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É meia noite e a Lua vai alta no céu.

Ela esta cheia, linda e as estrelas parecem


servir de pequenos enfeites a ela. Uma fogueira esta acesa numa clareira e há algumas
pessoas nela, um pequeno grupo de quatro pessoas. São uma família de ciganos, pai,
mãe e um casal de filhos jovens. Eles parecem se preparar para algo, pois estão bem
vestidos e o pai traz consigo o violão.
Dois forasteiros chegam à clareira, de lados opostos dela. Aproximam-se da
fogueira, ficando a 3 metros dela. Ambos olham para a família que ali esta e os
cumprimentam com um olhar e um gesto com a cabeça. Ambos estão usando roupas
batidas e um tipo de capa de viagem que lhes cobre o rosto. Eles se sentam e então o pai
começa a tocar o violão. É uma melodia espanhola bastante antiga. A mãe e a filha
começam a dançar ao ritmo. Seus movimentos são hipnóticos e por um instante ambos
os visitantes ficam absorvidos naquela arte.
Ao que um deles finalmente rompe o silêncio:
-Então garoto, vai, me diga o que você tem para me contar? Espero que sejam
boas histórias...
O outro tira o capuz da capa de viagem. Um rosto nitidamente espanhol se
mostra. Cabelos longos, encaracolados e desgrenhados se mostram. Ele olha
profundamente para o outro e então sorri ligeiramente dizendo:
-É claro que tenho meu senhor Sué Sbrana , "Irmão dos gatos".Afinal, são mais
de sessentas anos, não concorda?
-Sessenta?Se eu ainda sei fazer minhas contas, faz aproximadamente quarenta
anos que eu te abracei...
-Sim, claro, mas você realmente achava que eu ia começar isso pela metade?
Claro que não, afinal, até onde sei, o senhor nada sabia de mim quando me abraçou, ou
se sabia, lhe digo, não sabia de tudo e hoje irá saber...assim como espero saber mais do
senhor.
-Sim, entendo, só espero que seja uma boa história...
-Acredite...será...

“Bem, eu nasci numa família de espanhóis. Meu avô havia vindo para o Brasil
com a família fugindo da guerra civil espanhola. Ele deveria ter se alistado no exercito,
mas conseguiu escapar antes. Veio para cá já com a família formada e se instalou no
Além Ponte, o lugar de maior concentração de espanhóis da região.Ele abriu um
pequeno negócio e disso passou a viver.Não que fosse fácil, mas, acredite, com certeza
era melhor do que estar numa guerra.
Meu pai já era nascido, era o mais velho dos quatro filhos. Foi ele quem decidiu
tomar conta do negócio e puxar a família pra frente. Ele se casou e eu nasci nos idos dos
anos 40.
Sabe, eu não era exatamente um garoto normal. Eu não curtia brincar na rua nem
nada do que uma criança devia gostar. Eu gostava era de passar o tempo com o meu
avô. Ele contava histórias da Espanha e dos nossos antepassados, ciganos. Isso tudo foi
coisa que ele ouviu do avô dele. Meu pai não gostava muito desse meu interesse, mas
como eu era pequeno e o velho precisava de algo pra se distrair, ele deixava.
Eu fui crescendo e meu pai queria que eu fizesse o mesmo que ele e tomasse os
negócios da família, mas, sinceramente, olhe pra minha cara. Acha mesmo que eu ia ser
um comerciante?Não, não mesmo.
Da convivência com o meu avô eu aprendi não só a respeitar os costumes
ciganos e o valor de uma boa história contada a luz e calor de uma fogueira como
também o espanhol. Decidi que eu ia estudar minhas origens e história, afinal, era o que
eu gostava. Meu pai teria me impedido, mas a pressão do meu avô foi maior e também
um dos meus primos conseguiu me substituir nos negócios.
Bem, eu já não gostava de companhias normais, então não foi muito difícil me
isolar pra me dedicar ao que eu realmente gostava. Me enfiei de cabeça naquilo. Eu
queria poder fazer uma faculdade, pra poder estudar mais ainda. E, sabe ficar estudando
tanto sobre aquelas histórias fascinantes foi me fazendo ter um desejo de terás minhas
próprias histórias fascinantes também. E isso finalmente aconteceu quando entrei na
USP. Eu era um rapaz do interior numa faculdade incrível, numa cidade enorme e sem
conhecer ninguém. Não que isso me afetasse de verdade, mas era estranho, no começo,
não ter ninguém que eu gostasse por perto.
Bem, eu sei que eu comecei a cursar história e me foquei em folclore cigano e
aproveitei a vasta biblioteca de lá pra aprender espanhol de vez, aprimorar, sabe?
Engraçado, mas falando assim pareço um babaca que só estuda. E de fato, nessa
época eu só estudava, mas na minha imaginação, ah, na minha imaginação eu viajava
para os locais mais distantes e exóticos. E eu adorava. Mas isso não era nada comparado
a ser o centro da história, a vivê-la e era isso que viria a acontecer.
Um grupo do curso de geografia ia viajar e eu recebi o convite de ir junto de
uma garota que estava interessada em mim na época. Eu aceitei, afinal, não era
exatamente um sucesso com as mulheres, então aquela era uma oportunidade
interessante.
