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Nº2/2017
ISSN: 1983-2087
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
Sumário
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Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
Abstract: Given the importance and relevance of astrology and astrologers in the political
and cultural context of the Roman Principate, in this article we seek to observe some of
the ways in which Hellenistic astrology assimilates some concepts of the philosophies
and religiosities in circulation at the time. For this study we will focus on the astrology
developed especially from Alexandria during the 1st and 2nd centuries CE, also observing
how it was connected to other practices and knowledge such as mathematics, astronomy,
medicine, etc. as well as the forms and terms used to designate scholars and practitioners
of astrology at that time, who also collaborate to better understand how this knowledge
was developed and recognized in the Mediterranean culture of the 2nd century CE, the
peak period of Hellenistic astrology in the Roman Empire and historical moment of
intensification of the contacts in the cultural boundaries between Greco-Romans and
Eastern societies.
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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da UFSM com orientação da Profª Drª Semíramis
Corsi Silva, bolsista CAPES-DS, membro do Grupo de Trabalho História Antiga da Associação Nacional
de História - Seção Rio Grande do Sul - ANPUH/RS e do Grupo de Estudos sobre o Mundo Antigo
Mediterrânicos da UFSM-GEMAM/UFSM. viniciusmotta@outlook.com.
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Introdução
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Sabemos que nesse período não existia uma distinção clara entre astrólogos e
astrônomos. Além disso, a astrologia era frequentemente associada, por um viés étnico-
cultural, ao povo caldeu, ao passo que desde o período da República Romana era comum
entre romanos e gregos referir-se aos astrólogos simplesmente como “Caldeus”.
Inicialmente, podemos pensar que o termo fosse utilizado de maneira pejorativa.
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Entretanto, parece que, apesar dos próprios astrólogos referirem-se aos Caldeus mais
como fontes de seus saberes do que como uma forma de identificação comum, também
podemos ver em outros textos o termo ser utilizado para se referir a qualquer astrólogo,
mas não contendo necessariamente uma conotação negativa, como vemos a seguir.
No livro IX da obra De Architectura, escrita aproximadamente entre 27 e 16 AEC
pelo arquiteto romano Vitrúvio, vemos o autor falar bastante sobre o uso de geometria e
aritmética nos conhecimentos astrológicos, mas ele alerta que não falaria propriamente
sobre “astrologia” (termo em latim), já que, segundo ele, o “cálculo dos Caldeus”
(Chaldaeorum ratiocinationibus), ou seja, o conhecimento sobre os efeitos astrológicos
na vida humana, deveria ser deixado para as discussões desses, já que seriam esses os
especialistas neste assunto. Logo em seguida Vitrúvio também diz: “A sutil
engenhosidade e inteligência daqueles que vêm da terra dos Caldeus (natione
Chaldaeorum) são evidentes pelas descobertas que nos deixaram por escrito”. Vitrúvio
afirma que um dos principais exemplos disto era o sacerdote babilônico Berosus, que
segundo ele, teria estabelecido uma escola de astrologia na ilha grega de Cos trazendo
consigo esses conhecimentos mesopotâmicos (VITRÚVIO, De Architectura, 9.6.2). Ao
mesmo tempo que o arquiteto romano demonstra crer na astrologia, ele reconhece
virtudes nesses saberes estrangeiros e faz referência ao conhecimento matemático
transmitido pelos astrólogos das sociedades orientais.
Entretanto, vemos algo diferente quando o senador e orador romano Cícero tenta,
na obra De Divinatione, refutar vários métodos de adivinhação que eram comuns entre
romanos do final da República. Cícero diz que não se deve acreditar nas previsões dos
Chaldaeis, a quem também se refere como astrologos, designando já a prática como
astrologia (CÍCERO, De Divinatione, 42.87-88). Rodrigo Carvalho Silva (2009: 20)
acredita que as críticas de Cícero à astrologia ocorriam sobretudo por ela ser considerada
uma prática estrangeira, que ainda durante o período republicano, chegava a Roma
principalmente com escravos de origem oriental.
Posteriormente, durante o Principado Romano, o médico e filósofo Sexto Empírico,
que viveu entre os séculos II e III, quando argumenta “contra os astrólogos” (ΠΡΟΣ
ΑΣΤΡΟΛΟΓΟΥΣ), refere suas críticas aos saberes da “astrologia e matemática”
(ἀστρολογίας ἢ μαθηματικῆς) que eram ensinados no período (SEXTO EMPÍRICO,
Contra os professores, 5.1). O filósofo apresenta uma postura cética em relação a certos
métodos de ensino de sua época, exatamente quando a astrologia obteve seu auge.
Sabemos, por exemplo, que no “governo de Severo Alexandre (222-235) são criadas
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Ambos da Universidade de Nova Gales do Sul (Austrália).
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Identificada como Plimpton 322 e datada de 1800 AEC, a peça original foi encontrada em Larsa,
localizada a cerda de 25 km da antiga cidade de Uruk. Encontra-se atualmente no acervo da Biblioteca de
Livros e Manuscritos Raros da Universidade de Columbia, em Nova York (EUA). Disponível em: <
http://www.math.ubc.ca/~cass/courses/m446-03/pl322/pl322.html >.
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Algumas vezes vemos nos textos dos astrólogos antigos o conhecimento astrológico
colocado como um método de se alcançar uma experiência mística, a chamada unio
mystica, fundamental para alcançar o conhecimento, estabelecido e um contato entre os
astrólogos e as divindades. É atribuída a Ptolomeu uma epigrama na qual ele argumenta
sobre a experiência proporcionada pela contemplação dos astros, dizendo se sentir junto
a Zeus e provando da ambrosia dos deuses (Antologia Palatina, 9.577). Nesse mesmo
sentido, Vettius Valens fala do orgulho por possuir um conhecimento que lhe é revelado
pela sabedoria divina (VETTIUS VALENS, Antologia, 6.10-11), além de afirmar que a
astrologia tornaria as pessoas resilientes, verdadeiros “soldados do destino” (στρατιωται
της είμαρμένης) através de seu conhecimento prognóstico (VETTIUS VALENS,
Antologia, 5.5-6).
A figura de heimarmene (είμαρμένη) às vezes aparece como “destino”, mas também
pode ser compreendida como “providência”, que também pode ser vista como uma
sabedoria transcendental que os humanos podem acessar através de insights e outras
experiências místicas, como pelo estudo da astrologia, bem como vemos no caso dos
astrólogos. A heimarmene também tem relação com as figuras mitológicas das Moiras
(semelhantes às Parcas romanas), à cuja lei até as divindades estariam submetidas4. A
providência organizaria as condições para a vida humana, seguindo uma espécie de ordem
cósmica, que dependendo do contexto cultural pode ser representada como mais ou menos
determinista e fatalista. Há evidências interessantes em um recente trabalho da
historiadora e astróloga Dorian Greenbaum (2016), sobre o papel do conceito do daimon
na astrologia helenística, de que os sincretismos filosóficos e religiosos que aconteciam
nesse contexto e que podemos observar em parte pela astrologia, colaboraram também
para que o conceito de “destino” se tornasse menos rígido, abrindo-se uma série de
possibilidades de concessões, o que teria representado uma mudança profunda nas ideias
a partir de então.
O conceito de daimon é um dos mais complexos e interessantes na filosofia e
religiosidade das sociedades mediterrânicas. Sendo que estes seriam forças que hoje
costumamos dividir, por exemplo, entre angélicas e demoníacas; inclusive os estudiosos
percebem que o termo “demônio” deriva exatamente da palavra daimon. Segundo
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Sobre isso, o livro Astrologia do Destino (1995), da psicóloga e astróloga americana Liz Greene, apresenta
uma interessante abordagem da simbologia em torno desta questão.
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filósofos e mesmo os astrólogos antigos, essas forças também seriam responsáveis por
criar uma conexão com a “providência” através de uma série de experiências místicas,
religiosas e filosóficas, que ocorriam por meio da astrologia e outros métodos, onde eles
obteriam então a prognosis, algo como um insight, intuição ou revelação, um
conhecimento que “nos chega” ou “nos ocorre”. Esse processo de acesso a um
conhecimento superior, que é mediado pela força do daimon, seria parte do que se
conhecia entre os filósofos e religiosos como pronoia. O astrólogo Vettius Valens, por
exemplo, considera seu conhecimento astrológico “sagrado” e “entregue aos humanos
pela divindade (ὑπὸ θεοῦ παραδεδομένη τοῖς ἀνθρώποις), para que eles possuam uma
porção de imortalidade através da prognosis (προγνώσεως)” (VETTIUS VALENS,
Antologia, 5.6.16). Sobre isso Vettius Valens seria muito mais direto: ele acreditaria que
a presciência que desenvolvia com a astrologia o levaria a obter todo o conhecimento
sobre a vida que seria possível aos humanos. Se trataria de um processo de pronoia
mediado pelo daimon (GREENBAUM, 2016: 40). Os saberes da astrologia e seus
prognósticos seriam vistos por Valens como uma espécie de “revelação daimônica”.
As noções de “prognóstico”, “destino” e “providência”, de onde o conhecimento
poderia ser obtido por meio de métodos divinatórios e do contato com o daimon, parecem
ser bastante aceitas. Ainda que sua compreensão não fosse absolutamente unívoca, já que
ao mesmo tempo em que Valens coloca a si mesmo como soldado e seu trabalho a serviço
da heimarmene, Cláudio Ptolomeu mantém uma postura diferente, sua obra não usa
propriamente conceitos filosóficos e religiosos, mas diz que os prognósticos
(προγνώσεως) astrológicos se fundamentam em um princípio que para ele e seus
contemporâneos seria bastante claro: de que uma “substância sútil aeriforme” que está
em tudo e dá origem a tudo, dos elementos mais básicos na natureza até os animais que
habitam a terra, essa substância estaria eternamente sujeita a mudanças e as estrelas
errantes seriam as responsáveis por influenciar as condições destas mudanças na terra,
segundo Ptolomeu (Tetrabiblos, 1.1-2). Ao estudar esse ordenamento da natureza o
astrólogo-astrônomo seria capaz de obter, portanto, prognósticos úteis sobre o passado, o
presente ou o futuro. Percebemos que a ideia de Ptolomeu parece mais ocultar que romper
com os conceitos filosóficos e religiosos que são representados na heimarmene, ligada ao
destino e a providência. Além de que as “estrelas”, o termo comum usado para se referir
aos planetas, poderiam ser vistas como manifestações daimônicas das divindades e da
ordem do destino (GREENBAUM, 2016: 10).
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2016: 6). Nos mapas astrológicos (imagem a seguir5), haveria uma relação entre os
significados da casa 5, de Boa Fortuna e do planeta Vênus (estrela de Afrodite),
considerado um ‘pequeno benéfico’ por sua influência. Já o Bom Daimon seria associado
a casa 11 e a Júpiter (Zeus), o ‘grande benéfico’, sendo que o Agathos Daimon chega a
ser representado na iconografia helênica como um homem de barba, similarmente a
muitas representações do deus Zeus, segundo Greenbaum (2016: 51).
Nas teorias e técnicas astrológicas, os pares “sol e lua”, bem como a tríade “mente,
alma e corpo” seriam reunidos em sistemas simbólicos. “Mente e alma, Sol e Lua, matéria
e espírito, todos são integrados em uma astrologia” que se mostra muitíssimo próxima
dos sistemas religiosos e filosóficos em voga nos primeiros séculos do Principado
Romano (GREENBAUM, 2016: 27-28). Entre os greco-romanos, as noções de daimon
ou ainda genio são reconhecidamente importantes. Até mesmo cidades chegaram a
possuir um daimon que, conforme as crenças da época, as guiava e protegia, sendo que o
conceito adquiriu grande abrangência cultural, representando também o caráter,
características e tendências da índole humana. O daimon também teria grande
5
A linha do horizonte representa o ponto Ascendente e o início da primeira casa nos mapas astrológicos,
sendo 12 no total. O eixo formado pelas casas 5 e 11, operacionalizam no método astrológico as crenças e
cultos a Boa Fortuna e Bom Daimon (Acervo pessoal).
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Imagem no lado inverso de uma moeda romana aproximadamente de 76 EC, onde aparece o Agathos
Daimon usando a coroa dupla do Egito, com um caduceu a esquerda e trigo maduro a direita. A imagem é
da coleção da historiadora Dorian Greenbaum (2016) e aparece na abertura de sua obra.
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Acervo do Museu Holandês de Antiguidades. Disponível em: <
http://www.rmo.nl/collectie/zoeken?object=F+1960%2f9.1 >. Acesso em 8 dez 2017.
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Acervo do Museu Egípcio do Cairo.
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Fonte da imagem desconhecida. Os mesmos motivos seriam encontrados no Museu Arqueológico de
Nápoles, perto de Pompéia. Disponível em < https://seetheworld.travelforkids.com/snakes-of-pompeii/ >.
Acesso em 8 dez 2017.
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Daimon e Agathe Tyche no período Romano dos séculos I e II EC, período em que a
astrologia helenística deixava também sua marca no mundo mediterrânico.
Junto ao Bom Daimon estaria quase sempre a Boa Fortuna que, neste contexto, teria
adquirido significados da deusa egípcia Ísis, retratada então como ‘dama do destino’,
ligada também à Tique e personificada como Boa Fortuna, significando riqueza e vida.
Na astrologia helenística Agathe Tyche representa filhos, fertilidade, ganhos e boa
fortuna. Veríamos também identificações com as deusas egípcias dos ricos e abastados,
Shepset, e da nutrição, Renenet, chegando a estarem conectadas simbolicamente ao
próprio tempo e ao ciclo solar. Como “regente do destino”, Ísis aplicaria as leis,
ordenando e decretando os destinos dos humanos, e essa concepção egípcia teria
influenciado os textos gregos (GREENBAUM, 2016: 88-90).
Embora uma outra divindade chamada Fortuna já fosse cultuada em Roma, segundo
estudiosos, desde o estabelecimento da dinastia etrusca no século VI AEC, esta sofreu
uma série de influências culturais que transformaram seus significados (MONTERO,
1998: 28). A Fortuna dos primeiros séculos do Principado, representada na cultura
alexandrina e na astrologia helenística, pode ser compreendida como uma facilitadora ou
castradora das chances, sendo representada em um intricado sincretismo que mistura
elementos culturais mesopotâmicos, egípcios, helênicos, romanos, etc. e que influenciou
uma série de crenças a partir da Alexandria romana.
A extensão desse culto é certamente reconhecida quando os astrólogos o assimilam
e operacionalizam em sua astrologia, sendo que a influência dessas crenças talvez seja
importante para compreendermos a aceitação e assimilação da própria astrologia naquele
contexto histórico a partir da capital do Egito e a influência da cultura egípcia sobre os
greco-romanos. Segundo Joana Campos Clímaco (2013: 28), descobertas arqueológicas
recentes ressaltam Alexandria como um lugar de natureza multicultural, enfatizando a
existência de um estilo próprio alexandrino, que poderia ir muito além de uma simples
união de elementos egípcios e gregos, ainda que isso não nos permita subestimar jamais
o elemento egípcio. Em sua tese de doutorado, o historiador Júlio Galha (2009), por
exemplo, defende que já durante o período ptolomaico teria havido uma adoção de
práticas mágico-religiosas egípcias pelas dinastias helênicas, o que viabilizou um projeto
político-religioso e a legitimação do controle político do Egito.
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Considerações finais
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Referências bibliográficas:
Documentação:
VETTII VALENTIS. Vettii Valentis Antiocheni Anthologiarum libri novem. Ed. David
Pingree. Leipzig: Teubner, 1986.
Obras gerais:
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CUMONT, Franz. Astrology and Religion Among the Greeks and Romans. Santa Cruz:
Evinity Publishing, 2009.
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Resumo: O presente texto tem como objetivo analisar a presença e o papel da mulher nas
primeiras comunidade cristãs do século I d.C., para tal empreendimento optamos por
analisar a I Carta aos Coríntios do apóstolo Paulo. Apesar de encontrarmos nesse período
um mundo social que atribui uma posição submissa à mulher, observamos conflitos de
papéis que se desenvolveram por meio da grande heterogeneidade de culturas e povos
nesse mundo greco-romano. O movimento de Jesus proporcionou uma abertura para
participação feminina no mundo antigo, mais do que estereótipos e normas, os papéis
femininos passam por relações de poder, embates cotidianos, tanto no espaço da
comunidade cristã como fora dela. Ao realizar uma analise profunda nos textos cristãos
antigos vislumbramos relações mais complexas e dinâmicas.
Palavras-Chave: Cristianismo primitivo. Corinto. Papéis Femininos
Abstract: This text aims to analyze the presence and the role of women in the early
Christian community of the century I A.D., to reach this objective we chose to analyze
the First Letter to the Corinthians written by the Apostle Paul. Although we find in this
period a social world which gives the woman a submissive position, we observe role
conflicts that have developed through the great heterogeneity of cultures and peoples in
the greco-roman world. The Jesus’ movement provided an opening for female
participation in the ancient world, more than stereotypes and rules, female roles go
through power relations, daily struggles, both within the Christian community and
beyond. By conducting a deep analysis on ancient Christian texts we have a glimpse of
more complex relationships and dynamics.
Key words: Early Christianity. Corinth. Women's roles
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Para mais informações as discussões e a tramitação podem ser acompanhadas em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2075449..
11
Redação ao inciso III do artigo 1˚ da Constituição Federal. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=54A20260D836F4E1706150
9229493620.proposicoesWebExterno1?codteor=1586817&filename=Parecer-PEC18115-16-08-2017.
12
Vários Atos foram articulados através das redes sociais por todo o Brasil, como aponta a reportagem
“Atos em SP e RJ protestam contra 'PEC do aborto' e cobram Maia e bancada religiosa”, disponível em:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/11/13/protesto-contra-pec-181.htm.
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primitivo, do século I d.C., pode trazer contribuições aos recentes debates? Observamos
que dentro das igrejas cristãs do tempo presente a história das comunidades cristãs
primitivas é um elemento de grande importância para seus fiéis. Estudada tanto por
teólogos, padres, pastores, presbíteros e até por leigos. Porém, pouco se fala acerca dos
conflitos internos que ocorreram dentro desses primeiros grupos, o foco muitas vezes é
direcionado às perseguições religiosas sofridas13. A cultura histórica dentro do meio
cristão trabalha com a visão de que os apóstolos eram grandes líderes e representantes
vivos do próprio cristianismo:
Não obstante, Jesus fez desses doze homens líderes vigorosos e porta-vozes
capaz de transmitir com clareza a fé cristã. O sucesso que eles alcançaram dá
testemunho do poder transformador do Senhorio de Jesus. (AQUINO, 2013).
