário em Bananal
Antônio Bento de Menezes – Condutor de veículo.”
438

(FONTE: Praça de Santos. Santos, 24-09-1928, p. 4)


g) Na tribuna do parlamento

Em sua curta existência o BOC conseguiu eleger três representantes, todos


do Distrito Federal: um deputado federal e dois intendentes. Cumpre agora
examinar o que foi a atuação deles na Câmara dos Deputados e no Conselho
Municipal do Distrito Federal, fazendo-se uso, para isto, de seus pronunciamentos
feitos em plenário.

AZEVEDO LIMA: “A BANDEIRA VERMELHA TREMULARÁ


PELA PRIMEIRA VEZ NO CONGRESSO NACIONAL!”

Este foi o título de uma das primeiras matérias jornalísticas contendo


entrevista concedida por Azevedo Lima à imprensa carioca logo após a
confirmação de sua vitória nas eleições de 24 de fevereiro. Nela Azevedo Lima
apresentava-se como um disciplinado soldado do exército proletário, fazendo
questão de “ser orientado pelos chefes dessa autêntica esquerda” a quem caberia
a responsabilidade pelas suas atitudes. Também afirmava que seria um solitário
combatente, pertencente à “extrema esquerda autêntica, digamos mesmo –
vermelha” e que não teria ligações com os deputados de oposição, que a
imprensa cognominava de “esquerda parlamentar”, pois, afirmou, “os
oposicionistas de hoje serão os governistas de amanhã”. Esta profecia, aliás, viu-
se confirmada, como veremos adiante, com o próprio Azevedo Lima. Em suas
declarações manifestava três prioridades que orientariam seu mandato: organizar
o alistamento eleitoral, tratar da questão social e combater na Câmara dos
Deputados a favor do reconhecimento da URSS pelo governo brasileiro1. Mas,

1
- A bandeira vermelha tremulará pela primeira vez no Congresso Nacional! “Todas as
atitudes que assumir, diz-nos o Snr. Azevedo Lima, serão assumidas de acordo com os ‘leaders’ da
vanguarda proletária”. A “extrema esquerda parlamentar”. A Nação. Rio de Janeiro, 26/02/1927, p. 1
e 2. Esta entrevista, na verdade, foi originalmente publicada na edição do mesmo dia de A Manhã.
440

sem dúvida, a maior ênfase que Azevedo Lima punha, inclusive objeto de outra
entrevista, era no primeiro ponto:

“Em primeiro lugar farei a arregimentação política dos trabalhadores que, em


grande parte, não tiveram, ainda, a compreensão nítida do seu imenso valor social.
Inspirado pela vanguarda do proletariado e dos sindicatos obreiros que se orientam
por esta vanguarda, irei mobilizar as massas trabalhadoras para as futuras
refregas eleitorais. Estou certo que, dentro de um ano, os operários do Distrito
Federal serão uma força eleitoral expressiva e com a qual muito terão que se
contar os que pretendem qualquer representação política no Distrito.”2

O clima de vitória talvez não deixasse claro aos comunistas que estas
palavras de Azevedo Lima não significavam a construção de um partido político,
quanto mais do tipo bolchevique; significavam para o deputado reeleito apenas
uma máquina eleitoral melhor estruturada. Este era seu horizonte para o Bloco
Operário. Somente ao longo do desenvolvimento do mandato de Azevedo Lima
esta e outras diferenças irão avultar, sobretudo em razão de sua resistência a “ser
orientado pelos chefes”.
Nas sessões preparatórias ao início da sessão legislativa, que ocorreram de
25 de abril a 2 de maio de 1927, a “degola” de Júlio Cesário de Mello fez com que
ao final, computadas as seções anuladas, Azevedo Lima acabasse como o
deputado mais votado de 2º Distrito, com 11.456 votos. Além disso, durante estas
sessões Azevedo Lima integrou a Quinta Comissão de Inquérito, a quem coube
apreciar as eleições do 6º Distrito de Minas Gerais, que abrangia os municípios
da região conhecida como Triângulo Mineiro e que tinha como município-sede
Uberaba. Nas eleições ali realizadas as fraudes impediram a reeleição de
Leopoldino de Oliveira, um deputado oposicionista que, como Azevedo Lima,
combatera o governo de Arthur Bernardes na legislatura anterior. Discordando da
opinião da Comissão, que validou os resultados da diplomação, Azevedo Lima
preparou um voto em separado. Sabendo de antemão da ineficácia de seu gesto,
mesmo assim o deputado do Bloco deixou registradas as denúncias das fraudes
ocorridas durante o pleito, em particular a prática do “esguicho” – acréscimo de

2
- Palavras de Azevedo Lima. A Nação. Rio de Janeiro, 01/03/1927, p. 2.
441

votos e eleitores mediante falsificação de cédulas e assinaturas - e lançou suas


críticas ao processo eleitoral que as garantia:

“As eleições do 6º distrito mineiro, sabem-no todos, são como as demais


eleições da República: mescla de fraude e de coação, de mentira e de terror, de
ameaças e maroteiras. Os pleitos dessa parte de Minas, cujas atas devassei e
cujos livros foram por mim, dia a dia, manuseados, valem tanto quanto os do resto
do Brasil, onde a soberania popular, há mais de trinta anos, só serve, quando
muito, aos retóricos blasés da República, para os surrados tropos da sua oratória
gasta, gafada.
O pleito sobre que irá a Câmara, dentro em pouco, pronunciar-se, não é
eleição, não merece o nome de eleição. Digo-o sem temor de erro; examinei-lhe os
livros, apreciei-lhe as atas e o que no bojo das mesmas se encontra é fraude,
mentira, velhacaria, pagodeira. Eleição é que se não poderá chamar a farsa
atropelada e escandalosa de que foi cenário, a 24 de fevereiro, esse imenso trato
da terra brasileira, correspondente à área de alguns Estados do Brasil, e onde
imperou, sob a égide do situacionismo, protegido por autoridades delinqüentes, o
mais indissimulável, o mais típico dos atentados contra a soberania nacional.
Não admira, porém, que passasse o eminente Relator do pleito do 6º distrito
[o deputado Geraldo Vianna, do Estado do Espírito Santo, dk], como gato por
brasas, a apreciar, sumária e perfunctoriamente, os documentos submetidos à sua
esclarecida inteligência. Os pareceres, por via de regra, elaboram-se com a
displicência natural dos que sabem não serem eles mais do que a expressão
prévia, antecipada, da opinião da maioria.”3

Integrando a denúncia do processo eleitoral, Azevedo Lima deixava, sob o


substantivo “situacionismo” e a expressão “autoridades delinqüentes”, também
marcada sua rixa pessoal com o ex-deputado e então presidente de Minas Gerais,
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Este, quando líder do governo Arthur
Bernardes, comandou uma votação na Câmara dos Deputados, em dezembro de
1924, na qual foi dada licença para que se processasse Azevedo Lima como
conspirador por ocasião da revolta militar de 1924, e durante a qual quase se
agrediram fisicamente4. Tal disputa teve outro episódio mais adiante, quando, por
ocasião da votação pela Câmara dos Deputados de uma moção de
congratulações ao presidente do Estado de Minas Gerais em razão da adoção do
voto secreto no Estado, deu seu voto contrário pretextando que não o fizera em

3
- Brasil. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Anais da Câmara dos
Deputados(1927), vol. II, p. 358-359.
442

razão de julgar que tal ato seria uma violação em face da autonomia das unidades
da Federação brasileira. Mas, em seguida, depois de reafirmar o ponto da
plataforma do Bloco no qual se dizia que o voto secreto não poderia ser julgado
como uma panacéia geral para a democracia brasileira, foi ao ponto: atacou
Antônio Carlos, afirmando que quando das eleições de fevereiro nada fez para
garantir a “verdade das urnas” e que só adotou a lei do voto secreto para “cortejar
a opinião pública” 5. A polêmica com o governador mineiro teve ainda outra
importante manifestação, como veremos mais adiante.
Após as sessões preparatórias, iniciaram-se, com a posse do novo
Congresso Nacional, suas sessões ordinárias em 3 de maio de 1927. De maio até
o início de agosto a atuação de Azevedo Lima se centrou fundamentalmente na
questão do combate à aprovação da “Lei Celerada”, cujo processo já vimos mais
acima, tornando-se aqui desnecessária a sua repetição. Cumpre aqui destacar
que Azevedo Lima levou ao plenário da Câmara dos Deputados o protesto contra
aquela proposta por parte de dezenas de entidades representativas dos
trabalhadores de todo o Brasil lendo as cartas que lhe eram dirigidas, marcando o
que o próprio parlamentar do Bloco chamou de “início de uma fase de
independência proletária”. Evidentemente, grande parte de tais entidades era
influenciada pelos comunistas, mas esta forma de ação serviu para mostrar que
estas fizeram naquele instante do parlamento um lugar para a disputa política e
que se integrou embrionariamente ao processo de erosão social e política da
República Velha que culminaria na chamada “Revolução de 1930”. Talvez se
pudesse objetar a forma pela qual se fez isso, por via de cartas de protesto ao
invés de alguma forma de pressão mais direta, mas, de qualquer maneira, ela é
notável porque mostrou que um segmento da sociedade brasileira, através de
suas entidades representativas, começava a se articular politicamente e de forma
nacional.

4
- Azevedo Lima. Reminiscências de um carcomido, p. 113-124. O sr. Azevedo Lima rompeu
com os bolchevistas. A Manhã. Rio de Janeiro, 12/03/1929.
5
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 30/09/1927, p. 4.235-4.236.
443

Outra questão relevante a se destacar na atuação de Azevedo Lima neste


processo de discussão sobre a “Lei Celerada” foi a ênfase que, ao lado de outros
poucos parlamentares de oposição, deu ao atentado que se promovia, com a
aprovação deste dispositivo legal, aos direitos políticos e civis e para o qual
também apontavam as entidades representativas dos trabalhadores. O deputado
do Bloco foi muito claro a esse respeito:

“Há seguramente mais de 40 anos que, em todos os países que gozam do


regime representativo ou democrático, a coalizão para promoção de greve, o direito
de associação para realização de paredes, são reconhecidos, a ainda há pouco o
foram pela própria Inglaterra que, não faz um mês, ao votar o Trade Unions Bill, se
é verdade que certas restrições de caráter material, não obstante reconheceu em
tese a doutrina o direito da manifestação grevista.
O Brasil vai dar com o art. 1º do substitutivo da Comissão, o qual encampa o
projeto originário do Senado, o primeiro passo na marca desabalada da reação
burguesa contra a evolução ou o ritmo evolutivo das conquistas dos obreiros. [...]
O substitutivo do sr. Annibal de Toledo, porém, arrimado ao sofisma ad
terrorem do fantasma da conspiração comunista, vai muito mais longe: invade
terreno até hoje absolutamente inviolado pela negligência, pela incúria ou pela
brutalidade dos legisladores. Arroga-se a faculdade de vulnerar a consciência
humana, de coibir a livre ideologia política, de reprimir o pensamento; sobrepõe-se
à própria Constituição da República para revogar o art. 72 e seus parágrafos;
proíbe a liberdade de associação, de reunião e até de divulgação do pensamento
através da palavra falada e da palavra escrita. Cerceia, restringe a liberdade de
imprensa, mais ainda do que já o fez uma lei nefasta e odiosa, cujas
conseqüências, influindo sobre a liberdade da pena, têm levantado,
incessantemente, no curso de cinco anos, uníssono clamor dos pensadores, dos
intelectuais, dos proletários do jornalismo brasileiro.
O comunismo, cumpre-me informar, figura apenas nas razões do substitutivo
– porque no substitutivo, nem seque se fala nele – como Pilatos no credo.”6

Uma última questão neste episódio que vale a pena ser aqui destacada, e
também reiterada, é a referente à da insistência quase solitária de Azevedo Lima
na exibição dos documentos que supostamente legitimariam a necessidade da
“Lei Celerada” e que eram sabidamente um embuste. De um lado, seus reclamos
chamavam a atenção para uma situação paradoxal: todos os parlamentares
teriam de votar uma lei que se justificava com base em uma documentação que
apenas uns poucos deputados e senadores tinham conhecimento. Situação, aliás,

6
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 22/07/1927, p. 2.211-2.212.
444

que se repetiu dez anos mais tarde por ocasião do famigerado “Plano Cohen”. De
outro, fazia avultar algo ainda mais absurdo: o fato de que a documentação era
tratada como se fosse propriedade privada de Annibal de Toledo, a dele
depender sua publicidade ou não. Na verdade, o que o deputado do Bloco punha
a nu era a histórica sujeição do Poder Legislativo frente ao Poder Executivo, em
relação ao qual não se fazia capaz de sequer de simular sua autonomia e
independência. A esse propósito afirmou Azevedo Lima:

“Nós não; nós, pessoalmente, temos de responder pelos nossos atos em


face da opinião pública, em face dos que nos delegaram a alta representação na
Casa do Congresso Nacional a que pertencemos. Não posso, assim, sob pena de
transigir com a minha própria honra, fazer obra para o país, mediante a exibição
mais ou menos clandestina e reservada, de documentos cuja autenticidade desde
já contesto, porque se são verdadeiros, se são legítimos, se são fidedignos, não
devem deixar de vir à luz da publicidade. Se são falsos, mentirosos,
encomendados, nunca deverão servir para levar o Congresso federal a aprovação
de medidas como essa, contrárias à própria índole do nosso regime, ao decoro do
nosso país e ao respeito que devemos aos nossos concidadãos.
Não há a fugir: ou os documentos são falsos e por isso se escondem, se
encolhem, se ocultam, ou os documentos são verdadeiros e devem ser
inadiavelmente exibidos. E quem pede, quem reclama, que exige essa providência
a bem do decoro do Poder Legislativo, sou eu, justamente o único Deputado que
tem tido a coragem, senão a audácia, de defender a ideologia científica do
socialismo marxista.”7

Já propriamente nas questões referentes à chamada legislação social a


atuação de Azevedo Lima foi restrita, se nos fixarmos no disposto na plataforma
do Bloco (ver Anexo IV). Fundamentalmente, o parlamentar do Bloco Operário
teve duas formas principais de atuação dentro do amplo espectro proposto na sua
plataforma. O primeiro deles foi o relativo à fiscalização da aplicação da lei de
férias e a crítica à atuação do Conselho Nacional do Trabalho. Em seus
pronunciamentos Azevedo Lima denunciou as chicanices promovidas pelas
empresas a fim de burlar o cumprimento da lei de férias, seja no sentido da
protelação do início de sua vigência, seja simplesmente no caso de seu não
cumprimento, isto sem contar o caso em que levou a público aquelas empresas

7
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 26/07/1927, p. 2.325.
445

que simplesmente demitiam os funcionários que reclamavam seus direitos ou


ameaçavam fechar suas portas caso tivessem de ser obrigadas a cumprir a lei de
férias. No caso das que buscavam não cumprir a lei, Azevedo Lima apontou
vigorosamente o caso da empresa anglo-americana-canadense Light and Power,
que alegou que seu objeto de atuação, o transporte, não era abrangido pelo
escopo da lei, que atingia as empresas comerciais, industriais, bancárias e as
associações de beneficência e de assistência, fazendo com que o Conselho
Nacional do Trabalho, declarasse em parecer que a concessionária anglo-
americana-canadense tinha o direito de isentar-se das obrigações da lei8.
Um pequeno parêntese: no ano seguinte, com relação à lei de férias,
Azevedo Lima repercutiu uma iniciativa do Centro Internacional de Santos,
tomada em novembro de 1928, na qual este requereu, sendo-lhe evidentemente
negado o pleito, ao Conselho Nacional do Trabalho o poder de fiscalização para o
cumprimento da lei de férias. Tal reivindicação, caso aceita, como enfatizou o
parlamentar do Bloco, implicaria “na inauguração do controle obreiro no Brasil” a
fim de fiscalizar os seus próprios interesses, como, aliás, já era preconizado na
plataforma do Bloco9.
Voltando à questão da chamada legislação social, aqui também pode ser
inserida sua atuação no processo de modificações da lei de acidentes do
trabalho, no qual, além de sua participação no processo legislativo, criticava que
as alterações ali propostas eram incompletas e não refletiam as propostas feitas
nos pareceres referentes ao projeto de lei, atacando particularmente a proposição
apresentada pelo deputado baiano Júlio Afrânio Peixoto, relator do projeto e
também membro do Conselho Nacional do Trabalho, em que estipulava os
valores devidos em caso de morte em acidente de trabalho, os quais, na opinião
de Azevedo Lima, eram muito baixos e representavam um retrocesso em relação
ao que já existia, além do que Azevedo Lima advogava que não deveria haver
valor estipulado previamente neste caso; este, em sua opinião, deveria ser

8
- A lei de férias burlada. A Nação. Rio de Janeiro, 09/06/1927, p. 1 e 4; Brasil. Congresso
Nacional. Câmara dos Deputados. Anais da Câmara dos Deputados(1927), vol. IV, p. 405-408.
9
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 22/11/1928, p. 5.736-5.5.737.
446

vinculado ao salário do acidentado. Para o deputado do Bloco, a legislação social


e a maneira pela qual era tratada pelos parlamentares servia apenas para
demonstrar sua concepção de encarar o assunto como se fosse apenas um favor,
ignorando seu caráter social:

“O que há, evidentemente, nessa legislação ilusionista e mistificadora, é o


propósito de fingir que se quer servir ao proletariado, quando, de fato, se estão
consolidando em lei dispositivos atinentes aos interesses dos patrões.
Há pouco ainda foi dito, aqui, em aparte, que toda a legislação social
moderna é de esmola e que o proletariado se dirige ao Poder Legislativo, com a
submissão e a humildade do mendigo, para lhe solicitar favores que lhe protejam a
vida e lhe salvaguardem a saúde. Já se vê V. Exa., Sr. Presidente, que a
mentalidade dos políticos brasileiros ainda não se elevou bastante para
compreender o transcendente problema das questões sociais [...] em cujo bojo se
encontram essas legislações protetoras do trabalhador, a que o Brasil foge,
sistematicamente, sem embargo de haver, com o seu compromisso internacional,
pactuado e prometido converter em lei todas as medidas aceitas e aprovadas na
Conferência do Trabalho, em Washington.
Até hoje, Sr. Presidente, já lá vão oito anos, tenho, seguidamente, reclamado
da tribuna da Câmara marcha mais estugada ao projeto que estabelece o
programa mínimo da reivindicação proletária, hoje a dormir o sono sossegado nas
pastas das Comissões do Senado, dessa espécie de asilo de inválidos, com sua
resistência debilitada e, não raro anulada, em face do capitalismo brasileiro.”10

Ligada a este conjunto da chamada legislação social estava a figura do


Conselho Nacional do Trabalho, órgão de caráter consultivo criado em 1923 e
vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, e que tinha como
incumbência, sendo um instituto oficial, fiscalizar as leis sociais e ministrar
informações e pareceres a fim de subsidiar a ação do Governo no assunto.
Azevedo Lima o classificava de “órgão exclusivamente reacionário, a serviço das
empresas estrangeiras ou nacionais”11. Para demonstrar isso, requereu
informações sobre sua composição, já que seus doze membros, indicados pelo
presidente da República, deveriam representar os trabalhadores (dois membros),
o patronato (dois), o Ministério da Agricultura (dois) e os restantes seis deveriam
ser personalidade de conhecida competência no assunto. Na resposta obtida - na

10
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 12/11/1927, p. 5.816.
11
- Brasil. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Anais da Câmara dos
Deputados(1927), vol. IV, p. 406.
447

qual se constatava a presença de três deputados (inclusive do líder do governo


na Câmara dos Deputados, Pedro Villaboim), um alto funcionário da Companhia
Paulista de Estadas de Ferro, um professor da Escola Politécnica, um funcionário
da Ministério da Marinha, um alto funcionário do Ministério da Agricultura, um
trabalhador (“talvez proletário em férias”, como o definiu Azevedo Lima), o
presidente da Corte de Apelação (o presidente do Conselho, Ataulpho Nápoles de
Paiva), um industrial, um grande capitalista12 e mais um décimo segundo nome
que não possuía nenhuma qualificação, fazendo com que o autor do requerimento
o supusesse um “potentado do capitalismo” -, foi “desafivelada a máscara da
hipocrisia política” e o deputado do Bloco deixou claro que não poderiam ter os
trabalhadores qualquer expectativa na ação do Conselho em defesa de seus
interesses. Além disso, Azevedo Lima chamava a atenção para a presença dos
três deputados no Conselho, a qual configurava uma inconstitucionalidade, pois
não poderiam estes acumular funções em dois poderes, já que o Conselho fazia
parte do Ministério da Agricultura, integrante do Poder Executivo. Quando travou
uma dura polêmica em plenário com o médico, escritor e deputado baiano Júlio
Afrânio Peixoto por conta de seu relatório sobre o projeto de lei que modificava a
lei de acidentes do trabalho, Azevedo Lima deixou, além de um duro retrato de
seu contendor, registrada sua opinião sobre este acúmulo de cargos e a ilusão
que provocava entre os trabalhadores:

“Sr. Presidente, a minha linha de proceder é bem conhecida. Não vivo


envenenando a sociedade de minha terra com a prédica de doutrinas depravadas;
não vivo intoxicando as multidões com uma literatura sórdida, em matéria de
costumes sociais familiares; não vivo parasitando o subsídio da Câmara dos
Deputados ou o subsídio de instituições oficiais do país; não vivo iludindo a boa fé
dos meus concidadãos nem traindo, para servir aos potentados, aos que se
encontram nas altas camadas da República, os interesses dos humildes, os
interesses, que, sim, procuro defender com altaneria incansável, quaisquer que
sejam os transes em que me veja colocado.”
12
- Trata-se de Geraldo Rocha, assim definido por Azevedo Lima: “Diretor da Companhia São
Paulo - Rio Grande, Frigoríficos do Cais do Porto, acionista de bancos nacionais, representante de
grandes trustes e sindicatos brasileiros e estrangeiros, proprietário e acionista de grandes órgãos da
imprensa burguesa [A Noite, A Vanguarda], fazendeiro, industrial, grande criador de cavalos de
corridas e garanhões, turfman, etc., etc.” Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 20/10/1927,
p. 4.986.
448

A outra forma de atuação de Azevedo Lima em relação ao tema da


legislação social foi a de expor as condições de trabalho e de higiene de uma
série de empresas, pertencentes ao Estado, destacando-se as oficinas da Central
do Brasil, os Correios e a Imprensa Nacional e o Diário Oficial. Neles, depois de
realizar visitas a estes locais, fazia um relato sobre o que encontrara e, por vezes,
chegou a solicitar de outros órgãos oficiais inspeções a fim de que atestassem o
que afirmara. No caso dos Correios requereu a formação de uma Comissão
Especial da Câmara dos Deputados a fim de que esta realizasse um estudo sobre
a situação econômica, sanitária e higiênica relativa aos funcionários do Setor de
Tráfego Postal na cidade do Rio de Janeiro, que resultou em um relatório no qual
foram apontadas as precárias condições de trabalho a que estes trabalhadores
eram submetidos13. No caso do Diário Oficial tal atividade chegou a resultar na
apresentação de um projeto de lei em 1928, de sua autoria e que foi vetado pelo
Executivo, no qual propunha a alteração da contagem de tempo dos funcionários
do órgão oficial, em razão de todo o seu trabalho ser realizado à noite14. Embora
tais visitas e inquéritos acabassem resultando em um grande retorno por parte
dos trabalhadores públicos, por meio de cartas e denúncias pessoais, Azevedo
Lima não desenvolveu muito este tipo de atividade, pois, como se pôde notar,
suas intervenções eram feitas mais sob o ângulo do comentador - que chegava à
realidade por meio da observação indireta, vinda por meio de informes, leituras,
relatórios, documentos – que do observador de campo - que checa suas
informações “in situ”.
Na opinião do parlamentar do BOC este quadro de quase inexistência de
legislação que atendesse às reivindicações dos trabalhadores, tornando-se até
precursor da expressão “legislação trabalhista”, era resultante da ausência de
partidos políticos de caráter nacional no Brasil:

13
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 27/12/1927, p. 8.357-8.359.
14
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 28/07/1928, p. 1.753-1.755.
449

“O que aqui existe, relativamente à legislação social, que melhor se diria a


legislação trabalhista do Brasil, é absolutamente irrisório e ridículo. [...] O resultado
dessa pasmaceira em que o tardígrado Brasil caminha em matéria de legislação
social é devido à ausência de partidos que se interessem pelo bem-estar dos
trabalhadores e participem menos das lutas estéreis da politicagem pedestre, toda
circunscrita a interesses regionais ou locais, absorvida completamente nas intrigas
e nas urdiduras das maquinações da política de baixa extração.”15

Por outro lado, é de se reparar que a atividade de Azevedo Lima no campo


da legislação social ficou fundamentalmente restrita às empresas estatais, não se
vendo nenhum trabalho neste sentido no que se refere à iniciativa privada nem
tampouco qualquer proposição legislativa de sua parte que modificasse as
relações de trabalho, como as previstas em vários pontos da plataforma do Bloco:
jornada de trabalho, salários, trabalho noturno etc. É claro que esta constatação
não conflitava com um dado da realidade: sua condição de oposicionista, no jogo
político existente no Congresso Nacional, fazia com que a possibilidade real de
aprovação de iniciativas legislativas da sua lavra fosse muito restrita. Por outro
lado, entre os pontos pelos quais os partidos comunistas orientavam sua atuação
no campo do parlamento, estava o da utilização de propostas de projetos de lei
como elementos de agitação e propaganda, coisa para a qual os dirigentes
comunistas brasileiros não atentaram ou, então, julgaram irrelevante. De qualquer
modo, nada disto ocorreu em momento algum do mandato de Azevedo Lima,
embora este tenha apresentado alguns poucos projetos de lei e outras
proposições legislativas.
Outra questão que merece ser ressaltada no conjunto das atividades de
Azevedo Lima no ano de 1927 foi o de seu trabalho de fiscalização dos atos do
Executivo. Mesmo anteriormente à sua entrada no Bloco Azevedo Lima teve uma
atuação muito competente neste campo, coisa na qual, aliás, sempre foi de praxe
que os parlamentares de oposição se sobressaíssem, mesmo nos dias de hoje.
Assim, em várias ocasiões no decorrer do ano, Azevedo Lima denunciou
nomeações irregulares de protegidos ou de aparentados de personalidades da
administração pública e do parlamento ou então contratações irregulares. Além

15
- A lei de férias burlada. A Nação. Rio de Janeiro, 09/06/1927, p. 4.
450

disso, seja nas análises que procedia aos mais variados projetos de
suplementação de verbas seja no exame das dotações previstas na peça
orçamentária, o parlamentar do BOC em várias oportunidades mostrou uma
análise extremamente competente na detecção e na denúncia do uso ineficiente e
incorreto de recursos públicos em favor de terceiros.
Cumpre aqui também destacar um dos pontos aos quais Azevedo Lima fez
referência nas suas entrevistas logo após a vitória nas urnas nas eleições de
fevereiro. Trata-se da questão do reconhecimento da URSS pelo governo
brasileiro. Exceção feita a uma série de pronunciamentos nos quais exibiu as
conquistas da Revolução Russa por ocasião do seu 10º aniversário e em alguns
outros nos quais defendeu sua política externa quando do episódio que deu
origem à aprovação da “Lei Celerada”, Azevedo Lima não adotou nenhuma
postura mais efetiva em direção a esta questão, a qual, recorde-se, integrava a
plataforma do Bloco Operário.
Em uma das últimas sessões do ano de 1927, Azevedo Lima pronunciou um
discurso que foi uma espécie de balanço de sua atividade no parlamento. Tal
pronunciamento iniciou-se, aliás, com uma irritada cobrança pública em relação à
atitude de vários elementos de oposição, em especial os democráticos de São
Paulo – a quem Azevedo Lima mais de uma vez denunciara por “seus laços com
a grande burguesia dos fazendeiros de São Paulo” e por sua participação na
nefasta “política de valorização do café” - e seus aliados gaúchos, que
simplesmente haviam abandonado os trabalhos parlamentares - pois o orçamento
ainda se encontrava sob discussão e não fora votado - para “espairecer na sua
terra”, o que foi por ele classificado de “um gesto suicida” e do qual iriam se
penitenciar por meio de um “platônico protesto”. Depois de destacar uma série de
pontos relativos à sua atuação, Azevedo Lima encerrou seu pronunciamento com
um incisivo, rebuscado e, ao mesmo tempo, fastidioso julgamento sobre o
Legislativo:

“Nada se fez, nada se fará. A atividade do Congresso Nacional é um epítome


de imprestabilidade. Quando não modorra, inútil, às ordens do mando de seu
451

senhor, acorda, estremunha, coça-se e dá à luz esse monstrengo, que é a ‘lei


celerada’, último ultraje, último vilipêndio, o maior dos opróbrios para a civilização
sul-americana. [...] O meu dever, entretanto, em hora amarga como esta, em que o
Congresso, suicida e resignatário, abre mão do seu próprio direito de votar, para
transmiti-lo, obediente e pacífico, ao Presidente de República, em hora como esta,
é de revelar, descarnar as infelicidades incuráveis do regime. Regime de falsidade,
de mentira, de hipocrisia, de desordem mortal. [...] Essa prosternação, essa
genuflexão do Congresso, a persignar-se em face do senhor onipotente, o mais
alto expoente do Poder Executivo, é o indício de uma época de ressurreição que
desponta, é a aurora de liberdade que não se fundarão nas palavras vãs e ocas,
de um liberalismo secular e combalido, mas prenuncia uma quadra em que se terá
de realizar a remodelação social sobre bases econômicas novas, demolidas as
instituições valetudinárias, e sobre estas bases alçado o edifício jurídico e social
que transmudará os valores, passando-se a direção dos destinos da sociedade a
uma classe mais sangüínea, mais pletórica, mais vigorosa, mais enérgica, capaz
de empunhar o facho da rebelião, facho incendiário que consumirá até as cinzas
os últimos vestígios dessa podriqueira democrática, liberal, republicana,
conservadora ou progressista, mas podriqueira em última análise.”16

Além da atuação estritamente parlamentar, Azevedo Lima, como vimos, teve


em 1927 uma ação externa de destaque em nome do Bloco Operário e de sua
organização e na qual apareceu como o homem de frente do Bloco, participando
de uma série de atividades públicas em sindicatos e outras entidades de classe17,
além de manter, tanto na Justiça, à qual pleiteava habeas corpus e apresentava
outros instrumentos jurídicos, como na tribuna parlamentar, uma destacada
atuação na denúncia da repressão desencadeada contra organizações e em sua
defesa e dos militantes operários estrangeiros presos e ameaçados de expulsão.
O ano de 1928 iniciou-se frenético para Azevedo Lima. Além de lançar-se à
defesa de um grupo de militantes comunistas estrangeiros de Santos ameaçados

16
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 24/12/1927, p. 8. 177. Este julgamento, de
certo modo, foi repetido em relação à legislatura de 1928 que Azevedo Lima fez por meio de
declarações publicadas pela imprensa carioca (cf. A pasmosa esterilidade do Legislativo. Notou-se,
até, em 1928, no Congresso, a ausência dos verdadeiros cânones da elegância e da eloqüência
tribunícia. Uma crítica causticante do deputado Azevedo Lima. O Globo. Rio de Janeiro,
02/01/1929.).
17
- Lenine, homem de ação. Discurso proferido pelo deputado Azevedo Lima na sessão
consagrada à memória de Lênin, realizada no dia 13 do corrente. A Nação. Rio de Janeiro,
17/05/1927, p. 1-2 e 6; Protestando contra a sanguinária reação fascista! Operários de todos os
credos, fazendo frente única, comemoraram ontem o aniversário da morte de Matteoti, a vítima do
tirano Mussolini. O vibrante discurso de Azevedo Lima: Abaixo a democracia burguesa! Viva a
democracia proletária!. A Nação. Rio de Janeiro, 11/06/1927, p. 1 e 3; O deputado Azevedo Lima
falará hoje em S. Paulo. O Combate. São Paulo, 06/10/1928, p. 1.
452

de expulsão18, o parlamentar do BOC, repercutindo uma orientação dos


comunistas no campo sindical, desencadeou uma campanha contra os
sindicalistas reformistas, em particular o ex-presidente dos tecelões, José Pereira
de Oliveira, sobre o qual obteve-se uma série de documentos comprovando suas
atividades como informante da polícia. Embora houvesse resistências por parte
da direção da União dos Trabalhadores Gráficos do Rio de Janeiro,
especialmente de seu secretário João Jorge da Costa Pimenta, para que se
realizasse em sua sede uma reunião para tratar de tal assunto, no dia 14 de
fevereiro aconteceu uma assembléia na qual Azevedo Lima apresentaria esta
documentação e que acabou em tiroteio. Este resultou em vários feridos e um
morto, uma série de prisões e processos policiais, além do fechamento da sede
dos gráficos cariocas por dois anos, por determinação do ministro da Justiça. A
polícia, por conta deste episódio, prendeu um operário espanhol, Eusebio Manjon,
que ficou meses detido sem processo nem culpa formada e que acabou, graças à
interferência de Azevedo Lima, sendo finalmente libertado19. Como repercussão

18
- A polícia de Santos vai deportar dezenas de operários! Um deles é alcançado pela violência
por haver batizado um filho com o nome de Lenine. O deputado Azevedo Lima vai requerer hábeas
corpus ao Supremo Tribunal. A Esquerda. Rio de Janeiro, 06/02/1928, p. 2; Os operários santistas
expulsos pelo delegado Ferreira da Rosa. O deputado Azevedo Lima intervirá. O Combate. São Paulo,
07/02/1928, p. 1; A expulsão de operários pela polícia de Santos. A deputado Azevedo Lima, em seu
pedido de “habeas corpus”, esmaga alegações do delegado regional. O Combate. São Paulo,
10/02/1928, p. 6.
19
- John W. Foster Dulles. Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 284; Um momento
sensacional no seio do operariado!Hoje às 18 horas, na sede da União dos Gráficos, o deputado
Azevedo Lima documentará as acusações que levantou a 18 próximo passado, na U. O. F. T., contra o
conhecido “tira” Pereira de Oliveira. A Esquerda. Rio de Janeiro, 14/02/1928, p. 1; O conflito da U.
T. G. está servindo de pretexto à polícia para a mais torpe perseguição ao operariado. Foi sepultado
ontem o operário Damião, uma das vítimas dos esbirros da 4ª delegacia auxiliar. A Esquerda. Rio de
Janeiro, 16/02/1928, p. 1 e 6; Começaram as perseguições ao operariado, ao mesmo tempo no Rio e
S. Paulo! Por causa de um conflito provocado pela polícia.... O ministro da Justiça fechou a União dos
Trabalhadores Gráficos. A Esquerda. Rio de Janeiro, 17/02/1928, p. 1 e 6; No Rio, o assassinato
premeditado; aqui, as prisões arbitrárias. O Combate. São Paulo, 17/02/1928, p. 1; Movimento
Operário. Os nossos irmãos do Rio estão sendo assassinados e os daqui recolhidos na enxovia. O
Combate. São Paulo, 17/02/1928, p. 3; Ecos do conflito na U. T. G. O deputado Azevedo Lima
censura o ato do governo fechando o sindicato que lhe emprestou a sala para a conferência de terça-
feira. A Esquerda. Rio de Janeiro, 18/02/1928, p. 2; Ecos do comício da U. T. G. A Esquerda. Rio de
Janeiro, 18/02/1928, p. 6; C. os acontecimentos de terça-feira na U. T. G. carioca. O Combate. São
Paulo, 18/02/1928, p. 6; Imitando a polícia do tempo do Czar. Espiões e agentes provocadores. O
grave conflito na sede da U. T. G. “Inomináveis e indescritíveis violências”. Conclusões indicadas
pelo delegado Ferreira da Rosa. Praça de Santos. Santos, 20/02/1928, p. 1; O conflito da União dos
Trabalhadores Gráficos. Alguns operários continuam presos e ameaçados de deportação. A Esquerda.
453

deste episódio Azevedo Lima teve contra si uma forte campanha de imprensa, na
qual foi acusado como um dos responsáveis pelo episódio. Embora tivesse
reagido com vigor em relação às acusações, e procurasse eximir a
responsabilidade da UTG, chamando-a para si, aparentemente o episódio
incomodou Azevedo Lima, talvez em razão da demora de uma defesa pública do
BOC em seu favor, que só foi ocorrer por meio de um manifesto datado de 11 de
março20. Um indício desse incômodo foi que Azevedo Lima teria evitado desde
então o “convívio dos sindicatos”21. Outro seguro indício disso foi uma entrevista
concedida ao matutino carioca A Esquerda, na qual o deputado do BOC abriu
suas declarações com a afirmativa de que não tinha programa e que sua ação
parlamentar seria resultado da conjuntura política:

“O seu desenrolar norteará a minha ação político-filosófica, em face da


elaboração das leis, que sofrerão a minha fiscalização de deputado independente,
sem obrigações partidárias e que coloca acima de tudo o bem-estar social. Há,
bem o vejo, vários problemas transcendentes, em equação. Dentre eles, porém
avulta o da Anistia, como o mais sério, o que reputo inestimável benefício para o
povo brasileiro, ao mesmo tempo que representa medida inadiável, para o próprio
equilíbrio das instituições. [...] De modo que [...] poderá dizer pela A Esquerda que
eu não acaricio a veleidade de ver eficiente a minha ação parlamentar, como não
acredito na eficiência das campanhas da imprensa de oposição, ou independente,
porque, neste país a única forma eficiente é a prepotência dos governos. A ação
oposicionista não passará, pois, de trabalho bem intencionado e patriótico – é
verdade – daqueles que, ao menos, para honra do mandato que desempenham,
protestam contra os desmandos dos que se assenhorearam desta grande feitoria,
que é o Brasil atual.”22

Rio de Janeiro, 29/02/1928, p. 6; Os tristes acontecimentos da U. T. G. do Rio. O Trabalhador


Gráfico. São Paulo, nº 93, 06/03/1928, p. 1; Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro,
12/10/1928, p. 4.757.
20
- Operários e Lavradores. Um manifesto do Bloco Operário e Camponês. A Esquerda. Rio
de Janeiro, 12/03/1928, p. 4; Um vibrante manifesto do Bloco Operário e Camponês. “Reafirmamos a
mais firme solidariedade a Azevedo Lima, nesta hora em que ele é vítima de sua lealdade ao
proletariado”. O Combate. São Paulo, 21/03/1928, p. 6; Vida Operária. Um manifesto do Bloco
Operário e Camponês. Praça de Santos. Santos, 23/03/1928, p. 4.
21
- Este, em vez de marchar para a esquerda proletária, rola para a direita burguesa.
Publicamos a crítica aprovada unanimemente na assembléia dos delegados a 10 de março. A Classe
Operária. Rio de Janeiro, 16/03/1929, p. 1.
22
- Fala a “A Esquerda” o deputado Azevedo Lima. A Esquerda. Rio de Janeiro, 19/04/1928,
p. 1; A ação da minoria na próxima sessão legislativa. Fala a “Esquerda” o deputado Azevedo Lima.
O Combate. São Paulo, 20/04/1928, p. 6.
454

Naturalmente, tais declarações caíram como uma bomba entre as fileiras


comunistas, cujos dirigentes imediatamente o procuraram. Aparentemente as
arestas foram aparadas, pois dias depois, Azevedo Lima, anunciando seu
embarque para uma estação de repouso em Cabo Frio, deu novas declarações à
imprensa, praticamente retificando as que dera anteriormente23. Embora os
trabalhos parlamentares tivessem se iniciado no dia 3 de maio, foi somente no dia
28 que Azevedo Lima fez pela primeira vez uso da palavra em plenário, onde
apenas leu um manifesto do BOC no qual era feito um balanço da situação
nacional e apresentados os principais pontos da sua plataforma24. Neste balanço
partia-se da situação internacional – greve dos trabalhadores ingleses, guerra na
Síria e em Marrocos, a guerra dos “liberais” na Nicarágua, a questão chinesa, a
agitação na Índia -, da qual se inferia uma “vaga proletária” em ascensão. No
Brasil, “elo nessa cadeia internacional”, também repercutiriam tais
acontecimentos, adiantava o texto. Naquele momento, todavia, uma enorme
concentração de riqueza à qual se opunha uma enorme miséria por parte dos
trabalhadores, os quais eram vitimados pela carestia, desemprego, leis sociais
que não eram cumpridas, deportações etc. No campo político nacional tanto o
PRP como os democráticos tinham uma ação “a favor dos ricos contra os pobres”.
Aos democráticos o BOC somente daria seu apoio se de fato combatessem o
perrepistas, mas reafirmava sua condição de “verdadeiro partido das massas
oprimidas”, às quais se apelava para que se organizassem em seus sindicatos, no
BOC e nos comitês de A Classe Operária. Laconicamente, Azevedo Lima
encerrou a leitura do manifesto afirmando que pretendia dar desenvolvimento ao
que ali se expunha, ressalvando, “se me for possível”.
Houve, a partir de então, um arrefecimento nas relações entre Azevedo Lima
e o BOC. Desde então, por exemplo, Azevedo Lima quase não mais teria
comparecido à sede do BOC durante todo o ano de 1928, exceto na assembléia

23
- Refazendo as energias para a luta. “Na Câmara, continuarei a fazer a política proletária, a
cumprir o programa do Bloco Operário e Camponês”, diz-nos o deputado Azevedo Lima,ao embarcar
para uma estação de repouso. Como o representante dos trabalhadores cariocas apoiará a ação da
bancada oposicionista. A Esquerda. Rio de Janeiro, 25/04/1928, p. 1.
24
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 29/05/1928, p. 350-351.
455

de 19 de agosto que escolheu os candidatos a intendente para as eleições de


outubro e a outra reunião na qual foi lida uma crítica à sua atuação parlamentar, e
seus contatos com a “massa e a vanguarda proletárias” teriam sido mínimos
depois dos episódios da UTG-RJ e durante a campanha eleitoral para a escolha
dos intendentes do Distrito Federal Azevedo Lima teria participado apenas de três
comícios entre os quase sessenta que se realizaram 25. Mesmo através de seus
pronunciamentos isto se tornou perceptível, tanto pela diminuição do volume de
discursos como pelo tom e os temas neles tratados. Coisa, aliás, notada pela
própria imprensa carioca, como o fez O Globo, o qual afirmou que sua atuação
em 1928 não fora tão destacada como a que havia tido durante o governo de
Arthur Bernardes26.
Mesmo assim continuou desenvolvendo uma atuação na que predominaram
em seus pronunciamentos interesses populares. Uma das questões que mais
abordou durante o ano de 1928 foi a referente à da habitação, enfocada pelo
ponto de vista da lei do inquilinato. Este tema já havia sido abordado por Azevedo
Lima no ano anterior, quando abordou a questão da concorrência para a
aquisição condicional por parte dos moradores dos apartamentos do Conjunto
Habitacional da Vila Marechal Hermes, contra a qual se manifestou, pois avaliava
que o governo abriria mão de uma fonte boa fonte de renda, os aluguéis pagos
pelos seus moradores, além de permitir que se majorassem os aluguéis e os
apartamentos caíssem nas mãos de “exploradores”. Este posicionamento era
decorrente da plataforma do Bloco, que defendia a construção, expropriação e
municipalização geral das casas para operários; ou seja, as habitações dos
trabalhadores seriam de propriedade do Estado, a quem incumbiria também a
cobrança dos aluguéis. Em 1928, novamente o tema veio à baila por conta de um
projeto de lei que revogava a chamada “Lei do Inquilinato”, datada de 1921 e
desde então anualmente prorrogada, pela qual os preços dos aluguéis

25
- Confirma-se o rompimento do deputado Azevedo Lima com o Bloco Operário e Camponês.
A Esquerda. Rio de Janeiro, 11/03/1929, p. 3.
26
- A pasmosa esterilidade do Legislativo. Notou-se, até, em 1928, no Congresso, a ausência
dos verdadeiros cânones da elegância e da eloqüência tribunícia. Uma crítica causticante do deputado
Azevedo Lima. O Globo. Rio de Janeiro, 02/01/1929.
456

residências eram controlados no Distrito Federal. Setores da imprensa, mesmo


reconhecendo que havia cerceamento à liberdade de especular com a locação
que pertencia ao locador, viam na proteção que o Estado dava à população
carioca algo inevitável em uma situação de “desequilíbrio entre oferta e procura” e
classificavam esta revogação de “atentado à economia doméstica” do povo
carioca27. Azevedo Lima, por sua vez, defendia nova prorrogação da lei alegando
que, frente à crise econômica decorrente do plano de estabilização da economia
do governo, sua revogação seria mais um elemento de agravamento da condição
de carestia da classe trabalhadora, além de ir adiando “para as calendas gregas a
solução definitiva do problema”. Esta somente aconteceria com a abolição do
capitalismo. Até lá, Azevedo Lima julgava preferível que os trabalhadores
conseguissem evitar o agravamento dos preços dos aluguéis e, como resultado
de sua leitura, feita em plenário, de trechos do famoso texto de Friedrich Engels
sobre a habitação, manifestava-se contra as propostas de aquisição de casa
própria, por julgar que ao tornar-se um proprietário o trabalhador se tornaria um
servo, “vinculado ao solo e preso, por isso mesmo, às imposições e usurpações
dos detentores do capital, que o iriam explorar no seu trabalho, nas fábricas, nas
usinas, em todos os locais de atividade”28.
Ao final, a “Lei do Inquilinato” acabou sendo revogada e, por meio de
Azevedo Lima, a Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro, dirigida então
pelo marceneiro comunista Roberto Morena, criticou a decisão, que viu como
mais uma concessão dos parlamentares aos “magnatas das finanças e dos
detentores do capital” e uma traição ao mandato que “lhes conferiu o
proletariado”. Além disso, a Federação, relembrando os termos de outro
documento - que o deputado do BOC também lera em plenário, e no qual se
desmentira o líder do governo ao afirmar que o aumento do custo de vida afetara
sobremaneira a classe proletária -, concluía que aquele era o pior momento em
que se poderia revogar a “Lei do Inquilinato”:

27
- O inquilinato. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 18/12/1928, p. 4.
457

“Quer isto dizer que, justamente na ocasião menos oportuna, isto é, quando
mais úteis se tornavam as medidas de coerção da lei do inquilinato contra a
especulação dos proprietários desta Capital, é que a Câmara dos Deputados, com
a obstinação dos que advogam em causa própria, se dispõe a consultar os
interesses dos ricaços senhorios, para quem jamais a vida sorriu como agora,
segundo se pode depreender do discurso do próprio líder da maioria, Sr. Villaboim,
a quem se obedece, com raras e honrosas exceções .”29

Afora isso, embora, reitere-se, com menos volume do que ocorrera em 1927,
Azevedo Lima continuou a veicular em plenário as denúncias que recebia a
respeito da ação da polícia contra o movimento operário, nas quais destacou,
especialmente, as prisões e expulsões de militantes estrangeiros, as brutalidades
praticadas por policiais, em particular as torturas30, as invasões das sedes da
Federação dos Trabalhadores de Natal (Rio Grande do Norte) e da Coligação
Operária de Santos e a repressão desencadeada contra o BOC durante a
campanha eleitoral no Distrito Federal. Neste caso, especificamente, foi muito
enfático em denunciar a ação da polícia política e de seu delegado Pedro de
Oliveira Sobrinho, do qual solicitou a demissão do cargo, em razão da sua
atuação e de seus subordinados nos episódios que resultaram na morte de um
trabalhador no comício do BOC realizado no Arsenal de Marinha.
Outros temas dos quais Azevedo Lima se ocupou em plenário com mais
ênfase durante o ano de 1928 eram referentes a questões conjunturais e que não
tinham reflexo imediato nas principais preocupações do BOC. Tais
pronunciamentos foram relativos a denúncias de irregularidades e desmandos
ocorridos no Colégio Militar e na Escola Militar; ao desconto em folha para
pagamento de dívidas contraídas com associações de classe ou
estabelecimentos bancários da Capital ou dos Estados pelo funcionalismo federal;
e as contas dos militares referentes aos adiantamentos que receberam para o
serviço de repressão aos movimentos de revolta de 1922 e 1924. Azevedo Lima
também se dedicou a discutir alguns projetos de lei referentes a questões

28
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 05/06/1928, p. 445.
29
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 03/10/1928, p. 4.050.
458

específicas que afetavam o Rio de Janeiro, como o da instalação de hidrômetros


e de aumento das tarifas de saneamento, além de exercer em alguns casos suas
atribuições de fiscalizados.
Cumpre destacar um pronunciamento feito por Azevedo Lima sobre
escaramuças bélicas nas fronteiras entre a Bolívia e o Paraguai, em razão da
importância que se dará posteriormente a ele. O objetivo de seu pronunciamento
foi a apresentação de um requerimento no qual se estabelecia que a Câmara dos
Deputados, desejando a paz entre os dois países, lhes propusesse a busca de
uma “honrosa fórmula conciliatória para o dissídio em que ora se encontram”.
Esta proposição talvez não tivesse tão sido malvista pelos comunistas não fossem
os fundamentos expostos por Azevedo Lima. Ele apresentava a América do Sul
como um continente pacífico, que ainda não era atormentado pelos problemas
que perturbavam a Europa. Nele a luta de classes não assumira as “assustadoras
proporções” existentes na Europa: “A paz sul-americana é por assim dizer
fenômeno puramente natural”. Azevedo Lima afirmava, por outro lado, que o
“desassossego e o nervosismo das nações serão apenas obra da imaginação dos
estadistas contaminados pelo conflito dos interesses burgueses a lavrarem nas
potências de hipertrofiada civilização industrial”. Como, na avaliação de Azevedo
Lima, esta situação não existia na América do Sul, onde não havia também
fatores econômicos que predispusessem à intranqüilidade permanente, concluía
ele que a situação entre os dois países era “um equívoco internacional” que a
“boa vontade” entre as partes traria o “remédio heróico”. Além disso, para
terminar de chocar os comunistas, Azevedo Lima afirmou que durante muitos
anos os países sul-americanos ainda precisariam do “concurso do capital
estrangeiro e a colaboração dos elementos alienígenas para a obra de
organização de suas nacionalidades”. Enfim, era a mais completa negação dos
conceitos de imperialismo e de luta de classes.

30
- Azevedo Lima leu em plenário as denúncias formuladas por um escritor de origem
portuguesa Antônio Narciso Rôças, de pseudônimo Amadeu Santelmo, sobre as brutais torturas de
que foram vítimas ele e outro prisioneiro na 4ª Delegacia Auxiliar.
459

Por fim, apesar de, durante o ano de 1928, ainda ser possível mencionar
outras questões nas quais Azevedo Lima fez parte do debate, como, por exemplo,
no caso do projeto de lei regulava a questão da radiodifusão no Brasil, o qual,
diga-se de passagem, foi por ele competente e minuciosamente examinado,
julgamos que sua postura de “franco-atirador”, de alguém que precisa deixar sua
opinião consignada, em boa parte das discussões que aqui não mencionaremos
acaba, no fundo, demonstrando um processo de descolamento do BOC e de
perda de referência política. Isto, por exemplo, é visível no caso de uma
discussão da que tomou parte referente a um projeto de lei que modificou tarifas
aduaneiras, especificamente aumentando as tarifas sobre o tecido de algodão.
Tal iniciativa teria reflexos sobre os trabalhadores têxteis, provocando
desemprego entre eles. Azevedo Lima acabou, no entanto, fazendo a este
propósito um confuso pronunciamento no qual pretendia mostrar a necessidade
de uma política industrial e a importância do monopólio do comércio exterior,
citando em ambos os casos o exemplo da URSS, sem, no entanto, conseguir
fazer o devido contraponto com a situação brasileira, e acabou enveredando em
comentários sobre a saúde pública, fisiologia, instrução pública, cinema, o caso
de Trotsky e regime penitenciário na URSS e concluindo que a salvação estava
na revolução social31. Enfim, como se diria anos mais tarde, Azevedo Lima
perdera o eixo.

A saída de Azevedo Lima do BOC

Como se sabe, Azevedo Lima, em janeiro de 1927, impôs como condição


para sua entrada no Bloco Operário a manutenção do seu compromisso de apoio
individual dado ao médico Oswaldo de Moura Nobre, cuja base eleitoral era a
região de Espírito Santo. Tal compromisso resultou na filiação de Moura Nobre ao

31
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 27/12/1928, p. 7.366-7.369.
460

BOC, onde ocupou o cargo de arquivista em seu Comitê Central, bem como na
criação do Centro Político Proletário do Espírito Santo.
A proeminência e o destaque dados às atividades de Azevedo Lima como
deputado e presidente do Bloco fizeram com que os críticos do BOC começassem
a apresentá-lo como “chefe político”, ou “coronel do comunismo”, modo pelo qual
o classificava Maurício de Lacerda, justificando tais assertivas em razão de o
pagamento o aluguel da sede e das despesas de alistamento de eleitores serem
de sua responsabilidade32. Esta observação, referida mais de uma vez em artigos
de militantes do BOC, parecia incomodar os comunistas. Não se sabe se fazendo
uso deste pretexto ou não, mas o fato é que a opção tomada pela Assembléia de
Delegados, no dia 19 de agosto de 1928, em favor das candidaturas de Minervino
de Oliveira e Octavio Brandão, e, conseqüentemente, em favor de “candidaturas
operárias”, fez com que o nome de Moura Nobre fosse excluído da chapa do
BOC, afastando-se, portanto, o candidato de Azevedo Lima. Como resultado da
decisão, Moura Nobre acabou saindo como candidato avulso a intendente pelo 2º
Distrito. Os dirigentes do BOC procuraram Azevedo Lima e pediram que
intercedesse junto a Nobre a fim de que ele se demitisse do Bloco, pois
consideravam que esta situação, além de ser um exemplo de indisciplina, criava
confusão entre os filiados e simpatizantes. Finalmente, Moura Nobre demitiu-se
no dia 8 de setembro, continuando, porém com o apoio público do deputado do
BOC e sendo apresentado até pela imprensa como candidato da “Chapa Azevedo
Lima”33. Mesmo assim firmou-se um compromisso “operacional” em que os votos

32
- Tob. Guarany. O B.O.C. é uma autêntica organização de trabalhadores. A Esquerda, Rio
de Janeiro, 11/08/1928, p. 4; A apuração do último pleito carioca. Comunismo a granel... Correio da
Manhã. Rio de Janeiro, 18/11/1928, p. 2.
33
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de
junho a 31 de julho de 1929, p. 560; Ata da reunião da C.C.E. do P.C.B., de 30 de setembro de 1928
(RGASPI); As próximas eleições municipais. Em reunião de ontem, os delegados do Bloco Operário e
Camponês escolheram os seus candidatos a intendente pelo 1º e 2º Distrito. A Esquerda. Rio de
Janeiro, 20/08/1928, p. 6; Sr. Azevedo Lima e as próximas eleições. Serão apoiados pelo deputado
carioca apenas os candidatos Octavio Brandão, pelo 1º distrito, Minervino de Oliveira e Moura
Nobre, pelo 2º distrito. A Esquerda. Rio de Janeiro, 22/09/1928, p. 6; A apuração do último pleito
carioca. Um comunista nobre.... Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 08/11/1928, p. 6; As eleições
municipais. Uma lista completa dos candidatos de pleito de domingo. Correio da Manhã. Rio de
Janeiro, 26/10/1928, p. 3.
461

do eleitorado de Azevedo Lima seriam divididos entre Moura Nobre e Minervino


de Oliveira.
Porém, as coisas não aconteceram desse modo, pois foram distribuídas
circulares aos eleitores do 2º Distrito, assinadas por Azevedo Lima,
recomendando enfaticamente que os oito votos que cada eleitor dispunha fossem
dados exclusivamente a Moura Nobre. Foi enviada uma delegação da CCE do
PCB para interceder junto a Azevedo Lima no sentido de ser cumprido o
acordado. Procurado, Azevedo Lima, todavia, manteve-se irredutível, afirmando
que, no máximo, poderia colocar à disposição do BOC o seu “cadastro” de
eleitores. Mesmo assim, foram colocados tantos obstáculos para que se
consultasse o “livro de residência dos eleitores”, que a CCE resolveu pedir a
Azevedo Lima que fizesse uma declaração pública recomendando o nome de
Minervino de Oliveira e que, se este se recusasse, o BOC tomaria a atitude que
julgasse mais conveniente, além de declarar pela imprensa que Moura Nobre não
34
era membro nem candidato do BOC . A disputa, todavia, prosseguiu. Os
resultados eleitorais, quando Minervino obteve 8.053 votos no 2º Distrito,
mostraram que Azevedo Lima empenhou-se para o cumprimento de seu acordo
com Moura Nobre, elegendo-se este intendente. Obviamente tal acordo, na
verdade, significava para Azevedo Lima a manutenção do controle sobre seu
“reduto” eleitoral. Um comentário feito posteriormente em um relatório sobre o
BOC, apresentado ao III Congresso do PCB, deixou isso claro:

“Antes, como durante as eleições, a atitude do deputado do Bloco foi dúbia.


Seu candidato pelo 2º distrito não era o nosso. Seu esforço pela vitória do Bloco foi
mínimo. E, à sua sombra, seus amigos prejudicaram-nos bastante. Pelos seus
próprios cálculos, seu candidato pessoal deveria ter 7.600 votos e, no entanto, teve
12.919.”35

34
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., de 14 de outubro de 1928 (RGASPI). Ata da Reunião
da C.C.E. do P.C.B., de 21 de outubro de 1928 (RGASPI).
35
- S.A. A vida do Bloco Operário e Camponês. [Rio de Janeiro, dezembro de 1928], p. 1
(RGASPI).
462

Paralelamente a esta disputa desenrolou-se outro debate dentro das fileiras


do BOC e do PCB. Em uma reunião do Comitê Central do BOC, um militante da
Juventude Comunista leu um documento, intitulado “Observações à atividade
parlamentar do BOC”, aprovado pelo Comitê Central da Juventude Comunista, e
posteriormente publicado no número 5 de Auto-Crítica, censurando a atividade
parlamentar do Bloco, ou seja, a ação de Azevedo Lima. Este, após a leitura do
documento, pediu demissão da presidência do BOC e deixou de comparecer às
reuniões do seu Comitê Central. As críticas deste documento, algumas das quais
reproduzidas pelo membro da Juventude Comunista Manoel Karacik, dirigiram-se
à excessiva propaganda feita sobre o “indivíduo Azevedo Lima”, na tentativa “de
prender (o termo melhor será ‘corromper’) o deputado Azevedo Lima ao Partido”:

“Divinizou-se Azevedo Lima, que era recebido sempre com grande uníssonos
onde aparecia. Tática antimarxista, porque não teve em conta não só a influência
dos interesses econômicos de Azevedo Lima, com o jogo das suas forças
eleitorais. Mais uma vez houve uma superestimação dos fatores subjetivos e um
absoluto desprezo pelos objetivos. Não será demais repetir, nós temos sido vítimas
de um mal de ordem psicológica, o subjetivismo, a crença em resolver por meio
apenas de palavras, sob a forma de apelos, elogios, ataques e ameaças.”36

Manoel Karacik também criticou, com referência à candidatura de Moura


Nobre, a capitulação do PCB perante Azevedo Lima, tolerando o apoio deste
àquele candidato. Curiosamente, tais críticas, que ressaltavam o individualismo
das ações de Azevedo Lima, eram de mesmo teor das feitas pelo BOC a Maurício
de Lacerda quando da campanha eleitoral de fevereiro de 1927.
Estas polêmicas fizeram com que a CCE, após as eleições, resolvesse
instaurar um “inquérito” sobre as atitudes de Azevedo Lima37, o qual teve como
resultado, no III Congresso, uma dura resolução, embora ainda na expectativa de
uma saída positiva, sobre as atitudes de Azevedo Lima:

36
- Manoel Karacik. Para o III Congresso do Partido. Rio de Janeiro, [dezembro de 1928], p. 4
(RGASPI).
37
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., de 2 de novembro de 1928 (RGASPI).
463

“O B.O.C. precisa evitar todo e qualquer desvio eleitoralista ou oportunista,


compreendendo a sua obra como um ponto de partida para a fermentação e a
radicalização das massas. Precisa criticar severamente a atuação do seu
representante na Câmara Federal, combater os desvios deste último, fazê-lo
comparecer às reuniões periódicas, para ouvir e discutir as críticas. Caso ele não
se subordine à linha política firme do B.O.C. e torne inevitável o rompimento,
precisamos fazê-lo com inteligência, realizando um trabalho preliminar de crítica
perante as massas, para que estas o responsabilizem pelo rompimento e o
condenem, deixando-o isolado.”38

Esta resolução mostrava claramente a disposição dos comunistas em


centralizar e controlar definitivamente o mandato de Azevedo Lima. Ela era a
cristalização do processo de superposição entre o BOC e o PCB, pelo qual o
primeiro tornou-se a forma de expressão legal do segundo. No entanto, para
Azevedo Lima, o acordo estabelecido sob a bandeira da frente única em janeiro
de 1927 não tinha estas características. Azevedo Lima tendia a compreender,
como boa parte dos políticos, o seu mandato como sendo uma “propriedade”
pessoal. Prova disso eram as relações que entretinha com seu eleitorado, as
quais, aliás, não se distinguiam muito das então estabelecidas por grande parte
dos parlamentares. Já os comunistas, como vimos, tinham uma visão distinta,
compreendendo o mandato parlamentar como algo pertencente ao partido,
concepção esta, inclusive, codificada nos artigos X e XI dos Estatutos do BOC.
No dia 9 de fevereiro uma comissão do BOC reuniu-se com Azevedo Lima
para discutir os problemas em relação ao eu mandato. Nesta reunião lhe foi
apresentada uma crítica, que fora aprovada pelo Presidium do PCB em 19 de
janeiro e levada ao BOC e cujo conteúdo será tornado público mais tarde, como
veremos adiante. Pelo lado do BOC a conclusão do encontro foi a de que
Azevedo Lima não desejava ter nenhuma responsabilidade e que pretendia pedir
sua demissão do Bloco. Azevedo Lima, de sua parte, afirmou que nesta reunião
ele havia renunciado a continuar sendo delegado ou membro do BOC. Em
reunião do Comitê Central restrito o PCB deliberou difundir a crítica aprovada no
Presidium pelas células comunistas e comitês do BOC, bem como convocar uma

38
- PCB. Teses e resoluções adotadas pelo III Congresso do Partido Comunista do Brasil, p.
15-16. Para a íntegra da resolução ver o Anexo XV.
464

assembléia do Bloco a fim de que Azevedo Lima prestasse contas de seu


mandato39. Percebendo que estava sendo encurralado, o deputado federal
resolveu então tomar uma atitude para precipitar a situação, pois para ele era
claramente inconcebível o que dele pleiteavam os comunistas. Desde o ano
anterior já se articulava o processo sucessório de Washington Luís, o qual já se
definira pelo apoio à candidatura do Presidente do Estado de São Paulo, Júlio
Prestes. Esta decisão significou uma ruptura no acordo não escrito chamado
“política do café com leite”, pelo qual se sucediam representantes de São Paulo e
Minas Gerais na Presidência da República, e o alijamento do nome do Presidente
do Estado de Minas Gerais como sucessor “natural” de Washington Luís. Em
janeiro de 1929 o presidente mineiro anunciou que o Estado de Minas Gerais não
apoiaria o nome de Júlio Prestes, o que deixava, mesmo ainda muito tenras as
articulações políticas, aberta a possibilidade de que Antônio Carlos se lançasse
como candidato de oposição. Posicionado frente a esta hipótese, Azevedo Lima
fez um rápido cálculo político. Como suas relações com Antônio Carlos definiam
de antemão que não havia a menor possibilidade de apoiá-lo, Azevedo Lima
“tampou o nariz” e deu uma entrevista ao órgão democrático A Ordem na qual,
indagado sobre a disputa Júlio Prestes versus Antônio Carlos, afirmou que
“preferia um déspota de coragem a um liberal camuflado”. Com isso, Azevedo
Lima acreditava ter resolvido alguns problemas: isto precipitaria o problema de
suas relações com BOC, encerrando-as - o que, ao mesmo tempo, lhe garantia a
possibilidade de retomada de contato com aqueles setores que tradicionalmente o
apoiavam, mas que se haviam afastado por conta de sua aproximação com o
comunismo -, e tornava claro que pretendia continuar com seu mandato
parlamentar, tendo a máquina do governo a seu lado, caso dela necessitasse.
Pelo lado do BOC esta entrevista precipitou a decisão. No dia 10 de março,
após uma reunião da sua Assembléia de Delegados, o BOC divulgou uma longa

39
- Ata do C. Central Restrito (Comissões e Presidium) de 10 e 12-2-1929, p. 2 (RGASPI);
Como o parlamentar carioca explica, definitivamente, em carta ao eleitorado, os motivos do seu gesto
rompendo com os comunistas. A Manhã. Rio de Janeiro, 13/03/1929. Sobre a documentação relativa à
saída de Azevedo Lima do BOC ver o Anexo XII.
465

declaração na qual, depois de fazer um longo elenco de críticas às atitudes


tomadas por Azevedo Lima ao longo do ano de 1928, concluía, praticamente nos
mesmos termos da resolução do III Congresso do PCB, que Azevedo Lima
deveria se subordinar, dentro e fora da Câmara, ao controle da massa operária e
aceitar as críticas a fim de reparar suas falhas e aperfeiçoar seu trabalho40. As
críticas procuravam mostrar que Azevedo Lima não se subordinara ao “controle
da massa operária”, o que o levou a desviar-se da “linha proletária”. Tais desvios
estariam expressos, além da sua ausência a reuniões e escassa presença na
campanha eleitoral de 1928, no discurso sobre o conflito Bolívia e Paraguai –
“seu discurso é retintamente pacifista pequeno-burguês, reformista, confusionista”
-, nas suas declarações de abril de 1928 – nas quais afirmara que não tinha
programa -, na limitada defesa da revolução russa – que se restringia “quase ao
terreno cultural” -, à atividade insuficiente na questão da lei do inquilinato, no não
protesto contra a reação na China, no não aproveitamento da campanha contra a
falta de higiene nos Correios, na campanha abstrata a respeito da ditadura do
proletariado, no modo como “respeita demasiadamente as velhas praxes
parlamentares, tratando os lacaios da burguesia com luvas de pelica” e, por fim,
no seu completo silêncio quando da visita do presidente norte-americano Hoover
ao Brasil.
Azevedo Lima, através da imprensa, deu sua réplica à nota do BOC
deixando claro que as razões que determinaram a precipitação da ruptura
estavam na questão do apoio a Moura Nobre. Embora os comunistas não tenham
tocado em suas declarações na questão da sucessão presidencial, Azevedo Lima
deu uma nova estocada no assunto, depois de admitir que reconhecera a
superioridade de um sobre outro, ao afirmar que Octavio Brandão teria se

40
- Confirma-se o rompimento do deputado Azevedo Lima com o Bloco Operário e Camponês.
A Esquerda. Rio de Janeiro, 11/03/1929, p. 1 e 3; O sr. Azevedo Lima rompeu com os bolchevistas. A
Manhã. Rio de Janeiro, 12/03/1929, p. 1 e 12; O sr. Azevedo Lima e a política proletária. Diário
Carioca. Rio de Janeiro, 12/03/1929; Como o parlamentar carioca explica, definitivamente, em carta
ao eleitorado, os motivos do seu gesto rompendo com os comunistas. A Manhã. Rio de Janeiro,
13/03/1929; Este, em vez de marchar para a esquerda proletária, rola para direita burguesa.
Publicamos a crítica aprovada unanimemente na assembléia dos delegados a 10 de março. A Classe
Operária. Rio de Janeiro, 16/03/1929, p. 1 e 4.
466

manifestado a favor de um candidato, que não nomeou, “alheio como qualquer


outro, quer à orientação política, quer à ideologia política do Bloco”. Nela não
respondeu a nenhuma das acusações que lhe foram feitas na nota da Assembléia
dos Delegados do BOC, que classificou como sendo de “última hora”, mas as
vinculou a “diretrizes estranhas”, em uma alusão aos comunistas. Mais tarde
Azevedo Lima deixaria expresso claramente seu ponto de vista:

“Se é certo que eu rompi com os que se presumem arautos das


reivindicações proletárias, foi porque reconheci nesse bachareletes sem lustre e
boticários desfrutáveis, que lhes faltava competência para impor-me a sua vontade,
a mim que não reconheço a superioridade dos subalternos, ou a hegemonia dos
inferiores.
Propugnei a causa do proletariado e hei de propugná-la em quantas forças
me forem dadas, mas sem prestar contas àqueles que entendem que eu deva
subverter as próprias leis da diferenciação morfológica e fisiológica dos homens.
Acredito, e quase religiosamente, na verdade de um materialismo econômico
e aceito a interpretação dialética da história. O que não compreendo é o
nivelamento, a igualdade, a identificação dos desiguais, no ponto de vista moral e
no ponto de vista intelectual.
Quando entendi que desserviam eles à causa do proletariado que eu
defendia, abandonei-os para ficar com o proletariado, relegando-os ao desprezo,
por serem incapazes de servir às reivindicações proletárias e à emancipação dos
trabalhadores da minha terra!”41

É difícil acreditar, no entanto, que as acusações que lhe foram lançadas


tenham sido feitas de última hora, como cartas tiradas da manga, como afirmou
em sua resposta à nota da Assembléia dos delegados do BOC. Elas lhe foram
certamente formuladas ao longo do ano de 1928. O fato de não se ter precipitado
nenhuma crise a cada vez que lhe eram feitas serve apenas para mostrar uma
certa acomodação mútua entre as partes, pois não havia interesse para nenhum
dos lados em fazer explodir a relação. Pelo lado do BOC e do PCB não era
interessante abrir mão de seu parlamentar. Pelo lado de Azevedo Lima talvez
este acreditasse ainda ser possível levar a situação até a próxima eleição e não
julgasse conveniente ficar sem nenhum apoio político. A eleição dos dois

41
- Leônidas do Amaral. Os pródromos da campanha presidencial, p. 268. Trata-se da
transcrição de pronunciamento feito por Azevedo Lima no plenário da Câmara dos Deputados em sua
sessão de 28 de agosto de 1929.
467

intendentes, que dera ao PCB um estratégico e importante posto político, muito


provavelmente teve o condão de fazer com que o partido se decidisse a fazer o
movimento definitivo e tomasse as resoluções que definiu no seu III Congresso,
as quais, por sua vez, deixaram claro a Azevedo Lima que o impasse estava
colocado e o ultimato lhe seria formulado.
Enfim, foi só uma questão de tempo e no dia 5 de abril de 1929 Azevedo
Lima foi publicamente expulso do BOC42. O deputado carioca, que chegou a
definir Júlio Prestes, quando era o representante do Bloco, como “chefe da
plutoligarquia paulista”, durante a campanha eleitoral achava desnecessário
enaltecer “as virtudes que se lhe engrandeçam os méritos” do seu “eminente e
particularíssimo amigo”43. Nas eleições de 1º de março de 1930, Azevedo Lima
reelegeu-se mais uma vez. No entanto, com o desencadeamento da chamada
“Revolução de 1930”, perdeu seu mandato. Ironicamente, resolvera defender de
arma em punho os últimos dias do mandato de Washington Luís e a posse de
Júlio Prestes contra as forças da Aliança Liberal, que contavam – mais uma ironia
- com o apoio de muitos daqueles “tenentes” a quem defendera no plenário da
Câmara dos Deputados em 1924, razão pela qual acabou sendo preso no dia 22
de outubro de 193044.
Neste episódio de ruptura com Azevedo Lima avultaram as conseqüências
da política de frente única eleitoral engendrada pelo Bloco Operário em janeiro de
1927, na qual, ao final, se acabou fazendo um acordo. Para Azevedo Lima este
acordo envolvia aquela eleição e os processos eleitorais e para o Bloco o acordo
tinha o pressuposto de que ganhava um mandato. Significativo do choque de
visões é este trecho de um pronunciamento do então intendente Octavio Brandão
feito em 3 de setembro de 1929:

42
- O deputado Azevedo Lima expulso do Bloco Operário e Camponês. A Esquerda. Rio de
janeiro, 06/04/1929; O Deputado Azevedo Lima foi expulso do Bloco Operário e Camponês. A Classe
Operária. Rio de Janeiro, 06/04/1929.
43
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro 12/11/1927, p. 5.816; Leônidas do Amaral.
Os pródromos da campanha presidencial, p. 277. Trata-se da transcrição de pronunciamento feito
por Azevedo Lima no plenário da Câmara dos Deputados em sua sessão de 28 de agosto de 1929.
468

“O Sr. Azevedo Lima aderiu ao Bloco Operário e Camponês julgando que ia


ali dominar e exercer uma ditadura pessoal. Em 1928, quando se deu uma crise na
direção do Bloco, Azevedo Lima pediu demissão do cargo de presidente e
comunicou-me que só voltaria ao referido cargo para ser um verdadeiro ditador.
Respondi-lhe imediatamente: - O Sr. confunde o proletariado com a grande
burguesia. Ditadura pessoal é possível no seio da grande burguesia. No seio do
proletariado ela não pode existir, porque cada indivíduo, cada militante, não é mais
do que um parafuso da máquina do proletariado.”45

Somente neste momento os comunistas talvez tenham compreendido o


conselho dado por Maurício de Lacerda em fins de 1926 para que buscassem
apresentar uma “candidatura vermelha”, “afirmativa e pura” ao invés de “fingir que
faziam um deputado”. Quando os comunistas tentaram exercer um controle sobre
o parlamentar que “fizeram” e sobre suas ações políticas encontraram uma
previsível resistência a isto, que teve como resultado lógico ruptura das relações.

