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Ana Godoy
Gláucia Figueiredo
Nildo Avelino
Organizadores
Coedição
Pedagogia, Sujeito e Resistências:
Verdades do Poder e Poderes
da Verdade
Ana Godoy
Gláucia Figueiredo
Nildo Avelino
Organizadores
Curiiba
2013
Coleção Filosofia e Educação
Diretora Científica:
Gláucia Figueiredo
Consultores Editoriais:
Ana Godoy (Universidade Estadual de Campinas – UNI-
CAMP e CCS – Centro de Cultura Social de São Paulo)
Elisete Tomazei – UFSM
Ester Heuser – UNIOESTE
Leonardo Maia - UFRJ
Nildo Avelino – UFPB
Pedro Pagni – UNESP
Renata Lima Aspis - UFMG
Rodrigo Gelamo – UNESP
Samuel Mendonça – PUCCamp
Silvio Gallo - Unicamp
Simone Gallina – UFSM
Walter Khoan - UERJ
Suplentes:
Alberinho Luiz Gallina (UFSM)
César Leite (UNESP)
Lucio Hammes (UNIPAMPA)
Remi Schorn (UNIOESTE)
Feudalismo Acadêmico
Nildo Avelino1
Introdução
Falar em “Feudalismo Acadêmico” pode provocar,
num primeiro momento, a impressão de um certo anacro-
nismo, na medida em que coloca em discussão uma noção
bastante arcaica. Ainal, sabe-se que o feudalismo foi um ipo
de relação social ou de sistema social que preponderou nas
sociedades, sobretudo européias, entre o século V e o sécu-
lo XIV. Daí ao ouvir-se a palavra feudalismo a primeira coisa
que vem ao espírito é uma realidade remota, longínqua e
obsoleta. Este desconforto advindo da imagem de uma coisa
aniquada evocado pela palavra feudalismo, é ainda nutrido
por uma espécie de sombra sobre ele projetada: é a som-
bra da barbárie, do que é primiivo, da estupidez e da cadu-
cidade. Não se pode esquecer que Augusto Comte (1973),
ao descrever o que ele chamou de marcha da civilização no
seu Curso de Filosoia Posiiva, caracterizou a época em que
exisiu a insituição feudal como um estágio “teológico e ic-
ício”; para Comte, trata-se de uma época cujo pensamento
pertenceu à infância do Homem, em que a Humanidade es-
teve mergulhada nas trevas da Idade Média.
Ao localizar a Idade Média na noite dos tempos,
Comte não fazia outra coisa que reproduzir o grande mito da
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do tempo.
Deste modo, não por acaso o feudalismo, e não a es-
cravidão, estava desinado a uma duração de aproximada-
mente mil anos no Ocidente: a força da sua perenidade foi
reirada da moral. Sua extensa longevidade deve-se ao fato
de que a dominação feudal, ao contrário da dominação es-
cravocrata, foi uma dominação cuja obediência passava pela
convicção e pelo consenimento; obediência na qual o vas-
salo não se coloca como sujeito passivo, tal como o escravo,
mas era uma obediência que o vassalo teve que efetuar so-
bre si mesmo de maneira aiva. Tratava-se, portanto, de uma
obediência terrivelmente voluntária e pessoal, encarnada no
senido mesmo de ser feita carne, feita corpo, feita homem.
Obediência que não poderia emanar de uma ordem exterior,
de um comando externo; obediência que emana de si mes-
mo.
As origens da Universidade
Foi neste mundo de “servidão voluntária” que a uni-
versidade emergiu. E como é sempre recomendável suspei-
tar das coincidências, seria preciso perceber como o princípio
da vassalagem, tomado como regra de conduta e princípio
condutor da vida em geral durante a Idade Média, funcionou
não nas relações entre senhor e vassalo, mas num outro ipo
de relação: nas relações entre aqueles que, na Idade Média,
eram chamados de magister e scholasicus, mestre e alunos.
A pergunta que é preciso colocar é a seguinte: se é verda-
de que a vassalagem tornara-se um princípio diretor das
relações sociais, como seria possível percebe-la no campo
da educação e do saber? Seria possível isolar o elemento da
vassalagem, considerado, bem entendido, como convicção
de idelidade, como ato de reverência, de veneração e de
respeito, para percebe-lo nas relações com o conhecimento?
Para responder a esta questão é necessário exami-
nar isto que alguns historiadores chamaram de Renascen-
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issões.