13
A título de exemplo temos a obra História do Cristianismo da editora Casa Publicadora das Assembleias
de Deus que inicia já nas perseguições de Nero (KNIGHT, 1983) in: História do Cristianismo / A. E.
Knight [e] W. Anglin. – 2ª ed. - Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1983.
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Na carta de Paulo aos Gálatas Gl 2.11-16.
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Paulo e Corinto
Segundo o texto de Atos dos Apóstolos (At 18, 2), Paulo partiu de Atenas para
Corinto. Lá conheceu um casal judeu: Áquila e Priscila, expulsos de Roma por um decreto
do Imperador Claudio emitido em meados da década de 40 d.C.15. Segundo Koester
(2005: 119) a missão de Paulo se deu entre o outono de 50 até a primavera de 52 d.C.
Corinto era uma cidade de grande importância para o Império, trajeto escolhido pelos
comerciantes do Mediterrâneo oriental e ocidental (KOESTER, 2005: 331).
Embora Corinto se localizasse na região da Grécia, a princípio ela era um centro
urbano de características romanas. Isso se deu, pois no ano de 146 a.C. ela foi conquistada
pelo general romano Mummius (BOOKIDIS, 2005: 141), uma derrota que acarretou no
extermínio completo de sua população masculina adulta, escravização do restante da
população e na destruição da cidade. A sua reconstrução e ocupação foram retomadas
somente um século depois, quando no ano de 44 a.C. fundou-se então a Colonia Laus
Julia Conrinthiensis, tornando-se a capital da Província da Acaia.
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Ver CROSSAN e REED (2007: 331).
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A I Carta aos Coríntios foi escrita entre os anos de 53 e 54 d.C., quando Paulo
estava em Éfeso. Segundo Rm 16, 23, Gaio será o anfitrião da Igreja Coríntia: “Saúda-
vos Gaio, que hospeda a mim e toda a Igreja.”. A epístola que hoje denominamos de “I
Carta aos Coríntios” corresponde, na verdade, a uma carta posterior que Paulo endereça
a essa comunidade. O próprio apóstolo nos oferece essa informação em I Co 5, 9: “Eu
vos escrevi em minha carta [...]”. Como essa carta mencionada, vários escritos cristãos
foram perdidos ao longo dos anos. Por meio de vários anos de pesquisa por parte de
historiadores, teólogos, entre outros estudiosos, podemos notar que algumas cartas são na
verdade trechos de outros escritos16, outros são escritos posteriores de discípulos de
Paulo17, e ainda, em meio aos escritos originais do apóstolo encontramos interpolações
posteriores, o que ocorre em I Coríntios.
Essa epístola também se trata de uma resposta a vários questionamentos realizados
pelos cristãos de Corinto: “Passemos aos pontos os quais me escrevestes [...]” (I Co 7, 1).
Portanto, notamos como o cristianismo ainda era um campo religioso novo; questões
relacionadas às suas percepções através de sua convivência com o meio e a nova “ótica”
apresentada por Paulo e o seu cristianismo. Os questionamentos apresentados pelos fiéis
coríntios também demonstram outro ponto importante nesse movimento cristão inicial:
as divergências entre Paulo e os membros apontam como o apóstolo não era uma
autoridade incontestável. A formação dos grupos cristãos, a vida em comunidade, sua
autorregulação, e principalmente, a unidade, eram os pontos elencados por Paulo em seus
escritos.
16
A II Carta aos Coríntios é entendida atualmente como uma reunião de várias cartas.
17
Efésios, Colossenses, II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito, Hebreus.
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A carta é um dos escritos mais extensos de Paulo. Nela, diversos problemas são
trabalhados pelo apóstolo: divisões dentro da própria comunidade, incesto, julgamentos
em tribunais civis, carnes sacrificadas aos ídolos, as reuniões cristãs, diversidade de dons,
entre outros. Alguns desses pontos são levantados pela própria comunidade. Entre elas
podemos citar as “[...] pessoas da casa de Cloé [...]” (I Co 1, 11) (grifo nosso). Não há
muitos dados sobre essa personagem, que é mencionada apenas nessa passagem, mas
podemos inferir a partir desse trecho algumas ideias.
Paulo menciona Cloé como sendo a dona da casa. Assim, para uma mulher ser a
liderança da casa ela deveria apresentar um status econômico médio a alto. Além disso,
o significado de casa na antiguidade não era apenas uma habitação. A domus abarca o
sentido de todos que dependem dela: a família, escravos, libertos, cliente e patrão, toda
uma rede ampla de relações sociais (MEEKS, 1992: 53). Porém, acerca do papel de Cloé
na comunidade de Corinto não temos informações, podemos apenas deduzir que era um
membro influente, tanto pelo seu status, como pela rede de comunicação que mantinha
com Paulo. Temos, a título de exemplo, outra personagem feminina comerciante que se
encontrou com Paulo e ofereceu seus serviços a este:
Após trabalhar com as divisões entre partidos dentro da comunidade ao longo dos
quatro capítulos iniciais da epístola (acerca das preferências dos membros por pregadores,
entre eles Apolo, Pedro e o próprio Paulo), encontramos um apóstolo indignado com outra
situação: “Só se ouve falar de imoralidade entre vós, e imoralidade tal que não se encontra
nem mesmo entre os gentios: um dentre vós vive com a mulher de seu pai!” (I Co 5, 1).
Segundo a Bíblia de Jerusalém (2002: 1998) tal prática era proibida pelo direito romano,
todavia podemos inferir que possivelmente a madrasta nesse caso seria viúva ou
divorciada, assim, segundo a Lei Juliana sobre o Matrimônio mulheres nessa situação,
que tivessem entre vinte e cinquenta anos, eram incentivadas a casar (CROSSAN; REED,
2007: 97-98). Portanto, por mais que Paulo tente enfatizar tal iniquidade como um grande
ultraje para a comunidade, tal fato não seria tão escandaloso no mundo social romano.
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Ao discorrer sobre o caso, o apóstolo não menciona ou acusa a mulher, mas apenas
o indivíduo pertencente à comunidade: “[...] entreguemos tal homem a Satanás para a
perda da sua carne, a fim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor.” (I Co 5, 5).
Podemos supor que a mulher não seja cristã, já que ele indica que os fiéis não se associem
a membros da própria comunidade que pratiquem tais atos (I Co 5, 9-11). E ainda, o
apóstolo afirma que os fiéis da comunidade (incluindo ele mesmo) devem julgar os
próprios cristãos (I Co 5, 12). Assim, somente o membro da igreja seria julgado dentro
dos parâmetros cristãos.
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Por volta dos doze anos, ou mesmo mais cedo, as raparigas passavam do poder
paterno para o poder marital. E se podiam receber do marido o libelo do
divórcio (get) por “algo de vergonhoso”, impudicícia ou simplesmente por
temperamento desagradável [...] as suas possibilidades de exigir o divórcio
eram excepcionais. O contrato de casamento (ketouba) fixava [...] o dote que
cabia ao marido, mas cujo equivalente devia ser restituído à mulher em caso
de divórcio [...] Outra inferioridade jurídica era a não-aceitação do seu
testemunho, “por causa da ligeireza e da temeridade do seu sexo”, dirá Flávio
Josefo. (ALEXANDRE, 1990: 520)
Essa submissão também era encontrada nas relações sexuais. Peter Brown (2009:
253) explora bem tal ideia ao analisar a situação dos notáveis:
29
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mulher não se separe do marido [...] e o marido não repudie sua esposa!” (I Co 7, 10-11).
Ao pensarmos essa fala no contexto em que estava o apóstolo, a sociedade romana do
século I d.C., ela nos parece até um ato subversivo.
Considerando-se outras culturas que conviveram e influenciaram o cristianismo
desde a sua origem, como o judaísmo, o divórcio era, em geral, aceito pelos homens,
como já vimos acima, através da fala de Monique Alexandre. Com motivos que podiam
variar desde o adultério até uma refeição que não agradasse ao paladar do marido (SILVA,
2006: 42). Raramente uma mulher tinha a possibilidade de requerer o divórcio. Ele
poderia ser concedido pelo marido ou por meio da convocação de um tribunal. Se esse
tribunal concordasse com a esposa ele pediria para que o marido cedesse à separação.
Observamos, então, que Paulo não parece se importar com a condição feminina no
mundo social ao qual ele pertencia, seus direitos e deveres dentro da comunidade cristã
correspondem aos mesmos dos homens.
Celibatários
Ao tratar dos indivíduos que não são casados; sejam eles por questão de divórcio,
viuvez ou por uma escolha pelo celibato, Paulo recomenda que permaneçam nesse estado:
“Contudo, digo aos celibatários e às viúvas que é bom ficarem como eu.” (I Co 7, 8). Nos
séculos posteriores a prática do ascetismo no cristianismo seria longamente discutida, e
até servirá como um demarcador de status religioso, principalmente nos séculos IV e V
d.C.: “O ascetismo vinha a ser a marca do cristianismo autêntico numa sociedade em que
ser cristão não mais precisava fazer qualquer diferença na vida de uma pessoa.”
(MARKUS, 1997: 46).
Já nos séculos I e II d.C. esse comportamento serviu como predicativo cristão que
distinguia a moral cristã da moral geral. Os próprios fiéis de Corinto indagam sobre isso:
“Passemos aos pontos sobre os quais me escrevestes. ‘É bom ao homem não tocar em
mulher’” (I Co 7, 1). Segundo Peter Brown (2009: 234), havia um certo puritanismo na
regulação da moral sexual do homem romano, principalmente por parte dos notáveis. O
ato sexual poderia causar-lhe o “resfriamento” do temperamento, isto é, “[...] a perda de
seus recursos se revelaria então com a impiedosa clareza, através de uma perda de
entusiasmo na cena pública”; (BROWN, 2009: 234). Portanto, através da abstinência
sexual os notáveis poderiam manter em exercício seu principal papel na sociedade antiga,
o de homem público.
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No princípio, as reuniões cristãs pareciam ser bastante diversas; Paulo nos fala da
realização da Ceia do Senhor (em I Co 11, 17-34), e das possibilidades de algumas
práticas:
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recebe uma revelação, cale-se primeiro. Vós todos podeis profetizar, mas cada
um a seu turno, para que todos sejam instruídos e encorajados. (I Co 14, 26-
31).
18
Crossan e Reed (2007: 117) afirmam que tal passagem é uma interpolação que advém de uma tradição
posterior. Os autores apontam ainda que em alguns manuscritos mais antigos essa passagem se encontra ao
final do capítulo 14 (como afirmamos acima), o que também aponta a Bíblia de Jerusalém (2006: 2012) em
uma nota de rodapé acerca desses versículos.
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Mas toda mulher que ore ou profetize com a cabeça descoberta, desonra a sua
cabeça; é o mesmo que ter a cabeça raspada. Se a mulher não se cobre, mande
cortar os cabelos! Mas, é vergonhoso para a mulher ter os cabelos cortados ou
raspados, cubra a cabeça! (I Co 11, 5-6) (Grifo nosso).
Podemos ver claramente que a mulher exerce a mesma atividade que o homem, ela
ora e profetiza nas assembleias. A atuação feminina nas reuniões cristãs continuou ao
longo dos séculos. Segundo Monique Alexandre (1990: 534), Marcião 19 criou uma igreja
na qual as mulheres exerciam funções sacerdotais, desde a pregação até o batismo.
A utilização do véu para as mulheres ditadas pelo apóstolo Paulo retrata uma
questão cultural do período. Trata-se de um código de vestuário pertencente à sociedade
antiga, de diferenciação entre as vestimentas masculinas e femininas. Segundo Keila
Matos (2004: 109-110), em sua dissertação de mestrado “Protagonismo e resistência de
mulheres no discurso de Paulo em I Coríntios 11 e 14”, o fato de uma mulher andar de
cabelos soltos em Corinto teria apenas três significados: o luto, o adultério, ou a
participação no culto de Ísis, Afrodite e/ou Dionísio.
A ênfase de Paulo sobre o uso do véu (“desonra”) indica que as coríntias não
estavam se atendo a essa prática; e assim, que elas deviam valer-se do véu, principalmente
“por causa dos anjos” (I Co 11, 10). Ainda, segundo Matos (2004, p. 112) as cristãs
coríntias acreditavam que a liberdade no Senhor (I Co 7, 22) suplantava qualquer outro
tipo de sujeição social e/ou cultural. Além disso, segundo a mesma autora,
Ou seja, a casa era um espaço mais favorável, que oferecia uma maior liberdade às
mulheres nesse momento.
Também, segundo a Bíblia de Jerusalém (2002: 2006) esses anjos que o apóstolo
menciona são, na verdade, mensageiros de outras comunidades, o que cria uma concórdia
19
Marcião foi teólogo do século II d.C., influenciado pelos escritos paulinos, foi um dos primeiros cristãos
a realizar uma seleção dos textos cristãos para criar um cânon.
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com uma das ideias fundamentais pregadas pelo apóstolo na epístola; “assim como eu
mesmo me esforço por agradar a todos em todas as coisas, não procurando os meus
interesses pessoais, mas os de maior número, a fim de que sejam salvos.” (I Co 10, 33)
(grifo nosso).
Destarte, notamos como o papel feminino era importante na comunidade de
Corinto. Assim como o homem, a mulher exerce diferentes atividades na Igreja cristã
primitiva. Segundo Crossan e Reed (2007: 113) essas funções são exercidas de acordo
com a “igualdade diferenciada”, isto é, na diferença de dons e cargos, porém sem uma
hierarquia paternalista. Entretanto, notamos que Paulo não seria tão “feminista” a chegar
a esse ponto20:
A dicotomia que o apóstolo apresenta é uma divisão das questões culturais das
questões “celestiais”. Paulo condenava tudo que aparentasse um escândalo, seja para os
não cristãos como para os próprios membros da comunidade (I Co 10, 32), todavia “diante
do Senhor”, há uma igualdade encontrada na “caridade”: “Agora vemos em espelho e de
20
Crossan e Reed (2007: 110) ainda afirmam: “O princípio básico de Paulo a respeito da igualdade aplica-
se não apenas à escravidão, mas também ao patriarcado. A desigualdade cristã de gênero não pode mais
existir nem tampouco a diferença cristã de classes. As mulheres e os homens são, portanto, iguais na família,
na assembléia e no apostolado cristão.”.
21
Apesar de os autores se referirem ao contraste entre as passagens da Carta aos Gálatas 3, 28 e I Co 11, 3-
16.
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maneira confusa, mas depois, veremos face a face. Agora meu conhecimento é limitado,
mas, depois, conhecerei como sou conhecido.” (I Co 13, 12).
Pela proeminência dada ao apóstolo à questão do véu e dos cabelos, podemos inferir
que as mulheres coríntias estavam realizando práticas contrárias ao que Paulo descreve.
Matos (2004: 115) ainda afirma que as mulheres poderiam ter chegado ao ponto de se
trajar como homens, como a personagem Tecla, na obra “Atos de Paulo e Tecla”.
Se isso realmente ocorria, podemos observar que as mulheres da igreja coríntia
aproveitaram essa nova realidade religiosa, que ainda não apresentava uma configuração
bem estabelecida tanto no mundo romano, como na própria cidade de Corinto. Como as
reuniões paleocristãs eram realizadas no ambiente domiciliar, um espaço no qual as
mulheres teriam uma maior liberdade e poder social, este também seria mais um dos
fatores que propiciou tais práticas.
Considerações Finais
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Abstract
This paper analyses the relationship between the phonemes and the meanings of
seven ancient Greek words which are formed from the Mycenaean (Linear B) syllables
MA and KA. In this analysis, it considers the graphemic iconicity of the two syllables,
within the Minoan and Mycenaean cultural context that was significantly linked with the
worship of Mother Goddess throughout the lunar and solar cycles. The aim is to show
that the differences between their meanings can be described as isomorphic to the
differences between their phonemes, which, in turn, are depicted and/or justified in their
graphemic iconicity. The paper concludes to the non-arbitrary relationship between the
phonemes, graphemes and meanings of words, suggesting MA-KA as a historical marker.
Introduction
Independently of the existing debate over the meaning of MA-KA syllable
combination in Mycenaean tablets (cf. DEL FREO, 2014), the study discusses the
iconicity of its graphemes in relation to the meanings of those ancient Greek (AG) words
whose etymology lies on this specific combination. Thus, MA-KA is examined in AG
words that start with the equivalent nasal and velar syllables: μακα-, μαγα-, and μαχα-. In
this examination, the study focuses on diagrammatic iconicity (WAUGH, 1994: 56;
GIACALONE RAMAT, 1995: 122), which is relational in nature, and whose forms (e.g.
the encircled cross) are considered as diagrams or icons that “represent the relations of
the parts of one thing by analogous relations in their own parts” (WAUGH, 1994: 56),
thus resembling and/or imitating objects in respect to these relations. Moreover, following
Murray (1989), the examination and understanding of the nature of symbolic systems,
such as the two particular Linear B symbols, requires a focus on the processes of
performance and enactment, hence on their use during their Mycenaean era, and even
22
MPhil and PhD in the University of Bristol - U.K. Email: maria.d.mertzani@gmail.com
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earlier, as Linear A symbols in Minoan times. The forms (phonemic and graphemic) of
MA-KA are examined in a systematic interdependence of elements, in their specific
meaningful context, non-arbitrary and isomorphic. An interpretative framework of
symbolism is also adopted (BOYER, 1993; ENGLER, 1995) for understanding such
cultural manifestation in its different configurations.
23
The arch, which is the circular upper part of the sistrum, contains the four elements that are shaken.
Because the part of the world that is born and dies is contained in the moon’s sphere, and everything moves
according to it and changes through the four elements: fire, earth, water, and air. At the top of the arch of
the sistrum they construct a cat with a human face, and below, under the elements that are shaken, the face
of Isis on one side, and on the other the face of Nephthys, symbolizing with these faces birth and death
(because these are the changes and movements of the elements), and by the cat, the moon because of the
varied colour, nocturnal activity, and fecundity of the animal. For the cat is said to give birth first one, then
two and three and four and five, and in this way they add by one each time until she reaches seven, so that
she gives birth to all twenty-eight, as the moon's illuminations are. Perhaps this is mythical. But the pupils
in her eyes (of the cat) appear to grow large and round at full moon, and to become thin and shine at the
wanings of the star. And the anthropomorphism of the cat is indicated in the intelligence and reason of
moon’s changes (Author’s translation).
