Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Octavio N. Derisi
1936
I - Exposição
(2) Crítica de la razón pura. Traducion de Garcia Morente. Tomo I, pag. 68.
O exame prévio do valor destes conhecimentos a priori constitui o problema crítico que
Kant se propõe a solucionar. Eles têm valor objetivo? Até que ponto? Este é o objetivo
da "Crítica da Razão Pura", que Kant vai transformar em outro, mediante sua doutrina
dos juízos analíticos e sintéticos.
2 - Os juízos analíticos e sintéticos
Os juízos, disse Kant, podem ser analíticos e sintéticos desde que o predicado esteja
contido no sujeito (analítico) ou fora dele (sintético). Os primeiros podem ser
encontrados apenas pela análise do sujeito, diferente dos segundos, já que os predicados
não são encontrados nas notas constitutivas do sujeito.
Os juízos empíricos são todos sintéticos desde o momento que não basta só a análise do
sujeito e é necessária a experiência para formulá-los. De outro lado, dissemos que,
segundo Kant, todo conhecimento puramente empírico é singular e contingente.
Contudo, é um fato evidente para Kant (tão evidente que ele não crê ser necessário
demonstrar), que existem juízos sintéticos, os quais, apesar de possuir um predicado que
está fora do conteúdo essencial do sujeito, porém, nos são apresentados necessários e
universais. Esta universalidade e necessidade que não pode vir da experiência, segundo
exposto anteriormente, já estará no sujeito pensante e são elementos a priori. Este é o
modo como Kant fundamenta a existência de semelhantes juízos sintéticos a priori.
Duas são, então, as condições necessárias que Kant postula implicitamente para a
ciência: deve ser um conhecimento novo, por um lado, e por outro, um conhecimento
universal e necessário.
Nenhum destes juízos reúne, porém, ao mesmo tempo, as condições das ciências. Por
um lado, somente os juízos sintéticos a priori nos fornecem um conhecimento novo
(sintéticos) e, por outro, universal e necessário (a priori). Kant acredita que pode
encontrá-los na base de todas as ciências e da própria metafísica, sendo que tampouco
os especifica. Assim seriam juízos sintéticos a priori, v. gr.: "todos os corpos são
pesados" (física) (tomo I, p.84 e ss), "7 + 5 = 12" (matemáticas) (tomo I, p. 91). "O
mundo tem que ter um primeiro começo" (tomo I, p.96 e, antes, p. 88), etc.
O problema da razão pura se encontra neste ponto: "Como são possíveis os juízos
sintéticos a priori?" (tomo I, p. 97).
Porém, como as ciências são possíveis somente por estes juízos sintéticos a priori, que
reúnem as condições de novidade e universalidade, a questão proposta pode formular-se
de outro modo: "Como é possível a matemática pura? Como é possível a física pura?"
(p. 99), em outras palavras "Como é possível a ciência?".
Eis aqui, como se restringe ainda mais a finalidade da análise crítica do conhecimento
científico. Kant não vai analisar as condições de possibilidade das ciências para indagar
se valem ou não. "Estas ciências (matemática e física pura) são realmente dadas... Pois
isso tem que ser possível e constatado pela sua realidade" (tomo I, p. 99). Kant é mais
dogmático do que se pode acreditar e ele não duvida nem prova este valor nas ciências;
simplesmente o supõe. Sobre a ciência observa Kant que há unanimidade de pareceres e
cooperação na sua construção; não é assim na metafísica, onde cada filósofo levanta a
construção do seu sistema em oposição a outros, e então, diretamente contra a
metafísica, mas de maneira alguma contra a ciência. Mais ainda, o feito certo do valor
das ciências é o que vai pautar o filósofo de Königsberg para examinar o porquê do
fracasso da inteligência na sua obra metafísica e indagar se é possível uma sólida
construção desta sobre novas bases científicas. Na verdade, para isso ele vai desmontar
as peças da inteligência utilizadas na elaboração do conhecimento científico, para ver se
com elas é possível elaborar uma síntese metafísica. Esta é a finalidade da problemática
da Crítica da razão pura como visto antes (Como é possível a ciência?), para a partir
desta análise resolver esta outra questão: É possível a metafísica como ciência ? Mas
como a primeira pergunta equivale, segundo foi dito, a esta outra: Como são possíveis
juízos sintéticos a priori ? a segunda se traduziria desta forma: É possível uma
metafísica elaborada somente com juízos sintéticos a priori? sintetizando, então, os
passos sucessivos e cada vez mais restritivos da abordagem do problema crítico por
Kant, teríamos as seguintes etapas:
2º já que o "a priori" tem tal valor nas ciências (o que Kant toma como certo), um
conhecimento metafísico com valor objetivo será possível, se é possível uma metafísica
como ciência. É possível uma metafísica como ciência?
3º Mas as ciências tem valor objetivo, graças aos juízos sintéticos a priori que estão em
suas bases, isto é, o a priori é válido nas ciências quando aplicado a uma síntese
empírica.
Para chegar precisamente a conclusão desta questão, Kant tentará destacar e estudar
ordenadamente o funcionamento dos conhecimentos "a priori" na elaboração que, com
eles e com os elementos empíricos, fazem a inteligência dos juízos sintéticos "a priori".