Bem, sei que no fim, o que valeu foi a aventura que vivemos, pois aquela foi a
primeira. Um grupinho tinha decidido explorar a mata da redondeza (leia-se caçar um
lugar escondido e aprontar algumas safadezas) e eu e a garota íamos nessa, mas as
cosias deram errado...terrivelmente errado. Nós acabamos nos perdendo e pra ajudar,
alguma coisa estava nos caçando. Só eu percebi, o resto achava que era coisa da minha
cabeça ou que eu estava ficando apavorado por causa da situação, mas eu de fato estava
certo. E o grupo não tardaria descobrir.
Até hoje eu não sei dizer exatamente o que aconteceu, mas sei que algo nos
atacou e despedaçou um casal. Eu sei que simplesmente corri, peguei a minha garota e
corri como nunca antes e o mais engraçado: eu sabia pra onde ir, instintivamente.
Quando voltei a mim, estávamos ambos no acampamento. As pessoas me perguntaram o
que havia ocorrido, mas eu não conseguia responder. Minha garota estava em choque.
Em resumo, o caso foi abafado, mas aquilo quase me deu problemas, já que
encontraram pedaços de seres humanos espalhados num raio de 1 km...aquilo não foi
nada bonito de se ver...
A garota ficou em choque e teve que fazer tratamentos mentais. HAHAHA A
Coitada deve estar indo no psicólogo até hoje...
Bem, eu sei que depois disso meu interesse quanto à “coisas” aumentou. Sem
contar que aquela estranha conectividade com a floresta e com os meus instintos me
intrigava. Eu havia descoberto que gostava não só de histórias, mas também de vivê-las.
A partir daí passei a dividir meu tempo entre os meus estudos e passeios
solitários a esmo pelo mato.Eu chegava a passar o fim de semana no meio do mato e
quando voltava estava quase irreconhecível.”

-Sim, eu sei.
-Como assim”eu sei”?
-AH garoto,você realmente acha que eu ia abraçar alguém sem conhece-lo bem?
Não sou um tolo. Já devia saber que entre os nossos se estuda muito bem o candidato
antes de se dar o dom das trevas...
-Então quer dizer que eu estou contando a história da minha vida à toa??
-Não, claro que não, afinal, agora estou vendo-a pelos seus olhos e não pelo
meus...
-Como assim?
-Esqueça e continue, temos muito pela frente...
-Bem, se dizes...
“Bem, assim foi. Eu me formei na faculdade, fiz meu trabalho final sobre o povo
ROM e sua história. Com o fim da faculdade eu queria sair por ai e rodar, conhecer o
mundo, sabe? E foi o que eu fiz, durante seis meses, até que...”
-Seu avô morreu...
-Sim, o velho morreu e eu nem estive do lado dele, mas também não tinha como
me achar. Aí esta uma das cosias pelas quais eu me arrependo. Talvez a única...
-Não se preocupe. Ele morreu orgulhoso de você, acredite em mim.
-Mas como se ele nem tinha notícias de mim?
-Não?Você pensa que não... - disse Irmão dos Gatos enquanto abria um pequeno
sorriso malicioso.
-Como assim?
-Não se preocupe, saberá na devida hora meu caro, na devida hora, agora,
continue, sim.
A mulher já havia parado de dançar assim como a filha. Ambas estavam
encostadas semi adormecidas em um canto enquanto o pai continuava ao violão, agora
numa melodia mais triste e o filho observando tudo atentamente.
“Bem, eu já era um desgarrado e quando a notícia da morte do meu avô chegou a
mim acho que eu simplesmente resolvi deixar aquela vida e aquelas pessoas pra trás,
afinal, a única que realmente me importava havia se ido desta vida . Pra ajudar, a
ditadura começara, e História e Geografia e qualquer outra matéria que pudesse dar a
uma pessoa uma opinião decente foi vetada pelo governo.Mas, sabe, apesar de eu ser da
área de história, eu não me preocupava com as pessoas, eu não queria salvar o mundo,
então simplesmente juntei minhas cosias e decidi rodar pó ai sem rumo. Afinal, se eu
morresse, que fosse fazendo o que eu gostava.
Para minha sorte encontrei um grupo de Ciganos quando saia da cidade de São
Paulo. Aquilo era simplesmente perfeito... Perfeito demais, não é...?”
-É...
Engraçado, mas sabe,quando entrei para essa vida, por assim dizer, tive certeza
de que a vida normal e as aflições normais iriam ser secundárias e minimizadas. E de
fato em muitos aspectos foi menos num muito importante: o Amor. Eu não achei que
vampiros amassem e ainda mais que na minha vida normal só tinha tido umas transas
esparsas e sem compromisso. Quem diria que isso ia me acontecer depois de deixar a
vida mortal para trás?
Sabem, vocês deviam dar um aviso pra gente logo que a gente entra nessa:
“Olha, você pode ser um imortal pairando entre a vida e a morte, mas não se esqueça o
seu coração ainda bate”.
Bem, o que aconteceu foi o seguinte, saindo da Argentina, e da década de 60, eu
decidi que ia para o Norte. A vida naqueles tempos estava bem complicada para todos,
ditaduras para todos os lados e tudo aquilo que tu já deve saber, mas também foi quando
entrou aquela moda dos Hippies, libertinagem e sexo a revelia. Sabe, eu curti essas
idéias, mas como elas diziam respeito a um mundo que não era mais o meu, deixei de
lado. O problema é que isso não ia me deixar de lado...
