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DIREITO DE EMISSÃO, LEGALIDADE E ILEGALIDADE NO DEBATE DA

MOEDA, EM MEADOS DO SÉCULO XIX, NO BRASIL

Me. e Dr. Hernan Enrique Lara Saez, Faculdade Ipanema

Palavras-chaves: Moeda, Política Econômica, Legalidade.

Introdução

A análise dos discursos políticos sobre o tema da moeda e do sistema bancário e


financeiro entre os anos de 1850 e 1866 mostra-se fundamental para entender os consensos
temporários adotados nesse período sobre as questões econômicas. O resultado de pesquisas
recentes demonstra que é necessário acompanhar e entender o processo decisório em torno das
políticas econômicas adotadas pelo governo em meados do século XIX, tendo em vista que este
procedimento demonstrou ter uma importância central no Estado brasileiro e diz respeito à relação
entre os Poderes vigentes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador). Como se pode ver as
mudanças nos rumos da economia não se tratavam de transformações estruturais matizadas
puramente pelo partido Conservador ou Liberal, tratava-se em maior medida da concentração de
políticos em torno de idéias e linhas gerais dos planos que pareciam responder bem aos
problemas circunstanciais que enfrentavam como, por exemplo, o da constitucionalidade dos
projetos discutidos, mas também estavam condicionados por grandes embates e alterações nos
consensos sobre o caminho que a economia brasileira deveria seguir, especialmente, no final da
década de 1850. A definição na adoção da moeda ligava a elite econômica e política em uma
trama de relações e interações que passavam por temas como a falsificação da moeda, pela
determinação de que meio circulante era legítimo ou lícito circular, pela montagem de um sistema
bancário que atendesse às demandas do mercado e desse suporte aos projetos do Estado.

Metodologia

No acompanhamento dos debates parlamentares aplicou-se a Teoria da Análise do


Discurso de forma a identificar referências às ideias, à rede de apoio, a pensadores e modelos
econômicos utilizados para fundamentar as posições que os políticos adotavam, bem como, a
justificativa pelas suas mudanças de posições. Mais do que gerar dados meramente quantitativos,
a pesquisa buscou contextualizar esses dados e apreender as alterações de acordo com
imperativos circunstanciais, mapeando, portanto, não só as teses originais dos políticos nos
debates, mas também as justificativas que eles mesmos deram em meio aos embates que
enfrentaram. Uma das preocupações fundamentais da pesquisa intitulada O Tonel das Danaides
foi acompanhar e entender o processo decisório em torno das políticas econômicas, tendo em
vista que este procedimento, ao contrário do que muitas vezes se alegou, demonstrou ter uma
importância central no Estado brasileiro, em meados do século XIX.
Resultados

O que se pôde encontrar tanto nos Anais da Câmara dos Deputados, Anais do Senado
quanto nos Relatórios do Ministério da Fazenda foi um funcionamento regular e constante da
divisão de competências e tarefas no regime representativo Imperial. A influência encontrada foi
recíproca nas diversas instâncias governamentais, Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder
Judiciário, bem como do Poder Moderador, além de uma arraigada atenção à Constituição. O jogo
político empregado tanto na sua concepção, quanto na redação e aprovação das leis mudava no
desenrolar dos debates, além de ser necessário levar em conta as especificidades históricas
como uma conjuntura que influía nos momentos decisivos da discussão dos planos econômicos.

