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Fisioterapia respiratória na doença de parkinson

idiopática: relato de caso


Respiratory physiotherapy in idiopathic parkinson’s
disease: case report
Luiz Antonio Alves1, Ana Cláudia Coelho2, Antonio Fernando Brunetto3

1
Fisioterapeuta pela UEL; RESUMO: Disfunções respiratórias ocorrem na maioria dos pacientes com
Residente em Doença de Parkinson Idiopática em estágios avançados, levando a elevados
Fisioterapia Pulmonar na
Universidade Estadual índices de morbimortalidade. O objetivo deste estudo foi relatar a evolução
de Londrina (UEL) do caso de um paciente parkinsoniano no estágio IV da Escala de Hoehn e
2
Fisioterapeuta pela Yahr em que a intervenção fisioterapêutica foi especificamente direcionada
UDESC; Residente em às disfunções respiratórias. O paciente realizou fisioterapia respiratória
Fisioterapia Pulmonar na durante cinco meses. Foram realizadas provas de função pulmonar
UEL (espirometria e manovacuometria) antes e após o período de tratamento.
3
Fisioterapeuta pela Houve melhora da função respiratória com aumento nos valores de
PUCCAMP; Prof. Dr. (em capacidade vital forçada, volume expiratório forçado no 1o segundo, pico
Fisiologia) do Curso de
Graduação em
de fluxo expiratório, pressão inspiratória e expiratória máximas e ventilação
Fisioterapia da UEL e da voluntária máxima. Pode-se concluir que o paciente apresentou melhora
Universidade Norte do importante dos sintomas respiratórios e da prova de função pulmonar após
Paraná (UNOPAR) tratamento fisioterapêutico direcionado às disfunções respiratórias.
DESCRITORES: Exercícios respiratórios; Doença de Parkinson/patologia; Testes
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA de função respiratória; Doenças respiratórias/reabilitação
Luiz Antonio Alves
Depto. Fisioterapia/UEL
Hospital Univers. Reg. ABSTRACT: Respiratory dysfunctions occur in great part of patients with
Norte do Paraná Idiopathic Parkinson’s Disease (IPD) in advanced stages, leading to a high
Av. Robert Kock 60 incidence of morbidity and mortality. The main goal in this study was to
86038-440 Londrina PR
e-mail: present the evolution of a patient with IPD in the IV stage of Hoehn and
baxoalt@yahoo.com.br Yahr scale, in which physical therapy was specifically directed to respiratory
disfunctions. The patient has undergone respiratory physiotherapy during
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO five months. He was submitted to pulmonary function tests (spirometry and
jun. 2005 maximal respiratory pressures assessment) before and after the treatment
period. There was improvement of the respiratory function with better values
of forced vital capacity, forced expiratory volume in 1 second, expiratory
flow peak, maximal inspiratory and expiratory pressures and maximal
voluntary ventilation. The patient showed great improvement in respiratory
symptoms and function tests after physiotherapy directed to respiratory
dysfunctions.
KEY WORDS: Breathing exercises; Parkinson disease/pathology; Respiratory
function tests; Respiratory tract diseases/rehabilitation

46 PESQUISA 2005;
FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(3):
12(3) 46-9
Alves et al. Fisioterapia respiratória na Doença de Parkinson