Lá estava eu, passando pela Bolívia conhecendo tudo o que eu podia, andando e
aproveitando minha imortalidade. Bem, é de seu conhecimento que a Cocaína que
abastece o mundo vem de lá. Pois não é que eu encontrei uma Hippie, alias um grupo
inteiro deles. Os desgraçados queriam pó, muito pó.
Eu os conheci por acaso. Estava andando pelas matas e nem sabia que era
Colômbia. Ouvi alguns barulhos e vi o sinal de uma fogueira. Aproximei-me com todo
cuidado possível e eles nem me ouviram. Eles estavam fazendo um lual, coisa mais
hippie, não? Pois bem, estavam, com aquelas roupas multicoloridas, tocando umas
músicas alegres e todo aquele estereótipo de hippie. Eu teria ido embora, mas foi
quando a vi.
Ela estava voltando com alguns galhos, provavelmente pra fogueira. Ela era
linda, sabe, não tinha nada de absolutamente especial a nenhuma garota que eu tivesse
visto, pelo menos nada que eu pudesse descrever em palavras, mas ainda assim , ela me
encantou de uma maneira que eu nunca tinha sentido em vida.
Quando dei por mim, eu tinha atravessado a clareira e ido na direção dela, com
cara de palerma, imagino eu, e dito:
-Oi.
-Oi.
-Dominc.
-Lillith.
Cara, juro, não sei de onde eu tirei aquele nome, mas eu tinha me acostumado
tanto a nunca falar meu verdadeiro nome para nenhum humano que foi automático.Bem,
fora o cumprimento, não me lembro da conversa em si, foi alguma coisa sobre ditadura,
massas, ou sei lá, foi a primeira vez que eu utilizei meus conhecimentos de história e
sociedade pra alguma coisa...AHAHAHA
Enfim, no fim da noite estávamos os dois embolados. Aquilo parecia briga de
gato, se é que me entende... E os amigos dela, ali do lado nem ai pro que estava rolando.
Depois eu vim a descobrir que eles estavam tão chapados que acharam que eu era uma
alucinação no dia seguinte...
Vou poupar vocês dos detalhes, mas sim, eu me alimentei dela e ela adorou
aquilo. Eu também achei bastante diferente, não só pela química entre a gente, mas
também pela química que estava no sangue dela... É claro que no fim da noite eu a
deixei lá e fui me deitar na terra.
Na noite seguinte assim que me levantei o grupo já não estava lá. Procurei-os
como um louco, usei tudo o que podia, mas nada consegui. Até que, na cidadezinha
onde estava numa noite ouvi no boteco sobre um grupo de hippies que tinham sido
pegos na fronteira com uma quantidade insana de drogas na bagagem. Descobri que
haviam sido mandados pra uma prisão na capital e para lá me dirigi.
Cheguei ao local na metade da outra noite e fui logo me informar onde eles
poderiam se encontrar, qual a possível cadeia. Consegui descobrir, mas precisava de um
jeito de entrar lá e sair com ela sem que acabasse sendo descoberto ou quebrasse a
Máscara. Eu imaginava que ela seria deportada caso eu não conseguisse isso e então sim
seria um problema impossível de resolver.
Contudo, antes de conseguir pensar em algo, o xerife da cidade me encontrou. O
cara queria que eu me apresentasse ao Príncipe e eu disse que tinha um negócio de uma
noite pra resolver ali e rápido e que não tinha tempo pra formalidades. O cara era um
Brujah de cabeça quente e partiu pra cima. Eu teria sido massacrado por ele não tivesse
dado a sorte de um carro de polícia passar ali bem na hora... O Xerife teve que se
controlar, afinal, não ia quebrar a Máscara na frente daqueles dois. Acabou que fomos
os dois pra cadeia. Exato, para aquela que eu queria entrar. Claro, foi um golpe de sorte,
mas, sabe, teve seu preço, afinal, aquele Brujah tinha um soco literalmente potente... Se
eu respirasse teria me afogado com meus molares na garganta...
Na cadeia o Brujah foi liberado rapidamente, afinal, imagino que ele tivesse
bons contatos, mas eu, eu precisava de uma idéia rápida pra sair de lá. Acabei
quebrando a Máscara, admito, mas pelo menos aquelas celas de fim de mundo não tinha
câmeras. Eu ataquei os caras da mesma cela que eu e aproveitei pra me alimentar,
imaginei que ia precisar do meu máximo. Quando os policiais apontaram a arma pra
mim e me mandaram parar, fiz isso. Quando um deles entrou na cela para ver os
estragos, usei de tudo o que eu podia e deitei todos ali dentro mesmo. Tomei alguns
tiros, mas consegui me recuperar. Sabe, os países de 3° mundo não são conhecidos pela
qualidade de seus policiais...
Abri a cela da minha garota e não só a dela, como a de mais alguns presos.
