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Ellen Fedrigo1
Neusa Maria Marques de Souza2
Resumo
Este trabalho se fundamenta nas questões: quais seriam os subsídios necessários aos professores da
Educação de Jovens e Adultos para desenvolver em seus alunos habilidades e conhecimentos que os
permitam construir os saberes matemáticos a partir de suas práticas sociais? Quais as expectativas
desses acerca da formação continuada de professores de Matemática que atuam nesta modalidade de
ensino? Diante disso propomos investigar distanciamentos e aproximações entre os conhecimentos
adquiridos e os requeridos para organização de situações didáticas por um grupo de professores de
Matemática que atuam na EJA, acerca do campo dos números racionais. Serão propostos, portanto,
sua participação em ateliês de trabalho no Laboratório de Educação Matemática (LEMA) para
encontros de estudos, com o intuito de identificar e discutir de forma problematizadora os conceitos
matemáticos externados pelos professores. A partir das reflexões estabelecidas nos encontros,
pretende-se captar suas opiniões sobre estratégias e metodologias de produção e divulgação dos
conhecimentos utilizados e apontar propostas de formação continuada que coadunem com as
necessidades e expectativas dos professores que ensinam Matemática nessa modalidade de ensino.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) já foi denominada por Madureza, Suplência, Mobral,
Supletivo, Alfabetização, entre outras. Antigamente, voluntários e alguns docentes que
ensinavam nesta modalidade, em geral não possuíam um método específico para este público,
ou seja, ensinavam com os mesmos procedimentos utilizados para educar as crianças e os
adolescentes. Somente em 2000 a modalidade da EJA foi regulamentada, passando a fazer
parte da Educação Básica, por meio do Parecer n° 11/2000 da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação, evidenciando as características do alunado que a compõe.
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação Matemática/UFMS, bolsista da CAPES.
2
Professora Doutora do Programa de Pós Graduação em Educação Matemática/UFMS.
Neste período, coube ao Governo Federal e a sociedade civil se unirem com o objetivo
de alfabetizar todos os brasileiros que não sabiam ler e escrever, para dar cumprimento ao
artigo 60 das Disposições Gerais e Transitórias da Constituição de 1988, na tentativa de
acabar com o problema do analfabetismo no prazo de 10 anos. Nesta época a Fundação
Educar era a responsável pela erradicação do analfabetismo e juntamente com o MEC formou
a Comissão Nacional para o Ano Internacional da Alfabetização (CNAIA) definido pela
UNESCO, formada por especialistas em EJA e realizado em 1990.
Em todo o Brasil foram realizadas palestras, debates, encontros e congressos que
envolveram governo e entidades não governamentais para discutir e apresentar possíveis
soluções para a erradicação do analfabetismo, porém esta comissão foi extinta com o governo
que tomou posse em 1990. Novamente as políticas da EJA são deixadas de lado a cargo de
órgãos privados e de seus parceiros que uniam os objetivos da EJA com as prioridades do
mercado de trabalho.
Em 1990 o Governo Federal cria o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania
(PNAC) com a intenção de diminuir em 70% a taxa de analfabetos, isso em apenas cinco
anos. Um programa com meta de erradicar esse contingente de analfabetos, por meio de ações
no âmbito municipal, estadual e federal com a participação de toda a sociedade. Cabe destacar
o importante papel desenvolvido pela United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization (UNESCO) que realiza de 12 em 12 anos a Conferência Internacional sobre
Educação de Adultos (CONFINTEA).
Segundo Haddad (2000) em seu artigo publicado na Revista Brasileira de Educação n°
14,
O Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania propunha, promovia e
mobilizava ações alfabetizadoras, movimentando comissões municipais,
estaduais, nacionais e a sociedade civil em geral, substituindo a Fundação
Educar com a transferência de recursos federais para as instituições
impulsionarem a alfabetização e a escolaridade de jovens e adultos, que
também foi abandonado. (p. 121-122)
Assim, a história das propostas da educação de adultos está ligada ao sistema social,
político e econômico, é por meio desta trajetória histórica que surge o conceito de EJA.