INTRODUÇÃO com antecedentes familiares


de doença de Parkinson idio-
Disfunções respiratórias ocor- pática (primo de 3º grau e tio).
rem na maioria dos pacientes com Apresentou diagnóstico de do-
Doença de Parkinson Idiopática ença de Parkinson idiopática
(DPI) em estágios avançados e há 17 anos, fazendo tratamen-
são responsáveis por substancial to regular com levodopa e anti-
mortalidade e morbidade1,2. Obs- colinérgicos; submetido a
trução de vias aéreas superiores, talamotomia há seis anos.
diminuição da complacência da
Referia dispnéia aos médi-
caixa torácica e discinesias mus-
os esforços, dificuldade na
culares produzidas pela terapia Figura 1 Respiração diafragmática ou
mobilização de tronco duran- respiração costal em decúbito
com levodopa3 podem produzir
te mudanças de postura e pou- dorsal
dispnéia, hipoventilação, ate-
ca mobilidade do gradil costal,
lectasias e retenção de secreções
principalmente na expiração.
pulmonares, anormalidades as-
Apresentava fenômeno on-off,
sociadas, principalmente, a uma
freezing quando em off e
maior predisposição às infecções
apnéia obstrutiva do sono. Ao
respiratórias1,2.
exame físico apresentava mar-
Em geral, o tratamento fisiote- cha festinada e face inexpres-
rapêutico da DPI visa a manu- siva, tórax normolíneo e abdô-
tenção das habilidades motoras men globoso, eupnéia com
prejudicadas pela doença e res- padrão ventilatório de predo-
ponsáveis por uma maior indepen- mínio diafragmático e pouca
dência nas atividades de vida di- expansibilidade torácica. Mos-
Figura 2 Alongamentos da região cervical e
ária4,5, sem preocupação específi- trava, ainda, postura cifótica, dos músculos acessórios da inspiração
ca com as disfunções respira- com protusão de ombros e de
tórias. Köseoglu et al.6 aplicaram cabeça, e ausculta pulmonar
exercícios diafragmáticos, de ins- com murmúrio vesicular di-
piração profunda e hiperpnéia vo- minuído difusamente. Classifi-
luntária, tendo mostrado efetivi- cado no estágio IV da Escala de
dade em casos não-avançados e Hoehn e Yahr6 quando em on.
sem sintomatologia respiratória.
O paciente foi tratado du-
Morris 4 propõe manter a per-
rante cinco meses, totalizan-
meabilidade das vias aéreas e a
do 40 sessões. Cada sessão
capacidade vital como alguns dos
perfazia 50 minutos de du-
objetivos do tratamento do
ração, iniciando-se cerca de
paciente em estágio avançado.
1,5 h após administração ves-
A fisioterapia respiratória é pertina dos medicamentos; Figura 3 Alongamento de intercostais
conhecida por sua efetividade na este, segundo o paciente, era externos mediante pressão manual
torácica durante a expiração
melhora dos sintomas e preven- o período em que se apre-
ção de complicações respira- sentava em sua melhor condição
4 Alongamento de intercostais
tórias. Este trabalho teve como motora (em on). Cada sessão era
externos: relaxamento de
objetivo relatar o caso de um pa- composta das seguintes atividades:
musculatura hipertônica e
ciente portador de Doença de
1 Respiração diafragmática: maior expansão torácica (Fi-
Parkinson Idiopática em estágio
com o objetivo de diminuir a gura 3).
avançado em que a intervenção
dispnéia e aumentar a efi-
fisioterapêutica foi especifica- 5 Exercícios de inspiração pro-
ciência dos músculos respi-
mente direcionada às disfunções 7 funda e espirometria de in-
ratórios (Figura 1).
respiratórias. centivo 8 : maior expansão
2 Respiração costal: ação pro- torácica.
prioceptiva para melhora do
CASUÍSTICA E padrão respiratório e maior
A prova de função pulmonar 9
e a medida da força muscular
expansão torácica8 (Figura 2).
MÉTODOS respiratória (Pressão Inspiratória
3 Mobilizações e alongamen- Máxima, PImax, e Pressão Expi-
Homem de 47 anos, branco, ca- tos em tronco e região cer- ratória Máxima, PEmax)10,11 fo-
sado, funcionário público aposen- vical: relaxamento de mus- ram realizadas antes e imedia-
tado, ex-tabagista (34 anos, 1 maço/ culatura hipertônica5 e maior tamente após o período de tra-
dia), hipertenso (160/120 mmHg), expansão torácica (Figura 2). tamento.
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RESULTADOS DISCUSSÃO final do tratamento. Deve-se
salientar que o PFE é a principal
Os resultados da prova de fun- O paciente apresentou melho- variável espirométrica relaciona-
ção pulmonar e da avaliação da ra importante dos sintomas da com a progressão da severida-
PImax e da PEmax são descritos respiratórios e da prova de função de da DPI15. Assim, sua melhora
no Gráfico 1. Nota-se que o pulmonar após tratamento fisiote- com o tratamento, passando de
paciente manteve seu Índice de 70% para 84% do previsto, indi-
rapêutico direcionado às disfun-
Tiffeneau (VEF1/CVF), não evi- ca uma evolução mais lenta das
ções respiratórias. Os aumentos
denciando quadro obstrutivo, mas disfunções respiratórias e, con-