Aquilo ia criar distração que eu precisava. Bem, aquilo virou um pandemônio e eu saí
com a garota. Tomei mais alguns tiros, mas consegui. Saí de lá com ela nos braços e
corri o máximo que podia. Assim que minha mente racional voltou um pouco,
simplesmente peguei um carro de um bêbado. Eu tinha que correr, afinal já eram quase
6 da manhã. Minha sorte é que era inverno e o Sol demoraria um pouco mais para
nascer, mas não muito mais. Corri em direção à estrada e depois entrei pelo mato, fui até
onde era possível com o carro. Até então ela estava calada, mas eu nem havia me dado
conta, já que estava com o instinto de sobrevivência a flor da pele. Foi só quando parei
o carro num ponto do mato e percebi que a roupa florida dela estava tingida de
vermelho...
Eu não tinha tempo pra nada. O Sol ameaçava despontar e o céu começava a
ficar vermelho. Então tomei uma atitude desesperada... Coloquei-a no porta malas e me
coloquei junto. Tinha que rezar para que ele fosse escuro o suficiente para não deixar o
Sol passar. Lá dentro eu a abracei. Tive que dar uma boa quantidade do meu sangue a
ela, afinal, não tinha de onde mais tirar. Enfim, meu plano deu certo.
À noite, quando acordei, arrebentei o porta-malas par sairmos. Eu estava faminto
e grato por não terem nos descoberto, mas sabia que era uma questão de tempo.
Precisávamos sair dali o quanto antes. Ela também estava faminta, dava para ver em
seus olhos. Saímos para caçar algo.
Minha mente estava confusa, afinal agora eu estava pesando meus atos e,
sinceramente, eu estava achando aquilo bizarro, então ela deveria estar pior, não? Mas
ela não estava, pelo contrário, ela estava calma e plácida, parecia saber o que estava
fazendo.
Finalmente enquanto corríamos eu perguntei:
-Não tem nada que você queira me perguntar ou alguma explicação?
-Não.
-Você tem certeza?
-Sim, tenho. Eu sei o que preciso saber já meu Amor...
Fiquei calado após esse breve diálogo.
Dirigimos-nos para uma propriedade que havia lá por perto. Eu fiquei bastante
confuso, mas a fome era tanta que decidi me concentrar na caçada e no plano de sair
daquela região o quanto antes, afinal, com certeza o Príncipe ia querer uma revanche
contra aquele causara tantos problemas.
Chegamos a casa e ela simplesmente entrou pela porta da frente e... matou toda a
família que estava dormindo. Eu fiquei perplexo... Ela simplesmente se empanturrou.
Eu aproveitei, mas sabe, aquilo estava ficando cada vez mais bizarro...
Saímos de lá e levamos o que pudemos que poderia ser útil. No carro, já na
estrada, eu olhei para ela e perguntei:
-Eu achei que quem teria perguntas seria vocês, mas pelo jeito sou eu. Quem ou
o que é você?
-Eu? Eu sou o seu amor e você é o meu benzinho...
-Como assim?
-Bem, eu vou simplificar isso. No momento em que eu te vi, eu sabia quem era
você e o que ia acontecer, porque eu já tinha sonhado com isso, com tudo isso...
-Como assim, sonhado?Você já me conhecia?Sabia o que eu sou?
-Calma. É simples. Minha família é... Estranha, sabe? Minha mãe era de uma
família de ciganos, mas deixou isso pra trás pra ficar com meu pai, um quadrado de
pouco ou nenhum escrúpulo, ou seja, um homem de negócios típico. Eu não me dava
com ele e nem com a minha mãe, até achava que eu era adotada, de tão diferente que eu
era. Mas um dia minha avó apareceu em casa com mais alguns parentes dela. Eles
ficaram acampados no nosso quintal e eu pude conhecê-la. Descobri de onde vinha o
meu jeito sabe?
-Bem, quando a vovó decidiu ir embora, eu simplesmente fui com ela. Fiquei
escondida no porta-malas. O mais engraçado foi que quando ela abriu o porta-malas ela
disse ”Certo, já saímos da cidade, você pode vir pro banco da frente”.
-Sabe, aquele foi o 1° fato bizarro que vi nela, e, acredite, houve muitos outros.
Mas eu te conto mais da minha vida aos poucos, pra não perder a graça... RSRSRS
Ela falou aquilo num tom tão casual, com uma normalidade quem me deixou
mais abismado ainda, mas, pelo menos, explicou parte da minha fascinação por ela.
Ao longo dos anos que passamos juntos, ensinei o que pude a ela, mas não foi
tanto assim, ela era uma caçadora nata e sem coração, o que contrastava bastante com o
rosto e jeito aparente dela. Acredite quem olhava para ela pela primeira vez via um rosto
angelical, mas quando ela caçava... era assustadoramente diferente...
Ela também previu mais alguma coisas ao longo dos anos. Cara, ela era boa
naquilo e depois eu descobri que tinha sido com os sonhos que ela havia previsto a
minha chegada na vida dela. Ela também foi se tornando mais fria e selvagem nas
caçadas, se é que era possível, afinal tu ouviu o que eu falei sobre a primeira caçada
dela. Quando questionei o motivo daquilo ela disse”Somos caçadores da noite,
monstros predadores. É nosso destino.” Ela era um vampiro e definitivamente adorava
isso.
