Você está na página 1de 15

Há uma Teologia Política no Pensamento de Karl Marx?

Hugo Allan Matos1

RESUMO

Parece consenso entre as diversas correntes e movimentos marxistas na América Latina a


afirmativa de que Marx foi ateu. Contudo, pouco se discute sobre qual o ateísmo de Marx e
sua concepção sobre a religião de forma geral e do cristianismo em particular. A importância
de tal discussão parece-me eminente em um continente que notadamente tem como uma de
suas constituições2 as culturas latina e judaica-cristã. Não são poucos os autores que tratam
desta temática. Apesar disso, ainda não há grande repercussão tanto nos meios religiosos,
quanto nos meios marxistas. Este motivo justificaria por si esta revisão bibliográfica, na qual
divulgaremos as teses de Dussel sobre algumas características do ateísmo que Marx e
principalmente de sua tese de que há em Marx uma Teologia Política3.

PARA INÍCIO DE CONVERSA...

A obra: Metáforas Teológicas de Marx de Enrique Dussel será nosso objeto de análise

aqui4. A adoção e interesse por esta obra deve-se à intenção de provocar a curiosidade para a

temática, dando uma dimensão introdutória à forma sistemática conceitual, na qual Dussel nos

traz desde curiosidades biográficas de Marx, até uma interpretação ímpar do conceito de

fetiche e da concepção de religião de Marx. Neste artigo, temos a intenção de, com Dussel,

evidenciar a complexidade e importância da crítica à religião realizada por Marx ainda e

sobretudo hoje. Ao contrário dos que afirmam a morte de Marx, Dussel alerta: "Contra lo que

piensa el teólogo polaco, Josef Tischner, Marx no sólo no ha muerto, sino que generará nuevo

impulso al pensar crítico filosófico, económico y aun teológico"5. (DUSSEL, 1993, p.3)

1 Filósofo, ativista social, docente dos cursos de filosofia da UMESP e da FAPCOM. Contato:
hugo.allan@gmail.com
2 Por constituição cultural, nos remetemos ao conceito de Núcleo Ético Mítico do filósofo Paul Ricoeur. Este
núcleo é o que em última instância, significa uma cultura, constitui um ethos, modo de ser de um povo.
3 Estamos em um processo de tradução coletiva para a língua portuguesa da obra: Las Metáforas Teológicas
de Marx, na qual Dussel defende essa tese. Fica este artigo, portanto, como um anúncio-divulgação da
questão e um convite à leitura da obra completa, que em breve estará disponível.
4 Escrevi sobre religião nessa mesma perspectiva, inclusive dando mais detalhes desta posição de Marx,
defendida por Dussel, nos artigos: "Religião como Supraestrutura e como Infraestrutura: como fica a
liberdade de religião" (https://goo.gl/BMNa99) e "O ATEÍSMO DE MARX E DOS PROFETAS:como
negação de fetichismos e afirmação da alteridade, possibilitadoras deRevoluções (ou novidade política)" que
você pode ler em: (https://goo.gl/qt7KlM)
5 Tradução Nossa, doravante apenas TN: "Contra o que pensa o teólogo polaco Josef Tischner, Marx não só
não morreu, como gerará novo impulso ao pensar crítico filosófico, econômico e ainda teológico".
Dussel provoca-nos ao problema central da obra. Muitos marxistas perguntariam:

como assim, novo impulso ao pensamento crítico filosófico e teológico? Este é um problema

na tradição marxista. Não é comum, mas mostraremos adiante que essa estranheza da relação

entre filosofia e teologia deve-se a uma leitura geralmente mal realizada do ateísmo de Marx.

Essa estranheza do horizonte teológico não ocorre com outros autores contemporâneos

a Marx, como Hegel ou Bauer, por exemplo. Aliás é necessário compreender o contexto

religioso em que Marx viveu para compreender o envolvimento direto dele com a teologia e a

religião, para depois, refletirmos sobre as influências deste contexto religioso em sua obra

filosófica.

Hegel, Schelling, Hoelderlin estudaram no seminário teológico luterano de Tuebingen,

no qual sofreram grande impacto de uma corrente pietista do luteranismo, do ducado de

Wuerttenberg. Esta corrente pietista surge em oposição ao luteranismo ortodoxo, numa

"profunda renovação espiritual e religiosa" que não pregava a separação, como vários

movimentos que fundaram outras comunidades não mais luteranas, o pietismo queria

revolucionar, desde dentro o luteranismo. Em 1733, o duque Karl Alexander, um militar

católico autoritário reinará este ducado, o que levou o movimento pietista a elaborar uma

teologia contra o poder, contra o Estado e contra o próprio Alexander, considerando-o o anti-

cristo. Uma teologia que se apoiava no Povo de Deus, dos pobres, para a vinda do Reino de

Deus, na terra, a partir de uma práxis pietatis, tomando como referencia a tradição antiga de