Ao reconstruirmos parte da história da EJA é importante associar as mudanças sociais
do país com as ações políticas de profissionalização e valorização dos professores para
ampliar os conhecimentos sobre a EJA. A importância desta historicização repousa na
compreensão do processo histórico pelo qual a EJA passa no contexto brasileiro para que
análises da situação atual não fiquem vazias de significado. A partir do movimento exposto é
possível inferir que é preciso refletir sobre as necessidades das salas de EJA dentro do
processo social de formação de cidadãos em uma escola para todos, pelo fato das turmas de
EJA serem formadas por cidadãos de diversas culturas, e por cada grupo ter a sua simbologia
que faz parte de suas representações que são diferentes das criadas pelas crianças, a EJA é um
campo de dúvidas e mudanças.
O que vemos, atualmente, é a falta de consciência e o descaso diante da realidade na
maioria dos cursos de Educação de Jovens e Adultos ministrados no país, fato que tem sido
pouco explorado na discussão da literatura produzida neste sentido. As causas do menosprezo
sobre esta modalidade de educação são históricas e as tentativas de reversão da condição de
submissão a adaptações de métodos infantis para a EJA é a tentativa de grupos de estudiosos
cuja representação emblemática no Brasil nos reporta à obra de Paulo Freire.
Ao descrever a trajetória de trabalho político-pedagógico de Paulo Freire, Moura
(1999) mostra que o início de suas preocupações se dá com as formas de exclusão social das
classes populares e com o analfabetismo de adultos surgidos na década de 60. Por meio de sua
vivência como educador, de suas inquietações, preocupações e a situação do país3, Freire
encontrou condições que facilitavam a alfabetização dessa população excluída, ajudando-os a
tomarem consciência de sua realidade e buscarem maneiras de transformar esta realidade.
Nos dias de hoje, conhecedores das ideias de Freire, cabe a nós, enquanto
pesquisadores em Educação Matemática transpô-las à realidade atual sem, entretanto, perder
os fundamentos que geraram a base da compreensão teórica do autor. Esta realidade é posta
por Moura (1999) quando afirma que:
Freire entendia que a educação problematizadora e libertadora só poderia se
estabelecer a partir do desvelamento e desmonte da concepção e da prática
“bancária” de educação. Um tipo de educação oferecida por uma escola
narradora e dissertadora, baseada em relações onde o professor é o narrador
– sujeito – e o aluno um paciente ouvinte. (p. 55)
Mas esta preocupação, como tantas outras, passa a ser de utilização esporádica e
opcional dos professores que ministram cursos na modalidade em questão, visto que poucas
são as instituições que construíram oficialmente programas dedicados ao trabalho
significativo com os novos professores. Anterior à década de 40, não existiam licenciados em
Matemática, sendo assim quem ministrava as aulas destes cursos eram engenheiros, bacharéis
em Física e Matemática, percebia-se uma supervalorização do conteúdo em vez dos métodos
de ensino.
3
Regime político populista, marcado por um governo que ao mesmo tempo em que manipulava, abria espaço
para movimentos democráticos.
É preciso refletir sobre as necessidades das salas de EJA dentro do processo social de
formação de cidadãos em uma escola acessível por todos, pelo fato das turmas serem
formadas por alunos de diversas culturas e, por cada grupo ter a sua simbologia que faz parte
de suas representações, diferentes das criadas pelas crianças. A EJA é um campo de dúvidas e
mudanças, por isso é importante associar as mudanças sociais do país com as ações políticas
de profissionalização e valorização dos professores para ampliar os conhecimentos sobre a
EJA.
Mesmo considerando que a trajetória de formação para este ensino inclui demanda
permanente percebemos a necessidade de empenho dos envolvidos no processo de
capacitação de profissionais atuantes na EJA como algo além da obtenção de justificativas aos
questionamentos relacionados com a aprendizagem de jovens e adultos. Falamos da
aprendizagem que garanta o retorno destes alunos ao exercício da cidadania, sem deixar de
lado os seus conhecimentos e vivências prévios sobre a Matemática, ligados às atividades
exercidas dentro e fora da escola.