Discussão

Para entender melhor a reorganização que o sistema financeiro sofreu na década de 1850,
no Brasil, bem como seu posterior desdobramento é útil acompanhar o desenrolar dos debates
sobre o meio circulante entre os anos de 1840 e 1853. Apesar das questões voltadas para a
melhoria do meio circulante estarem intimamente imbricadas houve uma certa preocupação em
tratar primeiro do tema da provincialização do numerário e só, posteriormente, dar forma ao
instrumento que substituiria as notas e combateria o “cancro” da falsificação. No
acompanhamento do tema na Câmara dos Deputados há quase o consenso de que o meio
circulante, formado principalmente por notas do Tesouro, não respondia adequadamente às
necessidades gerais do mercado e precisava passar por alguma transformação o mais breve
possível. O desenvolvimento da matéria no ano de 1853 foi de vital importância na discussão do
meio circulante. Nesse ano votou-se a fundação do segundo Banco do Brasil, fruto da fusão do
Banco do Brasil de Mauá e do Banco Comercial do Rio de Janeiro, constando nesta segunda
fundação a possibilidade da criação de duas filiais, uma no Rio Grande do Sul e outra na província
de São Paulo. Segundo Suzigan e Palaez a reforma consistiu no estabelecimento de um super-
banco semelhante ao Banco da Inglaterra que receberia o monopólio de emissão, implementaria
as práticas bancárias ortodoxas e tentaria absorver os demais bancos.

Provavelmente, o alarme em relação à falsificação estava em parte ligado à crise de


confiança pelos quais os bilhetes do Banco do Brasil passaram depois de sua quebra, em 1829,
mas também pela experiência das moedas de cobre falsas da Bahia na década de 1820. É
interessante notar que o imaginário da época associava a menção da prática delinqüente de
fraude da moeda a uma atitude desonrosa, executada de forma dissimulada e empreendida por
pessoas à margem da sociedade. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro questionava como se
podiam cometer impunemente delitos tão graves na Bahia sem que as autoridades nada fizessem.
Como solução aventava que para remediar-se o mal era preciso castigar os empregados públicos
que não puniam os falsificadores. Sobre o assunto há o parecer das Comissões Reunidas de
Diplomacia e Justiça Criminal que mostrou-se favorável ao acordo entre Portugal e Brasil para
combater esse crime.

No item “Sociedades Bancárias e Outras”, do relatório ministerial de José Pedro Dias de


Carvalho, de 1865, existe nova referência à emissão de bilhetes ao portador e avança não só na
descrição dos emissores, como na apreciação do cumprimento da lei em uma situação limite
como a Crise de 1864, conferindo ao governo o papel não só de simples executor das leis, mas de
gestor do sistema monetário e bancário em um momento de crise aguda. O ex-ministro da
Fazenda, Ângelo Moniz da Silva Ferraz, o mesmo que aprovara a Lei dos Entraves, perguntava
ao governo se a administração liquidadora podia receber, verificar e classificar tais títulos ao
portador, ou em geral, que não houvessem pago o imposto do selo e considerar que seus
portadores estavam isentos das penas da respectiva lei e se a administração podia fazê-lo sem
incorrer nas penas de responsabilidade ou de multa. A resposta foi dada pelas Seções da
Fazenda e da Justiça do Conselho de Estado e declarava que a lei de 22 de agosto de 1860 não
tinha determinado a apreensão de notas, bilhetes, vales, papel ou títulos ao portador emitidos
pelos bancos, companhias ou sociedades de qualquer natureza, comerciante ou indivíduo de
qualquer condição, mas antes instituiu no art. 6º que todas as multas, de que tratava a mesma lei
seriam impostas administrativamente, e que até mesmo as autoridades policiais julgavam
improcedentes as apreensões feitas pela Recebedoria.