MINERVINO DE OLIVEIRA E OCTAVIO BRANDÃO: “DOIS


REPRESENTANTES DO PROLETARIADO NUMA CIDADELA DOS
OPRESSORES”

O mandato dos intendentes comunistas viu-se cercado, desde a confirmação


de que ao menos um deles teria assento no Conselho Municipal do Distrito
Federal, de intensa expectativa e curiosidade, ao contrário do que ocorrera com
Azevedo Lima. Este, embora votado por uma frente única da qual fazia parte o
PCB, fora reeleito e desde muito era uma personalidade conhecida do mundo
político como oposicionista. Já com Minervino de Oliveira e Octavio Brandão
ocorria uma situação inédita na história política do Brasil: eram os comunistas,
agora sem qualquer intermediação, que iriam ter assento e expressar-se
diretamente na mais importante Câmara Municipal do Brasil.

44
- Ver o relato sobre este momento na obra de Azevedo Lima. Da caserna ao cárcere.
45
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de
agosto e 30 de setembro de 1929, p. 877.
469

A presença dos dois intendentes, desde o resultado final que determinou a


posse de ambos, veio marcada por uma forte polarização, que opunha na opinião
pública, de um lado, as correntes políticas ligadas ao situacionismo que agitavam
o fantasma do “perigo bolchevista” e, de outro, os setores mais moderados, que
viam sua presença na arena política como um sinal dos tempos, frente ao qual
tinha-se apenas de demarcar suas diferenças. Exemplar deste último
posicionamento foi um texto do editorialista do Correio da Manhã, M. Paulo Filho,
no qual se afirmava que havia muito mais perigo nas manobras dos que “querem
roubar um direito líquido, certo e incontestável, substituindo a vontade soberana
das urnas pelo capricho odiento e mesquinho das facções interesseiras,
desorientadas e impelidas ao sabor dos conchavos secretos e imorais” do que
nos comunistas, os quais Paulo Filho julgava como sendo “nem bons nem maus”,
pois acreditava ter o comunismo falhado em seus fins46. Com relação à corrente
anticomunista, seu explícito antagonismo não necessita aqui de maiores registros,
mas é relevante realçar o peso de sua influência dentro do próprio PCB, o qual,
em reunião da CCE de 20/11/1928, havia decidido que Minervino de Oliveira e
Octavio Brandão deveriam sempre responder que “representavam o BOC,
composto de operários comunistas e não comunistas, que não sabem se o PCB
existe, mas que devem, pelo próprio programa do BOC, pleitear a queda das leis
celeradas, para existência legal do PCB”, posição esta sustentada por ambos
durante os primeiros meses em que atuaram no Conselho Municipal, mantendo-se
até meados de outubro de 192947.
Do mesmo modo que ocorrera com Azevedo Lima no ano anterior, Octavio
Brandão leu na primeira intervenção que fez em plenário, em 3 de junho, o

46
- M. Paulo Filho. O outro comunismo. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 30/11/1928, p. 4.
47
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., em 20 de novembro de 1928 (RGASPI). Em um dos
seus primeiros pronunciamentos, em 11 de junho de 1929, Minervino de Oliveira foi aparteado por
Moura Nobre, que lhe indagou se era membro do PCB. A resposta foi clara: fazia parte do BOC (Cf.
Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de junho a 31 de
julho de 1929, p. 492). Em pronuncimento feito pelo próprio Minervino de Oliveira, em 14 de
outubro, admitiu-se o vínculo do BOC com o PCB: “Porque já temos declarado inúmeras vezes, que a
opinião de Octavio Brandão aqui dentro, é a minha opinião; e a nossa opinião, aqui dentro, não é
nossa, pertence ao Bloco Operário e Camponês, dirigido pelo Partido Comunista, é a opinião do
470

manifesto inaugural do BOC, no qual era feito um retrato da conjuntura do


momento e se forneciam guias de ação para o próximo período. Depois de
sumariar as atividades do BOC pelo País no longo interregno decorrido desde a
solenidade de posse, em fins de dezembro de 1928, até o início das sessões do
Conselho Municipal do Distrito Federal, em 29 de maio de 1929 – onde se aludiu
à participação nas eleições de março de 1929 para deputado estadual no Rio
Grande do Sul e aos protestos e comícios promovidos pelo BOC, bem como ao
incêndio sofrido em sua sede e à prisão de Minervino de Oliveira, em 25 de maio,
por ocasião de uma manifestação em favor dos gráficos paulistas –, o documento
informava que o BOC contraíra empréstimos para apoiar financeiramente a greve
dos gráficos de São Paulo e a realização do congresso de fundação da
Confederação Geral do Trabalho do Brasil48. Depois de passar em revista a
situação internacional, a qual era apresentada como um quadro de constante
“batalha entre as forças do proletariado e as forças da burguesia imperialista”, na
qual “lenta, mas inabalavelmente”, os trabalhadores caminhavam rumo à
revolução, examinava-se a situação do Brasil. Vinculado à situação internacional,
pois dela era um elo, o País era apresentado como vivenciando uma “crise
avassaladora”:

“O Banco do Brasil dificultando o crédito; outros bancos, aparentemente tão


sólidos, falindo; as firmas comerciais desmoronando-se; o câmbio baixo; a reforma
da moeda em completa bancarrota; fábricas paradas e prestes a falir; os salários
irrisórios; os vencimentos desvalorizados; os impostos exorbitantes; e, com a

proletariado do Brasil!” (Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal.


Sessões de 1º de Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 196).
48
- Para o Congresso teriam sido obtidos por empréstimo 18 contos, em nome de Minervino, e
para a greve dos gráficos teriam sido 15 contos, estes nome de Brandão. Mais tarde, em suas
memórias Octavio Brandão deu uma versão um pouco diferente para a origem de seu empréstimo. Ele
contou que o dinheiro fora retirado por ele e sua companheira Laura do montepio de suas filhas
(Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 357). Em seu depoimento concedido à
Fundação Getúlio Vargas Brandão forneceu outra versão: “Em São Paulo, nas greves dos gráficos em
29, os operários não tinham crédito. Os operários não tinham mais dinheiro e não tinham mais
créditos. Imagine que tragédia. Então o Partido Comunista apelou para Laura. Laura tinha direito a
um patrimônio da família, na Câmara Municipal. Então ela pegou o dinheiro – parece que eram 15
ou 16 contos – e mandou para lá. O dinheiro chegou, pagaram aquelas dívidas aos quitandeiros, aos
portugueses, aos italianos donos dos armazéns, e recuperaram o crédito. Resistiu setenta e tantos dias,
a greve dos gráficos” (Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 71.).
471

degringolada econômica, a desagregação dos velhos laços políticos, morais,


intelectuais, jurídicos, religiosos, etc.”49

Além das decorrências diretas deste panorama, o proletariado não via as


leis feitas em seu benefício serem cumpridas, sendo vitimado pela repressão
quando reivindicava seus direitos, como no caso dos gráficos paulistas. Do
mesmo modo, a classe média via agravar-se sua situação econômica e era vítima
de uma crescente opressão política.
Quanto aos partidos políticos, o manifesto caracterizava, reproduzindo as
formulações resultantes do III Congresso do PCB, os republicanos como
responsáveis por tal quadro e como “esteio da contra-revolução brasileira,
vendida ao imperialismo”. Já os democráticos, vistos como a outra face da mesma
moeda, eram apresentados como “a fração mais esperta da burguesia, que
procura desviar para o leito prostituído da legalidade eleitoralista a correnteza das
revoltas populares que amadurecem”. Somente restavam o PCB e o BOC, este
apresentado como “organização de frente única de todos os trabalhadores em
torno de um programa de reivindicações mínimas”, como as únicas entidades que
poderiam ter o apoio do proletariado.
O manifesto afirmava, frente à questão da sucessão presidencial, que o
BOC entraria na batalha defendendo um programa próprio, pois todos os
candidatos até então anunciados mantinham as políticas de seus antecessores.
Ressaltava-se, no entanto, que os problemas do País só seriam resolvidos por
uma transformação radical do regime. Tal transformação, obedecendo à
formulação etapista da revolução brasileira ratificada pelo III Congresso dos
comunistas, passaria primeiro pela instalação de uma democracia pequeno-
burguesa, desta resultando, posteriormente, uma democracia proletária.

Marcas do mandato

49
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de
junho a 31 de julho de 1929, p. 386.
472

Octavio Brandão, durante o processo de reconhecimento do resultado das


eleições, afirmou à imprensa que parte de seu mandato seria dedicada a “pisar e
repisar o ‘ABC’ do comunismo” e prosseguiu dizendo que “não passarei disso
enquanto se não esteja bem enfronhado no assunto”50. Além disso, enfatizou
outras características que seriam dadas aos mandatos do BOC:

“Dentro do Conselho Municipal a nossa obra deve ser e há de ser,


principalmente, uma obra construtora de organização sindical e política. Por um
lado, queremos a educação das massas populares; por outro lado, haveremos de
pugnar, quanto em nós couber, por tudo quanto direta e imediatamente a elas
possa interessar. O operariado tem direito a uma situação melhor do que a que
desfruta atualmente. Haveremos de nos bater por isso à custa de todo o esforço.”51

Aqui Octavio Brandão deixava apontados dois importantes eixos visados


pela atividade dos comunistas: o do terreno que tanto as elites brasileiras, mesmo
que com uma certa relutância, como os próprios trabalhadores consideravam seu
lugar “natural”, o campo sindical; e o daquela cidadela que as elites consideravam
proibida aos trabalhadores: a arena político-partidária.
Foi com relação a esta última que os comunistas, desde a posse solene,
buscaram salientar perante a opinião pública alguns traços distintivos na forma
pela qual seus parlamentares exerceriam o mandato.
Os estatutos do BOC determinavam que os salários de seus parlamentares
eram parte constitutiva de seus fundos, prática esta, aliás, até hoje persistente em
vários partidos de esquerda brasileiros. Os estatutos do PCB, por sua vez,
embora não mencionassem expressamente o subsídio de seus parlamentares,
estabelecia que seus recursos provinham das “mensalidades, das subscrições
especiais, das empresas do Partido, das subvenções superiores do Partido, etc”52.
Na primeira reunião da direção do PCB após o III Congresso discutiu-se de que

50
- A apuração do último pleito carioca. Seções doentes. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
14/11/1928, p. 6.
51
- A palavra do intendente do Bloco Camponês. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
30/10/1928, p. 1.
473

forma seria utilizado o subsídio dos intendentes, que montava a 3:000$000. Ao


final dela ficou estabelecido de que maneira ele seria dividido:

“Decidiu-se que diretamente do B.O.C receberiam o camarada N. e seu


auxiliar G. O camarada C., como secretário do C[omitê]. R[egional]., receberia
diretamente do C[omitê]. R[egional do]. R[io de Janeiro]. O camarada Emílio
receberia diretamente do B.O.C. O camarada Sylvio também. O B.O.C.
subvencionará A Classe Operária, sendo desta subvenção retirados os salários de
um dos redatores, do camarada Américo [Astrojildo Pereira], e do gerente da
mesma.”53

Embora, em obediência aos estatutos do BOC, os subsídios fossem a ele


destinados em um primeiro momento, ficava claro, com o fluxo dos recursos
determinado pela direção do PCB, que parte significativa acabava sendo por este
último absorvida, ficando perceptível a imbricação entre PCB e BOC. Mesmo
assim, no dia 13 de junho de 1929 – já iniciados, portanto, os trabalhos
parlamentares -, ocorreu uma assembléia geral do BOC na qual se discutiu a
questão dos salários dos intendentes, resolvendo-se aí que a cada um deles
caberia 800$000, sendo o restante repassado ao Bloco. Cerca de um mês depois
esta quantia foi diminuída para 770$000, reduzindo-se posteriormente para
600$00054. Isto significava que o BOC ficava com uma receita mensal de
4:800$000 oriunda apenas dos subsídios dos intendentes. Embora, a rigor, a
questão da divisão dos valores já estivesse definida desde janeiro de 1929, e,
portanto, era um fato consumado dentro do PCB, não se pode desprezar a
realização de uma reunião pública para discutir um tema como este e o efeito de
uma tal decisão sobre a opinião pública, habituada à privatização dos mandatos
públicos.
Outro posicionamento tomado pelos intendentes do BOC relativo às
vantagens materiais a que faziam jus foi o referente aos passes-livres a eles
destinados. Decidiu-se pela devolução dos passes-livres que receberam da “Rio

52
- PCB. Teses & resoluções adotadas pelo III Congresso do Partido Comunista do Brasil, p.
22.
53
- Ata nº 1 do Presidium do P.C.B. de 11 de janeiro de 1929, p. 2 (RGASPI),
54
- Bloco Operário e Camponês. O Internacional. São Paulo, nº 159, 01/07/1929, p. 2.
474

de Janeiro Light and Power” para poder circular pela cidade em seus coletivos.
De acordo com a resolução que definiu a devolução, os passes não eram objeto
de qualquer contrato entre a Light e a Prefeitura ou o Conselho Municipal, sendo,
portanto, apenas um processo de conquista dos políticos. Além disso, o BOC
julgava que os seus representantes não poderiam receber favores de quaisquer
empresas capitalistas. Por fim, lembrava a resolução, a Light sempre impediu a
organização dos trabalhadores dentro da empresa e não cumpria a Lei de
Férias55.
Uma importante questão que perpassou os mandatos de Minervino de
Oliveira e de Octavio Brandão foi a da conexão da atuação “extraparlamentar”
com a propriamente parlamentar. Já na carta aberta de 1927 os comunistas
inseriram a questão da “responsabilidade dos políticos perante as massas”, que
algum tempo depois teve alguns de seus aspectos assim ressaltados por
Astrojildo Pereira:

“Candidato dum partido, ligado a este partido por laços de disciplina, o


candidato operário não vai fazer na Câmara Municipal uma política pessoal de
arranjos e cambalachos mais ou menos inconfessáveis. Eleito, sujeito ao controle
do partido, ele só poderá fazer, na C[âmara]. M[unicipal]., a política impessoal do
partido a que pertence e que nele deposita sua confiança. Isto quer dizer que ele
vai fazer a política do proletariado, política de classe, de franco e desassombrado
combate em prol da classe operária.
Para isto, ele estará sempre em contato direto e cotidiano com a massa
proletária. A esta prestará ele contas, em assembléias públicas, de seu mandato,
de sua atividade na C. M. Por sua vez a massa proletária estará sempre ao seu
lado, prestando-lhe todo o apoio necessário nas campanhas empreendidas.”56

Tais colocações chocavam-se frontalmente com uma particularidade, ainda


hoje persistente, do sistema político brasileiro: a transformação do mandato
político eletivo em uma propriedade individual do eleito, característica esta
decorrente da inexistência de uma cultura de representação político-partidária no
Brasil. Octavio Brandão, em depoimento prestado anos depois, mostrou outro

55
- Os intendentes operários e os passes da Light. O Internacional. São Paulo, nº 153,
01/03/1929, p. 1.
475

ângulo desta questão referindo-se a um certo espanto com que os intendentes do


BOC foram inicialmente recebidos, após a eleição, quando iam realizar as
chamadas “atividades extraparlamentares” nas fábricas e nos bairros operários.
“Depois de eleito nunca mais virá aqui”, “Todos são assim”, eram as frases mais
comuns, citadas por Brandão, e que espelhavam a compreensão da população
brasileira com respeito ao suposto caráter representativo de parte dos políticos
brasileiros57.
Neste sentido, os intendentes comunistas introduziram uma nova prática na
cena política brasileira, em que pesem as exacerbações decorrentes da
radicalização da orientação política do PCB. Os intendentes do BOC durante seu
mandato buscaram pôr em prática aquele ponto da plataforma fazendo visitas e
comícios nos locais de trabalho, nos bairros e nas favelas, tanto no Distrito
Federal como em outras cidades de outros Estados58. Neles discutiam-se as
reivindicações da população, tanto as referentes aos locais de moradia como as
que tratavam da questão do trabalho, muitas das quais acabaram tomando a
forma de propostas legislativas. Minervino de Oliveira, em um pronunciamento
feito na sessão de 03/07/1929, deixara claro isto quando afirmava que “ao sair
daqui todos os dias, dirijo-me ao seio do proletariado, que procuro às portas das
fábricas, das oficinas, e nas organizações operárias”59.
Minervino de Oliveira e Octavio Brandão dirigiam-se tanto aos locais de
trabalho do funcionalismo público – como, por exemplo, a Oficina Geral do
Almoxarifado, o Matadouro de Santa Cruz, às escolas, aos hospitais, nas
ferrovias – como às empresas privadas60. Com relação a estas últimas, os
intendentes do BOC, além de também divulgar suas péssimas condições de
trabalho em contraposição aos seus enormes lucros financeiros, denunciavam o

56
- Astrojildo Pereira. O candidato operário e sua obra primordial. Praça de Santos,
30/01/1928, p. 3 (A íntegra deste artigo está reproduzido no Anexo IX).
57
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 144.
58
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 354-355.
59
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.157.
60
- Idem. Ibidem, p. 1.198-2.001.
476

não cumprimento da legislação do trabalho por elas61; o que também servia para
que fossem desfechadas críticas à ineficiência do Governo e do Conselho
Nacional do Trabalho em sua função fiscalizadora, os quais, assim, eram
acusados de agir em defesa da classe capitalista. Em alguns casos, com a
repercussão obtida pela denúncia, os diretores de tais empresas acabavam sendo
obrigados a se dirigir aos intendentes do BOC para apresentar suas versões dos
fatos.
A presença de ambos nestes lugares, inclusive, foi atestada pela polícia
política carioca, que enviava seus investigadores para acompanhar as idas de
Minervino de Oliveira e de Octavio Brandão “ao seio do proletariado” e que
produziram uma grande série de relatórios a seu respeito62.
Embora o Supremo Tribunal Federal considerasse que os intendentes
cariocas fossem equiparados aos deputados estaduais - o que significava que
eles não poderiam ser presos, como esclareceram Maurício de Lacerda e Moura
Nobre63 -, a polícia política ignorava esta interpretação e por várias vezes
encarcerou os intendentes do BOC. Sua atividade “extraparlamentar” os fazia
participar freqüentemente de comícios públicos, o que levou a que em uma das
altercações no plenário do Conselho Municipal fossem, pejorativamente,
chamados de “meetingueiros”. Em vários deles, como resultado da atitude hostil
da polícia em relação às manifestações públicas nas quais se criticava o governo,

61
- Veja-se, por exemplo, os relatos sobre a falta de pagamentos de férias na Companhia
Industrial Silveira Martins (cf. Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal.
Sessões de 1º de Agosto a 30 de Setembro de 1929, p. 729-731); sobre a exploração do trabalho de
menores na Fábrica de Tecidos de Bangu, na Fábrica de Tecidos Sarmento, em São João Nepomuceno
(MG), e na Fábrica dos Ingleses, em Juiz de Fora (MG) (cf. Distrito Federal. Conselho Municipal.
Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de Agosto a 30 de Setembro de 1929, p. 1.479-1.481);
sobre as condições de trabalho nas empresas de marinha mercante (cf. Distrito Federal. Conselho
Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de Outubro a 30 de Novembro de 1929, p.
43-46); os baixos salários da Fabrica de Tecidos Maria Cândida, em Paracambi (RJ) (cf. Distrito
Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de Outubro a 30 de
Novembro de 1929, p. 100-101); o trabalho escravo existente nas empresas Dolabella Portella & Cia.
Ltda. (cf. Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 256-257).
62
- Esther Kuperman. De olho em Octavio Brandão In Luitgarde Oliveira Cavalcanti de
Barros (org.). Octavio Brandão: Centenário de um militante na memória do Rio de Janeiro, p. 153-
154.
477

ambos acabaram presos, especialmente Minervino de Oliveira, o qual, na sua


condição de secretário geral da Confederação Geral do Trabalho do Brasil e de
intendente, esteve presente em muitos comícios convocados por entidades
sindicais, como ele mesmo fez questão de esclarecer:

“Não poderíamos, em hipótese alguma, limitar a defesa do proletariado


simplesmente da tribuna do Conselho. Nós, em virtude ainda dessa missão, que
nos foi confiada pelo proletariado do Brasil, teremos de estar em constante contato
com os operários tomando parte nos seus comícios, esclarecendo alguns pontos
que porventura tenham dúvida, aderindo às suas greves. [...] Os nossos
companheiros de lutas nos enviaram um convite, solicitando a nossa presença.
Aceitamos e fomos. São operários, ainda sem organização. Assim sendo, era justo
que tivessem convidado os seus representantes no Legislativo da Capital Federal
para se orientarem melhor, ouvindo a palavra de ordem da Confederação Geral do
Trabalho, da qual sou o Secretário Geral. Não podíamos, de modo algum, escusar-
nos a prestar o nosso apoio ao proletariado do Estado do Rio, num gesto de
protesto contra a exploração econômica e a opressão política.”64

Uma destas prisões, dadas as violências praticadas pela polícia, chegou a


produzir uma moção de repúdio aprovada unanimemente pelo Conselho
Municipal. Esta prisão se dera em decorrência da participação dos intendentes do
BOC em um comício de protesto, realizado em Niterói, contra a Companhia
Manufatora Fluminense. Esta empresa pretendia implantar uma jornada de
trabalho de 9 horas e 36 minutos e reduzir 40% nos salários de seus empregados,
os quais entraram em greve no dia 30 de setembro. Para apoiar a mobilização a
Confederação Geral do Trabalho do Brasil realizou um comício no dia 2 de
outubro de 1929, no qual foram presos, entre outros, o gráfico Mário Grazzini e o
padeiro Caetano Machado, ambos comunistas. No dia 7 realizou-se outro
comício, no qual foram presos Laura Brandão, Minervino de Oliveira, Octavio
Brandão e o marceneiro Roberto Morena. Brutalmente empurrados e insultados
por um policial, que declarou que deviam se dar por felizes em não terem sido
surrados, os presos foram conduzidos a uma cela, que assim Brandão descreveu,
retratando as condições a que os presos políticos eram então submetidos e,

63
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 60.
478

sobretudo, mostrando o completo desrespeito à sua condição de representante


eleito:

“Na Polícia Central fomos metidos num xadrez, sem colarinho, sem gravata,
sem o cinturão. As grades do presídio davam para um corredor estreito. Estiramo-
nos sobre uma tarimba suja. A água de beber era servida, num balde exposto, com
uma caneca única para todos os presos. [...] Entre o mau cheiro das úlceras dos
presos e o mau cheiro da privada cheia e sem água para lavá-la, a cabeça tonta,
ficamos perto de 11 horas estirados na tarimba. Minervino, Morena e eu.
Repelente promiscuidade. Poças de urina no cubículo. 11 horas nesse
ambiente pestífero!... [...] Qual a alimentação dos presos, à sombra do pretenso
liberalismo do Sr. Manuel Duarte [presidente do Estado do Rio de Janeiro, dk]? Um
café pela manhã e uma refeição única às três horas da tarde. À hora da refeição,
vimos os ladrões e os vagabundos, famintos, devorarem a comida. De que
constava a refeição? De uns pedacinhos de carne, um pouco de arroz com
repolho, um pouco de farinha e nada mais. Eis a alimentação de um homem
durante 24 horas! Os cães rejeitariam essa alimentação, servida em latas de
banha, sujas, imundas. Pobres camaradas Grazzini, Caetano e Morena! O primeiro
dia de prisão é verdadeiramente de fome. De acordo com o regulamento, o preso
não tem direito à alimentação no primeiro dia e assim ficamos 11 horas sem
alimento. [...] Grazzini e Caetano, desde o dia 2, estão em outro cubículo, famintos
e seminus, na maior promiscuidade com ladrões e vagabundos. Entretanto, são
presos políticos!
Em outro cubículo estava um louco, que fazia um barulho ensurdecedor. Este
louco foi conduzido, não sabemos para onde, num carro aberto, ao passo que nós,
considerados pela grande burguesia fluminense mais perigosos que os loucos,
fomos conduzidos num carro forte. Quer dizer: os proletários, no Estado do Rio,
têm menos direito que os loucos.
A minha companheira passou por todos os vexames. Foi metida em outro
xadrez com uma semilouca. Posteriormente foi ali introduzida uma menina de 13
anos, acusada de roubo. Nenhum respeito à mulher à mulher proletária.
Fotografada, identificada como uma criminosa. Interrogada, prestou depoimento
perante o escrivão. A grande burguesia em geral e a fluminense em particular não
têm o mínimo respeito à mulher proletária.” 65

As fotos tiradas dos presos foram enviadas ao jornal A Noite, de propriedade


de Geraldo Rocha, que as publicou em sua edição de 3 de outubro ao lado de
uma matéria na qual eram chamados de “empreiteiros da desordem”, mostrando
as promíscuas relações entre imprensa e polícia. Também o líder do governo
fluminense, deputado Miranda Rosa, fez um pronunciamento defendendo as
prisões e afirmando que havia sido um ato legal, além de ameaçar com as

64
- Idem. Ibidem, p. 100.
479

mesmas medidas a todos aqueles que tentassem repetir nas fronteiras do Rio de
Janeiro, como afirmou Maurício de Lacerda, “as idéias condenadas pelo Santo
Ofício do Ingá”66. Enfim, as violências cometidas, a arrogância dos políticos
fluminenses e também as relações políticas de alguns intendentes cariocas com a
oposição fluminense conduziram a esta raríssima unanimidade na condenação do
Conselho Municipal do Distrito Federal à prisão dos dois intendentes do BOC,
coisa que não se repetiu em nenhuma das outras prisões e detenções sofridas
por ambos.
Na questão da atuação “extraparlamentar” pode-se notar uma relevante
distinção entre os mandatos de Azevedo Lima e dos intendentes. Para estes a
presença nos bairros e nas fábricas era uma prática cotidiana, que se refletia
tanto nos pronunciamentos como nas propostas legislativas. Eram os
representantes que se dirigiam aos representados. Para Azevedo Lima, que era
tratado e cortejado como uma “personalidade” pelos próprios comunistas67, tais
visitas eram escassas, além de restringirem-se a empresas estatais. A via,
portanto, processava-se em sentido contrário: era o cidadão quem tinha de ir ao
escritório político ou ao gabinete do parlamentar para fazer denúncias ou solicitar
favores, eram as entidades, como recomendava A Nação durante a campanha
contra a “Lei Celerada”, que deveriam escrever-lhe seus protestos contra o
substitutivo de Annibal de Toledo. Azevedo Lima, enfim, tinha uma postura,
apesar do discurso diferenciado, mais conforme a de um político tradicional, ao
passo que os intendentes comunistas tinham uma atitude bem diversa neste
campo.
A atuação dos dois intendentes em plenário, de modo geral, obedecia a uma
espécie de “divisão de trabalho” entre Minervino de Oliveira e Octavio Brandão,
embora este último tenha feito um maior volume de pronunciamentos, resultado,
inclusive, do fato de que Minervino de Oliveira, exercendo também as funções de

65
- Idem. Ibidem, p. 96.
66
- Idem. Ibidem, p. 60.
67
- Manoel Karacik. Para o III Congresso do Partido. Rio de Janeiro, [dezembro de 1928], p. 4
(RGASPI).
480

secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho do Brasil, era muito


requisitado para atividades externas. Assim, enquanto ambos faziam o trabalho
de “agitação”, por meio de pronunciamentos nos quais eram feitas denúncias
sobre condições de trabalho nas empresas, sobre as condições de vida da classe
operária, perseguições movidas contra os trabalhadores e suas organizações,
leituras de cartas, manifestos, etc. ou se submetiam as proposições legislativas
em tramitação no Conselho Municipal a exame por meio da ótica do BOC, a tarefa
de “propaganda” era exclusivamente feita por Octavio Brandão, que procedia,
muitas vezes por meio de leitura, à apresentação das caracterizações sócio-
político-econômicas e dos posicionamentos dos comunistas sobre o Brasil e as
questões internacionais, bem como sobre as relações da burguesia brasileira com
os imperialismos americano e inglês. Este trabalho de Brandão, por várias vezes,
se assemelhou a uma espécie de atualização dos dados e argumentos
apresentados em sua obra Agrarismo e industrialismo - pois as conclusões
permaneciam inalteradas -, onde eram arroladas intermináveis listas de relações
econômicas entre setores da burguesia nacional com um ou outro dos
imperialismos68. Este seria o “ABC do comunismo” que Brandão mencionara à
imprensa antes de tomar posse.
Em sua reunião de 20 de novembro de 1928 a CCE do PCB também definira
que a “linha geral” dos intendentes operários seria sempre votar pela “solução
proletária” e quando o voto de ambos fosse decisivo para uma questão qualquer
este seria contra a corrente mais reacionária69. Esta decisão guiou as ações
parlamentares dos intendentes do BOC durante o seu mandato e nela podem ser
encontradas algumas causas das dificuldades que vivenciaram neste período.
De um lado, esta resolução da CCE deixava implícita a visão que os
comunistas tinham do Conselho Municipal: um reduto de reacionários, integrado
por uma “maioria conservadora”, composta por “representantes da grande

68
- Veja-se, particularmente, os pronunciamentos de Octavio Brandão feitos nas sessões de 16
e 17 de julho de 1929 (Cf. Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal.
Sessões de 1º de Junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.477-1.491 e 1.518-1.523).
69
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., em 20 de novembro de 1928 (RGASPI).
481

burguesia”, “membros e defensores da classe capitalista”, “burgueses de terceira


classe” etc. Tais epítetos, proferidos com espírito cáustico, eram recebidos,
evidentemente, como insultos. Minervino de Oliveira e Octavio Brandão, em
contraposição, apresentavam-se como sendo “os” representantes dos
trabalhadores, falando em nome da classe operária. Politicamente, desse modo, o
conjunto dos intendentes era dividido pelos comunistas em três grupos: o BOC,
os liberais e os conservadores. Estes dois últimos foram assim descritos por
Octavio Brandão:

“Os intendentes distribuíam entre si os papéis. Uns poucos eram liberalóides


– Leitão da Cunha, J. J. Seabra, Maurício de Lacerda. Acabaram aderindo à
Aliança Liberal, de Getúlio Vargas.
A maioria do Conselho Municipal era formada pelos reacionários cegos,
estreitos, limitados, partidários de Washington Luís e Júlio Prestes. Dormund
Martins dizia torpezas contra os dois intendentes. Vieira de Moura carregava na
dose de cachaça, fazia provocações e ameaçava dar-me uma surra. Costa Pinto
recorria ao deboche. Clapp Filho acabou suprimindo meus discursos. Floriano de
Góes instigava o irmão, chefe da polícia. Era assim o Conselho Municipal da
época.”70

Durante o processo de apuração, reconhecimento e posse já era possível


notar um comportamento intransigente e inflexível por parte dos comunistas com
referência à postura que deveriam assumir em relação aos demais intendentes no
Conselho Municipal. Naquele momento, todavia, “não aceitar conchavo algum”
era justificável para marcar seu posicionamento frente a acordos políticos que
significavam o desrespeito ao que haviam decidido os eleitores. Ainda na reunião
da CCE do PCB de 20 de novembro de 1928 se estabeleceu como Minervino de
Oliveira e Octavio Brandão deveriam votar na composição da Mesa provisória que
definiria a diplomação dos eleitos:

“Resolve-se que votem em M[inervino de]. O[liveira]. para presidente, em


O[ctavio]. B[randão]. para primeiro secretário e em branco para 2º secretário; em
M. O. para relator.” 71

70
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 366.
482

Este posicionamento já deixava indicado então o caminho do isolamento aos


dois comunistas eleitos, pois, evidentemente, não havia aí qualquer possibilidade
de acordo político. O acaso propiciado pela trágica morte de Ferdinando
Labouriau permitiu que os comunistas acabassem tendo empossados seus dois
candidatos.
Com a abertura dos trabalhos legislativos em 29 de maio de 1929, os
comunistas repetiram a mesma atitude adotada em 1928. Nas eleições para os
cargos da Mesa Diretora do Conselho Municipal do Distrito Federal (Presidente,
Vice-Presidente, 1º Secretário, 2º Secretário72) Minervino de Oliveira e Octavio
Brandão acabaram recebendo em todas as votações apenas um voto cada.
Provavelmente um votou no outro. Nas eleições para as Comissões Permanentes,
apesar de terem recebido dois ou três votos cada, chegando em uma delas
Octavio Brandão a ter recebido cinco votos, as coisas praticamente também se
deram do mesmo modo. Posteriormente, em um relatório sobre sua atividade no
Conselho Municipal, os intendentes do BOC fizeram o seguinte comentário a
respeito de outra eleição, para preenchimento de vaga em uma Comissão
Permanente: “Votamos em nós próprios, como membros da classe proletária
independente, para uma vaga na Comissão de Legislação e Justiça”73.
Obviamente a composição política do Conselho Municipal excluía qualquer
possibilidade de o BOC obter, por si só, algum cargo na Mesa, mas o modo pelo
qual faziam questão de deixar claro que não havia a menor possibilidade de
composição política, tornando perceptível o isolamento dos comunistas em
relação às demais correntes existentes, mostrava a dificuldade que os comunistas
tinham em operar em um terreno no qual, mesmo sem abrir mão de princípios, o
diálogo e uma certa flexibilidade são elementos relevantes para a obtenção de
resultados.

71
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., em 20 de novembro de 1928 (RGASPI).
72
- Em junho de 1929 foram eleitos para a Mesa Diretora do Conselho Municipal do Rio de
Janeiro: Henrique Maggiolli (presidente), Floriano de Góes (vice-presidente), Edgar Romeiro (1º
Secretário) e Corrêa Dutra (2º Secretário).
73
- Octavio Brandão e Minervino de Oliveira. A luta das classes no Conselho Municipal. A
Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 63 (2ª fase), 06/07/1929, p. 4.
483

Com a manutenção dessa postura os intendentes do BOC foram perdendo,


ao longo do ano de 1929, um certo “capital político”, digamos assim, que haviam
amealhado por ocasião da luta pelo reconhecimento dos seus mandatos, em fins
de 1928. Esta perda pode ser notada, por exemplo, nesta intervenção de
Dormund Martins (eleito pela “chapa” Adolpho Bergamini):

“O SR. DORMUND MARTINS – Ontem, depois do brilhante discurso


pronunciado pelo ilustre Intendente Sr. Costa Pinto [...], discurso no qual S. Ex. deu
aos nossos não menos dignos colegas representantes do Partido Comunista, do
Bloco Operário e Camponês, mas não representantes do operariado nacional...
O Sr. Minervino de Oliveira – Isso é o que diz o colega.
O SR. DORMUND MARTINS - ... a grande lição...
O Sr. Minervino de Oliveira – Muito obrigado.
O SR. DORMUND MARTINS - ... de educação e polidez que é preciso seja
mantida em quaisquer assembléias. [...] Tive oportunidade, no decorrer do aludido
discurso, de dar e receber alguns apartes. Entre estes preciso fazer referência,
primeiramente, aos do Sr. Octavio Brandão. S. Ex. afirmou que eu fazia parte da
pequena ou da grande burguesia, e, não satisfeito, só por ter eu declarado que
essa condição não impediria a mim de defender no Conselho o diploma do Sr.
Minervino de Oliveira, retrucou, asseverando que eu havia agido por interesse. [..]
Não, Sr. presidente: o meu interesse, repito, cifrava-se no reconhecimento da
verdade proclamada pela Junta Apuradora e, mais, era o interesse de ver aqui
dentro sentados os dois membros do Partido Comunista, para virem fazer aquilo
que todos nós estamos presenciando, aquilo que a própria Nação vê neste
momento – a derrocada do Partido, pelas próprias mãos de seus representantes!
O Sr. Minervino de Oliveira – Assim julga a burguesia, mas não o operariado.
O SR. DORMUND MARTINS – O proletariado de que falam VV. EEx. não
pode ser confundido, absolutamente, com o verdadeiro operariado.”74

Alguns intendentes, todavia, embora manifestassem divergências


ideológicas com os comunistas, reconheciam a importância de sua atuação como
representantes dos trabalhadores e tiveram, até determinado momento, a
preocupação em chamar sua atenção a respeito do modo pelo qual exerciam seu
mandato e de como o sectarismo que os orientava poderia levá-los ao isolamento,
tanto dentro do Conselho como perante a sociedade. Exemplar, neste sentido foi
uma intervenção de Costa Pinto, que fora eleito pela chapa “Penido-Irineu” –
cujos integrantes, recorde-se, deram seu voto favorável à posse dos intendentes

74
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 495-496.
484

comunistas -, durante um debate a respeito de uma indicação de homenagem ao


jornal A Noite:

“O SR. COSTA PINTO – Sr. Presidente, quando se tratar aqui de um ato de


violência policial, contra um jornal qualquer, mesmo comunista, eu estarei aqui
para profligar tal procedimento.
Já nesta tribuna, em se tratando de interesses proletários, debatidos pelo
nobre colega Sr. Octavio Brandão, tive ensejo de dizer a esse intendente que eu
acompanhava no momento, dando-lhe meu apoio, pela muita simpatia pessoal que
me merecia. Salientei, entretanto, que os embaixadores dos operários estavam
com sua orientação muito mal conduzida: teriam de retroceder do caminho iniciado
no Conselho, não para seu benefício particular, mas da própria classe de que se
dizem representantes.
O Sr. Octavio Brandão – Temos um programa a cumprir.
O SR. COSTA PINTO – S. Exs. abriam, entre si e os seus colegas, um
abismo – separação tão patente, que nos colocaram na situação de legítima
defesa.
O Sr. Octavio Brandão – V. Ex. não tem um programa a defender. O nosso
caso é diferente.
O SR. COSTA PINTO – Tenho um programa, como não. O de desempenhar
o meu mandato, defendendo os interesses do povo – povo constituído do
proletariado e das outras classes.
O Sr. Octavio Brandão – V. Ex. não tem um compromisso escrito. Nós temos
e o nosso programa não permite apoiarmos um jornal como ‘A Noite’.
O SR. COSTA PINTO – V. Exs. não têm um programa: têm um tratado de
guerra contra toda a humanidade.”75

Ao longo do ano, no entanto, além das ameaças de agressão física, os


debates verbais foram evoluindo de tal modo que chegaram a assemelhar-se a
disputas infantis, mostrando a completa perda de controle, de ambos os lados,
como se pode perceber nesta discussão ocorrida na sessão de 18 de dezembro
de 1929:

“O Sr. Dormund Martins: - O comunismo é uma blague: V. Ex. tem uma ‘idéia
fixa’ e eu não sigo a máxima da psiquiatria de que não se deve alimentar o delírio
de um alienado; pelo contrário, alimento, irrito o alienado...
O Sr. Floriano de Góes: - Isso é esquizofrenia...
O Sr. Dormund Martins: - O Sr. Octavio Brandão é um paralítico geral.
O Sr. Minervino de Oliveira: - O Hospício tem muita gente boa...

75
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Agosto a 30 de Setembro de 1929, p. 1.008-1.009.
485

O Sr. Dormund Martins: - V. Ex. tem o delírio de ser Presidente da República.


Que pilhéria!...
O Sr. Octavio Brandão: – V. Ex. é um Procópio da Zuzulândia.
O Sr. Dormund Martins: - E V. Ex. é a Aracy Cortes... VV. Exs. querem
saber? Se eu fosse a polícia, não perseguiria Vossas Excelências; mandaria fazer
um pavilhão especial dentro do Hospício, para os colocar.”76

De outro lado, na resolução da CCE do PCB de 20 de novembro de 1928, a


noção de “solução proletária” era fundada na concepção de divisão da sociedade
brasileira em duas classes fundamentais: a proletária e a burguesa, existindo
entre ambas uma camada social intermediária, a pequena burguesia, “que,
rigorosamente, não forma uma classe”77, a qual os comunistas acabavam
assimilando à primeira em decorrência de um processo de proletarização que a
estaria atingindo. Octavio Brandão assim justificava estatisticamente esta
composição e mostrava o que os comunistas pretendiam em termos de aliança e,
portanto, de representatividade para o BOC:

“No Brasil existem apenas 40 mil capitalistas e 30 milhões de proletários e


membros da classe intermediária. Nós queremos um bloco desses trinta milhões
contra a insignificante minoria dos quarenta mil capitalistas. Vimos combater a
minoria capitalista e não a classe média nem tampouco transformar esta última em
adversária. Naturalmente, muitas vezes, os nossos pontos de vista não podem
concordar com os da classe média, mas o que queremos é que essa classe média
pelo menos compreenda a sinceridade das nossas intenções, a firmeza dos
nossos princípios e seja neutra, já que não nos quer apoiar com o decidido
entusiasmo com que devia fazê-lo. A classe média que, ainda outro dia, estava
debaixo do chicote dos capitães de mato e senhores de escravos, devido ao atraso
do país sob o jugo do capitalismo anglo-americano, ainda não compreendeu que o
seu interesse é combater a minoria capitalista colocando-se assim ao lado do
proletariado.”78

76
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de
Dezembro de 1929, p. 579.
77
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de
junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.160-1.161.
78
- Idem. Ibidem, p. 480. Esta forma de Brandão usar freqüentemente dados numéricos foi
criticada por Astrojildo Pereira: “Nos seus discursos – como em muita coisa do que escreve –
O[ctavio]. é por vezes prolixo, provando ‘demasiado’. Tais discursos ganhariam em clareza e vigor se
fossem mais condensados. Menos detalhes. Menos miudezas. Há um detalhe, por exemplo, que é
típico, repetido a cada momento. É o da referência aos ‘206’ grandes fazendeiros de S. Paulo e Minas.
Estes ‘206’ são da estatística de 1920. Num trabalho de estatística estaria bem apontá-los assim
numericamente exatos. Mas em discursos e artigos de agitação, não me parece. Por que 206 e não
207, ou 209, ou 208? De resto, de 1920 para cá talvez esses 206 tenham diminuído (com a
486

Apesar do declarado desejo de “formar um bloco” com a classe média, a


aplicação da noção de “solução proletária”, em termos de atuação legislativa,
tinha, no entanto, um caráter mais restrito, como deixara claro Minervino de
Oliveira: “Aqui estamos e aqui estaremos para colaborar apenas com a classe
pobre”79.
Esta postura levava a um antagonismo extremado e até ingênuo a toda e
qualquer proposta que julgassem fugir de tal característica. Isto pode ser
percebido por ocasião da discussão de dois projetos de lei tratando da
autorização de empréstimos à Prefeitura. No primeiro deles, de número 37, de
1929, o Prefeito pediu autorização para contrair um empréstimo interno de 40 mil
contos ou externo de 8 milhões de dólares para o pagamento de dívidas, ultimar
obras públicas e “aumentar os salários e vencimentos dos operários e
funcionários municipais”. No entanto, em uma análise exemplar, Octavio Brandão
demonstrou, em primeiro lugar, dada a não existência no país de quem possuísse
tais recursos disponíveis, que o empréstimo seria externo, o que significaria
sobrecarregar mais o povo. Em seguida, comprovou que parte significativa do
empréstimo se destinaria aos pagamentos do resgate de outro empréstimo
externo feito em 1928, de intermediários nacionais e estrangeiros, de seguros e
dos empreiteiros de obras realizadas nos “bairros ricos”. Além disso, parte dos
recursos obtidos também seria destinada ao pagamento de “contas diversas”, as
quais, aliás, não eram discriminadas no projeto. Desse modo, demonstrava
Brandão, o que restava para o pagamento do funcionalismo municipal era de
pouca significância, sendo, portanto, uma mistificação da parte do Prefeito o
argumento de que os recursos do empréstimo serviriam para melhorar suas
condições: “Pobres operários e pequenos funcionários! Para eles uma gota

concenração). Seria preferível dizer, de um modo geral: os 200 grandes fazendeiros, etc. E assim,
noutros pontos. O. desce a detalhes que obscurecem e enfraquecem em vez de esclarecer e reforçar”
(Carta de Américo [Astrojildo Pereira] a Camaradas. Moscou, 15/10/1929, p. 2 (RGASPI); esta carta,
em conjunto com outras de Astrojildo, foi publicada na imprensa comunista brasileira: Cartas
políticas de Américo Ledo. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929], p. 14-18).
487

d’água. E, para os capitalistas – uma cachoeira!”80. Se este projeto de lei permitiu


que o BOC fizesse uma muito bem fundamentada discussão sobre imperialismo e
dependência externa, o projeto de lei número 86, de 1929, nos mostrou a camisa
de força que se tornou a resolução da CCE de 20 de novembro de 1928. Este
projeto autorizava o Prefeito contrair um empréstimo interno ou externo de 10 mil
contos para a construção de casas populares e outros fins. A ele foi apresentada
uma emenda, de autoria do intendente democrático Leitão da Cunha, que
vinculava o total do empréstimo exclusivamente à construção de “casas para
proletários”. No entanto, os intendentes do BOC preferiram votar contra o projeto
e a emenda, justificando assim seu ato: “Desde que o regime é capitalista, essas
casas fatalmente acabarão nas garras dos capitalistas e os proletários, como
sempre, ficarão à margem, sem poder adquiri-las”81. Dois pontos devem ser aqui
destacados. O primeiro era o de que, em contradição com o item do programa do
BOC o qual afirmava que a propriedade dos imóveis seria do Estado, admitia-se
aqui que os trabalhadores pudessem adquirir suas residências. O segundo era o
de que a resolução da CCE viu-se, no que se referia à indicação de votação na
proposta “menos reacionária”, posta de lado, já que a maioria situacionista
garantiu a sua aprovação. Tal voto, naturalmente, acabou aproveitado pelos seus
adversários para apresentar os intendentes do BOC como tendo votado contra os
funcionários municipais.
Tal dogmatismo, aliás, foi usado pelos seus adversários políticos para
lançar-lhes provocações, como ocorrera por conta de uma indicação, de autoria
do intendente Nélson Cardoso. Nesta proposta de Cardoso indicava-se ao chefe
de polícia que mantivesse um posto policial no bairro de Inhaúma. Minervino de
Oliveira, ao discuti-la, admitiu a importância da manutenção do posto:

79
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de
junho a 31 de Julho de 1929, p. 686.
80
- Idem. Ibidem, p. 1.474.
81
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Agosto a 30 de Setembro de 1929, p. 918.
488

“Reconhecemos que a gatunagem e a malandragem de tamancos ou de


casaca é fruto da sociedade capitalista, isto é, do regime social em que vivemos.”82

No entanto, deu seu voto contrário à indicação e defendeu a retirada do


posto policial de Inhaúma em razão de, nos considerandos da proposta, o
intendente Cardoso ter apresentado, como um dos motivos para a permanência
da polícia em Inhaúma o combate à propaganda de “idéias avançadas”:

“Considerando ainda que a população ali residente é na sua grande maioria


composta de operários, gente que, embora de índole pacata, é facilmente
sugestionável por elementos que no seu meio se introduzem para incutir-lhes
idéias subversivas.”

Não conseguindo se desvencilhar dessa armadilha, os intendentes do BOC


foram criticados pelos seus adversários por negarem proteção policial aos
cidadãos de Inhaúma. Tal dogmatismo se via por vezes elevado ao paroxismo.
Isto se viu na discussão de um projeto de lei que propunha um título de utilidade
pública ao Gávea Golf & Country Club, ao qual os intendentes do BOC negaram
seu apoio por verem nesta entidade um “instrumento da penetração imperialista
no Brasil”, pois, justificavam, nada havia de inocente na penetração do
imperialismo83.
Enfim, a atuação, no campo legislativo, decorrente da aplicação da
resolução da CCE de 20 de novembro de 1928 condicionou de antemão a
atuação dos intendentes do BOC, pondo-os, na prática, em atitude defensiva e
acuada. Tal comportamento acabou produzindo uma postura que, liminarmente,
rejeitava acordos ou compromissos com qualquer dos membros do Conselho e
fazia com que estes fossem vistos e tratados quase que todo o tempo como
inimigos, exceto no caso de Maurício de Lacerda, como veremos adiante.

82
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de
junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.511.
83
- Idem. Ibidem, p. 1.886.
489

Maurício de Lacerda

Durante os primeiros meses de sua atuação no Conselho Municipal os


intendentes do BOC conseguiram manter relações amistosas apenas com
Maurício de Lacerda. Tais relações foram estabelecidas em razão da
reaproximação de Lacerda como PCB, que se deram de modo concomitante ao
processo de afastamento de Azevedo Lima do BOC. Lacerda foi, durante o
processo de reconhecimento dos mandatos de Minervino de Oliveira e Octavio
Brandão, o mais destacado defensor da posse de ambos. Outro fator que ajudou
na aproximação foi a ruptura de Lacerda com o Partido Democrático Nacional.
Embora tal atuação tenha ajudado no restabelecimento dos contatos, pode-se
considerar como determinante o fato de que Lacerda era uma espécie de
“delegado civil” de Luiz Carlos Prestes, o que colocava o reatamento de suas
relações no bojo da política de aproximação dos comunistas com os “tenentes”.
Tanto é assim que, por ocasião da fundação da Liga Antiimperialista, Lacerda foi
eleito presidente do novo organismo, criado com o intuito de ser uma espécie
frente única entre comunistas e “tenentistas”. Esta condição de Lacerda foi,
inclusive, ressaltada em um pronunciamento de Minervino de Oliveira:

“Somos dois em uma assembléia de vinte e quatro intendentes. E entre os


vinte e dois que não pertencem ao Bloco Operário e Camponês, apenas um tem
reforçado a nossa atitude de protesto contra o imperialismo: o sr. Maurício de
Lacerda, representante da corrente liberal revolucionária e Presidente da Liga
Antiimperialista do Brasil.”84

Tal proximidade permitiu que durante algum tempo Lacerda atuasse, no


âmbito do Conselho Municipal, como um orientador dos intendentes do BOC nos
meandros do mundo legislativo – um “menino de cego”, fazendo uso de um
expressão empregada pelo próprio Lacerda85 - e, ao mesmo tempo, como uma
espécie de protetor de ambos. Em várias ocasiões Lacerda assinou propostas

84
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.620.
85
- Maurício de Lacerda. Segunda República, p. 157.
490

legislativas dos comunistas. No caso do Orçamento assim Lacerda esclareceu


porque assinou todas as emendas do BOC:

”Realmente eu expliquei que assinei todas as emendas sem as ler (veja V.


Ex.), o que não fazia com todos os intendentes, para dar a esses Intendentes
faculdade que o Regimento, sem a minha assinatura, impediria. E por que assinei
sem ler? Que homem é esse, que assina sem ler, dirão VV. EEx. Porque, Sr.
Presidente, estava certo que, como dizia o Sr. Minervino, a eles não se poderia
acusar senão de que eram comunistas... [...] Sabia que SS. EEx. Não proporiam
bandalheiras e assinei sem ler, para lhes facultar a colaboração regimental. Pois
bem, Sr. Presidente, isso se teve a indelicadeza de ocultar, dizendo-se que eu
procurei defender de ter assinado as emendas. E a defesa que fiz de todas? Pois
eu não declarei aqui que se estava rejeitando todas sistematicamente pela razão
das assinaturas e não pelo motivo das emendas?”86

Por ser um experimentado político, que gozava do respeito dos demais


intendentes, em várias ocasiões Lacerda, valendo-se de sua autoridade política,
intercedeu em favor dos parlamentares comunistas em polêmicas com outros
intendentes, em suas críticas a determinadas decisões da mesa ou,
simplesmente, a fim de que não se enredassem nas sutilezas interpretativas do
Regimento Interno:

“O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - Sr. Presidente, existem duas classes


fundamentais e entre elas há uma categoria social, de classe média ou
intermediária. Temos à direita a burguesia, a grande burguesia, à esquerda, o
proletariado, e no centro a classe média.
O SR. PRESIDENTE: - V. Ex. se inscreveu para falar sobre a indicação em
debate.
O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - Inscrevi-me desde ontem.
O SR. PRESIDENTE: - Devo ponderar, entretanto, que o Regimento não
permite que os Srs. Intendentes falem sobre assunto estranho ao que se acha em
discussão.
O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - Pretendo falar a respeito da indicação nº 1.
O Sr. Maurício de Lacerda: - A indicação nº 1 declara que o Conselho
reivindica os seus direitos de análise dos fatos ocorridos e a Lei Orgânica, no seu
art. 12 § 34, declara que o Conselho pode protestar contra violências de
autoridades não municipais. A intenção do orador é esta.

86
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 1.895-1.896.
491

O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - Perfeitamente: é essa a minha intenção .


[...].”87

No entanto, esta relação de amistosa colaboração começou a tomar o rumo


da cizânia em razão da questão da sucessão presidencial de 1930. No manifesto
inaugural lido por Octavio Brandão na abertura dos trabalhos do Conselho
Municipal afirmava-se que o BOC se dispunha a entrar defendendo na sucessão
presidencial um “programa de reivindicações em proveito das multidões
laboriosas e de luta pela emancipação das mesmas”, pois, como conclusão do
que o manifesto até então apresentara, não havia distinção entre os nomes até
então apresentados, que foram classificados como “instrumentos declarados ou
disfarçados da classe capitalista”, e que não seriam capazes de realizar nada em
favor do proletariado88. Por trás desta postura havia a expectativa do surgimento
de uma candidatura que expressasse a intentada aliança dos comunistas com os
“tenentes”. No entanto, no processo de radicalização da linha política comunista
resultante do VI Congresso da IC, como veremos mais adiante, fez com que as
negociações com Prestes caminhassem para um impasse. Em junho de 1929 o
PCB, por pressão do Secretariado Sul-Americano da IC (SSA-IC), apresentou um
programa radical aos “tenentes”, com a condição de que, caso fosse rejeitado, os
comunistas deveriam lançar sua própria candidatura. Os “tenentes”, no entanto,
não deram de imediato sua resposta.
Neste meio tempo, já havia alguns nomes em evidência na sucessão
presidencial: Júlio Prestes, apoiado pelo Presidente Washington Luís, e Antônio
Carlos e Getúlio Vargas, ambos pela oposição liberal. Em fins de julho de 1929
foram apresentadas no Conselho Municipal duas indicações em favor da
candidatura de Júlio Prestes, de autoria dos intendentes Vieira de Moura e Costa
Pinto, e outra parabenizando o Presidente Washington Luís pela sua escolha
para a sucessão, proposta pelo intendente Nélson Cardoso. Na discussão destas
indicações Octavio Brandão leu uma declaração de voto afirmando que não havia

87
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 480.
492

diferença alguma entre os três nomes, pois todos pertenciam à classe capitalista,
aos partidos republicanos de seus estados e defendiam a política de valorização
do café, além de serem inimigos do proletariado e da classe média. Para estes
últimos o BOC propunha nem situação nem oposição liberal: “A nossa viagem far-
se-á por um terceiro caminho...”89. Quando Brandão indicou pontos desfavoráveis
aos três nomes (a repressão à greve dos gráficos paulistas para Júlio Prestes, a
liderança de governo de Arthur Bernardes para Antônio Carlos e a perseguição
ao BOC no Rio Grande do Sul para Getúlio Vargas) a cada um deles era
aparteado por Maurício de Lacerda por um “apoiado”, exceto no momento em que
Brandão qualificou Vargas, quando Lacerda permaneceu calado.
Sintomaticamente, como assinalou Luiz Carlos Prestes anos depois, justamente
nesta época Getúlio Vargas começou a conquistar o apoio dos “tenentes” para
sua candidatura90.
No dia 4 de setembro, Octavio Brandão abordou novamente a questão da
sucessão presidencial. Com os nomes Júlio Prestes e Getulio Vargas já definidos
– ambos seriam oficializados em convenções que se realizaram nos dias 12 e 20
de setembro, respectivamente -, reiterou a caracterização de que as duas
candidaturas representavam os imperialismos inglês e americano em disputa.
Além disso, em relação a Vargas, chamou a atenção para suas manifestas
simpatias em relação ao fascismo de Mussolini91 e arrolou seus atos, enquanto
governador do Rio Grande do Sul, de perseguição ao movimento operário
gaúcho. Concluiu seu pronunciamento afirmando que somente uma insurreição
dirigida pelo proletariado e pela classe média contra a classe capitalista seria

88
- Idem. Ibidem, p. 389.
89
- Idem. Ibidem, p. 1.896. Note-se que o nome de Antônio Carlos aqui ainda aparecia na
condição de “tertius”, pois, embora já tivesse anunciado a Wahington Luís sua condição de candidato,
Vargas se dispunha a retirar seu nome caso o Presidente abrisse mão da candidatura de Júlio Prestes.
90
- Denis de Moraes e Francisco Viana. Prestes: Lutas e autocríticas, p. 66.
91
- Octavio Brandão leu em plenário o seguinte trecho das declarações de Getulio Vargas
publicadas no diário carioca O Jornal em sua edição de 13 de agosto de 1929: “Outra não tem sido,
como se sabe, a minha diretriz no governo do Rio Grande, onde o que se tem feito assemelha-se ao
direito corporativo ou organização de classes promovido pelo regime fascista no período de renovação
criadora que a Itália atravessa. Não será diferente, é claro, na administração suprema da República, se
até lá me elevar o voto dos meus concidadãos, observadas as exigências e necessidades de um meio
maior e as peculiaridades de cada Estado”.
493

uma verdadeira revolução no Brasil. Aqui era possível observar que os


comunistas ainda mantinham a expectativa de um “terceiro caminho” na sucessão
presidencial que envolvesse uma candidatura comum de “tenentes” e comunistas.
Embora presente, Maurício de Lacerda não se pronunciou durante o discurso do
intendente do BOC, talvez por saber que Prestes e Vargas estariam se reunindo
ainda naquele mês de setembro para discutir a questão da sucessão
presidencial92.
Nesse meio tempo, agora respaldado pelas decisões do 10º Pleno do CEIC,
ocorrido em Moscou de 3 a 19 de julho, o SSA-IC voltou à carga e passou a exigir
uma solução para a questão do posicionamento do PCB frente à sucessão
presidencial e este decidiu que o BOC convocaria um congresso para apresentar
uma candidatura própria, pois os “tenentes”, em resposta ao programa que lhes
fora proposto pelos comunistas, rejeitaram-no, particularmente os itens que
propunham a reforma agrária e o confisco das empresas imperialistas, e
apresentaram outro programa, o qual também acabou recusado.
Foi no dia 11 de outubro que se deu o início da ruptura entre os intendentes
do BOC e Maurício de Lacerda. Nesta data Octavio Brandão indagara em plenário
a Maurício de Lacerda se fora por iniciativa própria ou “de acordo com os
revoltosos e seu chefe, Luiz Carlos Prestes” que instara, dias antes, a que os
cariocas votassem no candidato da Aliança Liberal, Getúlio Vargas. Brandão
achava contraditórias tais declarações, pois dias antes Lacerda afirmara que “o
governo federal se torna caixeiro do capitalismo inglês, enquanto o capitalismo
americano se aproxima da Aliança Liberal”. Como, indagava-se Brandão, podia o
presidente da Liga Antiimperialista apoiar um agente do imperialismo?
Visivelmente surpreso com o questionamento feito pelo intendente do BOC,
Lacerda apenas justificou seu ato como sendo uma espécie de “sugestão” aos
cariocas para protestar contra as ameaças de ocupação militar por parte de

92
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Agosto a 30 de Setembro de 1929, p. 917-926. Sobre o encontro de Prestes e Vargas ver Denis de
Moraes e Francisco Viana. Op. cit., p. 66.
494

tropas federais do Rio Grande do Sul93 e preferiu apelar à “boa fé” de Brandão a
fim de evitar que a polêmica fosse explorada pela imprensa. No entanto, pouco
antes de se calar definitivamente naquele dia, Lacerda deixou escapar uma frase
que mostrava sua aproximação com a Aliança Liberal e a razão pela qual o fazia:
“Adotar um terceiro candidato é fazer o jogo do Catete”94. Para o intendente
carioca o lançamento de mais uma candidatura, dividindo a oposição, facilitaria a
vitória de Júlio Prestes. Posteriormente, Octavio Brandão colocou o ponto de vista
do BOC, rebatendo a argumentação de Lacerda:

“O nosso combate a Getúlio Vargas não favorece Júlio Prestes. Basta ver
como este e Washington nos perseguem. O nosso combate visa impedir que o
país estacione no segundo caminho, à sombra do fascismo de Wall Street,
julgando ter dado um passo à frente. Visa preparar o terceiro caminho, o caminho
da revolução agrária e antiimperialista.
Apoiar Getúlio Vargas é fazer o jogo do fascismo, é fazer o povo estacionar
no segundo, dificultando o terceiro caminho. A verdadeira tática é combater Júlio e
Getúlio, combater Júlio sem fazer o jogo de Getúlio e ice-versa, apontando às
massas o 3º caminho.”95

A declaração de Lacerda sobre o “jogo do Catete” também permitia perceber


que ele passara a privilegiar a via eleitoral em detrimento da via armada.
Curiosamente, no início de 1929 o próprio Lacerda rompera com Assis Brasil e o
Partido Democrático Nacional porque estes manifestaram naquele momento a
mesma convicção que em fins do ano agora o intendente possuía. Esta mudança
de enfoque na questão da sucessão presidencial foi assim observada tempos
depois pelo jornalista Miguel Costa Filho, o qual expôs também as motivações do
intendente carioca:

93
- Mais tarde Lacerda aduziu razões de ordem tática a essa explicação: “O motivo era porque
nós diante da ameaça de invasão militar no Rio Grande e querendo sublevá-lo ao mesmo tempo que
visávamos evitar o acordo que o general Paim, segundo fôramos informados, viera para fazer entre a
política dividida, aconselhávamos o povo a votar em Getúlio Vargas, sem abandonar a bandeira de
julho, mas como um simples protesto que impedisse os conchevos e propelisse a Aliança Liberal para
o terreno da luta de que refugiam alguns elementos dela” (Maurício de Lacerda. Segunda República,
p. 148).
94
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 139.
495

“Assim, pois, quando Maurício aconselhou o eleitorado carioca a votar no sr.


Getúlio Vargas infringiu, conscientemente, aquela linha de conduta. E se na
orientação de Prestes os entendimentos entre a Aliança e os revolucionários só
eram possíveis para uma luta armada, cujas bases e finalidades deveriam ser, é
claro, previamente assentadas, Maurício, contraditório consigo mesmo,
contraditório com as afirmações que fazia e que faz hoje, estabeleceu entre ele e
os aliancistas uma combinação no terreno eleitoral.
Por que o fez, surpreendendo aos amigos? Por tática, disse. Para impedir
que Júlio Prestes ganhasse a eleição na capital.
Veio depois a saudação da tribuna do Conselho, ao sr. Getúlio Vargas que,
àquela hora da noite, atravessava a Avenida Rio Branco, cercado, precedido,
ladeado e acompanhado por uma multidão imensa.
Eis aí a razão da atitude de Maurício. A pressão popular... a onda ... o
eleitorado...”96

Três dias depois, frente às críticas que fez a imprensa carioca aos
intendentes do BOC por sua “ingratidão” no ataque a Maurício de Lacerda,
Octavio Brandão esclareceu que as divergências eram de caráter político e não
pessoal. Buscando reforçar sua argumentação, o intendente do BOC arrolou uma
série de discordâncias com Lacerda:

“Não é a primeira divergência entre nós e o Sr. Maurício de Lacerda.


Divergimos dele quando ele propôs a livre colaboração com o Prefeito. Em 2º
lugar, quando ele votou a favor do Clube Social Argentino. Em terceiro lugar,
quando reclamou a ereção da estátua da Amizade, oferecida pelos Estados
Unidos. Em quarto lugar, quando votou a favor do projeto Leitão da Cunha. Em
quinto, quando votou a favor das homenagens ao jornal ‘A Noite’. Em sexto,
quando homenageou o juiz Mello Mattos. Em sétimo, quando não compareceu ao
comício da Liga Antiimperialista a favor de Sacco e Vanzetti. Em oitavo, quando
das emendas ao Orçamento, ele, devido à acusação de ‘comunista’, declarou que
só assinara nossas emendas porque havia necessidade de três assinaturas. Em
nono lugar, em nosso jornal ‘A Classe Operária’ fizemos uma crítica fraternal ao Sr.
Maurício.”97

Estas divergências referiam-se, em sua maior parte, a posicionamentos


distintos do BOC e de Maurício de Lacerda em questões estritamente
parlamentares. Sem dúvida estas divergências envolviam questões políticas. No

95
- Idem. Ibidem, p. 422. Grifos do original.
96
- Miguel Costa Filho. Os farsantes da revolução, p. 56-57. A linha de conduta a que o autor
se refere é que Prestes não apoiaria candidatos da oligarquia.
97
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 198-199.
496

entanto, sem tê-las feito a Lacerda na época das votações – coisa que ocorrera
com os outros intendentes -, as críticas de Brandão acima arroladas apareciam
naquele momento como se fossem exigências feitas a um militante do BOC que
não cumprira suas obrigações. Ou seja, em uma inábil manobra, o BOC acabou
aqui igualando Lacerda aos outros intendentes e ajudando a obscurecer a
principal diferença, que era a questão da sucessão presidencial. Este
obscurecimento acabou facilitando, como veremos adiante, a tarefa de isolamento
que os intendentes contrários ao BOC vinham promovendo.
O debate, no entanto, acabou arrefecendo em razão do engajamento dos
intendentes do BOC nos preparativos para a realização do III Pleno do CC do
PCB e do I Congresso do BOC, o qual definiu a candidatura de Minervino de
Oliveira à Presidência da República. No III Pleno os intendentes do BOC foram
censurados por não terem feito “nenhuma crítica às atitudes oportunistas de
Maurício de Lacerda”98.
Designado pela direção do PCB para atacar Lacerda99, Brandão retomou,
em 28 de novembro, as acusações que lançara no início de outubro. Já no
contexto de campanha presidencial, Octavio Brandão fez um discurso no qual
criticava a hesitação dos “tenentes” entre o proletariado e a burguesia:

“Os chefes dos revoltosos de Copacabana, de S. Paulo e da coluna Prestes


até hoje não se definiram contra a burguesia, contra a Aliança falsamente liberal,
contra a reação que procura esmagar o proletariado, pela confiscação das terras e
das empresas imperialistas.”100

Aquele momento, afirmou Brandão, não era de dúvidas, mas sim de


definição. Era preciso que a classe média, da qual faziam parte os “chefes dos
revoltosos”, se decidisse em favor do proletariado e contra a burguesia nacional e
estrangeira. Depois de afirmar que, frente a tal quadro, não era mais possível

98
- Resolução sobre a linha política do B.O.C. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929], p.
19.
99
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de
Dezembro de 1929, p. 31.
100
- Idem. Ibidem, p. 1.829.
497

“fazer discurso como o Sr. Maurício de Lacerda” nem ter receio de “’espantar’ a
burguesia, como o Sr. Maurício receia”, Octavio Brandão passou a reiterar os
ataques anteriormente feitos a Lacerda. Este imediatamente retrucou e entrou em
polêmica, refutando as acusações de Brandão e quando se tocou na questão de
suas declarações de apoio à Aliança Liberal, Lacerda, blefando, afirmou que o
fizera “perfeitamente autorizado pelos meus chefes”101. Esta afirmativa não
correspondia aos fatos, pois se tinha conhecimento das posições contrárias de
Prestes à candidatura de Getúlio Vargas, e isto acabou sendo mais um dos
elementos do rompimento de Luiz Carlos Prestes e Lacerda. Este afastamento já
fora iniciado através de uma carta de Prestes enviada aos “tenentes” Cordeiro de
Farias e Silo Meirelles, datada de 22 de novembro, na qual pedia que se
desautorizasse as “explorações de Maurício”102.
No dia seguinte, Lacerda fez um pronunciamento respondendo a cada uma
das acusações a ele feitas, justificando seus posicionamentos, e afirmando que
deixaria de apoiar os intendentes do BOC, passando a agir por si mesmo. Por fim,
reiterou seu apoio à Aliança Liberal, com a qual já estava em negociações:

“Que pensem, que reflitam ainda. É uma causa que merece que os homens
sacrifiquem melindres e transijam ante as suas questões pessoais mais graves. No
caso o que está em balança, é a hora, hora em que Luiz Carlos Prestes precisa ser
o homem mais prestigiado do país. Se a Aliança Liberal tenta uma pequena
revolução fascista para evitar uma ditadura washingtoniana, com o seu fascismo
sem idéias, quem poderá colocar dentro do país, quem poderá deter dentro do país
a investidura fascista, torcer as duas correntes, pelo menos uma, superintendendo
como técnico o comando militar e como político orientando o golpe, senão Luiz
Carlos Prestes, esse escudo, esse quebra-mar, essa garantia da liberdade nova e
da sociedade nova que se atacou ontem aqui através de seu humilde e obscuro
soldado civil? Não o conseguirão desprestigiar. Nós estamos a postos e vigilantes.
Não confundimos os erros de tática do comando bloquista com as necessidades da
massa operária. A massa operária há de vir conosco na hora da reação, porque
somos no país os primeiros a dar o primeiro passo de suas reclamações de
justiça.”103

101
- Idem. Ibidem, p. 1.836.
102
- Anita L. Prestes. A Coluna Prestes, p. 380.
103
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 1.900.
498

A resposta do BOC à ruptura de relações feita por Lacerda foi a leitura, por
Minervino de Oliveira, de algumas cartas em plenário na sessão de 5 de
dezembro. Em uma delas, de autoria do jornalista e militante comunista Josias
Carneiro Leão, um “tenente civil”, tornaram-se públicas as críticas de Luiz Carlos
Prestes às “explorações” de Lacerda. As outras, de autoria de seus irmãos Paulo
e Fernando, atacavam Maurício de Lacerda. No entanto, por ação de um grupo de
intendentes que propusera dias antes uma medida a fim de evitar a publicação
dos pronunciamentos dos intendentes comunistas, como veremos adiante, o
pronunciamento de Oliveira foi censurado e as cartas acabaram não sendo
publicadas. Quando se esperava uma resposta por parte de Lacerda, este
silenciou, atendendo a um pedido pessoal de Juarez Távora para que adiasse
sua resposta, “a fim de não prejudicar a causa”. Ao mesmo tempo, os “tenentes”
buscaram apaziguar Luiz Carlos Prestes, pedindo que este não polemizasse
publicamente com Lacerda, “pois este tinha prestado e vinha prestando bons
serviços à causa de julho” 104. E assim se encerrou a polêmica dos intendentes do
BOC com Maurício de Lacerda.