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ποικίλον καὶ νυκτουργὸν καὶ γόνιμον τοῦ θηρίου. Λέγεται γὰρ ἓν τίκτειν, εἶτα
δύο καὶ τρία καὶ τέσσαρα καὶ πέντε, καὶ καθ´ ἓν οὕτως ἄχρι τῶν ἑπτὰ
προστίθησιν, ὥστ´ ὀκτὼ καὶ εἴκοσι τὰ πάντα τίκτειν, ὅσα καὶ τῆς σελήνης
φῶτ´ ἔστιν. Τοῦτο μὲν οὖν ἴσως μυθωδέστερον· αἱ δ´ ἐν τοῖς ὄμμασιν αὐτοῦ
κόραι πληροῦσθαι μὲν καὶ πλατύνεσθαι δοκοῦσιν ἐν πανσελήνῳ, λεπτύνεσθαι
δὲ καὶ μαραυγεῖν ἐν ταῖς μειώσεσι τοῦ ἄστρου. Τῷ δ´ ἀνθρωπομόρφῳ τοῦ
αἰλούρου τὸ νοερὸν καὶ λογικὸν ἐμφαίνεται τῶν περὶ τὴν σελήνην
μεταβολῶν” (PLUTARCH, De Iside et Osiride, 63).
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The relationship of the Mother Goddess with feline animals (a cat, a lion, a leopard,
etc.) is very well attested in archaeology since early neolithic. Usually, she is depicted
among two felines, and in Minoan times she stands on a mountain top flanked by lions,
or holds snakes, having on her headress a quadruped feline (ALEXIOU, 1973: 72;
MARINATOS, 1993: 55, 158), a representation detail that strongly reminds Plutarch’s
account. Elsewhere, her mountaintop shrine has the form of a quadripartite MA (Figure
3) (MARINATOS, 1993: 173), which also reminds the quadripartite form of KA. In fact,
as the analysis demonstrates, the base form of MA is one KA variation (Figure 4). As a
cat then, she is connected to the symbolism of the moon and night, and by extension to
the underworld and death, as well as to fertility24 (analogical to the fecundity of the
animal) following the moon’s lunations. It is reminded that in ancient central and south
America civilizations such representation is found in the entrances of caves, which were
depicted by the open mouth of a jaguar (cf. BENSON, 1972).
24
The mark of her fertility powers was mythologically her son Horus or Harpocrates. Additionally, Plutarch
mentions (De Iside et Osiride, 56) that Plato interpreted her name as the womb, the place from which Horus
sprang (HORNBLOWER, 1941: 94).
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This Plutarch’s association of the cat with the sistrum and the Mother Goddess Isis
also reminds the symbol combination in Figure 5, which Evans suggested to represent the
sistrum (cf. BRICE, 1969: 125). Myres (1946) and Kober (1948) connected it with the
Linear B QA, which in archaic Greek alphabets is the letter koppa (modern Qq), used for
the writing of the name of Mother Goddess Cybele (Ϙυβαλας) (WOODARD, 2014: 17).
Thus, both KA and QA strongly relate to the symbolism of the Mother Goddess, who was
also the cow, representing this time the sun (MERTZANI, 2017: 76, 87). This relationship
is also supported by a well known Minoan and Mycenaean iconography depicting the
head of a bull/cow with a cross on the animal’s forehead. Thus, the cat and the bull/cow
were the sacred animals of the Mother Goddess, symbolising the cycles of the moon and
the sun accordingly. The fact that the cat is depicted on the top of the sistrum is another
symbolism of the moon’s supremacy over the solar year in ancient calendars.
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Following again Plutarch’s account in Romulus 9.4 and 11.1-2,25 the syllable KA
symbolises the earth as a reflection of the sky. He describes the foundation of Rome
25
Romulus, after burying Remus in the Remonia together with his foster-fathers, he was building the city,
after he summoned Tyrrhenian men who were leading such sacred ordinances and writings, and to teach as
in a rite. Α circular trench was dug around what is now the Comitium, and primal offerings of all things, of
which they used by custom as good, by nature as necessary, they deposited there. Αnd finally, every man
bringing a small portion of the soil of his land of origin, they were casting in it and mixing. And they call
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through a cyclical ritual, which divided the city in four quarters (κουαδράταν, urbs
quadrata). This round planning of the city with its centre (ὀμφαλός, the omphalus)
reflected the celestial heaven. In Romulus 11.1-2 it is the μοῦνδον. In fact, its centre
represented the polar star (ἄρκτον ὀμφᾰλόεσσαν), the axis of the earth, and by extension,
to the heavens, the Milky Way, with the planets and certain stars rotating around it every
night.
“Ὁ δὲ Ῥωμύλος ἐν τῇ Ῥεμωρίᾳ θάψας τὸν Ῥέμον ὁμοῦ καὶ τοὺς τροφεῖς,
ᾤκιζε τὴν πόλιν, ἐκ Τυρρηνίας μεταπεμψάμενος ἄνδρας ἱεροῖς τισι θεσμοῖς
καὶ γράμμασιν ὑφηγουμένους ἕκαστα καὶ διδάσκοντας ὥσπερ ἐν τελετῇ.
βόθρος γὰρ ὠρύγη περὶ τὸ νῦν Κομίτιον κυκλοτερής, ἀπαρχαί τε πάντων,
ὅσοις νόμῳ μὲν ὡς καλοῖς ἐχρῶντο, φύσει δ' ὡς ἀναγκαίοις, ἀπετέθησαν
ἐνταῦθα. καὶ τέλος ἐξ ἧς ἀφῖκτο γῆς ἕκαστος ὀλίγην κομίζων μοῖραν ἔβαλλον
εἰς ταὐτὸ καὶ συνεμείγνυον. καλοῦσι δὲ τὸν βόθρον τοῦτον ᾧ καὶ τὸν ὄλυμπον
ὀνόματι μοῦνδον. εἶθ' ὥσπερ κύκλον κέντρῳ περιέγραψαν τὴν πόλιν. ὁ δ'
οἰκιστὴς ἐμβαλὼν ἀρότρῳ χαλκῆν ὕνιν, ὑποζεύξας δὲ βοῦν ἄρρενα καὶ
θήλειαν, αὐτὸς μὲν ἐπάγει περιελαύνων αὔλακα βαθεῖαν τοῖς τέρμασι, τῶν δ'
ἑπομένων ἔργον ἐστίν, ἃς ἀνίστησι βώλους τὸ ἄροτρον, καταστρέφειν εἴσω
καὶ μηδεμίαν ἔξω περιορᾶν ἐκτρεπομένην.” (PLUTARCH, Parallel lives:
Romulus, 11. 1-2).
In line with these associations, this paper supports that MA-KA refers to these
cycles of the moon and the sun, in relation to the earth and the cycles of other planets
and constellations, and in the order they appear, as discussed below.
this trench, as they do the seat of the gods (the heaven) by the name of ‘mundus.’ Then, taking this as a
centre, they marked out the city in a circle round it. And the founder, having shod a plough with a brazen
ploughshare, and having yoked to it a bull and a cow, he led on by driving a deep furrow round the boundary
lines, while those who followed after him the work is to turn the clods inwards, which the plough threw up,
and to look over no clod to lie turned outwards (Author’s translation).
46
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other half below the earth, giving a period of cold and dark. Dividing the year's weather
in quarters, the months refer to wind and rainy weather (spring); to harvest and heat; to
wind and rainy weather again (autumn); and to cold (winter) (COHEN, 1993: 7; cf.
MACGILLIVRAY, 2004). Likewise, the month is divided in four quarters, having four
weeks of seven days equating to a 28-day cycle (see Plutarch above).
In this parallel lunar and solar motion, MA-KA as the Mother Goddess, symbolised
the agricultural and fertility cycle (of some 260 days) around the time of the equinoxes
(from March to September), during which the earth is fertilised by rain and consequent
river inundation (COHEN, 1993; MAGINI, 2015; ŠPRAJC, 1993). This period also
symbolised the cycle of human gestation (GREEN, 2014a: 26). In this cycle, the onset
and end of the rainy season coincides with the Venus’s extremes, who forms an extension
to the moon’s and sun’s symbolism as an evening and morning star (ŠPRAJC, 1993: 42).
Therefore, MA-KA also refers to Venus and its cycles in relation to earth. In each 8-year
cycle, 26 which represents a quarter of the mean sun (RICHER, 1994: 1, 105), one
northerly/southerly Venus extreme is greater than others (around the beginning of
May/November), delimiting the rainy season more exactly than other extremes (ŠPRAJC,
1993: 42).
26
The 8-year cycle is known as octaeteris, equating to 99 lunations (MAGINI, 2015: 16).
47
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Figure 6. Cyclical representation of the equinoxes, solstices and planets’ sets and rises
27
According to Hesychius, Ἁθύρ meant the month (μήν), the bull/cow (βοῦς) and metaphorically, the
mother. All these meanings agree with the Mother Goddess symbolism.
28
In particular, the heliacal rising of Sirius used to occur five days after the summer solstice (WELLS,
1985: 279).
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aligned (MAGLI, 2016: 70-71). In fact, this alignment occurred when Sirius was
heliacally born (WILLIS & CURRY, 2004: 22), with whom Isis was also recognised
(HOLBERG, 2007: 4; WELLS, 1985: 258-259). This alignment remained fixed for
centuries, announcing in certain calendars the beginning of the year at the summer solstice
(RICHER, 1994: 119).
For example, during the Attic octaetiris, in Olympia - a site dedicated to the Earth
goddess Γαῖα (PERROTTET, 2004) - the Olympic games29 started with the full moon of
the summer solstice, during which the heliacal rising of Sirius was also taking place in
Leo (HANNAH, 2012: 80; RICHER, 1994: 111, 119), marking the beginning of the year
as well. From around 340030 to 2000 BCE, a period that clearly defines the Minoan era,
the spring equinox was in the sign of Taurus (MAGLI, 2016: 42; RICHER, 1994: 80,
129), a detail that also justifies the association of MA-KA with the sacred animals of the
Mother Goddess. In particular, during this age, the equinoxes were housed in the signs of
Taurus and Scorpio, and the solstices in Leo and Aquarius. In this axis, Aquarius was
represented by a vessel, which, in turn, was the womb symbol of Mother Goddess, and/or
by the panther (p. xxxvii) that also agrees with MA feline representation. More
importantly, the Lesser and Greater Eleusinian Mysteries of Demeter used to take place
in this equinoctial axis.
29
The Olympic games alternated between a period marked by the rising of Sirius and Arcturus in the months
Parthenios and Apollonios that corresponded to the Egyptian months Mesori (25 July – 23 August) and
Thoth (29 August – 27 September) (HANNAH, 2012: 80). Considering the Sothic cycles of Sirius (cf.
HOLBERG, 2007: 3, 11), the heliacal rising of the star in late July (ca. July 19 and 20 in the Julian calendar;
August 4 in Gregorian calendar), corresponds to scholar consensus that the games begun with the second
full moon after the summer solstice (CHRISTESEN, 2007: 18).
30
This chronology coincides with Maya’s world creation on 8 September 3114 BCE (Julian calendar) or
13 August 3114 BCE (Gregorian calendar), at full moon, when the Orion’s belt was the celestial meridian,
and the sun reached its zenith (MENDEZ & KARASIK, 2014: 100).
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KA, since current linguistics (cf. BOLTZ, 1994) and psycholinguistics (cf. DINGUO,
2003; GIBSON, 1929) confirm the square as an alternate form to the circle.
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of Taurus, and the summer solstice in Leo (RICHER, 1994: 99). Metaphorically and/or
metonymically, the cave is the womb, and the river Alpheus the beginnings of the lunar
and solar calendars by referring to the spring equinox and the summer solstice
correspondingly. In fact, these associations of Alpheus (especially of the equinox in
Taurus) strongly remind the letter alpha that traditionally is considered to represent the
head of a bull/cow as KA does.
Figure 9. The phonemic equation of velars with alpha and their symbolic associations
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to the shorter forms μᾶ γᾶ, αἶα is also the word ἄα, which meant water as well as the
dawn, morning, day, life, East, and the goddess of the dawn (cf. ἡ ἄας).
KA clearly corresponds to the words ἡ γᾶ (also ἡ γῆ) and γαῖα, which meant earth,
land, ground, inclusive of water (the sea) and living organisms, and the planet earth as a
whole. This earth symbolism of KA is also supported by the words κᾰ, κάς (downwards)
and κῆ (there, in that place, in another world, then) that also refer to meanings of place
and the underworld. In the remaining μάγα words there is no meaning relating to Mother
Earth, although the concept appeared in the word μάγαρον (and μέγαρον) that denoted
the sacred pits to Demeter and Persephone, and the Mycenaean palace. The concept of
earth/land does exist in the word ἡ μά̆χη < μάχα- (cf. μάχαιρα, the knife) as the battle
field, thus agreeing with the symbolism of KA, and with the symbolism of the letter chi
as a cross/arrow and weapon (knife, sword, dagger, shear). The fact that MA-KA
generated the word ἡ μᾰγάς which related to cithara, also suggests an old symbolic
connection of the instrument with the earth as the reflection of the celestial heaven. The
most illustrative example is the city of Thebes, which had the form of a lyre (better,
cithara?) and its seven doors symbolised the seven strings of the instrument and the seven
planets (RICHER, 1994: xxxviii). It is noted that the lyre was another symbol of the
autumn equinox (p. xxxvi).
This latter symbolism is met in μάκα words that meant the goat 31 as ἡ μᾰκών and
μηκάς (*μακάω > μᾰκών; cf. μηκάομαι), and/or its bleat, hence connecting MA-KA with
the autumn equinox in capricorn, which was also represented by the goat 32 (the sea-goat)
(Ibid.). In μάκα words, there is another indication of the association of MA-KA with the
worship of the Mother Goddess. This is the word μάκαρ (blessed), which was used as an
appellation to the gods, and from which the adjective μάκαιρα was derived as an
appellation to Persephone, the daughter of Demeter. In many ancient civilisations, the
king was regarded the sun-god, who in AG was the Μάγης and/or Μέγας (< Μάγας, great;
cf. Μάκκος, king). According to Hesychius, the word μέγα was also μαΐ (great) that
strongly corresponds to MA. There was also the meaning of witch as ἡ μάγα.
Overall, MA-KA words did not carry any meaning of a feline and/or bull/cow.
However, the feline was denoted in words having the syllable combinations ma-ra and
31
In AG, the goat was met in the words ἡ αἴγα (the goat), and in the adjective of a goat μᾱλός meaning
white. Both words involve MA and KA, although they are combined with different syllables. Cf. also the
analogy αἴγα - αἴκᾱ. See Figure 3.
32
In Luwian hieroglyphs, the syllable MA is depicted by the head of a goat.
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ka-ta. Concerning ma-ra, MA related to the cat and the moon in the word ἡ Μαῖρα that
denoted: the star Sirius, the subsequent heat season in August (after its heliacal rising),
and the moon. Moreover, this syllable generated the verb μᾰραυγέω, which referred to the
the cat’s eyes and its pupil’s contraction when exposed to light (see above Plutarch). In
fact, as a compound word, its second part carries KA (as γᾶ > der. γέω-), thus carrying
both the meaning of earth and light as discussed above. Moreover, considering the
alternation between the laterals /l/ and /r/, ma-ra also produced the word μάλα, which
meant the hilly altar 33 of the earth as a bull/cow, which, in turn, reminds the Minoan horns
of consecration and the mountainous altars of the Mother Goddess. In relation to KA, the
cat meaning is met in the words ἡ κάττα and ἡ γαλῆ34 (from ka-ra; cf. MERTZANI, 2017).
Interestingly, the cat and/or the eye of a cat was also the word ὁ, ἡ αἰέλουρος - αἴλουρος,
whose first compound links to αἶα (and hence to the aforementioned equation αἶα - γαῖα
- μαῖα), and the second compound to the word ὁ λῶρος (Lat. lorum) that was the
omphalus.
33
Its synonym is βούνισμα, which is met in the phrase ἰὼ γᾶ βοῦνι that demonstrates this exact relation.
Note the phrase ἰὼ γαῖα μαῖα. Thus, there is an isomorphic analogy: ἰὼ γᾶ βοῦνι = ἰὼ γαῖα μαῖα, where
βοῦνι/μάλα = μαῖα.
34
The γαλῆ is also connected with the adjective καλή, for both deriving from ka-ra. In fact, this adjective
is met in the Hamburg Amphora of the Eucharides painter, where Io as a bull is called Καλή, the beautiful
maiden (GRIFFITHS, 1986: 476). Hence, ka-ra connects to both sacred animals. About the connection of
Io (cf. ἰὼ, the moon) with KA and MA, also see the above footnote for the equation ἰὼ γαῖα μαῖα.
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demonstrated that /k/ shows to appear for both angular and rounded shapes, a result that
Magnus (2001) also supported for English. For example, the majority of /k/ words denote
closeness, collection, containers, closure, as well as corners and crinkles. As a plosive
consonant, it is perceived to predominate in words connoting large size, especially when
is combined with back vowels (KLINK, 2000), and happy feelings with high activation
(AURACHER ET AL., 2011: 3). Newman (1933) demonstrated that it associated with
brightness too. In relation to /m/, Magnus (2001) demonstrated its frequent use in
meanings of i.e., measure, move, mixing, madness, and less frequently, in meanings of
earth and man. Newman (1933) showed its connection with largeness and darkness,
Nobile (2015) with density, and Auracher et al. (2011: 3) with sad feelings, unpleasant
mood and low activation.
The vowel /a/ is found to connote greater size, power, darkness, hardness, thickness,
heaviness, slowness, warmth, sweetness and aggressiveness (KLINK, 2000). In Parise
and Pavani (2011), /a/ was linked to dodecagons (which approximate the cycle), and to
luminance and/or white colour. It’s central position
“corresponds to the central position of the notion of a {structured spatiality}
as the power to contain or be contained … Not only because the concept of
centre (centre of a figure, of a town, of a problem...) implies the idea of a space
contained in another space. But also because the opening of the mouth
connects the internal cavities allowing us to contain (lungs, stomach, intestine,
bladder...) with the external cavities allowing us to be contained (holes,
homes, houses, habitations, hotels, halls, hangars...). The mouth is the
anatomical junction between inner space and outer space, the combination of
which give rise to our physiological experience of spatiality as structured”
(NOBILE, 2011: 114-15).