No entanto, Kant não tenta fazer uma filosofia transcendental, que abarcaria, em
detalhes, a análise do valor de todos os conhecimentos a priori para, em seguida, traçar
com eles o esboço de uma ciência; ele somente pretende fazer uma crítica
transcendental desses conhecimentos a priori ou puros, uma crítica transcendental da
razão pura, em que se analisa somente os conceitos puros da nossa inteligência, que
fazem possível a síntese a priori, sem experimentar a construção, com estes elementos
analizados, de uma ciência e filosofia transcendentais.
Todo o esforço desta crítica vai, então, para descobrir os elementos puros a priori das
nossas faculdades cognoscitivas (sentidos e inteligência) que tornam possível essa
síntese a priori, que é a condição do valor objetivo das ciências.
a) Kant, dando por evidente o valor objetivo das ciências, encontra que este valor é
solidário e até equivalente ao valor dos juízos sintéticos a priori, que estão na base de
todas as ciências. b) Por outro lado, a história dos sistemas filosóficos que te mostra,
segundo ele, o fracasso da metafísica, te sugere a dúvida de se ele não obedecerá a falta
de capacidade de nossa inteligência na elaboração de uma disciplina semelhante. Por
conseguinte, nada mais razoável, segundo Kant, que antes de fazer um novo intento de
construção metafísica, analisemos (crítica transcendental) se possuímos o instrumento
subjetivo para isso. Como verificá-lo ? c) Desmontando as peças, os elementos a priori
que intervêm com êxito objetivo nas ciências ou, o que dá no mesmo, nos juízos a
priori que a constituem, e analisando esses elementos a priori pra ver si com eles é
possível constuir uma metafísica ou, o que dá no mesmo, vendo se é possível constuir
uma metafísica como ciência. Se, de fato, fosse possível essa construção, o valor
objetivo da metafísica estaria assegurado, pois é indiscutível para Kant o valor objetivo
das ciências. Porém, caso contrário, embora não pudessemos negar o valor da
metafísica, tampouco poderíamos afirmá-lo pela via da inteligência. d) O método desta
análise, como se viu anteriormente, não se dirige ao conteúdo empírico dos conceitos,
nem para a engrenagem das formas vazias dos conceitos (lógica), sendo que o mesmo
busca destacar e indicar o valor dos conteúdos puros a priori do sujeito, para assim
chegar à solução do problema geral da crítica: se é possível construir com esses
elementos a metafísica como ciência, ou se nossa inteligência pode conhecer a realidade
em si.
Ademais, foram apontados com fundamento várias contradições em Kant, tal como a de
haver pretendido, mediante uma análise da essência do entendimento humano, obter a
conclusão de que não podemos conhecer essência alguma; ou o de ter tentado provar a
existência das coisas ou noumenons que, segundo ele, nos são desconhecidos, em uma
refutação do idealismo "material" embasada sobre o princípio da causalidade que, no
final das contas, está constituído, segundo Kant, por uma categoria pura e subjetiva da
inteligência. Estas e outras lacunas, que no sistema de Kant permanecem abertas aos
olhos da crítica, levam naturalmente à desarticulação e colapso de sua vasta construção
aparentemente trabalhada e perfeita da razão pura.
Porém, não é nossa intenção nem repetir aqui os postulados que Sentroul de forma
precisa aponta na base da obra de Kant, nem mencionar o frequente número de
contradições que podem ser encontradas no sistema da Crítica da razão pura. Nós
apenas vamos apontar: 1) O nocivo fundamento em que se apoia a própria posição do
problema de kant. 2) A deficiência radical do método transcendental para resolvê-lo.
Ambos os erros cometidos no limiar da crítica de Kant, malogram todo esforço analítico
ulterior contido na obra do filósofo de Konigsberg, pois o primeiro deles desloca sua
posição ontológica (como veremos) e deforma, por tanto, o objeto analisado, enquanto
que o segundo arbitraria e contraditoriamente destrói o único instrumento capaz de
solucionar o problema crítico: a inteligência. Com essas duas críticas direcionadas
contra o princípio fundamental em que repousa toda a análise ulterior de Kant, e contra
o método com o qual ele o executa, sem pedantismo, demonstrar, de um lado, que a
obra de Kant não apenas se colapsa por carecer de fundamentos, mas nem sequer possui
instrumento apto para se sustentar; e por outro lado, ganhamos na eficácia da crítica, a
causa de sua simplicidade.
Kant se pergunta sobre a possiblidade desses juízos, cuja existência é garantida, graças a
uma divisão dos juízos, como dito mais acima.
Juízo sintético, por outro lado, é aquele em que o predicado não estando contido o
exigido essencialmente pelo sujeito, sua identidade com ele só pode ser conhecida pela
experiência e a posteriori. Para os juízos de indução (no sentido moderno da palavra)
considerados apenas em si mesmo, são a posteriori; e são capazes de revestir-se de
universalidade e vir a formular-se a priori e é graças a um princípio racional analítico ("
O princípio de causalidade") que comunica essa universalidade e aprioridade que lhes
faltavam. Não são, portanto, estes juízos simples, mas compostos: são a conclusão de
um silogismo em que o princípio universal fundamental é um juízo analítico a priori.