A mordaça: A Indicação nº 180

Logo nos primeiros dias de seus trabalhos do ano de 1929 o Conselho


Municipal aprovou a suspensão dos trabalhos em homenagem ao ex-prefeito do
Rio de Janeiro Antônio Augusto de Azevedo Sodré, que acabara de falecer.
Octavio Brandão leu uma declaração de voto na qual afirmava que o falecido fora
membro e “instrumento da classe burguesa” e que, como o BOC fundava-se na
luta da classe proletária contra a classe burguesa, portanto, não poderiam seus
intendentes “votar a favor de homenagem de espécie alguma”. Logo em seguida,
em 6 de junho de 1929, o intendente democrático Leitão da Cunha propôs uma

104
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de
Dezembro de 1929, p. 192-199; Maurício de Lacerda. Segunda República, p. 153-163; Miguel Costa
Filho. Os farsantes da revolução, p. 41.
499

homenagem ao Conselheiro Antônio Prado, histórico personagem da política


paulista e brasileira desde os tempos do Império e fundador do Partido
Democrático de São Paulo, falecido durante o recesso parlamentar do Conselho
Municipal, em 23 de abril. Além disso, o morto era pai do prefeito do Distrito
Federal, Antônio Prado Júnior, a quem os comunistas de Santos pejorativamente
chamavam de “meningite cerebral”105. Mais uma vez, os intendentes do BOC
declararam que se recusavam a associar-se às “homenagens à classe
capitalista”. Durante a sessão de preito, instados pelo presidente a se levantarem
como os outros intendentes, Minervino de Oliveira e Octavio Brandão retiraram-
se, somente retornando ao plenário depois de encerrado o evento.
Estas posições, particularmente a desenvolvida em relação ao Conselheiro
Antônio Prado, geraram uma grande polêmica, tanto em plenário como fora dele.
Octavio Brandão perguntava aos que os criticavam qual seria sua posição se o
BOC propusesse uma homenagem a Lenin e obteve o silêncio como resposta106.
Enquanto eram atacados pela grande imprensa, que fez escândalo com o fato, os
intendentes do BOC receberam o apoio da imprensa operária pelo gesto:

“Não... Continuem os intendentes do proletariado brasileiro com tais atitudes


e terão os aplausos do proletariado consciente. Nada de homenagens aos que nos
exploram, eles que se homenageiem uns aos outros. Nossos mortos, os mortos
operários, a burguesia só lembra deles para insultá-los. O estrebuchar da imprensa
burguesa é uma prova inconfundível da linha genuinamente proletária seguida pelo
B.O.C. Que continue, pois, a imprensa assalariada, nós continuaremos também.”107

Este episódio foi o pretexto para o desencadeamento, dias depois, de uma


virulenta reação por parte de diversos intendentes108, que a partir de então

105
- João Freire de Oliveira. Atitudes claras. O Combate. São Paulo, 19/01/1929, p. 2.
106
- Idem. Ibidem, p. 489. Episódios semelhantes aos ocorridos com Azevedo Sodré e Antônio
Prado repetiram-se por ocasião das homenagens prestadas a Adolpho Gordo, no caso deste por duas
vezes, ao jornal A Noite - de propriedade de Geraldo Rocha -, a Epitácio Pessoa e aos candidatos da
Aliança Liberal.
107
- Homenagens à memória do Conselheiro Antônio Prado no Conselho Municipal. Como o
intendente do Bloco Operário, Octavio Brandão, justificou o seu voto em separado. O Internacional.
São Paulo, nº 159, 01/07/1929, p. 5.
108
- Os intendentes que fizeram uso da palavra nesta ocasião foram: Antônio Dormund
Martins (eleito pela “Chapa Adolpho Bergamini”), Oswaldo de Moura Nobre (“Azevedo Lima”),
500

desenvolveram permanentes ataques ao comunismo. Neles não se fazia uso de


uma argumentação mais refinada ou se buscava fazer uma discussão ideológica.
Nas críticas ao comunismo feitas no Conselho Municipal do Distrito Federal fazia-
se uso de argumentos como destruição da família, instituição do amor livre,
perseguição às religiões, abolição da propriedade etc.
Esta reação obedecia, no episódio da homenagem a Antônio Prado, a duas
ordens de interesse da parte dos intendentes e dos grupos aos quais se
associavam. A primeira era que o pretexto inicial das críticas, a defesa da
memória de Antônio Prado, servia a um jogo político mais comezinho. Além das
acusações de que se tratava de uma falta de respeito e consideração para com
um morto e outros argumentos do gênero, ela, na verdade, servia de desculpa
para que muitos dos seus “defensores” tentassem se aproximar do prefeito do
Distrito Federal, Antônio Prado Júnior, o qual não tinha - como vimos por ocasião
de seu comentário pelo qual defendia a posse dos intendentes comunistas - muita
disposição em atender ao clientelismo dos intendentes. A segunda razão era que
desse modo se punha dentro do Conselho Municipal a campanha de perseguição
ao comunismo que o governo Washington Luís já desencadeara nas ruas.
Coincidentemente, no mesmo dia (10 de junho) em que se iniciaram as
polêmicas anticomunistas no Conselho Municipal a polícia do Distrito Federal
invadiu a gráfica onde se imprimia o semanário comunista A Classe Operária,
confiscando a tiragem, e dirigiu-se em seguida à sua redação. Logo depois, no
mesmo dia, a polícia entrou à força na sede do BOC, levou seus arquivos e
prendeu 21 pessoas (entre elas Fernando e Paulo de Lacerda, irmãos do
intendente Maurício de Lacerda). Estas perseguições se intensificariam ao longo

Francisco Vieira de Moura (“Penido-Irineu” + “Azurém Furtado”), João da Costa Pache de Faria
(“Frontin-Mendes”) e Sisínio Carreiro de Oliveira (“Cesário de Mello” + “Abelardo Reis”).
Posteriormente integraram-se ao grupo que atacava os comunistas em plenário os intendentes
Floriano de Araújo Góes (“Frontin-Mendes” + “Cândido Pessoa”), Mário Monteiro Alves Barbosa
(“Cesário de Mello”), João Baptista Pereira (“Light”), João da Costa Pinto (“Penido-Irineu”) e
Ataliba Corrêa Dutra (Avulso).
501

do ano, sendo elas, a cada momento, narradas em plenário109. Octavio Brandão a


cada ação da máquina repressiva apresentava uma estatística de sua ação,
afirmando que a polícia política procurava implantar uma “caricatura de fascismo”
no País:

“No Brasil, a polícia política procura transformar o Bloco Operário e


Camponês numa organização ilegal. Ela já realizou 33 assaltos a 17 associações
operárias, efetuando 800 prisões.”110

Do mesmo modo que Azevedo Lima, quando da votação da “Lei Celerada”,


os intendentes do BOC, por conta dessa onda repressiva desencadeada pelo
governo de Washington Luís, destacaram a maneira pela qual estavam sendo
desrespeitados os direitos civis no país. Mostrava que, desde 1710, o povo
brasileiro vinha lutando pela conquista de uma carta de direitos, a Constituição,
“que, de alguma forma, coibisse esses abusos”. Apesar de a Constituição
republicana brasileira assegurar, em seu artigo 72, a inviolabilidade dos direitos
referentes à liberdade, segurança individual e propriedade, bem como o direito de
reunião e liberdade de expressão, o governo de Washington Luís não os cumpria,
negando-os sistematicamente ao proletariado. Frente a isso, em um dos poucos
momentos do mandato dos intendentes do BOC em que se manifestou
explicitamente este tipo de preocupação, Octavio Brandão deixou claro que o
BOC se dispunha a lutar pelos direitos civis e por sua ampliação:

109
- Veja-se, espalhadas ao longo dos Anais de 1929, as intervenções de Minervino de Oliveira
e de Octavio Brandão feitas nas sessões de 11, 14 e 28 de junho; 3, 6, 19, 24 e 25 de julho; 23 de
agosto, 21 de setembro; 2, 9, 15, 18, 21 e 25 de outubro; e 14 e 18 de novembro de 1929.
110
- Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de junho a 31 de julho de
1929, p. 1.213. Neste mesmo pronunciamento Brandão relacionou as invasões ocorridas entre 7 de
junho e 5 de julho de 1929 no Distrito Federal: a redação da Classe Operária, a sede do BOC (2
vezes), o Centro Cosmopolita (2 vezes), a União dos Trabalhadores em Padarias, a União dos
Metalúrgicos (3 vezes), o Centro dos Jovens Proletários (3 vezes), o Comitê das Mulheres
Trabalhadoras (3 vezes), a Federação dos Esportes Proletários (3 vezes), a União Regional dos
Operários em Construção Civil (3 vezes), a União dos Trabalhadores da Indústria de Bebidas, o
Centro Auxiliador dos Operários em Calçados, a Associação dos Trabalhadores da Indústria
Mobiliária (2 vezes), a Federação dos Trabalhadores Gráficos do Brasil (2 vezes), a União dos
Alfaiates, o Centro União dos Confeiteiros e a União dos Trabalhadores em Transportes Marítimos e
Portuários do Brasil. Brandão chegou a estimar o tempo de prisão das 800 pessoas: dois anos e meio
(Idem. Ibidem, p. 1.210-1.211).
502

“Nós, filhos do povo, reivindicamos o cumprimento da Constituição, não para


estacionarmos na Constituição, mas para a levarmos às suas últimas conclusões.
A Constituição nos dá 10%. Nós reivindicamos 100% de liberdade – nós, filhos do
povo. Mas se temos 10%, não vamos abandoná-los porque ambicionamos mais
90%. Queremos o cumprimento destes 10% de liberdades para que, baseados
nelas, possamos lutar e conquistar o total de liberdades a que o povo heróico do
Brasil tem direito pela sua coragem e pela sua audácia.”111

Mas foi sem dúvida o uso da polêmica entre os intendentes do BOC e


Maurício de Lacerda que permitiu aos segmentos anticomunistas desfechar um
duro e definivo golpe sobre os intendentes do BOC. Ela foi o toque de alerta aos
intendentes anticomunistas de que era chegado o momento de tomar uma
iniciativa mais contundente contra Minervino de Oliveira e Octavio Brandão. Até
então, com o apoio de membros da Mesa – recorde-se, por exemplo, que o vice-
presidente Floriano de Góes era irmão do chefe de Polícia do Distrito Federal
Coriolano de Araújo Góes Filho -, os intendentes do BOC eram freqüentemente
interrompidos em seus pronunciamentos para serem advertidos de que deveriam
se ater ao tema da ordem do dia – coisa que não ocorria jamais com os outros
intendentes112 – ou então a sessão, por manobra regimental, era encerrada em
meio a seus pronunciamentos. Em alguns casos chegava-se a pôr de lado o
Regimento Interno, como ocorrera por conta da votação de um requerimento de
homenagem a Adolpho Gordo. Depois de aprovada a proposta a sessão foi
encerrada, sem que os intendentes do BOC pudessem justificar seu voto. Os
intendentes anticomunistas passaram a se dar conta de que, como resultado da
virulência dos ataques, sobretudo de Brandão, Lacerda poderia não mais manter
sua atitude de apoio ao BOC e, assim, deixaria o caminho livre à sua ação.

111
- Distrito Federal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1 de junho a 31 de julho de
1929, p. 1.159.
112
- Em pronunciamento feito em sessão ocorrida no dia 28 de junho de 1929, Octavio
Brandão assinalou: “Todos os dias, vemos aqui os intendentes partirem de um assunto em discussão e
deslizarem para outros assuntos, tão diferentes na aparência. Ninguém pensou em obrigá-los a calar-
se. Por que, então, o super-rigorismo só existe para nós, proletários?! Vivemos, lá fora, sob um
regime de terror policial e, aqui dentro, procuram suprimir-nos o direito de denunciar as
perseguições” (Cf. Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de
1º de Junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.080).
503

Foi justamente no dia 28 de novembro, no qual a polêmica com Lacerda foi


retomada por Octavio Brandão, que os intendentes Baptista Pereira (o
representante da Light), Corrêa Dutra (avulso) e Mário Barbosa (da “Chapa
Cesário de Mello”) apresentaram uma indicação, que tomou o número 180, de
1929113, na qual pediam que a Mesa impedisse a propaganda comunista no
plenário por meio dos pronunciamentos dos intendentes do BOC. Redigida com o
típico vocabulário dos inquéritos policiais, na Indicação nº 180, de 1929 alegava-
se que os intendentes do BOC, de maneira “tenaz, fria e metódica”, desvirtuavam
o mandato eletivo “outorgado pelo povo ordeiro e laborioso do Distrito Federal” ao
realizar “propaganda impávida do crime, da destruição social e da moralidade
pública e privada”. Para os subscritores dessa proposição legislativa, embora a
Constituição do Brasil garantisse a “representação das minorias” e a liberdade de
manifestação, não era possível tolerar a transposição dos “marcos extremos
invioláveis da moralidade, da religião, da família e da sociedade, dentro das quais
se agitavam os seres normais, respeitosos da sua condição humana, conscientes
do grau de progresso a que atingiram na seleção biológica”. Além da “propaganda
subversiva e criminosa” também incomodava aos autores da Indicação o fato de
os intendentes do BOC dizerem-se representantes dos trabalhadores, “porquanto
o voto honrado dos operários dignifica a investidura de todos os intendentes, os
quais mantêm com eles um convívio ininterrupto, diário e fraternal”. Assim, não
era mais possível que o Conselho Municipal suportasse isto, pois,

“(...) a continuar a situação atual, não seria a Assembléia Municipal apenas


omissa, espectadora inerte ante a consumação diária dos atentados, mas
conivente, cúmplice da propaganda subversiva, pela tribuna e pelo órgão oficial de
publicação dos trabalhos da Casa, transformados em instrumentos da vasa
internacional, de vez que, tendo o poder de polícia e, ao alcance da mão, o
instrumento preventivo e repressivo, quedaria indiferente, apesar dos clamores
gerais repercutindo no próprio recinto das sessões.”114

113
- Ver a íntegra da Indicação nº 180, de 1929, no Anexo XIV.
114
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de
Dezembro de 1929, p. 395.
504

A Indicação nº 180, de 1929, embora aludisse a garantias constitucionais de


representação política das minorias e de direitos para sua expressão, deixava
claros os limites das chamadas correntes “liberais” governistas: não havia espaço
para uma oposição ideológica e sistemática que colocasse em questão os
fundamentos político-econômicos do regime. Para isso, ao invocar em sua
indicação o artigo 134 do Regimento Interno, os autores, por meio do intendente
Baptista Pereira, deixaram claros os limites que pretendiam atingir para “impedir a
prática do comunismo” no Conselho Municipal:

“Se quiserem, porém, rejeitá-la, assumam a responsabilidade de ocorrências


desagradáveis. Se assim agirem, eu assistirei deste lugar, sem nenhum protesto,
impassível, a censura que a polícia se permita fazer no órgão oficial e até mesmo a
sua presença aqui dentro para evitar a propaganda bolchevista ou conduzir os
inveterados propugnadores do comunismo à sede da delegacia para prestarem
conta das violações que estiverem praticando contra a Constituição da
República.”115

No dia seguinte ao discurso de Brandão, Lacerda, em sua resposta, rompeu


com os intendentes comunistas e chamou a atenção para a armadilha a que o
sectarismo do BOC o estava conduzindo:

“Eu fazia empenho em não carregar sobre os Intendentes do Bloco, porque


sentia o reacionarismo rondá-los. Ontem uma indicação que suprime o direito de
tribuna até a convocação de força armada para retirá-los da tribuna, é o artigo 134
do regimento, aqui veio confirmar os meus prognósticos. Pois bem, declaro que
combaterei essa indicação, não porque afete apenas a liberdade do mandato, mas
porque ultraja a própria consciência da cidade que representamos. Pois bem.
Ontem, me agrediam e a todos os esquerdistas. Hoje, apelam para os
esquerdistas, para os democráticos, os liberais, para fundarem um bloco. Mas
contra o que? Para que? Contra uma nova lei Adolpho Gordo? Contra a indicação
que veio ao conhecimento do Conselho, ontem. Os intendentes agridem o seu
advogado e constante companheiro por nicas e futrocas idiotas e no dia seguinte,
num apertar, trazem esse apelo a todas as consciências liberais do país, para
defendê-los? Ou são inconscientes ou indecentes! Dentro do Conselho, ao seu

115
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de
Dezembro de 1929, p. 407. O artigo 134 do Regimento Interno do Conselho Municipal do Distrito
Federal rezava: “A Comissão de Polícia poderá requisitar força armada e fazer uso dela, todas as
vezes que julgar necessária para fazer respeitar, no edifício do Conselho, a Constituição e a Lei
Orgânica do Distrito ou executar este Regimento e manter a ordem” (Cf. Distrito Federal. Conselho
Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de Dezembro de 1929, p. 401).
505

lado, um companheiro dedicado, que nada lhes pede, renegam, apedrejam,


caluniam, e depois apelam para aqueles que reputam ultrajante apoiar, mas em
que agora se apóiam? Então esses Intendentes não estão vendo que estão
ficando sozinhos? O papel que têm feito perante os operários, perdendo uma
resistência, que tenho orgulho em dizer, só pode ser igualada, mas não pode ser
excedida, não escapará ao julgamento dos seus camaradas mais esclarecidos,
mais sinceros, e menos cabotinos ou exibicionistas. Declaro aqui e já que não
atendo ao apelo, porque enquanto o Sr. Octavio Brandão for o pontífice
maximalista nesta terra, ele crescerá como rabo de cavalo. Agirei por mim.
Combaterei o atentado sem ver o vilão a que aproveitará esse combate.”116

Estas declarações de Lacerda deram aos autores da Indicação nº 180, de


1929, a convicção de que os intendentes do BOC estavam sós. Mesmo assim,
Brandão voltou à carga contra Lacerda e reiterou seus ataques, elevando o tom.
Destemperado, em um pronunciamento realizado no dia 2 de dezembro, afirmou
que os comunistas iriam pagar os favores dos quais Lacerda se achava devedor
informando-o sobre o “Regimento que teremos de criar quando o Conselho for
traduzido para o russo, transformado em Soviet...”117, fornecendo mais um
elemento de ataque ao BOC. No dia seguinte, a publicação pelo diário A Manhã
de uma suposta lista de execuções que seriam feitas quando o PCB tomasse o
poder se combinou com outra polêmica a respeito da alegada responsabilidade
dos comunistas no caso dos trabalhadores ferroviários que foram demitidos por
terem sido presos quando se dirigiam para a sessão de encerramento do I
Congresso do BOC e ambas geraram mais uma acalorada discussão no Conselho
Municipal. Nesta mesma discussão, os intendentes Vieira de Moura e Dormund
Martins também afirmaram que iriam votar contra a Indicação nº 180, de 1929, por
julgarem-na uma violência cometida contra o próprio Conselho Municipal, mas
desferiram virulentos ataques ao comunismo.
No dia 4 de dezembro, um pronunciamento de Minervino de Oliveira é
interrompido por uma manobra regimental que suspende a sessão. No dia

116
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 1.898-1.899. O bloco aludido por Maurício de Lacerda foi
proposto por Octavio Brandão em pronunciamento realizado em 28 de novembro e recebeu o nome de
“Comitê de Luta contra a Reação”.
117
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de
Dezembro de 1929, p. 32.
506

seguinte, Oliveira consegue fazer o discurso, no qual lera cartas de Josias Leão e
dos irmãos Paulo e Fernando de Lacerda atacando Maurício de Lacerda. A
censura a esta fala acabou sendo o teste para a medição de forças que aqueles
que apoiavam a Indicação nº 180, de 1929 necessitavam. Alegando que o ataque
a Maurício de Lacerda fora “insultuoso aos senhores Intendentes e ofensivo à
dignidade dos nossos homens públicos”, Baptista Pereira apresentou um
requerimento verbal solicitando a sua não publicação na página oficial do
Conselho Municipal, que era publicada no Diario do Commercio, e nos Anais.
Apesar de ter havido uma resistência inicial por parte do presidente, o intendente
Henrique Maggioli, a pressão de vários intendentes o fez pôr a votos a
proposição. Por 12 votos contra três, o requerimento de Baptista Pereira foi
aprovado. Após o encerramento da votação, Maurício de Lacerda, que se retirara
durante o pronunciamento de Minervino de Oliveira, retornou ao plenário, numa
clara indicação de que os intendentes do BOC realmente estavam desamparados.
Finalmente, no dia 11 de dezembro a Indicação nº 180, de 1929, foi posta a
votos. No encaminhamento da votação quatro intendentes (Maurício de Lacerda,
Vieira de Moura, Dormund Martins e Minervino de Oliveira) usaram da palavra
contra a indicação. O essencial da argumentação contrária desenvolvida pelos
quatro intendentes foi feito por Lacerda. Para este a indicação em si carecia de
razão, pois, a rigor, como as providências solicitadas estavam previstas no
Regimento Interno, simplesmente cabia ao presidente da Mesa aplicá-las. No
entanto, esclarecia, a questão principal, que o levava a dar seu voto contrário, era
o fato de que o objetivo da indicação era introduzir a “repressão à propaganda de
doutrinas”. Lacerda mostrou que, apesar de citados pelos autores da Indicação nº
180, de 1929, tanto o Regimento Interno como a Constituição do Brasil não se
referiam à “propaganda de idéias” mas apenas sancionavam a falta de decoro, os
excessos e matéria estranha ao debate; sendo que, ainda assim, durante o
expediente, o orador tinha ampla liberdade na escolha de seu tema. Por fim,
quanto ao uso de força policial para reprimir o uso da palavra, invocado através
do artigo 134 do Regimento Interno, Lacerda, recorrendo à história parlamentar
507

brasileira, mostrou que a requisição da força armada por parte do Legislativo


tinha como objetivo “garantir o exercício do próprio mandato contra os excessos
do Poder Executivo”, sendo, portanto, um instrumento de “proteção e não de
agressão aos mandatários do povo”. Logo, os intendentes não deveriam se curvar
às ameaças contidas na indicação, mas, pelo contrário, rejeitá-las por serem um
abuso contra o próprio Poder Legislativo. E encerrava seu encaminhamento
afirmando que a aprovação da Indicação nº 180, de 1929, abria um grave
precedente:

“Concluindo as minhas considerações, direi a V. Ex. que a invocação do


artigo 134 para compelir intendentes a não propagarem as suas próprias doutrinas,
dentro dos termos do Regimento, quando não seja repugnante à minha índole
republicana, é uma arma bigúmica [sic]. Também a lei Gordo foi contra as
associações anarquistas e acabou sendo aplicada ao Clube Militar.
Amanhã, as propagandas dos partidos, as propagandas das facções, as
propagandas das doutrinas, sejam feitas por quem forem, serão abafadas, dentro
do Conselho, manu militari, pelo Presidente. Em lugar do artigo ser um artigo de
defesa das nossas prerrogativas, passará a ser um artigo de agressão e mutilação
das prerrogativas dos Intendentes. De mais, Sr. Presidente, estas medidas de
violência só fazem mártires e os mártires só fazem prosélitos e os prosélitos são o
objetivo supremo de toda a propaganda. [...] A palavra procura prosélitos. Cale-se
a palavra pela força e a opinião se rebelará contra a brutalidade do gesto, no
silêncio dinâmico das revoltas abafadas.”118

Por outro lado, apenas dois intendentes (Costa Pinto e Baptista Pereira)
encaminharam a votação favoravelmente à Indicação nº 180, de 1929. O
intendente Costa Pinto, mesmo avaliando, equivocadamente, que tal indicação
não seria posta em prática, afirmou que votaria favoravelmente por que, em sua
opinião, a indicação impedia apenas a propaganda comunista no recinto do
Conselho Municipal e não cercearia a “liberdade de tribuna” e nem diminuiria a
“autoridade outorgada pelo povo aos dois intendentes comunistas do Bloco
Operário e Camponês”119. Obviamente esta última razão ficava condicionada, de
acordo com o raciocínio de Costa Pinto, a que ambos se dedicassem a fazer uso

118
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a 31 de
Dezembro de 1929, p. 403.
119
- Idem. Ibidem, p. 405.
508

da tribuna “em benefício da classe proletária” sem fazer propagando do


comunismo...
Já o representante da Light e encabeçador da Indicação nº 180, de 1929,
Baptista Pereira preferiu reiterar, apesar da cabal demonstração feita em contrário
por Maurício de Lacerda, a argumentação de que a Constituição do Brasil proibia
e mandava reprimir a propaganda comunista e deixar no ar a ameaça de que,
caso a indicação fosse rejeitada, a polícia iria ser fatalmente requisitada para
censurar os pronunciamentos e evitar que se fizesse propaganda do comunismo
em plenário.
Ao final, a indicação foi aprovada por dez votos contra sete (note-se que
neste dia Octavio Brandão não esteve presente à sessão por motivo de saúde).
Cotejando-se as votações do parecer que definiu a proclamação dos intendentes,
em dezembro de 1928, e da Indicação nº 180, de 1929, pode-se constatar que as
forças políticas que se articularam para ambas votações mantiveram-se
praticamente intactas, havendo apenas uma modificação de posicionamento (de
Costa Pinto), como se pode verificar da tabela abaixo. A indicação e seu discurso
anticomunista parecem ter tido o condão de ter reforçado a coesão inicial do
grupo que apoiou a Indicação nº 180, de 1929. Além disso, como uma questão
que permaneceu nos bastidores, já se colocava a eleição da nova Mesa para o
ano de 1930 e sua articulação certamente perpassou a questão da indicação.
Tanto é assim, e isto não se pode considerar como uma mera coincidência, que
todos os membros que compuseram a Mesa de 1930 votaram favoravelmente à
indicação120. A nova Mesa, além de passar a ter um caráter mais conservador,
ampliara o arco de forças que a compunha em relação a 1929: agora o grupo
“Penido-Irineu” - representado justamente pelo único intendente que mudara de
posição, Costa Pinto - também a integrava.

120
- Em junho de 1930 foram eleitos para a Mesa Diretora do Conselho Municipal do Rio de
Janeiro: Pache de Faria (presidente), Felippe Cardoso (vice-presidente), João Clapp (1º Secretário) e
Costa Pinto (2º Secretário).
509

Nome “Chapa”/ Partido Voto a favor Voto de Parecer de


da Indicação Proclamação dos
nº 180, de Intendentes
1929
Antônio Dormund Martins “Adolpho Bergamini” NÃO Parecer Maurício de Lacerda
Oswaldo de Moura Nobre “Azevedo Lima” NÃO Parecer Maurício de Lacerda
Francisco Caldeira de “Cesário de Mello” SIM Parecer Nelson Cardoso
Alvarenga
Mário Monteiro Alves “Cesário de Mello” SIM Parecer Nelson Cardoso
Barbosa
Sisínio Carreiro de “Cesário de Mello” + - -
Oliveira “Abelardo Reis”
Nélson de Almeida “Cesário de Mello” + - Parecer Nelson Cardoso
Cardoso “Geremario Dantas”
Henrique Maggioli “Frontin-Mendes” - Parecer Nelson Cardoso
João Clapp Filho “Frontin-Mendes” SIM Parecer Nelson Cardoso
João da Costa Pache de “Frontin-Mendes” SIM Parecer Nelson Cardoso
Faria
Floriano de Araújo Góes “Frontin-Mendes” + - Parecer Nelson Cardoso
“Cândido Pessoa”
Antônio Philadelpho “Frontin-Mendes” + SIM Parecer Nelson Cardoso
Pereira de Almeida “Sampaio Corrêa”
João Baptista Pereira “Light” SIM Parecer Nelson Cardoso
Edgard Fontes Romero “Mário Piragibe” - Parecer Nelson Cardoso
Felippe Basílio Cardoso “Mário Piragibe” SIM Parecer Nelson Cardoso
Pires
Jeronymo Máximo “Penido-Irineu” NÃO Parecer Maurício de Lacerda
Nogueira Penido
João da Costa Pinto “Penido-Irineu” SIM Parecer Maurício de Lacerda
José Joaquim Seabra “Penido-Irineu” - Parecer Maurício de Lacerda
Lourenço Mega “Penido-Irineu” SIM -
Francisco Vieira de Moura “Penido-Irineu” + “Azurém NÃO Parecer Maurício de Lacerda
Furtado”
Ataliba Corrêa Dutra Avulso SIM Parecer Nelson Cardoso
Maurício de Paiva Lacerda Avulso NÃO Parecer Maurício de Lacerda
Minervino de Oliveira BOC NÃO Parecer Maurício de Lacerda
Octavio Brandão do Rego BOC - Parecer Maurício de Lacerda
Raul Leitão da Cunha Partido Democrático NÃO Parecer Maurício de Lacerda
FONTES: Distrito Federal. Conselho Municipal. Sessões preparatórias de 23 de Novembro a 21 de Dezembro e Sessão Solene de
Posse de 24 de Dezembro de 1928, p. 296-297; Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2 a
31 de Dezembro de 1929, p. 407.

Os intendentes do BOC ainda tentaram reverter esta decisão apresentando


outra indicação anulando a de nº 180, de 1929, mas sem sucesso. Embora ainda
tenham sido publicados alguns pronunciamentos e proposições em 1929, a
indicação começou a ser posta em prática. Além disso, em razão da intensa
perseguição movida pela polícia política aos intendentes do BOC, estes, a partir
510

de fins de dezembro de 1929, passaram a viver na clandestinidade a fim de


evitarem sua prisão, abandonando seus lares e morando em residências de
vários militantes comunistas, o que, evidentemente, dificultava ainda mais a sua
atuação no Conselho Municipal121. Mas foi a nova Mesa de 1930 que garantiu,
efetivamente, o cumprimento da Indicação nº 180, de 1929, uma nódoa indelével
na história política e legislativa do Brasil, que só teve par durante o regime militar
instaurado em 1964, e que transformou os dois intendentes do BOC em seres
sem existência real.
A partir de junho de 1930 os pronunciamentos de ambos eram inicialmente
indicados apenas pela fórmula “faz considerações sobre o projeto em debate” e
somente as suas intervenções na forma de aparte eram registradas, mesmo assim
mutiladas e reduzidas, o mais das vezes, a uma única frase. Quanto às suas
propostas legislativas, nenhuma delas foi impressa nos Anais publicados de 1930.
No dia 18 de julho de 1930, como uma espécie de ato de soberba da Mesa,
foi registrada a última intervenção do BOC:

“O SR. OCTAVIO BRANDÃO: – Desejo saber porque meu discurso de


protesto contra a prisão dos companheiros não foi publicado no órgão oficial?
O SR. PRESIDENTE: - Quando foi pronunciado o discurso de V. Ex. ?
O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - Dias atrás, relativamente a um requerimento
do Sr. Costa Pinto.
O Sr. Costa Pinto: - Há quatro dias.
O SR. PRESIDENTE: - Não foi publicado porque V. Ex. deveria ter tratado
somente do assunto que se debatia. V. Ex. não podia fazer discurso dentro do
encaminhamento da votação.
O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - Mas os discursos de todos os outros
intendentes são publicados na íntegra, mesmo quando se afastam completamente
do assunto. Todos os dias nós vemos aqui um intendente agarrar-se a um
requerimento qualquer e tratar de mil assuntos completamente estranhos.
O SR. PRESIDENTE: - Atenção!
O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - ... que não interessam.
O SR. PRESIDENTE: - Atenção! V. Ex. não pode atribuir aos seus colegas
essa intenção.
O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - Mas quando eles dizem até inconveniências
contra os dois comunistas...
O SR. PRESIDENTE: - Nenhum termo inconveniente é publicado no órgão
da casa.

121
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 376-381.
511

O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - ...é publicado o discurso. A Mesa não tem


autoridade para suprimir discurso algum.
O SR. PRESIDENTE: - Atenção!
O SR. OCTAVIO BRANDÃO: - É verdadeiramente incrível a maneira por que
são suprimidos os nossos discursos. Ora o princípio da frase; ora o princípio do
período ou o fim do período. E fica assim o discurso verdadeiramente sem sentido,
como uma coisa louca para obrigar-nos a desistir da publicação. Aqui está como os
nossos discursos são suprimidos.
Então isto é trabalho que se faça no discurso de um intendente? Então um
simples funcionário da Secretaria tem o direito de censurar o discurso de um
intendente nestas condições?
Então, o mandato de Intendente, mandato que foi recebido do povo e só o
povo pode tirar, mandato conferido pelo proletariado, esse mandato pode ser
suprimido?”122

Com a publicação desta última intervenção, a Mesa Diretora do Conselho


Municipal do Distrito Federal e os intendentes que apoiaram a Indicação nº 180,
de 1929, responderam afirmativamente a esta última pergunta de Octavio
Brandão e calaram de vez os intendentes do BOC. A rigor, embora não existisse
naquela época o instituto da perda do mandato, a Indicação nº 180, de 1929,
pode ser considerado o ato da primeira cassação de mandato parlamentar da
República brasileira.

O trabalho legislativo dos intendentes do BOC

Uma das formas de atuação dos intendentes do BOC foi a exercida por
intermédio da ação propriamente legislativa. Ambos procuraram sempre deixar
claro que sua presença e sua ação no Conselho Municipal do Distrito Federal
eram decorrentes de um projeto político, o comunista, distinto do defendido pela
maioria dos intendentes e que estavam ali falando em nome dos trabalhadores
cariocas e do Brasil. Dentro destes marcos também estava inserida a atuação
característica exercida por meio dos instrumentos específicos reservados aos
parlamentares: projetos de lei, requerimentos, indicações etc. Fundamentalmente

122
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1930, p. 1.338.
512

a ação parlamentar, tendo por base as proposições legislativas, visava seu uso
como instrumento de agitação e propaganda das propostas comunistas, como
deliberara o II Congresso da IC em 1920. Tal uso se via reforçado em razão de
alguns elementos. Antes de tudo, o fato de estarem em minoria no Conselho
Municipal já colocava, de antemão, como exíguas as chances de aprovação de
qualquer proposta legislativa oriunda do BOC. Em combinação com esta situação
havia o fato de a bancada do BOC ter tido uma atuação que dificultava a
obtenção de acordos políticos, seja pelo seu crescente sectarismo e
inflexibilidade – que, como veremos adiante, foi influenciado pela mudança de
orientação na IC operada após o 10º Pleno do CEIC -, seja, até como decorrência
deste, pelo temor de que qualquer composição ou acordo pudesse significar um
compromisso que afetasse sua condição de representantes da classe operária ou
sua independência. Assim, as propostas legislativas dos intendentes do BOC
acabaram sendo quase que exclusivamente utilizadas como instrumento de
agitação e propaganda.
A produção propriamente legislativa de Minervino de Oliveira e Octavio
Brandão limitou-se fundamentalmente a projetos de lei e indicações. Também
aqui é relevante destacar o conjunto de emendas apresentadas ao Orçamento
para 1930. Toda esta produção foi assinada por ambos, exceto um projeto de lei,
e parte dela, em especial todas as emendas ao Orçamento, foi também subscrita
por Maurício de Lacerda, como apoio a fim de garantir sua tramitação, em razão
de questões regimentais.
A produção legislativa dos intendentes do BOC ocorreu basicamente
durante o ano de 1929. Depois da aprovação, em dezembro de 1929, da
indicação que impediu a publicação de seus pronunciamentos em plenário, os
intendentes do BOC pouco compareceram ao Conselho Municipal. Com o reinício
da sessão legislativa, em junho de 1930, houve um acirramento da censura a
eles, o que, em combinação com o ambiente político que antecedeu o
desencadeamento da chamada “Revolução de 1930”, fez com que, até o
fechamento do Conselho Municipal, nada houvesse em termos de produção
513

legislativa durante o ano de 1930 por parte de Minervino de Oliveira e de Octavio


Brandão.
Os intendentes do BOC apresentaram durante o ano de 1929 apenas cinco
projetos de lei123, dos quais dois foram rejeitados, dois tiveram sua tramitação
truncada pela chamada “Revolução de 1930” e um foi aprovado. Este último, o
projeto de lei nº 97, de 1929, subscrito por Maurício de Lacerda, Octavio Brandão
e Leitão da Cunha – a única propositura legislativa que não foi assinada por
Minervino de Oliveira -, regulamentava o horário das farmácias em domingos e
feriados. Neste caso, nunca é demais recordar que Octavio Brandão era
farmacêutico de formação, o que talvez ajude a entender as razões pelas quais
assinou o projeto.
Os outros quatro projetos tinham como objeto de sua atenção o
funcionalismo público municipal. Em dois deles, cumprindo um ponto da
plataforma do BOC, buscava-se implantar o salário mínimo na categoria, que se
sugeria que fosse no valor de 360$000. No terceiro o BOC – inspirado pelo
Programa de Reivindicações do PCB apresentado em 1º de Maio de 1926 -
propunha que se instituísse uma tolerância de 15 minutos no atraso dos
funcionários públicos. No último dos projetos rejeitados os intendentes comunistas
propuseram uma realocação de recursos, retirando-os da verba destinada à
remodelação da cidade - por eles tratada como “obra suntuária” -, para o
pagamento dos salários em atraso do funcionalismo, questão esta várias vezes
abordada por ambos. Tais atrasos eram resultantes da orientação do Executivo
em priorizar o pagamento do serviço de juros de dois grandes empréstimos
efetuados pela Prefeitura. Isto determinou que dotações destinadas para a
Diretoria de Instrução, a Inspetoria de Concessões e a Inspetoria Agrícola e do
Abastecimento fossem transferidas para o pagamento dos juros dos empréstimos.
Isto resultou, mesmo com a autorização para que, em caráter emergencial, os
funcionários pudessem recorrer ao Montepio dos Empregados Municipais124, em
constantes atrasos nos pagamentos, que chegavam a até dois meses. Para os

123
- Ver a ementa dos projetos de lei apresentados pelos intendentes do BOC no Anexo XIV.
514

intendentes do BOC esta situação era o resultado da política econômica de


nossas elites e que levava a um beco sem saída, por meio de sua orientação de
sucessivos endividamentos:

“Não há dinheiro para pagar em dia os nossos companheiros operários e


pequenos funcionários, porque o prefeito é capitalista e tem de favorecer em
primeiro lugar os membros da sua classe.
À página 11 do seu calhamaço [Octavio Brandão refere-se à Mensagem ao
Conselho Municipal do Prefeito Antônio Prado Júnior], diz o Prefeito, que os juros
dos empréstimos estrangeiros não comportam adiamentos. Mas os salários e os
vencimentos comportam. O pobre pode adiar a fome. A fome espera...
[...]
Em 1928, toda a receita da Prefeitura atingiu 174.134 contos, pois os
imperialistas, sob a forma de juros e amortização dos empréstimos, avançaram em
33.446 contos.
[...]
Outrora, os grandes burgueses nacionais, os credores da dívida interna,
eram sacrificados aos banqueiros internacionais, aos imperialistas. Agora [...] os
credores nacionais estão com o pandulho cheio, enquanto o proletariado e a
classe média vegetam sob os maiores vexames.
Por conseguinte, não há dinheiro para pagar em dia os operários e pequenos
funcionários porque o Prefeito – membro e instrumento da classe capitalista –
favorece, em primeiro lugar, os imperialistas estrangeiros e os capitalistas
nacionais!
[...]
A Prefeitura devia aos imperialistas 562.500 libras do empréstimo de 1889, 2
milhões de libras do empréstimo de 1909 e 13 milhões de dólares do empréstimo
de 1922 [...].
Como pagá-los?
Contraindo um empréstimo de 30 milhões de dólares com os banqueiros
White Weld & Co., cuja sede fica no nº 14 de Wall Street, em Nova York, e que
basta para dizer tudo.
O atual prefeito, como todos os estadistas brasileiros, tapa um buraquinho
abrindo um buracão.
Bravos à ciência econômica da burguesia brasileira!”125

Enquanto os projetos de lei do BOC acabaram espelhando mais questões


corporativas, não enfocando diretamente preocupações mais cotidianas da
população carioca, estas acabaram se vendo mais tratadas por meio das

124
- Antônio Prado Júnior. Mensagem ao Conselho Municipal, 1º de Junho de 1929, p. 11-12.
125
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 683-684.
515

indicações126. Como estas não são um tipo de proposta legislativa de


conhecimento tão difundido como os projetos de lei, cumpre de antemão deixá-las
definidas:

“Indicação – Proposição que contém uma sugestão de deputado, senador ou


comissão, para que o assunto nela focalizado seja objeto de providência ou
estudo, para esclarecimento de seu autor, ou para formulação de proposta
legislativa [...]. Indicações são sujeitas a tramitação normal na Casa do Congresso
na qual tenha sido originalmente apresentada, e podem endereçar-se à Mesa, a
uma comissão ou ao Executivo.”127

As indicações apresentadas ao longo do ano de 1929 trataram de vários


temas e, ao contrário do que ocorreu com os projetos de lei, tiveram um grande
índice de aprovação por parte dos demais intendentes. Das 24 apresentadas,
dezoito delas foram aprovadas, três foram rejeitadas e outras três não tiveram sua
tramitação concluída. Este grande índice de aprovação talvez possa ser
compreendido pelo fato de que, endereçado a outro Poder, este tinha a faculdade
ou não de tomar alguma providência em relação ao objeto da indicação. Isto
acabava não gerando compromissos de maior monta entre aqueles que votavam
favoravelmente a uma indicação, afora seus autores. Além disso, como estas
indicações versavam em boa parte sobre demandas populares, seria possível que
os demais intendentes pudessem até captar algum “dividendo eleitoral” por conta
de seu apoio a essas questões. Mesmo assim, as indicações mais polêmicas
apresentadas pelo BOC e que tinham um caráter de confronto com o governo
acabaram rejeitadas. Isto ocorreu na indicação de apoio à demanda de
reconhecimento da URSS pelo governo brasileiro; e nas indicações de protesto
contra a apreensão de A Classe Operária e a invasão da sede do BOC, e contra a
ação da polícia em greves, a prisão de presos políticos ao lado de presos comuns
e o não-cumprimento da lei de férias.

126
- Ver no Anexo XIV a ementa das indicações dos intendentes do BOC.
127
- Saïd Farhat. Dicionário parlamentar e político. O processo político e legislativo no
Brasil, p. 528.
516

Com respeito às indicações aprovadas, sete delas tratavam de questões que


envolviam as empresas de transporte urbano e suburbano, de responsabilidade,
respectivamente, da Rio de Janeiro Tramway Light and Power e da Estrada de
Ferro Central do Brasil. Elas envolviam questões como a redução de tarifas,
trajetos das linhas, cobertura das plataformas de parada, e também relativas aos
seus funcionários (motorneiros e telefonistas). Também tratavam de apontar e, ao
mesmo tempo, denunciar o alto grau de intromissão dessas empresas na vida
cotidiana dos habitantes cariocas quando apresentavam indicações que se
referiam à venda de passes da Central do Brasil aos moradores dos subúrbios,
então prejudicados pela falta dos mesmos, o que os obrigava a atravessar a linha
para apanhar o trem, fazendo com que fossem multados e, como não podiam
pagar, acabavam presos, ou, ainda, reivindicavam passe-livre aos que conduziam
bolsas ou embrulhos de compras feitas em feiras-livres para que atravessassem
as estações da Central do Brasil nos subúrbios, isentando-os da cobrança por
transporte de bolsa ou embrulho de compra.
Outras três indicações aprovadas tratavam de pavimentação e iluminação
das ruas dos subúrbios cariocas, mostrando o abandono a que estavam
relegados os seus moradores pelo poder público municipal. Este, como
destacaram em várias oportunidades os intendentes do BOC, dedicava-se a
despender os investimentos de melhoria da infra-estrutura urbana nos bairros que
já dispunham de boas condições neste campo ou nos que eram habitados pela
elite carioca:

“Para Copacabana e Ipanema, o asfalto, as avenidas elegantes, os jardins


aristocráticos. E, para os bairros dos subúrbios, nem água, nem luz, nem esgoto.
Valas putrefatas. Imundas fossas fixas...”128

Outras indicações também apontavam para a construção de escolas, para a


criação, nos postos de saúde, de novo horário de atendimento para consultas e
fornecimento gratuito de medicamentos a fim de beneficiar a população
517

trabalhadora, para a proibição aos senhorios de desligar a eletricidade das


habitações coletivas após as 22 horas, mantendo-a permanentemente ligada
durante a noite. Além destas, outras questões situadas no âmbito das relações de
trabalho, como a da sugestão de ordem – iniciando-se pelo menor e encerrando-
se com os maiores salários - do pagamento dos salários em atraso aos
funcionários públicos municipais e a indicação da obrigatoriedade da construção
de banheiros para os funcionários do cais do porto do Rio de Janeiro, foram
sugeridas em indicações pelos intendentes do BOC e aprovadas pelo Conselho
Municipal.
Por fim, cumpre destacar uma última indicação que se reportava à questão
da memória do movimento operário. Por meio desta indicação de Minervino de
Oliveira e de Octavio Brandão o BOC buscou homenagear antigos militantes
anarquistas e comunistas então já falecidos, propondo que seus nomes fossem
dados a ruas de “bairros proletários”129. Embora a indicação tenha sido aprovada
pelo Conselho Municipal em 1929, até hoje não existem no Rio de Janeiro ruas
com estes nomes. Talvez isto mostre que a esquerda tenha encontrado outras
formas de preservar esta memória ou, o que seria trágico, que os tenha realmente
esquecido. Mas, o que é muito provável, a elite brasileira deles ainda se lembra...
Enfim, todo este conjunto de fatos abordados pelas indicações serviu aos
intendentes do BOC para pôr à mostra, por meio das indicações, a política
discriminativa exercida pelos prefeitos e sustentada pelas sucessivas legislaturas

128
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.437.
129
- A justificativa da Indicação nº 61/1929 era a seguinte: “O Bloco Operário e Camponês
glorifica os lutadores proletários. Neno Vasco lutou muitos anos pela educação de classe do
proletariado do Brasil; morreu tuberculoso, vitimado pelas privações e perseguições. Paulo Berthelot
escreveu o impressionante ‘Evangelho da Hora’ e faleceu tuberculoso no Araguaia, para onde fora
civilizar os índios. José Francisco de Barros morreu no combate do povoado Topadas em
Pernambuco, ao lado das tropas de Cleto Campelo. Manoel Cendón militou muitos anos na União dos
Alfaiates e em prol do proletariado. Antonino de Carvalho e Abelardo Nogueira aliaram a firmeza de
caráter ao devotamento à causa dos trabalhadores. Todos eles, durante longos anos de luta e
sofrimento, dedicaram o maior entusiasmo à obra de organização e educação de classe das massas
laboriosas do Brasil. E morreram em conseqüência dessas lutas e sofrimentos. Heróis e mártires
anônimos da grande obra de emancipação social.” (Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do
Conselho Municipal. Sessões de 1º de Agosto a 30 de Setembro de 1929, p. 773.)
518

de intendentes no Distrito Federal com relação à maioria da população carioca e


as mais variadas carências na vida cotidiana da população carioca.
Estas indicações, embora tenham sido até vistas positivamente pelas bases
comunistas130, acabaram sendo objeto de crítica por parte da ala mais identificada
com a política do “Terceiro Período” e mais esquerdista da direção do PCB,
durante a realização do III Pleno do Comitê Central. Esta classificava tais
131
proposições como “uma política de conciliação e cooperação com a burguesia” .
Por fim, outro dos campos de disputa ideológica utilizados pelos intendentes
do BOC foi o da discussão da peça orçamentária para 1930. Isto foi feito por meio
de 75 emendas apresentadas por Minervino de Oliveira e Octavio Brandão ao
Projeto de lei nº 13, de 1929, enviado pelo Prefeito do Distrito Federal para ser
apreciado pelo Conselho Municipal. A circunstância de que todas as emendas
foram também subscritas por Maurício de Lacerda132, em razão de uma questão
regimental - que exigia ao menos três assinaturas para que uma emenda ao
Orçamento pudesse tramitar -, mostra que as possibilidades de aprovação destas
emendas do BOC eram escassas. Nenhuma delas, no entanto, foi acatada, pois
como afirmou Brandão, “pois a maioria está com a faca e o queijo na mão”133.
Mesmo assim, não deixaram de ter seu papel no combate ideológico e como
instrumento de agitação e propaganda.
O Orçamento foi e ainda é uma das mais importantes leis, tanto em nível
municipal, como estadual ou federal. É por seu intermédio que são implantadas e
encaminhadas as políticas de uma administração. É natural que os intendentes do
BOC dele se valessem para demarcar seu projeto e confrontá-lo com o que
transparecia da proposta do Poder Executivo.

130
- A obra dos nossos intendentes. A Verdade. Rio de Janeiro, nº 1 (2a fase), novembro de
1929, p. 8.
131
- Leôncio Basbaum. Uma vida em seis tempos (memórias), p. 63-64. Basbaum comete um
equívoco ao situar esta discussão durante o III Congresso do PCB. Nesta ocasião, apesar de eleitos,
não haviam sido iniciados os trabalhos parlamentares, o que ocorreria apenas em meados de 1929.
132
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 1.895-1.896. As emendas estão publicadas em Distrito
Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de Agosto a 30 de
Setembro de 1929, p. 1.831-2.022.
519

Na análise apresentada por Octavio Brandão sobre o Orçamento este foi


descrito como tendo um caráter antiproletariado e contra a classe média e a favor
da classe capitalista134. Esta interpretação, por sua vez, era caudatária da que o
próprio Brandão havia feito sobre a Mensagem anual apresentada pelo Prefeito
no início dos trabalhos legislativos:

“[...] uma crítica à política municipal, que tem sido toda ela favorável aos ricos
e potentados em prejuízo dos pobres.
A política do Bloco Operário e Camponês, entretanto, é exatamente em
sentido contrário: favorável aos pobres e contrária aos ricos. [...] A idéia
fundamental que brota das 400 páginas da ‘Mensagem’ do Prefeito é esta: a
política municipal tem sido, até hoje, uma política para os ricos em prejuízo dos
pobres. Política para turistas, ociosos, parasitas – apuizeiros sociais, verdadeiros
enxertos de passarinho.
Nestas condições, é impossível a nossa colaboração. Nenhuma conciliação
das classes antagônicas. Luta, mais luta, sempre luta. Só através da luta das
classes é que o proletariado se emancipará.
A política municipal tem sido a dos ricos contra os pobres. E continuará assim
enquanto durar o atual regime capitalista. Ela não poderia ser de outra forma,
porque o poder do Estado foi absorvido pela burguesia.”135

No caso da avaliação sobre o caráter da peça orçamentária para 1930,


também provinha ela do entendimento de que os números da proposta, que
apresentavam uma receita de 200.448 contos e uma despesa de 217.332 – dos
quais 32.881 seriam destinados ao pagamento de dívidas -, resultando, portanto,
em um déficit de 16.884 contos, teriam como efeitos um agravamento da carestia
e uma acentuação das lutas sociais. Para projetar este quadro, Brandão
apresentou vários exemplos a respeito da situação atual do funcionalismo
municipal e também dos trabalhadores da iniciativa privada, relatando suas
condições de trabalho, seus baixos salários e, no caso dos funcionários públicos
do Distrito Federal, os atrasos nos pagamentos dos salários. A isto contrapunha

133
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 1.837.
134
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 1.994-2.004.
135
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 680-681.
520

os empréstimos de milhões de dólares feitos pela Prefeitura para o pagamento de


juros de dívida e contratação de obras suntuosas somente para os “bairros ricos”:

“As árvores do Jardim Botânico e os cavalos do Jockey Club têm todo o


tratamento. Os operários e as operárias não têm tratamento algum. Vegetam em
casebres, famintos e desempregados.”136

Destacava também os impostos, que julgava excessivos sobre o proletariado


e a classe média, e, além disso, o Prefeito, agravando este fato, propusera no
Orçamento para 1930 um aumento de 20% sobre todos os impostos, taxas e
contribuições. E, por fim, deu relevo ao fato de que somente a Associação
Comercial do Rio de Janeiro fora consultada pelo Prefeito a respeito do
Orçamento antes de sua apresentação, deixando claro que apenas a classe
capitalista foi levada em conta em sua elaboração.
Embora a classe média fosse mencionada por Brandão em suas
intervenções como um segmento social distinto, economicamente ele a acabava
assimilando à classe trabalhadora por conta da concepção de que a conjuntura
de crise social e econômica estava promovendo um processo de proletarização
sobre a classe média:

“E como nesta Casa ainda não foi compreendida a nossa intenção era
precisamente o que eu tinha em vista: mostrar que nós não pretendemos
transformar a classe média em nossa adversária, e sim conquistar-lhe pelo menos
a sua neutralidade, provar à classe média, à classe intermediária, que ela, sob o
regime capitalista, só pode esperar a miséria, a opressão, a fome e todas as
modalidade de opressão.”137

Assim, tais apreciações terminavam geralmente tendo um caráter


dicotômico, ricos versus pobres, capitalistas contra proletários, o qual estava na
base das propostas de emendas ao orçamento feitas pelos intendentes do BOC.
Mesmo assim, esta dicotomia em alguns poucos casos acabou relativizada, como,

136
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 2.000.
137
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Junho a 31 de Julho de 1929, p. 480.
521

por exemplo, no caso do imposto predial, ao qual os intendentes do BOC


propuseram três alíquotas distintas: para trabalhadores, para a classe média e
para a classe capitalista.
Frente a esta situação Brandão afirmou que os trabalhadores representavam
um outro mundo, fundado na “economia comum da colmeia”, na “política da
classe pobre contra a classe rica”, no “direito nascido das necessidades e das
aspirações mais profundas das massas laboriosas”, na “moral baseada na
harmonia entre o indivíduo e a coletividade”. Com este “novo mundo”, afirmou,
não concordava, evidentemente, a “maioria, conservadora, reacionária, do
Conselho Municipal”. Assim, mesmo que as chances de aprovação fossem
remotas, as emendas acabaram se prestando ao embate ideológico.
As 75 emendas ao Orçamento apresentadas pelo BOC dividiram-se em dois
grupos: as que foram aceitas e as rejeitadas de antemão pela Mesa Diretora do
Conselho Municipal do Distrito Federal. Entre as 26 rejeitadas preliminarmente,
havia 22 que foram recusadas por infringirem normas estabelecidas na lei
orgânica do Distrito Federal e que só permitiam alteração de vencimentos e/ou
criação ou supressão de cargos do funcionalismo público municipal por iniciativa
exclusiva do Executivo138. O que o BOC pretendia por meio destas 22 emendas
era a instituição de um salário mínimo de 360$000 para todo o funcionalismo e
que os seus recursos fossem oriundos das emendas que propunham um
“aumento dos impostos sobre os capitalistas”.
Duas outras emendas apresentadas pelo BOC e rejeitadas pela Mesa
propunham a redução dos salários do Prefeito, de 4:500$000 para 1:000$000
mensais, e dos Intendentes, de 3:000$000 para 1:000$00. Na justificativa para
estas emendas informava-se que Lênin vivia com 500$000 mensais e que a
diferença obtida com a redução dos salários do Prefeito e dos Intendentes serviria
para pagar os salários em atraso de uma parte do funcionalismo.
Outra das emendas rejeitadas pela Mesa propunha que os recursos
destinados ao pagamento dos juros e da amortização da dívida municipal fossem

138
- Cf. § 3º do art. 28 do Decreto nº 5.160, de 08/03/1904.
522

destinados a combater o analfabetismo, por meio da decretação do ensino


obrigatório e da construção de escolas primárias para crianças (diurnas) e adultos
(noturnas). Por fim, a última das emendas rejeitadas sugeria que a taxa sanitária
cobrada pelos senhorios dos inquilinos fosse descontada dos aluguéis dos
imóveis.
Embora de algumas dessas emendas rejeitadas pela Mesa até
transparecesse uma falta de experiência e de melhor conhecimento da atividade
legislativa, fica evidente que, ignorando os impedimentos legais, os intendentes
comunistas valeram-se de sua apresentação para colocar publicamente quais as
propostas concretas do BOC para uma série de questões, particularmente a que
se referia à questão da defesa do salário mínimo, inscrita em seu programa. Esta
ação foi assim interpretada pelos militantes comunistas e difundida entre os
trabalhadores cariocas, como se pode ver em uma matéria de um jornal de célula
do PCB, no qual se mostrou que o trabalho legislativo dos intendentes do BOC,
“embora a imprensa burguesa, deturpando os fatos, procure mistificar as massas
com as suas perfídias”, voltava-se em benefício dos trabalhadores. Mas este
trabalho, como ressaltava o jornal, tinha dificuldades que somente poderiam ser
superadas por meio da organização dos trabalhadores:

“Mas são apenas dois os intendentes do B.O.C. contra vinte e dois. A


desproporção é grande. Que devemos fazer, pois, para conseguirmos a nossa
emancipação política e econômica, para conseguirmos mais um pão para nossos
filhos? – entrarmos para nossos sindicatos, votarmos nos candidatos do B.O.C., e
entrarmos para o Partido Comunista, que nos há de levar à emancipação, muito
embora a classe parasitária, que vive à custa do nosso trabalho, não esteja de
pleno acordo conosco!...”139

Já no grupo das 49 emendas que foram aceitas pela Mesa, embora


acabassem sendo rejeitadas pelo voto da maioria dos intendentes, abordava-se
um outro grupo de questões.

139
- A obra dos nossos intendentes. A Verdade. Rio de Janeiro, nº1 (2ª fase), novembro de
1929, p. 8.
523

Parte importante deste bloco de emendas foi dedicada pelos intendentes do


BOC a pôr em prática o ponto da sua plataforma sintetizado pela palavra de
ordem “só os ricos devem pagar impostos”. No entanto, em razão de não
disporem, ou de não saberem fazer uso dos dados existentes, acabavam tentando
fazer isto de modos distintos. Um deles, com relação ao imposto predial, o que
propiciava mais recursos ao Município, foi de propor que os prédios de residência
fossem divididos em três categorias: os habitados pelos “pequenos proprietários
proletarizados e por semiproletários’”, cujo valor locativo anual era igual ou
inferior a 2:400$000 e que ficariam isentos do imposto predial; os habitados pela
classe média, que teriam um valor locativo anual superior a 2:400$000 e inferior a
6:000$000, e cujo imposto predial pagaria um valor de 3% sobre o valor locativo;
e, finalmente, os habitados pela classe capitalista, cujo valor locativo ultrapassava
a 6:000$000 e que pagaria um imposto predial de 30% sobre o valor locativo. Os
comunistas acreditavam que tal proposta acabaria também beneficiando os
locatários de tais imóveis, pois, na verdade, eram estes que acabavam pagando o
imposto predial ao invés de seus proprietários140. Outra maneira foi com relação
ao imposto territorial, no qual a emenda apresentada pelo BOC propunha que os
imóveis com valor abaixo de 20 contos ficassem isentos. No caso destas duas
propostas, fica evidente a falta de contato dos intendentes com dados mais
concretos, que permitissem melhor apreciar como era composta a estrutura da
propriedade territorial da cidade do Rio de Janeiro. Assim, por exemplo, como
estas emendas eram universais, sem que fosse aplicada qualquer restrição, elas
acabariam beneficiando também aqueles que eram proprietários de mais de uma
casa ou de um terreno.
Também dentro deste mesmo campo, em uma das poucas propostas em que
se consegue vislumbrar uma espécie de visão mais ampla de intervenção por
parte dos comunistas, está a Emenda nº 197 na qual os comunistas alteram toda
a tabela de impostos e taxas sobre o comércio fixo e localizações. Os comunistas
propõem duas modificações em toda a tabela: os pequenos comerciantes e

140
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
524

industriais têm reduzidos os impostos e taxas à metade e os grandes


comerciantes e industriais os têm dobrados. No entanto, os comunistas
estabeleceram que os pequenos comerciantes e industriais receberiam a redução
apenas com a condição do cumprimento da lei de férias e do pagamento aos seus
trabalhadores do salário mínimo estabelecido pelas entidades sindicais. A
emenda previa, também, que o resultado dos recursos apurados seria destinado a
“melhoramentos nos bairros pobres, especialmente subúrbios”. Embora a parte
referente ao cumprimento da lei de férias e de instituição do salário mínimo fosse
de competência federal - o que acabava tornando a proposta dos comunistas
inconstitucional -, esta é uma das raras ocasiões em que se vê esboçada uma
espécie de proposta de compromisso por parte dos comunistas.
Outro modo de tentar fazer justiça tributária foi o de estabelecer que
estariam isentos de quaisquer impostos e taxas “os ranchos cobertos de zinco ou
sapê” que fossem habitados por proletários, os quais eram assim definidos na
Emenda nº 10 apresentada pelo BOC:

“Parágrafo único: São proletários para os fins desta lei: os operários das
fábricas, usinas e oficinas; os trabalhadores em transportes; os operários do
Estado, abarcando naturalmente os da Prefeitura; os trabalhadores a domicílio,
que não são donos dos meios de produção; os menores e as mulheres
trabalhadoras, inclusive as domésticas; os empregados no comércio, e, na
indústria; os soldados do Exército, da Polícia e do Corpo de Bombeiros e da
Marinha; os guardas-civis; os assalariados agrícolas; os rendeiros ou arrendatários,
os meeiros e os terceiros; e todos os elementos correlativos: carreiros, tiradores de
madeira, pescadores, vaqueiros.”

Aqui, o modo encontrado para fazer justiça social foi simplesmente tosco,
buscando criar por lei a categoria de “proletário”, definindo-a por meio das
profissões que a integrariam – mas que acabavam refletindo, na verdade, mais o
conhecimento que detinham os comunistas da estrutura do trabalho do Distrito
Federal do que as categorias profissionais que realmente existiam -, mas, por
exemplo, ignorando a figura do trabalhador sem emprego, ou incluindo aqui a

Junho a 31 de Julho de 1929, p. 683.


525

figura do menor, o qual faz parte da estrutura produtiva, mas não integra, de
modo geral, as estruturas de propriedade.
Os intendentes do BOC apresentaram várias emendas ao Orçamento
reduzindo ou suprimindo o valor de impostos, multas e licenças incidentes sobre
as atividades de ambulantes, cocheiros, carroceiros, choferes, proprietários de
pequenas embarcações, carregadores, pequenos comerciantes e lavradores
pobres, alegando que os valores existentes na proposta original acabavam, por
serem elevados, dificultando o exercício de tais funções.
Outras emendas do BOC serviram para fazer avultar a resistência de
determinados segmentos à maneira pela qual as elites políticas brasileiras
buscavam resolver questões sociais. Neste caso são dignas de registro as
emendas supressivas às determinações existentes na peça orçamentária de
estabelecimento de multas para quem infringisse a proibição de trânsito sem
calçados ou usando tamancos no centro comercial, do trabalho do engraxador
ambulante na zona urbana do Distrito Federal – que, na verdade, punha em jogo
a questão do trabalho dos menores, “sacrificados em casa pela insuficiência do
salário paterno e que são obrigados a trabalhar para, de algum modo, compensar
essa insuficiência”141 - e do trânsito, no prazo de 6 meses, de carroças ou
caminhões de tração animal e eixo fixo na zona urbana. A todas elas, próprias de
uma elite que acreditava que a exclusão do espaço urbano das manifestações
das chamadas questões sociais era a sua solução, o BOC procurou demonstrar
os problemas sociais decorrentes da aplicação de tais diretivas e da
responsabilidade do poder público tanto na origem como na sua solução de tais
problemas. Outra questão social tratada por meio de duas emendas supressivas
dos intendentes do BOC foi a dos obstáculos impostos pelo governo do Distrito
Federal aos trabalhadores analfabetos. A prefeitura pretendia que não se
concedesse mais licenças de ambulantes a analfabetos e que as empresas do
Distrito Federal pagassem um conto de réis (1:000$000) por trabalhador

141
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Agosto a 31 de Setembro de 1929, p. 1.862.
526

analfabeto que empregassem. As conseqüências disso foram claramente


expostas pelo Bloco Operário e Camponês na justificativa da emenda nº 106:

“O Bloco Operário e Camponês, compreendendo o abismo entre as classes,


sabe que nenhum patrão se sujeitaria a essa taxa de um conto de réis. O resultado
seria a demissão em massa dos trabalhadores analfabetos. Esses, quando
trabalham, vegetam sob um regime de fome lenta. E quando estão sem trabalho?
Os analfabetos não são responsáveis pelo fato de não saber ler. A
responsabilidade recai sobre a classe capitalista e o seu Estado de rapina, que
nada têm feito e nada fará pela instrução dos nossos laboriosos.”

Os intendentes do BOC apresentaram também várias emendas nas quais


eram suprimidos recursos destinados a rubricas orçamentárias que recebiam o
nome de “despesas de pronto pagamento” - que tinham, em tese, a finalidade de
alocar recursos para serem utilizados em casos emergenciais, mas que, na
realidade, se prestavam a gastos, digamos, escusos –, despesas para turismo,
para aquisição de automóveis para o Conselho Municipal e os destinavam a
construções de casas para proletários ou para o pagamento de salários atrasados
do funcionalismo.
Por fim, vale a pena ressaltar uma emenda na área de cultura e que chama
atenção por sua postura que ainda hoje pode ser considerada como avançada e
também pelo fato de que esta questão não era tratada na plataforma do BOC.
Esta emenda determinava que, a cada apresentação realizada no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, deveriam ser reservados cinqüenta lugares
gratuitamente para a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, a quem cabia
distribuí-los. Era uma proposta de democratização cultural, que, no estilo
característico de Octavio Brandão, era assim justificada:

“O BOC protesta contra o monopólio da arte pela classe capitalista. Os


salários irrisórios não permitem ao trabalhador ir ao Municipal. Tantas maravilhas!
E a minoria de parasitas a monopolizá-las!”

Neste conjunto de emendas apresentadas ao Orçamento para 1930 pelo


BOC ficou nítida a inexperiência dos comunistas em lidar com o tema. Além disso,
527

ficou claro que a conjuntura política daquele momento e o modo dicotômico como
o BOC tratou a questão também restringiram em muito as possibilidades de
sucesso e de uma mais ampla interlocução. No entanto, não se pode pôr de lado
o fato de que pela primeira vez na história do Brasil um partido de esquerda teve
diante de si a tarefa de colocar para a sociedade uma outra proposta de
organização da sociedade em seus múltiplos aspectos e uma delas foi a de como
fazer uso dos recursos públicos e de que modo se poderia disponibilizá-los de
maneira menos desigual.
Com relação ao conjunto da produção legislativa dos intendentes do BOC
cumpre destacar que se ele acabou tendo quase que exclusivamente um uso para
fins de agitação e propaganda, ainda assim ele foi limitado pelas orientações do
VI Congresso da IC e do 10º Pleno do CEIC. A crítica feita por Basbaum, acima
citada, como ele mesmo reconheceu, embora décadas depois, padecia do
radicalismo produto do curso esquerdista da IC, resultante da teoria do chamado
“Terceiro Período”, pela qual se colocava na ordem do dia a revolução e não
havia mais espaço para outra coisa que não a sua preparação e mostrava uma
evidente incapacidade em lidar com outra forma de fazer política que não fosse a
da preparação do confronto revolucionário.
Influenciado pelo discurso de Basbaum e de outros membros da ala mais
radical da direção do PCB, o III Pleno aprovou uma resolução que, embora
julgasse “justas” as linhas parlamentar e extraparlamentar do BOC, acabou
criticando a atuação dos dois intendentes e sua produção legislativa:

“Na atuação, dentro do Conselho, houve as seguintes falhas


parlamentaristas, que poderão prejudicar o trabalho revolucionário, caso não sejam
corrigidas: [...]; atenção aos pedidos individuais ou de grupos de eleitores, sem o
controle do Partido; estreiteza nas reivindicações imediatas; [...].”142

A orientação da direção comunista, como veremos mais adiante, mostrava


que ela julgava ver em algumas das demandas e das ações dos trabalhadores,

142
- Resolução sobre a linha política do B.O.C. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929], p.
18-19.
528

sobretudo as que acabavam resultando em greves, os prolegômenos de uma


situação revolucionária para o Brasil e tratava o restante delas apenas como
sendo reivindicações “estreitas”. Isto acabava, na verdade, dificultando na
efetivação de um diálogo político do PCB com a classe operária, pois esta tinha o
foco de suas ações mais voltado para conquistas econômicas. Os comunistas não
se deram conta disto e acabaram ao longo desse período se isolando. No
entanto, as correntes políticas que conformaram a Aliança Liberal conseguiram
captar os anseios dos trabalhadores e canalizá-los para seus fins. Neste sentido,
é inevitável deixarmos de citar um trecho do programa da Aliança Liberal lido por
Getúlio Vargas no comício da Esplanada do Castelo, realizado em 02/01/1930:

“Não se pode negar a existência da questão social no Brasil, como um dos


problemas que terão de ser encarados com seriedade pelos poderes públicos.
O pouco que possuímos, em matéria de legislação social, não é aplicado, ou
só o é em parte mínima, esporadicamente, apesar dos compromissos que
assumimos a respeito como signatários do Tratado de Versalhes, e das
responsabilidades que nos advêm da nossa condição de membros do ‘Bureau
Internacional do Trabalho’, cujas convenções e conclusões não observamos.
Se o nosso protecionismo favorece os industriais, em proveito da fortuna
privada, corre-nos, também, o dever de acudir ao proletariado, com medidas que
lhe assegurem relativo conforto e estabilidade e o amparem nas doenças como na
velhice.
A atividade das mulheres e dos menores nas fábricas e estabelecimentos
comerciais está em todas as nações cultas subordinada a condições especiais,
que entre nós, até agora, infelizmente, se desconhecem.
Urge uma coordenação de esforços entre o governo central e o dos Estados,
para o estudo e adoção de providências de conjunto, que constituirão o nosso
código do Trabalho.
Tanto o proletariado urbano como o rural necessitam de dispositivos tutelares
aplicáveis a ambos, ressalvadas as respectivas peculiaridades.
Tais medidas devem compreender a instrução, educação, higiene,
alimentação, habitação; a proteção às mulheres, às crianças, à invalidez e à
velhice; o crédito, o salário e até o recreio, como os desportos e cultura artística.
É tempo de se cogitar da criação de escolas agrárias e técnico-industriais, da
higienização das fábricas e usinas, saneamento dos campos, construção de vilas
operárias, a aplicação da lei de férias, a lei do salário mínimo, as cooperativas de
consumo, etc.”143

143
- A Eleição Presidencial de 1930. A Plataforma da Aliança Liberal. A Revolução Nacional.
Documentos para a História, p. 7.
529

É sintomático o fato de que várias das reivindicações relativas à legislação


social acima expostas também constavam da plataforma do BOC – coisa, aliás,
144
assinalada por Astrojildo Pereira em seu Formação do PCB -, mas os
comunistas, como resultado da orientação sectária do “Terceiro Período”,
revelaram-se incapazes de travar um diálogo com as massas para fazê-las tomar
o rumo que propunham, do modo como o fez a Aliança Liberal.