These results correspond to the meanings of MA-KA words. As a matter of fact,
their meanings are isomorphic to the sound differences between the plosive /k/ and the
fricatives /γ/ and /χ/. For instance, the consonant /γ/, having a mid-back articulation, in
conjunction with the centrality of /a/, denotes the earth (γᾶ > ἡ μᾰγάς), as the central place
of all life (man, animal, plants, etc.), and as a planet, it is mapped to its natural round
shape. In the phrase μᾶ γᾶ, it denotes largeness and greatness, as in the title Μάγης that
denotes a cosmic ruler. In contrast, the words with /k/ (κᾰ, κάς, downwards; κῆ, there, in
that place) denote more definite concepts of earth/land, contrary to the catholicity of /γ/
words. Moreover, words with the fricative /χ/, as they mean battle and/or weaponry (and
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Discussion
The Mother Goddess as μαῖα - γαῖα - αἶα is the mouth/gate where people give birth,
are born and die. Such symbolism exists until today in indigenous villages, whose
physical structure is analogical to the encircled cross, meaning “the gate, the door, the
mouth or the place of outlet (the vagina)” (HEALEY, 1977: 290), and the hole of their
emergence. There are also examples of city plans that looked like a puma (MAGLI, 2009:
205), and/or roundhouses plans to reflect cosmos. In these latter, for instance, a circular
inner room represents the sea, and its outer, divided radially into compartments for
families to live, represents the land. Moreover, the roof symbolises the celestial dome,
supported by the pillars of the stars and a horizontal crossbeam for the Milky Way
(RUGGLES, 2005: 439 - 440).
In other words, MA-KA as a round phonemic equation (μαῖα = γαῖα = αἶα) is also
a round graphemic equation, as its earliest graphemes depict and its imagistic cultural
manifestations. This result is enhanced more by examining etymologically MA-KA in
other languages, non Indo-European, mainly indigenous ones. The short syllables of these
languages carry much iconicity and connect to notions discussed under the Mother
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Goddess symbolism. For example, Bengtson and Ruhlen (1994) listed mak- words
expressing meanings of man and offsprings (pp. 307-308), and ma words denoting place
and/or earth meanings (e.g. to dwell, inside/in); state of being (e.g. to be) (p. 310); the
head and mental activity (e.g. to know, to think, to understand) (p. 312); and question
words like what, why (cf. makan) and where (pp. 313-315). Motherhood meanings (e.g.
to breast, breast, to milk) were found in the reconstructed *maliq’a (pp. 308-309),
reminding the AG Μαῖρα, μᾰραυγέω, and μάλα.
In Lakota, the Mother Earth is Maka Ina and/or Makakan (POWERS, 1986: 30). In
this second word, kan means anything that has existed for a long time (p. 30), and the
wood (can) (p. 64), and the morpheme ka denotes the hand and/or the acting hand as in
drumming and rattling35 (p. 56). All these concepts strongly connote the worship of
Mother Goddess and her Minoan and Mycenaean iconography as there is the analogy of
the tree with the wood (and hence, the pole of earth), of the hand (ka) with her raised hand
worship act, and/or of the rattling with the sistrum.
Elsewhere, she is the Milky Way (cf. in Quechua, Mayu36) (WILLIS & ROY, 2004:
28), as the river in the night sky that reflects the terrestrial ones, the life-giving water that
continuously circulates between the earth and the sky and falls on Earth as rain (MAGLI,
2009: 221). It is the primordial water that has created the earth, which, as a coiling snake,
creates the limits of the world, symbolising the eternal cycle of the sun and moon, the
eternity (ἡ, ὁ αἰών > αἶα) (EL-KHASHAB, 1984: 218-219). It runs through the earth’s
four cardinal points (representing the cross), dividing her into quarters that mirror the
quadripartition of the heavens, which, in turn, are created by the seasonal movements of
the galaxy. In Africa (e.g. in Tabwa people), the Milky Way is Mwila, reflected in a
mountainous ridge (p. 29) and in the medial linea negra during pregnancy (p. 43) that
again strongly reminds the AG μάλα and Μαῖρα, and hence the omphalus.
Considering the connection of the moon with fertility, and the linguistic alternation
of the laterals, Mwila corresponds to Μαῖρα (the moon) from which ἡ μοῖρα was derived,
meaning the thirtieth day of the moon, the full moon and new moon. The word ἡ μοῖρα
35
The word drum is cancega, a compound by can (the wood), and cega (the earthern pot) that also connect
with the Mother Goddess. The word rattle is wagmuha, from wagmu (the gourd) and ha (the skin, hide). In
particular, the word gourd consists of the noun marker wa, and gmu < *gamu. In indigenous communities,
the gourd was always used as a storage vessel to hold seeds and water, a usage that reminds the vessel-
womb of the Mother Earth. This connection is clearer in its planting season from September to October, as
a common practice throughout the Pacific, during which gourds were cultivated on the full moon for rapid
vigorous growth. This period coincides with the rain season and the Greater Eleusinian Mysteries of
Demeter. The full moon was always the Mother Goddess, the cow (cf. Io).
36
The Incas also called the Milky Way Mayu (MAGLI, 2009: 221).
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also meant death and/or the goddess of death, and thus linked to the symbolism of the
Mother Goddess as the night and death. By extension then, the earth is also death, not
only the mother, as in death one returns to the earth (MAGLI, 2009: 299). Due to this
connection, MA AG words also denoted death/loss such as μάω-μῶ-μῦ (to seek one's
destruction; rage, be furious). Moreover, as the goddess of the dead, she was worshipped
in Thebes (cf. μαγάς) that was also considered the city of the dead (SPARAVIGNA,
2008).
Interestingly, in relation to Μαῖρα and the verb μᾰραυγέω, the meaning of the cat
is met in the Guaná (or Chané) language of Brasil, where the words maracaiá meant the
cat and ungè-maracaiá the cat’s eye, with their corresponding Tupi-Guarani words:
mbaracaiá, maracayá or maracajá (TAUNAY, s.d.: 73). The second compound of the
words (-caiá) strongly corresponds to the AG γαῖα of the verb μᾰραυγέω. Moreover, in
Hopi the moon is called mu’uyawu and the muya is suffixed to the name of each lunar
month (WALTON, 2012: 338).
In the Pacific, MA-KA is met in words denoting the rising of Pleiades, who were
always regarded to belong to the constellation Taurus37 (HARTNER, 1965: 8). Thus, in
Hawaiian, the year and the new year makahiki (or makali’i-hiki, and makali’i) also means
the rising of the Pleiades (MAGLI, 2009: 177-178), signifying the beginning of the
agricultural and fertility cycle, towards which the sun moves into the centre of “the great
circle of stars” (Rigel, Sirius, Procyon, Pollux, Castor, Menkalinan, Capella, and the
Pleiades). The belief is that out of this cycle emerges the buffalo that symbolised all life.
Its head were the Hyades, its backbone the Orion’s belt, its ribs the Betelgeuse/Bellatrix
and Rigel, and its tail Sirius (p. 220). The makahiki and its corresponding words in Tonga
(mataliki), Tahiti (matari’i), and Maori (matariki) (p. 337), strongly associate with the
AG word ἡ μάτηρ (mother) to which MA refers, as well as with ματίς that meant μέγας
(great).
In Oceania and Southeast Asia languages the sun and the moon are translated
literally as the eye of the day/night or the face of the day/night (Urban, 2009: 329). For
example, in Indonesian, it is the mata-hari from mata (eye) and hari (day), which both
correspond to AG μάτηρ, ματίς < ΜΑ, and to γαλῆ, καλή < ΚΑ-ΡΑ. This connection of
the sun and the moon as the eye is met in the worship of Mother Goddess (as Hathor and
Isis), who was perceived as the eye and was identified with the cat as the eye of the
37
The Pleiades marked the left horn of Taurus, which becomes visible first in the course of the solar year
(HARTNER, 1965: 8).
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38
In Maya mythology the centre was regarded as the womb of the cosmic Mother (her birth canal) as well
as the mouth of a snake or frog (JENKINS, 2002: 17-18). The head of a snake alternates with the head of a
bird in Neolithic Mother Goddess idols (cf. GIMBUTAS, 1982; 1989). The Mother Goddess, the Milky
Way and the bird are met between 15,000 - 12,000 BCE, when the Cygnus (the swan) constellation, the
Northern Cross, marked the north pole. Back then, the pole star was delta Cygni as Ursa Minor is now
(MAGLI, 2009: 11).
39
At around 2,300 BCE., the Pleiades were the starting point of the house of Taurus at 0o, to which the
spring equinox corresponded (SPARAVIGNA, 2008; RICHER, 1994: 80). Between the autumn equinox
and the winter solstice, the Pleiades rose in the eastern sky after sunset, and hence, they were associated
with mourning and funerals. In this acronychal rising, the Pleiades arriving at the zenith precisely at
midnight (JENKINS, 2002: 21). From 2,300 BCE, the full moon passing the cluster at the autumnal equinox
was also celebrated (SPARAVIGNA, 2008).
40
In the summer solstice of ca. 2,300 BCE., a sacred marriage took place (RICHER, 1994: 104).
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Conclusion
The paper examined the symbolism of MA-KA, following current research
paradigms in phonemic and graphemic symbolism of languages. Firstly, the graphemic
analysis showed the connection of Linear AB MA-KA syllables with their equivalent
archaic alphabet letters, to which traditional scholarship has never linked until today.
Secondly, it discussed MA-KA phonemes based on sound symbolism research and the
meanings of their derivative AG words. These analyses highlighted its strong association
with the worship of Mother Goddess and her round symbolism in reference to the cycles
of the sun and the moon around earth, which was depicted in all aspects of culture (art,
rituals, architecture, etc.). As a matter of fact, the MA-KA symbols are viewed within a
cultural continuum (from Minoan to archaic Greek periods), contrary to the traditionally
isolated study of scripts, especially because Greek developed and used symbols that need
to be compared and examined in more detail. For example, the Cypriot syllabary that was
used in parallel to the alphabet for centuries, is never compared with the Linear AB scripts
and the alphabets in the historic continuum.
MA-KA was the focus of an overall cultural/ritualistic behaviour, in which the two
symbols were used in symbolic activities (e.g. Rome’s foundation ritual), and in symbolic
objects (the bull rhytons with the cross, idols with raised hands, pottery decorations, etc.),
due to which they retained their specific properties in the words they produced. In fact,
such properties also explain their modern forms of M, such as the head of the cat (in
particular, its ears), and the Milky Way as the cosmic river, the snake. Likewise, modern
C, K, X, and Q are shown to originate from KA.
This MA-KA symbolism is supported by a wide spectrum of disciplines such as
archaeology, sound symbolism research, archaeoastronomy, comparative linguistics and
etymology. Therefore, their meanings coming from non Indo-European, indigenous
languages suggest its use as a historical marker (cf. URBAN, 2009), expressing common
concepts that ancient iconography and sound symbolism research indicate to map to real-
world round referents (the sun, the moon, the galaxy’s centre, the vulva, the head, etc.).
The phonological equation between the /a/ and the consonants /m/ and /k/ (through
μαῖα - γαῖα - αἶα) calls for further researching such phenomena across non-cognate
language families. This relationship is even more interesting considering the angularity
of alpha and the association of /k/ with angularity. This latter is latent and inclusive in the
form of KA, demonstrating its symbolic bipolarity. Specifically, its two dimensional form
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represents the three-dimensional pyramid (e.g. the cone) and/or the cube (WEBER, 2002:
20). Hence, looking at a pyramid from far above, its conical top is a small cycle/dot, the
centre of the cross,41 and from under it, the circle its base.
The analysis also corroborates with previous research that the structure of words is
not arbitrary, although the passing of time fades the in-between-symbol relations. Some
remains still do exist, such as in myths, rituals, and symbolic iconography, analogical to
the graphemic forms, which under careful examination can highlight the symbolism of
historic orthography. Such analogies between i.e., myth, rituals and symbols also means
that the latter are the deities they represent (as the Mother Goddess), their myths and
rituals. This is the case for MA-KA.
WORD MEANING
ὁ μάκαρ : blessed, happy; prop. epith. of the gods, as opp. mortal men
cf. μάκαιρα, of Persephone
μᾰκών < *μακάω; : bleat, of sheep; of a hunted fawn or hare; scream, shriek of a wounded horse,
cf. μηκάομαι stag, or boar; of a man (onomatopoeic word)
41
The cross dividing the cycle in four quarters, represents the sides of the pyramid. In this case, the base is
square as well.
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Resumo: A partir da análise de algumas das epístolas que Sinésio, de Cirene, escreveu
para Hipátia, de Alexandria, este artigo aborda a produção e circulação do conhecimento
nesta cidade egípcia no século V. No total, foram sete cartas destinadas à Hipátia, destas,
apenas duas foram incluídas no escopo da análise. Por meio desta correspondência,
podemos compreender como era a relação entre as duas personagens, suas ligações
políticas e culturais, quais autores citavam, a constituição de diversas identidades
culturais na cidade de Alexandria, os aspectos religiosos que estavam ali presentes, e
como este contexto influenciou para que a cidade tivesse uma grande inclinação aos
estudos filosóficos gregos.
Palavras-chave: Antiguidade Tardia, Alexandria, Hipátia, Sinésio.
42
Artigo desenvolvido a partir da versão final de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado junto ao
Curso de História da Universidade Regional de Blumenau – FURB.
43
Graduada em História pela Universidade de Blumenau – FURB, Professora da Rede Municipal de Ensino
de São Bento do Sul e pesquisadora pelo Laboratório Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais.
44
Professor titular de História Antiga e Medieval da Universidade de Blumenau- FURB e Coordenador do
Laboratório Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais (www.furb.br/labeam) na mesma Instituição.
68
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CLÍMACO, J.C. A Alexandria antiga refletida pelo olhar romano. Romanitas- Revista de Estudos
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71
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Museum April 22-25, 1993. Malibu, California: The J. Paul Getty Museum, 1996. P. 10.
72
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
51
CLÍMACO, op. cit., p. 18
52
Ibidem, pg 20.
53
Ibidem, pg 4.
54
LOBIANCO, L. E. . Alexandria no Egito: a luz do helenismo no antigo Oriente Próximo. In: Clinio
Amaral; José D' Assunção Barros; Marcelo Berriel; Marcos Caldas; Miriam Coser; Luis Eduardo Lobianco;
Renata Rozental Sancovsky; Rosana Marins dos Santos Silva. (Org.). Representações, Poder e Práticas
Discursivas. 1ed.Rio de Janeiro: , 2010, v. 1, p. 1-.
73
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
uma manifestação cultural que pode ser encontrada principalmente no Vale do Delta do
Nilo 55. Conforme aponta Marjorie Venit:
Esta questão também pode ser pensada no que diz respeito à cidadania alexandrina,
de como a influência helênica e romana eram importantes para este momento, o que
refletiu na formação de identidade social da cidade. Marjorie Venit conclui que as
influências dessas culturas na estruturação da cidade foram tão significativas que,
até meados do século III, os cidadãos de Alexandria eram os únicos habitantes do
Egito que poderiam reivindicar a cidadania romana. Ela ainda ressalta que há
questões em aberto referente à cidadania, principalmente no que diz respeito aos
judeus que ali viviam. Há indícios, por escrito, de que os povos judaicos que viviam
em Alexandria poderiam ter acesso à educação do Ginásio, mas se eles poderiam ou
não ter sua cidadania romana ainda é uma questão indefinida 56.
55
Ibidem, pg 7.
56
VENIT, S. Marjorie. ALEXANDRIA In: RIGGS, Christina. The Oxford handbook of Roman Egypt.
Oxford: Oxford University, 2012. Pg 105-121.
57
Ibidem, pg 111.
74
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58
CARD, Claudia. Adventures in Lesbian Philosophy: A Hypatia Book. Bloomington: Indiana
University Press, 1994. 288 p. ALLEN, Louise. The Bisexual Imaginary: Representation, Identity and
Desire. London: Bi Academic Intervention, 1997. 217 p.
ALLEN, Jeffner et al (Org.). Lesbian Philosophies and Cultures. New York: State University Of New
York Press, 1990. 411 p.
75
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
59
Utilizado uma tradução em língua inglesa produzida em 1993, a partir de uma reedição de 1916RH
Charles, The Chronicle of John (c.690A.D.) bispo copta de Nikiu (Amsterdam: APA-Philo, sd [1981?];
reedição de um original de 1916).
60
DEAKIN, Michael A.b.. The Primary Sources for the Life and Work of Hypatia of Alexandria. 1998.
Disponível em: <http://www.physics.utah.edu/~jui/3375/Class Materials Files/y2007m08d22/hypatia-
primary-sources.html>. Acesso em: 28 out. 2014
61
Ibidem.
76
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
a fazer parte da escola intelectual do pensador Plotino, seu mestre, na qual foi professora
de Sinésio 62. Não podemos negar, então, que Hipátia, sendo a primeira mulher com
registros documentais a ser matemática, astrônoma e filósofa, ganha grande destaque por
ter adentrado espaços que culturalmente eram frequentados por homens.
Sinésio, de Cirene (373 d.C. - 414 d.C.), assim como Hipátia, também foi um filósofo
neoplatônico e sofista, além de bispo de Ptolemaica na Cirenaica. Era membro de uma
família bem conhecida e rica de Cirene, que alegou descendência dos fundadores da
cidade, os membros da casa real espartana. A riqueza de sua família permitiu que ele e
seu irmão Euoptius fossem viajar para a Grécia. Ele estudou em Alexandria, após 393,
onde conheceu Hipátia, e esta lhe apresentou o neoplatonismo 63.
Sinésio nasceu em uma família de longa tradição e rica na cidade de Cirene, que
ficava na província de Pentápolis. Seus escritos sugerem um envolvimento ativo e longo
acerca dos assuntos locais, tanto de Cirenaica quanto de Alexandria. Ele interrompeu seus
estudos filosóficos por três anos para ir até a embaixada de Constantinopla em busca de
assegurar uma redução de impostos para a cidade de Pentápolis. Ao que tudo indica, neste
momento, Sinésio estaria fixado na embaixada e durante este período escreveu duas
obras: o De Regno e um ensaio sobre a realeza endereçado ao imperador, uma alegoria
política na forma do mito egípcio de Typhos e Osíris. Alguns acreditam que Sinésio era
um pagão e somente após o momento em que se tornou representante na embaixada foi
que se converteu ao cristianismo. Esta interpretação se apoia no fato de que boa parte da
aristocracia local de Cirene era pagã e que um dos méritos de Sinésio estava em conciliar
o neoplatonismo com o cristianismo 64.