Sempre, porém, que um juízo analítico é a priori, esta aprioridade vem de um juízo
analítico; e sempre que é a posteriori trata-se de um juízo puramente sintético.
Mas vamos avançar um degrau em nossa crítica. Ignoremos a divisão arbitrária dos
juízos da razão pura; há um erro mais grave e fundamental mesmo nesta da obra de
Kant.
Já, desde o começo da crítica, seu autor determina como princípios indiscutíveis os
seguintes: 1º) Nossos conhecimentos começam com a experiência, que nos oferece "a
matéria bruta" sobre a qual o entendimento não se fará sem ordenar, unificar, separar,
etc., para construir o "objeto conhecido". 2º) Sendo nossa experiência de algo
"constituído desta ou de outra maneira, mas não de algo que não possa ser de outra
maneira" (não necessário), de algo individual (não universal), argumenta Kant, estas
duas características, de necessidade e universalidade, não poderão vir dela, mas serão
conhecimentos puros a priori de que está dotada nossa inteligência.
É verdade que todo nosso conhecimento começa com a experiência; mas isso não quer
dizer que a realidade se esgote alí, com o aspecto sensível tomado por nossos sentidos, e
outra faculdade, a inteligência, através dos mesmos dados sensíveis, não chegue a
absorver na mesma realidade, um novo aspecto dela: o inteligível.
Muito antes de Kant, Platão e Aristóteles levantaram e tentaram resolver este problema
fundamental do valor das ideias universais, e por vários séculos esta foi a questão
central da filosofia medieval, que com esforço tenaz e contínuo, e até mesmo à custa de
muitos tropeços, elaborou uma doutrina do realismo moderado, já exposta desde João
de Salisbury (1120-1180) e Pedro Abelardo (1079-1142), mas que com a máxima
precisão foi exposta por Santo Tomás (1225-1274). O valor desta doutrina está,
precisamente, em não ser uma construção a paiori onde se acomoda o conhecimento
que se pretende explicar uma teroria ou mesmo uma variedade de sistemas, sem uma
doutrina elabora com elementos obtidos de uma fina análise do modo de trabalho da
inteligência, além de articulados do ponto de partida do conhecimento.
Este é o ponto de partida do conhecimento e que toda teoria gnosiológica deve explicar
sem distorcer: estamos na posse de conhecimentos universais e necessários da realidade.
Santo Tomás explica da seguinte forma, o processo de como a inteligência chega à
elaboração dessas ideias, aproximando-se fortemente do acontecimento da inteligência.
A solução escolástica é, então, a única admissível, por que, por um lado, explica a
unidade do conceito e sua multiplicidade, assim que é predicado em cada um dos
indivíduos; respeita e explica, por outro lado, o fato inicial do conhecimento: pensamos
no nosso pensamento (como aconteceria na teoria de Kant) sino la realidade.
Kant desconhecia esta solução, sem merecer sequer alguma menção, sendo que esta
representava a conquista definitiva de muitos séculos de esforço. E, porém, ela é
precisamente a que resolve o argumento básico do filósofo de Konigsberg. Vimos acima
que Kant argumenta da seguinte maneira: todo conhecimento vem da experiência, que
por sua vez só nos oferece o singular e contingente. Logo, o universal e necessário,
característico da inteligência, não podendo vir da experiência, devendo proceder como
conceito puro ou a priori da inteligência.
Como escrevemos em artigo publicado na Revista Critério: toda proposição, ainda a que
formule a dúvida sobre o valor da inteligência, só é possível graças ao ser em que foi
apoiado o predicado do sujeito. (4)
Diante destes fundamentos, toda a obra de Kant – meritória, mais ainda, sob muitos
conceitos – entra em colapso. Constitui-se em uma análise prolixa e ainda dirigida a um
objeto inexistente, como é do método a priori kantiano; é uma análise ineficaz e
absurda, pois de antemão coloca em dúvida o valor da inteligência anlítica.
Por um esforço lógico tentamos corrigir o sistema de Kant destes erros fundamentais de
sua introdução, 1) devolvendo à realidade o objeto que Kant injustamente lhe roubou e
pôs fora do lugar, no sujeito como forma a priori, 2) Não começando a crítica com uma
intenção absurda e impossível, que é duvidar do da inteligência para chegar ao
conhecimento da realidade; veríamos, então, toda ou quase toda a soberda construção
lógica de Kant mover-se do plano do sujeito ào do objeto, da ordem transcendental à
ordem ontológica; veríamos como as três "ideias" kantianas, o "eu", o "mundo" e
"Deus", deixam de ser coroamento do jogo livre das categorias sem conteúdo empírico,
para constituírem-se na base substancial do mundo ontológico e o fim supremo que, na
ordem lógica, chega o entendimento humano.
DERISI, Octavio N.. Filosofia moderna y filosofia tomista. Buenos Aires: Ed. Sol y
Luna, 1941. Pp. 143-164.