Passamos dez anos juntos. E os sonhos dela nunca falhavam, o que me
preocupou e enciumou quando a ouvi certa vez chamando por um tal “Christopher”.Mas
esse nome seria o menor dos meus problemas... Eu teria passado a eternidade com ela, mas
ela tinha outros planos, ou melhor, os sonhos dela tinham. No ano de 1981, no dia 4 de
Abril, ou melhor, noite, quando acordei só encontrei um bilhete que dizia “Até mais
meu Amor, nosso tempo juntos, por enquanto se acabou, quem sabe os nossos destinos
se cruzem algum dia novamente, não?”.
Eu a procurei desesperadamente por mais de um mês, mas não consegui nada. E
pra você ver como homem apaixonado que toma um fora é uma merda, eu
simplesmente desisti de viver. Sabe, eu andava e perambulava sem destino. Rodei
durante quase seis meses... em forma de lobo. Cheguei aos pés dos Andes ela eu
simplesmente me enterrei e fiquei por quase uma década.
Foi um torpor bem interessante e me deu tempo suficiente pra pensar em muitas
cosias e principalmente sonhar com muitas outras.
Bem, quando acordei...
-Calma minha cria, como assim, você simplesmente acordou?
-É.
-Mas assim, sem nenhum estimulo ou nada demais?
-Eu tive um sonho com Ela.
-Mas isso não te faria levantar, não sem um pouco de sangue...
-Acredite ou não, eu me levantei com sangue nas veias e depois de sonhar com
ela me dando sangue. Eu não sei se ela estava lá ou o que, mas eu acordei e acordei
disposto a continuar minha vida, ou melhor, não vida. Eu não podia me deixar morrer
por alguém, me deixar prender pro grilhões de sentimento daquele jeito. Era patético.
-Isso ou você se levantou na esperança de encontrá-la?
-...
-AHAHAHAHA
-Continuando...
Eu havia passado duas décadas preso, uma a ela e outra debaixo da terra. Eu
tinha que tirar o atraso.
Comecei a andar novamente por ai, conhecendo tudo que podia. Demorei pra me
adaptar com humanos, afinal, havia passado muito tempo como lobo antes do torpor.
Bem, foi nessas caminhadas que encontrei Erl,um Gangrel que me disse a respeito da
possibilidade de uma reunião do nosso clan. Como eu disse no começo, já havia ouvido
falar uma vez, muito tempo atrás, e isso me lembrou um dos motivos de eu ter saído em
viagem: eu queria histórias, vividas por mim e também as contadas por outros.
Decidi que ia nessa reunião, isso no começo dos anos 90 já, como podes
imaginar. Ela seria na chamada “Terra do Fogo”. Eu achei isso no mínimo interessante,
afinal, que eu soubesse, o lugar era um deserto. Mesmo assim eu decidi ir, afinal, como
eu disse, eu nunca tinha ido e eu iria conhecer um lugar que eu ainda não conhecia.
Dirigi-me para lá.Engraçado como até essa época eu só havia ouvido falar do Sabá,mas
nunca tinha me deparado com eles, até aquele momento...
Demorei alguns meses para chegar no local indicado, mas consegui faze-lo
alguns dias antes do que Erl havia me dito como data. O local ficava realmente no
deserto, mas havia uma ou outra vilazinha espalhada pelo local, o que foi o suficiente
para eu me manter.
A data foi se aproximando e então alguns gangrel começaram a aparecer,o que
me aliviou, a reunião ia mesmo acontecer. Contudo assim o foi, mas não como eu
esperava. Aquilo foi uma cilada do Sabá.
Eu já havia encontrado mais oito vampiros, comigo nove, mas nenhum de nós
tinha uma informação mais precisa do que “Terra do Fogo” ou a data aproximada. Qual
não foi a minha surpresa quando, numa determinada noite eu acordei amarrado no chão,
no meio do deserto acompanhado dos meus outros irmãos de clan...
Perguntei aos outros o que havia acontecido e um deles respondeu aquilo havia
sido um armadilha do Sabá e que havíamos sido levados ao deserto para queimarmos
lentamente a luz do Sol. Fiquei completamente perplexo. Tentei de tudo o que podia
para sair dali, mas eles haviam sido esperto e nos prendido com correntes grossas,
enterradas profundamente no chão. Estávamos literalmente fritos. E o mais estranho é
que nenhum de nós conseguia usar poder algum. Parecíamos selados.
Tentamos de tudo para sair, mas era inútil. Até que surgiu no horizonte um
veículo se aproximando. Ele parou distante de nós. Uma pessoa desceu e veio se
aproximando. Era uma mulher. Trajava uma roupa de vinil preto e coturnos. Ela se
aproximou rapidamente e qual não foi minha surpresa quando vi Lillith. Estava bastante
diferente da última vez que a vira, mas era definitivamente ela...
-Olá, benzinho...
-O que você faz aqui?
-Vindo cumprir o destino que me é cabido e te salvar...
-Como assim? O que esta acontecendo?
-Eu já disse não se faça de tolo.
-Você foi a responsável por isso?
-Eu?Eu só cumpri minha parte.
-Que maldita parte?
-A parte que não te interessa queridinho. Eu vim aqui para salva-lo e vou, só.
Antes que eu tivesse alguma reação, ela drenou minha vitae até o ponto em que
simplesmente apaguei. Acordei em um porta-malas e junto comigo, um corpo fresco.