Além disso, manifestavam-se afirmando que as circunstâncias em que se achavam as


casas bancárias que emitiram vales, notas ou bilhetes ao portador tornava inexeqüível o
pagamento da multa do quádruplo do valor passado, de modo que viria o Tesouro Público a
absorver o pagamento das ditas multas toda a importância das massas falidas que haviam
abusado e violado as disposições da lei. Levando-se em conta as circunstâncias da época era
inexeqüível a imposição e o pagamento da multa de que falava a lei e que a liquidação de tão
enormes massas e tão numerosos interesses devia ser feita conforme fosse correto e válido. Por
todos estes motivos o Imperador inteirado da situação da praça decretava considerando as
circunstâncias das casas bancárias falidas nesta Corte que tinham emitido ilegalmente títulos ao
portador tornava inexeqüível o pagamento da multa do quádruplo do valor, além das perdas dos
títulos, o pagamento da multa traria gravíssimo prejuízo de todos os interesses comprometidos
nas referidas casas bancárias e do comércio em geral. Neste cenário apelava-se ao Imperador a
utilização de uma das atribuições do Poder Moderador, de agraciar, ou seja, perdoar um infrator
livrando-o de cumprir uma pena quando o autor não tivesse a intenção de cometer crime e quando
a ordem pública o exigisse. Destarte, ao invés de se tratar de uma intromissão do Poder Executivo
interrompendo o curso dos acontecimentos econômicos, ao contrário, foi preciso uma espécie de
clamor público e a percepção do Imperador de que a situação da praça fluminense era crítica para
que, aconselhado por seus auxiliares, concedesse a anistia que asseguraria a sobrevivência da
economia da região do Rio de Janeiro.
Conclusão

A análise dos discursos políticos sobre os temas da moeda e do sistema bancário foram
utilizados como ferramentas que ajudam a entender melhor os consensos temporários sobre as
questões econômicas e as posições da elite política imperial. Destarte, seguir os embates em
temas fundamentais como a política econômica permite que se compreenda melhor as tensões
internas das elites política e econômica brasileira. O estudo revelou que as inversões de rumo
adotadas pelos parlamentares brasileiros não estavam relacionadas com transformações
estruturais centradas nos partidos políticos. Esta abordagem revelou um quadro mais complexo e
dinâmico tanto no campo político, quanto no econômico, do que se costuma supor ao tratar das
definições de políticas públicas imperiais. Neste novo cenário a atuação parlamentar ganhou vigor
e relevo evidenciando interesses e matizes pessoais capazes de transformar o voto e,
consequentemente, a votação. O que se pôde encontrar foi a concentração de políticos em torno
de idéias e planos que pareciam responder bem aos problemas circunstanciais que enfrentavam.

Visto desta forma, a legislação não foi imposta por qualquer um dos Poderes existentes no
Império. Ao contrário, foi resultado de intensa negociação tanto entre as instâncias parlamentares,
quanto entre políticos de diversas colorações partidárias, depois difundidas pelos seus amigos
que formavam uma rede de apoio necessária para sua manutenção como representante da
nação. Assim, longe deste ser um período marcado por idéias econômicas invariáveis e pelo
domínio exclusivo de um partido sobre o outro, no qual as políticas públicas descreveram uma
trajetória linear, este momento foi marcado por grandes embates e alterações sobre o caminho
que a economia brasileira deveria seguir.

Tratei de apresentar, sucintamente, os fundamentos e argumentos que os parlamentares


usaram em suas exposições, os teóricos, os modelos aos quais recorriam para o caso brasileiro
sem deixar de notar, entretanto, que eles mesmos indicavam a peculiaridade da economia
nacional. Deste esforço nasceu um quadro extremamente rico de possibilidades sendo, no
entanto, menos evidente, à primeira vista, por estar inscrito sob o manto mais visível da clássica
divisão entre maioria e minoria. Somente colocando atenção às explicações sobre as posições e
mudanças de votos ao longo do tempo é que se materializam as nuances político-partidárias e foi
através delas que tratei de avançar nos meandros da elite política imperial.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. O Teatro das sombras: a
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FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado em el Brasil imperial, 1808-1871: control social y estabilidade
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PELAEZ, Carlos Manuel e SUZIGAN, Wilson. História Monetária do Brasil. 2ª ed, Brasília, Editora
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SÁEZ, Hernán Enrique Lara. Nas asas de Dédalo: um estudo sobre o meio circulante no Brasil entre os anos
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SZMRECSÁNYL, Tamás e Lapa, José Roberto do Amaral (orgs.). História econômica da independência e do
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Wilson Suzigan. Indústria brasileira. Origens e desenvolvimento. São Paulo. Hucitec e ed. Unicamp. 2000.

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