144
- Astrojildo Pereira. Formação do PCB, p. 100.
ANEXO XII

A saída de Azevedo Lima do BOC

A – Convite para Assembléia dos Delegados do BOC (07/03/1929)

“Rio, 7 – Março – 1929

Camarada Azevedo Lima,

Saudações.
O Comitê Central do Bloco Operário e Camponês convida-o a comparecer à reunião
que se realizará domingo próximo, 10 de março, às duas da tarde, à Praça da República, 40,
sobrado.
Nesta reunião, os delegados irão resolver sobre as divergências existentes entre a
atuação do camarada e a linha política do Bloco, divergências que acentuamos por ocasião
da visita que lhe fizemos semanas atrás.
a) O 1º Secretário.”

(FONTE: O Deputado Azevedo Lima foi expulso do Bloco Operário e Camponês. Porque o
B. O. C. expulsou o Deputado Azevedo Lima. As cartas trocadas entre o C. C. e o ex-
representante do proletariado. A Classe Operária. Rio de Janeiro, 06/04/1929.)

B – Resposta de Azevedo Lima ao BOC (07/03/1929)

“7 – III – 929.

Camarada Octavio Brandão,

Saudações.
No curso da última visita que me fizeram os membros do Comitê Central do Bloco
Operário, há cerca de um mês, convencendo-me da impossibilidade de continuar a bem
cumprir, como membro do mesmo, as determinações integrais de seus estatutos, atentas
ocupações de minha vida profissional e, em parte, também política, por motivo das quais
não sou pontual às reuniões do Bloco; convencendo-me mais de que dessa impontualidade
poderiam resultar males graves, de alguns dos quais já havia sido acusado, apresentei aos
que me visitaram um categórico pedido de renúncia de delegado ou membro do Bloco.
Recebo agora um convite para participar de uma reunião destinada a tratar de assuntos
já debatidos em minha residência e determinantes do pedido de renúncia. Nestas condições
531

reitero, por escrito, o pedido que acreditava houvesse sido, desde o mês passado,
transmitido à direção do Bloco, mas reafirmo que, embora desligado do compromisso de
observar formalidades dos estatutos com os quais, segundo verifico, ainda que tarde, não se
coaduna a natureza de minhas obrigações profissionais e particulares, sempre porei à
disposição do operariado, na atividade parlamentar ou outra, o escasso, mas espontâneo
valor de minha colaboração, se for ela pelo Bloco considerada útil à causa do proletariado.
a) Azevedo Lima.”

(FONTE: O Deputado Azevedo Lima foi expulso do Bloco Operário e Camponês. Porque o
B. O. C. expulsou o Deputado Azevedo Lima. As cartas trocadas entre o C. C. e o ex-
representante do proletariado. A Classe Operária. Rio de Janeiro, 06/04/1929.)

C – Crítica da Assembléia dos Delegados do BOC a Azevedo Lima (10/03/1929)

“O proletariado internacional tem exercido, nestes últimos 11 anos, a mais rigorosa


fiscalização em torno da atividade de seus representantes nas Câmaras, analisando seus
desvios e seus erros, apontando o verdadeiro caminho. Somente através dessa análise crítica
permanente das massas e da vanguarda proletárias é que os representantes poderão realizar
uma política real de classe independente.

O PROGRAMA DO B.O.C.

Em seu artigo 1º o programa do B.O.C. estabelece que os representantes proletários


‘manter-se-ão em contato permanente com a massa operária, por meio de seus órgãos
representativos – sindicais ou partidários – e por meio dos comícios públicos’. Eles ‘tomam
o prévio compromisso de subordinar sua atividade parlamentar ao controle da massa
operária, cujo pensamento ouvirão, em cada ocasião, através de seus órgãos de classe
autorizados’. ‘São responsáveis perante a massa operária por toda a atividade política e
legislativa que desenvolverem dentro e fora do Parlamento’.

TEM SIDO CUMPRIDO À RISCA

Esse artigo do programa do Bloco tem sido cumprido à risca por nosso representante
na Câmara?
- Não.
Durante o ano de 1927, nosso representante teve cetro contato com a massa e com a
vanguarda proletárias. Em 1928, porém, seu contato foi mínimo.
Começou a evitar o convívio dos sindicatos, separando-se pouco a pouco da massa.
De março de 1928 até janeiro de 1929 compareceu à sede do B.O.C. uma única vez, quando
o Bloco ia escolher os seus candidatos às eleições municipais.
Deixou de visitar os locais de trabalho, não continuando com as visitas que fez às
oficinas de São Diogo e do Engenho de Dentro.
Durante as eleições, limitou-se a comparecer a três comícios – em S. Diogo, em
Bangu e em Bonsucesso -, enquanto os candidatos do Bloco, expondo-se aos maiores
532

perigos e sem imunidades, chegaram a realizar 59 comícios; e mais não realizaram porque o
curto espaço de tempo da campanha (1 ½ mês), a espionagem e o terror policiais não o
permitiram.
Antes dessa campanha, nosso representante na Câmara realizou, apenas, um comício à
porta de uma fábrica na Gávea.

O CONTROLE

Como ficou esclarecido atrás, com a citação de um artigo do programa do Bloco,


nosso representante na Câmara, com sua adesão em janeiro de 1927, tomou o prévio
compromisso de subordinar sua atividade parlamentar ao controle da massa operária.
Foi cumprida à risca esta exigência do programa?
- Não.
Lida, numa reunião do Comitê Central do B.O.C., uma análise crítica, aliás, em tom
fraternal, de sua atividade parlamentar, imediatamente nosso representante provocou uma
crise, pedindo demissão da presidência do Bloco e não mais comparecendo à sede do
mesmo, apesar de convites reiterados.
Por esta fórmula foi distanciando-se, não só da massa, como da própria vanguarda
proletária.
O DESVIO CULMINANTE

Nestas condições, sem contato com a massa e com a vanguarda proletária, fugindo ao
controle efetivo das mesmas, era fatal que se acentuassem os seus desvios da linha
proletária.
Esses desvios culminaram na sua atitude por ocasião do conflito entre a Bolívia e o
Paraguai.
No discurso que fez na Câmara, e que teve larga repercussão nos países do Prata,
provocando até críticas de militantes proletários daqueles países, nosso representante
acentuou ‘a ausência total, entre os países de raça hispano-americana, de coligações
profundas geradas pelo conflito de interesses mercantis’. Semelhante afirmação nega a
existência do imperialismo como fator de guerras e dos choques tão comuns, provocados
pelo mesmo, na América Latina. No entanto, dias antes, A CLASSE OPERÁRIA de 15 de
dezembro de 1928 explicava a verdadeira origem do conflito, dizendo: ‘No petróleo do
Chaco encontra-se a causa da briga e, por trás dos dois países vizinhos, escondem-se os
rivais de fato: o imperialismo ianque e o imperialismo britânico’.
Nosso representante, em se discurso, nega o imperialismo, como fator de guerras,
admitindo-o, porém, como fator econômico em prol do maior progresso dos países da
América Latina, ‘para a obra de organização de suas nacionalidades’, diz ele. Justifica o
desenvolvimento industrial desses países, embora tal desenvolvimento acarrete a colonização
dos mesmos e conseqüente escravização cada vez maior das massas laboriosas.
Preconiza ‘formas conciliatórias’ entre os governos da Bolívia e do Paraguai, sem
explicar que essa conciliação só poderá realizar-se à custa das massas oprimidas e em
benefício de um dos imperialismos em luta, e sem explicar o caráter de classe desses
governos e a subordinação destes ao imperialismo internacional.
533

Nega o caráter semicolonial dos países da América do Sul. Nega a luta de classe
nesses países, dizendo: ‘Não atormentam, ainda, a América do Sul os grandes problemas
que turvam a paz da Europa, bem como a das nações semicoloniais e coloniais dos
continentes retardatários’. Acha, pois, que esses problemas turvam a paz social das colônias
e semicolônias, merecendo, portanto, sua condenação os movimentos libertadores da China,
da Nicarágua etc. Outra coisa não pensam o social-pacifismo e o social-reformismo
internacionais.
Nosso representante descobriu que ‘a paz sul-americana é, por assim dizer, fenômeno
puramente natural’. Quando os canhões bombardeiam os pequenos burgueses da Nicarágua,
os trabalhadores dos bananais da Colômbia, os índios do Equador, a população indefesa de
São Paulo, quando metralhadoras são enviadas contra os escravos de Ford no Tapajós,
quando os Estados Unidos realizam dezenas de intervenções militares na América Latina e
mandam construir 36 cruzadores para ‘multiplicar os laços de amizade comercial’ com os
países latino-americanos, pode-se falar em ‘paz natural’ na América do Sul ou na América
Latina?
Nosso representante afirma: ‘Faltam, de fato, às Repúblicas da América do Sul os
germens específicos das discórdias internacionais’. E a borracha da Amazônia? E o ferro de
Minas Gerais? E o mercado brasileiro de querosene, gasolina e derivados? E o monopólio
do café? E o salitre do Chile? E Tacna e Arica, formidável posição estratégica? E o petróleo
da Venezuela? E o petróleo do Chaco?
Para resumir: seu discurso é retintamente pacifista pequeno-burguês, reformista,
confusionista. E só assim se compreende o fato de seu requerimento ter sido aprovado
‘unanimemente’ pela Câmara super-reacionária da burguesia nacional, a mesma Câmara que
votou a ‘lei celerada’. Esse requerimento, conseqüência lógica de todos os desvios,
existentes em seu discurso, abstrai-se do caráter de classe das Câmaras do Brasil, do
Paraguai e da Bolívia, e preconiza uma harmonia social impossível.
Que abismo entre as suas palavras e os artigos, publicados pela CLASSE OPERÁRIA
e por um dos intendentes do B. O. C., sobre Hoover e sobre o próprio conflito paraguaio-
boliviano!
Não foi por acaso que um dos órgãos mais autorizados da imprensa burguesa, ‘O
Jornal’ de 19 de dezembro, comentou o seu discurso nos termos seguintes: ‘O deputado
comunista disse palavras de fraternidade e concórdia’. ‘A iniciativa do representante carioca
não oferecia inconvenientes. O pensamento, que a presidiu, foi o que percorre, neste
momento, o espírito dos povos: - o de levar uma palavra de amizade às duas nações irmãs.
Foi bom que a Câmara debatesse a proposição do Sr. Azevedo Lima, restringindo-se a
apoiar, com o seu voto, a nobre intenção que ela encerra’.

OUTROS DESVIOS E FALHAS

A 19 de abril de 1928, nosso representante declarou pela ‘Esquerda’: ‘Começarei por


dizer-lhe que não tenho programa’. Declarou mais não ter obrigações partidárias.
Desvirtuou o significado da anistia. Exagerou a força dos governos, perante a crítica dos
oposicionistas.
Essas declarações foram desmanchadas, em parte, por outras, conseguidas com
dificuldade por nós.
534

Sua defesa das conquistas da revolução russa limita-se quase ao terreno cultural,
deixando de lado a essência do regime.
Em várias questões de interesse para as massas, como o da lei do inquilinato, sua
atividade foi insuficiente.
Não soube aproveitar a epopéia do navio ‘Krassine’, para uma larga propaganda em
favor do reconhecimento da Rússia dos Sovietes, um dos pontos básicos do programa do
B.O.C.
Não protestou contra a reação na China, lendo os documentos que lhe foram
endereçados.
Não soube aproveitar, em benefício do B.O.C., sua campanha contra a falta de higiene
na Repartição dos Correios.
Faz uma propaganda abstrata da ditadura do proletariado.
Usa e abusa do verbalismo revolucionário. Emprega uma linguagem inacessível às
massas.
Respeita demasiadamente as velhas praxes parlamentares, tratando os lacaios da
burguesia com luvas de pelica, e; por vezes, glorificando-os como fez com o conselheiro
monarquista Antônio Prado e outros.
Durante a última campanha eleitoral do B.O.C., tomou uma atitude indefinida: fez
discursos, apoiando os nossos candidatos e, dias depois, ouvintes desses discursos recebiam
uma circular de sua autoria, solicitando votação para outro candidato.

PARA FINALIZAR

Durante a viagem de Hoover à América Latina, não pronunciou uma única palavra,
denunciando às massas a significação dessa viagem, enquanto a CLASSE OPERÁRIA e,
posteriormente, um dos intendentes do B.O.C. denunciou, com toda a firmeza, a obra de
escravização das massas laboriosas, planejada por Wall Street e seus agentes como Hoover.
E esta falha ainda mais grave se torna, porquanto nossos intendentes, por ocasião da
chegada de Hoover, estavam impedidos, de fato, de esclarecer o verdadeiro objetivo dessa
viagem e, os jornais burgueses realizavam uma perigosa mistificação em torno daquele
político imperialista e sua democracia de tapeação.

QUAL A SOLUÇÃO?

O meio de corrigirmos essas falhas, da melhor forma, em benefício do B.O.C. e de seu


próprio representante na Câmara, está no programa e nos Estatutos do Bloco: contato
estreito e permanente com a massa e com a vanguarda proletárias, por meio de seus órgãos
representativos – sindicais ou partidários – e por meio dos comícios públicos; subordinação
da atividade de nosso representante, dentro e fora da Câmara, ao controle da massa
operária; aceitação das críticas proletárias como meio de reparar as falhas, aperfeiçoando o
trabalho.
O deputado do Bloco Operário e Camponês, mais do que nunca, precisa cumprir à
risca o programa e os estatutos por ele aceitos e aprovados. Estamos nas vésperas de
grandes lutas e só por uma ação coletiva, consciente e disciplinada é que estaremos à altura
das tarefas, cuja realização o proletariado internacional espera de nós.
535

O Comitê Central do Bloco Operário e Camponês.”

(FONTE: Este, em vez de marchar para a esquerda proletária, rola para a direita burguesa.
Publicamos a crítica aprovada unanimemente na assembléia dos delegados a 10 de março. A
Classe Operária. Rio de Janeiro, 06/04/1929, p. 1 e 4.)

D – Carta do Comitê Central do BOC a Azevedo Lima (11/03/1929)

“Rio – 11 – Março – 1929

Camarada Azevedo Lima,

Saudações.
A assembléia de delegados – a mais alta autoridade do Bloco Operário e Camponês –
encarregou o Comitê Central de transmitir-lhe a seguinte resposta a seu pedido de renúncia
do Bloco, expresso em sua carta de 7 de março:
1º - Nos estatutos do Bloco não existe o direito, por parte dos representantes nas
Câmaras, de pedir demissão do Bloco, principalmente quando tal demissão tem em vista
deixar de cumprir o programa e os estatutos, não reparando os erros cometidos.
2º - Estipula o artigo X dos estatutos:
‘Os representantes do Bloco Operário e Camponês, nas casas legislativas, toda vez
que for necessário, serão chamados a prestar contas de sua atividade política, perante a
assembléia dos delegados, e submeter-se-ão às deliberações adotadas pela mesma. Em caso
de inobservância, serão passíveis das seguintes penas: a) repreensão; b) perda do mandato.’
Ora, o camarada nem mesmo aceitou a crítica fraternal que lhe fizemos quando o
visitamos semanas atrás, e muito menos aceitaria uma repreensão. Convidado, recusou-se a
comparecer a assembléia de delegados para prestar contas de sua atividade política,
desrespeitando os estatutos.
Sendo assim, a assembléia de delegados votou, por unanimidade, que o camarada tem
o dever de cumprir o artigo X dos estatutos, renunciando ao seu mandato de deputado.
a) Pelo Comitê Central – O 1º secretário.”

(FONTE: O Deputado Azevedo Lima foi expulso do Bloco Operário e Camponês. Porque o
B. O. C. expulsou o Deputado Azevedo Lima. As cartas trocadas entre o C. C. e o ex-
representante do proletariado. A Classe Operária. Rio de Janeiro, 06/04/1929. Também
publicado em: O deputado Azevedo Lima expulso do Bloco Operário e Camponês. A
Esquerda. Rio de Janeiro, 06/04/1929.)

E – Resposta de Azevedo Lima ao BOC (12/03/1929)

“Sr. redator: A exploração que se começa a fazer em torno de minha renúncia ao lugar
de delegado do Comitê Político de São Cristóvão, junto ao Bloco Operário e Camponês,
536

exige de mim uma explicação definitiva aos que represento e, particularmente, aos adeptos
do citado Bloco, únicas forças a que, em rigor, pode interessar aquela renúncia.
O programa do Bloco Operário e Camponês data de janeiro de 1927. Sua aceitação
por mim verificou-se às vésperas das eleições de deputados federais de Fevereiro seguinte,
às quais, como era notório, já concorria eu como candidato à renovação do mandato que,
duas vezes antes me havia sido conferido. Para bem calcular a contribuição dos sufrágios
que obtive em conseqüência de minha adesão aquele programa, é mister consignar que o
total dos votos por mim obtidos montou a cerca de 12.500, tendo o último dos eleitos
alcançado menos de 9.000 votos.
Isto em um pleito, onde a cada eleitor era dado acumular, apenas, 4 votos. Nas últimas
eleições municipais, realizadas depois de organizado definitivamente o Bloco, quando já lhe
havia eu trazido o meu apoio, em seguida ao alistamento de eleitores filiados à mesma
agremiação, após intensíssima propaganda, o candidato Minervino de Oliveira não logrou
obter, no 2o distrito, mais de 8.500 votos, sendo de notar que, nesse pleito, era permitido a
cada eleitor, acumular 8 votos em um só nome. Mais não é preciso para demonstrar que,
sem o contingente eleitoral do Bloco, ao tempo de minha eleição, ter-se-ia esta igualmente
verificado, tanto mais, quanto relativamente maiores tinham sido as vitórias alcançadas por
mim nos dois pleitos anteriores. Se de minha adesão ao Bloco me advieram sufrágios novos,
não deve ter sido diminuto o número dos que, por esse fato perdi.
Dessarte, a representação que me foi conferida emana infinitamente menos dos poucos
adeptos com que então contava o Bloco, do que de outros elementos eleitorais.
Cumpre acentuar que, a esse tempo, era simplesmente nominal a existência do Bloco,
cuja organização e cujos estatutos datam de 2 de Novembro de 1927.
De minha fidelidade ao programa do mesmo são provas mais do que suficientes a
harmonia sempre mantida entre mim e seus diretores, desde a minha eleição até o
encerramento da última sessão legislativa, e as repetidas demonstrações da imprensa
proletária.
Basta pôr em relevo que o próprio Comitê Central do Bloco me elegeu seu presidente,
cargo de que só voluntariamente me afastei.
Fiel tenho estado e fiel continuo a todos os princípios contidos no mesmo
programa.
Quanto ao que respeita propriamente à organização do Bloco, adotada cerca de um
ano depois da minha eleição para deputado, jamais pratiquei qualquer ato de desobediência
ou indisciplina.
Ainda depois de minha renúncia ao cargo de presidente compareci à reunião da
assembléia geral convocada para escolha dos candidatos a intendentes municipais, e, apesar
de vencido, submeti-me inteiramente às deliberações da maioria.
Se opinei, então, pela escolha do nome do professor Castro Rebello para candidato
pelo 2o distrito, foi porque entendi vir ao encontro das mais urgentes conveniências do
Bloco, tanto mais quanto o referido candidato, por seu passado de notório amigo da classe
proletária, pelo prestígio de que nela gozava, e ainda pelos relevantes serviços já prestados
ao próprio Bloco, devia inspirar-lhe a mais completa confiança. E por sinal que não me
enganei, pois, pouco mais tarde, o próprio candidato escolhido foi a ele que entregou a
defesa de seus interesses perante a junta apuradora e o poder verificador.
537

Colocada a questão no terreno das candidaturas genuinamente operárias, desprezadas,


portanto, as ponderáveis considerações de várias ordens que havia eu aduzido em favor
nome do prof. Castro Rebello, ainda apontei outro que, por seus precedentes de militante da
classe operária, me parecia naturalmente indigitado. Acrescia que o mesmo havia sido o
candidato do Bloco a uma cadeira de deputado federal pelo 1o. distrito.
Embora a rejeição do seu nome desde logo descobrisse uma combinação “prévia” em
favor do escolhido, Minervino de Oliveira, conformei-me com a decisão, e à eleição deste
prestei a solidariedade que devia, sem prejuízo dos compromissos para com meu amigo dr.
Moura Nobre.
De meu apoio ao candidato proletário melhor demonstração não se pode Ter do que a
votação por ele obtida na paróquia de São Cristóvão, onde conto maior número de amigos,
e na qual o mesmo, que em todo o 2o distrito não conquistou 9 mil votos, reuniu cerca de
3.000
Tão acertada era ainda a indicação por mim feita de um segundo nome, o do gráfico
João Jorge da Costa Pimenta, para candidato, em substituição ao prof. Castro Rebello,
sumariamente rejeitado com explicação pouco satisfatória, que o mesmo militante Pimenta
foi mais tarde eleito para a presidência do Bloco Operário.
Procurado fui a 9 de fevereiro último por membro do Comitê Central, que me
comunicaram sua desaprovação à atitude mantida por mim na Câmara e sua estranheza ao
meu relativo afastamento das reuniões do Bloco. Sentindo a inconsistência das observações
e vislumbrando nelas outros objetivos, desde logo lhes expliquei as causas reais da minha
falta de assiduidade a tais reuniões e lhes manifestei o despropósito de tão tardias
observações. À vista disso, nada mais me restava fazer senão renunciar oficialmente ao lugar
de delegado. Foi o que fiz.
Minha renúncia, repito, não implica absolutamente um repúdio pessoal ao programa
do Bloco. Quanto aos preceitos de seus estatutos, não é demais também repetir que sua
adoção é muito posterior à minha última investidura como deputado.
O operariado, melhor do que eu, dirá se é ou não pueril, se é ou não ridícula, a crítica,
à última hora, feita à minha atitude pelos dirigentes do Bloco, crítica inteiramente descabida
em face do programa dessa agremiação, e, talvez, inspirada por diretrizes estranhas.
É absurdo estranhar-se que, respondendo a uma reportagem, tenha eu reconhecido,
entre dois candidatos à presidente da República, a superioridade de um, quando, segundo a
própria imprensa já acentuou, responsáveis pela direção do Bloco, entre os quais o
intendente Octavio Brandão, se anteciparam em manifestar franca preferência por
determinado candidato, alheio como qualquer outro, quer à orientação política, quer à
ideologia do Bloco.
A apreciação do mais, sr. redator, entrego ao julgamento dos que se elegeram.
Rogando-lhe a inserção da presente, sou etc., - (a.) Azevedo Lima.”

(FONTE: Como o parlamentar carioca explica, definitivamente, em carta ao eleitorado, os


motivos do seu gesto rompendo com os comunistas. A Manhã. Rio de Janeiro, 13/03/1929.)

F – Expulsão de Azevedo Lima do BOC (05/04/1929)


538

“O deputado Azevedo Lima não respondeu a esta carta. Sendo assim, o Comitê
Central resolve aplicar-lhe o artigo X, letra C dos estatutos expulsando-o do Bloco Operário
e Camponês. O Comitê Central, por esta fórmula, cumpre, mais uma vez, as resoluções da
assembléia dos delegados, realizada a 10 de março.
Fiquem, pois, o povo em geral e o proletariado em particular, cientes de que o Bloco
Operário e Camponês expulsa de seu seio o deputado Azevedo Lima. Este não quis cumprir
o programa e os estatutos do Bloco, aceitos e aprovados por ele. Semelhante político foge
aos compromissos partidários que assumiu, abandona os princípios que defendia, larga o
proletariado em plena batalha. Deserta.
Nada mais existe de comum entre o proletariado e o deputado Azevedo Lima. Seu
atual mandato é uma usurpação. Alcançou-o em torno de determinado programa. Renega
esse programa e não quer largar a cadeira inerente a esse programa. Tal cadeira perde todo
o sentido político para transformar-se numa caricatura do passado.
O proletariado confie exclusivamente em suas próprias forças, em suas próprias
organizações políticas, sindicais e de massa como o Bloco Operário e Camponês. E não
conceda a mínima confiança a esses políticos sem linha e sem princípios.

O Comitê Central do Bloco Operário e Camponês.”

(FONTE: O Deputado Azevedo Lima foi expulso do Bloco Operário e Camponês. Porque o
B. O. C. expulsou o Deputado Azevedo Lima. As cartas trocadas entre o C. C. e o ex-
representante do proletariado. A Classe Operária. Rio de Janeiro, 06/04/1929. Também
publicado em: O deputado Azevedo Lima expulso do Bloco Operário e Camponês. A
Esquerda. Rio de Janeiro, 06/04/1929.)
ANEXO XIII

Indicação nº 180, de 1929

“Considerando que a tribuna do Conselho Municipal vem sendo usada, em


reincidência tenaz, fria e metódica, pelos elementos comunistas há quase um ano, para fins
não apenas estranhos – mas contrários – ao objetivo que aqui nos reúne, ao mandato
expresso, outorgado pelo povo, ordeiro e laborioso do Distrito Federal, à finalidade de sua
representação mais direta;
Considerando que tal desvirtuamento do mandato eletivo, por constituir uma traição
ao patrimônio moral da nacionalidade, em que avultam sempre, como normas
disciplinadoras da ação pública e privada, as convicções republicano-democratas e os
sentimentos religiosos, sedimentados numa tradição imemorial, repugna profundamente a
todas as camadas do povo, como se vê das constantes interpelações pessoais aos seus
representantes nesta Casa, dos articulados inúmeros da imprensa de boa fé, exploradora na
sua ingenuidade orgânica;
Considerando, também, que nenhum membro do Conselho Municipal tem o direito de
se arrogar a exclusividade da representação trabalhista, porquanto o voto honrado dos
operários dignifica a investidura de todos os intendentes, os quais mantêm com eles um
convívio ininterrupto, diário e fraternal;
Considerando que a Constituição da República estatui, artigo 72, parágrafo 12:
‘Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa, ou pela
tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos
casos e pela forma que a lei determinar’.
Considerando mais, que a garantia do art. 19 da mesma Constituição:
‘Os deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e atos no
exercício do mandato’ não ampara expressamente a representação municipal, iniqüidade
que, na hipótese, chega a constituir um bem, pois torna, assim, passíveis de sanção
administrativa e penal, na conformidade das leis federais decretadas para a defesa rigorosa
da sociedade, os intendentes que abusarem da tribuna, na propaganda impávida do crime, da
destruição social e da moralidade pública e privada;
Considerando que a grandeza do mandato é menos uma regalia pessoal do Intendente
do que a verdadeira expressão da soberania popular, a que nenhum de nós pode contravir;
Considerando, assim, que o procedimento a ser adotado, eventualmente pelo Poder
Público, para pôr cobro à propaganda incrível e intolerável, atingirá em cheio a dignidade
desta Casa, que não se fragmenta pelo número de seus membros, no sabor da sensibilidade
maior ou menor de cada um de nós;
Considerando que as controvérsias comuns a todas as assembléias onde existem
consciências livres, a oposição inerente à democracia, ao próprio regime representativo, são
constitucionais, visto como a Carta Magna (art. 28) para tanto garante a representação da
minoria.
Considerando que, no próprio Conselho Municipal as discussões têm sido levadas às
maiores veemências da oposição, sem transporem, todavia, aqueles marcos extremos
540

invioláveis, da moralidade, da religião, da família e da sociedade, dentro das quais se agitam


os seres normais, respeitosos de sua condição humana, conscientes do grau de progresso a
que atingiram na seleção biológica;
Considerando que o Conselho Municipal no zelo das prerrogativas específicas da sua
representação, não pode esperar passivamente as medidas coercitivas de autoridade alheia à
sua economia funcional, e lhe cumpre uma solução urgente para o caso, tanto mais quanto,
em seu próprio Regimento Interno, se encontra a previsão de medidas infalíveis;
Considerando finalmente, que, a continuar a situação atual, não seria a Assembléia
Municipal apenas omissa, espectadora inerte ante a consumação diária dos atentados, mas
conivente, cúmplice da propaganda subversiva, pela tribuna e pelo órgão oficial de
publicação dos trabalhos da Casa, transformados em instrumentos da vasa internacional, de
vez que, tendo o poder de polícia e, ao alcance da mão, o instrumento preventivo e
repressivo, quedaria indiferente, apesar dos clamores gerais repercutindo no próprio recinto
das sessões,
INDICO que a Mesa do Conselho Municipal, no uso de sua legítima autoridade, para
impedir no recinto a propaganda comunista e para salvaguarda do decoro da Casa, aplique
as providências do art. 124, n. I e II, parágrafo único do art. 125, e, mesmo, se necessário,
as do art. 134, todos do Regimento Interno.
Sala das sessões, em 28 de Novembro de 1929. a) Baptista Pereira; a) Corrêa Dutra;
a) Mário Barbosa.”

(FONTE: Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 2


a 31 de dezembro de 1929, p. 394-395.)
ANEXO XIV
PRODUÇÃO LEGISLATIVA DOS INTENDENTES DO BOC

A – PROJETOS DE LEI

Nº ANO EMENTA OBS


49 1929 Dá o direito de atraso de 15 minutos, na hora da entrada, aos Rejeitado.
operários de todas as oficinas subordinadas à Prefeitura.
50 1929 Autoriza o Prefeito a estornar, da verba “Material” destinada às Rejeitado.
obra suntuárias do Plano de Remodelação da cidade, a quantia
necessária ao pagamento de um mês de salários e vencimentos
atrasados dos operários e pequenos funcionários da Prefeitura.
63 1929 Torna efetivos os operários e funcionários municipais que tenham Sem dados.
mais de 5 anos de serviço, dividindo-os em 3 faixas salariais e
estabelece o salário mínimo (360$000) para estes funcionários.
Também concede ao pessoal diarista ou mensalista, contratado ou
interino, que prestes serviços à Prefeitura durante 1 ano terá
direito a 15 dias de férias.
97 1929 Regulamenta o funcionamento das farmácias aos domingos e dias (Autores: Maurício
feriados. de Lacerda, Octavio
Brandão e Leitão da
Cunha) Aprovado
em 3ª discussão e
enviado à Comissão
de Redação.
194 1929 Equipara os serventes de prédios de aluguel da Prefeitura à Sem dados.
corporação dos “serventes” da municipalidade e eleva seus
vencimentos a 360$000 as gratificações de 120$000 que
percebem.
FONTE: Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do ano de 1929 e 1930.

B – INDICAÇÕES

Nº ANO EMENTA OBS


6 1929 O Conselho Municipal represente ao Congresso Nacional e ao Rejeitada (Maurício
governo federal contra a apreensão de “A Classe Operária”, de Lacerda também
fechamento e invasão sem mandado de justiça ou outra forma assinou)
legal, da sede do BOC do Rio de Janeiro e apreensão de seu
arquivo eleitoral, bem como a prisão de vários operários e
membros do partido operário.
33 1929 Indica que os primeiros pagamentos sejam feitos aos operários e Aprovada (Maurício
pequenos funcionários, de salários ou vencimentos mais de Lacerda também
reduzidos, e que os últimos pagamentos sejam feitos aos assinou)
vencimentos mais elevados, como o Prefeito (4:500$000) e
intendentes (3:000$000).
542

Nº ANO EMENTA OBS


45 1929 Indica que se reclame à Rio de Janeiro Tramway Light and Power Aprovada (Maurício
contra o atual preço (300 réis), o qual deve ser reduzido para 200 de Lacerda também
réis, no trecho Madureira a Irajá, pois há outros trechos mais assinou)
baratos e com o mesmo percurso.
46 1929 Indica protestar contra a intervenção direta e ostensiva dos Rejeitada (Maurício
agentes policiais, ao lado dos patrões, em todas as greves do Rio de Lacerda também
de Janeiro e nos Estados, contra o fato de os presos políticos e assinou)
sociais serem metidos nas masmorras da Polícia Central, contra o
não cumprimento da chamada lei de férias por parte dos patrões.
47 1929 Indica que a Prefeitura reclama junto à Rio de Janeiro Tramway Aprovada (Maurício
Light and Power o fechamento das plataformas de seus bondes em de Lacerda também
tráfego no Distrito Federal, a fim de resguardar os respectivos assinou)
motorneiros contra as chuvas e o frio intenso das noites de
inverno; também eliminar estribos e a cobrança deve ser feita pelo
meio dos carros.
59 1929 Indica o calçamento de todas as ruas do Saneamento na Gávea e Aprovada
também o calçamento da Estrada D. Catarina deve ser prolongado
até a Caixa d’Água.
60 1929 Indica que se reclame junto ao Prefeito e à Rio de Janeiro Aprovada
Tramway Light and Power contra a parada dos bondes de 2ª classe
na Rua Evaristo da Veiga, quando, anteriormente, eles chegavam
até ao Hotel Avenida.
61 1929 Indica que sejam dados às ruas dos bairros proletários do Rio de Aprovada
Janeiro os nomes de Neno Vasco, Paulo Berthelot, José Francisco
de Barros, Manoel Cendón, Antonino de Carvalho e Abelardo
Nogueira.
68 1929 Indica a tomada de providências em torno da venda de passes da Aprovada (Maurício
Estrada de Ferro Central do Brasil aos moradores dos subúrbios, de Lacerda também
atualmente prejudicados pela falta dos mesmos, o que os obriga a assinou)
atravessar a linha para apanhar o trem, o que faz com que sejam
multados e, como não podem pagar, acabam presos.
75 1929 Indica a macadamização da estrada do Lameirão de Baixo, no Aprovada
lugar denominado Rio da Prata, em Campo Grande.
76 1929 Indica que os proletários que conduzem bolsas ou embrulhos de Aprovada
compras feitas em feiras-livres sejam permitidos passar nas
estações da Estrada de Ferro Central do Brasil nos subúrbios, pois
se cobra $700 por bolsa ou embrulho de compra.
77 1929 Indica que a Rio de Janeiro Tramway Light and Power pague Aprovada
adiantado 3 meses de salários das telefonistas quando tiverem de
ser demitidas devido à instalação de telefones automáticos.
92 1929 Indica o restabelecimento das assinaturas mensais da Estrada de Aprovada
Ferro Central do Brasil com os antigos preços: 5$000 para 2ª
classe e 10$000 para primeira classe.
101 1929 Indica a criação de uma escola pública à Rua dos Diamantes, Aprovada
entre Sapé e Honório Gurgel.
102 1929 Indica que o Congresso Nacional aprove os projetos de lei nº 17, Aprovada
de 1927 [estabelece os vencimentos dos empregados e operários
extranumerário de Estrada de Ferro Central do Brasil, de autoria
de Henrique Dodsworth], e 206, de 1929 [concede passe livre aos
empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, de autoria de
Alberico de Moraes e Azevedo Lima], que se encontram parados
na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados.
543

Nº ANO EMENTA OBS


114 1929 Indica que a Mesa do Conselho Municipal autorize aumento de Sem dados
mais 60 mil réis na gratificação dos faxineiros encarregados da
limpeza do edifício do Conselho.
135 1929 Indica ao Prefeito que suspenda a ordem de apreensão de Aprovada (Maurício
automóveis, principalmente os de praça, táxis ou não, cujos de Lacerda Costa
proprietários foram vítimas de uma audaz falsificação de licenças. Pinto, Philadelpho
de Almeida, Correia
Dutra, Leitão da
Cunha e Henrique
Maggioli também
assinaram)
152 1929 Indica ao Prefeito e ao Ministro da Viação o calçamento e a Aprovada
iluminação de todas as ruas dos subúrbios.
161 1929 Indica a reivindicação, junto ao Congresso Nacional e ao Rejeitada
Presidente da República, o reconhecimento da URSS.
197 1929 Indica que seja criado um novo horário, das 17 às 19 horas, para Aprovada
as consultas e fornecimento gratuito dos respectivos
medicamentos aos proletários.
198 1929 Indica a obrigatoriedade de instalação de banheiros em todas as Aprovada
fábricas, oficinas e armazéns do Cais do Porto, para serventia dos
respectivos operários.
202 1929 Indica que o Ministério da Viação proíba aos senhorios das Aprovada
habitações coletivas de desligarem a luz elétrica às 22 horas,
conservando-a toda a noite.
217 1929 Indica que o Conselho Municipal considere sem efeito a Indicação Sem dados
nº 180 [de autoria de Baptista Pereira, que proíbe a propaganda do
comunismo no recinto da sessão do Conselho Municipal].
220 1929 Indica o prolongamento da Rua dos Timbiras, em Ramos, até a Sem dados
Rua Leopoldina Rego, através de um capinzal de 130 metros e
também a iluminação de todas as ruas de subúrbios.
FONTE: Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do ano de 1929 e 1930.
h) Corredor Polonês

A vitória obtida pelo BOC nas eleições para o Conselho Municipal foi
extremamente alentadora para os comunistas brasileiros, tanto pela forma como
se dera como pelo fato de que ocorrera na Capital do País. Ela foi um
acontecimento no País e no exterior, como assinalou um articulista em São Paulo:

“A vitória foi, pois, completa e brilhantíssima. Todo o regozijo do proletariado


nacional e mesmo dos operários dos países em que chegou a notícia do triunfo, foi
a demonstração eloqüente da significação dessa nova etapa histórica da política
brasileira.”1

Também em Moscou a vitória do BOC e sua importância para o PCB foram


apreciadas positivamente pelo CEIC:

“Após a campanha eleitoral do BOC, no final de 1928, o Partido aproveitou-


se dessa agitação para ampliar consideravelmente sua influência política entre as
massas de trabalhadores. Esta é uma prova inegável do fato de que o Partido
seguiu uma correta linha política em sua agitação para a conquista das massas.
Apenas podemos aprovar esta política.”2

No entanto, ao mesmo tempo em que se dava esta animadora vitória, uma


série de alterações na orientação política da Internacional Comunista e do PCB,
bem como um recrudescimento no quadro político nacional, fizeram com que a
obra até então construída pelo BOC se visse posta em xeque, tanto interna como
externamente. Para que possamos ver melhor este entrelaçamento de fatores é
necessário que examinemos algumas questões. Fundamentalmente elas podem
ser apreendidas, no âmbito internacional, pelo exame das conseqüências das
resoluções do VI Congresso da Internacional Comunista, da I Conferência
Comunista Latino-Americana e do 10º Pleno do Comitê Executivo da Internacional
Comunista, que significaram uma brusca reorientação na linha política que os

1
- Antônio Moreira. Aos trabalhadores de S.Paulo. O exemplo do Rio. O Combate. São Paulo,
28/01/1929, p. 2.
2
- Carta do ECCI para The CC of the CP of Brazil. Moscou, 19/06/1929, p. 5 (RGASPI).
545

partidos comunistas vinham até então levando. E, no campo nacional, pelo exame
das decisões do III Congresso do PCB, as quais marcam alguns pontos de
inflexão na trajetória dos comunistas brasileiros, e do III Pleno do Comitê Central
do PCB, evento que assinala a assimilação das novas orientações políticas da
Internacional Comunista. A partir destes dois ângulos, é possível perceber seus
efeitos sobre a ação do BOC neste período que seria o final de sua trajetória.

O VI CONGRESSO DA IC E O 10º PLENO DO CEIC

Nas palavras de Paulo de Lacerda, membro da delegação brasileira ao VI


Congresso da IC, em 1928, era a primeira vez em que a América Latina seria
objeto do interesse específico por parte dos comunistas de todo o mundo. Neste
congresso assentou-se, depois de um agudo período de conflitos entre Stalin e
Trotsky e seus seguidores, a hegemonia da tendência stalinista sobre a
Internacional Comunista.
O VI Congresso constatara uma “radicalização das massas” (cuja existência
estaria sendo materializada pelo crescente número de greves, de enfrentamentos
com a polícia e pelo aparecimento, nestas mobilizações, de palavras de ordem
políticas ao lado de reivindicações econômicas) e um agravamento nas
contradições capitalistas, que conduziriam este à ruína. Este congresso marcou
um processo de sectarização esquerdista nas orientações da IC. Nele foram
referendadas as políticas conhecidas como “classe contra classe” (na qual se
afirmava que as burguesias nacionais já não eram mais uma força revolucionária
antiimperialista, devendo os comunistas rechaçar alianças com tais forças, o que
produziu como conseqüência a política de rejeição de alianças com a social-
democracia, que depois do 10º Pleno do CEIC seria caracterizada com a fórmula
“social-fascista”) e do “Terceiro Período” (o primeiro - de 1917 a 1923 - fora
considerado o de crise do capitalismo e ascensão revolucionária; o segundo - de
1923 a 1927 - fora o de estabilização parcial do capitalismo; e o terceiro, iniciado
546

em 1927, seria o de uma estabilização relativa do capitalismo em que ocorreria


uma ascensão da economia capitalista, ao lado de um novo crescimento das
formas socialistas da economia na URSS, a qual levaria a uma quebra da
estabilização capitalista e a uma agravação da crise geral do capitalismo3).
Efetivamente, estas novas orientações significavam que o VI Congresso havia
decretado a morte da política de frente única.
Nele, os países foram divididos em três grupos: os de capitalismo altamente
desenvolvido, para os quais estava colocada a questão da ditadura do
proletariado; os de nível médio, que visavam conquistas democrático-burguesas
antes que a revolução se tornasse socialista; e, por fim, os países coloniais,
semicoloniais e dependentes. Para estes a “transição à ditadura do proletariado é
possível, como regra geral, somente através de uma série de etapas
preparatórias, como resultado de todo um período de transformação da revolução
democrático-burguesa em revolução socialista”, como definiam suas resoluções.
Tais países teriam a ajuda daqueles que viviam sob a ditadura do proletariado
(isto é, a URSS), já que eram incapazes de por si só chegarem sozinhos ao
socialismo. Entre estes estava o Brasil.
No informe dedicado à América Latina afirmava-se que o imperialismo
acentuava ali, com sua penetração, o desenvolvimento concomitante da indústria
e da colonização, impedindo o surgimento de uma burguesia autônoma. Assim,
concluía:

“Esta burguesia encontra-se ligada desde seus primeiros passos ao


imperialismo estrangeiro, tal como a classe dos proprietários fundiários. Isto
explica porque, na América Latina, a burguesia nacional não pode desempenhar
um papel revolucionário na luta contra o imperialismo: ela está ligada aos
4
interesses do imperialismo.”

Frente a este quadro, cabia aos partidos comunistas lutar por revoluções de
caráter democrático-burguês, sob a hegemonia do proletariado, e fomentar a

3
- Internacional Comunista. Tesis sobre la situación las tareas de la Internacional Comunista
In Internacional Comunista. VI Congreso de la Internacional Comunista (Primera Parte), p. 96.
4
- Jules Humbert-Droz. Sobre los países de América Latina. In: Internacional Comunista. VI
Congreso de la Internacional Comunista. Segunda Parte - Informes y discusiones , p. 309-310.
547

formação de um bloco das forças revolucionárias - operários agrícolas e


industriais, camponeses sem terra e a pequena burguesia revolucionária -, no
qual manteriam sua independência. No informe sobre a América Latina, o suíço
Jules Humbert-Droz afirmou que era necessário que os partidos comunistas se
ligassem às organizações operárias e camponesas de massa e à massa da
pequena burguesia revolucionária para a luta revolucionária não de forma
temporária, mas permanente, por meio da constituição de um bloco que
agrupasse as organizações operárias e camponesas, no qual “o partido
comunista exercerá sua influência, sua direção, verdadeiramente, e na qual o
partido comunista, por meio de suas frações terá em mãos seriamente a cada
uma das organizações aderentes”. Já com respeito à pequena burguesia se faria
apenas uma frente única ocasional, para evitar a penetração de sua influência
entre as fileiras comunistas. Humbert-Droz citava o exemplo do BOC, o qual
agrupava organizações operárias e camponesas, mas corria o risco de que
pequeno-burgueses pudessem dele se apossar e que dentro dele o partido
comunista se desagregasse e se dissolvesse 5.
Como enfatizaram os delegados brasileiros, com base nestas colocações
feitas por Humbert-Droz, o VI Congresso aprovou a formação dos blocos
operários e camponeses e a questão da aliança com a pequena burguesia,
vendo, dessa forma, uma aprovação da política conduzida pelo PCB6.
Além disso, o informe destacava que toda a luta revolucionária deveria ser
concentrada contra o imperialismo norte-americano, pois se consideravam os
países latino-americanos em geral como meros apêndices deste, refletindo o
esquemático método de vincular um determinado imperialismo a setores ou
políticas internas dos países.
No período decorrido entre o V e o VI Congressos surgiu e foi adotada pelo
PCUS e pela IC a teoria do “socialismo em um só país”. Como resposta ao
isolamento em que a URSS se vira jogada e devido à perspectiva de que o prazo

5
- Idem. Ibidem , p. 319-320.
6
- P.L. e J.C. Relatório dos delegados do P.C.B. ao VI Congresso da I.C. Auto-Crítica. Rio de
Janeiro, nº 6, [1928], p. 10.
548

para a revolução mundial se dilatara enormemente, Stalin apresentou como


alternativa a “ficar vegetando à espera da revolução mundial” a perspectiva da
construção do socialismo dentro das fronteiras da URSS. Esta teoria ficou
subjacente às elaborações da IC no que se refere à questão da defesa da URSS
frente à ameaça de invasão externa. A ênfase nas disputas interimperialistas
entre Estados Unidos e Inglaterra, que eram apontadas como causas de uma
possível guerra interimperialista e anti-soviética, justificavam o estabelecimento
dessa política de defesa do Estado Soviético. Com relação às resoluções do VI
Congresso esta questão, na verdade, colocava outra, que foi um fator
determinante na atuação da IC até sua dissolução. Como assinalou Paulo Sérgio
Pinheiro:

“As conclusões do VI Congresso têm muito mais a ver com a política


externa soviética, do que com a revolução nos países latino-americanos: os
países (e os partidos) passavam a ter importância na medida em que servissem
7
ao enfrentamento da União Soviética com os imperialismos.”

Embora o arcabouço da mudança esquerdista tenha se constituído no VI


Congresso, foi no 10º Pleno do seu Comitê Executivo, ocorrido de 3 a 19 de julho
de 1929, que a IC, no dizer de Broué, “entrou com os dois pés nas loucuras do
terceiro período”8. Neste pleno, realizado após a ruptura entre Stalin e Nicolai
Bukharin, foi ratificada a decisão da Comissão Central de Controle e do Comitê
Central do Partido Comunista da União Soviética de afastamento do Bukharin de
todas as suas funções da IC. Esta reunião, da qual tomou parte Astrojildo Pereira,
marcou a proeminência definitiva de Stalin tanto na IC como no Partido
Comunista da URSS. O afastamento de Bukharin também seria simbólico do
empobrecimento teórico e do “militantismo” que então passam a tomar conta da
IC e que podem ser condensados em uma frase do comunista russo que dirigiu o
10º Pleno, Mikhail Molotov: “Me parece que faríamos muito melhor, no futuro, em
reduzir o número dos doutos inúteis discursos e de nos concentrarmos sobre as

7
- Pinheiro. Op. cit. p. 173.
8
- Pierre Broué. Histoire de l’Internationale communiste, p. 493.
549

novas tarefas revolucionárias que se colocam à IC”9. Anunciavam-se também em


suas resoluções, além do desenvolvimento de um novo surto revolucionário nos
principais países capitalistas, “grandes revoluções antiimperialistas nos países
coloniais”10.
No 10º Pleno do CEIC

“O ‘terceiro período’ foi redefinido para indicar o fim da estabilização


capitalista, o recrudescimento da militância proletária e a certeza de que surgiriam
contextos revolucionários no Ocidente. Como principal inimigo, foram apontados os
partidos socialistas – ou melhor, os reformistas em geral – considerados
inapelavelmente ‘fascistas’. O expurgo dos moderados do Comintern assumiu
proporções mais amplas, e os partidos comunistas estrangeiros foram instruídos a
romper todos os laços com os movimentos social-democratas, denunciar-lhes o
caráter de ‘social-fascismo’, e criar sindicatos que se opusessem a eles – em
suma, cindir o movimento operário europeu. Desse modo começou a malfadada
trajetória do Comintern para o extremismo.”11

Além da consagração do combate ao “social-fascismo”, o 10º Pleno


ressaltou, “que o desvio de direita constitui atualmente o principal perigo no
Partido Comunista”. Este desvio, considerado como “o agente da influência
burguesa na classe operária e das tendências social-democratas no movimento
comunista”, manifestava-se através da atenuação da luta contra a social-
democracia, pela superestimação das forças desta e, como conseqüência, pela
subestimação do papel dos partidos comunistas. No documento final do 10º Pleno
também era apontada a importância da questão para os partidos comunistas dos
chamados “países coloniais”:

“A luta reforçada contra os desvios de direita é necessária também nos


partidos comunistas dos países coloniais, onde os elementos oportunistas são os
veículos da influência burguesa e pequeno-burguesa no proletariado e entravam
sua luta independente.”12

9
- Apud Serge Wolikow. L’Iternationale communiste 1919-1943 In José Gotovitch e Mikhail
Narinski (dirs.) Komintern: L’histoire et les hommes, p. 58.
10
- Xª Sessão do Comitê Executivo da Internacional Comunista. A situação internacional e a
tarefas imediatas da I.C. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº7, [1929], p. 1.
11
- Stephen Cohen. Bukharin, uma biografia política, p. 372
12
- Xª Sessão do Comitê Executivo da Internacional Comunista. A situação internacional e a
tarefas imediatas da I.C. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº7, [1929], p. 6.
550

Esta orientação afetou o conjunto da IC e teve como resultado o afastamento


das fileiras comunistas de um grande número de militantes e provocou,
sobretudo, alterações significativas nas direções tanto dos organismos da IC
como de suas seções nacionais:

“Um dos fatos mais marcantes dessa mudança foi que todos os setores de
atividade foram atingidos. Alguns foram vítimas de uma verdadeira liquidação (que
se prolongou ao longo do ‘terceiro período’) dos resíduos da época precedente,
quer fosse de militantes ou de organizações. Freqüentemente, aliás, a depuração,
as condenações, as denúncias, as exclusões revelaram-se remédios piores que o
mal, provocando destruições, dilacerações, rupturas irreparáveis.”13

As orientações esquerdistas da IC - implementadas, na América Latina, a


partir da realização da I Conferência do Partidos Comunistas da América Latina,
realizada em junho de 1929 (como veremos, mais adiante, a partir do caso
brasileiro) e com a vinda de “assistentes” trazidos de Moscou e que “dirigiam o
trabalho cotidiano a golpes de ‘cartas abertas’ e de decretos”14 - ao longo dos
anos 1930 redundaram, no caso brasileiro, no afastamento de praticamente toda
a direção que havia fundado o partido, além de uma orientação extremamente
sectária.
No campo internacional, o resultado mais desastroso dessa nova orientação
política foi, sem dúvida alguma, propiciar a ascensão de Hitler ao poder na
Alemanha, em 1933, em razão da recusa de realizar uma frente com a social-
democracia.

O III CONGRESSO DO PCB

13
- Pierre Broué. Histoire de l’Internationale communiste, p. 507. Nesta mesma obra, ver das
páginas 493 a 509 a amplitude das conseqüências da luta contra o “desvio de direita” no âmbito das
seções da Internacional Comunista.
14
- Pierre Broué. Op. Cit., p. 499.
551

Realizado de 29 de dezembro de 1928 a 4 de janeiro de 1929, em Niterói, o


III Congresso do PCB manteve, em linhas gerais, a visão política do conclave
anterior. As teses apresentadas ao III Congresso foram aprovadas
preliminarmente na reunião da CCE de 17 de setembro de 1928, e submetidas ao
Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista (SSA-IC):

“Aprovam-se os projetos das duas primeiras teses [1º) Situação Econômica-


Política Nacional, Posição do Partido e Tarefas Concretas a Serem Realizadas
pelo Partido e 2º) Imperialismos, Perigo de Guerra e Meios de Combatê-los],
resolvendo-se que sejam levados, como trabalho coletivo da C.C.E., ao S.S.A.,
para as emendas ou ampliações julgadas necessárias; e se autoriza ao camarada
A[strojildo]. P[ereira]. para que, se não ficar convencido com os argumentos do
S[ecretariado]. sobre tais correções, proponha que os projetos e as correções do
S. sejam de novo trazidos ao estudo da C.C.E. Sobre a tese sindical, nomeia uma
comissão para ultimar a redação. Sobre a tese dos camponeses, como o camarada
Ch. nada pôde fazer, resolve-se enviar os dados obtidos ao S.S.A., como
indicações para uma tese provisória.”15

As teses foram entregues em mãos por Astrojildo Pereira, que as apresentou


e discutiu com o Secretariado em Buenos Aires16. No início de dezembro, o SSA-
IC devolveu os textos, com algumas observações, sendo aprovados em reunião
da CCE de 05/12/1928 e remetidos às seções regionais.
Nesse meio tempo ocorreu a volta da delegação do PCB que participara do
VI Congresso da IC, a qual, por meio de Paulo de Lacerda, apresentou
verbalmente um informe sobre os trabalhos realizados em Moscou na reunião da
CCE de 14/10/1928 e depois o fez por escrito, tendo sido o texto submetido e
aprovado pela CCE em sua reunião de 11/11/1928, que decidiu pela sua
publicação no número 6 de Auto-Crítica (o qual foi publicado em dezembro, pouco
antes do III Congresso), com a assinatura de Paulo de Lacerda e J. C. Nele, além
de um relato sumário sobre os trabalhos do VI Congresso, os delegados
apresentaram as orientações oriundas das teses sobre os países coloniais e
semicolônias, que admitiram a aliança com a pequena burguesia, mantendo-se a

15
- Ata da Reunião da C.C.E. do P.C.B., de 17/09/1928 (RGASPI).
16
- Carta de Astrojildo Pereira a Camarada Heitor [Ferreira Lima]. Rio de Janeiro, 10/11/1928
(RGASPI).
552

autonomia do proletariado, o caráter democrático-burguês que deveriam ter os


movimentos revolucionários e, por fim, a necessidade destes movimentos terem
um cunho antiimperialista17. Tais orientações acabaram tendo, evidentemente,
reflexos sobre os trabalhos do III Congresso, mais de forma que propriamente de
conteúdo, mas a radicalização resultante das orientações do VI Congresso da IC
ainda não trouxera conseqüências palpáveis naquele momento. Elas vieram um
pouco mais tarde, como resultado direto do 10º Pleno do Comitê Executivo da IC,
e foram efetivamente implantadas após III Pleno do CC do PCB, realizado em fins
de outubro de 1929.

Paulo de Lacerda, candidato nas eleições de 1930.

As resoluções do III Congresso afirmavam que no período decorrido até ali


se comprovaram as teses de 1925, tendo-se acentuado o processo de
reagrupamento das forças sociais, no qual ocorrera, de um lado, a consolidação
de uma aliança entre as burguesias agrária e industrial, ambas submetendo-se ao
imperialismo, e, de outro - em um bordão já aproveitado do VI Congresso da IC -,
a “radicalização das massas laboriosas”, abarcando os setores mais pobres da
pequena burguesia. Tais reagrupamentos eram resultado, na análise dos

17
- P.L. e J.C. Relatório dos delegados do P.C.B. ao VI Congresso da I.C. Auto-Crítica. Rio de
553

comunistas, de algumas orientações da economia brasileira. A primeira a ser


destacada era a subordinação econômico-financeira em relação ao imperialismo
que aumentava ao mesmo tempo em que se desenvolviam as forças produtivas
do Brasil e que tinha três origens: os empréstimos externos, a dependência
industrial - tanto pela importação de manufaturados como dos meios de produção
- e a subordinação provocada pelo café, o qual dependia, de um lado, dos
capitais ingleses para financiar o Instituto do Café, e, de outro, dos capitais
americanos, os maiores consumidores do café brasileiro. A segunda orientação
era a política do café, em cuja valorização sustentada artificialmente pelo Instituto
do Café os comunistas anteviram as condições para uma “crise catastrófica, de
conseqüências incalculáveis para toda a economia nacional”. A última
característica da economia brasileira observada pelos comunistas referia-se a um
antagonismo entre o que eles chamavam de forças externas de compressão,
forma elíptica para falar do imperialismo, e forças internas de expansão.
Tais orientações provocavam turbulências na situação econômica, as quais
tinham como resultado uma crescente instabilidade em sua situação política.
Esta, na ótica das resoluções do III Congresso, fundamentalmente era a
apresentada no II Congresso, em 1925. A pressão “dupla e antagônica” do
imperialismo se deu sobre as duas facções da burguesia brasileira: a “burguesia
agrária e conservadora”, dependente do capitalismo britânico, e a “burguesia
industrial, pretensamente liberal”, apoiada no capitalismo norte-americano. Tal
pressão teria acentuado “os antagonismos das forças sociais internas,
aumentando a exploração e a opressão das massas laboriosas em geral”, o que
teria sido a causa de “descontentamentos populares acumulados” e que
explodiram nas revoltas militares de 1922 e 1924. Nestas duas primeiras etapas
ocorrera um agrupamento entre a “burguesia industrial e liberal” e a pequena
burguesia contra a “burguesia agrária e conservadora”. É exatamente neste ponto
que se opera uma mudança importante em relação às conclusões de 1925. O III
Congresso apresenta uma nova etapa: a terceira, que correspondia aos combates

Janeiro, nº 6, [1928], p. 10.


554

da Coluna Prestes ocorridos em 1925 e 1926. Esta terceira etapa teria tomado um
“sentido cada vez mais popular” em decorrência da tendência de um agrupamento
mais estreito entre a pequena burguesia e a massa trabalhadora que se fazia “em
geral contra a burguesia agrária e industrial”. Este “agrupamento mais estreito”
alude obviamente à política de aproximação do PCB entabulada com a Coluna
Prestes. Na visão dos comunistas a terceira etapa teve como conseqüência a
aliança entre as duas burguesias, “visando dar solução ‘pacífica’ e ‘legal’ aos
problemas nacionais exacerbados pela revolução”. Além disso, esta aliança deu-
se também como resultado da “capitulação da burguesia ‘liberal’ diante do
imperialismo”, visando o reforçamento da exploração dos trabalhadores. A
próxima etapa da revolução tinha, na visão dos comunistas, suas condições de
explosão já postas na conjuntura em razão da “radicalização das massas”.
Esta análise da situação política tem reflexos diretos na avaliação sobre o
Partido Democrático de São Paulo e dos outros partidos democráticos. Como
vimos, ela, na verdade, foi o resultado do processo de discussão ocorrido no
primeiro semestre de 1928 por conta do episódio da retirada da candidatura do
BOC em São Paulo e conformou a visão apresentada pelo III Congresso sobre os
democráticos:

“Não foi por acaso que o Partido Democrático se fundou precisamente depois
da explosão de 1924 e precisamente em São Paulo. Baseado numa plataforma
‘liberal’ e ‘democrática’, de forma superdemagógica, ele atrai para suas fileiras e
procura manter, sob sua influência, largas massas populares da pequena
burguesia e mesmo da classe operária. Mas sua direção está em mãos da grande
burguesia, e toda sua atividade visa a aplicação de soluções pacifistas, por meio
do voto secreto e outras panacéias deste gênero. Seu programa resume-se nisto:
‘representação e justiça’, palavreado arquivago e arquivazio, destinado unicamente
a amortecer o descontentamento da massa popular. Ao mesmo tempo, na sua
qualidade de mão esquerda da burguesia, o Partido Democrático prepara-se para,
a favor das circunstâncias, subir ao poder, como sucessor ‘pacífico’ – por milagre
do voto secreto – da mão direita, conservadora e reacionária, que se acha no
governo.”18

18
- PCB. Teses & resoluções adotadas pelo III Congresso do Partido Comunista do Brasil, p.
6.
555

Aqui se sintetizou e oficializou uma prática política que já fora levada a efeito
durante o segundo semestre de 1928 pelo BOC, onde este buscou disputar as
bases pequeno-burguesas dos democráticos, ao mesmo tempo em que atacava
sua direção, fazendo, desse modo, dos “tenentes” e seus aliados agrupados em
torno de Luiz Carlos Prestes “a” pequena burguesia com a qual se buscavam
aliança, mas que, como vimos, ainda estava um tanto longe de ser concretizada.
Enfim, a visão que o III Congresso do PCB consolidou da situação política
daquele momento foi a de um processo de reagrupamento de forças, em que se
confrontariam, de um lado, uma aliança entre a burguesia agrária e a burguesia
industrial e, de outro, uma aliança entre a pequena burguesia e o proletariado.
Estas alianças também tinham conseqüências na forma como solucionar as
questões nacionais, opondo-se as vias pacífica e revolucionária. A primeira
dessas vias, defendida pelos democráticos, significava a “capitulação da
burguesia nacional perante o imperialismo” e a segunda, defendida pelo PCB,
importava em luta contra o imperialismo e o capitalismo nacional pela implantação
do “governo operário e camponês”.
As resoluções indicavam a provável “perspectiva da terceira revolta”, que
apontava para uma “revolução democrática, agrária e antiimperialista”, mas
deixavam claro que os comunistas teriam um longo caminho para pôr-se à sua
frente. Antes disto era preciso que o PCB fizesse uma “série de manobras
políticas e táticas, estabelecendo alianças com as demais forças revolucionárias
vizinhas do proletariado”. A primeira dessas manobras seria a constituição de um
bloco envolvendo os operários urbanos e rurais e os pequenos lavradores, tarefa
esta que já teria sido iniciada pelo BOC. Na verdade, como sabemos, as
atividades dos BOC encontravam-se restritas ao cenário urbano, sendo
praticamente nulas no meio rural. A segunda seria a aliança entre o PCB e a
Coluna Prestes, “vanguarda revolucionária da pequena burguesia”.
O que é relevante mencionar aqui é que estas conclusões mostravam que o
PCB - ao fazer da condicionante “imperialismo determina as ações da burguesia
nacional” a base de suas diretivas - perdia a capacidade de tentar compreender a
556

disputa que se desenhava entre as facções da burguesia nacional, o papel das


articulações empreendidas pelos “tenentes” e os humores da pequena burguesia,
cujo resultado, como sabemos, apontou em caminho oposto ao indicado pelos
comunistas.
Na resolução especificamente dedicada ao BOC sua orientação até ali fora
considerada “justa”, manifestando-se confiança em suas possibilidades de tornar-
se uma “grande organização política das mais vastas massas operárias e
camponesas”. Chamando a atenção para sua atuação como organização de
massa e como forma de trabalho legal do PCB, a resolução alerta para dois
perigos. O primeiro, reproduzindo um perigo já assinalado por Jules Humbert-
Droz durante o VI Congresso da IC19, era o do risco de os comunistas perderem a
direção do BOC, o que poderia resultar na “degenerescência eleitoral” deste e
transformá-lo em massa de manobra de políticos da pequena burguesia,
atrelando, deste modo, o proletariado a eles. Esta era uma evidente alusão a
Azevedo Lima, com quem se iniciara um processo de ruptura naquele momento.
O outro perigo era o da adaptação da linha do PCB ao conteúdo político do BOC,
perigo este manifestado pela tendência, ocorrida com alguns militantes, de
“ocultar o Partido sob o pretexto de que as massas têm medo da palavra
comunismo”. Na resolução política esta questão também era tratada e ali se
deixava claro que o PCB deveria manter sua fisionomia própria e não deveria nem
se fundir nem desaparecer dentro do BOC. Apesar destes alertas,
contraditoriamente, na resolução dedicada ao Bloco, o III Congresso propôs que o
BOC extrapolasse sua atividade no terreno eleitoral e ampliasse sua atuação,
intervindo “em todos os terrenos da luta de classes, utilizando todas as formas do
trabalho cultural, esportivo, etc. como meio de atrair as massas”20. Na prática, o
alerta dado algumas páginas antes foi completamente ignorado, pois as ações
propostas ao BOC eram típicas de um partido político. Ainda mais se levarmos em
conta, por exemplo, que nas resoluções referentes à constituição de organizações

19
- Jules Humbert-Droz. Quelques problèmes du mouvement révolutionnaire de l’Amérique
latine. L’Internationale Communiste. Paris, nº 17, 15/08/1928, p. 1.366.
20
- Veja-se as resoluções tomadas sobre o BOC no III Congresso do PCB no Anexo XV.
557

de massa auxiliares do PCB, sugere-se a criação de uma entidade voltada para o


esporte proletário.
Aliás, sobre estas mencionadas organizações auxiliares é preciso chamar a
atenção sobre uma delas: a Liga Antiimperialista. Embora sua criação já tivesse
sido recomendada há pouco mais de um ano, durante as reuniões da CCE de
outubro de 1927, na qual se decidiu a aproximação com os tenentes, foi somente
a partir do III Congresso que ela se concretizou. O fundamento para sua fundação
era o mesmo invocado já naquela época:

“Os revolucionários da Coluna Prestes simpatizam particularmente com a


nossa luta contra o imperialismo, o que é da maior importância, se bem que sua
simpatia parta de um ponto de vista patriótico e nacionalista.”21

Esta Liga Antiimperialista deveria agrupar o “proletariado industrial e rural,


camponeses, estudantes, intelectuais, grupos da pequena-burguesia
revolucionária”. Fica nítida sua intenção em atrair para o seu interior os
“prestistas”, tanto é assim que, quando de sua criação, em 20 de fevereiro, sua
presidência foi entregue a Maurício de Lacerda22, que era uma espécie de “voz
autorizada” de Luiz Carlos Prestes no Rio de Janeiro. Mas, mais uma vez, se
sobrepuseram finalidades distintas em diversas entidades, agora na resolução
dedicada à luta contra o imperialismo, onde se afirmava que uma das maneiras de
lutar contra o imperialismo seria abarcar “as camadas mais profundas da
população”, que deveriam estar agrupadas dentro do BOC e da Liga
Antiimperialista, conservando os comunistas “a direção do trabalho orgânico e
ideológico”. Ou seja, o BOC, apesar dos alertas no sentido da não diluição do
PCB, acabava assumindo tarefas que, ao final, somente serviam para sobrepor
PCB e BOC. Mais tarde, pouco antes de sua fundação, houve uma delimitação

21
- PCB. Teses & resoluções adotadas pelo III Congresso do Partido Comunista do Brasil, p.
7.
22
- Fundação da Liga Antiimperialista. O Internacional. São Paulo, nº153, 01/03/1929, p. 2.
558

entre o trabalho da Liga e do BOC, cabendo à primeira realizar preferencialmente


o trabalho entre os pequeno-burgueses23.
Foi a partir dessas resoluções que os comunistas pensaram em atuar na
política brasileira e orientar suas ações e as do BOC no processo de sucessão
presidencial que se desencadeou no ano de 1929.