Fora oferecido no ano de 410 para Sinésio o cargo de bispo na cidade de Ptolemaica.
No entanto, somente após pensar por seis meses a respeito, o aceitou. Sinésio deveria
encarregar-se de cuidar das partes administrativas da cidade, apesar de ter como interesse
maior passar seus dias estudando Filosofia. Porém, as obrigações com o novo cargo de
62
DZIELSKA, op. cit., p 123.
63
DZIELSKA, op. cit., p 143.
64
Cameron, Alan, and Jacqueline Long. Barbarians and Politics at the Court of
Arcadius. Berkeley:University of California Press, c1993 1993.
77
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65
Ibidem, pg. 20.
66
Ibidem, pg. 23.
67
LOSEKANN, Cydne Rosa Lopes. As controvérsias entre cristianismo e paganismo a partir das
crônicas da destruição do Serapeum de Alexandria (391d.C) nas obras de Rufino de Auileia, Sócrates
de Constantinopla, Teodoro de Ciro e Sozomeno. 2012. 34 f. Monografia (Especialização) - Curso de
História, Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. Cap.
2.
68
Ibidem, pg, 18.
78
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69
Patrística:Termo que designa, de forma genérica, a filosofia cristã nos primeiros séculos logo após o seu
surgimento, ou seja, a filosofia dos Padres da Igreja, da qual se originará, mais tarde, a escolástica. A
patrística surge quando o cristianismo se difunde e consolida como religião de importância social e política,
e a Igreja se firma como instituição, formando-se então a base filosófica da doutrina cristã, especialmente
na medida em que esta se opõe ao paganismo e às heresias que ameaçavam sua própria unidade interna.
Predominam assim os textos apologéticos, em defesa do cristianismo. A patrística representa a síntese da
filosofia grega à escola de Alexandria, que revela um pensamento influenciado pelo espiritualismo
neoplatônico e pela doutrina ética do estoicismo. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Hilton: Dicionário
Básico de Filosofia 4.ed. – Rio de Janeiro. Editora Jorge Zahar.
70
PINHEIRO, R. A. B. - Cristianismos e Ecclesia na passagem da Antiguidade para a Idade Média.
História e Cultura, v. 2, p. 268-284, 2013.
79
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principalmente por meio da oratória, uma ferramenta essencial para o avanço de tal
doutrina dentro do mundo tardo antigo71.
Apesar do avanço do cristianismo no período, existem muitos indícios de que
Sinésio, mesmo pertencendo a um cargo do clero, não seguia de maneira fundamental os
dogmas de sua religião, o que é corroborado por sua aproximação a Hipátia. Isto é, apesar
de viverem em um contexto histórico conturbado, no qual existia uma grande influência
do cristianismo em todos os âmbitos, desde socioculturais a políticos, alguns filósofos
não concordavam em totalidade com o dogma proposto e, por vezes, não o aceitavam,
relativizando-o. Este pode ser um indicativo importante para nos auxiliar na análise das
correspondências de Sinésio com Hipátia.
Tanto Hipátia de Alexandria quanto Sinésio de Cirene tiveram uma profunda
ligação com os saberes, com a filosofia e as religiões do período em que viveram (século
V). Assim, apesar da limitação documental, principalmente no que diz respeito à Hipátia,
não podemos deixar de estudar e repensar a participação destas personagens nas
principais querelas de seu tempo, algo que é importante não somente para a História
Antiga, mas também para elaboração de uma história da Igreja no período e a confecção
de uma literatura cristã de cunho filosófico, uma história da filosofia, da matemática, da
astronomia e da própria ideia de transformação científica.
71
MAXWELL, Jaclyn L. - Christianization and Communication in Late Antiguity .New
York/Cambridge Universtiy Press, 2006.
80
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
As fontes para a realização deste artigo estão todas traduzidas do grego para o
inglês no livius.org. Trata-se de um site sobre História Antiga, escrito e mantido, desde
1996, pelo historiador holandês Jona Lendering, que fez a tradução do grego para o inglês
das cartas a partir de The Letters of Synesius of Cyrene, a versão standard elaborada por
Augustine Fitzgerald 74.
O URL que nos dirige para o Livius atual tem sido usado desde 2000, o site não
tem fins lucrativos, com algumas ressalvas, e permite a utilização de fotos, textos, desde
72
SOARES, C. S. - O Gênero Epistolar na Antiguidade: a importância das Cartas de Cipriano para
a História do Cristianismo Norte Africano (século III d.C.). História e Cultura, v. 2, p. 199-215, 2014.
73
Ibidem, pág. 205.
74
Augustine Fitzgerald. New York: Oxford University Press, American Branch, 1926. Seu trabalho foi
muito importante, através da tradução das cartas de Sinésio, Fitzgerald colocou o mundo de língua inglesa
em seu débito. Seu trabalho é tido como uma das principais referências no que diz respeito às cartas de
Sinésio. Os interessados em mais detalhes sobre a produção intelectual de Fitzgeraldo sobre Sinésio pode
recorrer a obra de Charles Miley. Cf.: MILEY, Charles N.. The Letters of Synesius of Cyrene by Augustine
Fitzgerald. The Classical Journal. Canadá, p. 228-230. dez. 1996.
81
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que contenha as devidas referências e não objetive o lucro. O site apresenta vários
documentos, desde a Mesopotâmia, Grécia, até o Egito e também uma quantidade
razoável de iconografias e mapas. A aba na qual encontram-se disponíveis as cartas de
Sinésio é intitulada de Synesius' Correspondences e foi anexada no ano de 2007, sua
última revisão ocorreu em outubro do mesmo ano. Estas cartas estão numeradas em
ordem cronológica, seguindo uma ordem de datação, contudo, não seguimos esta na
análise das cartas, pois escolhemos trabalhar por temáticas.
A página destinada a Sinésio reúne no total 159 escritos. Dentre as personagens
para as quais ele escrevia, além de Hipátia, encontram-se Herculiano, Cirilo, Diógenes,
João I, Pedro, entre outros, apontando, assim, que havia um extenso debate sobre filosofia
naquele momento e que ele conversava com vários filósofos a respeito destas temáticas
relacionadas com produção e a circulação do conhecimento na Alexandria do século V.
Sinésio escreveu ao todo sete cartas para Hipátia, assim, a escolha desta documentação
para o estudo realizado nesta pesquisa é devido ao fato de serem fontes contemporâneas
ao período da vida da filósofa e matemática de Alexandria. Com exceção destas cartas
não há nenhum outro registro contemporâneo sobre Hipátia, nem mesmo de seus outros
alunos, como temos insistido. Sendo assim, as sete cartas endereçadas a ela são os únicos
documentos do século V sobre a personagem.
No que diz respeito à História Antiga e Medieval, o uso de cartas e epístolas
não é uma "novidade", até no meio bibliográfico deste período a presença destes
mecanismos é fundamental, um auxilio documental sobre determinada personagem.
Sendo estas correspondências parte de um determinado contexto histórico, elas estão
inseridas em seus círculos, culturais, sociais e mesmo emocionais. Ao estudar a temática
e ter contato com essa intimidade das correspondências trocadas entre esta ou aquela
personagem, o historiador não deve construir uma visão romântica ou uma história dual
e assinalada de estereótipos, por isso estes cuidados metodológicos75.
A epistolografia na Antiguidade Tardia era uma arte exercida por uma pequena
parcela de letrados, nestes escritos encontram-se elementos da retórica para incluir e
transmitir mensagens e informações. Sendo assim, as cartas tornaram-se objetos
75
ROSENMERY, Patrícia A. et al. EPISTOLARY FORMS: LETTERS IN NARRATIVE, LETTERS AS
NARRATIVE: Epistolary Writing in Extended Narratives: Letters in Euripides, Herodotus, Xenophon. In:
HODKINSON, Owen; ROSENMEYER, Patrícia A.; BRACKE, Evelien. Epistolary Narratives in Ancient
Greek Literature. Boston: Brill, 2013. Cap. 3. p. 39-54
82
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
primordiais para circulação de notícias 76. Não se dispunha de meios de comunicação que
chegassem e atingissem a grande população, com isto, as cartas tornaram-se a primeira
manifestação de comunicação, embora fossem restritas a pequenos segmentos sociais
letrados, como as elites romanas e gregas, que contavam com escravos que cuidavam das
cartas, tal a importância que a produção das mesmas tinha nas sociedades antigas 77.
Acerca disto, Ana Teresa M. Gonçalves e Fabrício D. G. Di Mesquita, em seus estudos
sobre epístolas e cartas afirmam que:
76
GONÇALVES, A. T. M. ; MESQUITA, F. D. G. di . Atividade Epistolar no Mundo Antigo: Relendo
as Cartas Consolatórias de Sêneca. História Revista (UFG. Impresso), v. 15, p. 31-54, 2010.
77
Ibidem, pág. 31.
78
Ibidem, pág. 33.
83
Revista Alétheia – Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Nº2/2017 – ISSN:1983-2087
São vários os temas abordados por Sinésio em todas as cartas que escreve. As
correspondências enviadas por ele são complexas e, de um modo geral, falam bastante
para Hipátia de seu amor pela cidade, há muitas citações sobre literatura greco-romana,
faz referências à cultura helenística, cita um Alexandre, que possivelmente seria o
Imperador Alexandre, o Grande, comenta sobre as tormentas de uma possível guerra, e
em uma das cartas ele referencia o densímetro, um instrumento utilizado para medição de
líquidos.
Alguns destes temas, todavia, são muito importantes para este artigo, pois
envolvem a produção e a circulação do conhecimento na Alexandria do século V. Sinésio,
escreve, por exemplo, duas cartas sobre sua relação com a cidade de Alexandria e
relembra-a saudosamente. Outro tema importante são as inúmeras citações a outros
autores e obras, como a Ilíada e a Odisséia. A recorrência aos escritos de língua grega é
frequente, deixando claro, assim, a influência cultural helenística na obra de Sinésio. A
partir de agora, passamos a analisar estes dois fragmentos dascorrespondências entre
Sinésio e Hipátia, tentando perceber as intrínsecas relações entre ambos, do que estavam
falando, o que era debatido, quais influências de seu meio social e, principalmente, que
tipo de conhecimento circulava em Alexandria.
3.2 “De Sinésio para Hipátia”: análise Documental das cartas 401 e 402
84
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A cidade, como apontado no inicio, é sempre aclamada por sua grande diversidade
étnica e cultural. Na segunda linha do fragmento, Sinésio faz um lamento por estar
“desgostoso com ela”. Podemos, então, compreender essa lamúria com o fato de haver
conflitos identitários dentro da cidade, como, por exemplo, os egípcios estarem
socialmente abaixo dos descendentes de greco-romanos, um indicativo de que a cidade
estava passando por algum conflito possivelmente ligado à questão étnica-cultural. Em
todo caso, Sinésio tinha uma ligação muito profunda com a cidade, apontamento este fator
nas demais epístolas. Ao ganhar seu cargo de bispo, ele ficou encarregado de também
chefiar as fronteiras, ou seja, tornar a cidade segura e, para ele, um dos principais
“perigos” eram os “bárbaros”. Tal preocupação refletia-se, também, num confronto
pessoal, afinal, ele seria apontando como pagão e cristão, ao mesmo tempo que,
assumindo a chefia de bispo, Sinésio usufruiria de regalias. Parecia, portanto, haver um
dilema interno do autor com relação a sua postura ética dentro da Igreja Católica, já que
esta não aceitava muitas leituras filosóficas, inclusive o neoplatonismo, então apontado
79
SINÉSIO, Correspondências. Carta número 124:401: Uma Cidade em tempo de Guerra.
85
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como pagão. Em suma, a grande questão de Sinésio residia em apontar o outro como
bárbaro, enquanto ele mesmo poderia ser considerado um.
Podemos deduzir de todas essas tensões que, no ano de 401, a cidade estaria
passando por uma crise ou, até mesmo, uma possível invasão de outros povos. Na terceira
linha, Sinésio menciona os “homens mortos”, evidenciando talvez o avanço de uma
guerra. Outra possível interpretação seria o começo da perseguição da Igreja, pois, na
mesma linha terceira, ele utiliza a expressão “altar”, algo que remete a uma simbologia
religiosa. Na sequência, ele referencia a possibilidade de ter o mesmo destino que os
outros cadáveres, denotando que a perseguição poderia ser motivada pela questão tanto
de uma posição social dentro da cidade quanto religiosa, já que Sinésio, como bispo,
detinha privilégios dentro da Igreja, mas estudava os pagãos e bárbaros.
Outro fator importante era que, apesar de ter um cargo no clero, Sinésio não era
batizado, e suas divergências com a religião cristã talvez eram devidas a sua posição
filosófica. No século V, muitos bispos que não “agradavam” o clero passaram a ser
perseguidos, um exemplo disto é a medida de Cirilo de Alexandria, que fechou todos os
templos de Alexandria e passou a perseguir sacerdotes envolvidos em crimes de
corrupção80, os mesmos delitos que Sinésio estaria encarregado de punir. Podemos
sintetizar, então, seu conflito pessoal, nos seguintes termos: Sinésio deveria punir alguém
que estava corrompido pela leitura de determinados autores, embora ele mesmo não
seguisse todas as regras. Não há mais informações se uma medida como a tomada por
Cirilo também chegou à cidade de Cirene, assim, podemos apenas fazer uma analogia
com a menção de Sinésio às aves de rapina sobrevoando o céu da cidade, o que pode
significar alguma pessoa de alto “cargo” que estaria visitando a cidade ou observando de
longe e tentando atacar.
Nas últimas linhas desta carta, Sinésio relata para Hipátia o seu amor pelo “país”.
A questão do amor à cidade pode estar relacionada com a identidade que a personagem
tem com sua localidade, como ele se vê e quer ser visto pelos demais. Sua paixão pela
cidade é importante para ele, já que nela encontram-se os seus ancestrais enterrados.
Assim, Alexandria torna-se um “solo sagrado” para Sinésio. Essas menções, tanto acerca
do amor quanto do fato de “estar desgostoso” com a cidade, podem ter relação com seu
80
J.M. Blázquez,. Tolerancia e intolerancia religiosa en las cartas de Jerónimo, Ant. Crist. (Murcia),
XXIII, 2006, 467-473; Id., “La violencia religiosa originada por las decisiones del Concilio de
Calcedonia (451) en los monjes de Oriente”; G. Bravo, R. González Salinero (eds.), Formas y usos de la
violencia en elMundo Romano, Madrid, Signifer, 2007, 291-303.
86
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cargo de bispo e suas próprias contradições, sem contar as fronteiras, que estavam sendo
brevemente invadidas por povos estrangeiros, estes que Sinésio via como inimigos. Isto
sugere que a personagem tinha uma relação particular com o lugar e que, mesmo apesar
de todos seus problemas, estava apegado a ele, com um sentimento de identidade e
pertencimento, possivelmente por conta de suas origens e de sua família.
Na segunda carta, por sua vez, podemos ver Sinésio discorrendo sobre o
densímetro, instrumento utilizado na mediação da gravidade da água.
81
SINÉSIO, Correspondências. Carta número 402:15: Um Densímetro.
87
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Considerações Finais
82
GAMAS, C. A. D.A Matemática em Alexandria: Convergência e Irradiação. Archai, n. 11, jul-dez
2013, p. 47-54.
88
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era lido em vários lugares, em sua boa parte, constituía-se de obras de autores gregos e
romanos. Alexandria, desde sua fundação por Alexandre, o Grande, passou por enormes
modificações, não somente estruturais, mas culturais, que interferiram de forma
significativa na formação identitária dos habitantes desta cidade portuária egípcia, cuja
população de Alexandria era composta não apenas por egípcios, mas descendentes de
gregos, romanos e judeus; uma cidade cosmopolita e multicultural.
Foi este o contexto que tanto Sinésio quanto Hipátia vivenciaram, recebendo e
também se apropriando das mais variadas culturas. Desta forma, apresentamos uma breve
reflexão acerca da representação das personagens. Ambas tiveram inclinações filosóficas
para o estudo da literatura grega, sobretudo Homero, e dos filósofos neoplatônicos.
Hipátia era professora da Escola de Alexandria e seguidora desta corrente filosófica.
Sinésio, sendo seu aluno, também se tornou bastante próximo destas interpretações.
Foi possível perceber, por meio das correspondências trocadas entre os dois, não
somente assuntos pessoais, mas o intercâmbio de conhecimentos de cunho filosófico e
matemático, de experiências científicas, além de, claro, os conflitos sociais, os embates
entre cristãos e pagãos, o começo da perseguição da Igreja Católica e a posição ética que
Sinésio deveria manter. Com isto, nota-se a grande representatividade das personagens
para aquele momento: Hipátia, filha de um importante matemático e diretor do Museu de
Alexandria, teve a oportunidade, por meio destas influências, de lecionar na Escola de
Alexandria; Sinésio, ao ser nomeado ao cargo de bispo, exercia uma influência indireta
na cidade de Cirene, pois, ao aceitar o bispado, estava também aceitando uma condição
de vida, mas isso não impediu de lamentar e evidenciar que não gostava de passar seus
dias no escritório resolvendo os mais diversos assuntos envolvendo a população da cidade
de Cirene – ele preferia passar os dias envolvido nos estudos.
A representação de Hipátia, sobretudo, manteve-se viva na contemporaneidade,
quando foi contemplada não somente com poemas, sonetos, mas também com uma
produção cinematográfica.
A posição social de Sinésio contribuiu para que ele mantivesse uma rede de
sociabilidade extensa. Sinésio escrevia várias cartas, e não somente para Hipátia, como
também, para outros alunos da Escola de Alexandria, a exemplo de Herculiano. Podemos,
então, considerá-lo participante de um seleto círculo de debates filosóficos, cujos escritos
legaram uma importante referência para o estudo não só da História do Egito Tardo
Antigo, principalmente da cidade de Alexandria, mas também para a história da Filosofia
e da Matemática.
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As cartas eram a principal fonte de informação da época, e nelas havia não apenas
escritos sobre a vida cotidiana, mas um instrumento para circulação do conhecimento no
Século V. Os círculos de amizades das personagens estavam diretamente ligados à difusão
da filosofia e do conhecimento e, até suas inimizades foram elementos de importante
compreensão, pois refletiam suas posições e críticas a outras vertentes filosóficas.