Não pensei duas vezes e me alimentei. Depois disso saí do carro e estava em uma
estrada do Chile, no meio da noite. Me livrei do corpo e verifiquei o carro. Tanque cheio
,documentos falsos e um bilhete onde estava escrito:”Não amorzinho, ainda não é a sua
hora, siga seu caminho e na hora certa chegará a sua hora...”
Enraivecido, deixei o carro ali mesmo e parti. Precisava chegar a uma cidade e
me informar do que raios havia acontecido. Eu havia sido levado para muito longe da
Terra do Fogo, pois quando cheguei a algum lugar onde poderia obter informações e
apoio da família, descobri estar em Santiago,capital chilena. Lá,pela primeira vez na
vida, fiz questão de me inteirar da cidade e dos ocorridos, para tentar descobrir o que
havia acontecido. Foi então que entendi que aquilo havia sido um ataque do Sabá e,pelo
raciocínio lógico,de que Lillith agora fazia parte deles.
Eu desejava vingança, mais do que tudo. Como ela podia, ter me trocado por
aqueles monstros do inferno? Que espécie de atitude era essa? Seriam os malditos
sonhos?O que seria?E o pior, eu havia ficado nas mãos dela e caído numa armadilha
idiota. Como podia ter deixado aquilo acontecer?
Sabe, isso tudo me colocou em xeque. Até então eu me julgava um predador e
um ser livre. Eu pouco ou nada havia me preocupado com as diretrizes da família e da
ordem que devia ser mantida, mas eu estava agindo errado e finalmente havia percebido
isso. Eu quase pagara com a minha imortalidade, mas não deixaria que isso se repetisse.
Foi então que comecei minha cruzada contra o Sabá. Sabe, acredite se quiser ou
não, mas muitos membros da família acharam que eu havia me tornado radical e outros
chegaram a me acusar de agir tão monstruosamente quanto aqueles que eu caçava. Sabe,
acho que eles até tenham razão. Não vou ficar explicando os detalhes do que ou como
agi nessa época, mas credite quando eu digo, era bem monstruoso. Contudo encontrei
também outros que tinham uma opinião parecida com a minha e isso acabava por
ratifica-la.
Conheci Gutter e Edward, dois vampiros mais antigos do que eu e com tanto ou
mais ódio pelo Sabá. Com eles formei um grupo de frente de batalha contra a maldita
seita. Gutter era um Brujah que havia participado da primeira e segunda guerras
mundiais, literalmente um cão de guerra. Se havia uma arma de fogo, não importa o
tamanho ou procedência ele sabia conserta-la e usa-la e, cara, nós tínhamos uma mini
gun numa van.... Já Edward era um dos nossos irmãos de clan e imagino que era
bastante velho, uma vez que ele sabia fazer uns...truques no mínimo interessantes e era
ele quem salvava o nosso rabo usando as coisas realmente apertavam. Talvez o único
truque dele que valha a pena mencionar é que ele conseguia atingir uma forma
intermediária entre um lobo e um humano... Sim exatamente isso que você pensou e tão
selvagem quanto...
Nosso grupo nasceu aproximadamente um ano após minha situação problema na
Terra do Fogo. Eu estava numa das Guianas e lá nos encontramos. Sabe, desde a minha
mudança, como eu disse, havia ficado bem...violento. Com isso tive alguns problemas
com príncipes aqui e acolá. Nada que resultasse numa caçada de sangue, mas muitas
cidades pediram que eu me retirasse ou isso aconteceria, afinal, eu acabava causando
muitos estragos. Admito que antes de conhecer Gutter e Edward eu era bastante amador
e me pergunto como não acabei sendo pego. Talvez eu seja um tremendo rabudo ou
talvez aqueles bastardos sejam muito burros. Não sei.
O que sei é que os dois já eram parte de um grupo há algum tempo, mas haviam
perdido dois membros recentemente e não tinham reposto. Foi quando ouviram falar de
mim e chegaram a mesma cidade que eu pouco antes de eu sair dela. Foi quando me
fizeram a proposta de trabalhar com eles. Aceitei prontamente.
Foi com eles que aprendi a fazer o trabalho direito, apesar de eles também terem
problemas constantes com as autoridades da família. Assim, eles era até mais violentos
e monstruosos do que eu e com certeza explodiam mais cosias do que eu conseguiria
fazer, mas, sabe, aqueles bastardos sabiam fazer isso sem deixar que o Sabá da cidade
viesse a saber que algo vinha se abater sobre eles. Eles sabiam ser discretos até a hora
de atacar e como obter informações sem chamar a atenção, mas uma vez que esse
trabalho prévio era feito e era hora da ação, diríamos que eles se tornavam
bastante...barulhentos.
Eles também prendiam alguns membros da seita inimiga, para fins de
interrogatório, isso quando era viável, ou seja, sobrava um pedaço inteligível de alguém.
Gutter era o responsável pelo interrogatório e, cara, ele era bom naquilo, e como.
Digamos que eu preferia encarar o Sol do meio dia antes de ter que passar por ele... Ele
havia aprendido muito em duas guerras. Descobrimos muitas informações da seita e
assim também descobríamos a próxima cidade onde atacar. Assim foram cinco anos. Os
cinco anos mais sangrentos da minha história.