dos valores de CVF, VEF1 e PFE
melhorou de maneira expressiva a seqüente, melhor prognóstico.
de, em média, 19% evidenciam
Capacidade Vital Forçada (CVF, Após pesquisa bibliográfica, foi
a melhora da expansão torácica
aumentando de 3,41 l para 4,03 l), encontrado apenas um estudo que
com conseqüente aumento dos
o Volume Expiratório Forçado no aplicou exercícios respiratórios
volumes e fluxos pulmonares. As
1º segundo (VEF1, passando de 2,73 l em pacientes com Doença de
para 3,26 l), o Pico de Fluxo Ex- pressões respiratórias máximas
Parkinson. Köseoglu et al.6 utiliza-
piratório (PEF, passando de 5,23 l/s (PImax e PEmax) e a VVM encon-
ram exercícios respiratórios
para 6,30 l/s) e, conseqüentemen- travam-se moderadamente di- diafragmáticos, de inspiração pro-
te, a Ventilação Voluntária Máxi- minuídas na avaliação inicial funda, hiperpnéia voluntária e
ma (VVM, aumentando de 92 l/ (53%, 57% e 67% do previsto, res- fortalecimento de membros su-
min para 108 l/min). A força dos pectivamente) e tiveram um aumen- periores e encontraram melhora
músculos inspiratórios e expira- to importante na avaliação final semelhante na espirometria, índi-
tórios também aumentou expres- (77%, 39% e 17% de aumento, res- ce de dispnéia e capacidade de
exercício. No entanto, deve-se
136
salientar que seus pacientes se
Previsto encontravam nos estágios I e II da
127
Início escala de Hoehn e Yahr1, portanto
Fim 117 provavelmente ainda sem sinto-
108 110
matologia respiratória. Além dis-
100 so, os autores não se preocuparam
81 92
4,0 4,0 em fundamentar suas condutas,
80
3,4 partindo simplesmente do pressu-
76 3,3 7,5 6,3 posto do benefício.
3,1 72
2,7 5,2 62 A terapêutica aqui aplicada
baseia-se nos seguintes achados:
Stenne16 mostrou, por meio de análi-
se eletromiográfica, que o diafragma
do paciente parkinsoniano possui
ativação normal, enquanto outros
músculos inspiratórios (intercostais
externos e escalenos) estão con-
tinuamente ativados, mesmo na
expiração17. Esse fato, aliado à
VEF1 / CVF CVF (l) VEF1(l) PFE (l/s) VVM (l/min) PImax PEmax
(%) (cmH2O) (cmH2O)
constatação da maior ativação tô-
nica (e, conseqüentemente, mai-
Gráfico 1 Prova de Função Pulmonar e força muscular respiratória: valores or participação na manutenção da
previstos, no início e após o tratamento (Valores espirométricos previstos postura) dos músculos intercostais
segundo Knudson et al.12; Valores de PImax e PEmax previstos segundo
externos17 explicam a rigidez de
Neder et al.13)
caixa torácica característica do
parkinsoniano, juntamente com
sivamente na avaliação final pectivamente) provavelmente em um padrão respiratório predomi-
(PImax inicial de -62 cmH2O e fi- função da maior capacidade vital nantemente diafragmático. Assim,
nal de -110 cmH2O; PEmax inici- e coordenação muscular ao reali- os movimentos torácicos inspira-
al de 72 cmH2O e final de 100 zar as manobras da avaliação14. tórios e, principalmente, expira-
cmH2O). tórios são realizados de maneira
Pode-se dizer que esses novos ineficiente18, o que explica os dis-
Com o término do período de valores encontrados traduzem túrbios respiratórios restritivos
tratamento, o paciente referia au- maior capacidade de ventilação, comumente encontrados19. Valores
sência de dispnéia aos esforços e principalmente durante médios e anormais para a VVM e para as
de apnéias noturnas, além de grandes esforços, explicando o pressões respiratórias máximas
melhora da expansibilidade do fato de ausência de dispnéia aos podem ser explicados pela difi-
gradil costal e da postura. esforços referida pelo paciente no culdade de coordenação mus-

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Alves et al. Fisioterapia respiratória na Doença de Parkinson

cular para a realização de movi- de indutância. No entanto, a me- respiratória no tratamento da DPI
mentos rápidos e repetitivos, pre- lhora da função pulmonar e da em estágios avançados deve ser
sente nos parkinsonianos14. força dos músculos respiratórios in- realizado. Fica clara, porém, a
A ausência de avaliação obje- dica uma maior eficiência do siste- necessidade da indicação dessa
tiva dos sintomas respiratórios é ma respiratório, tanto durante abordagem terapêutica ao lado
uma limitação deste estudo. A situações de esforço quanto duran- das terapias motoras convencio-
dispnéia ao esforço poderia ter si- te o repouso. nais como forma de amenizar a
do avaliada por um teste cardio-
sintomatologia respiratória e, tal-
pulmonar, o distúrbio obstrutivo do CONCLUSÃO vez, prolongar a independência
sono por uma polissonografia e a
restrição da expansibilidade torá- Um maior aprofundamento so- e a sobrevida dos pacientes com
cica por meio da pletismografia bre a eficiência da fisioterapia Doença de Parkinson Idiopática.

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