Enfim, além destas questões mais voltadas para a produção do conhecimento,
indicamos a possibilidade e a relevância de uma análise posterior que contemple ainda as
ligações pessoais entre Sinésio e Hipátia, ou pelo menos o que Sinésio sentia em relação
à filósofa, pois isto pode nos auxiliar a compreender como era não somente o diálogo
entre ambos (dado importante per se, uma vez que Sinésio foi aluno de Hipátia), como
também, que tipo de relação de ensino e aprendizagem poderia haver entre estas duas
personagens da Alexandria do século V, o que, certamente, pode contribuir para
ampliação do nosso conhecimento sobre a Antiguidade Tardia de uma forma geral.
Referências Bibliográficas
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Resumo: Utilizando traduções brasileiras dos textos Das Nibelungelied e Völsunga saga,
o presente artigo pretende refletir sobre religião e religiosidade no contexto medieval da
Alemanha e Islândia numa perspectiva comparativista. Primeiramente, serão feitas
algumas considerações sobre o processo de tradução para, em seguida, refletir sobre o
caráter comparativista entre os dois textos analisados, com base em algumas teorias de
Literatura Comparada. Por fim, ao compreender a função do cristianismo no contexto
histórico e geográfico de cada texto em estudo, a análise focará nas possíveis
comparações entre as obras no que concerne a religião e as religiosidades trazendo
suposições próprias e de historiadores, além de questionamentos, acerca da história das
crenças dos povos envolvidos.
Palavras-chave: religiosidades, cristianismo, paganismo, Literatura Medieval
Religiosity in Song of the Nibelungs and The Saga of the Volsungs: cristianity and
paganism in Germanic World
Abstract: Using brazilian translations from Das Nibelungelied and Völsunga saga, this
article aims to reflect about religion and religiosity in Germany and Iceland’s medieval
context through comparative perspective. First of all, it will be done some considerations
about the translation process, for then, to reflect about the comparativist feature between
the two analyzed texts, based on some Comparative Literature theories. Ultimately, by
understanding the christianity role in historic and geographic contexts of each text in
studying, the analysis will focus on the possible parallels betwen the literary works about
religion and religiosities introducing own assumptions and from hisorians, beyond
questionings, about the history of involved peoples beliefs.
Key Words: religiosities, cristianity, paganism, Medieval Literature
Introdução
A Canção dos Nibelungos (em língua alemã: Das Nibelungelied) é um poema épico
alemão datado do século XII, enquanto a Saga dos Volsungos (em língua islandesa:
Völsunga saga) é um texto em prosa escrito posteriormente na Islândia no século XIII.
Ambos os textos possuem autoria desconhecida e narram, de modo geral, uma mesma
lenda. Suas diversas relações tem sido alvo de estudo de pesquisadores de vários lugares
do mundo.
Para este estudo, as fontes utilizadas são traduções brasileiras para língua
portuguesa de tais textos: as traduções de A. R. Schmidt-Patier de A Canção dos
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)
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Tanto a Islândia e o restante da Escandinávia, quanto a região onde hoje se encontra a Alemanha, que
são os territórios contextuais desta análise, fazem parte do aqui chamado mundo germânico.
85
Entende-se aqui por religiosidade, aquilo que possui qualidade ou teor religioso.
86
Uma problemática bastante acentuada na edição de A Canção dos Nibelungos utilizada para este artigo
refere-se a vários erros, aparentemente de digitação e não de ortografia, que atrapalham um pouco na leitura.
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uma introdução, complementa com notas de rodapé durante o texto, o que auxilia muito
o leitor de língua portuguesa que possui uma proposta investigativa. Aliás, investigar a
tradução de uma obra, tornou-se objeto da Literatura Comparada pois
[…] os elementos que acompanham a tradução sao significativos, seja
o próprio processo da tradução quando o tradutor esclarece por que o
livro foi traduzido e mesmo como o foi, seja a crítica que a analisa e
tem, por vezes, papel decisivo na orientação da recepção daquele texto,
situando os leitores e preparando-os para a sua leitura. (CARVALHAL,
2006: 71)
Em primeiro lugar, determina-se que é fato que a diferença mais característica entre
A Canção dos Nibelungos e a Saga dos Volsungos se refere ao gênero literário. A
primeira, escrita em poema, costuma ser considerada pertencente ao gênero épico por
tratar de fatos heroicos condizentes com a pátria alemã, contudo, possui características
fortes do romance cortês: exaltação exagerada da nobreza, descrição detalhada das vestes
das damas e cavalheiros, das riquezas, e da generosidade extrema dos nobres e reis para
com outros cortesões e com menos frequência, para com os pobres.
Já a segunda, seria um gênero característico da cultura escandinava: a saga. De
forma geral, esse tipo de narrativa escrita em prosa, que surgiu no século XIII na Islândia,
costuma narrar de forma bastante simples a história de uma pessoa ou de um grupo: o
narrador das sagas é apenas um observador, que conta os fatos muito objetivamente, sem
fazer comentários ou determinar juízo de valor aos personagens (CAMPOS, 2016). Outra
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característica muito forte das sagas, é que estas costumam trazer personagens que
realmente existiram e foram sinificativos na história da escandinávia.
Em resumo, A Canção dos Nibelungos narra como Siegfried, dos Países-Baixos, e
Kriemhild, da Borgonha, casaram-se e viveram apaixonadamente até o dia em que ele foi
assassinado traiçoeiramente por Gunther, irmão de Kriemhild, e seu vassalo Hagen Von
Tronje. Gunther, casou-se com Brünhild, da Islândia. Brünhild exigia que aquele que
quisesse casar com ela deveria passar por provas de força e coragem contra ela, e vencê-
la. Gunther consegue isso e ter sua mão em casamento, contudo quem mediou os eventos
que levaram a isso, foi Siegfried, que tornando-se invisível com sua carapuça mágica,
ajudou Gunther a vencer as competições de forças contra Brünhild. A segunda parte da
história, conta como Kriemhild planejou e concluiu sua vingança para com Hagen, o que
levou imensa desgraça para os burgúndios e também para os hunos, povo do reino de
Etzel, o segundo marido de Kriemhild.
A Saga dos Volsungos, tem como foco um enredo muito semelhante. Contudo, a
saga conta desde a origem dos Volsungos, descendentes de Sigurd. Os primeiros capítulos
são dedicados a contar toda a trajetória antescedente do heroi. Nesta narrativa, o que
dialoga propriamente com A Canção dos Nibelungos é a partir da história de Sigurd, que
apaixona-se por Brynhild, mas tomando uma bebida enfeitiçada pela mãe de Gunnar e
Gudrun, acaba esquecendo-se de Brynhild e casa-se com Gudrun. Gunnar é quem casa-
se com Brynhild com o auxílio do próprio Sigurd. Mais tarde, Brynhild descobre através
de Gudrun, que quem cumpriu a prova determinada por Brynhild, de atravessar um arco
de fogo para chegar ao seu castelo, foi Sigurd e não Gunnar. Por causa disso, Brynhild
adoece e pede para que Gunnar mate Sigurd, o que acabou sucedendo. Depois que Sigurd
foi morto, Brynhild não deseja mais viver e tira a própria vida.
Pelo breve resumo dos dois textos já é possível confirmar que A Canção dos
Nibelungos e a Saga dos Volsungos estão em intenso diálogo. É sabido que a lenda
enfoque das duas narrativas foi transmitida oralmente no mundo germânico, e isso pode
explicar a semelhança direta dos dois textos. Segundo Luciana de Campos, o que
influenciou propriamente a produção dos dois textos, foi o poema do Ciclo de Sigurd
presente na Edda Poética87, poema do contexto escandinavo medieval, destacando o fato
87
A Edda Poética é um gênero literário pertencente propriamente da Literatura Medieval Escandinava.
Segundo Luciana de Campos: “A poesia éddica é uma poesia mais simples e pouco rebuscada […]. De
autoria anônima e atemporal essa poesia está centrada nos temas mitológicos e heroicos procurando cantar
tanto os feitos dos deuses como as venturas e desventuras dos heróis” (2016, p. 79).
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deste ter sido “reescrito em antigo alto alemão por volta do século XII” recebendo o título
de A Canção dos Nibelungos e “a influência da literatura cortês francesa” (2016: 79). A
tradição na Literatura Comparada buscou por muito tempo focar seus estudos somente
sobre as fontes e influências. Desse modo, pode-se dizer que os dois textos germânicos
ou possuem uma mesma fonte, como afirma Luciana de Campos, ou um influenciou
outro.
Entretando, novas propostas teóricas foram surgindo ou aprimorando-se sobre as
antigas no campo da Literatura e Estudos Comparados. Uma dessas renovações teóricas
bastante consistente deve-se a Julia Kristeva, que revendo as propostas sobre o
dialogismo de Mikhail Bakhtin, afirma que “todo texto se constrói como um mosaico de
citações, todo texto é absorção e transformação de textos” (apud PERRONE-MOISÉS,
1990: 94) instituindo assim a teoria da intertextualidade. Além dos textos germânicos em
questão validarem a teoria da intertextualidade, cita-se outro exemplo de intertexto, as
narrativas de O Hobbit e da trilogia O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien que dialogam
de modo intenso com os dois textos. O leitor tolkiano certifica isso ao ler a história de
Sigurd, que ao matar o dragão Fafnir e se apoderar de seu tesouro, que inclui um Anel, é
pra sempre amaldiçoado. Portanto, compreende-se que o fazer literário é um constante
processo intertextual, pois reforça-se que
Estudando relações entre diferentes literaturas nacionais, autores e
obras, a literatura comparada não só admite, mas comprova que a
literatura se produz num constante diálogo de textos, por retomadas,
empréstimos e trocas. A literatura nasce da literatura; cada obra nova é
uma continuação, por consentimento ou contestação, das obras
anteriores, dos gêneros e temas já existentes. Escrever é, pois, dialogar
com a literatura anterior e com a contemporânea” (PERRONE-
MOISÉS, 1990: 94)
Destaca-se ainda que para Iuri Tynianov a obra literária consiste em “relações
diferencias firmadas com os textos literários que a antecedem, ou são simultâneos, e
mesmo com sistemas não-literários” (apud CARVALHAL, 2006: 48), o que pode
explicar os vários diálogos não somente entre os dois textos literários em estudo, mas
também, destes com outros elementos. Um exemplo está em A Canção dos Nibelungos,
quando Kriemhild confia o ponto fraco de seu marido Siegfried ao vassalo dos burgúndios
Hagen Von Tronje, que o tenciona matar traiçoeiramente.
899. Ela [Kriemhild] disse: “[…] Naquela montanha, depois de haver
morto o dragão, o respeitável guerreiro banhou-se no sangue do
monstro. Desde então arma nenhuma consegue feri-lo em combate.
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[…]
902. Quando o sangue ainda bem quente brotou das feridas do dragão e
o respeitável cavaleiro nele se banhou, caiu-lhe entre as omoplatas uma
folha de tília de bom tamanho. Este lugar onde pode ser ferido é a causa
de toda minha preocupação. (ANÔNIMO, 2013: 193)
Um outro exemplo está na Saga dos Volsungos. Na terra dos Volsungos, no dia do
casamento de Signy com Siggeir, chega um homem desconhecido por todos, mas que dá
a entender ao leitor que tem certo conhecimento sobre as crenças nórdicas que este seria
o deus Odin pois é “alto e idoso e tem um olho só” (ANÔNIMO, 2009: 42), uma
referência fisiológica deste deus nórdico. Ele brande uma espada no tronco da árvore
Barnstokk que fica no centro do palácio e anuncia que quem conseguir retirar aquela
espada do tronco irá recebê-la como presente e perceberá que não existe no mundo espada
melhor que aquela. Muitos homens nobres tentaram tirar a espada, mas quem conseguiu
foi Sigmund, filho do rei Volsung, que “retirou a espada do tronco, e era como se estivesse
solta para ele.” (ANÔNIMO, 2009: 42). Vê-se que neste caso, o intertexto se faz com a
lenda arthuriana referente a espada Excalibur, uma conversa entre literatura, mitologia e
folclore. Assim como a lenda presente em A Canção dos Nibelungos e a Saga dos
Volsungos passou da oralidade para a escrita, transformando-se em literatura, a lendária
história do rei Arthur tornou-se um tópico nas produções literárias europeia do mundo
medievo.
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leitura, ou seja, há uma ponte que liga o texto ao leitor. Ele ainda complementa sobre
existência de vazios, que só o leitor é capaz de preencher (apud LIMA, 1979). Portanto,
os exemplos acima demonstram a necessidade de o leitor ter consigo uma carga de
leituras, não somente de textos escritos mas também leituras de mundo, que o auxiliem
no preenchimento de vazios e no entendimento do processo intertextual. Ainda, destaca-
se o fato de Tolkien, por exemplo, ser também, um leitor, levando a entender portanto
que o escritor é “um leitor que escreve” (CARNEIRO, 2010: 47).
88
Grupo pertencente as tribos germânicas. Viviam ao norte da Alemanha durante a Idade Média, muitos
migraram para o território bitânico misturando-se aos povos anglos e formando os chamados anglo-saxões.
Antes de serem cristianizados, os Saxões partilhavam uma cultura e religiosidade semelhantes a dos
Escandinavos, povos que viviam no extremo norte da Europa (onde hoje localiza-se Suécia, Noruega e
Dinamarca) e que colonizaram a Islândia.
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Já a Islândia, que foi colonizada entre 874 a 930 d.C. pelos escandinavos
noruegueses, foi cristianizada bem tardialmente, entre o final do século X e o começo do
século XI. Diferentemente da Europa Ocidental, que como se vê a exemplo dos Saxões,
teve uma conversão violenta, que de certa forma extinguiu as antigas práticas pagãs, na
Islândia, o processo de cristianização ocorreu mais pacificamente, sendo que por muito
tempo o cristianismo e o paganismo nórdico conviveram mutuamente. Além disso,
destaca-se que com a chegada do cristianismo na Islândia, a prática da escrita tornou-se
bastante recorrente, surgindo assim, sua literatura, na qual os islandeses procuravam
resgatar suas memórias sobre as antigas práticas religiosas pagãs. Por possuir esse caráter
de registro mnemônico, importa mencionar que as sagas são uma das principais fontes de
estudiosos que pesquisam sobre a religião escandinava: ou seja, muito do que se sabe
sobre o paganismo nórdico nos dias atuais, deve-se muito a produção literária da
escandinava medieval89.
Mesmo que a Saga dos Volsungos apresente um contexto totalmente pagão em sua
narrativa, esta, como afirma o próprio tradutor Moosburger, foi escrita por um (ou mais
de um) cristão. Antes do processo de cristianização, os escandinavos mantinham seu
folclore e suas memórias através da oralidade, sendo sua escrita, as runas, utilizada muito
raramente e quase que totalmente sem fins literários. Por isso, chama atenção que, apesar
de já cristianizados no momento em que a Saga dos Volsungos tornou-se literatura, este
texto apresentar veemente as memórias pagãs.
O tradutor Schmidt-Patier afirma que não existe algum vestígio de espírito cristão
em A Canção dos Nibelungos, justificando com as características da maioria dos
personagens aproximarem-se das de pagãos germânicos de uma época remota:
“sentimentos ferozes e indomáveis, o rigoroso código de honra e a falta de escrúpulos”
(2013: 22). No entanto, ele admite que o épico alemão “é o canto fúnebre de um mundo
pagão que, aos poucos se cristianiza” e complementa que “Siegfried é a única personagem
89
A Literatura Medieval Escandinava é feita pelas Sagas, mas também pela Poesia Escáldica e pelas Eddas:
a Edda em Prosa (ou Edda Menor) e a Edda Poética (ou Edda Maior).
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13. Vivendo cercada de tais honras, Kriemhild sonhara, certa noite, que
um falcão selvagem, belo e vigoroso, que havia criado, fora
estraçalhado por uma dupla de águias. Como a cena se desenrolara
diante de seus próprios olhos, nenhuma desgraça ocorrida neste mundo
poderia ter-lhe causado pesar maior.
14. Quando contou o sonho à mãe Ute, esta lhe deu a única explicação
possível: “o falcão que domesticavas é um nobre homem, o qual – se
Deus o não proteger – perderás logo”.
[…]
16. […] “Se neste mundo tiveres de experimentar a felicidade, esta lhe
virá através do amor por um homem. Se Deus te conceder por marido
um bom cavaleiro, tu serás uma bela esposa.” (ANÔNIMO, 2013: 27)
“Eu sonhei” disse Gudrun, “que caminhava para longe do aposento das
damas junto com muitas mulheres e que avistamos um imponente
cervo. Ele se distinguia muito dos demais veados. Sua pelagem era de
ouro. Todas nós quisemos apanhá-lo, mas só eu consegui. O veado me
pareceu ser melhor que todas as coisas. Depois tu o flechaste e o
derrubaste diante dos meus joelhos. Eu senti tão grande tristeza que mal
pude suportar. Depois tu me deste um filhote de lobo. Este me
respingou com o sangue dos meus irmãos.”
Brynhild responde: “Decifrarei conforme virá a ser: Sigurd irá até ti,
aquele que eu escolhi para mim como marido. Grimhild lhe dá hidromel
adulterado, que nos leva todos a uma guerra. Tu te casarás com o rei
Atli. Perderás os teus irmãos e em seguida matarás Atli”. (ANÔNIMO,
2009: 97)
Percebe-se que essa passagem dialoga com a retirada de A Canção dos Nibelungos
pelo fato das personagens equivalentes Kriemhild e Gudrun relatarem seus sonhos
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As Ondinas são personagens mitológicas elementais da água, uma espécie de sereias.
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A narrativa A Canção dos Nibelungos fala muito em Deus, e dá a entender que este é de fato o Deus
cultuado pelo cristianismo pela relação que este possui com toda a simbologia cristã fortemente presente
no texto e referências a práticas ritualísticas cristã.
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ele seria de todos os reis o mais célebre.” (ANÔNIMO, 2009: 54) Nesta narrativa é muito
frequente também a participação de aves e outros animais, não somente enquanto figuras
icônicas, mas principalmente, como intercessores no processo de desenvolvimento dos
eventos da história. No trecho abaixo, Sigmund, filho do rei Volsung e pai do heroi
Sigurd, estava a pensar em uma forma de curar seu filho Sinflioti, após o ter ferido quando
os dois transformaram-se em lobos ao revestirem peles do animal, quando as aves vêm
em seu auxílio.