O BOC CRESCE

Com o afastamento de Azevedo Lima da presidência do BOC, a direção do


PCB indicou o nome de João Jorge da Costa Pimenta para substitui-lo no cargo24,
sendo seu nome somente confirmado em uma assembléia realizada no dia 13 de
junho de 1929. Contando com a presença dos comitês eleitorais dos sapateiros,
metalúrgicos, gráficos, tecelões, da indústria alimentícia, marmoristas, mulheres,
camponeses, de Laranjeiras, da Gávea, de Campos, de Niterói, de Sertãozinho,
além de Pimenta, foram eleitos Octavio Brandão, para 1º secretário, o gráfico
Leonel Tavares Dias Pessoa, para 2º secretário, o gráfico Ferreira da Silva, para
tesoureiro, e o ferroviário Joaquim Nepomuceno, para arquivista25.
A vitória dos candidatos do BOC no Distrito Federal se entusiasmou a
militância foi também um estímulo para que o trabalho pelo crescimento do BOC
se ampliasse pelo País. Assim, a direção do PCB decidiu investir na expansão do
BOC em outros Estados. No início do ano já havia se constituído uma seção em
Alagoas26. No caso do Rio Grande do Sul deliberou-se deslocar alguns militantes
de outros Estados, entre eles Plínio Mello (de São Paulo) e o estudante Hersch
Schechter (do Distrito Federal e que utilizava o pseudônimo Vargas) – que ali
chegaram em fevereiro de 192927 -, para impulsionar suas atividades. Para tanto,

23
- Ata do C. Central Restrito (Comissões e Presidium) de 10 e 12-2-1929, p. 1 (RGASPI).
24
- Ata nº 1 do Presidium do P.C.B. de 11 de Janeiro de 1929, p. 2 (RGASPI).
25
- Bloco Operário e Camponês. O Internacional. São Paulo, nº 159, 01/07/1929, p. 2.
26
- Ata do C. Central Restrito (Comissões e Presidium) de 10 e 12-2-1929, p. 4 (RGASPI).
27
- Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la actuación
del P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 3 (ASMOB).
559

em reunião do Presidium do PCB, de 12 de janeiro, foi aprovado um plano para a


seção gaúcha, tendo em vista a realização de eleições para deputados estaduais
em março. Nestas eleições foi lançado o nome de Plínio Mello como candidato do
BOC, tendo ele obtido 584 votos, apesar da proibição do presidente do Estado do
Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, de realização de comícios eleitorais em
fábricas e outros locais de trabalho28. Além disso, os comunistas também
buscaram modificar a estrutura organizativa do BOC com a proposta de
organização de comitês do Bloco nos locais de trabalho29. Esta proposta pode ser
vista como uma transposição para a estrutura do BOC das células de empresa do
PCB, o que, apesar dos alertas suscitados durante o III Congresso do partido,
acabou sendo mais um elemento que, na prática acabava propiciando a
sobreposição de atribuições entre as duas organizações. Outra mudança foi a
expansão da atuação dos comitês femininos, por meio da criação de subcomitês
de mulheres nos Blocos regionais e nos Centros Políticos Proletários30.
Já no início de 1929 o PCB adotou as primeiras medidas com vistas às
eleições presidenciais, previstas para 1º de março de 1930. Em uma reunião de
sua direção, realizada em 16 de janeiro, tomam-se algumas decisões preliminares
que apontam para algumas direções31. A primeira, resultado das deliberações do
III Congresso do partido, foi a decisão de que o PCB deveria prosseguir em sua
ofensiva contra o Partido Democrático. Esta diretiva pode ser compreendida,
sobretudo, no sentido da disputa de espaço político que o BOC estabelecia com
este partido, já que os comunistas entendiam que os democráticos tinham sob sua
influência uma significativa parcela da pequena burguesia à qual o PCB buscava
se aliar para implementar seus projetos revolucionários. Exemplar neste sentido

28
- Ata nº 2 do Presidium do P.C.B. de 12 de Janeiro de 1929 (RGASPI); Distrito Federal.
Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de junho a 31 de Julho de 1929, p.
385; Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de Agosto a
30 de Setembro de 1929, p. 918; Renata Irene Haas Rosito. O pensamento político de Abílio de
Nequete, p. 17.
29
- Ata nº 5 do Presidium do P.C.B. – de 30-1-1929 (RGASPI).
30
- Ata do C. Central Restrito (Comissões e Presidium) de 10 e 12-2-1929, p. 6 (RGASPI);
Questão de organização das mulheres trabalhadoras. Boletim do Comitê Regional (Rio). S.l., nº 1,
março 1929, p. 9.
31
- Ata nº 3 do Presidium do P.C.B. de 16-1-1929, p. 1 (RGASPI).
560

foi artigo de João Freire de Oliveira criticando a atuação da bancada democrática


na Câmara Municipal de Santos, que se dedicava a fazer “galanteios e
salamaleques aos próceres perrepistas” e, quando muito, “jogos florais de retórica
cediça” ao invés de defender os interesses da “população oprimida e explorada”
de Santos. O artigo concluía com um apelo pelo qual ficavam claros os
interlocutores a quem a Coligação Operária de Santos se dirigia:

“Os operários, lavradores pobres, pequenos proprietários, operários da


lavoura, funcionários e jornalistas pobres, intelectuais liberais, oprimidos de toda as
classes, meditai no que aí fica impresso e reflete que só um bloco maciço da
classe média com a classe proletária ligada aos intelectuais liberais poderá
conquistar os nossos ideais de emancipação.”32

A outra diretiva definida pelo Presidium do PCB também se conectava a


anterior, e nela se estabelecera que, na hipótese de “os elementos
revolucionários da pequena burguesia” apresentarem um candidato com um
“programa revolucionário, de combate às classes dominantes e ao imperialismo”,
o PCB deveria apoiar tal nome. Neste aspecto os comunistas, porém, preferiram
não esperar e tomaram a iniciativa de tentar atrair os “tenentes”. Assim, Octavio
Brandão, em uma entrevista dada ao matutino Diário Carioca e divulgada pelo
País, afirmava que a pequena burguesia não estava organizada em partido
político, mas sua vanguarda possuía um vasto círculo de simpatias. O intendente
do BOC ponderou sobre a necessidade de a luta dos revoltosos se prolongar ao
terreno eleitoral, dando a este também o seu conteúdo revolucionário, pois,
justificava, a “luta pela emancipação do povo deve travar-se em todos os
terrenos”, não podendo ficar apenas limitada ao terreno militar. Para Brandão
tanto os comunistas como Prestes e seus companheiros tinham o mesmo objetivo
comum, a derrubada do governo e para tanto lhes fazia uma proposta:

“Tendo em vista a sucessão presidencial e as suas conseqüências políticas e


sociais, a luta contra os imperialistas e contra os grandes agrários, deve constituir a

32
- João Freire de Oliveira. Atitudes claras. O Combate. São Paulo, 19/01/1929, p. 2.
561

base de uma aliança entre o proletariado e os pequenos proprietários


proletarizados como Luiz Carlos Prestes.”33

A última decisão tomada em 16 de janeiro, algo mais “pro forma”, foi a de


que, em observância às decisões de se evitar a superposição de atribuições entre
o BOC e o PCB, este deveria manter seu programa e sua fisionomia própria
durante a campanha.
Ao mesmo tempo os comunistas iniciaram os preparativos rumo à campanha
presidencial com um ano de antecedência e o fizeram do mesmo modo que nas
campanhas anteriores. Assim, em março de 1929, a Coligação Operária de
Santos já anunciava a retomada dos trabalhos de alistamento eleitoral. Também
no Distrito Federal A Classe Operária, órgão oficial do PCB, publicou
convocações de eleitores solicitando seu comparecimento à sede do BOC do
Distrito Federal ou à Vara Eleitoral para tirarem fotos ou darem entrada em
processos para obtenção de títulos ou, então, retirarem seus títulos, etc.34.
O primeiro movimento da sucessão no qual os comunistas colocaram
alguma expectativa foi por ocasião de uma ruptura nas fileiras democráticas. Em
fins de 1928, por meio de uma entrevista à imprensa do deputado gaúcho
Joaquim Francisco de Assis Brasil, uma das principais lideranças do Partido
Democrático Nacional35, este considerara encerrado o ciclo revolucionário e
colocava como o caminho para a conquista do poder a vitória nas eleições
presidenciais de 1º de março de 1930. Logo depois, no início de 1929, Assis
Brasil fez uma excursão ao Rio Grande do Sul a fim de buscar estabelecer um
consenso entre as forças políticas gaúchas e adotou, para isso, uma tática de
conciliação. As declarações e as atitudes de Assis Brasil fizeram com que Luiz

33
- Movimento Operário. Uma entrevista com o intendente Octavio Brandão, eleito pelo Bloco
Operário e Camponês. O Combate. São Paulo, 30/01/1929, p. 5.
34
- Vida Operária. Coligação Operária. Praça de Santos. Santos, 12/03/1929, p. 3;
Compareçam à sede do Bloco Operário e Camponês. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 63 (2a
Fase), 06/07/1929, p. 1; Aos eleitores do Bloco Operário e Camponês. Compareçam à Vara Eleitoral
e à sede BOC. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 65 (2a Fase), 20/07/1929, p. 2.
35
- Organização criada em 1927, a fim de aglutinar as oposições nacionais de forma mais
ampla, e que integrava o amplo espectro dos partidos democráticos criados no Brasil no fim dos anos
1920.
562

Carlos Prestes desacreditasse do movimento proposto pelos democráticos e


Maurício de Lacerda saísse do diretório nacional do Partido Democrático
Nacional. Esta ruptura foi vista como positiva entre os comunistas, mas estes a
julgavam ainda um “meio passo à frente” e que era necessário “tornar
irremediável a ruptura entre os elementos revolucionários da pequena burguesia
e os Democráticos, Libertadores etc., de modo que esta ruptura não tenha mais
concerto”36. Tal trabalho cabia aos comunistas:

“A posição do P.C. como guia consciente das massas trabalhadoras deve ser
a de mais e mais aprofundar este rompimento, tornando-o insanável, a fim de
realizar com a vanguarda revolucionária da pequena burguesia uma aliança sólida,
e procurar, no início da luta, se for possível, ou no seu decorrer, assumir a
hegemonia do movimento, colocando o proletariado na vanguarda, porque só ele
será capaz de levar uma luta revolucionária conseqüente contra a burguesia
nacional opressora e contra o seu aliado, o imperialismo anglo-americano.”37

Com respeito a Maurício de Lacerda houve uma consistente aproximação,


tendo ele apoiado a criação da Liga Antiimperialista e tornando-se o seu primeiro
presidente. Com isto, conseqüentemente, o seu nome se associou às atividades
levadas pela nova organização, embora pouco comparecesse a suas atividades.
Além disso, no âmbito do Conselho Municipal do Distrito Federal, Maurício de
Lacerda, como já vimos, passou a ter uma atuação, até outubro de 1929, próxima
da dos intendentes do BOC, apoiando-os em vários momentos e até
subscrevendo várias de suas iniciativas legislativas.
Já com relação a Luiz Carlos Prestes, este, nas oscilantes relações que teria
com os comunistas brasileiros até o início dos anos 1930, fez publicar uma nota
na imprensa brasileira, classificada de “chove não molha” pelo secretário geral
interino do PCB, Paulo de Lacerda, na qual condenava “atitudes extremistas”38,
parecendo, segundo a avaliação deste, estar censurando a ruptura de seu irmão
Maurício de Lacerda com o Partido Democrático Nacional.

36
- Ata do C. Central Restrito (Comissões e Presidium) de 10 e 12-2-1929, p. 4 (RGASPI).
37
- A situação nacional. Boletim do Comitê Regional (Rio). S.l., nº 1, março 1929, p. 3.
38
- Carta de Saulo [Paulo de Lacerda] a Caro [Astrojildo Pereira]. Rio de Janeiro, 18/04/1929,
p. 1 (RGASPI).
563

Os comunistas não pretendiam lançar um nome próprio às eleições


presidenciais, mas tinham a expectativa de poder lançar a candidatura de algum
membro do grupo de Luiz Carlos Prestes, ou talvez do próprio, como se fez em
Santos, através de uma carta de um comunista anônimo:

“... como está prestes [sic] a eleição para a sucessão presidencial, devemos
nós os proletários apresentar como nosso candidato legítimo o general Luiz Carlos
Prestes. Sabemos perfeitamente que não será eleito, e é por isso mesmo que
merece os nossos sufrágios, pois nós de forma alguma acreditamos nas
promessas açucaradas dos outros candidatos, que prontificam-se a fazer isto e
aquilo com mais rapidez e segurança que os xaropes milagrosos anunciados nos
jornais...
Devemos votar em Prestes só pelo motivo de que não é eleito. A revolução
só a revolução proletária poderá salvar os destinos do país. As duas revoltas
esboçadas fracassaram – como disse Fritz Mayer – mas a terceira virá, fatalmente,
matematicamente.”39

Em 23 de maio Paulo de Lacerda, ao anunciar a Pereira a intenção dos


comunistas de realizar um Congresso do BOC em setembro, afirmou que sua
finalidade seria a escolha de nomes para deputados federais, não mencionando a
questão do nome para presidente40. Posteriormente, em junho, aproveitando a ida
de uma delegação do Partido à Primeira Conferência Comunista Latino-
Americana em Buenos Aires, o PCB aproveitou a ocasião para discutir o problema
diretamente com Luiz Carlos Prestes. Nestas reuniões os comunistas
apresentaram um programa elaborado sob supervisão do SSA-IC. A IC acreditava
que uma revolução democrático-burguesa sob a hegemonia da pequena-
burguesia degeneraria rapidamente em uma ditadura militar, que logo entraria em
acordo com o imperialismo e as antigas classes dirigentes. Para que,
efetivamente, como explicou Jules Humbert-Droz41, a revolução democrático-
burguesa pudesse ter suas tarefas históricas cumpridas era necessário que se
constituísse um governo operário e camponês, com base em um programa. Este

39
- Luiz Carlos Prestes e o proletariado. Praça de Santos. Santos, 11/03/1929, p. 5.
40
- Conversación com los delegados del Brasil sobre el problema de táctica. Buenos Aires,
12/06/1929, p. 3 (RGASPI); Carta de Saulo [Paulo de Lacerda] a Caro Américo [Astrojildo Pereira].
Rio de Janeiro, 23/05/1929, p. 2 (RGASPI).
564

era o que foi apresentado nas “Teses sobre o Movimento Revolucionário nas
Colônias e Semicolônias”, discutidas no VI Congresso da IC, redigidas pelo
finlandês Otto Wilhelm Kuusinen, e que também foi aprovado na Primeira
Conferência Comunista Latino-Americana. O programa apresentado aos
“tenentes”, conforme se pode ver no quadro abaixo, foi calcado no apresentado
no VI Congresso, com algumas adaptações:

PROGRAMA DO VI CONGRESSO DA IC (1928) 42 PROGRAMA DO PCB (1929)43


1 - Expropriação sem indenização e nacionalização do a) Nacionalização das terras e divisão dos
solo e subsolo. Cessão da terra a quem a trabalha para latifúndios.
sua exploração coletiva pelas comunas agrícolas nas
grandes plantações e nos latifúndios, onde já existe o
trabalho coletivo; com a cessão da terra em usufruto aos
camponeses, arrendatários, colonos, etc., ali onde a terra
é trabalhada com o sistema individual ou familiar.
2 - Confisco e nacionalização das empresas estrangeiras b) Nacionalização das empresas industriais e
(minas, indústrias, transportes, bancos, etc.). bancárias imperialistas.
3 - Anulação das dívidas do Estado, dos Municípios, c) Abolição das dívidas externas.
assim como de toda outra forma de controle do País por
parte do imperialismo.
4 - Jornada de 8 horas e abolição das condições g) Jornada de 8 horas, lei de férias, aumento de
semiescravistas de trabalho. salários e outras melhorias para os trabalhadores.
5 - Armamento dos operários e camponeses e
transformação do exército em milícias operárias e
camponesas.
6 - Abolição do poder dos grandes possuidores de terras
e da igreja; organização do poder dos sovietes de
operários, camponeses e soldados.
d) Liberdade de organização e imprensa.
e) Direito de greve.
f) Legalidade para o PCB.

Como era esperado, Prestes e seus companheiros acharam o programa


inaceitável. Na verdade, os itens “a” e “b” da proposta redigida por “Pierre” e
Leôncio Basbaum é que foram julgados inaceitáveis pelos “tenentes”, levando-os
a apresentar uma contraproposta, evidentemente rechaçada pelos comunistas,

41
- Jules Humbert-Droz. Quelques problèmes du mouvement révolutionnaire de l’Amérique
latine. L’Internationale Communiste. Paris, nº 17, 15/08/1928, p. 1.359-1.360.
42
- Tesis sobre el movimiento revolucionario en las colonias y semicolonias. In: Internacional
Comunista. VI Congreso de la Internacional Comunista. Primera Parte – Tesis, manifiestos y
resoluciones, p. 238-239.
43
- Leôncio Basbaum. História sincera da República de 1889 a 1930, p. 311.
565

que marcou o impasse nas negociações. Estas, no entanto, no que se referem a


Luiz Carlos Prestes, continuaram, mas conduzidas pelo SSA-IC44.
Ao mesmo tempo, os “tenentes” começaram a negociar uma aproximação
com os democráticos e a Aliança Liberal, e tais negociações tinham entre os seus
intermediários Maurício de Lacerda. Prestes, que naquele momento já
manifestava sua trajetória de aproximação com o comunismo, em uma hábil
manobra de alguns de seus companheiros militares, acabou neutralizado até as
eleições. Ao mesmo tempo, com a radicalização da política comunista e sua
crescente hostilidade em relação aos “tenentes”, o PCB foi se isolando cada vez
mais dos setores que apoiavam os “tenentes”, o que se expressou também na
perda de espaço que os comunistas tinham na imprensa oposicionista brasileira.
Assim ocorreu em O Combate em São Paulo, A Esquerda, A Manhã e outros
jornais cariocas, que, ao mesmo tempo em que passaram a apoiar a Aliança
Liberal, deixaram de dar seu espaço aos comunistas. E quando conseguiam
algum, os jornais acabavam sendo pressionados pelo governo para que não o
fizessem, sob a ameaça de afetar sua existência45. Desse modo, ao contrário do
que vinha ocorrendo desde 1927, os comunistas acabaram sem um canal
alternativo de expressão, o que, combinado com a perseguição da polícia a A
Classe Operária, resultou em um violento cerceamento do espaço de
comunicação com setores mais amplos do que os comunistas conseguiam se
relacionar usualmente.

O movimento sindical

No campo sindical, em relação aos comunistas, o ano de 1929 foi muito


movimentado. Do ponto de vista organizativo, realizaram-se vários congressos

44
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 1.831; Dênis de Moraes e Francisco Viana. Prestes: Lutas e
autocríticas, p. 62-63; Leôncio Basbaum. Uma vida em seis tempos (memórias), p. 69-71; Leôncio
Basbaum. História sincera da República de 1889 a 1930, p. 310-313.
45
- Edgar De Decca. O silêncio dos vencidos, p. 105; John W. Foster Dulles. Anarquistas e
comunistas no Brasil, p. 332.
566

estaduais, como no Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo,
para a constituição de Federações Sindicais Regionais e que desembocaram no
congresso de fundação da Confederação Geral do Trabalho do Brasil, realizado,
de 26 de abril a 1º de maio de 1929, no Rio de Janeiro, na sede da Associação
dos Trabalhadores da Indústria Mobiliária. Para a realização do congresso o BOC
fez uma doação de 18 contos de réis, obtidos através de empréstimo concedido a
Minervino de Oliveira. A ele estiveram presentes delegações dos Estados da
Bahia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande
do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, além de representações
locais de Campos (RJ), Paranaguá (PR), Ribeirão Preto (SP), Santos (SP),
Sertãozinho (SP) e Tabapuã (SP). Ao final dos seus trabalhos, que se encerraram
com um comício comemorativo do 1º de Maio ao qual estiveram presentes entre
15 e 20 mil trabalhadores, o intendente do BOC Minervino de Oliveira foi
escolhido para ser seu secretário geral46. Semanas depois, uma delegação da
CGTB esteve presente ao congresso de fundação da Confederação Sindical
Latino-Americana, realizado em Montevidéu.
O congresso de criação da CGTB também acabou produzindo benefícios ao
próprio BOC, pois fez com que vários dos delegados sindicais, muitos dos quais
militantes comunistas, tivessem contato com a direção nacional e recebessem
diretivas referentes ao Bloco. Isto pode ser constatado particularmente no caso do
Ceará, que contava entre seus delegados com José Joaquim de Lima, conhecido
como Joaquim Pernambuco, que voltou com a missão de organizar o BOC em
Fortaleza e a seção regional do PCB47.
Do ponto de vista das mobilizações sindicais o ano de 1929 também foi
bastante intenso, com a eclosão de várias greves ao longo do ano. Tecelões do

46
- O Congresso Operário Nacional realizou ontem a sua primeira sessão. Crítica. Rio de
Janeiro, 27/04/1929, p. VIII; O Congresso Operário Nacional realizou a sua segunda sessão. Como
transcorreram os trabalhos de ontem do grande certame obreiro. Crítica. Rio de Janeiro, 28/04/1929,
p. II; O Congresso Operário Nacional. Prosseguiram domingo e ontem as sessões do importante
certame proletário. Crítica. Rio de Janeiro, 30/04/1929, p. II; O proletariado do Brasil, pujante, coeso
e disciplinado, viveu ontem um dos seus dias mais gloriosos. Crítica. Rio de Janeiro, 02/05/1929, p. I
e II. Jules Humbert-Droz. Mémoires. De Lénine a Staline. Dix ans au service de l’Internationale
communiste 1921-1931, p. 388.
567

Rio de Janeiro, de Niterói, de Petrópolis e de Porto Alegre, operários da


construção civil do Rio de Janeiro, trabalhadores da Jari, na concessão da Ford
na Amazônia, motoristas do Rio de Janeiro, ferroviários de São Paulo e da
Paraíba, trabalhadores da construção naval do Rio de Janeiro, os trabalhadores
da Cobrazil em Pernambuco, trabalhadores da construção civil no Rio de Janeiro,
beneficiadores de fumo em Muritiba (BA), trabalhadores do transporte de
Fortaleza, padeiros no Rio de Janeiro foram algumas das categorias que
paralisaram suas atividades.
A mais notável delas foi a dos gráficos paulistas, que durou 72 dias (de
março a maio de 1929), na qual reivindicaram o cumprimento da legislação de
férias, de trabalho para menores e de acidentes do trabalho pelos patrões, bem
como a fixação do salário mínimo da categoria e o reconhecimento de entidade de
classe48. Além de uma intensa campanha de solidariedade por várias cidades do
País e de enviar Minervino de Oliveira para sustentá-la, o BOC fez uma doação
de 15 contos de réis ao Comitê de Defesa Proletária, obtidos por intermédio de
Octavio Brandão. A orientação do PCB, buscando ampliá-la, para lhe dar um
caráter político, e levá-la a outros setores, fez com que a greve se radicalizasse e
se prolongasse inutilmente e os trabalhadores acabassem quase nada
conquistando. Os próprios comunistas brasileiros, sem se dar conta que sua linha
política não conseguia empolgar a população paulistana a quem tinham como
alvo em sua politização do movimento, deixaram assinalado o impasse em que
sua orientação os colocava:

“A situação aqui continua tensa. A greve dos trabalhadores gráficos ainda


perdura. Salomão deu um aparelhamento ilegal à greve, mas não se esforçou,
conforme diretivas nossas, por torná-la conhecida das massas operárias de S.
Paulo. Daí o fato, que tive ocasião de verificar, no pulo que dei a S. Paulo, de

47
- Francisco Moreira Ribeiro. O PCB no Ceará: Ascensão e declínio – 1922-1947, p. 33.
48
- Sobre a greve dos gráficos paulistas de 1929 ver Leila Maria da Silva Blass. Imprimindo a
própria história. A movimento dos trabalhadores gráficos de São Paulo, no final dos anos 20,
especialmente as p. 63-91.
568

ignorarem o movimento os operários paulistas, ao passo que ele se tornou


conhecido do Brasil, pela propaganda da C.G.T.”49

No entanto, sua condução durante a paralisação foi criticada, ao mesmo


tempo, de Moscou e Buenos Aires. O CEIC, em uma carta enviada ao CC do
PCB, criticou, de um lado, a falta de conexão entre o apoio dado aos grevistas e
os eventos políticos nacionais e internacionais e, de outro, manifestou
incompreensão pelo fato de a greve não se ter estendido às gráficas de jornais. E
acrescentava que era preciso ir além da agitação: “É necessário manter pela
organização o que conquistamos pela agitação”50. Já na Primeira Conferência
Comunista Latino-Americana tanto o representante do CEIC, Jules Humbert-Droz,
como o representante da facção comunista da Internacional Sindical Vermelha,
sob o pseudônimo de Meyer, criticaram o PCB por não ter compreendido
integralmente o significado político da greve e não tê-lo aproveitado em toda a
sua extensão51. O fato, no entanto, é que o resultado do prolongamento da greve
acabou sendo o desgaste do PCB em São Paulo.
A greve dos gráficos foi uma espécie de divisor na forma de ação do
governo em relação aos trabalhadores e, particularmente, aos comunistas e às
entidades por eles controladas. Antes da paralisação dos gráficos paulistas o
governo buscava enfrentar os comunistas no âmbito das instituições sindicais:

“A burguesia e seu instrumento de repressão, o ministério da justiça e a


polícia, estão procurando indiretamente prejudicar nossa obra. Para isso, estão se
servindo dos elementos amarelos de determinados sindicatos, como é o caso de
Manoel Ignácio de Castro nos tecelões e outros.

49
- Carta de Saulo [Paulo de Lacerda] a Caro Américo [Astrojildo Pereira]. Rio de Janeiro,
23/05/1929 (RGASPI).
50
- Carta do ECCI para The CC of the CP of Brazil. Moscou, 19/06/1929, p. 5 (RGASPI).
51
- Internacional Comunista. Secretariado Sul-Americano. El movimiento revolucionário
latino americano. Versiones de la Primera Conferencia Comunista Latino Americana. Junio de
1929, p. 97 e 221. Frente a estas críticas, o delegado brasileiro Gabrinetti defendeu-se à moda
daqueles que não têm resposta. Afirmou que o PCB havia compreendido que era um movimento que
tinha reivindicações de caráter econômico e também político (“tais como o cumprimento das leis e
códigos do trabalho”) e deu instruções reforçando esta questão, porém os “companheiros prometeram
agitar as consignas entre os operários das outras indústrias, mas o trabalho não foi realizado” (Op.
cit., p. 122).
569

A polícia, impedida de agir diretamente, devido à situação do país, manobra


então mascarada de reformismo. E essa tática é bastante perigosa para nós,
porque, apesar de nosso partido ser constituído pela vanguarda consciente do
proletariado, ainda assim há camaradas que se iludem por não compreender
claramente a ação policial que estão fazendo tais amarelos.”52

No entanto, desde a paralisação dos gráficos paulistas a atuação dos


governos, tanto estaduais como o federal, passou a incorporar uma intensa e
violenta repressão dirigida contra as mobilizações, os sindicalistas e as suas
entidades, bem como contra as associações que lhes manifestavam
solidariedade. Além de reprimir mobilizações e prender manifestantes, o governo
ordenava a invasão e o fechamento das sedes das entidades, chegando a haver
mortos e feridos resultantes de tal ação. Muitas destas violências acabaram
sendo denunciadas pelos intendentes do BOC no plenário do Conselho
Municipal. Minervino de Oliveira e Octavio Brandão chegaram a denunciar,
durante os meses de junho e julho de 1929, 34 invasões, das quais resultaram
cerca de 900 prisões, entre as quais incluíram-se, algumas vezes, as dos próprios
intendentes, que acabavam encarcerados pela polícia por participar destas
mobilizações.
Este movimento grevista, como no caso dos gráficos paulistas, era
impulsionado pelos militantes do PCB, que enxergaram neste processo uma
“radicalização das massas”, em consonância com as resoluções do VI Congresso
da IC: “a vaga de greves vai crescendo a olhos vistos”, afirmavam a cada
documento que produziam53. Por conta disso ele as estimulavam na orientação do
“Terceiro Período”, mas acabavam, como, por exemplo, no caso dos gráficos
paulistas, perdendo de vista que parte significativa das mobilizações e das
reivindicações era apenas de caráter econômico ou corporativo. Insistiam em

52
- O trabalho sindical do P.C. na Região do Rio. Manobras policiais dos amarelos. Boletim
do Comitê Regional (Rio). S.l., nº 1, março 1929, p. 7.
53
- Carta de Saulo [Paulo de Lacerda] a Caro [Astrojildo Pereira]. Rio de Janeiro, 18/04/1929,
p. 1 (RGASPI).
570

nelas ver o que não tinham: motivações políticas, como o curso esquerdista da
Internacional Comunista imaginava haver54.
Além disso, a combinação da violência policial com a “radicalização das
massas” acabou também gerando reações de caráter terrorista por parte de
alguns militantes comunistas e que acentuaram ainda mais a repressão:

“Os camaradas padeiros, por exemplo, lançaram mão desse processo, contra
um proprietário de padaria, que não respeitara o estabelecido na última greve.
Conseqüência: Caetano [Machado] foi preso, com alguns membros da diretoria, e
estão sendo processados como mandantes.”55

Tal visão persistiu e foi acentuada após a realização da Primeira


Conferência Comunista Latino-Americana, em junho de 1929. Esta linha, no
entanto, começou a gerar resistências nas fileiras comunistas, como correu com a
célula 4-R, composta de gráficos, principalmente do jornal “O Paiz”. Seus
membros, no início de julho de 1929, lançaram críticas à orientação sindical do
PCB. Tais críticas voltavam-se contra a orientação emanada do VI Congresso da
IC referente ao movimento sindical, que determinava que os comunistas
demarcassem campo claramente em relação aos sociais-democratas, indicando-
lhes até a criação de entidades diferenciadas, os “sindicatos vermelhos”. No
Brasil, além disso, a direção do PCB propôs que seus militantes sindicais, em
face da reação policial desencadeada contra suas organizações de classe,
adotassem uma “ação descoberta e revolucionária”. Os membros da célula 4-R,
no entanto, julgavam que, fiando-se inclusive em um texto do secretário geral da
Internacional Sindical Vermelha, o russo Salomon Abramovitch Drizdo Lozovsky,
a revolução social não estava na ordem do dia nos países latino-americanos e
consideraram que esta orientação da direção partidária superestimava a força do

54
- Ver neste sentido uma carta do CEIC ao PCB, na qual se afirmava que as greves que
estavam ocorrendo no Brasil transformavam seu conteúdo inicialmente econômico para tomar um
amplo caráter político e isto, concluía, mostrava que esta onda de greves era um “sintoma evidente da
radicalização das massas de operários e camponeses” (Carta do ECCI para The CC of the CP of
Brazil. Moscou, 19/06/1929, p. 5 (RGASPI)).
55
- Carta de Salviano [Paulo de Lacerda] a Américo [Astrojildo Pereira]. Rio de Janeiro,
05/07/1929, p. 1 (RGASPI).
571

PCB e não passava de “exibicionismo revolucionário”, agravando ainda mais a


“reação burguesa” contra os comunistas. Tal resolução somente teria como
resultados a ilegalização da organização sindical e maior desorganização das
massas trabalhadoras. Tais posicionamentos, aliás, contaram com o apoio de
várias outras células56. Efetivamente, dando razão de certo modo aos membros da
4-R, os comunistas, desde a implantação do “Terceiro Período”, perderam a
direção de vários sindicatos, como o dos portuários, dos têxteis, dos alfaiates e do
Centro Cosmopolita, entidade esta que detinham o controle praticamente desde a
fundação do partido. Mesmo assim, o III Pleno do CC do PCB, realizado em fins
de outubro de 1929, decidiu que era preciso, para lutar contra o “liquidacionismo”,
procurar por todos os meios “realizar demonstrações de rua, reivindicando para
as massas trabalhadoras o direito de manifestar-se nas ruas” e resolveu expulsar
todos os militantes da 4-R, ratificando a orientação do “Terceiro Período”.

A PRIMEIRA CONFERÊNCIA COMUNISTA LATINO-


AMERICANA

No processo de centralização e controle exercido pela facção de Stalin


sobre a Internacional Comunista a realização da Primeira Conferência Comunista
Latino-Americana, de 1º a 12 de junho de 1929, em Buenos Aires teve um
importante papel. A Conferência, embora não tivesse o poder de votar decisões
obrigatórias e impor suas resoluções ao conjunto dos partidos, serviu para
homogeneizar as novas orientações políticas resultantes do VI Congresso da IC,
como afirmou Caballero57. Apesar de salientar-se, ao final da Conferência, que

56
- A todos os membros do Partido Comunista do Brasil. A expulsão da Célula 4-R é uma
resultante da intolerância nefasta de alguns intelectuais do C.C. O que de fato ocorreu entre o
Presidium e a 4-R, p. 2; 4-R. O caso da 4-R, à luz dos documentos. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 7,
[1929], p. 19-23; J. A. S. A teoria e a prática no Partido Comunista do Brasil. Auto-Crítica. Rio de
Janeiro, nº 7, [1929], p. 23-24. Sobre o apoio à 4-R ver, por exemplo, a Ata da Reunião do C.C.
Restrito realizada em 24/11/1929 (RGASPI).
57
- Manuel Caballero. La Internacional Comunista y la revolución latianoamericana, p. 97.
572

houve um “conhecimento mais exato das condições objetivas de cada país”, os


elementos ressaltados como produtos da Conferência eram os que reiteravam os
pontos de vista da IC, como, por exemplo:

“De outro lado, a radicalização do movimento operário na Argentina, Uruguai,


Brasil, Paraguai, etc., que se manifesta através de contínuas greves e que
adquirem progressivamente um caráter político de luta contra os governos
nacionais, agentes da grande burguesia e do imperialismo, são outros tantos
sintomas dessa agudização da luta de classes na América Latina, que, relacionada
com a radicalização das massas na ordem internacional, demonstram que os
países coloniais e semicoloniais representam também elementos fundamentais da
instabilidade capitalista.”58

Além disso, a Conferência permitiu a constituição de um aparato dirigente no


Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista (SSA-IC), que foi uma
base estratégica neste processo de controle por parte do grupo stalinista. Esta
máquina começou a ser materializada em meados de 1928, logo depois de uma
cisão no Partido Comunista da Argentina, junto ao qual funcionava o SSA-IC.
Como resultado desta crise, o grupo que saiu do PCA, comandado por José F.
Penelón, acabou ficando com os arquivos do SSA-IC e este teve de ser
reorganizado. A partir desta reorganização, ocorrida em uma reunião que ocorreu
em Buenos Aires, de 3 a 9 de julho de 1928, à qual Astrojildo Pereira compareceu
como delegado, o SSA-IC passou a ter um peso crescente na vida dos partidos
comunistas sul-americanos, inclusive do brasileiro. O fato, já mencionado, de as
teses para o III Congresso do PCB terem sido previamente discutidas pelo SSA-
IC antes de serem submetidas à apreciação da militância evidencia esta
influência. Já naquela reunião de reorganização, o SSA-IC, através do dirigente
comunista ítalo-argentino Victorio Codovilla, manifestou interesse pela atividade
do BOC, recomendando ao PCB que buscasse estudar o caráter do BOC e como
se poderia transformá-lo em um “organismo de frente única de todas as forças

58
- La importancia de la Primera Conferencia Comunista Latino-Americana. La
Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 15 (2ª Época), agosto 1929, p. 3.
573

revolucionárias”. Codovilla também aconselhou os comunistas brasileiros para


que se empenhassem em ter um controle absoluto sobre o BOC59.
Nas teses elaboradas pela Comissão Latino-Americana do VI Congresso da
IC, e apresentadas e aprovadas na Primeira Conferência Comunista Latino-
Americana, a questão da forma orgânica de frente única com a pequena-
burguesia foi posta em termos da não formação de um partido comum, mas sim
na de uma aliança temporária para atingir certos fins. Nestas teses esta estrutura
seria posta em prática por meio da criação dos blocos operários e camponeses:

“O bloco operário e camponês, aliança estreita do proletariado e do


campesinato, é a forma pela qual nosso partido poderá ligar-se organicamente às
organizações de massas e arrastá-las, sob a palavra de ordem de governo
operário e camponês, à tomada do poder e à instauração da ditadura democrática
dos operários e dos camponeses, preparando a passagem à ditadura do
proletariado. É este bloco de duas classes, animado e guiado pelo partido
comunista, que deve arrastar as organizações da pequena-burguesia e com ela
formar uma frente única revolucionária para atingir certos objetivos
determinados.”60

Na Primeira Conferência Comunista Latino-Americana o principal informe


coube ao suíço Jules Humbert-Droz, delegado do CEIC. A delegação brasileira,
composta por Paulo de Lacerda, Leôncio Basbaum, Mário Grazzini e Danton
Jobim, e particularmente os dois primeiros, que foram também delegados ao VI
Congresso da IC, ouviu Droz fazer um informe em boa parte calcado naquele que
dera em Moscou sobre os países da América Latina. Na parte relativa aos blocos
operários e camponeses Humbert-Droz, porém, conseguiu ser menos genérico do
que o fora durante o VI Congresso e dar uma melhor idéia de como a IC via a
questão:

59
- Astrojildo Pereira. Informe presentado al Secretariado Sud-Americano de la I.C. por el
delegado del Partido Comunista brasileño. Buenos Aires, 05/07/1928 (RGASPI). As atas
taquigráficas de parte desta reunião, por algum motivo desconhecido, foram acrescentadas a este
informe.
60
- Projet de thèses sur le mouvement révolutionnaire de l’Amérique latine (suite et fin). La
Correspondance Internationale. Paris, nº 11, 05/02/1930, p. 115.
574

“Temos, por fim, outra forma de ligação com as massas e que adotamos
geralmente: o bloco operário e camponês. [...] A vantagem de um tal meio de
ligação com as massas operárias e camponesas é que evita a confusão gerada
pela criação de outro partido diferente do Partido Comunista. A situação recíproca
do bloco e do Partido Comunista é clara. O Partido Comunista participa do bloco,
sendo o único Partido que o faz conjuntamente com outras organizações de
massas. Continua, ante os olhos das massas como o único partido revolucionário,
o único partido do proletariado.
Além disso, não é uma organização tão completa nem tão compacta como
um partido político: é uma forma de organização ocasional, mais flexível que a de
um partido e que dá aos seus componentes liberdade de ação. Pode, portanto,
englobar massas mais amplas, porque tem uma forma de organização que se
presta melhor a uma tal conjunção de forças. Organizações operárias e
camponesas que não adeririam a um partido aderem a um bloco momentâneo,
cujo fim é definido, a um Comitê de ação, a um congresso operário.”

Em seguida, Humbert-Droz esclareceu como seria a sua composição:

“Naturalmente, é mais que uma simples frente única ou uma aliança


ocasional; é uma aliança de duas classes fundamentais da revolução democrático-
burguesa, para desenvolver a ação revolucionária. Deve, na medida do possível,
estar constituído pela adesão coletiva das organizações operárias e camponesas e
não por adesões individuais, pois se pode chegar por este caminho equivocado à
organização de um segundo partido. Deve ser formado pela adesão de sindicatos,
ligas camponesas, comitês operários de ação, sociedades esportivas operárias
etc.”

Aqui é digno de atenção o fato de como a proposta do delegado do CEIC


destoava da forma como era organizado o BOC no Brasil e também de outros
blocos como o organizado na província de Córdoba, na Argentina61. Prosseguindo
em sua exposição, Humbert-Droz afirmou que as finalidades de um bloco operário
e camponês não deveriam ser apenas eleitorais, pois ele tanto poderia
transformar-se em uma fachada legal para a disputa de eleições como ser um
agrupamento de grandes massas. De qualquer modo, além da mobilização, o
bloco serviria como fonte de recrutamento permanente de militantes para o
Partido Comunista. No entanto, mencionando exemplos relativos ao BOC no

61
- Cf. o informe do delegado argentino Peluffo In: Internacional Comunista. Secretariado
Sul-Americano. El movimiento revolucionário latino americano. Versiones de la Primera
Conferencia Comunista Latino Americana. Junio de 1929, p.171.
575

Brasil, ele alertava, reiterando as advertências feitas no VI Congresso da IC, para


os riscos inerentes a estes organismos:

“O perigo não somente de uma degenerescência parlamentarista, da qual


tivemos evidentes manifestações no Brasil, mas também de uma transformação do
Bloco em um partido político ligado a essa degeneração parlamentarista e que se
produzirá se o Partido Comunista cessa sua ação própria, limitando-se a atuar
como uma espécie de fração ilegal do Bloco. Este perigo existiu marcantemente no
Brasil. Nossos camaradas notaram isto em seu último congresso e corrigiram parte
essencial de seus erros, dispondo-se ao recrutamento para o Partido, purificando o
Bloco dos elementos políticos não comunistas, como o deputado Azevedo Lima,
que foi excluído do Bloco. Outro perigo é que o controle do Bloco escape ao
Partido e que este se transforme em uma arma na mão dos políticos pequeno
burgueses e até de elementos governamentais. Este é o caso do México [...].”

Para fazer frente a estas dificuldades, o delegado do CEIC propunha uma


atuante participação dos Partidos Comunistas:

“É necessário remediar estes perigos, reforçando o Partido, utilizando o Bloco


para fazê-lo conhecido, intensificando a atividade própria do Partido, e não atuar
somente por intermédio do Bloco. É preciso, sobretudo, criar as frações comunistas
no seio das organizações operárias e camponesas aderentes ao Bloco, de modo
que possamos ter em nossas mãos o conjunto desta organização por meio de
nossa rede de frações em todas as organizações de base. Com a condição
fundamental do que o Partido ative, recrute, organize, o Bloco Operário e
Camponês pode transformar-se em um auxiliar de sua ação de massa. Se, ao
contrário, o Partido adormece, não se manifesta no Bloco desaparecerá afogado
por esta espécie de novo partido em que se terá convertido o Bloco Operário e
Camponês.”62

Comentando o informe de Humbert-Droz, o dirigente do SSA-IC Victorio


Codovilla deixou mais clara a questão da constituição do Bloco:

“Os blocos de operários e camponeses podem constituir organismos de


frente única e de aliança das diversas camadas sociais interessadas na luta contra
o imperialismo, mas esses mesmos Blocos devem estar constituídos por adesões
coletivas, de modo que sejam organismos de frente única e não se transformem
em Partidos de várias camadas sociais. As Ligas Camponesas, as Ligas
Antiimperialistas, o Socorro Vermelho Internacional, os Amigos da Rússia, etc.

62
- Internacional Comunista. Secretariado Sul-Americano. El movimiento revolucionário
latino americano. Versiones de la Primera Conferencia Comunista Latino Americana. Junio de
1929, p. 102-103.
576

devem ser os diversos agrupamentos de massa, em cujo seio podem atuar,


conjuntamente com as massas laboriosas, os elementos antiimperialistas que não
podem atuar no partido do proletariado. Mas para que essas mesmas organizações
de massa tenham uma linha política revolucionária, se pressupõe a existência de
um Partido Comunista ilegal, que dê a linha política para todo seu trabalho. Sem
isso, corremos o risco de trabalhar em proveito de nossos inimigos.”63

Como observou Caballero o arco de alianças aqui proposto era tão reduzido
que o que se acabava sugerindo, na verdade, era quase uma aliança entre os
próprios comunistas64.
Um dos delegados brasileiros, sob o nome de Gabrinetti, fez algumas
observações em relação ao informe de Humbert-Droz. Com respeito à diluição
dos Partidos Comunistas nos Blocos, o delegado brasileiro admitiu que o perigo
fora real no Brasil, mas que no último período o PCB aparecia com face própria
em manifestações que anteriormente somente ocorria a presença do BOC, sendo,
inclusive aclamado em mais de uma oportunidade65, o que indicava que o erro
fora corrigido. Por outro lado, Gabrinetti discordou de Humbert-Droz com relação
à questão de que o PCB deveria aparecer como tal dentro do BOC. Para os
comunistas brasileiros tal atitude servia para preservar ambas organizações da
repressão, além de impedir que houvesse confusão entre o BOC e o PCB nos
meios operários. Isto, inclusive fora objeto de discussão em reunião do Comitê
Central restrito, realizada em 10 e 12 de fevereiro de 1929, a qual decidira que o
PCB não deveria ter um representante oficial junto ao BOC66.
Ao final da Conferência foi aprovada uma resolução referente aos problemas
de organização dos partidos comunistas da América Latina nas qual um dos seus

63
- Idem. Ibidem, p. 189-190.
64
- Manuel Caballero. La Internacional Comunista y la revolución latinoamericana, p. 158-
159.
65
- Carta de Saulo [Paulo de Lacerda] a Caro [Astrojildo Pereira]. Rio de Janeiro, 18/04/1929,
p. 2 (RGASPI); Carta de Saulo [Paulo de Lacerda] a Caro Américo [Astrojildo Pereira]. Rio de
Janeiro, 23/05/1929, p. 1 (RGASPI).
66
- Internacional Comunista. Secretariado Sul-Americano. El movimiento revolucionário
latino americano. Versiones de la Primera Conferencia Comunista Latino Americana. Junio de
1929, p. 124; Ata do C. Central Restrito (Comissões e Presidium) de 10 e 12-2-1929, p. 6 (RGASPI).
577

trechos referia-se à questão dos blocos operários e camponeses67. Nela foram


acatadas as posições colocadas por Humbert-Droz, destacando-se as questões
da adesão coletiva e da importância de os partidos comunistas manterem sua
própria fisionomia frente aos blocos. Na sessão em que se discutiu o informe
referente aos problemas de organização, dado pelo argentino Ghitor, e contando
com a presença do brasileiro Gabrinetti, que, ao contrário do que fizera
anteriormente, não tocou no assunto, houve apenas uma voz discordante.
Tratava-se do delegado argentino Peluffo, que afirmou que a forma pela qual a
resolução encarava a questão dos blocos operários e camponeses era perniciosa
e acabaria resultando, ao contrário do que se esperava, na formação de um novo
partido, “à margem do Partido Comunista e que, na maior parte das ocasiões, o
acabará suplantando”68.
Apesar do silêncio de Gabrinetti e da aprovação da resolução referente ao
BOC, na verdade, a polêmica prosseguiu e se ampliou depois do encerramento
da Conferência em duas reuniões especiais para discutir a questão brasileira. Na
primeira delas, em 12 de junho, no dia seguinte ao encerramento da Conferência,
estiveram presentes, Costa e Gubinelli (pseudônimo de Mário Grazzini, tomando
o sobrenome de solteira de sua mãe), pelo PCB, e Luis (pseudônimo de Jules
Humbert-Droz), representando o CEIC, Rossi, “Pierre” (este um russo, ligado ao
grupo de Stalin, e que já atuara no Brasil), representando a Internacional da
Juventude Comunista, e Victorio Codovilla, pelo SSA-IC69.
Nela discutiu-se a tática do PCB em relação às eleições presidenciais.
Abrindo a reunião o brasileiro Costa afirmou que a situação política do Brasil
apresentava possibilidades de movimentos revolucionários nos quais a “pequena
burguesia revolucionária” - isto é, os “tenentes” ligados a Prestes - poderia
desempenhar um importante papel. Costa avaliou que aquela situação deveria ser

67
- Resolución sobre los problemas de organización de los Partidos Comunistas de la América
Latina. La Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 15 (2ª Época), agosto 1929, p. 43-44.
68
- Internacional Comunista. Secretariado Sul-Americano. Op. cit., p. 358.
69
- Conversación com los delegados del Brasil sobre el problema de táctica. Buenos Aires,
12/06/1929 (RGASPI); Jules Humbert-Droz. Mémoires. De Lénine a Staline. Dix ans au service de
l’Internationale communiste 1921-1931, p. 381, 390.
578

resolvida por uma “tática mais esquerdista que apenas a participação na lutas
eleitorais” e que, por isso, os comunistas brasileiros achavam “conveniente
consultar Prestes e, se ele estiver disposto a lutar conosco, apoiaremos sua
candidatura à presidência” e, em caso contrário, os comunistas lançariam
candidatos próprios “para demonstrar em toda a campanha eleitoral no que
consiste o revolucionarismo de Prestes”. Humbert-Droz reagiu furiosamente,
dizendo que era inadmissível que o PCB ficasse aguardando uma resposta de
Prestes para decidir que atitude tomar frente à campanha presidencial, no que foi
secundado por Codovilla, o qual afirmou que este posicionamento era uma
“verdadeira submissão do nosso Partido à política da pequena burguesia”. O
representante do CEIC, que durante Conferência já aconselhara o PCB a ser mais
independente com relação à pequena-burguesia revolucionária70, afirmou que os
comunistas deveriam se apresentar com programa e candidatos próprios, pois era
a pequena burguesia quem tinha de se definir e não os comunistas. Insistindo
para que se tivesse menos preocupação com Prestes e “mais fé no espírito de
combatividade das massas”, Humbert-Droz, um ex-seminarista, propôs uma
“manobra”:

“Devemos apresentar um programa comunista sob a etiqueta do Bloco


Operário e Camponês, e que não seja um programa que a pequena burguesia
possa aceitar. Se a pequena burguesia chegar a aceitar esse programa no caso de
ser comunista, teremos o seguinte fato: um elemento das fileiras de Prestes seria o
encarregado de ‘levá-lo à prática’, e, como isto seria impossível, demonstraríamos
às massas trabalhadoras que a pequena burguesia não é revolucionária e que a
única coisa que é capaz de fazer é demagogia. De todo modo, acho que seria um
perigo, e a tática é repudiável, que nosso Partido aceite e apóie um candidato de
Prestes. Temos que nos apresentar independentemente; isto se consegue se
tivermos audácia revolucionária.”

Aqui Humbert-Droz, imprimindo o espírito sectário da política do “Terceiro


Período” e provavelmente acreditando na afirmativa feita pelo delegado brasileiro
Gabrinetti durante a Primeira Conferência de que o Brasil atravessava naquele

70
- Internacional Comunista. Secretariado Sul-Americano. El movimiento revolucionário
latino americano. Versiones de la Primera Conferencia Comunista Latino Americana. Junio de
1929, p. 107.
579

momento um período pré-revolucionário71, deixava claro com sua “manobra”, que,


na verdade, era um ultimato, e que o PCB deveria prescindir de qualquer aliança
com a pequena burguesia. O PCB deveria ser enfático em mostrar, com sua
“tática independente”, que a única saída para os trabalhadores seria a revolução
democrático-burguesa. Todos os demais presentes acabaram concordando com
Humbert-Droz e decidiu-se na reunião que os comunistas, por meio do BOC,
deveriam se apresentar com candidatos próprios e como força independente e
que se Prestes aceitasse o programa do PCB ele poderia ser o candidato do
BOC.
Três dias depois, em 15 de junho, ocorreu outra reunião72, da qual
participaram Rossi, “Pierre”, Codovilla e, pelo PCB, Mário Grazzini, Leôncio
Basbaum e o metalúrgico José Casini73, este recém-chegado a Buenos Aires.
Humbert-Droz voltara para Moscou - onde, durante a realização do 10º Pleno do
CEIC, acabaria sendo destituído de sua função de membro do secretariado
político desse organismo em razão de suas ligações com Bukharin74 - e sobre
Costa não se sabe o motivo de sua ausência. Dirigindo o encontro, Codovilla
iniciou a discussão colocando em pauta a questão da preparação da insurreição.
Em sua opinião não se deveria conversar com Prestes na forma de consulta, mas
sim lhe colocar o propósito dos comunistas em organizar as massas para a
revolução e exigir que se definisse: “conosco ou contra nós”. O dirigente do SSA-
IC achava que não era mais possível considerar a Coluna Prestes como aliada
sem que esta não inteirasse os comunistas de seus propósitos. Voltando-se ao
assunto da sucessão presidencial, decidiu-se que “Pierre” e Leôncio deveriam ser
encarregados de elaborar o programa a ser apresentado a Luiz Carlos Prestes75.

71
- Idem. Ibidem, p. 122.
72
- Reunión del dia 15 de junio de 1929. Ordem del dia: Cuestión brasileña. Buenos Aires,
15/06/1929 (RGASPI).
73
- Casini deveria ter apresentado na Conferência o informe sobre questões de organização,
mas não chegou a tempo. Nas atas foi referido como Castelli (cf. Internacional Comunista.
Secretariado Sul-Americano. El movimiento revolucionário latino americano. Versiones de la
Primera Conferencia Comunista Latino Americana. Junio de 1929, p. 355).
74
- José Gotovitch e Mikhail Narinski (dirs.) Komintern: L’histoire et les hommes, p. 340.
75
- Observe-se que, ao contrário do que Basbaum afirmou em suas memórias, que não foi o
redator exclusivo do programa apresentado a Prestes, nem tampouco procede a afirmativa de que o
580

Por fim, discutiu-se na reunião o funcionamento do BOC. Na verdade, o que se


pretendia aí era que o BOC se enquadrasse no modelo exposto por Humbert-Droz
durante a Conferência, sobretudo o da representação aberta do PCB dentro do
Bloco. Mas Casini discordou, dizendo que não se podia correr o risco de
transformar o BOC em um segundo Partido Comunista, pois as massas poderiam
afastar-se. Prosseguiu afirmando que o BOC possuía comitês de fábrica e que,
embora não se houvesse discutido a adesão de sindicatos ao Bloco, este havia
atuado em várias greves. Também reiterou o que fora já dito na Conferência
sobre a não adesão oficial do PCB ao BOC e sua representação em caráter
aberto nele, justificando-a como uma medida de segurança, mas que as massas
sabiam distinguir uma organização da outra. Apesar de Basbaum e Mário
Grazzini76 terem concordado com os demais, a oposição de Casini fez com que a
reunião se encerrasse sem nenhuma decisão formal com respeito ao BOC, mas
Codovilla, não se dando por vencido, concluiu afirmando que o SSA-IC enviaria
uma carta ao PCB para definir a questão.
Em tal carta, de julho de 192977, eram reiterados os mesmos argumentos
usados nas reuniões de 12 e 15 de junho com relação ao BOC, a fim de que este
não encobrisse o PCB e dificultasse sua transformação em um partido de massa.
Também o PCB era criticado por haver compreendido, “senão muito tarde”, o
caráter político da greve dos gráficos paulistas. Já com relação à sucessão
presidencial, o SSA-IC acreditava que os “tenentes”, em razão de sua oscilação
entre o Partido Democrático e o PCB, teriam perdido alguma ascendência entre
as massas – “embora seja ainda grande sua influência entre as massas, é menos
sólida, visto a ‘Coluna’ não representar mais o papel de guia único do movimento
revolucionário” -, coisa que, por seu turno, os comunistas estariam adquirindo -

programa refletisse o “espírito que havia guiado o Partido até então” (cf. Leôncio Basbaum. Uma vida
em seis tempos (memórias), p. 70).
76
- Uma nota tragicômica: Mário Grazzini, ao justificar sua adesão aos pontos de vista do
SSA-IC, afirmou que “O pretexto de esconder o Partido por trás do BOC para evitar a reação é um
pretexto fútil. A reação não é tão feroz como dizem alguns companheiros; além disso, o máximo que
pode acontecer é que a polícia persiga a alguns companheiros”.
581

“sobretudo por meio do Bloco Operário e Camponês, que o transformou, como


partido independente de classe, numa força real que, cada vez mais, monopoliza
a influência da classe operária” - e que, pela evolução da situação e econômica e
política do Brasil, tendia a aumentar. Embora Humbert-Droz acreditasse ter
havido um certo recuo com relação aos “tenentes” por parte do SSA-IC, pois, em
sua opinião, o documento deixava entrever a possibilidade de um apoio à
candidatura de Prestes78, é difícil acreditar que alguém se dispusesse a realizar
algo em comum nas bases do ultimato proposto nesta carta:

“No que se refere às eleições presidenciais, o Partido deve fazer todo o


possível para sua participação nas mesmas, com o programa classista do Bloco
Operário e Camponês, e com seus candidatos próprios. Suas propostas de apoio a
uma possível candidatura dos elementos da ‘Coluna Prestes’ deve ser feita de
forma aberta e sobre a base de uma plataforma nitidamente revolucionária e de
luta contra os democráticos. No caso de aceitação incondicional desta plataforma –
o que nos parece duvidoso – o Partido poderá apoiar os candidatos da ‘Coluna’,
sem fazer, porém, um bloco eleitoral com ela; e continuará sua crítica sobre as
indecisões da ‘Coluna Prestes’, explicando às massas que este apoio é temporário
e somente enquanto esta ‘Coluna’ lutar com fins revolucionários.”

Quando uma cópia dessa carta chegou às mãos de Astrojildo Pereira em


Moscou, este redigiu uma carta extremamente áspera a Codovilla na qual,
embora se dizendo de acordo com o seu teor geral, fazia reparos a alguns
argumentos. Um deles era o de que, ao não mostrar sua cara no BOC, o PCB
tinha como resultado uma baixa arregimentação de militantes e citava os
exemplos do Rio de Janeiro e de Santos. Com relação a esta última cidade a
carta do SSA-IC afirmava:

“Em Santos temos uma influência efetiva do Bloco entre as massas


trabalhadoras, um número considerável de leitores do jornal ‘A Classe Operária’ e
uma organização sindical que se desenvolve muito rapidamente; sem embargo, o

77
- Carta do S.S.A. de la I.C. ao Comitê Central del Partido Comunista del Brasil (carta nº
218). Buenos Aires, Julho de 1929, p. 3 (RGASPI). Esta carta foi também publicada no número 7 de
Auto-Crítica, às páginas 7-10.
78
- Secretariado da América Latina da IC. Question du Brésil (suite de la discussion sur le
rapport de Ledo). Moscou, 24/10/1929, p. 9 (RGASPI).
582

número de membros do Partido é extremamente reduzido e não corresponde, em


nenhum caso, ao desenvolvimento da influência do Bloco.”

Embora concordando com o exemplo de Santos, Pereira mostrou que aos


600 militantes existentes apenas no Rio de Janeiro no final de 1928 houve, no
período de janeiro a meados de maio de 1929, um acréscimo de 245 novos
militantes, ou seja, cerca de 40%. Esta era a formulação sob o qual o SSA-IC
havia construído todo o seu o argumento e Pereira deixou-o inconsistente, ficando
claro o propósito do SSA-IC de impor sua receita ao BOC79. Independente dos
argumentos de Astrojildo Pereira, a onda de prisões e invasões, inclusive da sede
do BOC, e as apreensões de “A Classe Operária” ocorridas a partir de junho de
1929, acabaram reforçando as convicções dos comunistas brasileiros em favor de
sua postura de não atuarem abertamente no Bloco em nome do PCB e, ao menos
em um primeiro momento, a carta do SSA-IC não foi levada na devida conta. No
entanto, em termos orgânicos, a questão da aceitação exclusiva de adesões
coletivas ao Bloco, talvez até em razão da sua publicação na revista do SSA-IC,
começou a ser implantada nos Estados. Assim, por exemplo, ocorreu nas
conferências regionais ou em reuniões ampliadas dos Comitês Regionais de São
Paulo, do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, a qual também modificou o nome
da Coligação Operária para BOC80.
No entanto, com a realização do 10º Pleno do CEIC as coisas começaram a
mudar de figura. Em primeiro lugar, pela consagração de J. Stalin e sua facção
como a corrente hegemônica na IC. Em segundo lugar, como conseqüência disso,
consolidou-se completamente o controle do aparelho da IC pela introdução de
novos militantes ou, como no caso do SSA-IC, da confirmação de seus dirigentes,
agora sustentados incondicionalmente pelo CEIC – pois não havia mais a
influência de Bukharin, a quem, por exemplo, Jules Humbert-Droz era

79
- Américo Ledo. Remarques à la lettre. Moscou, 05/09/1929 (RGASPI); Carta de Américo
Ledo [Astrojildo Pereira] a Camarada [Victorio] Codovilla. Moscou, 28/08/1929 (RGASPI).
80
- Conferência Regional de São Paulo, de 17 a 18 de Agosto de 1929, p. 10 (AESP); Pablo
Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la actuación del P.C.B. en
esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 5 (ASMOB); 3ª Conferência Regional de Pernambuco, em 5
de dezembro de 1929, p. 3 (ASMOB).
583

abertamente ligado -, como Victorio Codovilla, que depois fez carreira como
quadro internacional da IC81, e “Pierre”. Como resultado do expurgo dos
“conciliadores” do aparelho da IC, realizados em fins de 1928 e princípios de
1929, à testa do Secretariado da América Latina da IC foi designado o agrônomo
italiano Ruggero Grieco (Garlandi), que mais tarde foi substituído por um militar
russo, G. B. Skalov, conhecido como Sinani, um profundo conhecedor das
questões chinesas. A Grieco se juntaram outros nomes como o letão Abraham
Iakovlevitch Heifetz (Guralski), os poloneses Mendl Mirochevsky e Stanislaw
Pestkowsky (Banderas) e o austríaco Fritz Glaubauf (Diego)82. Alguns deles
pertenciam a uma nova geração de militantes, cujas características nos descreve
Pierre Broué:

“Trata-se de introduzir homens novos. A experiência mostrou que os homens


que já haviam lutado contra a burocracia social-democrata ou sindical possuíam
reservas de energia, uma experiência, que lhes permitia compreender e saber
quando o aparelho buscava alinhá-los ou esmagá-los. Logo, era preciso de
dirigentes nacionais flexíveis, disciplinados, que não procuravam pêlo em ovo. O
modelo ideal era o homem que nunca teve – ou por pouco tempo – uma profissão,
que não teve estudos e devorava com paixão ou zelo tudo o que o partido lhe dava
como alimento intelectual, e, por fim, um homem que, sentimentalmente,
intelectualmente, materialmente, dependia inteiramente dele.”83

O III PLENO DO CC DO PCB

Valendo-se das decisões do 10º Pleno do CEIC, o SSA-IC enviou uma carta
aberta aos partidos comunistas na qual se alertava contra os perigos de direita

81
- De 1932 a 1937 Codovilla foi, na verdade, o dirigente mais importante do Partido
Comunista espanhol (cf. Antonio Elorza e Marta Bizcarrondo. Queridos camaradas. La
Internacional Comunista y Espanã,1919-1939, p. 10).
82
- Pierre Broué. Histoire de l’Internationale communiste 1919-1943, p. 499. Sobre Guralski
(pseudônimo do letão Abraham Iakovlevitch Heifetz), personagem que teria importância na vida
interna do PCB no início dos anos 1930, ver seu perfil biográfico, feito com base em documentação
dos arquivos da IC feito pelo historiador russo Mikhail Panteleiev (Abraham Gouralski, itinéraire
d’um kominternien. Communisme. Paris, nº 53-54, 1998, p. 73-91). A respeito da máquina da IC ver
Peter Huber. L’appareil du Komintern, 1926-1935. Premier aperçu. Communisme. Paris, nº 40-41,
1995, p. 9-35.
83
- Idem, ibidem, p. 495.
584

dentro das próprias fileiras comunistas. Esta carta, de setembro de 192984,


iniciava-se com um ataque ao “provincialismo” dos partidos comunistas latino-
americanos, que era uma crítica do SSA-IC ao isolamento destes apenas em seus
problemas, sem relacioná-los com as questões internacionais. Isto estaria
evidenciado, na opinião do secretariado, pelo fato de o conjunto dos partidos não
ter discutido “as decisões e a linha política fixada pelo VI Congresso da I.C.”.
Embora em sua carta o SSA-IC aparentasse estar expondo as decisões do
VI Congresso, na verdade o que fazia era apresentar as interpretações dadas
pelo 10º Pleno do CEIC, como uma forma de talvez dar mais autoridade ao
documento. Assim, a “Carta Aberta” chamava a atenção para as linhas do
“Terceiro Período”, do “social-fascismo” e dos “perigos de direita“ nos partidos
comunistas. Mas é particularmente com relação aos dois últimos pontos que foi
dada ênfase no documento.
Embora alguns dos principais dirigentes da IC, como o suíço Jules Humbert-
Droz e o italiano Ruggero Grieco85, considerassem que, com exceção da
Argentina, não existiam nem partido nem tradições social-democratas na América
Latina, o SSA-IC, por meio de uma ginástica semântica, transformou os partidos
democráticos e nacionalistas em socialistas:

“Por exemplo, em muitos dos países da América Latina o papel dos partidos
socialistas reformistas é desempenhado pelos partidos ‘democráticos’ burgueses
e pequeno-burgueses (nacional-reformismo), o que constitui uma certa
particularidade na ‘geografia política’. Mesmo onde temos – como na Argentina –
partidos ‘socialistas’, estes se diferenciam muito pouco dos partidos ‘democráticos’
burgueses.
Por conseguinte, as características social-fascistas da social-democracia
internacional são ainda mais claras e precisas em nossos países, já essa

84
- Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista. Carta aberta do Secretariado
Sul-Americano da Internacional Comunista aos partidos comunistas da América Latina. Auto-
Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929], p. 9-12. Anteriormente esta carta fora publicada no órgão do
SSA-IC (S.S.A. de la I.C. Carta abierta a los Partidos Comunistas de la América Latina sobre los
peligros de derecha. La Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 18 (2ª Época), 20/09/1929,
p. 1-4).
85
- Jules Humbert-Droz. Quelques problèmes du mouvement révolutionnaire de l’Amérique
latine. L’Internationale Communiste. Paris, nº 17, 15/08/1928, p. 1.353; Mário Garlandi
(pseudônimo de Ruggero Grieco). La crise économique dans l’Amérique latine et les tâches des partis
communistes. L’Internationale Communiste. Paris, nº 9, 20/03/1930, p. 519.
585

‘transformação fascista’ dos socialistas depende de todo o processo de unificação


das forças da burguesia nacional (da qual os partidos ‘socialistas’ são um apêndice
direto) com este ou aquele imperialismo.”86

Mas como nas resoluções do 10 º Pleno se enfatizara que também nos


países coloniais a luta contra a direita deveria ser reforçada, o SSA-IC
transformou esta questão no centro de sua “Carta Aberta”. Nela afirmava-se que
as bases políticas da direita na América Latina eram:

“1º) – Sobrestimação das possibilidades revolucionárias da burguesia


nacional e da pequena burguesia;
2º) – Ligação de muito de nossos partidos com os partidos pequeno-
burgueses e falta de uma tática independente de nosso partido, como tal;
3º) – Subestimação do caráter semicolonial do país; incompreensão do
conteúdo agrário do movimento e, por conseguinte, o perigo de perder as
perspectivas revolucionárias do movimento.”87

Como se vê, as “bases” apontadas pelo SSA-IC atingiam, no caso do PCB,


vários pontos do núcleo de sua política levada a efeito em relação ao “tenentes”.
Como resultado de tais “bases”, os perigos da direita manifestavam-se pela
incapacidade de os partidos comunistas de se apresentarem diante das massas
como organismos com uma política independente, pelo temor em romper, nos
meios sindicais, com os reformistas e “denunciá-los abertamente como traidores”,
pelo “provincialismo”, pela passividade dos partidos frente aos movimentos de
massa e, por fim, em uma menção expressa ao BOC, pela ocultação do partido
comunista, manifestação esta assim apresentada na “Carta Aberta”:

“Por uma tendência, muito assinalada em alguns partidos, de ocultar o


Partido Comunista, como tal, diante das massas; tendência a se esconder por trás
de outras organizações, tais como o Bloco Operário e Camponês. Neste ponto, o
perigo da perda de nossa fisionomia como Partido proletário independente, e, de
outro lado, o perigo que assistimos no Brasil – das degenerações oportunistas do
Bloco, como conseqüência da adaptação de sua política às possibilidade do

86
- Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista. Carta aberta do Secretariado
Sul-Americano da Internacional Comunista aos partidos comunistas da América Latina. Auto-
Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929], p. 10. Os grifos são do original.
87
- Idem. Ibidem, p. 10.
586

trabalho legal e à ‘necessidade’ de manter o contato com os elementos pequeno-


burgueses.”88

Tais manifestações tinham como resultado, na opinião do SSA-IC, colocar


os partidos comunistas a reboque dos acontecimentos, ao invés de dirigi-los, e
permitir, inclusive pelo fato da base social dos partidos ter origem pequeno-
burguesa, a penetração da influência da burguesia nas fileiras comunistas e nas
massas trabalhadoras.
Para fazer frente a esse quadro, o SSA-IC propôs que os partidos
comunistas latino-americanos estudassem as resoluções do VI Congresso da IC,
do 10º Pleno da CEIC e da Primeira Conferência Comunista Latino-Americana, o
que lhes permitiria “ligar o discurso dos problemas internacionais com os
problemas nacionais”, e uma “depuração necessária” das fileiras comunistas dos
elementos de direita:

“Chamamos vossa atenção sobre a impossibilidade de admitir em nossos


partidos uma certa tolerância e familiaridade a respeito dos desvios
ideológicos. Essa tolerância pequeno-burguesa deve ser eliminada com toda a
energia. Não há lugar em nossos partidos para os elementos que apóiam os
89
liquidadores internacionais.”

Vários dos argumentos aqui apresentados não eram novos e já haviam sido
postos pelo SSA-IC aos comunistas brasileiros com respeito à orientação do
partido e também com relação ao BOC. No entanto, desta vez a eles se juntava o
qualificativo de “direita” a esta política e isto ainda acontecia com o endosso da
Internacional Comunista. A “Carta Aberta”, como assinalou Del Roio90, produziu
imediata reação em vários partidos latino-americanos, como o mexicano, o
argentino e o uruguaio, levando à convocação de reuniões para se adaptarem às
diretrizes traçadas pelo 10º Pleno e pelo SSA-IC.

88
- Idem. Ibidem, p. 10.
89
- Idem. Ibidem, p. 12. Os grifos são do original.
90
- Marcos Del Roio. A classe operária na revolução burguesa. A política de alianças do
PCB: 1928-1935, p. 124-125.
587

No Brasil, as decisões do 10º Pleno do CEIC e da “Carta Aberta” do SSA-


IC91 provocaram conseqüências, no âmbito do BOC, antes mesmo que o III Pleno
do CC do PCB se reunisse. No início de outubro, como vimos no capítulo
referente à ação dos intendentes do BOC, Octavio Brandão passou a atacar
publicamente Maurício de Lacerda. Valendo-se de um pronunciamento deste em
que instara os eleitores cariocas a votar em Getúlio Vargas, Brandão o
questionara sobre seu gesto, fazendo-o, no entanto, sob o ângulo do “social-
fascismo”. Semanas antes, ao destacar um trecho de uma entrevista em que
Vargas dera mostras de simpatia pelo fascismo, o intendente do BOC ressaltara a
faceta fascista do candidato da Aliança Liberal. Naquele início de outubro, já
sendo claras as negociações e a aproximação entre Maurício de Lacerda, os
partidos democráticos e a Aliança Liberal, enquadrá-los na etiqueta “social-
fascista” foi uma conseqüência lógica, sobretudo a partir dos estímulos externos
vindos da IC e do SSA-IC. Note-se aqui, no entanto, que, embora os “tenentes” já
estivessem em tratativas com a Aliança Liberal e houvessem rejeitado as
propostas dos comunistas e também o SSA-IC de há muito viesse pressionando o
PCB rumo a uma ruptura com Luiz Carlos Prestes e seus companheiros, estes
ainda foram preservados dos ataques naquele momento.
O III Pleno do CC do PCB realizou-se de 29 a 31 de outubro de 1929, no Rio
de Janeiro, sendo nele apreciados os resultados da Primeira Conferência
Comunista Latino-Americana e do 10º Pleno do CEIC, bem como se discutiu a
situação política nacional e internacional, a sucessão presidencial, os perigos de
direita, a questão agrária, a juventude e o BOC, em uma ordem do dia que havia
sido previamente aprovada pelo SSA-IC, em reunião realizada no dia 26 de
setembro e na qual também decidiu enviar como seu delegado ao conclave o
russo “Pierre”92.

91
- As resoluções e outros documentos do 10º Pleno do CEIC começaram a ser publicadas no
órgão oficial da IC – editado em Paris -, La Correspondance Internationale, em seu número de 4 de
agosto, enquanto a “Carta Aberta” foi publicada no número de 20 de setembro de La
Correspondencia Sudamericana.
92
- Saulo [Paulo de Lacerda]. El III Pleno del C.C. del P.C.B. La Correspondencia
Sudamericana. Buenos Aires, nº 21 (2ª Época), 20/11/1929, p. 23-26. Acta n. 37. Reunión del
588

O III Pleno concluíra que a situação política do Brasil passara, como se


definira durante a Primeira Conferência Comunista Latino-Americana, de um
“período pré-revolucionário” para uma “situação objetivamente revolucionária”. Tal
mudança, enquadrada na orientação geral do “Terceiro Período”, era apresentada
como resultante do aumento da instabilidade política do Brasil, que, por sua vez,
era produto da combinação da ruptura entre as facções agrária e industrial da
burguesia nacional a respeito da política de valorização do café e de questões
econômicas regionais, da luta interimperialista anglo-americana e da
“radicalização cada vez maior da massa trabalhadora e da pequena burguesia
proletarizada”. Frente a este quadro cabia ao PCB

“Participar ativamente da preparação da revolução democrático-burguesa, e


pela sua ação e programa claro de luta deve adquirir a hegemonia no combate,
colocando à margem a pequena burguesia vacilante, levando as massas
laboriosas através da revolução democrático-burguesa, para a revolução
proletária.”93

Dentro deste quadro geral situava-se a questão da sucessão presidencial.