No sentido de contribuir com a discussão acerca das especificidades próprias da
capacitação para professores da EJA, é que pesquisamos e investigamos as dificuldades e
necessidades dos professores atuantes nesta modalidade, onde temos os momentos de estudos
e debates realizados em sessões de ateliês fundamentados na didática da resolução de
problemas, com a finalidade de discutir problemas envolvendo o campo dos números
racionais.
Nos estudos da literatura e em nossa experiência na EJA, percebemos que os jovens e adultos
procuram essa modalidade de ensino por vários motivos que vão além da expectativa da mera
melhoria de sua situação de busca e inserção no mercado de trabalho. Alguns demonstram
que pretendem entender melhor o mundo em que vivem, outros não querem mais depender de
pessoas próximas para ler as informações contidas em seu meio social e há aqueles que
procuram a EJA por sentir a necessidade de ajudarem seus filhos com as tarefas escolares e
serem para eles um bom exemplo.
Segundo o indicado no Parecer n° 15/98 do Conselho Nacional de Educação
(CNE/MEC, 1998), sobre os PCN do Ensino Médio, que também pode ser estendido ao
Ensino Fundamental:
[...] são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida
escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram trabalhar, trabalhadores que
precisam estudar, a clientela do ensino médio tende a tornar-se mais
heterogênea, tanto etária quanto socioeconomicamente, pela incorporação
crescente de jovens e jovens adultos originários de grupos sociais até o
presente sub-representados nessa etapa da escolaridade.
A pessoa adulta que pouco frequentou a escola sempre está em contato com os
conteúdos matemáticos, por viver em sociedade e necessitar efetuar atividades comerciais
utilizando a moeda nacional. Além de outros contatos com números tais como: o uso das
horas, do calendário, dos meios de locomoção, no uso de medidas de massa e comprimento, e
em outras áreas.
É importante reconhecer nos jovens e adultos pouco escolarizados, a visão de mundo a
influência de seu convívio cultural, familiar e social, e seus conhecimentos matemáticos
adquiridos ao longo da vida. Em geral estes conhecimentos tomam forma no emprego de
resoluções diferentes dos praticados nas escolas, onde os cálculos envolvidos para resolver os
problemas do dia a dia, tais como movimentações financeiras e compra/venda de produtos,
são feitos mentalmente de maneira rápida e correta. Geralmente não existe um registro escrito
destas operações mentais e a maioria dos alunos sente dificuldade até para relatar oralmente
os passos feitos na resolução de seus problemas. Assim o retorno à escola pode facilitar a
aquisição do registro escrito e oral, além de novos conhecimentos matemáticos que podem ser
agregados ao seu cotidiano.
Na fala da Fonseca (2005) fica evidente a preocupação com as delicadas questões que
envolvem a Educação Matemática de jovens e adultos, e o esforço para identificar e discutir
as concepções de Matemática que trabalhamos a necessidade de fazer com que os educadores
pensem novamente no conteúdo, nas estratégias e nas metodologias de produção e divulgação
do conhecimento matemático de modo adequado às aspirações e necessidades dessa clientela.
Sendo assim, uma proposta de currículo para a EJA deve, portanto, considerar a
demanda educativa, facilitar o acesso a outras modalidades de ensino ou cursos
profissionalizantes, valorizar e respeitar a diversidade cultural dos educandos, fortalecer a sua
autoconfiança, a autoestima, a autonomia e a responsabilidade perante a sociedade. Estar a par
do conhecimento dos alunos é entrar na sua cultura local para entender, nomear, sistematizar
o saber e ampliar a gama de recursos comunicativos dos jovens e adultos. Por meio da EJA há
possibilidade de produzir reflexões gerais sobre as habilidades e competências dos conteúdos
trabalhados no processo de aprendizagem, garantindo a abertura de novos caminhos na
desafiadora arte de formar jovens e adultos.