Para as crenças nórdicas, o corvo está diretamente associado com o deus Odin: seus
corvos Huggin e Munnin (que significam respectivamente “pensamento” e “memória”)
são seus mensageiros. Portanto, neste trecho pode-se interpretar que o corvo que auxilia
Sigmund, é um enviado de Odin. Além disso, os deuses do panteão nórdico são
personagens que muito interferem e influenciam nos acontecimentos da história,
principalmente o deus Odin. O próprio Sigmund foi morto por um guerreiro que tinha
“um olho só e empunhava uma lança”, referência tópica a Odin. Diferentemente, em A
Canção dos Nibelungos as práticas e costumes cristãos são constantemente afirmados,
contudo de forma mais simbólica: na narrativa alemã, não há nenhuma intercessão direta
do Deus cristão, “Ele” não interfere nos acontecimentos pessoalmente, como faz Odin e
os deuses nórdicos na Saga dos Volsungos, ele existe na narrativa apenas através das
súplicas e/ou no imaginário das personagens. Seu nome é constantemente invocado.
Outro exemplo presente na narrativa islandesa sobre a importância do destino na
religiosidade nórdica, é quando Sigurd procura por Gripir, irmão de sua mãe, “por ser
este previdente e conhecer a sorte das pessoas” . Sigurd pede veemente para que este lhe
conte sobre seu destino, e depois de ter relutado bastante, “Gripir acaba por contar […]
todo o seu destino – do modo como veio se confirmar mais tarde.” (2009: 72-73) Outro
momento bastante significativo para é quando Sigurd, depois de ter matado o
dragão/serpente Fafnir, assa o coração do monstro a pedido de Regin, e ao experimentar
se estava no ponto o assado, acaba provando do sangue do dragão/serpente e passa “a
compreender o canto dos pássaros.” (2009: 81) Os pássaros conversam entre em si em
tom de conselho para que Sigurd possa ouvir:
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“Aí está Sigurd, assando o coração de Fafnir. Ele próprio deveria comê-
lo. Assim poderia tornar-se mais sábio que qualquer outro homem.”
Um outro diz: “Lá está deitado Regin, e quer trair este que lhe tem
confiança.” […]
Então um quarto falou: “[…]Deveria então cavalgar até o alto da
montanha Hindarfiall, onde queda-se Brynhild dormindo, pois lá
poderá adquirir grande sabedoria[…]” (ANÔNIMO, 2009: 81)
Sigurd segue todos os conselhos dado pelos pássaros de forma indireta a ele.
Quando parte para o alto da montanha Hindarfall, ele encontra Brynhild que estava
dormindo “vestida como homem, guerreiro”. Sigurd cortou a cota de malha apertada que
ela vestia, e por isso, Brynhild despertou. Ela conta que foi amaldiçoada pelo deus Odin,
porque ela matou Hialmgunnar em uma batalha, homem o qual a divindade havia
prometido a vitória. Por causa disso, Odin perfurou Brynhild com uma rosa, dizendo que
nunca mais ela obteria a vitória e que deveria se casar. Contudo, ela replicou, dizendo que
só se casaria com o mais bravo dos guerreiros, aquele que não teria medo de nada.
(ANÔNIMO, 2009: 82-83). Este evento é um exemplo da participação e interferência das
divindades nórdicas nos eventos da história e também, confirma a ideia de que o destino
é determinado apenas pelas Nornas, e não pelas outras divindades nórdicas, pelo fato de
que o deus Odin não conseguiu cumprir uma promessa. Após esse acontecimento,
Brynhild pronuncia vários conselhos a Sigurd, que no texto estão destacados em versos,
como mostra o trecho a seguir:
[…]
Eis as runas da cura
e as runas da ajuda
e todas as runas da cerveja
e esplêndidas runas da força,
para todos que as possam,
imáculas, sem aviltá-las,
ter para a sua boa ventura.
Faz delas uso, se aprendeste,
até que feneçam os deuses. (ANÔNIMO, 2009: 87)
Destaca-se o último verso “até que feneçam os deuses”, que em nota de rodapé o
tradutor assinala que refere-se ao Ragnarok, o fim dos tempos para as crenças nórdicas
pagãs, onde aconteceria uma grande batalha que causaria morte de diversos deuses,
incluindo os mais populares, Odin, Thor e Loki, seguido de catástrofes naturais e o mundo
ficando submerso por água. Em contraste, também há referência ao fim do mundo em A
Canção dos Nibelungos, chamado de “Dia do Juízo Final”, que segundo os parâmetros
cristãos, seria o último julgamento feito pelo Deus cristão sobre todos os homens. Tal
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referência é feita por Hagen von Tronje que discute com Kriemhild acerca do Tesouro
dos Nibelungos:
1742. “De fato, minha Senhora Kriemhild, há muito que o Tesouro dos
Nibelungos não está mais sob os meus cuidados. Meus soberanos me
deram ordens para que o afundasse no Reno e lá deverá ficar até o Dia
do Juízo Final!” (ANÔNIMO, 2013: 353)
por ser disseminador de bondade e paz. É notável uma certa semelhança entre essas duas
narrativas. Lembrando que muito do que se sabe sobre as antigas crenças nórdicas se deve
pela Literatura Medieval Escandinava, e que esta surgiu na forma escrita com a chegada
do cristianismo, há muito o que questionar e refletir.
De modo geral, mesmo que o cristianismo é predominante em A Canção dos
Nibelungos, admite-se que há, realmente, traços de memória pagã nesta narrativa. Além
de referências mitológicas, há a presença de objetos e fatos mágicos e/ou fantásticos,
como a carapuça mágica que Siegfried tomou de um gnome e mais tarde usa para enganar
Brünhild, sua espada invencível Balmung, o dragão guardião do tesouro dos Nibelungos
e o fato de seu sangue ter tornado Siegfried imune a ferimentos. Do mesmo modo, na
Saga dos Volsungos, lembrando que foi escrita por cristãos, é possível encontrar rastros
do cristianismo. Identifica-se um deles quando nasce o heroi que “foi respingado com
água e chamado de Sigurd” (2009: 66), lembrando um dos sete sacramentos cristãos, o
batismo.
Hélio Pires sugere uma problemática quanto aos costumes e crenças religiosas
apresentados no material escrito da Islândia medieval. Ele defende que mesmo que tais
materiais registrem os costumes pagãos, há uma probabilidade de estes serem até certo
ponto modificados, levando a uma falsa crença de uniformidade da religiosidade nórdica
pagã, pois: “não é uma recolha inocente de crenças antigas, mas antes uma sistematização
de material pagão feita a partir de uma perspectiva cristã” (2016: 116). Da mesma forma,
o tradutor Moosburger afirma que:
Muitas das narrativas mitológicas de que dispomos estão fortemente
influenciadas por uma concepção de mundo cristã, porque todos os
textos escritos pelos escandinavos na Idade Média são uma
consequência direta da cristianização: a Igreja trouxe consigo para os
nórdicos a tradição latina, e, em decorrência dela, criou-se uma tradição
escrita em língua vernácula. (MOOSBURGER, 2009: 17)
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considerado mito hoje já foi sagrado em dado momento da história. Sugeriu-se tratar aqui
as crenças nórdicas no sentido religioso principalmente pelo teor comparativo com a
religião cristã que foi proposto neste trabalho, mas também, por acreditar-se que tais
crenças perseveram vivas na memória, não apenas enquanto narrativas mitológicas. O
cristianismo, como se pode perceber pela leitura dos dois textos em análise, contribuiu
fervorosamente na transformação dessas religiosidades em mitos.
Até aqui, identificou-se alguns dos muitos aspectos de caráter religioso presente em
cada um dos textos estudados. Para finalizar, apresenta-se o momento do funeral de
Sigfried/Sigurd. Na Saga dos Volsungos, após Sigurd ter sido assassinado, Brynhild se
mata, e agonizando, pede para ser velada junto dele, conforme os costumes pagãos, como
é descrito por ela:
Agora Gunnar, faço-te um último pedido: manda acenderem uma
grande pira numa planície, para mim, Sigurd e mais aqueles que com
eles foram mortos. Manda erguerem tendas vermelhas de sangue de
gente e cremarem-me lá, do lado desse rei huno, e, do outro lado dele,
meus homens, dois à cabeça e dois aos pés, e dois falcões. Assim estará
repartido com justeza. Depositai lá entre nós dois a espada desnuda
como outrora, quando nós nos deitamos na mesma cama e proferimos
votos nupciais. E as portas não se fecharão sobre seus calcanhares se eu
acompanhá-lo, e nosso funeral não será miserável se acompanharem-
no cinco escravas e oito servos, que me foram dados por meu pai, e lá
se cremarem aqueles que foram mortos com Sigurd. […] (ANÔNIMO,
2009: 117)
1039. […] A nobre dama determinou então que o corpo de seu querido
esposo, o Senhor Siegfried, fosse transportado para a catedral. […]
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Considerações Finais
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Referências
Fontes
ANÔNIMO. Saga dos Volsungos. Trad. Théo de Borba Moosburger. São Paulo: Hedra,
2009.
Bibliografia
CAMPOS, Luciana. “Literatura”. In: LANGER, Johnni; AYOUB, Munir Lufte. (Org.)
Desvendando os Vikings. João Pessoa: Idea, 2016. pp. 70-83
CARVALHAL, Tania Franco. Literatura Comparada. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2006.
LIMA, Luiz Costa. “Introdução”. Leitor demanda (d)a Literatura. In: ____. (Org.) A
Literatura e o Leitor. Textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
pp. 9-39
PEREIRA, Valéria Sabrina. Die Küneginne rîch. O mundo feminino em A Canção dos
Nibelungos e A Saga dos Völsung. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.
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PIRES, Hélio. “Funerais e crenças”. In: LANGER, Johnni; AYOUB, Munir Lufte. (Org.)
Desvendando os Vikings. João Pessoa: Idea, 2016. pp. 114-131
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Barbarity versus Humanitas in the Roman Principate: the politics and the
construction of the image of the emperor Heliogabalus (3rd century CE)
Abstract: Heliogabalus was a young emperor of the Severan dynasty and ruled the
Roman Empire between 218 and 222 CE, he had Syriac origins, he was son of father and
mother Syriac, he was born and he was raised in the Province of Syria until becoming
Roman emperor. The representations of the political and religious practices of this
emperor appear with a heavy negative charge in the texts of his contemporaries,
emphasizing what was considered as barbarity by the writers of the middle of the third
century CE. This paper aims to analyze aspects of the image of Heliogabalus linked to
his cultural identity, reflected in his practices as emperor. I will use texts of Cassius Dio
(Roman History), Philostratus (Life of Apollonius of Tiana and Lives of the Sophists) and
Herodian (History of the Roman Empire). I shall try to show how such writers defend the
existence of a Roman imperial order formed by the recognition of a discursive space
common among the elites' groups in the context of the Roman Principate, based on
elements of the construction of a Greco-Roman cultural identity (Humanitas) which
Heliogabalus, definitely, surpassed.
Keywords: Heliogabalus, Barbarity, Humanitas.
92
Este artigo faz parte da pesquisa pessoal da autora dentro do projeto de pesquisa guarda-chuva
Barbaridade: identidades e alteridades em representações do outro por escritores romanos. Tal projeto
encontra-se em desenvolvimento desde 2015 na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM pela autora
e pelos estudantes membros do Grupo de Estudos sobre o Mundo Antigo Mediterrânico da UFSM –
GEMAM/UFSM. O projeto em questão conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio Grande do Sul – FAPERGS, através do Edital 01/2017- Auxílio Recém-doutor – ARD.
93
Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade
Federal de Santa Maria – UFSM. Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista –
UNESP/Franca. Pesquisadora do G.LEIR/UNESP-Franca, do NEAM/UNESP, do ATRIVM/UFRJ, do
NECH/PUC-GO e do LEIR/USP. Pesquisadora e Coordenadora do GEMAM/UFSM e do Grupo de
Trabalho História Antiga da ANPUH/RS – GTHA-RS (gestão 2016-2018). E-mail:
semiramiscorsi@yahoo.com.br
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Introdução
Heliogábalo foi um jovem imperador romano de origens siríacas, filho de pai e mãe
sírios (DIÃO CÁSSIO, História Romana, LXXIX, 30, 2), nascido e criado na Síria até se
tornar imperador romano.94 Foi membro da dinastia dos Severos, que governou o Império
Romano entre 193 e 235 da era comum. Seu governo durou de 218 a 222 e, embora em
um curto período de tempo no comando do Império Romano, sua imagem foi retratada e
lembrada em diversos documentos textuais do próprio período de forma extremamente
negativa. 95 Descendente da família severiana por parte da esposa do primeiro imperador
da dinastia, a princesa síria e imperatriz romana Júlia Domna, esposa de Septímio Severo,
Heliogábalo teve seu poder transmitido de forma matrilinear. Era filho da também
princesa síria Júlia Soemia, filha de Júlia Mesa, a irmã da imperatriz Júlia Domna.
De maneira geral, os autores greco-romanos dos textos sobre Heliogábalo que
chegaram até nossos dias desenvolveram suas críticas apoiados em elementos de seu
governo e práticas político-religiosas ligadas à sua identidade cultural considerada
bárbara e elementos e imagens ligados às representações de gênero e usos dos prazeres
sobre o imperador. Sobre estes últimos elementos, os textos irão frisar uma imagem de
Heliogábalo considerado feminino e seu comportamento sexual e amoroso mais
semelhante ao que era considerado próprio de mulheres naquele contexto: a submissão, o
descontrole e o excesso. Os textos ainda aludem a uma suposta tentativa de cirurgia
destinada à elaboração de uma vagina em seu corpo.96
94
Segundo Dião Cássio (História Romana, LXXIX, 30, 2), seu pai era de Apamea, na Síria, da mesma raça
da mãe.
95
A ideia de estudar Heliogábalo surgiu a partir da minha tese de doutorado, apresentada na Universidade
Estadual Paulista – UNESP/Franca, em 2014, quando defendi que elementos de identidade cultural eram
essenciais para a manutenção da ordem imperial romana no contexto dos Severos por meio do estudo das
obras de Flávio Filóstrato. Na mesma ocasião tive contato também com os textos de Dião Cássio e
Herodiano sobre o período severiano (193-235 EC). Ainda durante meu doutoramento, percebi a
negligência que Heliogábalo tem recebido da historiografia. Não há muitos estudos sobre Heliogábalo
internacionalmente, pelo menos se comparado a vários outros imperadores do Principado, e, pelo que me
consta, ainda não havia pesquisas sobre ele no Brasil.
96
Conta Dião Cássio (História Romana, LXXX, 17, 1) que Heliogábalo buscou médicos por todo o Império
que pudessem fazer nele uma vagina. Tal ato tem sido interpretado por estudiosos como sendo parte das
cerimônias de iniciação ao culto ao deus solar Elagabal de Emesa, do qual o imperador era sacerdote. Sobre
isso ver: ICKS, 2015; TEIXEIRA 2008. Corroborando tais historiadores, acrescento à interpretação sobre
a ideia trazida por Dião Cássio, a observação de que a mesma mostra como as práticas religiosas de
Heliogábalo eram totalmente estranhas e bárbaras para homens como o escritor. Portanto, para mim, as
representações de gênero depreciativas de Heliogábalo estão ligadas também à sua identidade cultural e à
visão negativa de suas práticas político-administrativas por aristocratas como Dião. Minha visão de
questões de gênero, dessa forma, não está isenta de uma interpretação das encenações e representações do
mesmo no âmbito da política e das relações de poder e governabilidade, como bem indica a historiadora
Joan Scott (1995), ao propor o uso do gênero como categoria de análise histórica.
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ela própria organiza, trabalha com a ideia de que apenas Roma emana cultura,
incorporando tradições gregas.
Assim como Huskinson (2000), Andrew Wallace-Hadrill (2008) acredita em uma
espécie de identificação das elites, algo não natural ou étnico, mas construído em uma
relação dinâmica da cultura romana com a cultura grega, especialmente, e também com
as demais culturas imperiais. Wallace-Hadrill (2008), ao analisar as transformações da
cultura romana na Península Itálica, defende que há a convivência de diferentes culturas
dentro do Império Romano em uma pluralidade, certas vezes com identidades
conflituosas, certas vezes com identidades paralelas. Ademais, o autor questiona os
próprios sentidos do que era ser romano, o que para ele é visto como uma identificação
que muda com o tempo.
Embora não refletindo sobre a questão identitária, mas sobre os grupos sociais, o
famoso epigrafista húngaro Gèza Alföldy (1989: 146), traz uma visão que corrobora os
autores citados ao refletir sobre os grupos das elites urbanas do Império, escrevendo que
eles “eram os representantes por excelência dos ideais e costumes romanos, preservando
assim a unidade do Império Romano” e sua ordem.
Como ordem imperial romana, por sua vez, pela leitura de Ramsay MacMullen
(1966) sobre quem eram os inimigos da ordem romana, reconheço que a ordem é a
estabilidade político-administrativa do Império. Diante disso, acredito que havia vários
elementos que deveriam ser buscados a fim de garantir tal estabilidade, um deles era o
reconhecimento e a aceitação de “significados compartilhados” pelos grupos das elites
imperiais no âmbito das relações político-culturais em meio à diversidade cultural
(HUNSKINSON, 2000: 07). Nesse sentido, mecanismos e estratégias variadas foram
criados, recriados, incorporados e negociados para o controle das inquietações de diversas
naturezas, para a criação de discursos em comum entre grupos das elites e,
consequentemente, para a manutenção da ordem. Destaco o papel de escritores como
Filóstrato, escritor grego e um dos autores que serão analisados neste artigo em relação a
Heliogábalo. Filóstrato nos apresenta sua ideia sobre o que é ordem (κόσμος – kósmos)
nas palavras de Apolônio de Tiana, biografado por Filóstrato, ao imperador Domiciano
(VA, VIII, 7, 7):
Nós devemos compreender a ordem que é dependente da criação divina
sobre tudo que há no céu, na terra e no mar, em tudo o que os humanos
tomam parte, exceto infortúnio. No entanto, também existe a ordem
dependente do homem de bem, que não excede os limites de sua
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3, 10; DIÃO CÁSSIO, História Romana, LXXIX, 32; 2-3), possivelmente, como forma
de legitimação de seu governo.