Enquanto os comunistas viam na candidatura situacionista de Júlio Prestes,
sustentada pelo imperialismo inglês, uma maior homogeneidade, já com relação à
oposicionista Aliança Liberal o quadro apontado pelos comunistas era o de uma
suposta futura desagregação, em razão de um hipotético descontentamento da
pequena-burguesia com a demagogia dos aliancistas e a fusão dos Partido
Democrático Nacional com a chapa de oposição. Mas é ainda à “pequena
burguesia revoltada” que o III Pleno dedicou mais atenção. Para o PCB, as
posições dúbias e oscilantes dos “chefes” em relação à radicalização das massas
estavam sendo aproveitadas pelos grupos burgueses em luta, fazendo com que
os “direitistas da Coluna Prestes” aderissem à Aliança Liberal e os “mais
esquerdistas” continuassem neutros, sem um posicionamento claro sobre o

Secretariado Sudamericano realizada el 26 de Setiembre de 1929 (RGASPI). As resoluções do III


Pleno foram publicadas no número 8 de Auto-Crítica.
93
- Resultado da Primeira Conferência Comunista Latino-Americana, e a aplicação de suas
resoluções no domínio nacional. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929], p. 19-20.
589

imperialismo e a questão agrária, questões essas que foram rejeitadas pelos


“tenentes”, na proposta feita pelos comunistas. Tal dilema fazia os comunistas
prognosticarem um governo fascista ou um governo reacionário de conciliação ou
a revolução agrária e antiimperialista. O III Pleno estabeleceu que o PCB não
poderia ter uma posição de neutralidade na campanha eleitoral, devendo as
massas ser mobilizadas com o programa do BOC e as palavras de ordem
comunistas, “numa luta independente, de classe contra classe, tendo em vista a
revolução agrária e antiimperialista pelo governo operário e camponês”.
Para isso, os comunistas deveriam buscar a consolidação de um bloco
revolucionário que abrigasse o proletariado e a pequena-burguesia, sendo que
esta última deveria ser “radicalizada” por meio, por um lado, de “uma crítica
implacável” aos erros e oscilações dos chefes pequeno-burgueses e, por outro,
da “destruição implacável” das ilusões com a Aliança Liberal, a fim de demonstrar
as ligações dos “conservadores, ‘liberais’ e ‘democráticos’ com o imperialismo
internacional e com seus lacaios da grande burguesia dos campos e das
cidades”. Neste posicionamento ultimatista evidenciava-se a influência do SSA-
IC, cujo delegado, o russo “Pierre”, apresentara instruções aos comunistas
brasileiros no sentido da “necessidade de que o Partido e o Bloco realizem cada
vez mais uma política independente de todas as forças da pequena burguesia”94.
Desse modo, os comunistas deveriam lançar candidaturas e programa próprios,
por intermédio do BOC, adotando os lemas “Transformemos a luta pela sucessão
presidencial numa luta revolucionária” e “Pela revolução agrária e
antiimperialista” e a palavra de ordem “Pelo governo dos operários, camponeses,
soldados e marinheiros!”95.
No III Pleno o BOC foi um dos objetos de muitas críticas, sobretudo da ala
esquerdista mais identificada com a política do “Terceiro Período”. Os
esquerdistas, convencidos da existência de uma “situação objetivamente

94
- Acta n. 37. Reunión del Secretariado Sudamericano realizada el 26 de Setiembre de 1929,
p. 6 (RGASPI).
95
- A sucessão presidencial e as próximas eleições. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929],
p. 4. Saulo [Paulo de Lacerda]. El III Pleno del C.C. del P.C.B. La Correspondencia Sudamericana.
Buenos Aires, nº 21 (2ª Época), 20/11/1929, p. 23.
590

revolucionária” no país, viram no BOC manifestações dos chamados “perigos de


direita”, como se pode notar no relato feito por um dos participantes:

“Estava em discussão o comportamento dos nossos dois vereadores na


Câmara, Octavio Brandão e Minervino de Oliveira e minhas palavras foram de uma
violenta crítica ao que me pareceu ser uma política de conciliação e cooperação
com a burguesia. Eu achava – e com pouca razão, aliás -, que nossos vereadores
se estavam comportando como dois políticos burgueses, tratando de pequenos
problemas tais como calçamento de ruas e outros similares, deixando de lado ‘os
grandes problemas políticos do País’. Além disso, depois que entraram na Câmara,
haviam-se esquecido das massas, e que eles deviam voltar às portas das fábricas,
‘para prestar contas’ às massas, de suas atividades parlamentares. Como
conseqüência desse meu ataque, Otávio foi reeleito para o Comitê Central – como
passou a chamar-se a antiga CCE -, mas foi excluído do Bureau Político. Receio
96
que ele nunca me perdoou isso.”

Apesar de tais censuras, externadas no III Pleno por Leôncio Basbaum, que
foi um dos maiores entusiastas da linha do “Terceiro Período” e, ironicamente,
tornou-se uma das primeiras vítimas de uma de suas manifestações (a
“proletarização”), o BOC, tendo em vista a proximidade das eleições
presidenciais, acabou sendo, de certa forma, preservado, muito embora, como
uma forma de “autocrítica”, Octavio Brandão tenha sido designado para
implementar no Conselho Municipal a nova linha aprovada na reunião.
O III Pleno aprovou uma resolução referente ao BOC na qual, embora
afirmasse ter sido “justa” a sua linha parlamentar e extraparlamentar, teceu-lhe
fortes críticas. De um lado, censurou seu fraco trabalho entre as massas, a
ausência de um trabalho extraparlamentar sistemático por parte de seus
intendentes e a falta de consolidação de seus organismos de base. Já com
respeito à atuação propriamente parlamentar de seus representantes no
Conselho Municipal do Distrito Federal, a resolução apontava como
demonstrações de seus “desvios oportunistas” os seus discursos longos e a
utilização de terminologia difícil, uma certa obediência às “praxes regimentais”, a

96
- Leôncio Basbaum. Uma vida em seis tempos (memórias), p. 63-64. Basbaum comete um
equívoco ao situar esta discussão durante o III Congresso do PCB. No entanto, nesta ocasião ainda,
apesar de eleitos, não haviam sido iniciados os trabalhos parlamentares, o que ocorreria apenas em
junho de 1929.
591

falta de propaganda sobre o PCB, a ausência de críticas aos atos de Maurício de


Lacerda, a atenção às demandas populares sem o controle do PCB e, por fim, um
trabalho insuficiente de “desmascaramento do parlamento burguês”. Tais falhas,
segundo a avaliação feita pelo III Pleno, eram resultado da inexperiência dos
comunistas no campo parlamentar, da falta de um plano de trabalho, de um
insuficiente controle da direção e da inexistência de trabalho paralelo do PCB
sobre as massas que estiveram em contato com os intendentes do BOC. No
conjunto destas críticas ao BOC e aos seus representantes – cujo exame de sua
atuação feito em capítulo anterior permite, aliás, concluir pela improcedência de
várias dessas condenações - observa-se um fenômeno recorrente em partidos
políticos: as direções partidárias buscam eximir-se da responsabilidade da
elaboração e da condução de uma linha política jogando-a sobre aqueles que a
executam. E aqui não foi diferente, pois tanto Octavio Brandão e Minervino de
Oliveira acabaram sendo considerados responsáveis por orientações que eram
discutidas e aprovadas em reuniões do Comitê Central do PCB.
Mas o III Pleno do PCB ressaltava que, como condição prévia para “forjar
nosso partido para as lutas sérias que o esperam”, havia uma questão relevante:

“Devemos lutar, implacavelmente, contra os desvios de direita, que


subestimam a situação que atravessamos, que subestimam as forças do Partido,
que procuram lançar a desconfiança sobre a direção do Partido, semeando a
discórdia entre camaradas, semeando o liquidacionismo e o derrotismo nas fileiras
de nosso Partido.”97

Acatando explicitamente as resoluções do 10º Pleno de CEIC no que se


referia aos “perigos de direita”, o PCB destacava que eles manifestavam-se em
suas fileiras por uma certa passividade frente à reação, pela subestimação da
“situação objetivamente revolucionária no Brasil”, pela resistência à política
comunista no movimento sindical, pelas ilusões com a Aliança Liberal, pela
tolerância e superestimação em relação à pequena burguesia e, em uma alusão

97
- A Situação Política Nacional e Internacional e as Tarefas do P.C.B. Auto-Crítica. Rio de
Janeiro, nº 8, [1929], p. 4.
592

ao BOC, pela “tendência a ocultar o Partido e não realizar um trabalho de massas


em nome do Partido”98.
Para materializar estes “perigos”, o PCB o fez através da discussão do caso
da célula de gráficos 4-R, cujas posições vimos mais acima expostas. Nesse caso
a discussão foi resolvida de modo a que a militância comunista compreendesse
que se anunciavam novos tempos e “desvios” não seriam mais tolerados, e até
como forma de apresentação de “resultados” às demandas de “depuração”: todos
os membros da 4-R foram expulsos do PCB durante o III Pleno, acusados de
demonstrarem “um corporativismo acentuado com tendências marcadamente
reformistas” 99.
Curiosamente, a maioria dos membros da 4-R, aos quais também se juntou
um membro da direção do PCB, João Jorge da Costa Pimenta, ao contrário do
que se seria de supor, acabaram integrando-se ao grupo que daria origem à
seção brasileira Oposição Internacional de Esquerda, capitaneada por Leon
Trotsky100, ressaltando a adoção acrítica da política do “Terceiro Período” por
parte dos comunistas e a intransigência e o sectarismo dela resultantes.
O III Pleno marcou, por meio de “uma autocrítica leninista”101 a absorção das
críticas do SSA-IC sobre a política de aliança com os “tenentes” e as relações
entre o PCB e o BOC. Neste último caso, em função da avaliação de que o Brasil
vivia uma “situação objetivamente revolucionária”, o principal foco de ação dos
comunistas foi deslocado do BOC, a quem restou apenas o papel de fachada
eleitoral, para o PCB. Os comunistas, imbuídos da lógica do “Terceiro Período” e
convencidos da inevitabilidade de um processo revolucionário, acreditavam que
lhes caberia conduzir diretamente esse processo, sem a necessidade de órgãos

98
- Contra os desvios de direita. Auto-Crítica. Rio de Janeiro, nº 8, [1929], p. 8.
99
- Saulo [Paulo de Lacerda]. El III Pleno del C.C. del P.C.B. La Correspondencia
Sudamericana. Buenos Aires, nº 21 (2ª Época), 20/11/1929, p. 24-25.
100
- José Castilho Marques Neto. Solidão revolucionária. Mário Pedrosa e as origens do
trotskismo no Brasil, p. 123-126. Sobre Pimenta ver Acta nº 5. Reunión del Secretariado
Sudamericano realizada em 6 de noviembre de 1929, p. 4 (RGASPI).
101
- Saulo [Paulo de Lacerda]. El III Pleno del C.C. del P.C.B. La Correspondencia
Sudamericana. Buenos Aires, nº 21 (2ª Época), 20/11/1929, p. 26.
593

auxiliares como o BOC, a quem caberia, como vimos, apenas apresentar


candidatos e agitar palavras de ordem.

O I CONGRESSO DO BOCB E O SEU PROGRAMA

Logo após a realização do III Pleno do CC do PCB, aconteceu o I Congresso


do BOC, ocorrido de 3 a 5 de novembro. Marcado inicialmente pelo II Pleno do
CC do PCB para setembro102, ele acabou sendo adiado em razão do processo
aberto pela “Carta Aberta” e que resultou na realização do III Pleno.
Astrojildo Pereira, de Moscou, em acordo com outros membros do CEIC,
chamou a atenção dos comunistas brasileiros para a importância da iniciativa. O
CEIC aconselhava ao PCB dar ao Congresso do BOC um caráter o mais amplo
possível, a fim de que pudesse contar com a presença de representantes da
“pequena burguesia revolucionária” (“Maurício [de Lacerda, dk], um delegado
direto de Prestes, o maior número possível de camponeses (não operários
agrícolas)”), do PCB e da IC, além da presença de uma fração comunista
“solidamente organizada e dirigida”. Desse modo, se evitaria a realização de um
encontro em que apenas se reunissem delegações dos comitês então filiados ao
Bloco. Pereira também enfatizou que uma correta preparação do Congresso
permitiria que o PCB tornasse ainda mais efetiva sua presença na cena política
brasileira:

“É preciso que o Partido, solidamente ligado às massas, se coloque à frente


delas e à frente dos acontecimentos. Para isto, não nos devemos contentar
somente em tomar decisões no Congresso, mas sobretudo devemos preparar-nos
seriamente para uma larga ação de massas. A preparação do Congresso já é,
neste sentido, um começo: ela deve ser [...] extremamente cuidadosa, feita [...] nas
grandes empresas e fábricas, nas grandes fazendas, nos pontos decisivos da
economia do país. [...] Este Congresso deve constituir um acontecimento decisivo
e o Partido, a par dele e aproveitando a influência dele e nele, deve desenvolver
um esforço intensíssimo de recrutamento de membros do Partido nas grandes
102
- Leôncio [Basbaum]. El último plenum del Comité Central del Partido Comunista del
Brasil. Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 18 (2ª Época), 20/09/1929, p. 11.
594

empresas fundamentais (não só no Rio; mas também em S. Paulo, Pernambuco,


Bahia, Rio G. do Sul, Minas). Precisamos até às eleições de pelo menos 2.000
membros organizados em sólidas células de empresa.”

Além disso, Astrojildo Pereira enfatizava a importância do Congresso para o


estreitamento das relações entre comunistas e “tenentes”, mostrando, embora
com certa cautela – pois já tinha conhecimento das posições do SSA-IC e das
pressões que vinha exercendo sobre o PCB -, sua vinculação à linha do III
Congresso do partido brasileiro:

“No que se refere à aliança com os elementos revolucionários da pequena-


burguesia – aliança que o Congresso pode tornar mais sólida – nós não devemos
nunca perder de vista a nossa independência, a nossa iniciativa, a nossa faculdade
de crítica aberta e severa (não inábil) aos nossos aliados. Eis uma fórmula que um
103
camarada aqui me comunica: ‘Liaison étroite et mefiance profonde’.”

No entanto, como resultado da política sectária do “Terceiro Período”, que


cada vez mais conduzia os comunistas ao isolamento, e das perseguições, das
invasões da polícia em entidades sindicais e do seu fechamento, inclusive da
sede do Bloco, e da recusa dos intendentes cariocas em ceder o prédio do
Conselho Municipal para a realização do Congresso do BOC fizeram com que ele
acabasse acontecendo, clandestinamente, em um “casebre perdido entre a
estação de Campo Grande e Guaratiba”104.
O I Congresso do BOC valeu-se da presença de parte dos delegados
comunistas de outros Estados que participaram do III Pleno do CC do PCB e
ficaram mais alguns dias no Rio de Janeiro. O Congresso - que também alterou o
nome da organização para Bloco Operário e Camponês do Brasil (BOCB) -
contou com a presença de pouco mais de 30 delegados, representando 44
organizações de 12 Estados brasileiros. O perfil das delegações representadas
no Congresso mostrou que se efetivou, portanto, a hipótese que Astrojildo Pereira

103
- Carta de Ledo [Astrojildo Pereira] a Camaradas. Moscou, 18/09/1929 (RGASPI). Grifos
do original.
104
- Octavio Brandão. Combates e batalhas. Memórias (vol. 1), p. 364.
595

desaconselhou aos comunistas brasileiros105. Com respeito às organizações


presentes ressaltaram alguns pontos. O primeiro deles foi que, como resultado
das imposições do SSA-IC e das resoluções do III Pleno, o PCB, a Juventude
Comunista e várias organizações de caráter sindical aparecem publicamente
como organizações aderentes. Além disso, definiu-se que, a partir de então, o
BOCB seria baseado apenas em “adesões coletivas”, embora dentro dele ainda
existissem os antigos agrupamentos, particularmente os de locais de moradia,
que eram constituídos à base das adesões individuais. Estes novos
posicionamentos ficaram assim consignados no programa aprovado pelo
Congresso:

“7) O Bloco Operário e Camponês do Brasil baseia-se em adesões coletivas.


Individualmente os trabalhadores devem aderir aos organismos de base.
8) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia o jornal A CLASSE
OPERÁRIA, a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, a Confederação Sindical
Latino-Americana, a Liga Antiimperialista e as organizações antifascistas de caráter
revolucionário. E aceita a adesão das organizações sindicais, do Partido
Comunista e das Ligas de Camponeses pobres.”106

105
- As 44 organizações representadas no Congresso eram as seguintes: DO DISTRITO
FEDERAL: 1. Comitê Eleitoral dos Tecelões, 2. Centro Político Proletário de Campo Grande, 3.
Comitê de Alfredo Maia, 4. Comitê da Locomoção, 5. Centro de Jovens Proletários, 6. Centro Político
dos Operários e Lavradores de Bangu, 7. Comitê do Moinho Inglês, 8. Centro Político Proletário dos
Subúrbios da Leopoldina, 9. Federação da Juventude Comunista, 10. Centro Político Proletário da
Gávea, 11. Comitê da Ilha dos Ferreiros; 12. Seção Juvenil da Confederação Geral do Trabalho, 13.
Comitê de São Diogo, 14. Centro Político Proletário de Madureira, 15. Centro Político Proletário de
Sapê, 16. União dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica, 17. Centro Político Proletário do
Engenho da Rainha, 18. Comitê Eleitoral dos Ferroviários, 19. Comitê Eleitoral da Indústria
Alimentícia, 20. Partido Comunista do Brasil, 21. Comitê Eleitoral dos Metalúrgicos e 22. Comitê
Eleitoral dos Marmoristas; DE OUTROS ESTADOS: 1. Centro Político Proletário da Linha do
Centro (RJ), 2. Bloco Operário e Camponês do Espírito Santo, 3. União Operária de Juiz de Fora
(MG), 4. Coligação Operária de Pernambuco, 5. Bloco Operário e Camponês de Sertãozinho (SP), 6.
Associação Operária 23 de Agosto de Cruzeiro (SP), 7. União Operária de São João Nepomuceno
(MG), 8. Centro Político Proletário de Niterói, 9. União Proletária de Minas Gerais, 10. Operários do
Depósito de Valença da Estrada de Ferro Central do Brasil, 11. Bloco Operário e Camponês de
Alagoas, 12. Bloco Operário e Camponês de Campo Grande (MT), 13. Centro Político Proletário de
Campos (RJ), 14. União dos Trabalhadores em Transportes de Campina Grande (PB), 15. Sindicato
dos Trabalhadores de Natal (RN), 16. União Operária e Camponesa de Várzea das Moças (RJ), 17.
Comitê Eleitoral de Muritiba (BA), 18. Bloco Operário e Camponês do Rio Grande do Sul, 19. Bloco
Operário e Camponês de Cubatão (SP), 20. Bloco Operário e Camponês de São Paulo, 21. União
Geral de Campina Grande (PB) e 22. Centro Político Proletário de Ribeirão Preto (SP).
106
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 517.
596

Outro ponto a destacar foi o notável crescimento do número de organizações


aderentes e de unidades da Federação abrangidas pelo BOC em relação a
agosto de 1928, quando então vinte delas, representando dois Estados, se
reuniram para definir as candidaturas de Minervino de Oliveira e Octavio Brandão.
Como se nota pela relação entre presentes e entidades representadas, vários
delegados representavam mais de uma organização, o que, em parte, era
decorrência das condições de clandestinidade em que se deu o Congresso, mas
também poderia ser indicativo de que muitas dessas organizações nada mais
fossem do que o agrupamento de uns poucos militantes, portanto carentes de real
representatividade. De qualquer forma, a esquerdização da orientação política do
PCB, a julgar-se pelo isolamento crescente dos intendentes do BOCB, combinada
com a sistemática repressão desencadeada pela polícia política, parecem indicar
um estreitamento na penetração do BOCB. Também ressaltam os ausentes, como
o BOC do Ceará, o Comitê Eleitoral dos Gráficos e a Coligação Operária de
Santos, especialmente os dois últimos. O Comitê dos Gráficos não enviou
delegados, pois boa parte de seus membros era integrante da recém-expulsa
célula 4-R. Já com respeito à organização santista, sua ausência provavelmente
foi decorrência das sistemáticas perseguições que a polícia política local vinha
movendo contra a Coligação Operária de Santos, suas organizações sindicais e,
particularmente, contra João Freire de Oliveira107, impedindo sua presença e,
posteriormente, até a apresentação de sua candidatura.
O I Congresso teve a seguinte ordem do dia:

“1º a atividade do Bloco; 2º os relatórios das organizações aderentes; 3º a


sucessão presidencial; 4º os candidatos e deputados e a senador; 5º o novo
programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil; 6º a eleição da Comissão

107
- Comissão Executiva da Coligação Operária. Prepara-se um golpe político contra a
Coligação Operária? Praça de Santos. Santos, 30/06/1929, p. 5; O comunismo em Santos. A prisão
de João de Oliveira é explicável e justa. Gazeta do Povo. Santos, 17/07/1929, p. 1; Uma violência da
polícia de Santos. Como se detém um cidadão sem motivo de espécie alguma. Praça de Santos.
Santos, 17/09.1929, p. 12; Combate ao comunismo em Santos. Gazeta do Povo. Santos, 08/11/1929,
p. 1 (Esta matéria noticiava a invasão da sede da Coligação, a apreensão do jornal O Solidário e a
fuga de Santos de João Freire de Oliveira).
597

Central da Campanha; 7º a eleição do Comitê Central do Bloco; 8º os assuntos


gerais.”108

Esta ordem do dia foi muito criticada durante as reuniões do Secretariado


Latino-Americano da Internacional Comunista que ocorreram em outubro e
novembro de 1929 em Moscou em razão de se enxergar nela uma ênfase em
questões de organização eleitoral em detrimento do debate sobre as “grandes
questões da revolução brasileira”. Inclusive, em decisão tomada na sua reunião
de 5 de novembro, o Secretariado chegou a enviar um telegrama ao SSA-IC, o
qual, obviamente, não surtiu efeitos, pois o Congresso já havia sido realizado
quando a comunicação chegou ao Brasil. Nele se pedia que o SSA-IC
comunicasse ao PCB que não fossem discutidos no Congresso do BOC questões
referentes aos estatutos e à organização do Bloco, apenas as referentes às
perspectivas da revolução e à organização da luta das massas operárias e
camponesas. Além disso, o Secretariado Latino-Americano da Internacional
Comunista determinou que o PCB deveria apresentar um candidato à presidência
que fosse membro do PCB, criticar Luiz Carlos Prestes publicamente e, durante o
Congresso e a campanha eleitoral, não esconder sua fisionomia109.
O I Congresso do BOCB serviu para chancelar, de modo geral, a mudança
de orientação política firmada no III Pleno do CC do PCB. Isto era perceptível
através do exame do novo programa aprovado na reunião110. Nas orientações de
Astrojildo Pereira à direção do PCB a respeito do I Congresso, feitas em meados
de setembro, houve uma ênfase de sua parte para que o programa a ser
elaborado no conclave ultrapassasse o caráter eleitoral:

“A questão do programa é fundamentalíssima. Ela não deve ser encarada


dum ponto de vista estreitamente eleitoral, mas dum ponto de vista mais largo,

108
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 938-941.
109
- Secrétariat latino-américain. Questions du Brésil. Séance du 5 Novembre 1929, p. 197
(RGASPI);Telegrama de Garlandi ao SSA. S.d. (RGASPI).
110
- O programa discutido e aprovado no I Congresso do BOCB está reproduzido em: Distrito
Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de Outubro a 30 de
Novembro de 1929, p. 516-526. A íntegra do programa pode ser vista no Anexo XVI.
598

mais geral, mais de acordo com a perspectiva de uma luta política profunda e muito
séria. Não são problemas eleitorais simplesmente, que temos de resolver; mas
grandes problemas políticos. A situação é bem clara no que concerne ao
desenvolvimento da crise política em conexão com os acontecimentos ligados à
luta presidencial – de que o 1º de Março marcará apenas o fim de uma etapa, a
etapa propriamente eleitoral. Neste sentido nós devemos fazer o máximo de força
por aprofundar a crise, combatendo o ‘fair play’ desportivo. O programa de ação
elaborado pelo Congresso – claro, preciso, firme, essencial – deve ser um meio
poderoso de ligação do Partido às mais largas massas por meio do B.O.C.”111

Em seu conjunto perpassava no programa aprovado pelo I Congresso a


idéia básica de que existiam as condições para o desencadeamento de uma nova
“revolta”, na qual poderia realizar-se uma ação comum contra burguesia por parte
da classe média e do proletariado, sob a hegemonia deste último e dirigido pela
“vanguarda consciente do proletariado industrial”. O prolongamento de tal
“revolta” desembocaria na revolução agrária e antiimperialista, cuja radicalização
poderia levar a uma revolução proletária. O programa deixava clara a
predominância do PCB neste processo:

“O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pela revolução agrária e


antiimperialista, revolução democrática pequeno-burguesa, prelúdio da revolução
proletária, dirigida pelo Partido Comunista. Luta para que, nessa primeira
revolução, o proletariado conquiste a hegemonia, uma influência decisiva.”

De modo aberto ou subjacente, esta visão estava presente nos vários


tópicos em que se dividia o novo programa. Este era um documento muito mais
extenso e detalhado que o de 1927, mostrando, pelo número de reivindicações
apresentadas, o acúmulo de experiência que vinha tendo desde seu surgimento e
que tomava um caráter nacional. Pode-se também vê-lo, de modo geral, como
uma espécie de junção entre o Programa do BOC de 1927 e o Programa de
Reivindicações do PCB apresentado em 1926, ambos, porém, subordinados à
orientação política do “Terceiro Período”. Tal junção sinalizou também que BOCB
e PCB a partir de então, além de uma plataforma comum, partilhavam uma mesma
política.

111
- Carta de Ledo [Astrojildo Pereira] a Camaradas. Moscou, 18/09/1929 (RGASPI). Grifos
599

O novo programa tinha um caráter mais doutrinário, desejando mostrar que


não queria apenas obter mais um voto para os seus candidatos, mas, sim,
conquistar militantes para realizar a “revolução agrária e antiimperialista”, ao
contrário do de 1927, em cuja introdução fazia-se uma discussão política a
respeito da importância da participação dos trabalhadores em um processo
eleitoral e de o fazê-lo sob a forma de frente única. Já na introdução ao programa
de 1929, por exemplo, depois de definir-se o BOCB como uma “organização de
frente única das massas laboriosas”, que fazia da luta eleitoral e de outras formas
de combate “uma batalha em prol do poder político – do governo – pelas massas
laboriosas e para elas”, eram apresentadas as definições e os segmentos – estes
quase que literalmente tomados das emendas ao orçamento do Distrito Federal
submetidas pelos seus intendentes - nos quais se dividiam o proletariado e a
burguesia. Mais adiante o mesmo repetia-se para a classe média e as “categorias
rurais oprimidas”.
Ao abordar o quadro político da sucessão presidencial o BOCB apresentava
os partidos políticos e seus respectivos candidatos à sucessão presidencial do
mesmo modo que até então vinha fazendo. Havia, no entanto, algumas nuanças:
não eram mais empregados os termos agrarista e industrialista e nem se
relacionavam ambos aos imperialismos inglês e norte-americano,
respectivamente. Fazendeiros e industriais agora apoiavam um ou outro
candidato em razão de seus interesses que eram filtrados pela política cafeeira e
pelo posicionamento frente à política cambial do governo Washington Luís112.
Apesar disso, o “esquema” básico mantinha-se:

“O candidato Julio Prestes é um instrumento da classe capitalista em geral e


dos grandes fazendeiros de café em particular. Sua política é a do Partido
Republicano e a do imperialismo inglês. Candidato da mão direita da burguesia.
[...] O candidato Getulio Vargas é um instrumento da classe capitalista e do

do original.
112
- Estas nuanças foram introduzidas com base nas críticas que Astrojildo Pereira, de
Moscou, iniciou em setembro de 1929. ver, por exemplo, as cartas de 18 de setembro e 15 de outubro
de 1929 (RGASPI).
600

imperialismo norte-americano. Candidato fascista a fingir de mão esquerda da


burguesia. Liberal na aparência e reacionário na substância.”

Frente a este quadro cabia ao povo brasileiro optar entre o fascismo ou a


“revolução agrária e antiimperialista, preliminar da revolução proletária”.
É verdade que parte significativa do novo programa tinha suas bases
tomadas do de 1927. Assim, não havia diferenças dignas de menção nas
reivindicações dos itens referentes ao imperialismo, reconhecimento “de jure” da
URSS, anistia, autonomia do Distrito Federal, leis de exceção e ensino e
educação.
Havia, no entanto, outros casos em que foram introduzidas pequenas, mas
importantes, modificações.
No tópico referente ao “Combate à política burguesa”, que no programa de
1927 intitulava-se “Crítica e combate à política plutocrática”, chama a atenção
uma questão indefinida dentro do espírito do novo programa. Apesar do
pressuposto da instauração de “governo operário e camponês”, ainda se falava
em combater os políticos “ligados à classe burguesa ou [que] defendem os
interesses dela” e também se afirmava que os representantes do BOCB iriam às
casas legislativas para combater o regime burguês:

“Não para fabricar leis e sim para provar que as Câmaras não passam de
máscaras da ditadura dos capitalistas e que as leis preparadas pelos agentes da
burguesia não podem beneficiar as massas. Tais são verdadeiros engodos.”

Curiosamente, exceto quando se referiu à URSS, o novo programa não


tocava na questão da formação de sovietes, nova forma organizativa que os
comunistas apresentavam como substitutiva das casas legislativas, o que deixava
implícita a manutenção do Poder Legislativo com sua conformação de então. Isto
se pode perceber, no item referente à Legislação Social, quando o programa
colocou a reivindicação do prosseguimento da tramitação do “Código do
Trabalho”, então parado no Senado Federal.
601

No caso do item relativo à “Legislação Social” as novas propostas referentes


à jornada de trabalho, em relação ao programa de 1927, determinavam a redução
da jornada de oito para sete horas no máximo por dia e redução da jornada
semanal máxima de 44 para 40. Outra modificação aqui foi a retirada do item,
existente na plataforma de 1927, que preconizava “enérgica repressão ao jogo e
ao alcoolismo”. Neste caso, talvez tenha influído nesta supressão a discussão
ocorrida no plenário do Conselho Municipal do Distrito Federal entre Octavio
Brandão e o intendente democrático Leitão da Cunha. Este fazia um
pronunciamento sobre a questão do alcoolismo, quando foi interrompido por
Brandão, que afirmou tratar-se o problema de uma seqüela do capitalismo.
Cunha, no entanto, também demonstrou a seriedade do problema do alcoolismo
na URSS, o qual, embora a princípio negado por Brandão, acabou sendo admitido
pelo intendente comunista113. Assim, para evitar polêmicas a respeito de questões
que depunham contra a imagem da URSS, tão positivamente enfatizada pelos
comunistas, estes talvez tenham optado por colocar este problema de lado.
Outro item que apresentou modificações foi o referente aos impostos. No
programa do BOC falava-se apenas em que somente os ricos deveriam pagar
impostos. Já no programa do BOCB, tomando-se as propostas apresentadas
pelos intendentes quando da apreciação do orçamento para 1930 do Distrito
Federal, além da especificação de valores, apontava-se para uma taxação por
classes, na qual o proletariado ficaria isento de impostos, a classe média teria os
valores dos seus reduzidos em 50% e os da burguesia seriam aumentados, sem,
curiosamente, que fossem definidos os valores que iriam ser aplicados a seus
impostos. Outra proposta relativa a impostos, mas no âmbito da crítica da reforma
monetária do governo Washington Luís, foi a da extensão do imposto de renda
aos grandes proprietários rurais.
Embora o foco do novo programa estivesse no processo revolucionário nem
por isso a questão dos “direitos políticos de classe” deixou de ser tratada. No
grupo dos tópicos do programa do BOC que sofreram pequenas e relevantes

113
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
602

alterações no programa de 1929 deve-se mencionar o acréscimo àqueles setores


que já vinham sendo propostos desde 1927 da extensão de direito de voto aos
analfabetos, feita, no item relativo ao “voto secreto”, pela primeira vez na história
da República brasileira. Em referência aos mais importantes segmentos da
população que naquela época não tinham o direito de votar, a defesa do voto
feminino já possuía, além dos comunistas, alguns apoios nas correntes políticas
mais liberais do Brasil – sendo legalmente exercido desde 1933 em todo o país.
No entanto, o mesmo não se dava com a sua extensão aos analfabetos, o que
servia para mostrar as limitações e o elitismo de democráticos e outros grupos
políticos, tanto é assim que somente em 1988 é que este direito foi conquistado
pelos brasileiros. Embora mantivessem a concepção crítica relativa à ineficácia da
conquista do voto secreto para resolução dos problemas nacionais, os
comunistas, em que pese também o seu posicionamento sectário, deixavam aqui
indicada a questão da ampliação do exercício de voto e cidadania e a
incorporação das grandes massas aos processos democráticos. Neste campo,
embora localizado no item referente à juventude e às mulheres, também é
relevante destacar também a proposta de redução, de 21 para 18 anos, da idade
mínima para o exercício do direito de voto.
Novas questões surgiram no corpo programático do Bloco. Algumas, na
verdade, nem eram propriamente novas como as referentes à juventude e às
mulheres, que, antes dispersas por vários itens nos programas de 1926 e 1927,
foram reagrupadas em um único bloco. De qualquer modo, o rearranjo procedido
pelo programa de 1929 serviu para sinalizar a estes setores a atenção do BOCB
com suas demandas específicas. As novidades em relação aos programas de
1926 e 1927 estão nas questões voltadas às reivindicações da classe média, dos
militares, das massas rurais e dos índios. Sobre a inclusão destes três últimos
pontos no programa é inegável a influência da IC e do SSA-IC, especialmente a
partir do VI Congresso da IC.

Agosto a 31 de Setembro de 1929, p. 797-811.


603

O tópico referente aos militares mostrou pela primeira vez, de maneira


pública, uma nova vertente de preocupações dos comunistas. Até então o
relacionamento dos comunistas com os militares fora filtrado por meio da questão
da aliança com os “tenentes” e direcionado no sentido da constituição de
organismos comuns para a via insurrecional, sem haver, no entanto,
interpenetração orgânica. Foi somente no início de 1929, a julgar-se pelo
testemunho de Leôncio Basbaum, que os comunistas brasileiros, instados
diretamente pela IC, passaram a preocupar-se em desenvolver a propaganda de
suas idéias e a organizar militantes diretamente nas fileiras militares. Esta ação
foi ratificada nas reuniões que se realizaram logo após o encerramento da
Primeira Conferência Comunista Latino-Americana e que estabeleceram que a
propaganda entre os soldados e marinheiros deveria prosseguir objetivando a
constituição de células entre eles, dirigindo, ao mesmo tempo, os soldados contra
os oficiais e não mais se deveria fazer o que aconselhavam os “tenentes” da
Coluna Prestes: “trabalhar somente entre os oficiais e considerar a tropa como
uma massa inconsciente manobrada pelos primeiros”114. Tal orientação produziu o
aparecimento, pela primeira vez, de reivindicações relativas aos militares.
Palavras de ordem como “alargamento radical dos insignificantes direitos atuais”,
supressão dos castigos físicos, aumento do soldo e melhoria do “rancho” talvez
fossem indicativas de uma certa atuação dos comunistas entre as fileiras
militares, embora também revelassem o filtro do “Terceiro Período” neste campo.
A parte referente à questão agrária era o tópico mais extenso do programa
do BOCB, revelando a importância que os comunistas pretendiam dar ao tema.
Embora mesmo antes da realização do VI Congresso da IC os comunistas
brasileiros tivessem noção da importância da questão agrária - basta recordar o
acréscimo da palavra “camponês” ao nome do Bloco Operário -, foi a partir de
então, com a compreensão da predominância do caráter agrário nos países

114
- Leôncio Basbaum. Uma vida em seis tempos (memórias), p. 64. Reunión del dia 15 de
junio de 1929. Ordem del dia: Cuestión brasileña. Buenos Aires, 15/06/1929, p. 1 (RGASPI). Sobre
as relações do PCB com os militares ver João Quartim de Moraes. A esquerda militar no Brasil.
Volume II: da Coluna à Comuna e Luís Alberto Zimbarg. O cidadão armado. Comunismo e
tenentismo (1927-1945).
604

latino-americanos, que a IC passou desde então a chamar a atenção de suas


seções para o assunto, como se pode perceber nesta intervenção de Jules
Humbert-Droz na Primeira Conferência Comunista Latino-Americana:

“O motor da revolução na América Latina é a questão da terra, a luta pela


terra contra os grandes proprietários de terra feudais e as grandes companhias
estrangeiras. Todas as revoluções, as insurreições, os movimentos de massa de
caráter revolucionário que se produziram nos últimos 25 anos, têm em sua base,
de forma mais ou menos precisa e consciente, a questão da terra.”115

Embora a base econômica do Brasil fosse agrária, deduzindo-se daí a


importância de uma atuação do PCB no campo, o fato é que então - nem
posteriormente, aliás - os comunistas tinham um insignificante atuação nesse
setor. Assim, o programa de 1929, como os anteriores, marcou mais um desejo de
ação do que propriamente o resultado de uma atuação e o acúmulo de
experiência.
Além de apresentar dados estatísticos referentes à concentração da
propriedade rural, o programa do BOCB criticava a política de elevação dos
preços do café praticada pelo governo brasileiro, que beneficiava a “insignificante
minoria dos grandes fazendeiros” e aos “imperialistas que a aproveitam para
conquistar novas posições estratégicas na economia e na política nacionais”, e
sacrificava a maioria dos brasileiros. O programa de 1929 afirmava que a
“revolução agrária e antiimperialista” ali preconizada tinha como meta fazer o país
livrar-se “dos restos de escravidão, da servidão e do imperialismo”. Para isto, no
que se refere à questão agrária, o programa do BOCB apresentava dois estágios
de reivindicações. No primeiro, para cada um dos segmentos em que eram
divididos os trabalhadores do campo (o assalariado rural (“proletário rural típico”),
o pequeno lavrador sem terras (“semiproletário”) e o pequeno proprietário
(“pequeno burguês rural”)), depois de uma caracterização, seguiam-se suas
reivindicações imediatas, em boa parte tomadas do “Programa de Reivindicações

115
- Internacional Comunista. Secretariado Sul-Americano. El movimiento revolucionário
latino americano. Versiones de la Primera Conferencia Comunista Latino Americana. Junio de
1929, p. 85.
605

do PCB” de 1926. Além disso, também eram apresentadas reivindicações


relativas aos imigrantes, seringueiros e pescadores. Todas estas consignas eram
fundamentalmente ligadas às melhorias das condições de trabalho, de existência
e de organização política de cada um destes três segmentos. A revolução agrária
e antiimperialista seria o coroamento da luta por estas reivindicações imediatas.
No entanto, à medida do crescimento da radicalização das massas rurais, seriam
introduzidas novas palavras de ordem, marcando a entrada em um “período
essencialmente revolucionário”. Este novo conjunto de reivindicações possuía um
nítido caráter anticapitalista e apresentava reivindicações como anulação das
dívidas, confisco e nacionalização das terras, reforma agrária e “criação dos
organismos armados dos operários agrícolas”. Aqui talvez se pode imaginar que
esta curiosa divisão de reivindicações em duas “fases” tenha sido uma forma que
os comunistas encontraram para tentar uma reaproximação com os “tenentes”,
que, como se sabe, haviam recusado o ponto da plataforma comunista que falava
em nacionalização das terras e divisão dos latifúndios. Ao deixarem entrever que
adiariam para um momento posterior estas questões, os comunistas, sem abrir
mãos de seus princípios, faziam um recuo tático, que talvez pudesse sinalizar aos
“tenentes” uma espécie de compromisso para aquele momento.
Nas reivindicações relativas aos índios apresentadas no programa do
BOCB, nas quais estes eram equiparados “às massas rurais em geral”, a principal
palavra de ordem era o do direito de “criar uma civilização própria, como está
sucedendo na União Soviética”. Poucos meses antes, até a realização da
Primeira Conferência Comunista Latino-Americana, o PCB não tinha a respeito
dos índios qualquer opinião mais aprofundada a respeito. Nos debates da
Conferência sobre o tema do problema das raças na América Latina, que
abrangia tanto negros e índios, Leôncio Basbaum, um dos co-informantes sobre o
tema, fez uma intervenção anódina. Nela, apresentando a idílica visão de que não
existia preconceito racial contra os negros no Brasil nem entre o proletariado,
concluiu que, com respeito à questão, não havia razão para que o PCB
“organizasse campanhas reivindicatórias para os negros, com consignas
606

especiais”116. Já com respeito aos índios, Basbaum, reconhecendo a ausência de


maiores informações sobre o tema no Brasil, findou por afirmar que, dado o
isolamento em que viviam os poucos milhares que ainda mantinham seus
costumes, era impossível o contato “com a vanguarda proletária e sua
incorporação ao movimento revolucionário das massas proletárias”. Já com
respeito aos outros países latino-americanos, Basbaum concluiu seu informe
afirmando que a questão indígena não era “um problema fundamentalmente
racial, mas sim econômico, podendo ser como um sinônimo de ‘questão
agrária’”117. Sua intervenção foi sucedida pela do representante da Internacional
da Juventude Comunista, o russo “Pierre”, aqui utilizando o pseudônimo de
“Peters”. Este, embora polemizando mais diretamente com a delegação comunista
peruana, criticou esta última afirmativa de Basbaum:

“Em resumo, cada luta nacional que se apresente tem sua base agrária; e
somente os pequeno-burgueses antimarxistas o negam, mas seria igualmente um
grave erro reduzir a questão nacional à questão de classe, à questão agrária,
porque isto significaria justamente esquecer as condições históricas da luta contra
os conquistadores etc; peculiaridades que determinaram aos revolucionários
marxistas, a proclamar, ao lado das reivindicações de classe, a consigna,
fundamental para nós, do ’direito dos povos de dispor deles mesmos, até o direito
de separação’. [...] Em todo caso, os partidos revolucionários devem proclamar
energicamente este direito dos trabalhadores indígenas. (A este respeito, a
experiência das insurreições indígenas nos demonstra como, ampliando-se,
ultrapassam as fronteiras dos Estados atuais.)”118

Logo em seguida “Pierre”, reproduzindo uma prática já muito comum da


parte dos dirigentes soviéticos da IC, deu aos latino-americanos o exemplo de
autoridade, invocando o caso russo. “Pierre” afirmou que a experiência soviética
de criação de algumas repúblicas federativas de povos cujo “nível cultural e

116
- Sobre este posicionamento dos comunistas brasileiros a respeito da não existência de uma
“questão negra” no Brasil, um dirigente da IC, o búlgaro Stoïan Minev, fez o seguinte comentário: “O
camarada Ledo [Astrojildo Pereira] nos disse que os negros podem inclusive tornar-se presidentes da
República, que eles podem ocupar qualquer posto e, entretanto, nós vemos que 7/8 da população do
Brasil é composta de iletrados e que a maioria desses iletrados, se não todos, é de negros e
formalmente os iletrados não possuem direitos políticos. Isto é justo?” (Secrétariat latino-américain.
Question brésilienne. 27 octobre 1929, p. 137 (RGASPI)).
117
- Idem. Ibidem, p. 294-297.
118
- Idem. Ibidem, p. 298-299. Os grifos são do original.
607

econômico não é muito superior aos da maioria das populações indígenas” era
uma clara demonstração de que a palavra de ordem do direito dos povos de
dispor de si mesmo era correta e que também permitiria que se unisse a luta dos
trabalhadores indígenas com os mestiços e os brancos, sendo assim o “único
caminho real do desenvolvimento rápido e verdadeiramente livre dos povos”. Tais
críticas acabaram fazendo com que os comunistas brasileiros incorporassem,
acriticamente, os posicionamentos expostos por “Pierre” relativamente aos índios
no programa do BOCB. Tanto foi assim que, no programa de 1929, não se
percebe, exceto pela menção factual a alguns protestos promovidos por certos
grupos índígenas, a menor evolução no conhecimento sobre o assunto por parte
dos comunistas, que enquadraram o assunto em palavras de ordem genéricas e
que remeteram ao exemplo soviético.
Já com respeito ao item do programa que tratava da classe média, colocou-
se aí em relevo um dos temas fundamentais da política dos comunistas desde
1925 e que já vinha sendo, particularmente no que se refere às suas relações
com os “tenentes”, alvo de críticas tanto da IC como do SSA-IC. Embora sem
detalhes, há no final do programa uma frase em que se afirma o apoio aos
“revoltosos de Copacabana, S. Paulo e Coluna Prestes” mas alude-se a críticas
aos “desvios dos elementos direitistas”. No entanto, o fato de dirigir-se ao
segmento social do qual procediam muitos dos “tenentes” e no qual possuíam um
relevante apoio e simpatia mostra que o PCB ainda manifestava alguma
resistência, embora velada, às observações de seus críticos. Apesar do modo
cuidadoso com que as relações com a classe média são tratadas é possível notar
aqui ao menos um ponto em que mandaram uma mensagem aos “tenentes”.
Depois de afirmar-se que a classe média “rigorosamente não forma uma
classe”, o programa do BOC dedica-se a descrever o perfil profissional de seus
componentes (incluindo, obviamente, tenentes e capitães...) e a enfatizar o
processo de proletarização a que estariam sendo submetidos. Como resultado
dessa visão, o programa do BOCB destacou que a principal luta da classe média
seria contra a classe capitalista, deixando subjacente a questão da aliança com o
608

proletariado. Frente a tal quadro foram apresentadas - além do explícito apoio às


suas lutas “contra a exploração e a opressão capitalistas” e aos seus “protestos
contra a reação” - reivindicações propondo redução de impostos e aluguéis e
incentivos para a construção de casas para os membros da classe média. A
propósito da questão da propriedade da classe média, o programa do BOCB
afirmava:

“O governo operário e camponês (o governo das massas laboriosas) não


confiscará as casinhas dos subúrbios, o lote do camponês pobre, a lojinha, a
quitandinha, a pequena oficina – as pequenas propriedades em geral - nem os
objetos de uso pessoal, indispensáveis à manutenção e à reprodução.”

Ao deixar claro, como o também fazia expressamente no programa com


relação ao confisco das casas dos grandes proprietários, ao confisco e
nacionalização das terras dos grandes proprietários – da forma como vimos acima
destacada - e à encampação das “empresas imperialistas”, que não iriam tomar
as propriedades daqueles setores sociais que deram origem e apoio aos
“tenentes”, os comunistas procuravam, sem dúvida, tentar se reaproximar destes
e até talvez dirimir alguma confusão no sentido de que sua proposta de confisco
de propriedades fosse atingir a classe média.
Outra questão importante definida no I Congresso do BOC foi a escolha dos
candidatos da legenda. Manteve-se a orientação de apresentar “candidaturas
operárias” e para o cargo de presidente e vice optou-se por deixar isto cristalino
por meio da escolha dos nomes do marmorista Minervino de Oliveira e do
ferroviário Gastão Valentim Antunes. Era a primeira vez na história do Brasil que
trabalhadores disputariam estes cargos.
Já com respeito aos candidatos a deputado e a senador definidos durante o
I Congresso, que estabeleceu somente os nomes para o Distrito Federal – para
senador definiu-se o nome do estivador Phenelon José Ribeiro Martins e para
deputados federais foram escolhidos o gráfico Mário Grazzini, um dos principais
dirigentes sindicais do PCB, e o secretário geral interino do partido, o jornalista e
advogado Paulo de Lacerda - e deixou aos demais Estados a incumbência de
609

defini-los posteriormente, houve um pouco mais de maleabilidade no que se


refere ao seu perfil social. Tanto é assim que nos outros Estados onde o BOCB
teve candidatos (Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul,
Rio de Janeiro e São Paulo) apresentaram-se advogados, jornalistas e
comerciários, além de gráficos, metalúrgicos, pedreiros, pintores, trabalhadores
de charque, alfaiates e padeiros119. O Congresso definiu também que Paulo de
Lacerda seria o encarregado de dirigir a campanha eleitoral e de traçar-lhe os
planos120.

EM MOSCOU

De 22 de outubro a 5 de novembro de 1929, quase ao mesmo tempo em que


ocorreram o III Pleno do PCB e o I Congresso do BOCB, realizou-se uma série de
reuniões, na sede da IC em Moscou, tratando da questão do Brasil. Realizadas
pelas manhãs no âmbito do Secretariado da América Latina da Internacional
Comunista - cujo responsável era o italiano Ruggero Grieco (Garlandi) -, delas
participaram os brasileiros que estavam na URSS, os membros do Secretariado e
convidados (entre eles Dimitri Manuilsky, um dos principais dirigentes da IC e
porta-voz do Partido Comunista da União Soviética na IC), ficando em seu centro,
obviamente, Astrojildo Pereira, que se encontrava em Moscou desde 15 de abril
para ocupar seu cargo de membro suplente do CEIC, para o qual fora eleito no VI
Congresso121.

119
- Veja-se a relação dos candidatos no Anexo XVIII.
120
- Ata da Reunião do C.C. Restrito realizada em 24/11/1929, p. 4 (RGASPI).
121
- Os militantes do PCB que estavam na URSS naquela época eram, além de Astrojildo
Pereira, o metalúrgico russo Hermann Berezin e três estudantes das escolas de formação de quadros
da IC e da ISV: o alfaiate Heitor Ferreira Lima, futuro secretário geral do PCB, Carlos Augusto da
Silva e o trabalhador da construção civil Russildo Magalhães. As atas taquigráficas das reuniões do
Secretariado Latino-Americano da Internacional Comunista informam a presença de 29 pessoas (para
muitas das quais não foi possível estabelecer sua verdadeira identidade): Banderas (o polonês
Stanislaw Pestkowski), Cáceres (a venezuelana Cármen Fortul, aluna da Escola Leninista), Garlandi
(o italiano Ruggero Grieco), Guralski (o letão Abraham Iakovlevitch Heifetz), Grichin (o russo
Hermann Berezin, que militara no PCB), Guillén (o colombiano Guillermo Hernandez Rodriguez,
610

A primeira dessas reuniões, realizada em 22 de outubro, na qual também foi


distribuído um alentado dossiê contendo documentação sobre a atividade do PCB
no último período, iniciou-se com um longo informe de Astrojildo Pereira sobre a
situação político-econômica do Brasil e a atuação do PCB. Nele, Pereira afirmou
que a crise econômica que o país atravessava, das quais as greves que ocorriam
no país eram um importante sintoma, era decorrência das políticas de valorização
do café e de estabilização monetária postas em prática pelo governo Washington
Luís. Já no campo político as mesmas greves eram interpretadas pelo relator
como um rápido processo de radicalização das massas. Este fenômeno também
podia ser comprovado através da crescente influência do PCB nos dois últimos
anos. Tal afirmativa podia ser exemplificada com a eleição dos intendentes do
BOC, resultante de um trabalho sério levado a efeito pelos comunistas tanto no
processo eleitoral como depois, no reconhecimento de seus mandatos. Este
trabalho também teve frutos no campo sindical, no processo que resultou na
criação das federações regionais do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e
Rio Grande do Sul e, em seguida, da Confederação Geral do Trabalho do Brasil.
Outro exemplo da influência dos comunistas era o seu semanário oficial, A Classe
Operária, que tinha uma tiragem de 15.000 exemplares, número este superado
apenas pelos comunistas mexicanos, de acordo com Pereira. O dirigente
comunista também mencionou em seu informe, como provas do crescimento da
influência comunista, a organização das comemorações do 1º de Maio de 1929, o
trabalho da Juventude Comunista, o trabalho entre as mulheres operárias e a Liga
Antiimperialista. Para o comunista brasileiro a repressão contra o PCB, os
sindicatos, o BOC, a redação e as gráficas que imprimiam A Classe Operária, e
outras organizações era a “prova mais séria que a influência do partido cresce a

aluno da Escola Leninista), o suíço Jules Humbert-Droz (um dos poucos identificados nas atas
taquigráficas com seu verdadeiro nome), Jakobson, Kraftchinko, Ledo (Astrojildo Pereira), Léon,
Lesov, Loris, Lovera (o italiano Luigi Amadesi), Lunin (Carlos Augusto da Silva), Martinez,
Michard, Orestes, Perez , Ramirez (o americano Charles Shipman Philipps), Rodriguez, Romero,
Silva (Heitor Ferreira Lima), Stepanov (o búlgaro Stoïan Minev), Stirner (o suíço Edgar Woog), a
francesa Suzanne Tilge (que também atuava como secretária na IC), Vidal, Wiesner e Yatchouk.
611

cada dia”122. Já como o ponto mais fraco do PCB, Astrojildo Pereira apontou a
falta de influência do partido entre os camponeses e os trabalhadores agrícolas.
Astrojildo Pereira também tratou da questão da sucessão presidencial em
seu informe sobre a situação do Brasil. Nele apresentou a visão de que as causas
que deram origem às candidaturas de Júlio Prestes, apoiado pelo imperialismo
inglês, e Getúlio Vargas, apoiado pelo imperialismo americano, eram as
diferentes opções de cada grupo na aplicação da política de valorização do café e
da de estabilização monetária. Dentro deste quadro, Pereira informou que a
posição dos “tenentes” era oscilante entre o proletariado e a “Aliança Liberal”,
mostrando a falta de “uma atitude firme e conseqüente”, própria da pequena
burguesia. Quanto ao PCB, este, desde o início, tomou posição contra ambas as
candidaturas por meio da imprensa e de atividades de massa e também por meio
de seus dois intendentes:

“Quase que diariamente nossos intendentes fazem discursos políticos a


respeito dos acontecimentos cotidianos e dos projetos discutidos. Seus discursos
políticos têm uma repercussão nacional, pois o Conselho Municipal do Rio de
Janeiro é um pequeno parlamento político, não apenas administrativo, e nossos
dois intendentes têm a possibilidade de falar às massas por meio da tribuna
municipal, aí apresentando as palavras de ordem do Partido, de explicar a posição
do P.C. nas lutas políticas. Logo nos primeiros dias ambos deram declarações,
assim como se fez em nosso jornal, sobre a posição do P.C., afirmando que os
trabalhadores escolheram uma terceira via nesta luta política e que ela será a de
uma terceira candidatura revolucionária, baseada em uma plataforma claramente
revolucionária.”123

Já com respeito às relações entre os comunistas e os “tenentes” Pereira


relatou aos membros do Secretariado da América Latina da IC que as
negociações com Luiz Carlos Prestes, feitas à época da realização da Primeira
Conferência Comunista Latino-Americana, para examinar as possibilidades de
uma candidatura comum “não deram grandes resultados”. Mesmo assim, os
comunistas consideravam e queriam “conquistar o apoio desses revolucionários”

122
- Sécretariat Latino-américain. Séance du 22.X.1929. Réunion du Sécretariat Elargi.
Question du Brésil, p. 10 (RGASPI).
123
- Idem. Ibidem, p. 15-16.
612

e o faziam, tanto por meio de negociações secretas com os “chefes” como através
da agitação na imprensa e atividades públicas, levantando a proposta “de uma
aliança, uma colaboração” entre ambos na questão da luta eleitoral e do
desenvolvimento desta luta, que deveria ir além de uma simples campanha
eleitoral. No entanto, os comunistas também haviam, há pouco tempo, começado
a criticar “certas declarações de Prestes”, mostrando que o PCB buscava superar
algumas falhas no que se referia às relações com os “tenentes”. Aqui Pereira
também aproveitou para expor suas divergências com a direção do PCB sobre as
“causas econômicas das lutas políticas em torno da sucessão presidencial”,
mantendo, porém, seu acordo no terreno político. Defendendo a visão que
apresentara em seu informe ao Secretariado da América Latina da IC, Pereira
afirmou que não achava “justa” a caracterização de “agrários” versus “industriais”
e que já havia exposto seu ponto de vista contrário a isto em cartas enviadas ao
Brasil:

“Eu sustento que esta luta tem como causa profunda a diferenciação de
interesses que se verifica na questão da valorização do café e da estabilização
monetária. Estes são, em minha opinião, os dois problemas que se encontram na
base das divergências atuais no seio da burguesia, porque, de ambos os lados, há
fazendeiros e industriais: em São Paulo, os industriais e os grandes fazendeiros
estão absolutamente de acordo e os órgãos representativos dos grandes
industriais e comerciantes de São Paulo e do Rio e Janeiro enviaram uma
delegação ao presidente da República apoiando a candidatura do presidente de
São Paulo. Não há, portanto, esta divisão entre “agrários” e “industriais”. Em minha
opinião, esta diferenciação se produz entre grandes fazendeiros, de um lado, e
médios e pequenos fazendeiros, de outro. Os pequenos fazendeiros têm seus
interesses contrariados pelo atual sistema de valorização do café e de
estabilização monetária. A mesma diferenciação acontece na burguesia industrial e
não é por outra razão que os grandes industriais fazem bloco com os grandes
fazendeiros.”124

Pereira concluiu seu informe afirmando que a efervescência política daquele


momento tinha conseqüências diretas na luta interimperialista anglo-americano
que se desenrolava na América Latina, o que dava ao PCB o direito de pedir à IC

124
- Idem. Ibidem, p. 17. As cartas a que Astrojildo Pereira se refere estão em RGASPI e são
datadas de 18 de setembro, 15 e 16/25 de outubro de 1929.
613

e aos partidos comunistas latino-americanos, dos Estados Unidos e da Inglaterra


uma “ajuda verdadeiramente eficaz e urgente”.
Encerrado o informe de Pereira, seguiu-se uma rodada de perguntas feitas
pelos presentes para aclarações do relator. Além de esclarecimentos sobre
questões pontuais que não haviam sido referidas no informe, foram feitas
interrogações que solicitavam aprofundamentos de questões tratados por Pereira,
mas que, na verdade, já antecipavam as críticas que seriam feitas à orientação
política dos comunistas brasileiros: BOC, “tenentes”, questão camponesa etc. As
mais agressivas foram feitas pelo búlgaro Stoïan Minev (Stepanov), o qual, frente
à resposta de Pereira de que desconhecia a nova plataforma eleitoral do BOC,
não se conteve e lançou, antecipando inclusive o tom da intervenção que faria
posteriormente, o seguinte comentário: “Primeira constatação: o partido que dirige
o BOC ainda não tem projeto de programa para o BOC”.
Já na primeira intervenção, feita por Jakobson, que não pôde ser
identificado, mas que devia ser um latino-americano, pois somente fazia
intervenções em espanhol, ao contrário da maioria que se expressava em francês,
era possível perceber que a política do PCB iria ser submetida a uma forte
censura. Jakobson criticou Pereira por exagerar os sucessos do PCB e não
mostrar seus aspectos falhos, sobretudo seu fraco nível ideológico, o que lhe
dificultava, frente ao desenvolvimento de uma situação revolucionária, ter
“perspectivas claras que determinam as tarefas concretas do partido”. A falta de
uma concepção clara da divisão de classe impedia, na opinião de Jakobson, por
exemplo, o trabalho entre os camponeses e operários agrícolas e levava ao
estabelecimento de relações obscuras com Luiz Carlos Prestes. Além disso,
ressaltou o perigo da existência do BOC como um “segundo partido mais amplo”.
Também com referência ao Bloco, Jakobson afirmou que ele necessitava de um
programa revolucionário e não podia ter um caráter permanente.
Na intervenção seguinte, do letão Abraham Iakovlevitch Heifetz (Guralsky) –
que algum tempo depois iria dirigir o SSA-IC -, o tom subiu ainda mais. Depois de
afirmar que o Brasil começava a ter um papel importante para a IC na América
614

Latina e, em uma imagem exagerada, comparar a situação política do país à da


Rússia antes da I Guerra Mundial, Heifetz declarou, no entanto, que os erros do
PCB eram semelhantes aos dos partidos comunistas latino-americanos. O
principal deles era a falta de uma concepção clara a respeito do que era a
revolução democrático-burguesa e o papel dos partidos comunistas nela:

“Toda a documentação que li sobre a América Latina demonstra que nossos


partidos a imaginam de modo inteiramente mecânico. Eles a compreendem desse
modo: a revolução democrático-burguesa é uma revolução que, apesar de tudo,
tem como chefe a pequena burguesia, sob nossa influência, mas o chefe continua
sendo a pequena burguesia. No desenvolvimento da revolução nosso partido
torna-se o chefe e a revolução socialista começa. [...] Não quero trazer muitas
provas, mas tenho uma série de citações encontradas nos documentos oficiais, as
quais demonstram que é um formidável erro que foi cometido pelo partido do
Brasil, como pela maioria dos nossos partidos na América Latina, e é por isso que
estes partidos estão prontos a apoiar cada pronunciamento porque imaginam que
estes pronunciamentos são o caminho da pequena burguesia antes da revolução
democrático-burguesa, depois da qual nós viremos. É uma teoria inteiramente
falsa. Os camaradas não compreenderam até agora o papel das grandes massas
na revolução. A revolução democrático-burguesa só pode concluída sob a nossa
direção, como uma revolução jacobina das massas, a mais ampla e profunda
possível e que esta ampla revolução já inicia a transformação da revolução
democrático-burguesa em uma revolução socialista.”125

Desta compreensão sobre o caráter da revolução democrático-burguesa é


que, para Heifetz, decorreria a tendência do PCB em transformar o BOC em um
partido da pequena burguesia. O letão manifestava sua estranheza diante do fato
de a direção do BOC ser constituída por quatro membros do CC do PCB e por
mais um militante do partido e todos eles atuarem no sentido de transformar o
Bloco em um instrumento da pequena burguesia e não do PCB. Por meio deste
exemplo, para Heifetz era visível a forte influência da pequena burguesia nas
fileiras do Partido Comunista do Brasil, a “falta de clareza sobre as perspectivas
do desenvolvimento” e a “incompreensão do caráter da revolução”.
Outro resultado dessa falta de percepção sobre o caráter da revolução era a
ausência de vigorosas críticas contra os “tenentes”, sobre os quais afirmava que

125
- Sécretariat latino-américain. Séance du 22/10/1929. Question du Brésil, p. 34 (RGASPI).
615

não estavam entre o proletariado e a burguesia, mas sim “três quartos mais
próximos dos liberais do que de nós”.
Dois dias depois foi a vez do búlgaro Stoïan Minev (Stepanov), figura muito
próxima de J. Stalin, que fez aquela que pode ser considerada a mais dura
intervenção contra o PCB. Admitindo haver no Brasil uma série de elementos e
condições para uma situação revolucionária que poderia se tornar aguda, Minev,
ardoroso defensor da política do “Terceiro Período”, afirmou que reinava a mais
confusão completa nas fileiras do PCB. Para ele os comunistas brasileiros haviam
se deixado “hipnotizar pelos acontecimentos da China”, não conseguindo tirar
todas as conseqüências do que lá acontecera. Para exemplificar tal confusão,
Minev passou a citar vários trechos de textos de Octavio Brandão, “teórico
reconhecido do partido”, como fazia questão, sarcasticamente, de destacar a
cada citação, e de outros documentos do PCB a fim de mostrar, como, nas
relações que dali eram definidas com a pequena burguesia, o proletariado
aparecia como um auxiliar que, a rigor, apoiando ou não a pequena burguesia,
tinha um papel sempre secundário, não passando de uma força auxiliar.
Exemplificando com a questão da “terceira revolta”, na forma como aparecia nas
resoluções do III Congresso do PCB, Minev afirmava:

“Em todos os casos desapareceu a coisa elementar: a hegemonia do


proletariado no movimento revolucionário. Em todas as etapas revolucionárias
existe a pequena-burguesia que se põe à frente, e depois, vem o problema de
quem o partido comunista deve ter por dirigente e apoiar, mas não a quem dirigir
para ser hegemônico. Acredito que o exame e as citações dos documentos
permitem concluir que o partido comunista não tem uma idéia clara e definida do
que é esta revolução da qual se fala e que os camaradas se deixam fascinar pelas
formas tradicionais dos movimentos revolucionários pequeno-burgueses.”126

Na concepção de Minev a “revolução democrático-pequeno-burguesa”,


“revolução agrária antiimperialista”, deveria ser uma revolução camponesa e
agrária que visaria diretamente não apenas os fazendeiros, mas, também, as
empresas estrangeiras, pois a burguesia brasileira estava ligada aos grandes

126
- Sécretariat latino-américain. Séance du 24/10/1929. Question du Brésil, p. 49 (RGASPI).
616

proprietários rurais e ao imperialismo estrangeiro; cabendo nesta revolução o


papel dirigente ao proletariado industrial e agrícola revolucionários. No entanto,
tudo isso pressupunha a existência de um programa, coisa que o PCB não tinha.
O que os comunistas brasileiros possuíam definidas, observou ironicamente
Minev, “até o menor detalhe”, eram as atitudes em relação a Luiz Carlos Prestes –
a quem chamou de Chang-Kai-Chek brasileiro -, porém para a massa de oito
milhões de “operários agrícolas e uma imensa parte da população agrícola” que
participaria da “terceira revolta” não havia idéias ou programas claros.
Em sua opinião, se o PCB não possuía uma idéia clara a respeito de suas
“tarefas mais elementares sobre as questões mais importantes”, o mesmo se
podia dizer a respeito de sua direção política sobre o BOC:

“Vocês se lembram do que Ledo [Astrojildo Pereira] nos disse outro dia: o
congresso operário e camponês [Minev refere-se ao I Congresso do BOC]
convocado irá elaborar uma plataforma para as eleições, ele irá elaborar outros
documentos sobre as tarefas. Sobre todas estas questões que o congresso do
Bloco Operário e Camponês tratará o Partido Comunista brasileiro não tomou
posição. Uma prova indireta da justeza dessa afirmativa é que Ledo PÔDE OBTER
ALGUMAS informações sobre o congresso operário e camponês, sobre sua ordem
do dia, mas NÃO PÔDE ENCONTRAR documentos indicando a posição do PC
brasileiro. Esta é uma prova irrefutável que de que o partido não tem posição.”127

Para Minev o BOC acabou produzindo uma aliança ideológica e orgânica


com a pequena burguesia, mas que, dado o baixo nível político e ideológico do
PCB, na verdade, resultou em um segundo partido. Para o búlgaro era uma
situação grave frente a qual os comunistas deveriam tomar uma posição
definitiva. Era preciso definir se o centro de sua atividade política era o partido ou
o BOC. Aqui, obviamente, deixava-se sugerida a extinção do BOC. Para concluir,
Minev fez um duro balanço da experiência do Bloco:

“Na América Latina vocês, na verdade, não têm verdadeiros partidos


comunistas. Nosso Partido Comunista do Brasil, que mostra uma grande atividade,
ainda não saiu de seu estado embrionário, ainda não se tornou uma organização
de massa, ainda não está ligado com todo o país e nada com os trabalhadores

127
- Idem. Ibidem, p. 52 (RGASPI). Grifos do original.
617

agrícolas. Qual é seu ponto de apoio do ponto de vista social nas cidades e no
campo? Existe um ponto de apoio ainda muito falho nas cidades. No campo vocês
não têm nada, nem organizações de operários agrícolas etc. O que aconteceu,
então? Vocês criaram estas organizações do Bloco Operário e Camponês para
servir de cobertura e que servem apenas para fazer eleitoralismo. E toda a
experiência aí de vocês até o momento pertence somente ao domínio eleitoral.
Esta experiência já é conclusiva. O Bloco Operário e Camponês, onde estão
ausentes os camponeses, os impede precisamente de ver a seriedade das tarefas
que vocês tem de cumprir no domínio do campo, no domínio da organização dos
operários agrícolas. Ao invés de ir ao campo para criar sindicatos de operários
agrícolas, comitês de luta, ao invés de lhes mostrar a necessidade da revolução
agrária, ao invés de lhes falar dos SOVIETES OPERÁRIOS E CAMPONESES,
vocês apenas lhes falam do ‘Bloco Operário e Camponês’. E nosso ‘Bloco Operário
e Camponês’ permanece uma formação eleitoral das cidades. Nos últimos
documentos vemos que tudo depende das eleições: se as massas votarem no
Bloco Operário e Camponês, tudo está certo. Seu BOC serve de cobertura a vocês
contra a polícia, mas ele cobre, esconde o Partido Comunista das massas, ele
aprisiona vocês, ele impede vocês de fazer um trabalho sério e efetivo para a
preparação da revolução democrático-burguesa. O Bloco Operário e Camponês
conduz vocês aos ‘salões do eleitoralismo’, ele conduz vocês ao parlamento e
impede vocês de arrastar as massas camponesas, ele impede vocês precisamente
de fazer a preparação política das massas para executar a revolução democrático-
burguesa; ele impede vocês de guiar essa revolução, de obter a hegemonia do
proletariado nessa revolução. Com o Bloco Operário e Camponês vocês praticam
eleitoralismo, travam conversações com Prestes e a tarefa principal, isto é, a
preparação ideológica e política séria das massas operárias e camponesas para
fazer a revolução democrático-burguesa, esta vocês não a realizam.”128

Logo após Minev, teve a palavra o suíço Jules Humbert-Droz. Embora não
tão agressiva como àquela que o antecedeu, a intervenção de Humbert-Droz foi
também bem crítica em relação ao PCB. No entanto, o tom da crítica feita pelo
suíço tinha um caráter mais propositivo. Nesta forma de abordagem mais positiva
é importante se compreender que, por detrás dela, havia uma questão que não
possuía relação diretamente com o debate em questão: Humbert-Droz era um
notório defensor das posições de N. Bukharin e aquelas reuniões sobre a
“questão do Brasil” eram também palco de um combate subterrâneo entre o seu
grupo e o dos apoiadores de J. Stalin, então majoritários, mas ainda não
exclusivamente hegemônicos. Desse modo, Humbert-Droz, por exemplo, deu uma
estocada em Heifetz afirmando que comparar o Brasil e a Rússia era um
equívoco, pois o império russo era um estado imperialista, ao passo que o Brasil

128
- Idem. Ibidem, p. 60-61 (RGASPI). Grifos do original.
618

era um país semicolonial. O mesmo se passou em relação a Minev, desta vez


mencionando-o expressamente, quando o suíço, ao fazer um balanço do BOC,
embora concordando com uma série de questões levantadas pelo búlgaro,
afirmou:

“Agora, algumas palavras sobre o Bloco Operário e Camponês. Sobre este


ponto não estou de acordo com tudo o que Stepanov disse. Acho que colocar a
questão como ele o fez, opondo uma ação ampla de massas à ação interna do
partido é um erro. [...] Se fizermos isso teremos pequenas seitas e nem todas
comunistas. Nossos partidos cometem erros na ação de massa, mas eles
aprendem por meio de seus próprios erros. [...] Se considerarmos a política do
Bloco Operário e Camponês do Brasil, vemos que ele teve desvios em parte
corrigidos e neste momento muitas coisas precisam ser corrigidas e combatidas,
mas se fizermos um balanço, podemos dizer que este balanço é negativo? Eu não
acho; acho que a ação do Bloco Operário e Camponês do Brasil colocou em
contato o pequeno grupo de camaradas que forma o Partido Comunista do Brasil
com a massa. Por meio da ação do Bloco, por meio de seus erros, o partido
adquiriu uma experiência política, ele se tornou um partido e acho que sem o Bloco
Operário e Camponês a CGT não teria sido criada, não teríamos as
demonstrações de Primeiro de Maio.”129

Além desta razoável ponderação, Humbert-Droz manifestou outras


diferenças em relação à orientação do “Terceiro Período”, das quais a mais
notável era a de que ele achava que, com a ampliação da influência do BOC, se
exagerava o “aumento de atividade combativa das massas”. Para o suíço apenas
isto não conduzia a um “grande movimento revolucionário político e social de
massa”:

“Ora, eu disse que eu não via nas informações que possuímos sobre o Brasil
que tenhamos uma grande atividade, um grande impulso destas camadas da
classe operária que são os motores da revolução democrático-burguesa no Brasil.
Pelo contrário, o fato que muitos destes elementos ainda estejam a reboque de
Prestes e agora a reboque da Aliança Liberal, quer dizer, do imperialismo norte-
americano, prova que nosso trabalho é inteiramente insignificante. Não devemos
nos iludir sobre as forças e nem considerar todo ‘movimento revolucionário’, todo
golpe de Estado no Brasil, toda articulação de complôs no Exército etc., como a
eclosão da revolução democrático-burguesa; tenho a impressão, ao contrário, de
que para o que caminhamos no Brasil é muito mais um pronunciamento e um

129
- Sécretariat latino-américain. Séance du 24/10/1929. Question brésilienne, p. 69
(RGASPI).
619

movimento ‘revolucionário’ organizado pelo imperialismo americano, que utilizará


para seus fins imperialistas, de uma forma muito demagógica, o sentimento hostil
das massas contra os proprietários fundiários.”130

O que Humbert-Droz, em acordo com a posição defendida por N. Bukharin –


que sustentava a existência de uma estabilidade relativa do capitalismo -, punha
em questão aqui era a onipresença de situações revolucionárias em escala
planetária sustentada pelos partidários de Stalin, para os quais a estabilidade
relativa não mais existia. Por isso, Humbert-Droz afirmou que no Brasil não havia
impulso revolucionário suficiente para que fosse colocada a “questão da tomada
do poder como uma tarefa imediata”.
No entanto, como a maioria dos presentes, mas com um uma diferença de
ênfase e de tom, ele achava necessário o PCB mostrar-se ativo na mobilização
das massas e que era hora, cada vez mais, de fazer aparecer o partido com sua
face própria, pondo de lado, gradualmente, a cobertura do BOC.
Nesta discussão envolvendo Humbert-Droz e Minev e outros já se notava
que, no interior da IC, o controle por parte da facção de Stalin progressivamente
caminhava para o “crê ou morre” definitivamente instaurado em meados dos anos
1930, quando os adversários de Stalin passaram a ser eliminados fisicamente.
Nas sessões a respeito da situação brasileira isto pôde ser percebido por meio da
patética intervenção do alfaiate brasileiro e estudante da Escola Leninista da IC,
Heitor Ferreira Lima. O jovem alfaiate, também simpatizante de N. Bukharin,
intervindo após Humbert-Droz, resolveu simplesmente enfrentar de “peito aberto”
Minev e a máquina da IC. Afirmou que achava falta de seriedade exigir do PCB
que colocasse em prática as resoluções do 10º Pleno do CEIC, coisa que não
havia sido sequer feita na Escola Leninista. Além disso, acreditava que a
discussão sobre o Brasil deveria ter sido feita mais cedo: “É muito ruim que ela
tivesse se retardado tanto e se o PCB cometeu erros, foi um pouco em
conseqüência da falta de diretivas da IC”131. Lima foi mais além e insinuou que
Minev, fazendo uma “crítica unilateral” e um “terrível amálgama”, havia

130
- Idem. Ibidem, p. 65-66.
620

manipulado o uso das citações em sua intervenção. Depois de ter feito estas
colocações Lima tratou das questões até então debatidas. Com referência ao
BOC afirmou que, em razão dos aspectos positivos já destacados por Humbert-
Droz, não possível acabar com ele do dia para a noite. Além disso, acreditava
ainda ser possível corrigir a totalidade dos erros apresentados pelo BOC. Em
seguida, Minev pediu a palavra para responder a Lima e, antes de expressar suas
divergências com o estudante brasileiro, ameaçou:

“Estou espantado que, ao invés de tomar a sério as críticas que fizemos aqui,
o camarada Silva [Heitor Ferreira Lima] busca esquivar-se um pouco delas e fazer
um discurso de defesa de uma causa dificilmente defensável, sobretudo quando se
é aluno da Escola Leninista.”132

Na sessão seguinte, que ocorreu no dia 27 de outubro, Lima pediu a palavra


“para explicar o sentido de minha última intervenção, porque acredito que os
camaradas não a compreenderam”. Nesta fala acabou por voltar atrás em vários
dos seus posicionamentos expostos três dias antes e, no que se refere ao BOC,
passou a manifestar-se inteiramente de acordo com a necessidade de liquidá-lo
depois das eleições. Enfim, foi um recuo em toda a linha.
Esta intervenção de Lima foi antecedida pela do responsável do
Secretariado da América Latina da Internacional Comunista, o italiano Ruggero
Grieco (Garlandi). Grieco, afirmando que as discussões sobre o Brasil, na
verdade, serviam para referenciar a todos os partidos latino-americanos, afirmou
que a discussão serviu para deixar claro que a tarefa de conduzir a revolução
democrático-burguesa pertencia exclusivamente ao proletariado revolucionário e
que esta teria de ser conduzida contra a burguesia brasileira. O secretário para a
América Latina da IC avaliava que o tempo de passagem da revolução
democrático-burguesa à socialista aconteceria em “um ritmo relativamente curto”.
Esta rapidez era decorrência da interpenetração da luta entre os imperialismos
inglês e norte-americano, da luta entre os grupos dominantes brasileiros, da crise

131
- Secrétariat sud-américain. Question brésilienne, 24/10/1929, p. 75 (RGASPI).
132
- Secrétariat sud-américain. Comission brésilienne, 24/10/1929, p. 80 (RGASPI).
621

de produção do café e da luta da massa trabalhadora contra a classe dominante


brasileira (a famigerada “radicalização das massas”). No que se refere a esta
última, no entanto, as massas camponesas ainda estavam adormecidas e haviam
sido levemente tocadas pelos “movimentos pequeno-burgueses de Prestes” e a
sua conquista, afirmava Grieco, estava no centro da luta entre os comunistas e a
burguesia e que os primeiros somente teriam sucesso se fossem capazes de dar
uma resposta ao problema da terra no Brasil. Para isso, o PCB deveria fomentar
um movimento camponês com base em reivindicações relativas às necessidades
elementares dos trabalhadores da terra brasileiros. E justamente aqui é que
entrava a questão do BOC.
Para Grieco era importante a luta dos comunistas pela conquista da
hegemonia no movimento para colocar-se à frente da revolução democrático-
burguesa:

“A hegemonia supõe uma aliança, naturalmente um bloco de forças; e


hegemonia é o resultado de uma política. Digo isso para dar uma precisão a fim de
que não se subestime o papel do Partido Comunista como promotor da revolução
agrária.”133

Além disso, o italiano afirmava que a hegemonia também era uma questão
de relações entre organizações políticas, mas acreditava que a constituição de
uma organização permanente ou de um partido operário camponês era um erro
em qualquer país e não apenas no Brasil. Para ele deveria haver a organização
de formas particulares articuladas às circunstâncias específicas que
determinavam sua criação, o que permitiria uma ligação entre operários e
camponeses, dando-lhes uma posição ativa de luta, como, por exemplo, para a
eleição presidencial, ao mesmo tempo em que daria ao Partido Comunista a
“possibilidade de manter sua independência e de dirigir independentemente o
movimento das massas camponesas”. Por isso, ele era contrário à formação de
uma organização permanente que acaba negando o partido. Assim, com relação
622

ao BOC, o secretário para a América Latina da IC propunha claramente sua


extinção:

“Neste momento devemos conduzir no Bloco uma política que nos permita
liquidá-lo, em sua forma atual, após as eleições presidenciais e com os melhores
resultados para o nosso partido. Devemos tentar liquidar o Bloco reforçando todas
as posições que temos nas organizações camponeses e nos comitês camponeses
que devemos começar a criar imediatamente.”134

Com relação às relações com a pequena-burguesia radical, Grieco deixava


claro que era necessário retificar a política de “capitulação do partido diante da
pequena burguesia dita revolucionária” e para isso era preciso criticar a “falsa
política de Prestes e as posições que são contra-revolucionárias”. Com isso o
PCB salvaria sua independência política diante das massas e a reforçaria mais
ainda apresentando um “candidato da revolução”.
A propósito da candidatura própria, Grieco afirmou, fiel à orientação do
“Terceiro Período”, que esta também deveria tratar abertamente da questão da
tomada do poder. Esta não deveria ser feita apenas como um tema de
propaganda, mas como resultado da agitação já existente no Brasil e da qual os
comunistas deveriam tomar a frente. Daí por diante Grieco, impulsionado pelo
esquerdismo que a política da IC propunha, levava a questão ao paroxismo:

“[...] colocando de maneira concreta a questão da luta pelo poder, da ditadura


democrática dos operários e camponeses. Esta é a nossa luta pelo poder. É
preciso dizer que lutamos pelo poder e por isso é preciso desde já fazer a
propaganda da criação de sovietes, é preciso falar da luta pela insurreição, o que
significa também pôr a questão em termos de organização. É preciso dizer que a
luta pelo poder se fará pela insurreição. Também é preciso preparar certos meios
de luta insurrecionais. Se nossa perspectiva é justa, é preciso desenvolver um
trabalho no Exército, criar agrupamentos operários que hoje poderão se chamar
‘grupos de defesa’ e que poderão evoluir para grupos insurrecionais do tipo
militar.”135

133
- Secrétariat latino-américain. Question brésilienne, 14/11/1929, p. 108 (RGASPI). A data
deste documento está claramente errada, em razão das evidências internas existentes nas outras
intervenções da sessão de 27 de outubro de 1929, que é a data correta para a intervenção de Grieco.
134
- Idem. Ibidem, p. 110 (RGASPI).
623

Por fim, Grieco propôs que a discussão se convertesse em uma resolução,


que deveria conter uma apreciação da situação do país, uma crítica aos principais
problemas do PCB e concluir em um conjunto de diretivas concretas. Era desse
modo que Grieco achava que a IC poderia responder ao apelo feito por Astrojildo
Pereira em seu informe inicial.
Na reunião seguinte, inicialmente marcada para 30 de outubro e realizada
em 5 de novembro, se discutiu o projeto de resolução proposto por Grieco e que
foi redigido por ele e Heifetz. Nele foram acatadas as críticas formuladas ao PCB
e à sua orientação política e o Secretariado da América Latina da Internacional
Comunista aprovou o documento. No caso do BOC aceitou-se a proposta de
Grieco de liquidá-lo em sua forma atual e após as eleições, pois não se deveria
abrir mão da oportunidade de agitação que elas propiciavam naquele momento,
substituí-lo por comitês de ação. No entanto, como o próprio Grieco afirmou, não
havia clareza de como estes seriam, mas “a questão se colocará da parte dos
camaradas do Brasil e devemos responder-lhes”136.
Ao final das reuniões os brasileiros estavam prostrados ao verem anos de
trabalho sendo demolidos pela saraivada de críticas a que foi submetido o PCB.
Um dos participantes da reunião, Heitor Ferreira Lima, expôs o estado de espírito
dos militantes comunistas brasileiros presentes e, com certeza, de muitos dos que
tomaram ciência posteriormente do que se desenrolara em Moscou:

“Fomos acusados de orientar toda a tática e estratégia do PCB na espera da


‘terceira revolta’, colocando-nos desse modo a reboque da pequena burguesia; de
menosprezarmos as reivindicações específicas do proletariado; de abandonarmos
a questão camponesa, esquecendo a reforma agrária e a aliança dos operários
com os trabalhadores dos campos; de escondermos o Partido atrás do Bloco
Operário e Camponês; de não cuidarmos devidamente da formação de um PCB
independente, à altura das necessidades nacionais; de não nos preocuparmos
com os problemas dos negros e dos índios, enfim de adotarmos uma política
pequeno-burguesa, contrária ao leninismo e às recomendações da IC. Em resumo:
fomos totalmente arrasados na ideologia e na ação prática que seguíamos.