Tudo ia bem, mas, se quando você mexe com vespas, há o perigo de você ser
pego, imagine quando se mexe com uma seita de vampiros lunáticos cuja base fica no
mesmo continente que o seu... digamos que a coisa piora... muito. E, bem, nós também
não tivemos a melhor missão...
Fomos enviados para fazer uma missão de reconhecimento no México. Quando
estávamos uns dois dias pra dentro da fronteira, simplesmente fomos atacados por um
lobisomem enfurecido. Fomos pegos de surpresa e eu e Gutter não tínhamos muito o
que fazer quando despreparados. Acabamos seriamente feridos antes de conseguir
pensar em algo. Nossa sorte foi Edward. Ele conseguiu segurara besta
momentaneamente, enquanto nós fugimos.
Dirigimos-nos a cidade o mais rápido que pudemos. A situação era
desesperadora, precisávamos de um lugar para nos esconder o quanto antes. Foi quando
eu vi, de longe, uma comitiva de carros e trailers. Eu reconheci o símbolo logo de início.
Era uma família de ciganos pertencente ao mesmo grupo que havia me acolhido anos
atrás, um pouco antes do meu abraço e algum tempo depois. Eu não sabia o que eles
estavam fazendo ali e nem me perguntei isso naquele momento. Eles eram exatamente o
que precisávamos naquele momento. Pedi abrigo sem demora. O chefe da família
demorou a me reconhecer, mas acabou se lembrando de mim de quando ele ainda era
uma criança. Escondemos-nos lá e assim passamos o resto da noite e o dia.
Na noite seguinte eu e meu companheiro partimos para tentar encontrar Edward.
Acabamos por encontrá-lo um pouco longe dali, mas ainda vivo. O levamos para o
acampamento cigano. Ele havia se alimentado já, mas as feridas iam demorar a
cicatrizar, você sabe como é esse tipo de coisa, imagino...
Edward ficou em repouso e assim ficaria por mais algum tempo, então e eu e
Gutter saímos para caçar e fazer um reconhecimento da cidade próxima. Alimentamo-
nos e começamos a juntar pistas sobre as atividades sobrenaturais da cidade, afinal, não
tínhamos somente o Sabá para nos preocupar, mas também lupinos bastante ativos, pelo
que tudo indicava. No período de uma semana conseguimos juntar algumas
informações, mas eram falsas. O Sabá havia nos enganado e caímos numa armadilha.
Estávamos indo reconhecer um armazém que supostamente seria o refúgio
daqueles bastardos, mas era só uma armadilha. Eles estavam com um lobisomem e o
estavam torturando, pois realizaram o ato do abraço nele e eu o vi virar uma bola de
sangue e tumores, bem na minha frente... Em seguida eles se referiram a nossa presença
no local. Eu e Gutter percebemos que fôramos descobertos e estávamos cercados. A
nossa sorte é que Gutter estava preparado para uma eventual fuga. Foram três bombas
de fumaça e uma granada, nos dispersamos e fugimos. Ambos sabíamos que não
poderíamos voltar ao refúgio e arriscar mais ainda as coisas. Tomei a forma de lobo e
corri como nunca, conseguindo fugir deles, mas não sem receber uma saraivada de tiros,
isso pelo meio da cidade... Bizarro.
Fui parar de correr já quase no início do amanhecer. Não conseguia pensar
direito e as minhas lembranças estavam embaralhadas. Eu precisava descansar e me
recuperar logo. Estava num bairro aparentemente nobre da cidade vi uma casa com um
belo jardim e nele fiz meu repouso, sob a terra.
Ao acordar na noite seguinte eu estava melhor dos ferimentos, mas estava
faminto. Tive a sorte de o dono da casa sair... Ele acabou sendo minha fonte...
Saí de lá e fui direto para o acampamento. Sabia que não era mais seguro ficar
por lá. Qual não foi a minha surpresa quando cheguei e o local estava todo destruído e
havia sangue e pedaços humanos por todos os lados. Busquei por sobreviventes, mas eu
sentia que seria em vão. Qual não foi minha surpresa ao encontrar o pai da família
empalado e amarrado com arame farpado... Foi horrível, mas ele ainda estava vivo, ou
quase isso. Ele tinha uma mensagem para mim, escrita no corpo: “Você será a nossa
próxima presa... Seu rato”.
Eu até poderia ter tornado aquele homem meu carniçal, mas ele não parecia apto
a continuar vivo e sofrendo pelas perdas, muito menos o queria. Eu aliviei o sofrimento
dele de maneira simples e rápida, mas não antes dele proferir uma maldição sobre
mim...
Eu decidi que só havia uma coisa a fazer depois daquele massacre: Vingança.
Contudo, isso não seria viável para um só vampiro. Eu tinha que achar outros que
também desejassem o fim daquele maldito bando do Sabá. A única opção que me veio à
mente foi a mais insana possível, mas, sabe, numa situação desesperadora, que custava
tentar?
Pensei no ataque que sofremos pelo lupino e liguei isso ao que vira no galpão.
Sim, eu podia estar redondamente enganado, mas a situação era crítica e eu não tinha
muitas idéias mais. Tinha que achar um jeito de sinalizar aos lobisomens onde o bando
estava e torcer para que eles tivessem alguma ligação com o lupino que eu vira ser
morto.Eu supunha que eles iriam querer vingança. Eu pensei um pouco, mas a única
solução que me veio à mente foi a de me tornar lobo e correr pelas florestas à noite e
tentar descobrir onde eles se encontravam.