De outro lado, ocorre ainda uma renovação nos mé-
todos de ensino também decorrente das transformações
urbanas; aqui, a situação foi um pouco semelhante ao que
ocorreu com os soistas na Grécia aniga. Os soistas foram
durante muito tempo considerados as maiores celebridades
do espírito grego (JAEGER, 2001). Hoje o termo soista de-
signa falsário, hipócrita, meniroso, mas na Grécia aniga os
soistas eram os hospedes prediletos das pessoas ricas e po-
derosas e exerceram uma enorme inluência nos rumos da
cidade. Considerados os fundadores da pedagogia, da Pai-
déia grega, os soistas supriam a ausência de uma educação
organizada na medida em que a sofísica, além de outras coi-
sas, foi uma aividade realizada por meio de contratos priva-
dos de ensino estabelecido entre mestre e aluno: os soistas
eram “intelectuais” privados.
Saindo da Grécia aniga, o que ocorre no início deste
século XII da nossa era, é algo semelhante: com a explosão
da rede escolar, o ensino foi centrado na igura do profes-
sor em direção ao qual corriam grandes quanidades de es-
tudantes vindos de toda a Europa para disputar os mestres
mais brilhantes, chegando a segui-los até mesmo quando es-
tes mestres mudavam de cidade. Todavia, o problema é que,
se nem mesmo Platão havia suportado a sofÄstica na Grécia
aniga, imagine-se a Igreja. Com efeito, a muliplicação e a
diversiicação das escolas causavam confusões intoleráveis
para a Igreja: as licenças de funcionamento eram outorgadas
sem o critério necessário; cada qual ensinava ou estudava ao
seu bel prazer misturando, muitas vezes, saberes sagrados
com saberes profanos, por exemplo, misturando direito civil
com direito canônico; e, o que é mais grave, na medida em
que aumentava a celebridade dos mestres privados aumen-
tava na mesma proporção a rivalidade entre as escolas e não
foi raro a ocorrência de conlitos abertos. Desta maneira, foi
preciso acabar com esta anarquia, e para isso surge a Univer-
sidade.
A Universidade surge para acabar com a farra dos
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obediência é exercida.
Se existe, como airmou Foucault (2001:805), “uma
lógica tanto nas insituições quanto na conduta dos indiví-
duos e nas relações políicas (...), uma racionalidade mes-
mo nas formas mais violentas. [E sendo] o mais perigoso na
violência a sua racionalidade.” Então, a forma efeivamente
perigosa da obediência não está na insituição, mas no pla-
no mesmo da lógica por meio da qual ela opera. Trata-se,
portanto, de estudar, além da insituição universitária, uma
outra unidade bem mais soisicada e bem mais impercepí-
vel elaborada pela cultura escolásica. Esta unidade residiu
inteiramente nas questões de método, ou seja, na invaria-
bilidade das regras e das técnicas que o escolásico deveria
obrigatoriamente observar quando ivesse que estabelecer
relações de conhecimento. Estas regras, a Escolásica as re-
irou da obra de Aristóteles initulada Organon, que signi-
ica instrumento e por isso mesmo deine bem o conceito
e a inalidade da lógica aristotélica, que era a de fornecer
os instrumentos mentais necessários para realizar qualquer
ipo de pesquisa. A lógica é a parte da ilosoia aristotélica
que considera a forma que deve ter qualquer ipo de dis-
curso que pretenda demonstrar algo; mostra como procede
o pensamento quando pensa, qual é a estrutura do raciocí-
nio, quais os seus elementos, como é possível fornecer de-
monstrações, que ipos e modos de demonstrações existem,
como e quando são possíveis (REALE, 2002).
Ao deinir desta forma a lógica, Aristóteles estabe-
leceu um princípio de subordinação no pensamento a par-
ir da separação entre discursos demonstraivos e discursos
não-demonstraivos, discursos lógicos e discursos ilógicos.
Deinindo o discurso lógico como sendo unicamente porta-
dor de um enunciado que exprime um julgamento e um juí-
zo, excluiu-se todos os demais discursos como ilógicos: todas
as frases que exprimem pedidos, invocações, exclamações,
foram colocadas fora da lógica, e esta massa de discursos
desituídos de lógica foi classiicada ou como discurso retóri-
co ou como discurso poéico.
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Referências
ALESSIO, F. (2002), “Escolásica”. In: LE GOFF, J.; SCHMITT, J.-C. Dicionário
temáico do Ocidente Medieval, vol. II. Tradução de José C. Estêvão. São
Paulo: EDUSC/IOSP, pp. 367-382.
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lista: Vozes/Edusf.
MURRAY, A. (2002), “Razão”. In: LE GOFF, J.; SCHMITT, J.-C. Dicionário te-
máico do Ocidente Medieval, vol. II. Tradução de José C. Estêvão. São
Paulo: EDUSC/IOSP, pp. 379-394.
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