135
- Idem. Ibidem, p. 112 (RGASPI).
136
- Secretariat Latino-américain. Question brésilienne. Séance du 03/11/1929, p. 207
(RGASPI)
624

Tal contestação, em forma tão severa, nos deixou, a nós brasileiros,


perplexos, atônitos, quase aniquilados, pois eram esforços, trabalhos e sacrifícios
de tantos anos que víamos desmoronar irremediavelmente, ante nosso espanto e
inconsciência, como se o mundo viesse abaixo. Foi uma espécie de desilusão. Não
podíamos deixar de reconhecer, porém, que naquela análise aguda e forte havia
muito de verdadeiro, embora contivesse também muito exagero e, além disso, ser
feita sem contemplação alguma pelas nossas boas intenções e pelo lado bom do
trabalho até então realizado. Era uma crítica insólita, um tanto parcial, tornando-
nos um pouco confusos, num entrechoque violento de idéias que escaldavam
nossas cabeças.”137

O Secretariado da América Latina também aprovou a volta de Astrojildo


Pereira ao Brasil para “ajudar o partido na preparação da campanha eleitoral”,
ficando em seu lugar, como representante do PCB junto à IC, Heitor Ferreira
Lima. Na verdade, Pereira chegou na frente da resolução para buscar a
implementação das decisões definidas nas reuniões em Moscou e, de certa
forma, “preparar” o terreno para que as modificações definidas em Moscou não
caíssem como um raio em céu azul138.
Enquanto Astrojildo Pereira chegava ao Brasil com as novas diretivas no
início de 1930, o projeto de resolução aprovado no Secretariado da América
Latina da Internacional Comunista ficou algum tempo ainda sendo discutido no
Secretariado Político do CEIC, retornou ao Secretariado da América Latina,
voltando ao Secretariado Político. Finalmente, no dia 8 de fevereiro de 1930, o
documento, com a redação final dada pelo russo Serguei Ivanovitch Gussev, foi
aprovado pela Comissão Política do Secretariado Político do CEIC139. Em
decorrência dos prazos de envio postal, a resolução chegou ao Brasil depois das
eleições de 1º de março. No início de março o CC do PCB recebeu um “resumo
telegráfico” contendo apenas diretivas e palavras de ordem para o trabalho do
partido tomadas do documento que havia sido aprovado em 8 de fevereiro pelo
Secretariado Político do CEIC. Especificamente em relação ao BOCB o telegrama

137
- Heitor Ferreira Lima. Caminhos percorridos. Memórias de militância, p. 103-104.
138
- Carta de Garlandi [Ruggero Grieco] à la Petite Comission. Moscou, 16/11/1929
(RGASPI).
139
- Protokoll Nr. 74 der Sitzung des Politseckretariats des EKKI am 26/01/1930 (RGASPI);
Secrétariat latino-américain. Comintern. Réunion du 02/02/1920 (RGASPI); Protokoll Nr. 41 der
Sitzung des Politschen Kommission des Politseckretariats des EKKI am 08/02/1930 (RGASPI).
625

apenas ordenava que o seu programa fosse modificado em conformidade com


estas novas diretivas e palavras de ordem. Com este “resumo telegráfico” em
mãos, o Presidium do CC discutiu-o e aprovou uma resolução na qual constatava
como justas as críticas e os erros apontados pela IC – e inclusive, frente aos
resultados das eleições de 1º de março, a resolução apontava a atualidade das
críticas da IC, mostrando como o PCB perdera terreno em relação a Maurício de
Lacerda, “que o Partido não soube combater nem desmascarar com a necessária
firmeza” - e que eles decorriam fundamentalmente “de sua incompreensão do
caráter democrático-burguês da próxima etapa da revolução brasileira (revolução
agrária e antiimperialista)”140. Obviamente isto somente acontecera, apesar de o
documento que serviu de base para uma decisão desse porte ter sido um “resumo
telegráfico”, em razão da presença de Astrojildo Pereira. De qualquer modo, o
texto integral da resolução do Secretariado Político do CEIC foi somente tornado
público através do número de 17 de abril de 1930 de A Classe Operária141.
A resolução aprovada pelo Secretariado Político do CEIC refletia as
discussões ocorridas no Secretariado da América Latina da IC e as
caracterizações ali feitas por Heifetz, Minev e Grieco a respeito da orientação
política do PCB foram expostas no documento, que apenas recebeu uma
atualização a propósito do “crack” da Bolsa de Nova York e seus reflexos na
política cafeeira. À linha política do PCB foram também agregados ao documento
adjetivos que não foram empregados durante a reunião: “menchevista,
antileninista e antimarxista”. Com respeito ao BOCB reafirmou-se sua condição de
“segundo partido operário que não faz uma política revolucionária conseqüente” e
que substituiu o PCB. Embora não tratasse diretamente da dissolução do BOCB o
documento propunha que o PCB deveria ser o “único” partido revolucionário, o
que, ao menos nos meandros comunistas, deixava clara a decretação de sua
extinção.

140
- Presidium do CC do PCB. Resolução do Presidium do C. C. sobre as diretivas da I.C. Rio
de Janeiro, 07/03/1930, p. 2 (RGASPI).
141
- Ver, no Anexo XVII, o trecho referente ao BOC na Resolução da Internacional
Comunista.
626

A CAMPANHA À SUCESSÃO PRESIDENCIAL

Marcando o lançamento das suas candidaturas e o início da campanha


eleitoral, o BOCB anunciou que a sessão solene e pública de encerramento do
seu I Congresso se realizaria no dia 6 de novembro. A polícia, fiando-se nos
termos do comunicado enviado à imprensa - que afirmava que o BOCB “resolveu
realizar o seu Congresso na residência de seu representante, o intendente
Octavio Brandão, à rua do Curvelo n. 11, em Santa Teresa, no próximo dia 6,
quarta-feira, às 19 horas, convidando para esse local todos os delegados dos
comitês das corporações sindicais, dos centros políticos proletários, dos comitês
de locais de trabalho, das fábricas, dos sindicatos de tendência revolucionária e o
proletariado em geral”142 - resolveu entrar em ação. Como não possuía
informações de que aquele seria apenas o ato de encerramento do Congresso, a
polícia acreditava, desse modo, estar impedindo sua concretização. Assim, às
19:30 horas, a casa de Brandão foi cercada pela polícia. Como vinha ocorrendo
desde maio, a ação repressiva se fez ao arrepio da lei, como deixou claro a
imprensa:

“Neste, como em quase todos os casos do mesmo caráter, as autoridades


policiais agiram sem a necessária necessidade. Foram excessivas, porque não
consentiram a realização de uma assembléia absolutamente legal, pacífica,
constitucional; foram-no porque não comunicaram aos organizadores da
convenção o seu propósito de não consentir a sua realização; foram-no também
porque não podiam ter guardado a porta da casa ou as proximidades e, assim,
impedir a reunião, sem fazer prisões; excederam-se, ainda, porque prenderam a
‘torto e a direito’. Detendo transeuntes que nada tinham com o fato.
Era preso qualquer cidadão que tivesse necessidade de passar pelo local!
Meteram todos nos xadrezes da 4ª delegacia auxiliar, sendo preciso até que se
preparassem geladeiras para receber os presos, por não haver onde os pudessem
localizar.”143

142
- A polícia impediu que se realizasse a convenção do partido comunista. Foram efetuadas
cinqüenta e tantas prisões, dentre as quais a de dois jornalistas. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
07/11/1929, p. 6.
143
- Idem. Ibidem.
627

À imprensa a polícia forneceu uma relação com o nome de 58 pessoas que


foram presas durante a ação. O único nome de destaque detido foi o do candidato
a senador Phenelon Ribeiro, além do jornalista José Jobim, que esteve ali, no
entanto, a trabalho, como redator da sucursal carioca do Diário de São Paulo144. O
delegado da polícia política carioca, o 4º delegado auxiliar Oliveira Ribeiro, em
entrevista à imprensa, alegou que a ação fora desencadeada por ter sido uma
reunião ilegal, na qual estariam presentes “elementos reconhecidamente
subversivos”. Além disso, justificou o conjunto do movimento repressivo contra os
comunistas “apenas” como uma operação de inteligência:

“A orientação da campanha policial [...] está baseada sobre fatos iniludíveis,


que atestam soberanamente a necessidade de agirmos, pelo menos com atenção.
A sociedade constituída, que nos confia a sua proteção e a sua guarda, exige os
cuidados da polícia. Não quero com isto dizer que o comunismo no Brasil seja um
perigo. Nada disto. O movimento não é para fazer recuo algum. Trata-se
simplesmente do cumprimento do dever. Prendemos os comunistas porque temos
necessidade de identificá-los, a fim de conhecer-lhes os precedentes. Satisfeito
isso pomo-los imediatamente em liberdade.”145

No dia seguinte ocorreu um comício realizado com o objetivo de comemorar


o aniversário da Revolução Russa e tornar públicas as candidaturas do Bloco, o
qual já havia sido anunciado por Minervino de Oliveira no Conselho Municipal, em
sessão de 23 de outubro. Com duas viaturas e policiamento postados na praça
Marechal Deodoro, defronte o prédio do Conselho Municipal, o comício foi aberto
por Minervino de Oliveira. Em seu discurso, o intendente protestou contra a ação
da polícia política na véspera em Santa Teresa e falou sobre a Revolução Russa,
concluindo-o com o anúncio dos nomes dos candidatos do BOCB escolhidos
durante o I Congresso. Ao se darem conta, com o anúncio dos candidatos, de que
o congresso havia sido realizado, os policiais devem ter ficado furiosos por terem

144
- Prossegue a campanha da polícia contra o comunismo. O comício que se pretendia
realizar na praça Marechal Floriano foi violentamente dissolvido. Tiros e bengaladas – Vários
operários feridos. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 08/11/1929, p. 5.
145
- A orientação da campanha policial contra os comunistas. Fala-nos a respeito o sr. Oliveira
Ribeiro, 4º delegado auxiliar. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 09/11/1929, p. 6.
628

sido ludibriados pelos comunistas e, pretextando a ocorrência de “um tumulto


provocado por um aparte de um ouvinte” no início do discurso do orador seguinte,
o candidato Mário Grazzini, dissolveram o comício violentamente. Foram presas
43 pessoas e feridas três, sendo duas à bala. Entre os presos estavam os dois
intendentes e Mario Grazzini146. Por conta deste episódio não houve sessão no
Conselho Municipal. No dia seguinte Octavio Brandão foi a plenário e leu um
manifesto do BOCB denunciando as violências cometidas pela polícia nos dias
anteriores e aproveitou para dela tripudiar ao anunciar a realização do I
Congresso do BOCB.

Mário Grazzini, candidato a deputado em 1930.

No entanto, quando foram discutidos, em reunião do Comitê Central Restrito


realizada em 24/11/1929, os acontecimentos ocorridos no comício de 7 de
novembro, um membro da Comissão Central de Organização do CC do PCB,
Marino, apontou outras razões para que o comício se desenrolasse dessa
maneira:

146
- Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de
Outubro a 30 de Novembro de 1929, p. 553-555; Prossegue a campanha da polícia contra o
comunismo. O comício que se pretendia realizar na praça Marechal Floriano foi violentamente
dissolvido. Tiros e bengaladas – Vários operários feridos. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
08/11/1929, p. 5; Ofício de Seraphim Soares Braga ao Chefe de Seção de Ordem Política e Social.
Rio de Janeiro, 07/11/1929 (APERJ); A orientação da campanha policial contra os comunistas. Fala-
nos a respeito o sr. Oliveira Ribeiro, 4º delegado auxiliar. Correio da Manhã. Rio de Janeiro,
09/11/1929, p. 6.
629

“Os nossos quadros são numericamente pequenos e a nossa eficiência


orgânica é quase nula. O nosso aparelho é ronceiro, falho e incapaz de arrastar
grandes massas para o trabalho orientado pelo Partido. A prova do que afirmamos
temos na demonstração de 7 de novembro. Foi uma insignificante massa que
compareceu ao comício anunciado,comício que tinha uma significação política
extraordinária. Tivéssemos arrastado para a praça pública dez ou vinte mil
trabalhadores e a polícia não teria procedido como procedeu.”147

Marino afirmou que de há muito já se vinha salientando o descompasso


“entre a grande influência de nosso Partido no seio das massas e a insignificante
força orgânica do mesmo”. Mesmo assim, insistia-se em afirmar que a máquina
partidária funcionava perfeitamente, mas para Marino era evidente que se
confundia o desejo com a realidade. Tal situação ele a atribuía ao baixo nível
ideológico dos membros do PCB. Isto, em face de uma “situação objetivamente
revolucionária”, tinha como resultado o fato de que o PCB “organicamente não se
encontra apto a desempenhar o seu papel de dirigente da revolução que se
aproxima”.
No dia 8 de novembro uma delegação da União Geral dos Trabalhadores
Marítimos Portuários, um sindicato dirigido pelos “amarelos”, entregou ao chefe
de polícia do Distrito Federal, Coriolano de Góes, uma “moção de solidariedade à
repressão aos propagadores de doutrinas subversivas”148.
Dias depois, ao final de uma sessão, um grupo de ferroviários da Central do
Brasil dirigiu-se ao Conselho Municipal com o aparente intuito de agredir Octavio
Brandão, que, no entanto, conseguiu desvencilhar-se da situação. Brandão
afirmou mais tarde que a situação havia sido preparada pela polícia política.
Estes ferroviários, que integravam um grupo de 32 que haviam sido demitidos ou
suspensos da Estrada de Ferro Central do Brasil, foram punidos pela empresa por
terem sido presos durante os acontecimentos de 6 e 7 de novembro. Entre eles
havia efetivamente membros do PCB, como um futuro secretário geral do partido,
José Villar, mas também uma parte era composta de pessoas que foram presas
simplesmente por estarem nas proximidades dos acontecimentos. A Central do

147
- Ata da Reunião do C.C. Restrito realizada em 24/11/1929, p. 7 (RGASPI).
630

Brasil aproveitou-se desse pretexto para perseguir os comunistas na empresa e


insuflar seus trabalhadores contra eles, permitindo que se colhesse assinaturas
para um abaixo-assinado contra os intendentes do BOC. Segundo Octavio
Brandão, a direção da empresa estaria pressionando seus funcionários para que
o assinassem. Ao final este documento conseguiu reunir 2.159 subscritores e foi
apresentado no Conselho Municipal, em 18 de dezembro, pelo intendente João
Clapp, que também era funcionário da empresa. Além disso, a Central do Brasil,
de acordo com uma denúncia feita por Maurício de Lacerda, demitiu funcionários
que se recusaram a dar suas carteiras ao “Bloco Ferroviário” do “Centro Pró-Júlio
Prestes”149.
Com a candidatura de Minervino de Oliveira a Presidente da República e
candidatos definidos e apresentados nos Estados do Ceará, Espírito Santo,
Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, o BOCB
lançou-se à campanha através da realização de comícios e da participação em
eventos sindicais. No entanto, como resultado da orientação vigente de “ação
descoberta e revolucionária” que os militantes do PCB deveriam adotar, o que, na
prática acabava resultando em alimentar conflitos com a repressão, a campanha
do BOCB acabou sendo mais uma sucessão de prisões, de dissoluções de
comícios e de outras arbitrariedades da repressão do que um movimento de
agitação, disputa de idéias e difusão de posicionamentos. A este respeito os
membros do Grupo Comunista Lenin, que defendia as posições da Oposição
Internacional de Esquerda, e que agrupava parte dos militantes comunistas
expulsos no último período – particularmente os da célula 4-R e os que
integraram a Oposição Sindical de 1928 – observaram os resultados funestos
dessa postura:

148
- A orientação da campanha policial contra os comunistas. Fala-nos a respeito o sr. Oliveira
Ribeiro, 4º delegado auxiliar. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 09/11/1929, p. 6.
149
- No Conselho Municipal. Vários intendentes em combate ao comunismo. Operários tentam
agredir o intendente Octavio Brandão. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 15/11/1929, p. 6; Distrito
Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de 1º de Outubro a 30 de
631

“Preocupando-se unicamente com o aspecto exterior da questão, a direção


do P.C. não tem sabido preparar uma base séria para a realização das
demonstrações de massas, guiando-se ora pela folhinha, ora por uma noção
estreita de disciplina, segundo a qual é necessário ‘cumprir ordens’, sejam elas
quais forem, bastando que tenham descido de uma instância superior. Os nossos
comunistas têm resumido sua atividade no seguinte: barulho, prisões e
deportações, sem nenhum resultado prático.Obra inconscientemente policial. [...]
Para os dirigentes do P.C. uma demonstração pública deve realizar-se não pela
necessidade que existe do proletariado demonstrar a sua consciência de classe e
sim pelo simples fato de sua realização. Para eles isto basta. Haja bandeiras,
dísticos pimposos, oradores entusiasmados, letreiros gritantes – e tudo estará
muito bem. É a política do fogo de palha. É evidente que não havendo base séria
nas empresas, nunca se conseguirá nada. Os trabalhadores só comparecem à
praça pública para demonstrar a sua consciência, se esta consciência existe, isto
é, se eles estão fortemente organizados sindical e revolucionariamente. E que é
que vemos no Brasil? Um proletariado inorganizado, a ser chamado inutilmente,
por meios inadequados, à luta para a qual não foi preparado.”150

Para que se tenha uma dimensão da ação repressiva dirigida contra os


comunistas durante a campanha eleitoral é importante transcrevermos um
arrolamento de eventos apresentado em um documento divulgado na véspera das
eleições:

“1) – Prisão de centenas de operários em São Paulo, Santos, Ribeirão Preto,


Sertãozinho, Catanduva, etc. no Estado de São Paulo. Muitos destes presos estão
sendo torturados nas masmorras da Paulicéia, entre eles, o estudante de medicina
Manoel Karacik, dado já como tendo sucumbido aos maus tratos.
2) – Dissolução violenta do Congresso dos Operários Agrícolas em Ribeirão
Preto [em 12 de janeiro de 1930, dk] e prisão durante vários dias de Minervino de
Oliveira, nosso candidato à presidência da República, o qual presidia o referido
Congresso.
3) – A prisão de Aristides Lobo, nosso candidato a deputado pelo 1o distrito
de São Paulo, o qual foi depois deportado da capital paulista.
4) – Prisões em massa de operários e soldados no Rio Grande do Sul, onde
governa o liberal Getulio Vargas.
5) – Prisão, em Petrópolis [em 21 de janeiro de 1930, dk], e remessa para a
4a Delegacia do Rio, há cerca de um mês, de Antônio Esteves, Antônio Roux e
Domingos Brás, este último nosso candidato a deputado pelo 1o distrito do Estado
do Rio, os quais continuam encarcerados.
6) Proibição de comícios operários em Belo Horizonte e prisões de diversos
operários, ali e em Juiz de Fora.

Novembro de 1929, p. 1.755, 1.824-1.826; Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho
Municipal. Sessões de 2 a 31 de Dezembro de 1929, p. 578-617.
150
- O 1º de Maio e a demagogia da direção do P.C. A Luta de Classe. Rio de Janeiro, nº 1,
08/05/1930, p. 1. Os grifos são do original.
632

7) – Dezenas e dezenas de prisões de camaradas nossos, operários


comunistas, eleitores do Bloco Operário e Camponês aqui no Rio.
8) – Ameaças contra os intendentes operários Octavio Brandão e Minervino
de Oliveira, dia e noite acuados pelos mastins policiais.
9) – Prisão, num “meeting” realizado em Bangu, dos camaradas Minervino de
Oliveira, Paulo Paiva de Lacerda e Mário Grazzini, nossos candidatos,
respectivamente, a presidente da República e a deputados pelo 1o e 2o distritos
desta capital.
10) – Nova prisão de Paulo Paiva de Lacerda quando tentava realizar um
comício em frente à fábrica de tecidos Corcovado, na Gávea. Esta prisão foi feita
pelo delegado Darcy Machado Coelho, irmão do candidato capitalista Machado
Coelho.
11) – Proibição ao camarada Fernando de Lacerda, médico, irmão de Paulo,
de fazer propaganda, na Gávea, das candidaturas do Bloco Operário e Camponês,
sob ameaças de violências.
12) – “Meetings” impedidos no Barreto e em Madureira, pelo aparato de
forças policiais, ameaçando céus e terra.
13) – Apreensão e confiscação do jornal “A Classe Operária” dedicado à
propaganda eleitoral do Bloco Operário e Camponês.
14) – Assalto e saque, na Ponta d’Areia, altas horas da noite, na residência
do operário José Francisco da Silva, nosso candidato a senador pelo Estado do
Rio.”151

Além de atingirem a militância e a propaganda, os atos da repressão


desencadeada contra os comunistas afetaram a estrutura do trabalho eleitoral.
Assim, o alistamento eleitoral viu-se completamente paralisado em razão das
constantes invasões pela polícia das sedes do BOCB e de seus núcleos
regionais, pois, de um lado, resultavam na destruição ou no confisco da
documentação e, de outro, acabavam simplesmente afastando o eleitorado, tanto
pela incerteza de poder encontrar em funcionamento como pelo simples receio de
sofrer alguma arbitrariedade152. As violências também produziram reflexos na

151
- Comissão de Campanha Eleitoral do BOC. Protestai contra a reação votando nos
candidatos do Bloco Operário e Camponês. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 01/03/1930, p. 7.
Cumpre assinalar que Manoel Karacik acabou saindo com vida da prisão. A esta relação é importante
acrescentar o nome de João Freire de Oliveira. Preso em 22 de fevereiro de 1930, o garçom comunista
foi enviado para São Paulo, onde foi barbaremente torturado sob ordens do delegado Laudelino Freire
(Está em perigo de vida, nas prisões da capital, o sr. João Freire de Oliveira. Praça de Santos. Santos,
06/03/1930, p. 3). Oliveira também sobreviveu às sevícias. Outros nomes que devem ser
acrescentados ao arrolamento acima são os dos dois candidatos do BOCB a deputado federal pelo Rio
Grande do Sul: Adalgiso Py e Plínio Gomes de Mello, ambos presos quinze dias antes das eleições e
deportados do Brasil (Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y
la actuación del P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 6 (ASMOB)).
152
- Ver o panfleto BOCB Aos trabalhadores em geral e aos metalúrgicos em particular
(RGASPI).
633

chamada “boca de urna”, desorganizando-a: o BOCB não conseguiu nomear


fiscais, as cédulas eleitorais foram distribuídas às vésperas das eleições, cartazes
deixaram de ser distribuídos e colados, não se fez distribuição de material nos
locais de trabalho153. Observe-se que os fatos referidos à “boca de urna” retratam
apenas o que ocorreu no Distrito Federal, onde o BOCB era mais bem constituído
neste sentido, não sendo difícil, portanto, imaginar-se o que se passou em outras
localidades.
No entanto, ao contrário do que ocorrera em outros Estados do Brasil, onde
a repressão foi intensa e constante, a atuação do BOCB no Rio Grande do Sul,
até determinado momento, teve uma certa desenvoltura, produzindo alguns
aspectos peculiares que são interessantes de serem ressaltados. Uma explicação
para isto pode ser encontrada no fato de que a sua ação se desenrolou em uma
unidade da Federação que era governada pelo candidato da Aliança Liberal e
que, em decorrência das contradições a que se via colocado por conta de seu
discurso sobre a “questão social”, não podia atuar do modo violento como o seu
adversário Júlio Prestes fazia no Estado que governava, São Paulo. Assim, a
repressão oscilava, não sendo constante, o que permitiu o desenvolvimento do
movimento operário praticamente até às vésperas da eleição.
O BOC gaúcho criado em fins de 1928 não conseguiu expandir-se em seus
primeiros momentos em razão das contínuas disputas entre os poucos militantes
comunistas gaúchos. Com o envio, em fevereiro de 1929, de Hersch Schechter e
de Plínio Gomes de Mello, oriundos do Distrito Federal e de São Paulo,
respectivamente, a atividade dos comunistas pôde desenvolver-se de uma melhor
forma. Enquanto o primeiro tomou a si a responsabilidade de dirigir o trabalho na
Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, também criada em
1928, coube ao segundo concentrar sua atividade no ressurgimento do BOC, do
qual se tornou presidente. Como vimos, a primeira atividade de Mello foi
apresentar-se como candidato às eleições de março de 1928 e obter uma
razoável votação, considerando-se o fato de que teve apenas quinze dias para

153
- A atuação do P.C. nas eleições. A Luta de Classe. Rio de Janeiro, nº 1, 08/05/1930, p. 3.
634

fazer a campanha. A partir daí iniciou-se a constituição de núcleos regionais do


BOC, como o de Pelotas, que foi fundado em maio de 1929154. Além disso, o BOC
gaúcho também tinha um órgão oficial, o jornal Extrema Esquerda, dirigido
também por Plínio Gomes de Mello. Como ocorria em outros Estados, a atuação
do BOC se dava em detrimento da do PCB, a fim de, como assinalou Plínio
Gomes de Mello posteriormente em um relatório que apresentou em uma reunião
do SSA-IC em maio de 1930155, não provocar reação policial “contra o movimento
de massas que estávamos organizando”.
Em meados de 1929, com a criação da Aliança Liberal e a definição das
candidaturas em relação à sucessão presidencial, os comunistas sofreram um
duro golpe com a prisão e deportação de Schechter, ao mesmo tempo em que a
questão da sucessão trouxe uma grande confusão dentro de suas fileiras. De
acordo com Mello, os comunistas gaúchos tiveram de “lutar com grandes
dificuldades para restabelecer a linha de independência política do BOC”. Em
substituição a Schechter, o CC do PCB designou o alfaiate Marcos Piatigoski
(Geca), que também militava do Distrito Federal, para encarregar-se da direção e
do controle do Comitê Regional do PCB. Enviado em outubro de 1929, Piatigoski
foi também portador das novas orientações políticas esquerdistas que naquele
momento se implementavam no PCB156. Com sua chegada, em uma reunião
ampliada do Comitê Regional, reorganizou-se o BOCB gaúcho. Definiu-se então
que, doravante, não haveria mais adesões individuais, apenas coletivas de
sindicatos e organizações operárias, com o objetivo de ampliar sua influência
entre as massas. Além disso, a reunião também definiu o nome de três candidatos
a deputado federal e um a senador. Logo depois houve uma assembléia do
BOCB, que contou com a presença de representantes oficiais do PCB, da
Juventude Comunista, da Confederação Regional do Trabalho, da Federação

154
- Beatriz Ana Loner. Construção de classe. Operários de Pelotas e Rio Grande (1888-
1930), p. 379.
155
- Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la
actuación del P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 3 (ASMOB).
156
- Alexandre Fortes. ‘- Nós do Quarto Distrito...’ A classe trabalhadora porto-alegrense e a
Era Vargas, p.466-467.
635

Proletária de Esportes e de vários sindicatos, bem como de um grande número de


simpatizantes de organizações operárias e camponesas. A reunião definiu, além
dos nomes dos candidatos e da reorganização do BOC com a presença em sua
direção das organizações acima, que a participação nas eleições de março de
1930 deveria ter um “caráter declaradamente revolucionário”. Também ficou
definido um plano de agitação e propaganda com manifestações de rua, comícios
em portas de fábrica e em praças públicas – apesar de proibidos pelo governo
desde o início do ano - e excursões ao interior.

O gráfico Adalgiso Py,


candidato a deputado federal
pelo BOCB gaúcho.

Estas atividades revelavam, além de planejamento, uma importante função


da arregimentação e organização dos trabalhadores, como se pode perceber no
caso de Pelotas:

“A forma básica de atuação desses órgãos [a autora refere-se, além do


BOCB, à Liga Antiimperialista, ao Comitê de Mulheres Trabalhadoras, ao Centro de
Jovens Proletários, à Liga dos Consumidores, etc.] era através de conferências e
comícios, nos quais parecia pouco importar a entidade que os promovia, pois as
mesmas reivindicações eram colocadas em todas elas, apenas com alguma ênfase
na reivindicação específica daquele setor. Suas passeatas apresentavam uma
ordem perfeita, com os diversos setores desfilando em fileiras e colunas,
precedidas de cartazes e faixas sobre variados temas. A preparação deles e sua
forma demonstravam que esse era também um elemento de propaganda, com o
qual pretendiam impressionar tanto os demais trabalhadores, quanto à opinião
pública, com sua disciplina e organização. Por exemplo, no grande comício de 31
de janeiro de 1930, o planejamento, rigorosamente cumprido, incluía partida da
636

sede da Federação [do Trabalho de Pelotas], divididos em três colunas, uma de


jovens, uma de mulheres e uma de operários adultos, utilizando-se, todas, de
caminhos diferentes e convergindo à Praça da República em frente à Prefeitura, de
onde sairiam para a Praça da Matriz, local do comício. Com tal trajetória marcavam
sua presença em todo o centro urbano, passando por várias referências políticas e
culturais da cidade e causando considerável impacto visual, refletindo o gosto da
época marcado pelos desfiles rigorosamente ordenados e o disciplinamento do
corpo.”157

As excursões ao interior também permitiam, além da exposição das


propostas do BOCB e de um exame e da obtenção de informações sobre a
situação dos trabalhadores locais, impulsionar a organização do movimento
operário nas cidades visitadas. Assim, por exemplo, ocorreu na visita feita a
Caxias do Sul, onde o BOCB fez um comício na Praça Dante, com a presença de
mais de 1.000 trabalhadores e camponeses, e do qual resultou a fundação do
comitê local do BOC, “ao qual aderiram perto de 30 operários e colonos”. Em seu
relatório sobre a excursão, apresentado em uma reunião extra do BOCB, Plínio
Gomes de Mello forneceu dados sobre a situação dos trabalhadores de Caxias do
Sul, constatando a falta de organização dos operários, informando que a média
salarial dos trabalhadores oscilava entre 7$000 e 8$000, enquanto a jornada
158
média diária variava entre 10 e 13 horas diárias, etc. . A disseminação e
publicidade de tais dados faziam parte do processo de formação dos militantes e
permitiam a criação de uma maior homogeneidade entre eles.
Houve grandes manifestações de rua no dia 7 de novembro, quando, pela
primeira vez, o PCB apareceu publicamente no Rio Grande do Sul, e em 21 de
janeiro – para comemorar, com o encerramento do Congresso Operário Estadual,
promovido pela Confederação Regional do Trabalho, o primeiro aniversário de
criação do Comitê Pró-Federação Geral do Trabalho do Brasil e pelo quinto

157
- Beatriz Ana Loner. Op. cit., p. 379-380.
158
- Vida Operária. Relatório da situação do proletariado de Caxias apresentado pelo
presidente do BOC. Correio do Povo. Porto Alegre, 14/02/1930, p. 8.
637

aniversário da morte de Lenin -, no qual, com a presença de três mil


manifestantes, houve choques com a polícia159.
Em janeiro de 1930, quando começaram a ser divulgados pela imprensa
rumores de que o governo de Washington Luiz pretendia decretar uma
intervenção federal no Rio Grande do Sul, o governo gaúcho resolveu promover a
criação de “Ligas Antiintervencionistas” com o fim de opor resistência ao ato do
governo federal. Como por ocasião da formação da “Aliança Liberal”, este
episódio também provocou grande discussão nas fileiras comunistas, resultando o
debate sobre o assunto na formação de quatro grupos, que iam do combate ao
apoio às Ligas. Acabou prevalecendo a posição da maioria do Comitê Regional
que, frente ao perigo que a criação de tais Ligas, sobretudo por seu caráter “pró-
fascista”, apresentava ao PCB, propunha a criação de “Comitês Operários e
Camponeses contra a Intervenção Federal no Rio Grande do Sul” como
organizações independentes das massas trabalhadoras, mas também como
organizações de luta contra as Ligas, nas quais os comunistas também deveriam
penetrar para desorganizá-las e conquistar adesões aos “Comitês”. Com isso, os
comunistas deixavam claro que pretendiam manter-se na arena política e atuar na
questão que naquele momento também recebia as atenções de todas as outras
correntes. Os comunistas demarcaram seu terreno por meio de um manifesto que
expressou, nas palavras de Mello, as seguintes posições:

“Acentuamos o caráter dessa intervenção federal e a defesa contra a mesma


da parte do Governo Regional, uma, pretendendo entregar o Rio Grande do Sul ao
imperialismo inglês e, o outro, separando-o do resto do país (novo Panamá) para
entregá-lo ao imperialismo ianque; dizíamos que as ‘Ligas’ eram organizações
fascistas dirigidas pela burguesia gaúcha para oprimir ainda mais o povo
trabalhador do Rio Grande, enquanto nossos ‘Comitês’ eram organizações
revolucionárias de operários e camponeses, lutando pela libertação das massas
não apenas contra o governo federal, mas também contra o governo dos grandes
proprietários e capitalistas do Rio Grande, exigindo a terra para os que a trabalham
e o confisco das propriedades imperialistas existentes nessa região assim como a
anulação das dívidas aos banqueiros estrangeiros; acentuávamos, todavia, que,

159
- A mistificação da Aliança Liberal. Em Porto Alegre, as mulheres proletárias foram
agredidas pelos fascistas “liberais”. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 86 (2ª fase), 22/02/1930, p.
1-2.
638

enquanto as ‘Ligas’ seriam instrumentos de separação do povo gaúcho do resto do


povo trabalhador do país, nossos ‘Comitês’ eram pela confraternização dos
operários, camponeses, soldados e marinheiros do Rio Grande e do resto do país,
especialmente de São Paulo, lutando pelo governo operário e camponês.”160

Dada a extensão da tarefa e o insuficiente número de militantes para tal, os


comunistas gaúchos acabaram por priorizar a atividade dos “Comitês” e deixar
para os últimos quinze dias antes do pleito a agitação eleitoral. Além disso,
planejaram a realização de uma conferência estadual dos “Comitês” em Porto
Alegre para os dias 17 e 18 de fevereiro na sede da Confederação Regional do
Trabalho, a pedido do BOCB e que contava, além do Bloco, com o apoio do PCB,
da Juventude Comunista, da Confederação Regional do Trabalho e dos Comitês
das Mulheres Trabalhadoras. Também fora programada, para o dia 20, como
encerramento dessa conferência, uma “demonstração proletária contra a
intervenção e o separatismo”161.

Plínio Mello, candidato a deputado


pelo BOC nas eleições de 1930,
em 1986, no 1º de Maio
em São Bernardo do Campo.
(Arquivo do autor)

160
- Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la
actuación del P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 5-6 (ASMOB).
161
- Vida Operária. Conferência Regional dos Comitês de Operários e Camponeses na luta
contra a Intervenção Federal. Correio do Povo. Porto Alegre, 14/02/1930, p. 8.
639

O secretário do Interior e Justiça e também governador interino, Osvaldo


Aranha, tentou, sob o pretexto de uma suposta identidade entre os “Comitês
Operários e Camponeses contra a Intervenção Federal no Rio Grande do Sul”
impulsionados pelo PCB e as oficiais “Ligas Antiintervencionistas”, conseguir a
adesão dos comunistas à Aliança Liberal. Para isso, entrevistou-se com Plínio
Mello no Palácio do Governo para lhe fazer a proposta, mas este a recusou
categoricamente, declarando:

“Dr. Oswaldo, eu lamento dizer-lhe que não é possível qualquer


entendimento entre nós. Eu represento o Partido Comunista, o Sr. sabe disso. O
Partido Comunista tem uma posição de classe, de luta contra a burguesia
brasileira, seja ela liberal ou reacionária, como o Sr. queira classificar a posição de
Júlio Prestes em S. Paulo, mas não é possível qualquer entendimento, não há
possibilidade de aliança.”162

Diante desse posicionamento dos comunistas o governador gaúcho, a fim de


que a atividade dos comunistas não obstasse a ação das “Ligas” nem a
campanha da “Aliança Liberal”, deliberou desencadear um movimento repressivo
contra o PCB. No dia 14 de fevereiro de 1930, valendo-se de uma provocação
criada na Brigada Militar para justificar a repressão163, a polícia gaúcha
seqüestrou, prendeu e surrou 22 militantes comunistas. Destes, no caso de doze
brasileiros, alguns foram soltos e outros deportados para outros Estados e no
caso dos dez estrangeiros, cinco foram soltos e cinco deportados164. Os que
conseguiram escapar, aterrorizados, fugiram de Porto Alegre e permaneceram
escondidos, sem qualquer iniciativa. Estes dirigentes apenas divulgaram um
manifesto no qual aconselharam os trabalhadores que se abstivessem nas
eleições.

162
- Depoimento de Plínio Mello apud Edgard Carone. Classes sociais e movimento operário,
p. 304.
163
- Carta de Plínio Gomes de Mello a John W. Foster Dulles In John W. Foster Dulles.
Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 434. Sobre a provocação montada pelo governo ver Alexandre
Fortes. Op. cit., p. 462-470.
164
- Carta de Marcos Piatigoski ao Secretariado da Seção Latino-Americana da IC. Paris,
26/07/1930 (RGASPI)
640

Mello afirmou que a nova linha política introduzida em outubro de 1929


contribuiu bastante para que “o partido, mal curado de sua moléstia de direita,
fosse vítima de um ataque de esquerdismo”. Depois da chegada das novas
orientações trazidas por Piatigoski, houve uma maior exposição dos comunistas,
em detrimento das outras organizações de massa sobre as quais exerciam sua
influência, o BOCB incluso, o que acabou produzindo um grande crescimento do
PCB que, em três meses, passou de quarenta a quatrocentos militantes. No
entanto, na apreciação de Mello, que mostrava um juízo de valor que poderia lhe
valer a classificação de “direitista” e era, no terreno político, equivalente à
externada pela célula 4-R no campo sindical, esta radicalização, mais retórica que
real, não se fez acompanhar de uma melhor estruturação do partido:

“[...] quero referir-me ao fato de fazermos uma agitação (principalmente


verbal) superior à capacidade de resistência do partido contra os golpes da reação
policial. Sem termos uma organização que fosse, mesmo pequena,
suficientemente consolidada quanto ao seu funcionamento e quanto ao seu nível
ideológico e político, nos aventuramos a fazer manifestações de rua muito radicais,
desrespeitando até determinações policiais (coisa que nem o P.C. argentino nem o
P. C. uruguaio fazem).
O resultado de tudo isso foi que provocamos involuntariamente a reação,
antes mesmo da época em que a prevíamos, isto é, depois das eleições de março,
concorrendo assim, sem desejá-lo, para a decapitação do nosso movimento e para
a quase completa desorganização do nosso trabalho no Rio Grande do Sul.”

No dia das eleições apenas um candidato do BOCB, Plínio Gomes de Mello,


recebeu votos e foram-lhe dados somente dez sufrágios. Embora os comunistas
esperassem receber de dez a quinze mil votos no Rio Grande do Sul, justificou-se
o resultado como produto da grande abstenção no Estado – o que não era
verdade, pois o Rio Grande do Sul foi o Estado brasileiro que houve a maior
freqüência: 80% de comparecimento às urnas -, da agitação feita pelo BOCB,
pela falta das listas eleitorais do Bloco e pela reação policial165.

165
- Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la
actuación del P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 6 (ASMOB).
641

OS RESULTADOS

Assim como ocorrera no Rio Grande do Sul, o resultado eleitoral do BOCB


foi baixíssimo em todo o país. Nestas eleições, como já era de se esperar, a
vitória coube ao candidato situacionista Júlio Prestes de Albuquerque. No
entanto, foi um pleito acirrado, em que somente houve comparação em termos de
disputa entre os dois principais candidatos nas eleições presidenciais de 1922.
Como de hábito, na República Velha a fraude campeou livremente de ambos os
lados: em São Paulo Prestes obteve 325.858 votos válidos e Vargas 38.517, já no
Rio Grande do Sul Vargas conseguiu 295.055 votos válidos, enquanto Prestes
teve inacreditáveis 1.029. Estimava-se que no Brasil de 1930 vivessem
40.158.925 habitantes, dos quais 2.941.778, ou seja, 7,32%, formavam o
eleitorado. Às eleições de 1º de março de 1930, um sábado, compareceram
1.900.256 eleitores, o que correspondia a 64,59% do corpo eleitoral total e 4,73%
da população estimada do Brasil. Dito de outro modo, 35% dos eleitores não
compareceram às urnas, indo a abstenção nos Estados de cerca de 20% (caso do
Rio Grande do Sul) a 70% (no Amazonas)166. O resultado final, proclamado pela
Mesa do Congresso Nacional em 20 de maio de 1930, indicava que Júlio Prestes
de Albuquerque recebera 1.091.709 votos válidos (57,44%), Vargas obtivera
742.794 (39,09%) e 65.753 (3,47%) haviam sido anulados. Como se sabe, as
fraudes - mortos que votavam por vivos, atas fraudadas em que eleitores
acabavam votando sem terem comparecido à seção eleitoral, etc. - tornavam
estes números pouco confiáveis, mas, mesmo assim, refletiram a disputa que
ocorrera.
Com relação à votação do BOCB iremos nos concentrar no exame da
votação recebida apenas pelos candidatos a presidente e a vice por crermos que
as candidaturas majoritárias expressavam sua dimensão nacional, já que tanto o
PCB e o Bloco buscavam ter este perfil. Não existem números precisos quanto à
votação obtida pelo BOCB nas eleições de 1º de março de 1930, embora os

166
- Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 21/05/1930, p. 544-545.
642

documentos do PCB da época falem em três ou quatro mil votos167. No entanto,


acreditamos que estes números são, na verdade, o resultado da soma dos votos
dos candidatos majoritários com os dos proporcionais. Recorde-se, inclusive, que
a sistemática de votação da época para os candidatos proporcionais apurava
múltiplos votos para estes, enquanto que os majoritários recebiam apenas um
voto.
Com base nos pareceres das comissões especiais de apuração do
Congresso Nacional elaboramos a tabela abaixo, na qual se vê que Minervino de
Oliveira e Gastão Valentim Antunes receberam, respectivamente, 720 e 689
votos. Cumpre esclarecer que houve uma tendência generalizada de concentrar-
se apenas no exame da votação de Júlio Prestes e de Getúlio Vargas e que se
manifestou na apuração das eleições presidenciais procedida pelo Congresso
Nacional. Assim, enquanto em alguns relatórios de Comissões são discriminados
os votos dados a Minervino de Oliveira e a Gastão Valentim Antunes em outros a
votação dos candidatos do BOCB foi incluída nas fórmulas “e outros menos
votados”, “diversos” etc., fato este que assinalamos na tabela abaixo por meio da
sigla “DV”. Embora não acreditemos em alterações muito significativas, nos
Estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, onde havia
núcleos do BOCB, certamente houve votos para os candidatos Minervino de
Oliveira e Gastão Valentim Antunes que não foram discriminados pelas
comissões do Congresso Nacional. Já no caso de São Paulo, onde os distritos do
Estado foram divididos entre os membros da Comissão, talvez haja algum voto
isolado, mas os dados que aparecem na tabela são os do primeiro distrito, que
abrangia tanto a Capital como Santos. Por fim, com respeito ao Distrito Federal, a
comissão do Congresso Nacional que apurou as eleições concentrou os votos do
BOCB na categoria “Diversos”. Como esta era, evidentemente, a unidade da
Federação em que o BOCB teria mais votos, a ausência de seus números

167
- A primeira cifra está em Pereyra. Los resultados de las elecciones brasileñas. La
Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nº 26 (2a Época), 01/05/1930, p. 13, e a segunda
encontra-se em Presidium do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil. Porque os comunistas
não triunfaram nas eleições. Rio de Janeiro, 04/03/1930, p. 3 (ASMOB).
643

comprometeria a tabela. Felizmente, as informações puderam ser obtidas na


imprensa operária e puderam, acreditamos, colocar os dados da tabela próximos
aos números de votos válidos efetivamente recebidos pelos candidatos
majoritários do BOCB.

Votação dos candidatos majoritários do BOCB nas eleições de 01/03/1930

ESTAD Minervino Gastão V.


O de Oliveira Antunes
AL DV DV
AM 1* 0*
BA 13+DV 5+DV
CE 58 59
DF 534** 515**
ES 22 12
GO 0 0
MA 6 6
MG DV DV
MT 0 0
PA 0 0
PB DV DV
PE DV DV
PI 0 0
PR 0 0
RJ 58 62
RN 0 0
RS 0 0
SC 0 0
SE 0 0
SP 28+DV 30+DV
TOTAL 720+DV 689+DV
FONTE: Diário do Congresso Nacional. Rio de
Janeiro, 21/05/1930, p. 535-569; A Luta de
Classe. Rio de Janeiro, nº 1, 08/05/1930, p. 3.
* - Octavio Brandão também recebeu dois votos para presidente e vice.
** - Os números aqui foram retirados de A Luta de Classe, pois o relatório da Comissão incluiu a votação do BOCB em Diversos (DV)

Como vimos na composição das delegações presentes ou representadas no


I Congresso do BOCB, este possuía núcleos em 12 Estados, ao passo que as
apurações indicaram-lhe votação em oito unidades da Federação, das quais cinco
tiveram representação no I Congresso. Assim, em tese, o BOCB deveria ter tido
votos ao menos em mais sete Estados brasileiros, mas em três deles, como se vê
na tabela, o resultado do Bloco foi nulo. Mais uma vez isto nos coloca frente ao
problema da confiabilidade dos resultados eleitorais, pois, atendo-nos apenas ao
644

caso do Rio Grande do Sul, mesmo que nos acautelemos, e talvez com razão,
frente ao número de 400 militantes comunistas apresentados por Plínio Gomes de
Mello, não é possível imaginar-se que o candidato presidencial do BOCB não
tivesse tido ali ao menos alguns poucos votos. No caso do Rio Grande do Sul, a
imprensa local168 noticiou os números finais escrutinados pela Juntas Apuradoras
e que eram praticamente idênticos aos estabelecidos pelo Congresso Nacional e
que deram ao candidato situacionista pouco mais de mil votos, número este, no
entanto, que o bom senso determina que seja creditado a uma fraude
desavergonhada. E, claro, se foi assim com Júlio Prestes, imagine-se com os
pobres Minervino de Oliveira e Gastão Valentim Antunes.
A votação obtida em nível nacional pelo BOCB foi inferior à conseguida pelo
próprio Minervino de Oliveira no 2º Distrito do Distrito Federal nas eleições de
outubro de 1928 (1.011 votos). Se levarmos em conta a votação total obtida nos
dois distritos da Capital pelo Bloco em 1928 naquela eleição (1.922 votos) e a
comparamos com a obtida apenas no Distrito Federal em março de 1930 (534),
veremos que a votação do BOCB caiu 72% nesse curto lapso de tempo.
Tais números evidenciavam o fracasso do BOCB nas eleições. No entanto,
em um primeiro balanço, datado de três dias depois das eleições169, o PCB
preferiu brigar com os fatos e afirmar que os quatro mil votos que teriam sido
dados aos candidatos comunistas poderiam aparentar uma derrota séria, mas não
o eram, já que eles tinham uma significação precisa:

“Significam que, apesar de todas as compressões e fraudes, a burguesia foi


obrigada a deixar transparente algum resultado em nosso favor, porque seria
escandaloso não votarem em nós, pelo menos, cerca de operários conscientes.”

O PCB atribuiu o magro resultado à “reação bestial da polícia política”, a


qual se pôs a serviço da burguesia, agrupada em uma frente única que reuniu “os
conservadores mais ferrenhos e os liberais”. Os comunistas julgavam que tal

168
- Encerrada apuração no Rio Grande do Sul. Correio do Povo. Porto Alegre, 08/04/1930, p.
7.
645

frente única fora agrupada em torno da compreensão, por parte da burguesia, de


que o PCB era o único partido revolucionário “capaz de guiar as massas
trabalhadoras para a luta e para a vitória”. Apesar desse inconsistente
triunfalismo, este documento acaba traduzindo a impressão de que a direção
estava estupefata com o resultado, mostrando-se incapaz de uma reflexão que
fosse além do que acima se viu.
Quase um mês depois, o Secretariado Político do PCB, em documento
enviado ao Secretariado da América Latina da IC170, admitiu a derrota, reiterando
a influência da repressão nos resultados, além de assinalar, como “ajuda à
reação”, os ataques desferidos por Maurício de Lacerda e o “silêncio complacente
dos ‘revolucionários’ de 5 de Julho”. Também como causa externa, o PCB
justificou o fraco desempenho nas urnas como sendo produto de fraude, “que
roubou e subtraiu milhares de votos dados aos candidatos do BOC”.
Mas, pela primeira vez, apontavam-se causas internas como tendo
produzido uma campanha “fraca, desordenada, tardia”. Além de o PCB ter
publicado apenas dois números de A Classe Operária entre meados de dezembro
e o dia das eleições171, a campanha teve poucos comícios, poucos panfletos,
cédulas e cartazes:

“A nossa derrota eleitoral se deve, portanto, acima de tudo, à nossa própria


debilidade como Partido. Nós não soubemos organizar a luta contra a repressão
policial. Fizemos muita agitação verbal, mas não soubemos mobilizar as massas
para a luta. Não soubemos combater a tempo e com a necessária energia, dentro
do Partido, os elementos oportunistas, que fazem da passividade norma de
conduta. O último pleno do CC tomou resoluções acertadas a este respeito, mas
estas resoluções na sua maioria ficaram no papel.”

169
- Presidium do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil. Porque os comunistas não
triunfaram nas eleições. Rio de Janeiro, 04/03/1930 (ASMOB).
170
- Secretariado Político do PCB. Notas sobre a situação atual do Partido Comunista do
Brasil. Rio de Janeiro, 02/04/1930 (RGASPI).
171
- Foram os números 85, de 15 de fevereiro, e 86, de 22 de fevereiro, publicados com duas
páginas cada, em razão de o PCB não ter conseguido gráficas capazes de imprimir em tiragem
suficiente e também, sobretudo, como resultado das condições de repressão a que estava submetido o
partido.
646

Como resultado de tal quadro, o PCB constatou que houve uma “ruptura da
ligação entre o Partido e a massas, debilitando momentaneamente a nossa
influência sobre estas últimas”. Além disso, traçou um quadro de quase completa
paralisia no conjunto do partido:

“Como um reflexo desse estado de espírito passivista, as organizações de


base e intermédias do Partido se mostram de uma frouxidão inédita na história do
Partido. Poucas células se reúnem regularmente. A maioria se reúne
irregularmente e muitas são as que de modo nenhum se reúnem, estando seus
membros por completo desinteressados do trabalho do Partido. Isto aqui no Rio,
onde a nossa organização sempre funcionou com maior regularidade. Nos
Estados, a situação, exceto um ou outro caso isolado, é ainda pior.”

Mesmo assim, com excessivo otimismo ou irrealidade, o Secretariado


Político deixou classificou os votos recebidos pelo BOCB como “um índice da
vontade de luta das massas” Aqui, enfim, apesar da percepção de dissociação do
PCB com os trabalhadores, não passava sequer a possibilidade de examinar mais
a fundo a política aplicada, somente o modo como ela era aplicada.
Esta análise do Secretariado Político foi a base da avaliação tornada pública
pelo PCB através das páginas de A Classe Operária172. Neste texto se constata
que, além da redução do número de votos em relação a 1928, também houve um
recuo político, pois o PCB não soube consolidar e ampliar a influência ali
adquirida, não conseguindo conquistar o apoio das massas. Reiterando os
argumentos do documento do Secretariado Político, este texto acaba
consagrando a idéia de que as explicações para a derrota nas eleições foram a
repressão e a incapacidade do PCB em dirigir as massas:

“A coisa é clara. A agravação da crise econômica criou no país uma situação


objetivamente revolucionária. As massas, batidas pela miséria, pela exploração e
pela opressão, querem lutar contra a miséria, a exploração e a opressão. Falta-lhes
organização e direção para a luta. Precisamente esta a razão de ser do Partido
Comunista: organizar e dirigir as massas para a luta revolucionária. Ora, o que a
reação pretende – e o tem conseguido em parte – é impedir que o Partido
Comunista realize esta tarefa. A repressão visa exclusivamente cortar toda a

172
- Porque fomos derrotados nas eleições de 1º de Março. A Classe Operária. Rio de Janeiro,
nº 89 (2ª fase), 17/04/1930, p. 2.
647

ligação do Partido com as massas para a luta revolucionária. Seu objetivo consiste
isolar o Partido da massas. Daí que a reação não seja mera ‘violência policial’
como supõem muitos. A reação é manobra essencialmente política. Precisamos
bem compreendê-la assim para melhor saber combatê-la e vencê-la. É o que não
temos feito e muito contribuiu para a nossa derrota nas eleições de 1º de março.”

No mesmo momento, o representante brasileiro junto à IC, Heitor Ferreira


Lima, enviou uma carta a Astrojildo Pereira na qual comentava, com base na
“pouca e nem sempre melhor fonte de informações”, o resultado das eleições173.
Para Lima foi uma pesada derrota, que devia ser atribuída à incapacidade do PCB
em compreender a situação política, que trazia de um lado a repressão, mas de
outro apresentava uma aguda polarização de forças. Além disso, Lima afirmou
que o PCB confiou demasiadamente em suas forças e subestimou as do inimigo.
Uma explicação mais abrangente para os resultados eleitorais foi
apresentada, na revista do SSA-IC, por Astrojildo Pereira174. Reconhecendo os
resultados obtidos em 1º de março como uma derrota eleitoral, Pereira procurou
destacar nos resultados eleitorais elementos que servissem para orientar a ação
do PCB. Tomando por base a votação equilibrada entre Júlio Prestes e Getúlio
Vargas no Distrito Federal, Pereira concluiu que esta divisão mostrava uma
orientação das massas à esquerda, “à revolução”, pois a massa havia votado na
Aliança Liberal, sob cuja influência se encontrava, “sob a hipnose das ilusões da
‘revolução’ liberal”. Reiterando o refrão do “Terceiro Período”, Pereira concluía
com isso que este impulso à esquerda mostrava a “radicalização das massas”.
Para confirmar isso, Pereira viu nos votos dados a Luiz Carlos Prestes, Assis
Brasil e, sobretudo, Maurício de Lacerda - que classificava, em que pese sua
demagogia, como a “ala esquerda” da Aliança Liberal – um voto de desconfiança
das massas em relação à tendência de compromisso da Aliança Liberal com o
situacionismo de Júlio Prestes, mostrando os primeiros passos de “um processo
de liberação das massas das ilusões aliancistas”. Por fim, pondo de lado os

173
- Carta de Silva [Heitor Ferreira Lima] a Caro Astr. [Astrojildo Pereira]. Moscou,
10/04/1930 (RGASPI).
174
- Pereyra. Los resultados de las elecciones brasileñas. La Correspondencia Sudamericana.
Buenos Aires, nº 26 (2a Época), 01/05/1930, p. 13-15.
648

resultados eleitorais e repetindo a argumentação do Secretariado Político do


PCB, Pereira destacou o papel da “Coluna Prestes”, afirmando que, apesar de
seu discurso de não haver feito política eleitoral, ela acabou sendo “um apêndice
direto da Aliança, sua moeda corrente para enganar as massas, fez frente única
com a burguesia contra as massas”.
Tudo isto levava Pereira a concluir que a principal deficiência do PCB nas
eleições fora a luta insuficiente entre as massas contra as ilusões da Aliança
Liberal e as oscilações da “Coluna Prestes”. Tal incapacidade era resultado do
“medo de afrontar a luta contra a corrente aliancista nas massas”. Além disso,
também destacava-se a inaptidão do PCB em opor seu programa pelo governo
operário e camponês ao programas reformista dos “tenentes”.
Concluindo, Pereira destacou que a dependência do PCB em relação às
oscilações dos “tenentes” e a incapacidade em realizar um trabalho independente
fizeram com que o partido acabasse isolado das massas, determinando tais
debilidades a sua derrota.
Neste conjunto de elementos introduzido por Pereira se chama a atenção a
percepção da tendência à oposição por parte dos trabalhadores, manifestada no
voto na Aliança Liberal, e também que o PCB acabara isolado na campanha
eleitoral, ainda é mais digna de nota a incapacidade de relacionar este isolamento
com a política que orientava o partido.
Somente a série de acontecimentos dos dias 6 e 7 de novembro e deles
derivados já fazia avultar alguns elementos que marcavam um descompasso
entre o que ocorria e o que os comunistas julgavam que se passava. Embora a
crise econômica capitalista no Brasil e em escala internacional houvesse se
acelerado após os episódios do “crack” da Bolsa de Nova York, aparentemente
tornando realidade as previsões da Internacional Comunista sobre o “Terceiro
Período”, este outro conjunto de fatores, no caso brasileiro, mostrava a fragilidade
e os defeitos aos quais os comunistas haviam atrelado o seu projeto de conquista
do poder. Assim, a um espectador atento que não estivesse sedado pelo
determinismo do “Terceiro Período” as observações feitas e apresentadas mais
649

acima por “Marino”, sobre o descompasso entre influência do PCB entre os


trabalhadores e a sua força orgânica, e as feitas por Astrojildo Pereira já serviriam
para mostrar que o instrumento que deveria levar ao seu bom termo o processo
revolucionário, ser a sua vanguarda, o PCB, não possuía as necessárias
condições para fazê-lo. E, mais, aqueles que deveriam ser o instrumento dessa
transformação não reconheciam no PCB a condição de sua vanguarda, como se
pode inferir dos episódios ocorridos com os ferroviários cariocas. Apesar dos
indícios de que houve alguma manipulação por parte das autoridades para a
obtenção da manifestação de repúdio aos intendentes do BOCB e das
assinaturas, o volume de ferroviários envolvidos faz pensar que não era apenas
uma conspiração que fazia aqueles trabalhadores tomarem tal postura. A multidão
que compareceu ao comício da Aliança Liberal na Esplanada do Castelo, em 2 de
janeiro de 1930, indicava que a atenção e a referência dos trabalhadores estavam
em outro lugar e que os comunistas e suas propostas não encontravam eco neles,
evidenciando também o isolamento do PCB.
No artigo de Pereira, publicado em maio de 1930, em momento algum ele
menciona o BOCB, apenas falando em candidatos e votação do PCB. Esta
ausência é sintomática. O Bloco não contava mais na política comunista. Tal fato
chamou a atenção dos oposicionistas de esquerda brasileiros. Comentando o
lançamento da candidatura de Paulo de Lacerda a intendente do Conselho
Municipal do Distrito Federal nas eleições suplementares de 21/06/1930175, para
preenchimento da vaga de seu irmão Maurício de Lacerda, que havia sido eleito
deputado federal, o Grupo Comunista Lenin estranhou que ele tenha sido feito
pelo Presidium do PCB e não pelo BOCB:

“Quem ler o manifesto fica numa dúvida cruel.


Terá o Bloco Operário e Camponês delegado poderes ao Partido Comunista
para falar em seu nome? Terá o Partido passado por cima da direção do Bloco?
Será que o presídio [sic] do partido seja a mesma comissão dirigente do Bloco?

175
- Nesta eleição Lacerda obteve 162 votos, o que significou, dado o sistema de votação
carioca, no qual se podia votar até oito vezes em um mesmo candidato, que pouco mais que vinte
eleitores sufragaram seu nome (A eleição de 21 de junho. A Luta de Classe. Rio de Janeiro, nº 3, jul.
1930, p.2).
650

Será que o Partido Comunista e o Bloco Operário e Camponês constituem uma


única organização com dois nomes diferentes? Para que, porém, os dois
nomes?”176

Os oposicionistas, que então se consideravam, embora expulsos, uma


fração do PCB, lançavam estas perguntas a fim de instigar a direção do partido a
fim de que aclarasse os trabalhadores sobre o que acontecera ao BOCB. O
Grupo Comunista Lenin – a quem a vida interna do PCB era algo ainda
extremamente familiar - deixava claro que a resolução sobre o Brasil fizera do
BOCB “uma organização extinta por decreto da IC”.
A morte do BOCB, como o seu nascimento, não deixou uma certidão com
dia, mês e ano precisos, foi o resultado de um processo. Octavio Brandão
apresentou o pleno do SSA-IC, realizado em maio de 1930, em Buenos Aires,
como o momento em que se liquidou o BOCB:

“Foi uma discussão horrível. Eu digo: ‘Mas como?! O Bloco Operário e


Camponês nos deu uma vitória e uma organização de massas. Tem sessenta
comitês nos sindicatos, nas fábricas. Como é que nós vamos liquidar uma
organização de massas?’ Ele [Brandão refere-se a Astrojildo Pereira, dk] cumpriu
passivamente as decisões do Bureau da Internacional Comunista em Buenos Aires
[Brandão refere-se ao SSA-IC, dk], e foi liquidado o Bloco Operário e
Camponês.”177

Na verdade, Brandão era o maior expoente e defensor da orientação que o


PCB vinha seguindo desde o seu II Congresso. Concomitantemente com a
implantação da linha do “Terceiro Período”, num primeiro momento através das
cartas que Astrojildo Pereira enviava de Moscou, nas quais punha em discussão a
política do PCB e a personalizava com Brandão, e depois no SSA-IC e,
finalmente, na própria IC, Brandão foi transformado na representação pessoal da
“linha equivocada” do PCB. No entanto, como enfatizou Heitor Ferreira Lima em
suas memórias, “os escritos de Brandão não representavam sua opinião pessoal

176
- Bloco Operário ou Partido Comunista? A Luta de Classe. Rio de Janeiro, nº 2, jun. 1930,
p. 1.
177
- Octavio Brandão. Otávio Brandão (Depoimento, 1977), p. 43.
651

e única, e, sim, constituíam pensamento oficial da direção do PCB”178. Todavia,


como era necessário criar “o exemplo” e como o apego à máquina partidária inibia
cada vez mais reações que confrontassem todo o mecanismo de poder dos
partidos comunistas, Brandão foi imolado nesta reunião de Buenos Aires. Assim,
Brandão acabou criando uma identificação pesoal entre o fim do BOC e a sua
condenação.
A rigor a resolução da IC sobre o Brasil poderia ter esse papel de atestado
de óbito, mas a morte do BOCB já vinha se processando desde o instante em que
começou a ser implantada a política do “Terceiro Período” no âmbito da IC, a
qual, pelo seu esquerdismo, se chocava de frente com a política do PCB de
aliança com os setores médios da população. Ao mesmo tempo, ainda no terreno
da IC, o processo de controle e centralização dos partidos comunistas em escala
planetária por parte do grupo stalinista, homogeneizando-os em “tipos de
partidos” que tinham de seguir “receitas” de revolução, resultou em um domínio
intransigente sobre a orientação política desses partidos. No caso do PCB esta
radicalização levou-o ao isolamento político em relação com as correntes políticas
com as quais vinha tentando se relacionar e, ao mesmo tempo, produziu um
acirramento por parte da repressão policial. Nesse meio tempo surgiu a Aliança
Liberal que acabou se apropriando de algumas das propostas do BOCB,
descaracterizando-as, o que acelera ainda mais seu isolamento. Quando se
decidiu em Moscou que o BOCB deveria ser extinto, na verdade, ele já estava
bastante abalado. O que o levou à sua desorganização efetiva foi a vinda de
Astrojildo Pereira com as diretivas decididas em Moscou. Assim, as menções que
vimos acima sobre a paralisia, sobre a falta de empenho da militância durante a
campanha eleitoral etc. acabaram mostrando um partido e uma política que se
prostraram definitivamente e que ainda foram, logo em seguida, com a política
imposta ao PCB de “proletarização” - ou seja, a substituição do núcleo dirigente
que vinha conduzindo o partido até então por “proletários genuínos” -, atirados ao
fundo do poço.