Assim sendo, houve estratégias da corte severiana no sentido de legitimar e dar
governabilidade para Heliogábalo. Porém, acredito que as práticas políticas de
Heliogábalo, muito envolvidas com sua religiosidade e seus costumes siríacos, não
agradavam alguns homens das elites como Dião Cássio, Filóstrato e Herodiano, não sendo
estabelecido da forma necessária o espaço para o consenso durante seu governo, o que
pretendo mostrar neste texto.
A fim de atingir os objetivos aqui propostos, analisando a documentação dentro da
proposta definida acima, que visa relacionar aspectos das construções discursivas sobre
Heliogábalo em relação às suas práticas de governo, ligadas, por sua vez, à sua identidade
cultural bárbara e à ordem imperial romana, apresentarei a seguir algumas informações
importantes em torno do imperador Heliogábalo, bem como sobre os escritores que lhe
foram contemporâneos. Estes escritores, por escreverem sobre o imperador de forma
extremamente negativa, serão aqui chamados de seus detratores.
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extremamente favorável a este imperador no final de sua obra (História Romana, LXXX,
5).
A obra de Dião, História Romana, é organizada em oitenta livros que cobrem da
fundação de Roma até meados do governo de Severo Alexandre, quando Dião encerra a
obra, mostrando estar doente e retornando para sua terra natal na Bitínia. História Romana
é fortemente marcada pelos valores senatoriais de Dião Cássio. A obra foi escrita e dada
a ler, possivelmente, entre a morte de Heliogábalo em 222 e a do historiador em 230
(ARRIZABALAGA Y PRADO, 2014: 26).
Já o sofista e biógrafo Flávio Filóstrato nasceu por volta de 160 e 170 na Ilha de
Lemnos, parte do território ateniense, e ficou conhecido pela tradição como um destacado
sofista do período do Principado. Sua família esteva entre as mais nobres de Atenas por
volta dos séculos II e III, ocupando, segundo a epigrafia, posições importantes em
Lemnos, em Atenas e também na cidade de Eritrai, na Jônia. 97
Conforme conta o próprio Filóstrato, ele fez parte de um grupo de escritores
próximos da imperatriz Júlia Domna, esposa de Septímio Severo, mãe dos futuros
imperadores Caracala e Geta e importante personagem na política romana nos governos
de seu marido e de seu filho Caracala. É Júlia Domna quem Filóstrato diz ter-lhe pedido
que escrevesse a obra sobre a vida de Apolônio de Tiana (VA, I, 3), por quem a família
severiana parece ter rendido especial admiração (VA, VIII, 31; DIÃO CÁSSIO, História
Romana, LXXVIII, 18, 4; História Augusta, Vida de Severo Alexandre, 29, 2).
Não há como precisar quando Filóstrato passou a viver em Roma, fazendo parte da
corte severiana, mas, provavelmente, ele foi para a capital imperial a fim de ocupar
alguma função próxima à corte. É certo que os sofistas tinham grande popularidade em
Roma no período dos Antoninos e dos Severos, o que também pode ter motivado a ida de
Filóstrato para a capital do Império.
Embora sem informação precisa da documentação sobre um possível cargo
ocupado por Filóstrato junto à corte severiana, acredito nessa possibilidade tendo em vista
que o sofista deixou sua região, onde possivelmente já ocupava cargos em troca de algo
que, a seu ver, poderia ser melhor para sua carreira. Glen Bowersock (1969: 106-108)
também registra que era muito comum sofistas de língua grega, frequentadores das cortes
imperiais romanas, se tornarem epistulis graecis, função que este estudioso acredita ter
97
As informações epigráficas sobre Filóstrato foram tiradas das análises de Bernadette Puech, estudiosa
que catalogou e analisou textos epigráficos da documentação material referentes a sofistas gregos da época
imperial romana no livro Orateurs et Sophistes Grecs dans les inscriptions d’Époque Imperiale (2002).
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sido uma das pretensões de Filóstrato junto aos Severos, possivelmente durante o período
de Septímio Severo e/ou Caracala, quando Júlia Domna, de quem Filóstrato parece ter
sido muito próximo, estava viva.98
Estudiosos como Münscher, Bowersock (apud PUECH, 2002: 378) e Jaap-Jan
Flinterman (1995: 26) acreditam que Filóstrato se estabeleceu em Atenas após a morte de
Júlia Domna em 217, quando Macrino e depois Heliogábalo passam a governar. Tal
hipótese pode ser considerada a partir da existência de uma estátua referindo-se a
Filóstrato como sofista na cidade de Atenas. 99 Se realmente Filóstrato se afastou ou foi
afastado da corte imperial após a morte de Júlia Domna, temos aqui um motivo pessoal
para suas considerações negativas sobre Heliogábalo, o sucessor severiano. Não sabemos
ao certo a data de morte de Filóstrato.
Já os aspectos biográficos do historiador Herodiano são bem menos conhecidos pela
historiografia contemporânea, que parte da interpretação de sua própria obra para levantar
alguns dados sobre o autor que viveu entre 180 e 250, aproximadamente. Um dos trechos
debatidos em torno da biografia do escritor diz:
Mas eu escrevi uma história sobre os feitos posteriores à morte de
Marco que vi e escutei durante toda a minha vida. E em alguns deles
participei diretamente nos meus postos de serviço imperial e público
(HERODIANO, História do Império Romano, I, 2, 5, grifo meu).
98
Sobre a proximidade de Filóstrato com a imperatriz Júlia Domna, sugiro a leitura do primeiro capítulo
de minha tese de doutoramento, intitulada O Império Romano do sofista grego Filóstrato nas viagens da
Vida de Apolônio de Tiana (século III d.C.). A tese encontra-se disponível em:
http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-graduacao/tese-semiramis-corsi-silva-final-apos-defesa.pdf.
Acesso em: 21/10/2017.
99
Sobre esta estátua ver: PUECH, 2002.
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paideia/humanitas era algo que podia ser recebido através da educação e não,
necessariamente, do local de nascimento de uma pessoa.
Sobre Heliogábalo como bárbaro, de acordo com a documentação textual, uma das
primeiras coisas que Heliogábalo faz ao se tornar imperador é construir um templo em
Roma para adoração do deus solar Elagabal (HERODIANO, História do Império
Romano, V, 5, 8), divindade de sua cidade, Emesa, do qual seus ancestrais sírios, ele e o
futuro imperador Severo Alexandre tinham uma tradição enquanto sacerdotes. Nesse
templo uma pedra negra servia de estátua do deus. A adoração ao deus é tida como coisa
de bárbaros pelos escritores do período, que nos dizem:
Os dois garotos [referindo-se aos futuros imperadores Heliogábalo e
Severo Alexandre] eram sacerdotes do Sol, a quem veneram os
habitantes daquela região com o nome fenício de Elagabal. Este povo
construiu um grandioso templo, sem economizar no ouro e na prata,
com muitas pedras. Não apenas lhe rendem culto os habitantes do lugar,
mas todos os sátrapas vizinhos e os reis bárbaros, que cada ano enviam
oferendas caras ao deus com o desejo de serem diferenciados. Não se
vê nenhuma estátua, que represente o deus, feita pela mão do homem,
como as dos gregos e as dos romanos. Há, no entanto, uma pedra
enorme, de base redonda e com uma ponta em cima, cônica e negra.
Garantem, com orgulho, que caiu do céu, e mostram pequenas
saliências e incisões em sua superfície, acreditam que é a imagem do
Sol, na qual a mão do homem não interviu. É assim que a veem
(HERODIANO, História do Império Romano, V, 3, 4-5, grifos meus).
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comentam e que em uma análise apurada destes textos e da cultura material podemos ver
o contrário. Há moedas cunhadas na época de Heliogábalo com referências aos deuses
Marte, Cibele, Juno, Júpiter e Vênus, por exemplo (ARRIZABALAGA Y PRADO, 2014:
75). Mas, como mostra Erika Manders (2012: 147), estudiosa da numismática dos
imperadores romanos, as moedas testemunham a força da religiosidade de Heliogábalo e
do que ela chama de reformas administrativas que ele tenta implantar, havendo uma
preponderância das representações de Elagabal. Não foi a implantação de um monoteísmo
propriamente, mas Júpiter ficou para segundo plano, segundo Manders.
Além disso, percebo que Herodiano (História do Império Romano, V, 6, 3-5)
comenta que Heliogábalo tentou casar Elagabal com Palas e depois com a deusa Urânia,
deusa associada com a Atargatis síria. Leio esta passagem como uma espécie de encontro
cultural que o imperador buscou desenvolver em seu governo, uma tentativa político-
administrativa de conciliar elementos de sua cultura com elementos da cultura greco-
romana, que contraria a ideia do monoteísmo da História Augusta. Portanto, Heliogábalo
parece ter tentado desenvolver aspectos de encontro cultural entre sua cultura e as
tradições romanas em suas práticas políticas.
Mas, segundo os escritores contemporâneos de Heliogábalo, o imperador colocou
Elagabal acima do próprio deus Júpiter Capitolino (HERODIANO, História do Império
Romano, V, 10; DIÃO CÁSSIO, História Romana, LXXX, 11), o que também aparece
nas moedas de acordo com a análise de Manders.
As moedas apresentam ainda a festa em honra a Elagabal em Roma, um momento
de grande horror aos olhos de Herodiano que nos descreve a cena com espanto:
Construiu [referindo-se a Heliogábalo] fora de Roma um enorme e
magnífico templo, onde levava o deus todo ano no meio do verão.
Instituiu todo tipo de festas e construiu circos para as corridas de
cavalos e teatros [...]. Para conduzir o deus da cidade para fora, o
colocava em uma biga coberta de ouro e pedras preciosas. A biga era
constituída por seis grandes cavalos brancos sem manchas, com arreios
de ouro e ricos ornamentos. Ninguém segurava nas rédeas, e ninguém
estava na carruagem; o veículo era conduzido como se o próprio deus
fosse o cocheiro da biga. Antonino corria de costas à frente da
carruagem, olhando para o deus e segurando nas rédeas dos cavalos. Ele
fazia toda a viagem nesta maneira contrária, olhando para a face do seu
deus (HERODIANO, História do Império Romano, V, 6, 6-8, grifo
meu).
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E coisas tidas como horríveis, porque bárbaras, são contadas como tendo sido
cometidas pelo jovem Heliogábalo com sua mãe e avó juntas:
100
Como a moeda catalogada em RIC IV, II, 196A, por exemplo.
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Como mostra Alföldy (1989: 150-151), a profissão de ator era uma das profissões ocupadas pelos
membros das camadas inferiores urbanas no contexto do Principado, indigna de um prefeito do pretório,
cargo de membros da ordem equestre.
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mestres gregos e romanos de seu primo Severo Alexandre do palácio, chegando a matar
alguns deles.
Verdade ou não, as ideias acima me fazem refletir sobre como os escritores da época
defenderam que Heliogábalo ultrapassou os limites em relação às tradições de nomeações
de cargos vinculadas ao jogo político entre imperador e elites, especialmente a elite
senatorial romana. Heliogábalo também não respeitou, na visão dos autores, às práticas
que valorizavam o cultivo dos costumes greco-romanos, espaço discursivo necessário
para a ordem imperial, embasados na cultura e na identidade, como defendo.
Relacionando as passagens de Filóstrato sobre os reis indianos com as ideias de
Dião Cássio e Herodiano apresentadas, podemos ver como o biógrafo de Apolônio de
Tiana parece ter tentado mostrar, metaforicamente, como Heliogábalo errava não tendo
ao seu lado homens sábios de cultura helênica como ele próprio e os sofistas, grupo do
qual Filóstrato fazia parte, assim como errava o rei indiano criticado que menosprezava
os sábios brâmanes. Nesta metáfora, portanto, Filóstrato parece concordar com as
informações de Dião e Herodiano e com a visão negativa sobre Heliogábalo por seus
comportamentos que fugiam totalmente dos costumes greco-romanos das elites
imperiais. 102
Como vemos, portanto, o rei modelo ideal para Filóstrato, o indiano Fraotes, é
aquele que se identifica com a cultura grega. Esse mesmo rei, assim como Heliogábalo e
Severo Alexandre, também cultuava uma divindade solar. No entanto, em uma passagem
bem interessante do Livro III da Vida de Apolônio de Tiana o outro rei indiano de nome
não identificado que não conhece nada dos gregos, por sua vez, não apenas cultua uma
divindade solar, mas se identifica como o próprio astro:
Apolônio, servindo de Iarcas como intérprete, disse:
- E o que você ganhou, rei, recusando a filosofia?
- O que eu ganhei? Toda a virtude e a identificação de mim mesmo com
o sol.
Apolônio, então, para freiar seu orgulho e o calar disse:
- Se filosofasse não pensaria assim (FILÓSTRATO, VA, III, 28).
102
Em uma passagem de outra obra da autoria de Filóstrato, a Vidas dos Sofistas (VS, II, 624), o autor
refere-se ao imperador Heliogábalo como tirano.
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não conhecedor da cultura greco-romana uma vez que exaltava exageradamente a sua
cultura da Síria e se identificava como o próprio sol. Além disso, o rei que se identifica
com o sol, faz isso porque não conhece filosofia, segundo Filóstrato.
Dessa forma, leio a passagem escrita por Filóstrato sobre a relação dos dois reis
indianos com a divindade solar como outra metáfora em relação aos imperadores
Heliogábalo e Severo Alexandre. Aquele rei, Fraotes, que cultua a divindade é aceito e
está dentro dos moldes do que as elites greco-romanas imperiais concordavam (o que fez
Severo Alexandre), já o que se vê como o próprio deus, muito mais aos moldes do que os
gregos e romanos consideravam como coisa dos tiranos e despóticos monarcas orientais,
é considerado por Filóstrato um desconhecedor da filosofia, um ignorante (Heliogábalo),
alguém desprovido dos conhecimentos da paideia, da humanitas.
Acredito que o culto solar de Heliogábalo em si nunca foi um problema para
escritores como Filóstrato, o problema estava na identificação do imperador com o “astro
rei”, principio e unidade centralizadora, metáfora do despotismo e da tirania, ideias que
fogem da ordem esperada por membros das elites como os autores aqui tratados, os
detratores de Heliogábalo.
A necessidade de manutenção da ordem por meio de um imperador habituado aos
costumes greco-romanos, ou seja, a necessidade de manutenção de um espaço discursivo
da cultura greco-romana que deveria ser respeitado pelos imperadores, está claro na
passagem abaixo, de Herodiano. Na passagem, vemos Júlia Mamea tentando mudar os
planos educacionais para o sucessor de Heliogábalo, Severo Alexandre, o diferenciando
do primo:
Mas Mamea, lhe retirou daquelas atividades vergonhosas e impróprias
de um imperador; buscou em segredo mestres de todas as disciplinas e
o exercício de práticas de moderação ao mesmo tempo em que o
habituava nas palestras e nos exercícios viris, lhe dando uma educação
grega e romana (HERODIANO, História do Império Romano, V, 7, 5,
grifos meus).
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Percebo que os escritores romanos parecem ligar culturalmente sírios aos assírios, chamando sírios
muitas vezes de assírios, já que a Síria fora parte do território do Império Assírio, território depois
conquistado por povos iranianos e parte pelo Império Romano. Filóstrato faz esta ligação em diversas
passagens de sua obra, chamando sírios de assírios.
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Alois Winterling (2012: 6) nos destaca muito bem que: “Praticamente todos os relatos sobre os
imperadores conhecidos por nós provêm de autores que eram membros da ordem senatorial ou equestre. O
mesmo vale, sem dúvida, para aqueles autores, que desconhecemos, das invectivas, que escreveram com
“ódio recente”. Eles eram, portanto, os membros da sociedade aristocrática que – por exemplo, nas
recepções na corte – estava em contato direto e regular com os imperadores e que foram imediatamente
afetados pelo comportamento imperial em suas oportunidades sociais – através de patronato ou acusação”.
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Em Dião Cássio temos apenas um elogio a Heliogábalo quanto às virtudes do bom imperador, que é
quando o historiador mostra uma atitude de clemência do princeps diante dos que falavam mal de Caracala
(História Romana, LXXX, 3, 2). No entanto, em outras passagens da obra as atitudes de clemência
desapareçam totalmente das práticas de Heliogábalo.
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Sobre a ideia de um consenso entre a aristocracia imperial e o imperador Augusto criando um elemento
central das bases de sustentação político-administrativa da ordem romana, Dião Cássio deixa isso claro ao
comentar que para tornar-se imperador Heliogábalo enviou uma carta para o Senado em Roma onde:
“Afirmou que ele sempre, e em todas as coisas, emularia Augusto e comparou a juventude dele a sua própria
e a de Marco Antonino” (História Romana, LXXX, 1, 3, grifo meu).
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imperador e aristocracia senatorial nos tempos do imperador Augusto, política esta que
via como maus imperadores àqueles que “não tentaram esconder suas posições
excepcionais como imperadores sob uma fachada de República reconstituída”
(WINTERLING, 2012: 20).
Considerações finais
Para concluir este texto, conclusão essa que, entretanto, ainda me renderá reflexões
nos trabalhos vindouros, frutos deste projeto maior em estudar Heliogábalo, é preciso
destacar que, como vimos no começo deste artigo, Dião Cássio era um senador com
grande inserção nos postos mais altos da administração do Império, como o de cônsul e
de governador de província. Herodiano era um funcionário atuante dentro das esferas da
burocracia imperial. E Filóstrato foi, possivelmente, ab epistulis da corte severiana
anterior a Heliogábalo. Portanto, os três escritores estavam dentro das redes de disputas
por cargos, poder e status, estavam envoltos e dependiam de benesses do imperador.
Sendo assim, estes escritores não deixariam um imperador que toma medidas políticas e
administrativas que os contrariam, como Heliogábalo, passar sem críticas.
As críticas a Heliogábalo se revertem em elogios a Severo Alexandre, o oposto do
primo que o adotara como filho e sucessor, modelo de bom governante (optimus princeps)
nos autores estudados. Assim como há o modelo de mau imperador, há, portanto, seu
contra modelo, o que deveria ser seguido.
Por fim, podemos ver que os imperadores citados acima como tendo sido
considerados maus pela tradição textual foram assassinados brutalmente e também
receberam a danação da memória (damnatio memoriae) após sua morte (WINTERLING,
2012: 5), assim como aconteceu com Heliogábalo, morto violentamente em 222, tendo
seus retratos públicos apagados da memória e seus atos invalidados pelo seu sucessor.
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