Formação dos Professores de Matemática da EJA
Mas esta preocupação, como tantas outras, passa a ser de utilização esporádica e
opcional dos professores que ministram cursos na modalidade em questão, visto que, poucas
são as instituições que construíram oficialmente programas dedicados ao trabalho
significativo com esse alunado.
A trajetória de formação para este ensino inclui permanente processo de capacitação
profissional e, mesmo assim, ao se concluir vários cursos de curta e longa duração,
percebemos a necessidade de algo além para obter respostas aos questionamentos
relacionados com a aprendizagem na EJA. Falamos da aprendizagem que garanta o retorno
destes alunos jovens e adultos ao exercício da cidadania, sem deixar de lado os seus
conhecimentos e vivências prévias sobre a Matemática, ligadas às atividades exercidas fora da
escola.
Destes questionamentos surge a preocupação: como podemos contribuir, a partir de
nossa experiência, para formação continuada dos professores envolvidos com a educação
destes jovens e adultos? Quais seriam os conhecimentos necessários aos professores para
desenvolver nos seus alunos habilidades e conhecimentos que os permitam construir os
saberes matemáticos a partir de suas práticas?
Para referenciar as nossas questões de pesquisa buscaremos defini-las dentro do
contexto da Educação Matemática, suas implicações e o caminhar epistemológico até os dias
de hoje, procurando conhecer o que é pesquisar neste campo e detalhar nosso objeto de
pesquisa cujo foco compreende a formação continuada de professores de Matemática que
atuam em salas da Educação de Jovens e Adultos.
Pensar a Matemática como uma área do conhecimento inserida em um contexto
cercado de valores, implica traduzir a realidade por meio das relações numéricas, na busca de
uma aprendizagem imbuída de significado. Para isso, torna-se necessário propiciar espaços
em busca de analisar e comparar situações didáticas vividas na formação dos professores, de
diferentes estratégias e opções metodológicas que apresentem soluções aos problemas do
cotidiano escolar.
Fazendo uma reflexão sobre a Matemática como uma área do conhecimento que vem
de um mundo cercado de valores, e ainda, traduzir a realidade através das relações numéricas
proporcionando uma aprendizagem interessante e com significado, é necessário, portanto,
analisar e comparar situações didáticas na formação destes professores, na busca por
estratégias adequadas a solucionar problemas do cotidiano e por em discussão as
metodologias apropriadas.
Considerações Finais
As ações pedagógicas da EJA precisam ser estruturadas em acordo com os planos de uma
educação respeitadora direcionada no desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da
criticidade e melhorias na qualidade de vida de cada um dos envolvidos neste processo
educacional.
É importante refletir também na formação de professores de Matemática de tal modo
que as características específicas da EJA sejam colocadas para se respeitar a sua diversidade,
seus conceitos e seus valores postos em vigor durante o processo de ensino e aprendizagem,
por meio do diálogo entre professor e alunos. É preciso investigar a maneira que se constrói o
conhecimento dos alunos da EJA, como eles tomam para si os conteúdos da escola e como
associam com a vida fora da sala de aula.
É, portanto, à luz dessa compreensão que estamos analisando as condições e as
racionalidades presentes nos ateliês de formação continuada de professores da EJA, bem
como levantando, a partir de encontros programados com esses sujeitos, suas concepções
sobre a contribuição do curso para suas práticas pedagógicas, seus anseios e necessidades
enquanto sujeitos que ensinam na EJA.
Referências:
CURY, Carlos Roberto Jamil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). 10a
Edição. Rio de Janeiro – RJ: DP&A, 1996.
FONSECA, Maria da Conceição F. Reis. Educação Matemática de Jovens e Adultos:
Especificidades, Desafios e Contribuições. 2a edição. Belo Horizonte – MG: Autêntica, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a edição. Rio de Janeiro – RJ: Paz e Terra, 1987.