Fiz isso. Corri. O ar gélido da noite e aquela mata e vida selvagem circundante
fizeram com que me sentisse melhor, ou pelo menos com que eu não pensasse. Quase na
metade da noite ouvi sons característicos, como latidos e rosnados. Aproximei-me
tentando não ser visto. Por algum motivo eles não sentiam meu cheiro quando eu estava
na forma de lobo.
Então ainda na forma de lobo aproximei-me da roda. Eles silenciaram. Então
tomei minha forma humana novamente e encarei-o o que parecia ser o líder nos olhos e
disse:
-Eu sei onde estão aqueles que vocês procuram!
No segundo instante eu estava no chão com um deles em sua forma monstruosa
sobre mim. Ele ia me destruir, eu sentia isso. Naquele instante eu jurei que era o fim,
quando ouvi um latido forte vindo de um deles e o que estava sobre mim saiu.
-Vamos lá, diga e veremos o peso da verdade em suas palavras... Dependendo
delas talvez você morra aqui e agora, talvez ao fim da noite...
-Eu sei o que vocês procuram, o mesmo que eu. Procuram aqueles amaldiçoados
e bastardos que atacaram um dos vossos. Pois bem, eu vi o que fizeram com ele e não
foi nada agradável. Eles também me atacaram, a mim, a meus companheiros e pior,
parentes. Agora só eu restei vivo e desejo vingança, desejo fazê-los pagar por suas
monstruosidades aos que me eram queridos.
-Eu consegui rastreá-los, e sei o que esperar de algumas de suas armadilhas.
Quero saber se vocês desejam a morte daqueles bastardos a ponto de aceitar minha
ajuda...
Ouvi mais alguns rosnados, alguns bem bravos. Eu estava ali, impassível. Meus
nervos estavam tensos, mas eu não podia demonstrar o medo, não a eles, não a
predadores monstruosos como eles...
Finalmente o que parecia ser o líder deu um uivo, se virou para mim e disse:
-Há verdade em suas palavras e a chama da vingança em seus olhos. Vamos
fazer esta rápida aliança, mas ela só dura até o fim desta noite. Após ela é bom estares
pronto para encontrar tua morte final...
-Eu não tenho medo nem muito mais a perder.
Após aquilo corremos todos na forma de lobo. Foi incrível. Eu sei que eles e nós
somos inimigos e sabia que eles iam me matar ao fim daquilo, mas, sinceramente, eu
não me importava. Aquela sensação de correr livre, de caçar em matilha, de correr com
os verdadeiros predadores da Mãe Natureza foi indescritível.
Bem, voltando ao objetivo, eu sabia onde eles estavam. Era um depósito
abandonado, perto do porto. Aparentemente eles iriam celebrar alguma espécie de ritual,
eu só não sabia qual era... Qual não foi a minha surpresa quando eu descobri que era
uma espécie de ritual de abraço em grupo...
Foi uma luta insana. Cara, aqueles lobos sabem definitivamente como deixar o
seu lado animal falar mais alto, nem dava pra acreditar que eles têm algum lado
humano... e olha que eu também me deixei levar pelo calor da batalha... Ao fim do
combate o lugar parecia uma casa de abate e era mais ou menos isso que havia sido em
uma hora e meia de combate animalesco.
Ao fim daquilo eu estava em péssimas condições, ao contrário dos lobos. O que
quase havia me atacado olhou para mim e rosnou. Eu sabia que era o próximo e não
tinha a menor chance, mas não demonstrei medo e encarei de volta. Contudo o líder
atravessou a frente daquele e se virou para mim. Ele me encarou seriamente enquanto
voltava a uma forma humana. Então ele disse em tom grave:
-Nosso acordo ia até o final desta noite. O dia amanhece dentro de meia hora.
Nosso acordo só se extingue em meia hora, então vá. Mas não pense que isto foi um ato
de caridade ou retribuição, foi só cumprir com a minha palavra, pois daqui a meia hora
nós iremos caçá-lo e seu futuro não será muito melhor do que o destes restos aqui no
chão...
Percebi que o outro ia contestar, mas antes disso tomei minha forma de lobo e
corri insanamente. A única idéia que tive foi a de pular ao mar e me fundir a terra nele e
foi o que fiz, mas não sem antes nadar um bom tanto. Assim foi. Não sei se não me
encontraram devido ao meu esconderijo exótico ou se foi algum tipo de piedade ou
retribuição, ao contrário do que o lobo chefe havia dito, mas bem, estou aqui não estou?

Fez-se silêncio. A esta altura a família de mortais já havia se retirado para dormir
e a fogueira já estava somente em brasa. Era hora de retirarem-se e ambos sabiam disso.
Levantaram-se de seus lugares e fizeram um pequeno gesto de adeus e Irmão dos Gatos
disse:
-Ache um lugar para ficar na próxima noite e explore um pouco mais a cidade na
outra. Devemos nos encontrar daqui a três noites, entendido?
-Certo. Hasta.
-Hasta.
Ambas as figuras sumiram nas sombras da noite.

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