178
- Heitor Ferreira Lima. Op. cit., p. 106.
652

Enfim, era como se, da posição ereta até ficar estatelado no chão, o PCB
tivesse passado por uma espécie de “corredor polonês” no qual a IC, o SSA-IC e
o governo brasileiro o tivessem surrado até o fim, sendo a cena assistida
passivamente pelos trabalhadores brasileiros.
ANEXO XV
Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-1929)

A - “A situação política nacional e a posição do Partido Comunista

[...]
28 – O Bloco Operário e Camponês, pelo seu próprio desenvolvimento e pela
experiência já adquirida, tende a tornar-se uma grande organização política das mais vastas
massas operárias e camponesas. Organização legal, ele tem aparecido muitas vezes como o
próprio partido do proletariado, sustentando as palavras de ordem específicas da classe
operária. É preciso, porém, que o Partido Comunista mantenha a mais vigilante atenção
sobre a organização e a atividade do Bloco Operário e Camponês, controlando-se
estritamente, de sorte a evitar possíveis desvios eleitoralistas e oportunistas.
Formando o núcleo central e dirigente do Bloco Operário e Camponês, o Partido
Comunista não deve fundir-se nem desaparecer dentro dele, mas, pelo contrário, deve
conservar sempre sua própria fisionomia política, para isto desenvolvendo uma propaganda
ilegal sistemática entre as massas, de sorte a consolidar sua própria organização em
conseqüência mesmo do trabalho realizado no Bloco Operário e Camponês, bem como nas
demais organizações auxiliares de massa.
[...]”

B - “Sobre o Bloco Operário e Camponês

O Bloco Operário e Camponês é uma organização de massas, de frente única de todas


as camadas do proletariado urbano e rural, os camponeses típicos e da pequena-burguesia
proletarizada.
Até hoje, o B.O.C. concentrou sua atividade no terreno eleitoral. Precisamos dar-lhe
agora um caráter profundo, de trabalho permanente, ampliando sua ação no seio das massas,
em todos os terrenos da luta de classes, utilizando todas as formas do trabalho cultural,
esportivo, etc., como meio para atrair as massas.
A vitória do B.O.C. nas eleições municipais confirma a justeza da sua linha política em
conjunto e tem a mais alta significação, porque aumenta a base de ação e influência do
P.C.B., abrindo vastas perspectivas.
As condições especiais do atual momento criaram para o B.O.C. duas funções: como
forma de organização das massas e, ao mesmo tempo, como uma forma de trabalho legal do
P.C.B.
Uma tal situação agrava os dois perigos seguintes:
1º O P.C.B. arrisca-se a perder a direção política do B.O.C. Isto produziria a
degenerescência eleitoral do B.O.C. e seu aproveitamento pelos políticos parlamentares da
pequena-burguesia, colocando o proletariado a reboque destes elementos.
2º O P.C.B. arrisca-se a perder sua fisionomia própria como conseqüência da
adaptação de toda a sua política ao conteúdo político do B.O.C., subordinando sua ação às
possibilidades de trabalho legal. Este é o perigo mais grave e contra ele devemos tomar
654

todas as medidas. Para isto, o P.C.B. deve, ao mesmo tempo, desenvolver sua própria
propaganda nas massas, em seu próprio nome, com toda nitidez classista, sem subordinação
às possibilidades legais da luta. Só assim o P.C.B. será cada vez mais o núcleo central do
B.O.C., dirigindo sua atividade com toda a firmeza.
A fim de exercer um controle real sobre o Bloco e este sobre os seus representantes,
subordinando o trabalho nas Câmaras à luta geral das massas, o P.C.B. deve combater a
tendência de certos camaradas que procuravam ocultar o Partido sob o pretexto de que as
massas têm medo da palavra comunismo.
* * *
O Congresso condena a aliança eleitoral que o B.O.C. de S. Paulo fez com o
P[artido]. D[emocrático]. Em fevereiro de 1928, apesar de ter instruções em contrário da
C.C.E. anterior. E bem assim os desvios oportunistas cometidos em Ribeirão Preto, nas
eleições de Outubro do ano passado. Estes desvios mostram que a organização local do
P.C.B. não tinha a necessária eficiência ideológica e orgânica, para opor uma barreira a esses
desvios.
* * *
O B.O.C. precisa evitar todo e qualquer desvio eleitoralista ou oportunista,
compreendendo a sua obra como um ponto de partida para a fermentação e a radicalização
das massas. Precisa criticar severamente a atuação do seu representante na Câmara Federal,
combater os desvios deste último, fazê-lo comparecer às reuniões periódicas, para ouvir e
discutir as críticas. Caso ele não se subordine à linha política firme do B.O.C. e torne
inevitável o rompimento, precisamos fazê-lo com inteligência, realizando um trabalho
preliminar de crítica perante as massas, para que estas o responsabilizem pelo rompimento e
o condenem, deixando-o isolado.
* * *
O B.O.C. precisa organizar, por todo o país, uma rede de Comitês e Centros Políticos
a ele filiados. Precisa estudar a forma de organizar comitês de fábricas, como uma base
orgânica. Centros e Comitês não devem limitar sua atividade ao terreno eleitoral, ampliando-
a, como já ficou explicado atrás. Precisa estudar as formas orgânicas e concretas de sua
ligação com todos os organismos de operários e lavradores pobres, à luz da experiência.
Nos Estados e, principalmente, onde já existe um começo de organização, estas tarefas
devem ser adaptadas às condições locais e realizadas com habilidade, firmeza e tenacidade.
A penetração nos campos deve ser uma das tarefas essenciais.”

(FONTE: Partido Comunista do Brasil. Teses & resoluções adotadas pelo III Congresso do
Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro, PCB, [1929], p. 8 e p. 15-16,
respectivamente. Este último trecho também foi publicado em: Sobre el Bloque Obrero y
Campesino en el Brasil. La Correspondencia Sudamericana. Buenos Aires, nºs 12-13-14 (2ª
Época), maio 1929, p. 37.)
655

ANEXO XVI

Programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil (1929)

“PROGRAMA DO BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS DO BRASIL

Projeto a ser apresentado ao 1º congresso nacional do B.O.C.B.

QUE É O B.O.C.B.

1) O Bloco Operário e Camponês do Brasil é a organização de frente única das massas


laboriosas, sob a direção da vanguarda consciente do proletariado industrial, e unidas ao
proletariado de todos os países.
2) O Bloco Operário e Camponês do Brasil aprofunda a sua ação no seio dos
trabalhadores, em todos o terrenos – econômico, político, propriamente eleitoral, esportivo,
cultural etc. Faz da luta eleitoral e de todas as outras formas de luta uma batalha em prol da
conquista do poder político – do governo – pelas massas laboriosas e para elas.
3) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende todas as pequenas melhorias.
Procura transformar os combates por essas reivindicações imediatas numa batalha pela
emancipação dos trabalhadores manuais e intelectuais. Liga as pequenas questões de salários
às grandes questões políticas como a entrega das terras pelo Governo Operário e Camponês
aos trabalhadores, e a libertação do Brasil, e de todos os outros países coloniais e
semicoloniais, das garras do imperialismo.
4) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate todas as formas do eleitoralismo
e do oportunismo.
O eleitoralismo é a limitação da luta política ao terreno estreitamente eleitoral. A luta
política é a luta pela conquista do poder político do Governo, do Estado.
O oportunismo é a falta de princípios. O oportunista prefere receber uma bagatela no
presente a esperar por um tesouro no futuro.
5) O Bloco Operário e Camponês do Brasil marcha à frente das massas laboriosas,
guiando-as, e nunca a reboque das mesmas. Sua obra é fermentar, apurando e radicalizando
as massas.
6) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende quaisquer trabalhadores, das
cidades ou dos campos, de qualquer raça, país, sexo, cor, religião, ideologia. E aceita-os em
suas organizações de base desde que estejam dispostos a lutar pela realização do seu
programa.
7) O Bloco Operário e Camponês do Brasil baseia-se em adesões coletivas.
Individualmente os trabalhadores devem aderir aos organismos de base.
8) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia o jornal A CLASSE OPERÁRIA, a
Confederação Geral do Trabalho do Brasil, a Confederação Sindical Latino-Americana, a
Liga Antiimperialista e as organizações antifascistas de caráter revolucionário. E aceita a
adesão das organizações sindicais, do Partido Comunista e das Ligas de Camponeses
pobres.
656

AS DUAS CLASSES

9) A tese fundamental do programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil é a


seguinte: a sociedade está dividida em duas classes inimigas: o proletariado e a burguesia.
10) Fazem parte do proletariado:
Os operários das usinas, fábricas e oficinas. Os trabalhadores em transportes. Os
operários do Estado (federais, estaduais e municipais). Os trabalhadores a domicílio que não
são donos dos meios de produção. Os menores e as mulheres pobres, inclusive as
domésticas (as que trabalham em casa). Os que mourejam no subsolo como os mineiros. Os
empregados no comércio e na indústria. Os pequenos funcionários. Os intelectuais pobres.
Os soldados do Exército, da Polícia e do Corpo de Bombeiros. Os guardas civis. Os
marinheiros. Os inferiores do Exército, da Marinha, da Polícia e do Corpo de Bombeiros. Os
assalariados agrícolas. E todos os elementos correlativos: os seringueiros, os cautcheiros, os
balateiros, os tangerinos, os vaqueiros, os almocreves, os carreiros, os lenhadores, os
ervateiros, as rendeiras...
11) Fazem parte da burguesia:
Os proprietários das grandes fábricas e oficinas, dos bancos, armazéns e estradas de
ferro. Os grandes proprietários de terras, minas e casas. Os atacadistas. Os altos
funcionários. Os ministros. Os ricos em geral (os capitalistas)...
12) Só a luta das classes libertará as massas laboriosas. Toda a conciliação favorece a
burguesia. Existindo um abismo entre as duas classes, quem não estiver com uma, terá
fatalmente de fazer o jogo da outra classe.

A CLASSE PROLETÁRIA INDEPENDENTE

13) O Bloco Operário e Camponês do Brasil realiza a política da classe proletária


contra a classe burguesa. Uma política de classe, independente.
14) Os representantes do Bloco Operário e Camponês do Brasil no Legislativo e no
Executivo têm de viver em contato com a classe proletária. Consultam as organizações
sindicais e o Partido do Proletariado, o Partido Comunista. Realizam comícios. Subordinam
sua atividade no Legislativo e no Executivo ao controle e à ação das massas cujo
pensamento ouvirão através dos seus órgãos autorizados. São responsáveis perante as
massas por toda a sua atividade. Realizam uma obra coletiva, metódica e sistemática,
baseada na mais severa disciplina.

O COMBATE À POLÍTICA BURGUESA

15) Os representantes do Bloco Operário e Camponês do Brasil combatem os


políticos que, direta ou indiretamente, estão ligados à classe burguesa ou defendem os
interesses dela. Desmascaram esses políticos. E vão às Câmaras com o fim de combater o
regime burguês. Não para fabricar leis e sim para provar que as Câmaras não passam de
máscaras da ditadura dos capitalistas e que as leis preparadas pelos agentes da burguesia não
podem beneficiar as massas. Tais leis são verdadeiros engodos.

CONTRA O IMPERIALISMO
657

16) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate o imperialismo internacional e


os seus agentes no Brasil. O imperialismo é a dominação do capital financeiro e das
empresas monopolizadoras.
17) O Bloco Operário e Camponês do Brasil opõe-se a todo novo empréstimo
externo. Reivindica a extinção das missões estrangeiras (naval, militar etc.). Reivindica a
revisão dos contratos das empresas imperialistas. Reivindica para o Estado Operário e
Camponês do Brasil todas essas empresas. E apóia o proletariado das metrópoles e as
massas das colônias e semicolônias, com especialidade as da América Latina, na luta contra
o inimigo comum.

PELO RECONHECIMENTO DA U.R.S.S.

18) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo reconhecimento de jure da


União das Repúblicas Socialistas Sovietistas por parte do Brasil o pleno restabelecimento
das relações diplomáticas, comerciais e culturais.
19) A União Sovietista é um imenso país com perto de 20 milhões de quilômetros
quadrados e 140 milhões de habitantes. Ocupa a 6ª parte do mundo. Tornou-se uma força
econômica e política tal que os governos mais reacionários como os da Itália e do Japão se
viram obrigados a reconhecê-la.
20) A União Sovietista é o esteio do proletariado internacional e de todos os povos
coloniais e semicoloniais (como o do Brasil) em suas lutas pela própria emancipação. É a
realização do verdadeiro socialismo, da verdadeira democracia. O único país do mundo em
que o Estado está nas mãos de cento e tantos milhões de proletários e camponeses pobres,
que governam de fato por intermédio dos Soviets, dos Conselhos de Operários Camponeses,
Soldados e Marinheiros. O único país em que o governo entrega as armas aos trabalhadores.

PELA ANISTIA

21) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta por uma anistia completa a
quaisquer presos ou perseguidos políticos ou sociais. Luta pela indenização, por parte do
Estado, a todas as vítimas da reação ou às suas famílias, calculando-se a indenização
segundo os salários que respectivamente ganhavam, acumulados durante o tempo decorrido
desde o dia da prisão ao da libertação ou morte de cada um.
22) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta para que os carrascos desses
mártires sejam entregues à justiça de tribunais populares, que não existem, mas precisam ser
criados. A ‘justiça’ atual, tão severa com os proletários e com os revoltosos de 1922-1927 e
tão branda com os carrascos do estado de sítio, faliu totalmente.
23) A anistia deve atingir os revoltosos e todos os proletários deportados por questões
sociais. E todos esses perseguidos voltarão ao Brasil para continuar a batalha.

PELA AUTONOMIA DO DISTRITO FEDERAL


658

24) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta para que o Distrito Federal – o
maior centro proletário do Brasil – se liberte da tutela da política do governo federal,
política influenciada pelos grandes fazendeiros de café. Preconiza especialmente: 1º a eleição
do prefeito e a sua subordinação ao Conselho Municipal; 2º o aumento das cadeiras no
Conselho Municipal e as imunidades para os intendentes; 3º as eleições segundo o sistema
de representação proporcional, como em Buenos Aires; 4º nenhuma subordinação do
município ao Senado ou a qualquer outro organismo federal; 5º a subordinação do corpo de
bombeiros e da polícia civil e militar às autoridades municipais, sendo os próprios chefes ou
comandantes nomeados pelo prefeito e responsáveis perante o Conselho Municipal.

EM PROL DA LEGISLAÇÃO SOCIAL

25) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo andamento do Código do


Trabalho, encalhado no Senado, e sua revisão pela Confederação Geral do Trabalho. Luta
para que em todas as leis chamadas sociais seja introduzido um artigo estipulando que o
cumprimento das mesmas deve ser fiscalizado pela Confederação Geral do Trabalho e pelos
sindicatos proletários.
26) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza especialmente: 1º o dia de 7
horas; 2º a semana de 40 horas de trabalho; 3º o dia de 6 horas para os menores, as mulheres
e os que fazem trabalhos malsãos ou penosos (minas, redes de esgotos, fábricas de fósforos
etc.); 4º a proibição do trabalho para os menores de 14 anos; 5º o salário mínimo; 6º os
contratos coletivos de trabalho; 7º o seguro, a cargo do Estado e do patronato, contra o
desemprego, a invalidez, a enfermidade e a velhice; 8º a licença às proletárias grávidas, de
60 dias antes e 60 dias após o parto, com o pagamento integral dos respectivos salários; 9º a
extinção dos “serões” e extraordinários; 10º o descanso semanal para todos os
trabalhadores; 11º a proibição da dormida nos locais de trabalho; 12º a água filtrada e todos
os requisitos da higiene; 13º o aumento dos vencimentos e ordenados para os pequenos
funcionários e para os intelectuais pobres (professores primários, jornalistas mal pagos).

CONTRA A REAÇÃO

27) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pela anulação total de todas as leis
reacionárias: a lei Adolpho Gordo, a lei contra a imprensa, a reforma bernardesca da
Constituição, a lei celerada e a lei da ditadura policial. Foram leis pagas pelos imperialistas
com os empréstimos.
28) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pela volta ao Brasil de todos os
proletários deportados por questões sociais.
29) Luta contra a intervenção do Estado capitalista e seus órgãos de repressão, nas
greves.
30) Sustenta a luta em prol dos trabalhadores presos ou perseguidos por questões
políticas ou sociais.
31) Luta pela máxima liberdade de associação, reunião e opinião política para todos os
proletários.
659

OS RICOS PAGARÃO MUITO MAIS IMPOSTOS

32) A classe proletária não pagará imposto algum, a classe média terá uma redução de
50% nos impostos atuais e a classe capitalista pagará muito mais.
33) Atualmente é inverso: O imposto sobre a renda – sobre os ricos – produz uma
insignificância: 24 mil contos. Já os impostos sobre o consumo – sobre os pobres –
produzem 12 ½ vezes mais: 300 mil contos.
34) O Bloco Operário e Camponês do Brasil bate-se pela redução enérgica dos
impostos de consumo.

CONTRA A ATUAL REFORMA DA MOEDA

35) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate a atual reforma da moeda


porque ela se faz em proveito dos ricos, contra os pobres. Uma das suas conseqüências é a
estabilização da carestia e da miséria.
36) O governo capitalista procura arrancar as finanças ao descalabro em que
encontram, aumentando os impostos e contraindo novos empréstimos. O aumento dos
impostos sobre os pobres agrava a carestia. Os empréstimos imperialistas acarretam novos
impostos para fazerem face aos juros e à amortização. E acarretam maiores quantias
desviadas do Brasil para os cofres dos banqueiros de Londres e Nova York. Um círculo
vicioso, agravando cada vez mais a carestia.
37) Se o “cruzeiro” fosse estabelecido, haveria um reajustamento nos salários e nos
preços dos gêneros de primeira necessidade, isto é, um pretexto para a diminuição dos
salários e para o aumento dos preços desses gêneros.
38) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza: 1º o reajustamento dos
salários e vencimentos dos proletários e da classe média segundo uma tabela científica de
relação entre o preço dos gêneros imprescindíveis e as necessidades mínimas das massas
laboriosas; 2º o aumento desses salários e vencimentos e a diminuição do preço desses
gêneros; 3º o combate a todo novo empréstimo no exterior, que só poderá agravar a carestia
e a atual dependência do Brasil perante a finança anglo-americana; 4º a repressão à jogatina
cambial; 5º o combate a quaisquer impostos sobre a classe proletária; 6º a agravação de
todos os impostos sobre a classe capitalista; 7º a extensão do imposto sobre a renda aos
grandes proprietários rurais.

PELA HABITAÇÃO PROLETÁRIA

39) O Bloco Operário e Camponês do Brasil denuncia a esterilidade das meias


soluções burguesas do problema da habitação, dos paliativos e medidas de emergência.
40) Preconiza: 1º a expropriação e a conquista pelas municipalidades, das casas dos
grandes proprietários; 2º os aluguéis proporcionais aos salários; 3º a suspensão do despejo
dos barracões até o alojamento em casas baratas e higiênicas; 4º a moradia gratuita para os
proletários sem trabalho; 5º a construção de casas de repouso para os trabalhadores, por
conta dos patrões; 6º as tabelas dos aluguéis proporcionais estabelecidas e fiscalizadas por
comissões de inquilinos pobres; 7º a supressão dos depósitos e pagamentos adiantados; 8º a
660

construção de habitações baratas e higiênicas como condição para a derrubada dos


barracões e casas de cômodos; 9º o combate à exploração dos intermediários e
sublocadores.

PELO ENSINO E A EDUCAÇÃO PARA O PROLETARIADO

41) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo desenvolvimento do ensino


primário e obrigatório. Preconiza como medidas especiais: 1º o auxílio econômico às
crianças pobres em idade escolar, o Estado fornecendo-lhes gratuitamente, além do material
escolar, a roupa, o alimento e o transporte; 2º a criação de novas escolas profissionais de
ambos os sexos como uma continuação das escolas primárias; 3º o aumento dos
vencimentos do professorado primário; 4º o apoio às justas melhorias que as associações do
mesmo professorado reivindicarem; 5º as subvenções às bibliotecas operárias e populares; 6º
a fiscalização da instrução pela Confederação Geral do Trabalho.

PELO VOTO SECRETO

42) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo voto secreto e obrigatório.
Extensivo às mulheres, aos bombeiros, aos soldados, aos marinheiros, aos analfabetos e aos
proletários estrangeiros.
43) O voto secreto e obrigatório não pode resolver os problemas nacionais É apenas
um meio de despertar as massas adormecidas e levá-las a participar da política e da
administração do país.
44) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza as seguintes medidas especiais:
1º a máxima simplificação no alistamento; 2º a representação proporcional por quociente
eleitoral para extinguir os “cabos” eleitorais, forçar a criação dos partidos, e a apresentação
dos candidatos em listas coletivas de cada partido.

EM PROL DOS SOLDADOS E MARINHEIROS

45) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia todos os protestos dos soldados e
marinheiros contra a atual opressão capitalista. E luta: 1º pelo aumento do soldo; 2º pelo
aumento da etapa e melhoria do “rancho”, fiscalizado pelas praças; 3º pela supressão dos
castigos físicos e das prisões em células; 4º pela substituição da atual disciplina burguesa por
uma disciplina consciente; 5º por uma completa modificação dos regulamentos; 6º pelo
direito de voto; 7º pelo direito de organização; 8º pelo alargamento radical dos
insignificantes direitos atuais; 9º pela intervenção direta na administração e na política
nacionais.

EM BENEFÍCIO DA JUVENTUDE E DAS MULHERES PROLETÁRIAS

46) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende as seguintes reivindicações


especiais da juventude e das mulheres proletárias: 1º - O aumento dos salários; 2º - O dia de
6 horas de trabalho, no máximo; 3º - A proibição do trabalho para os menores de 14 anos;
4º - A proibição do trabalho nas indústrias perigosas e insalubres (vidro, fósforo etc.): 5º -
661

15 dias de férias, de 6 em 6 meses; 6º - A proibição dos “serões”; 7º - O direito de voto aos


maiores de 18 anos; 8º - Para trabalho igual, salário igual; 9º - A redução da aprendizagem
ao máximo de 2 anos; 10º – O salário de acordo com o custo da vida.
47) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende mais as seguintes reivindicações
especiais das mulheres trabalhadoras: 1º - A licença, às proletárias grávidas, de 60 dias antes
e 60 dias depois do parto, com o pagamento integral dos respectivos salários; 2º - A criação
de maternidades e creches gratuitas, à custa do Estado e do patronato, junto aos locais de
trabalho, e fiscalizadas pela Confederação Geral do Trabalho; 3º A licença remunerada de
meia hora, de 3 em 3 horas, para que a mãe proletária possa amamentar o filho; 4º - Os
mesmos direitos políticos e sociais dos homens.

A FAVOR DA CLASSE MÉDIA

48) Entre o proletariado e a burguesia existe uma categoria social intermediária que
rigorosamente não forma uma classe. É a chamada classe média, a pequena burguesia.
49) Fazem parte da classe média:
Os artesãos, isto é, os que trabalham a domicílio com os seus próprios meios de
produção. Os pequenos comerciantes e industriais. Os funcionários médios. Os técnicos.
Uma grande parte dos estudantes e intelectuais. Os tenentes e os capitães. Os que vivem das
profissões liberais. Os pequenos lavradores proprietários (os camponeses típicos). Os
pequenos proprietários em geral...
50) - Qual a situação da classe média?
Economia: os vencimentos desvalorizados; os impostos sobrecarregando os pequenos
comerciantes e industriais; as profissões liberais sob os maiores vexames; os pequenos
proprietários em geral vegetando, rolando para um empobrecimento cada vez maior...
Política: a opressão; as leis reacionárias; os tribunais parcialíssimos; a promessa de
uma anistia homeopática...
51) - Que espera a classe média à sombra do atual regime capitalista?
Uma agravação da exploração econômica; maior opressão política; a ditadura da
classe capitalista (o fascismo); violências e arbitrariedades; guerras imperialistas...
52) – No meio de 1.000 membros da classe média, 1 poderá ficar capitalista; 999 terão
de vegetar a vida toda na “pobreza envergonhada”. E quanto mais o Brasil se desenvolver,
menor será o número de capitalistas. O capital concentra-se cada vez mais, espoliando a
massa de proletários e pequenos burgueses. A grande propriedade aniquila a pequena
propriedade.
53) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende as seguintes reivindicações: 1º -
A redução, à metade, de todos os impostos que pesam sobre o pequeno comércio, a
pequena indústria e a pequena lavoura; 2º - A redução, à metade, dos aluguéis, que pesam
sobre a classe média em geral; 3º - A facilidade na construção das habitações de valor abaixo
de 20 contos; 4º - O apoio e a radicalização de todos os protestos da classe média contra a
reação: 5º - O apoio aos intelectuais e aos elementos das profissões liberais todas as vezes
que lutarem contra a exploração e a opressão capitalistas.
54) O governo Operário e Camponês (o governo das massas laboriosas) não
confiscará as casinhas dos subúrbios, o lote do camponês pobre, a lojinha, a quitandinha, a
662

pequena oficina – as pequenas propriedades em geral - nem os objetos de uso pessoal,


indispensáveis à manutenção e à reprodução.
55) A luta fundamental do proletariado é contra a classe capitalista.

A QUESTÃO AGRÁRIA

56) No Brasil, como nos outros países, existem três categorias rurais oprimidas:
1º - O assalariado agrícola, o proletário rural típico, a parte mais explorada da
população brasileira: o jornaleiro, o ambulante de Minas, o caboclo dos engenhos e das
usinas do Nordeste, o colono assalariado das fazendas.
2º – O pequeno lavrador sem terras: o rendeiro ou arrendatário, o meeiro, o terceiro.
É um semiproletário.
3º - O pequeno proprietário, o camponês típico, o pequeno burguês rural.
57) Essas três categorias vivem oprimidas pelos grandes proprietários, protegidos
pelos imperialistas. Devem ser arrastadas, paralelamente, à luta pelas suas reivindicações
próprias, ao turbilhão da luta do proletariado industrial e, como conseqüência, à revolução
agrária e antiimperialista.
58) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia os protestos das massas rurais,
principalmente quando esses protestos se fizerem como no Jary em 1928. E luta pelas
seguintes reivindicações:
Para o operário rural:
1º - O aumento dos salários; 2º - a diminuição das horas de trabalho; 3º - a abolição
das multas; 4º – o pagamento em moeda corrente e não em vales falsos, cartões ou moedas
de alumínio; 5º - o pagamento de quaisquer consertos, “limpas”, ou trabalhos semelhantes;
6º - a extinção dos atuais armazéns ou “barracões” ligados aos grandes proprietários, e o
fornecimento dos gêneros de primeira necessidade pelas cooperativas de operários agrícolas;
7º - o combate à sujeição dos grandes proprietários, criadores, usineiros, senhores de
engenho; 8º – a anulação de quaisquer leis que permitam a existência de grupos armados a
serviço dos grandes proprietários e a dissolução dos grupos de “capangas”; 9º - a demissão
dos fiscais e administradores prepotentes; 10º - a liberdade de locomover-se; 11º - a
liberdade de trabalhar para quem entender; 12º - a união com os trabalhadores industriais na
luta contra o inimigo comum – o grande proprietário aliado ao imperialista; 13º - a
liberdade de voto; 14º - a anulação da concessão Ford e das outras semelhantes; 15º - a
formação de sindicatos; 16º - a fiscalização do Patronato Agrícola por esses sindicatos; 17º -
a extensão da legislação social, das leis de férias, acidentes etc., que atualmente estão
limitadas ao proletariado das cidades; 18º - as escolas primárias; 19º - a construção de casas
de taipa em lugar de palhoças; 20º - o médico, o hospital e a farmácia grátis; 21º - o
saneamento rural sistemático, visando a regeneração física e moral do trabalhador agrícola;
22º - a higienização das condições de trabalho e habitação; 23º - o auxílio às cooperativas
operárias de consumo; 24º - a luz elétrica; 25º - a água encanada; 26º - as máquinas que
facilitem o trabalho; 27º - a proibição dos contratos de escravização.
Para o pequeno lavrador sem terras:
1º - a redução do arrendamento; 2º - a facilidade e a barateza dos transportes; 3º - a
conservação e o melhoramento das estradas atuais; 4º - a construção de novas estradas de
rodagem; 5º - a isenção de quaisquer impostos ou taxas de qualquer natureza sobre os
663

veículos de toda espécie, destinados ao transporte dos produtos da pequena lavoura; 6º - o


fornecimento gratuito de sementes e adubos; 7º - fornecimento, a crédito ou por aluguel, de
animais e máquinas agrícolas; 8º - o desenvolvimento das ligas de pequenos lavradores; 9º -
a liberdade de vender os produtos a quem entender.
E para o pequeno proprietário:
1º - o combate aos direitos hipotecários; 2º - a redução de todos os impostos; 3º - o
combate ao grande proprietário; 4º - o auxílio às cooperativas de produção; 5º - o auxílio
contra as formigas e outros insetos; 6º - a canalização das águas para a irrigação das terras;
7º - as novas estradas; 8º - a facilidade de embarque nas estradas de ferro; 9º - a luta contra
as secas e inundações; 10º - a transferência do fardo fiscal para as categorias ricas (os
grandes proprietários); 11º - a organização de Ligas Camponesas Típicas.
59) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia as reivindicações dos imigrantes,
dos seringueiros e dos pescadores. Preconiza para estes: 1º - a liberdade de vender o
pescado diretamente; 2º - o fornecimento pelo Estado de recursos e utensílios para a pesca;
3º - a direção real das colônias, libertando-as do controle do ministério da marinha; 4º - a
higienização das colônias; 5º - a criação de escolas e hospitais; 6º - a construção de casas
baratas e higiênicas; 7º - o combate às empresas capitalistas de pesca, que reduzem os
pescadores à miséria.
60) Os sindicatos de assalariados rurais devem aderir à Confederação Geral do
Trabalho do Brasil, e às Ligas de pequenos lavradores sem terras e de camponeses, ao Bloco
Operário e Camponês do Brasil e à Internacional Camponesa Vermelha.
61) O caráter fundamental da questão agrária no Brasil é o seguinte: a minoria
exploradora possui 800 milhões de hectares de terras (cada hectare tem 100 metros de
comprimento por 100 de largura), enquanto a imensa maioria proletária não possui um único
hectare. Apenas existem 26 milhões de hectares de terras recenseadas, nas mãos dos
pequenos proprietários.
62) A revolução agrária e antiimperialista tem por fim livrar o Brasil dos restos de
escravidão, da servidão e do imperialismo. A luta contra os grandes proprietários rurais é
inseparável da luta contra os seus financiadores, os imperialistas. A revolução respeitará as
terras dos pequenos proprietários, mas confiscará os milhões de hectares dos grandes
proprietários.
63) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pela revolução agrária e
antiimperialista, revolução democrática pequeno-burguesa, prelúdio da revolução proletária,
dirigida pelo Partido Comunista. Luta para que, nessa primeira revolução, o proletariado
conquiste a hegemonia, uma influência decisiva.
64) O Bloco Operário e Camponês do Brasil procurará ligar solidamente, como os
elos da mesma cadeia, as reivindicações imediatas das massas rurais (especificadas atrás), à
revolução agrária e antiimperialista. Esta deve ser o coroamento da luta por aquelas.
65) À medida que as massas evoluírem revolucionando-se, o Bloco Operário e
Camponês do Brasil deverá ir radicalizando as reivindicações acima, lançando palavras de
ordem intermediárias. Nesse período essencialmente revolucionário, cabem as seguintes
reivindicações das massas rurais, que deverão ser sustentadas pelo proletariado industrial,
com a máxima energia: 1º - a extinção do arrendamento; 2º - a anulação das dívidas
contraídas pelos lavradores pobres com o capital usurário; 3º - a anulação de outras dívidas
quaisquer; 4º - redução enérgica dos impostos; 5º - a confiscação (sem indenização) das
664

terras; 6º - a nacionalização das mesmas, isto é, a apropriação delas pelo governo das
massas laboriosas; 7º - a repartição das terras pelas três categorias rurais especificadas atrás,
especialmente pelas duas primeiras, com a propaganda da lavoura, em comum e não do
trabalho isolado, individualista; 8º - a criação dos organismos armados dos operários
agrícolas; 9º - O desarmamento dos grandes proprietários e de seus grupos de “capangas”.
66) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza que os estabelecimentos
agrícolas modernizados com arados, tratores etc. devem continuar a ser cultivados
coletivamente, sem a sua divisão em lotes. A produção deve realizar-se em comum. Os
produtos passarão a pertencer à coletividade dos trabalhadores.
67) Os problemas nacionais e especialmente os problemas da massa trabalhadora, só
poderão ser resolvidos pelo Governo Operário e Camponês do Brasil, unido ao proletariado
internacional. Esse governo realizará as melhorias citadas no programa do Bloco Operário e
Camponês do Brasil. Estendê-los-á aprofundando e radicalizando. Elevará às últimas
conseqüências a revolução agrária e antiimperialista, preparando a revolução proletária – a
instauração do socialismo, do primeiro passo para a sociedade comunista.
68) O Bloco Operário e Camponês do Brasil condena a política do café, que se faz em
proveito da insignificante minoria dos grandes fazendeiros, sacrificando a imensa maioria da
população; e em benefício dos imperialistas que a aproveitam para conquistar novas
posições estratégicas na economia e na política nacionais.
69) O Governo Operário e Camponês procurará valorizar os produtos nacionais em
benefício das vastas multidões laboriosas.

A QUESTÃO DOS ÍNDIOS

70) Há séculos, os índios vêm protestando contra a usurpação das suas terras. Esse
protesto tem se revestido: 1º - de formas legais, como o dos Coroados do Estado do Rio,
em 1916, e dos Carijós de Pernambuco, em 1928; 2º - de formas semilegais, como o
protesto dos Terenos de Mato Grosso, em 1929; 3º - de formas extralegais, como as lutas
armadas em vários Estados. Os fazendeiros têm sido ferozes espoliadores dos índios.
71) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia o protesto dos índios contra a
usurpação de suas terras pelos fazendeiros, principalmente quando esse protesto se fizer
pelas armas. E reivindica: 1º - que a Confederação Geral do Trabalho tenha o direito de
fiscalizar o Serviço de Proteção aos Índios; 2º - que na direção desse Serviço existam
representantes dos índios, escolhidos em assembléia dos mesmos; 3º - que os índios tenham
o direito de organização sindical e política; 4º - que gozem dos mesmos benefícios que o
Bloco Operário Camponês do Brasil reivindica para as massas rurais em geral; 5º - que
tenham todas as possibilidades de criar uma civilização própria, como está sucedendo na
União Soviética com as minorias nacionais; administração própria, alfabeto, livros e formas
na própria língua, uma arte, uma cultura e uma indústria indígenas.
72) As palavras de ordem revolucionária como a confiscação de terras dos fazendeiros
pelos índios – o inverso do que se dá atualmente – devem ser lançadas e sustentadas, como
também a favor dos pequenos proprietários do interior de S. Paulo, espoliados pelos
“grileiros”.
73) Que os índios tenham uma vida nacional própria e não vegetem à sombra do
capitalismo, envenenando-se com o álcool, cobrindo-se de todas as gafeiras deste regime.
665

O problema dos índios está ligado à questão agrária e à questão das minorias
nacionais.

OS PARTIDOS POLÍTICOS

74) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate o Partido Republicano porque


tal partido está preso aos capitalistas em geral e aos fazendeiros de café em particular, aos
imperialistas em geral e aos imperialistas ingleses em particular; porque a sua política á a da
valorização do café, em proveito dos grandes fazendeiros; e porque constitui a mão direita
da burguesia.
75) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate a Aliança, falsamente Liberal, o
Partido pretensamente Libertador e os Partidos falsamente Democráticos porque são
dirigidos por fazendeiros, industriais e estancieiros descontentes, pelos capitalistas em
proveito dos capitalistas; porque os seus dirigentes estão ligados aos imperialistas em geral e
aos imperialistas norte-americanos em particular; e porque tentam representar a comédia de
um “esquerdismo” burguês mascarando a realidade fascista.
76) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia-se nas organizações
revolucionárias como o Partido Comunista. E combate o Partido Trabalhista – partido de
policiais e fura-greves que homenagearam Hoover e apóiam a candidatura Julio Prestes,
partido que é uma verdadeira caricatura do reformismo internacional.

A SUCESSÃO PRESIDENCIAL

77) O candidato Julio Prestes é um instrumento da classe capitalista em geral e dos


grandes fazendeiros de café em particular. Sua política é a do Partido Republicano e a do
imperialismo inglês. Candidato da mão direita da burguesia. Procurou esmagar a greve dos
gráficos. Prendeu centenas de proletários. E é um dos responsáveis pelas perseguições aos
trabalhadores do Rio de Janeiro; pelos 35 assaltos às associações operárias, pelas 900
prisões etc.
78) O candidato Getulio Vargas é um instrumento da classe capitalista e do
imperialismo norte-americano. Candidato fascista a fingir de mão esquerda da burguesia.
Liberal na aparência e reacionário na substância.
79) O desejo da mão direita da burguesia e do seu candidato é instalar o fascismo no
Brasil, sob a proteção dos banqueiros de Londres. O desejo da pretensa mão esquerda da
burguesia e do seu candidato é instalar o fascismo no Brasil, sob a proteção dos banqueiros
de Nova York. O fascismo é a ditadura da burguesia esmagando o proletariado e a classe
média.
80) Contra o candidato declaradamente reacionário e contra o candidato
mascaradamente liberal, contra os candidatos fascistas dos banqueiros de Londres e Nova
York, o Bloco Operário e Camponês do Brasil apresenta o candidato das massas laboriosas.
81) A luta pela sucessão presidencial deve ser uma luta pela revolução agrária e
antiimperialista, resultante da atual crise econômica, política e social.

A REVOLUÇÃO BRASILEIRA
666

82) Até aqui, a história do Brasil foi um mero reflexo da história universal. Pela
primeira vez, os acontecimentos nacionais vão influenciar sobre a situação internacional.
Chegou a hora da América Latina.
83) Como a França em 1789, a Rússia em 1917, a Finlândia, o Japão, a Áustria e a
Alemanha em 1918, a Hungria, a Coréia e a Baviera em 1919, a Turquia e a Itália em 1920,
a Alemanha em 1921, a Bulgária, a Alemanha e a Estônia em 1923, Marrocos e a Síria em
1925, a Inglaterra em 1926, a Áustria e a China em 1927 – a América Latina vai ser um dos
esteios da revolução social mundial.
84) A revolução brasileira deve ser considerada como sendo a revolução mundial no
setor brasileiro em seu primeiro período de 1917 a 1920, sua base social foi o proletariado.
Esmagado este, a classe média deu um passo à frente. Lutou em 1922 e 1924 para derrubar
a situação dominante. O proletariado, vencido e desorganizado, não pôde auxiliá-la de fato.
Preparam-se, agora, as condições favoráveis a uma nova revolta. Nela poderá realizar-se a
ação paralela do proletariado e da classe média contra o inimigo comum, sob a hegemonia
do proletariado.
85) A nova revolta prolongando-se, transformar-se-á numa revolução agrária e
antiimperialista. Confiscará as terras dos grandes proprietários e as empresas imperialistas.
Terá como base social o proletariado e a classe média, contra a classe capitalista.
Radicalizar-se-á transformando-se numa revolução proletária.
86) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia os revoltosos de Copacabana, S.
Paulo e da Coluna Prestes, especialmente os seus elementos radicais, criticando, porém, os
desvios dos elementos direitistas. Apoiará a revolução agrária e antiimperialista. E lutará
pela hegemonia do proletariado nessa revolução.
87) O povo brasileiro marcha atualmente para o fascismo ou para a revolução agrária
e antiimperialista, preliminar da revolução proletária. Marcha para uma escravidão maior ou
para a liberdade!

Setembro, 1929.

O COMITÊ CENTRAL DO BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS”

(FONTE: Distrito Federal. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões de


1º de Outubro a 30 de Novembro de 1929. Rio de Janeiro, Jornal do Commercio, 1930, p.
516-526.)
667

ANEXO XVII
Resolução da Internacional Comunista sobre a questão brasileira

“[...]

5 – O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL E O BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS

O Bloco Operário e Camponês não representa, no Brasil, um partido operário e


camponês; ele não tem nenhuma ligação com a massa camponesa e com o proletariado
agrícola. De fato, o Bloco Operário e Camponês transformou-se num segundo partido
operário, que não faz uma política revolucionária conseqüente. Este partido tem seus
estatutos, suas organizações nas fábricas. Na realidade, ele se substitui ao partido comunista,
em vez de cobri-lo legalmente e de ligá-lo com as massas operárias. O programa do Bloco
Operário e Camponês, composto de diversas reivindicações, absolutamente desligadas das
palavras de ordem revolucionárias fundamentais e resultantes da crise revolucionária
crescente, demonstra o falso caminho em que se meteu a política do Bloco Operário e
Camponês. A linha política do Bloco só poderá mudar-se radicalmente com a condição de
que o P.C. do Brasil se torne o ‘único’ partido revolucionário, dessolidarizando-se, por
completo, de todos os partidos pequeno-burgueses, e nenhuma reserva fazendo à sua
política independente de classe, do proletariado.
Isto significa que o Bloco Operário e Camponês, servindo temporariamente para
encobrir o partido comunista, sob o aspecto da legalidade, deve seguir efetivamente uma
linha leninista. De outro lado, o partido comunista deve aproveitar-se cada vez mais de
todas as ocasiões para aparecer abertamente na arena política.
O surto revolucionário do movimento operário e camponês da massa, que se
desenvolve atualmente no Brasil, criará certamente tais possibilidades.
[...].”

(FONTE: Secretariado Político da I.C. Vida do Partido. Resolução da Internacional


Comunista sobre a questão brasileira. A Classe Operária. Rio de Janeiro, nº 89 (2ª fase),
17/04/1930, p. 3.)
i) Um balanço
Edward P. Thompson, em seu clássico A formação da classe operária
inglesa, inicia-o nos narrando a organização da Sociedade Londrina de
Correspondência, no início de 1792, por um sapateiro e seus companheiros. O
ingresso nessa sociedade requeria o pagamento semanal de um pêni e a
resposta afirmativa a três perguntas, uma das quais era:

“Você está totalmente convencido de que o bem-estar destes reinos exige


que cada adulto, em posse de sua razão e sem impedimento criminal, possa votar
para um Membro do Parlamento?”1

Entre as atividades exercidas pela Sociedade estava a promoção de


debates, que tinham temas como “Nós, que somos artesãos, lojistas e artífices
mecânicos, temos algum direito a obter uma Reforma Parlamentar?”. Depois de
dois anos de atividades, a Sociedade Londrina de Correspondência, uma das
primeiras organizações políticas de perfil operário da Grã-Bretanha, foi fechada e
seus membros presos e processados sob a acusação de práticas sediciosas.
Embora as autoridades insistissem na acusação de alta traição, cuja pena máxima
era a pena de esquartejamento, eles acabaram absolvidos. O centro da questão
aqui era, como assinala Thompson, o descolamento da completa identificação
entre direitos políticos e direitos de propriedade, ou, dito de outro modo, a
extensão da cidadania política a todos os cidadãos.
Décadas mais tarde, esta questão tomou uma maior amplitude. Karl Marx e
Friedrich Engels depois de mostrar, no “Manifesto do Partido Comunista”, que o
proletariado formava uma classe determinada por seu lugar nas relações de
produção, propuseram que os operários se organizassem em partido político para
a conquista de seus interesses. A organização da classe operária em partido
político deixava implícita, dentro da questão da conquista do poder, a expressão
dessa classe por meio do sufrágio universal. Entre os seguidores de Marx e
Engels a interpretação a respeito deste último ponto tomou as mais variadas
669

formas, desde considerá-lo de modo absoluto, com os chamados revisionistas,


até seu extremo oposto, o da sua completa rejeição em detrimento da conquista
do poder unicamente pela via insurrecional.
Já no Brasil, apesar de terem ocorrido mobilizações e organização em
entidades de classe por parte de alguns segmentos de trabalhadores durante o
Império, foi somente após o final da Monarquia e do seu sistema eleitoral
censitário, que se formaram partidos que se intitulavam operários ou socialistas.
Mas eram manifestações tênues ou confusões ideológicas, que se misturavam
com o positivismo dos fundadores do regime republicano, que não prosperaram
entre um imenso contingente de trabalhadores imigrantes e analfabetos,
excluídos, além das mulheres, da participação política pelas regras eleitorais.
Quem, afinal, acabou tendo influência, de um lado, sobretudo entre sua
vanguarda política urbana, foram os anarquistas, que se orientavam pela
abstenção político-eleitoral em detrimento da “ação direta”, a qual desembocava
na “greve geral revolucionária” que daria o poder aos trabalhadores. De outro,
encontrava-se um largo contingente de trabalhadores desorganizado
politicamente e tutelado pelo que se chamou de sindicalismo reformista, ou
“amarelo”, como era conhecido. Este, que pautava sua ação por meio de um
discurso aparentemente apolítico, vez ou outra apoiava candidatos às eleições,
os quais revelavam-se, de modo geral, uma decepção para seus eleitores
operários. Fato este que, ao final, acabava também por reforçar o discurso
abstencionista dos anarquistas.
Foi somente após a Revolução Russa de 1917 e, mais especificamente, com
a fundação da Internacional Comunista, que a questão da participação eleitoral foi
posta no centro da discussão política da classe operária brasileira, por meio de
uma pequena parte dela que se decidiu pela organização e fundação do Partido
Comunista do Brasil (PCB) em 1922. A questão da participação dos trabalhadores
nos processos eleitorais e a sua eleição para as casas legislativas do País, a
chamada questão parlamentar, foi um ponto importante de diferenciação entre

1
- Edward P. Thompson. A formação da classe operária inglesa (vol. I), p. 16.
670

este grupo que se encaminhou para o PCB e os anarquistas que, por simpatia à
Revolução Russa, acabaram se aproximando, na verdade, de uma imagem que
eles tinham desse acontecimento. Quando puderam melhor compreendê-la,
abandonaram-na e passaram a criticá-la.
Durante os primeiros tempos de sua existência, o PCB prosseguiu em seu
processo de diferenciação ideológica com o anarquismo, de onde provinha parte
significativa de sua liderança e de sua militância. Neste curso foi necessário, no
que se refere à questão parlamentar, também proceder a uma homogeneização
de sua própria militância. Houve algumas tentativas de participação em eleições e
de formulação de propostas a serem apresentadas à sociedade que se revelaram
infrutíferas por questões conjunturais. A primeira vez em que isso ocorreu foi, em
1925, no município portuário paulista de Santos, onde os comunistas locais,
apresentando-se pela legenda da Coligação Operária, pagaram um tributo à
inexperiência e tiveram um resultado pífio. No entanto, como todos os atos
pioneiros, essa participação deixou uma importante herança: a presença na cena
política brasileira dos trabalhadores e suas reivindicações. Estas, em particular,
expressavam, de um lado, um acúmulo de anos de lutas do movimento operário
brasileiro e, de outro, como não poderia deixar de ser por se tratar de uma eleição
regional, um ponto de vista local.
Quase dois anos depois, no início de 1927, o PCB punha em cena o Bloco
Operário, nome que já havia sido estabelecido desde 1924 para a organização de
fins eleitoral que seria fundada pelos comunistas, mas que somente então pôde
vir a lume e que no final do ano passaria a ser denominado de Bloco Operário e
Camponês (BOC). O que se colocara em termos regionais em 1925 ganhou
projeção nacional em 1927. Foi por intermédio do Bloco Operário que, pela
primeira vez, como observou o dirigente suíço da Internacional Comunista Jules
Humbert-Droz, o pequeno grupo que então eram os comunistas brasileiros pôde
se aproximar das massas operárias e levar-lhes suas propostas2. A partir daquele
momento houve um incremento em suas atividades e em sua influência, que se

2
- Sécretariat latino-américain. Séance du 24/10/1929. Question brésilienne, p. 10 (RGASPI).
671

fez, no entanto, acompanhar de uma das causas que determinou, em 1930, o seu
fim. Tratava-se da superposição da estrutura de uma entidade de caráter eleitoral
legal à de uma organização político-partidária ilegal, o que, por conta da falta de
capacidade dos dirigentes comunistas em lhe dar com este fenômeno, fizeram
com que o Bloco acabasse assumindo muitas das atribuições que seriam próprias
do PCB.
Neste seu processo de expansão o BOC teve o importante papel de tirar as
reivindicações dos trabalhadores do campo onde até então estavam confinadas e,
de certo modo, isto vinha sendo até consentido pelos próprios trabalhadores, que
era o das relações sindicais e trabalhistas, e fazê-las entrar, pela primeira, para
nunca mais dele sair, no espaço político-partidário. E embora apresentasse
muitas delas sob a denominação de “direitos políticos de classe”, denominação
resultante da ótica de então, estas eram reivindicações de cidadania. A presença
de pontos clássicos como o direito de associação, de reunião, de greve, de livre
expressão em combinação com questões como o direito de voto às mulheres e
aos analfabetos, a universalização do ensino fundamental, disseminação de
bibliotecas públicas, legislação trabalhista, previdência pública, ou ainda
reivindicações como licença-maternidade, feiras-livres, saneamento básico,
realização de concursos públicos para admissão ao funcionalismo, mostram o
amplo leque dos temas tratados e que foram sintetizados, elaborados e
defendidos por milhares de trabalhadores e, entre estes, por pouco mais de
setenta candidatos3. Em sua grande maioria não foram conquistados naquele
momento, mas a sua expressão mostrava o que, de um lado, almejavam os
trabalhadores e, de outro, como a elite política brasileira não conseguia, e, para
falar a verdade, não consegue até os nossos dias, estruturar um Estado que
funcione para o conjunto dos cidadãos e que revele alguma preocupação que vá
além dos seus momentâneos interesses.
O PCB, através do Bloco Operário, buscou agrupar os trabalhadores e suas
reivindicações de modo independente, ao mesmo tempo em que buscava alianças
672

com a pequena burguesia para a consecução de seu projeto revolucionário. Este


projeto, inspirado nas concepções de etapas no processo revolucionário em voga
na Internacional Comunista, previa em primeiro lugar a revolução democrático
pequeno-burguesa, que agruparia os trabalhadores, dirigidos por sua vanguarda,
o PCB, e a pequena burguesia, tendo à frente também a sua vanguarda, os
chamados “tenentes” e os setores de classe média a eles ligados. Vitoriosa esta,
a ela se seguiria a revolução proletária, dirigida pelos comunistas, e que instalaria
um governo dos trabalhadores.
No entanto, esse projeto se viu sob o fogo de fatores políticos externos e
internos. Estes últimos se inseriam no processo de derrocada do regime
oligárquico brasileiro que desembocou na chamada “Revolução de 1930”.
Enquanto as forças internas não se definiram em relação à sucessão presidencial
e, como conseqüência, aos projetos políticos em jogo o BOC pôde ter uma certa
liberdade de ação. Mas assim que se decidiu qual seria o jogo e que dele os
trabalhadores representados pelos comunistas não fariam parte enquanto atores,
mas sim como espectadores, tanto situação - esta, na verdade já bem antes em
razão do acendrado reacionarismo e anticomunismo do presidente Washington
Luís - como oposição – no caso, o Estado do Rio Grande do Sul – passaram a
desencadear uma violenta reação contra o BOC e o PCB.
Já do ponto de vista externo é importante citar a influência na mudança de
linha na orientação da Internacional Comunista, que passou a adotar, após o seu
VI Congresso, realizado em 1928, um curso esquerdista no qual se avaliava que a
revolução social, política e econômica estava na ordem do dia em escala
planetária. Tal orientação serviu para isolar os comunistas em relação aos
interlocutores com os quais vinha desenvolvendo uma política de alianças e
serviu também como pretexto para a repressão. Este curso também fez com que
os seus parlamentares, o marmorista Minervino de Oliveira e o farmacêutico
Octavio Brandão, no exercício de seus mandatos como intendentes do Rio de
Janeiro, fossem criticados pelos próprios comunistas pelo fato de apresentarem,

3
- Ver no Anexo XVII a relação dos candidatos do BOC e de outras organizações dos anos
673

entre suas proposições legislativas, propostas visando melhorias para os bairros


pobres ao invés de exclusivamente denunciar a burguesia e fazer “discursos
revolucionários”. Por fim, neste mesmo aspecto externo, a Internacional
Comunista considerou que a política desenvolvida pelo BOC conflitava com a do
PCB e obstaculizava a ação deste, o que acabou resultando na determinação de
extinção do BOC. Além disso, é preciso também realçar o papel da direção do
PCB, inexperiente e sem muita qualificação teórica, e que foi incapaz de fazer
frente às imposições da Internacional Comunista e de seu Secretariado Sul-
Americano para defender alguns anos de trabalho que resultaram em uma
organização que tinha conquistado uma importante adesão popular.
Enfim, desta combinação de fatores que serviram para isolar e encurralar o
BOC resultou o seu fim.
No entanto, desta curta experiência da primeira atuação político-eleitoral do
PCB deve ficar retido e marcado o que também seria e ainda é uma característica
marcante dos partidos de esquerda: uma saudável disposição em lutar pela
expressão e os direitos da esmagadora maioria dos cidadãos brasileiros.

1920.
ANEXO XVIII

Candidatos do BOC e de outras organizações comunistas na década de 1920

NOME OBS
Adalgiso Py Gráfico. Candidato a deputado federal pelo Rio Grande do Sul pelo Bloco
Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
Alberto Campos Candidato a deputado federal pelo Estado da Bahia, pela legenda do
Partido Popular da Bahia - impulsionada pelo PCB -, nas eleições de
24/02/1927.
Álvaro Fernandes Caldeireiro de ferro. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio
Lopes de Janeiro, pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Antônio Bento de Carroceiro. Presidente da Sociedade Beneficente dos Condutores de
Menezes Veículos de Santos. Candidato a vereador em Santos pela Coligação
Operária nas eleições de 30/10/1928.
Antônio Farlan Médico. Candidato a deputado federal pelo Partido Operário de
Júnior Sertãozinho nas eleições de 24/02/1927. Obteve 35 votos.
Antônio Fernandes Trabalhador em café. Foi 1º Secretário da Sociedade dos Trabalhadores
em Café de Santos. Candidato a vereador em Santos pela Coligação
Operária nas eleições de 30/10/1928.
Antônio Simões de Comerciário. Fundador do Partido Social Democrata em 1918, em
Almeida Cubatão. Fundador da seção do Partido Operário em Cubatão, em 1922.
Fundador da União dos Operários de Cubatão em 1927. Organizador do
BOC em Cubatão. Candidato a vereador em Santos pela Coligação
Operária nas eleições de 30/10/1928. Candidato a Juiz de Paz no distrito
de Cubatão nas também eleições municipais de Santos de 30/10/1928.
Aristides da Comerciário. Candidato a deputado federal por São Paulo pelo Bloco
Silveira Lobo Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930. Lançado
candidato a deputado federal por São Paulo, pelo Liga Comunista do
Brasil nas eleições de 03/05/1933, teve sua candidatura retirada quando
o PCB apresentou seus candidatos. Candidato a deputado estadual em
São Paulo pela Coligação Proletária nas eleições de 14/10/1934.
Armando Chiaratti Marceneiro. Candidato a vereador em Sertãozinho pela legenda do Bloco
Operário e Camponês nas eleições municipais de 30/10/1928.
Astrojildo Pereira Jornalista. Candidato a deputado estadual pelo 1º Distrito no Estado do
Rio de Janeiro, pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Belmiro Carvalho Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
Bento Aguiar Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
Cândido Joaquim Trabalhador agrícola em São Gonçalo. Candidato a deputado estadual
dos Santos no Estado do Rio de Janeiro, pelo Bloco Operário e Camponês, nas
eleições de 3-8-192.
Carlos Mariz Comerciário. Militante do PCB e candidato a conselheiro municipal do
Recife nas eleições de 30/20/1928, às quais se candidatou como avulso,
não o fazendo, todavia, pela Coligação Operária, organismo equivalente
ao BOC criado pelos comunistas em meados de 1928. Obteve 623 votos
e a 2ª suplência.
Cícero Marques Metalúrgico. Candidato a deputado federal por Pernambuco pelo Bloco
Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
Claudionor Jardim Metalúrgico. Candidato a vereador em Santos pela Coligação Operária
França nas eleições de 30/10/1928.
675

NOME OBS
Duvitiliano José Gráfico. Candidato a deputado federal pelo 2º Distrito do Estado do Rio
Marques Ramos de Janeiro pelo Bloco Operário e Camponês do Brasil nas eleições de
01/03/1930. Candidato a deputado constituinte pelo Distrito Federal, pela
União Operária e Camponesa do Brasil, nas eleições de 03/05/1933.
Eduardo José de Metalúrgico. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de
Freitas Janeiro, pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Everardo Dias Gráfico. Candidato a vereador em São Paulo pelo Bloco Operário e
Camponês, em 30/10/1928. Obteve 82 votos. Candidato a senador por
São Paulo, pelo Bloco Operário e Camponês do Brasil, nas eleições de
01/03/1930.
Felipe Garcia Candidato a deputado federal pelo Rio Grande do Sul pelo Bloco
Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
Gastão Valentim Ferroviário. Candidato a vice-presidente pelo Bloco Operário e
Antunes Camponês do Brasil na chapa encabeça por Minervino de Oliveira nas
eleições de 01/03/1930.
Guilherme Milani Ferroviário e Metalúrgico. Presidente da União Geral dos Trabalhadores
de Ribeirão Preto. Candidato a vereador em Ribeirão Preto pela legenda
do Bloco Operário e Camponês nas eleições municipais de 30/10/1928.
Gumercindo Paes Pedreiro. Candidato a vereador em Sertãozinho pela legenda do Bloco
Vidal Operário e Camponês nas eleições municipais de 30/10/1928.
Henrique Aguiar Farmacêutico. Candidato a deputado federal pelo Partido Operário de
Sertãozinho nas eleições de 24/02/1927. Obteve 35 votos.
Henrique Peixoto Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
João Batista de Médico. Candidato a deputado federal no Rio de Janeiro no 2º distrito
Azevedo Lima pelo Bloco Operário, nas eleições de 24/02/1927. Foi eleito. Em abril de
1929 foi expulso do Bloco Operário e Camponês.
João Freire de Garçom e Jornalista. Secretário do Centro Internacional de Santos, de
Oliveira 1918 a 1920. Reorganizou "A Internacional", de São Paulo, em 1920-
1923. Ajuda a organizar vários sindicatos em Santos. Gerente de "A
Nação" em 1927. Candidato a vereador em Santos pela Coligação
Operária, nas eleições de 29/11/1925. Novamente candidato a vereador
em Santos nas eleições de 30/10/1928.
João Jorge da Gráfico. Candidato a deputado federal no Rio de Janeiro no 1º Distrito
Costa Pimenta pelo Bloco Operário, nas eleições de 24/02/1927. Candidato a deputado
estadual e federal, em São Paulo, pela Coligação Proletária, nas eleições
de 14/10/1934.
João Menezes Operário estucador. Membro da Liga da Construção Civil de Niterói.
Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, pelo
Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Joaquim Antônio Metalúrgico. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de
da Cunha Janeiro, pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Joaquim Barbosa Alfaiate. Candidato a intendente (vereador) pelo 1º Distrito do Distrito
de Souza Federal, como avulso, nas eleições de 01/03/1926.
Joaquim de Freitas Comerciário. Candidato a vereador em Sertãozinho pela legenda do
Bloco Operário e Camponês nas eleições municipais de 30/10/1928.
Joaquim Gomes Metalúrgico. Candidato a Juiz de Paz no distrito de Cubatão nas eleições
Euzebio municipais de Santos de 30/10/1928.
José Annibal Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
José Francisco da Comerciário. Candidato a prefeito de Niterói, pelo BOC, nas eleições de
Silva 01/09/1929. Candidato a senador federal pelo Rio de Janeiro, pelo Bloco
Operário e Camponês do Brasil, nas eleições de 01/03/1930.
676

NOME OBS
José Ignácio da Pedreiro. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro,
Silva pelo Bloco Operário, nas eleições de 01/04/1927.
José Izaltino da Trabalhador da Construção Civil. Candidato a vereador em Niterói, pelo
Costa BOC, nas eleições de 01/09/1929.
José Joaquim de Pedreiro. Conhecido como Joaquim Pernambuco, este sindicalista, que
Lima esteve presente no congresso de fundação da Confederação Geral do
Trabalho do Brasil, foi candidato a deputado federal pelo Ceará pelo
Bloco Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
José Lopes Vidal Remador. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro,
Filho pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
José Ribeiro dos Ferroviário. Candidato a Juiz de Paz no distrito de Cubatão nas eleições
Santos municipais de Santos de 30/10/1928.
Juvenal Ferreira Eletricista. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de
Torres Janeiro, pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Lauro de Castro Barbeiro. Candidato a deputado pelo Partido Operário de Sertãozinho
nas eleições de 24/02/1927. Obteve 35 votos.
Lourenço Justino Pintor. Candidato a deputado federal por Pernambuco pelo Bloco
Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
Lucas Rubens Barbeiro. Candidato a vereador em Santos pela Coligação Operária nas
eleições de outubro de 1928. Retirou sua candidatura em 2 de outubro
alegando razões pessoais.
Lúcio Sotero de Alfaiate. Candidato ao Senado no Ceará pelo Bloco Operário e
Moura Camponês nas eleições de 01/03/1930.
Manoel Costa Operário em bananal. Presidente da Sociedade dos Operários em
Bananais de Santos. Candidato a vereador em Santos pela Coligação
Operária nas eleições de 30/10/1928.
Manoel Nestor Comerciário. Não era membro do PCB. Candidato a deputado estadual
Pereira Júnior em São Paulo pelo Bloco Operário e Camponês, nas eleições de
24/02/1928, cuja candidatura foi posteriormente retirada.
Mário Cursino de Gráfico. Candidato a vereador em Santos pela Coligação Operária nas
Castro eleições de 30/10/1928.
Mário Grazzini Gráfico. Candidato a deputado federal pelo Distrito Federal pelo Bloco
Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
Maurício Pereira Chofer. Candidato a vereador em Santos pela Coligação Operária nas
Barros eleições de 30/10/1928.
Maximino Piobelli Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
Miguel Archanjo Padeiro. Candidato a deputado federal em Pernambuco pelo Bloco
Operário e Camponês do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
Minervino de Marmorista. Candidato a intendente pelo 2º Distrito da cidade do Rio de
Oliveira Janeiro, pelo Bloco Operário e Camponês, nas eleições de 28/10/1928.
Candidato a presidente da República pelo Bloco Operário e Camponês
do Brasil nas eleições de 01/03/1930.
Octavio Rego Farmacêutico. Candidato a intendente pelo 1º Distrito da cidade do Rio
Brandão de Janeiro, pelo Bloco Operário e Camponês, nas eleições de
28/10/1928.
Octávio Soares Tecelão. Candidato a vereador pelo 1º Distrito de Petrópolis, no Estado
do Rio de Janeiro, pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Odilon Lima Trabalhador da construção civil. Candidato a vereador em Santos pela
Coligação Operária nas eleições de 30/10/1928.
Olyntho Pereira de Chofer. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro,
Araújo pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
677

NOME OBS
Orobino dos Candidato a vereador em Niterói, pelo BOC, nas eleições de 01/09/1929.
Santos
Osório José de Sapateiro. Candidato a vereador em Niterói, no Estado do Rio de
Menezes Janeiro, pelo Bloco Operário, nas eleições de 10/04/1927.
Ovidio Matrangolo Sapateiro. Candidato a vereador em Sertãozinho pela legenda do Bloco
Operário e Camponês nas eleições municipais de 30/10/1928.
Paulo de Lacerda Advogado e Jornalista. Candidato a deputado federal pelo Distrito
Federal pelo Bloco Operário e Camponês do Brasil nas eleições de
01/03/1930. Candidato a intendente do Conselho Municipal do Distrito
Federal pelo Bloco Operário e Camponês do Brasil nas eleições de
21/06/1930.
Phenelon José Estivador. Candidato ao Senado pelo Distrito Federal, pelo Bloco
Ribeiro Martins Operário e Camponês do Brasil, nas eleições de 01/03/1930.
Plínio Gomes de Jornalista. Candidato a deputado estadual no Rio Grande do Sul pelo
Mello Bloco Operário e Camponês nas eleições de março de 1929. Candidato a
deputado federal no Rio Grande do Sul pelo Bloco Operário e Camponês
do Brasil nas eleições de 01/03/1930. Candidato, pelo Partido Socialista
Proletário - do qual era secretário -, a deputado federal e a vereador pelo
Distrito Federal na União Operária e Camponesa do Brasil, nas eleições
de 14/10/1934.
Raphael Garcia Tecelão. Membro do Centro Político Proletário de Petrópolis. Candidato a
Gonzalez deputado estadual no Estado do Rio de Janeiro no 4º distrito pelo Bloco
Operário nas eleições de 10/04/1927.
Raymundo Professor. Candidato a deputado estadual no Rio Grande do Norte, nas
Reginaldo da eleições de 1927.
Rocha
Roldão José Trabalhador da Companhia Docas de Santos. Candidato a vereador em
Sant'Anna Santos pela Coligação Operária nas eleições de 30/10/1928.
Sebastião de Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Oliveira Mello Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
Sigismundo Barbeiro. Candidato a deputado federal pelo Partido Operário de
Sandoval Sertãozinho nas eleições de 24/02/1927. Obteve 35 votos.
Theotonio Souza Pirotécnico. Candidato a vereador em Sertãozinho pela legenda do Bloco
Lima Operário e Camponês nas eleições municipais de 30/10/1928.
Tolentino Marques Trabalhador em charqueada. Candidato a senador pelo Rio Grande do
Cardoso Sul pelo Bloco Operário e Camponês do Brasil nas eleições de
01/03/1930.
Victorio Padovani Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
Virgílio Prata Tecelão. Candidato a vereador, pelo Bloco Operário, em Petrópolis, no
Estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 10/04/1927.
FONTES

INSTITUIÇÕES

- Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano (ASMOB), no CEDEM -


Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (São
Paulo – SP)
- Arquivo da Câmara Municipal de Recife (Recife – PE)
- Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP) (Campinas – SP)
- Arquivo do Estado de São Paulo (Fundo DEOPS-SP) (São Paulo – SP)
- Arquivo Nacional (Processos do Tribunal de Segurança Nacional) (Rio de
Janeiro – RJ)
- Arquivo Público Estadual de Pernambuco “Jordão Emerenciano” (Recife – PE)
- Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Fundo DEOPS/DESPS-RJ) (Rio
de Janeiro – RJ)
- Biblioteca e Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Rio
de Janeiro – RJ)
- Biblioteca da Câmara do Deputados do Congresso Nacional (Brasília - DF)
- Biblioteca Central da Universidade de Brasília (Brasília - DF)
- Biblioteca Municipal de São Paulo “Mário de Andrade” (São Paulo – SP)
- Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro – RJ)
- Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina (Florianópolis – SC)
- Biblioteca Pública Municipal de São Paulo “John F. Kennedy” (São Paulo – SP)
- Biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio (Santos -
SP)
- Biblioteca do Superior Tribunal Eleitoral (Brasília - DF)
679

- Centro de Documentação do Movimento Operário Mario Pedrosa - CEMAP, no


CEDEM - Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista
(São Paulo – SP)
- Centro de Documentação Parlamentar da Câmara dos Deputados (Brasília - DF)
- Centro de Pesquisa e Documentação da História Política do Rio Grande do Sul,
da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (Porto Alegre - RS)
- Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo
(São Paulo – SP)
- Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (Fundo do Partido Democrático de
São Paulo) (São Paulo – SP)
- Fundação Joaquim Nabuco (Recife – PE)
- Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (Porto Alegre - RS)

ANAIS

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preparatórias de 23 de Novembro a 21 de dezembro e Sessão Solene de Posse
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DISTRITO FEDERAL. Conselho Municipal. Anais do Conselho Municipal. Sessões
de 1º de Junho a 31 de Julho de 1930. Rio de Janeiro, Jornal do Commercio,
1929-1930.
SÃO PAULO. Congresso Legislativo. Câmara dos Deputados. Anais da Sessão
Ordinária da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo: 1928-1930. São
Paulo, s.c.p., 1928-1930.
680

DOCUMENTOS DA INTERNACIONAL COMUNISTA

Microfilme dos documentos do Arquivo da Internacional Comunista, hoje


depositados no Arquivo do Estado Russo de História Social e Política (Rossiiskii
Gosudarstvennii Arkhiv Sotsialnoi i Politicheskoi Issledovanii – RGASPI) sobre a
história do Partido Comunista Brasileiro e das seções brasileiras das
organizações revolucionárias internacionais, relativos ao período de 1922 a 1939,
separados a pedido do CC do Partido Comunista Brasileiro - Rolos 1 a 7 (Cópias
depositadas no Arquivo Edgard Leuenroth – UNICAMP e no Asmob – Nas
citações esta documentação vai identificada pela sigla RGASPI entre parênteses).

PERIÓDICOS

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Jornal Pequeno. Recife, 1930.
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Martelo e Foice Hammer und Sichel. Porto Alegre, 1924-1925.
O Metalúrgico. São Paulo, 1920.
Movimento Communista. Rio de Janeiro/São Paulo, 1922-1923.
A Nação. Rio de Janeiro, 1927.
A Obra. São Paulo, 1920.
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A Plebe. São Paulo, 1919-1923, 1927.
Praça de Santos. Santos, 1927-1928.
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1º de Maio. São Paulo, 1920.
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