Wuerttenberg, antes de ser corrompida tanto pelo luteranismo ortodoxo, quanto pelo duque

católico. Essa teologia, em última instância, negava a ideia de um Deus distante, que

justificava a dominação do povo luterano e afirmava um Deus próximo e atuante na história,

que clamava a libertação de seu povo de toda a dominação 6. Hegel depois trairá esta sua

6 Interessante perceber como o movimento latino americano que iniciou-se na década de 1960 - depois
Africano e Asiático - chamado: Teologia da Libertação, defende teologias, muitas com fundamentação
marxiana, próximas nesse movimento pietista alemão do séc. XVIII, com mesmos conceitos e
fundamentação: Reino de Deus, Povo de Deus, uma teologia para os pobres, uma ideia de Deus presente e
que impulsiona à libertação, etc.
inspiração inicial na defesa que fará do capitalismo. Karl Marx nunca critica este pietismo,

aliás, como mostraremos, participará diretamente dele 7. Este pietismo alemão, foi fundado por

Spener (1635-1705) e tem como principal fundamentações que "A realidade da religião não

consiste em palavras, mas em fatos"8 (Dickey, op. cit. p. 70) e "doutrina sem vida, não é

cristã"(ibid. p. 85).

Tréveris é plenamente influenciada por esta corrente pietista luterana. E Marx tendo

nascido e crescido nela, também recebe essa influência9. Nos textos de Marx haveria uma

estratégia argumentativa implícita qual Dussel conhece em St. Toumin na obra: The Use of

Argument, Cambridge Univ. Press, Cambridge,1964, vejamos um esquema que a expressa10:

Esquema 1

Lemos da seguinte forma: 1) PMa: Premissa Maior: Se um cristão é capitalista; 2)

PMe: Premissa Menor: e se o Capital é a Besta do Apocalipse, o demônio visível; 3)

Conclusão: dito cristão encontra-se em contradição prática11.


7 Laurence Dickey: Hegel, Religion, Economics and the Politics of Spirit (1770-1807), Cambridge University
Press, Cambridge, 1987 apud Dussel, 1993, p. 6)
8 Aqui Dussel nos lembra que esta fundamentação é depois, uma das Teses sobre Fuerbach de Karl Marx.
9 Foi necessário copiarmos a nota de rodapé número 22 da obra "Metáforas Teológicas", pois traz informações
essenciais a este projeto de pesquisa: Véase Albert Rosenkranz, Abriss einer Geschichte der Evangelischen
Kirche im Rheinland, Duesseldorf, 1960, pp. 84-97 y 111; F. W. Krummacher, G. D. Krummacher und die
niederrheinische Erweckungsbewegung zu Anfang des 19. Jahrhunderts, Berlin-Leipzig, 1935, pp. 29ss.
Benz, Schelling. Werden und Wirken seines Denkens, Zürich, 1955, pp. 29-55, se ocupa del pietismo, e
indica la relación entre Marx y Oetinger, pietista, donde muestra que la «visión oetingeriana de la sociedad
perfecta, en su edad de oro, es un ideal de sociedad comunista». Muestra también Benz una influencia de
Oetinger sobre Marx en cuanto al concepto de «superación (Aufhebung) del Estado», que «llega a coincidir
hasta en sus términos (wörtlich) con Oetinger» (p. 53)
10 Estes esquemas na obra de Dussel são recorrentes, assim, é muito provável que também os teremos que
utilizá-los, dado a didadicidade que trazem.
11 Este livro, Metáforas Teológicas de Marx fundamentará esta leitura peculiar da obra filosófica do filósofo
judeu-luterano. E justamente por sua peculiaridade, pensamos ser importante divulgá-la e trazê-la à reflexão.
Aqui, da mesma forma que Dussel faz, ainda no prefácio, continuaremos trilhando este caminho de
justificação e fundamentação filosófica da hipótese de que há em Marx uma teologia política.
Sobre o esquema, observemos algumas conclusões que seguem deste raciocínio. Esta

lógica é muito interessante para o cristianismo e para a luta por libertação, sobretudo para o

marxismo de nossos dias. Como o cristão pode lidar com esta contradição de ser cristão e

estar no capitalismo? Há apenas 4 posturas possíveis: 1) Afirmando seu cristianismo e

renunciando ao exercício do capitalismo; 2) Afirmando o capitalismo e renunciando ao

cristianismo; 3) Inventando uma religião fetichista, com o nome de cristianismo, modificada

de tal maneira que não pareça contraditória com o capital; 4) Interpretando de tal maneira o

Capital, a fim de que não pareça contraditório ao cristianismo, escondendo sua não eticidade.

(Dussel, 1993, p. 15).

É possível perceber nestas quatro posturas alguns desdobramentos do cristianismo e do

capitalismo muito presentes hoje. Quais não desenvolverei aqui, mas posso trazer a teologia

da prosperidade, como exemplo, qual afirma que os amados por Deus, prosperam em

dinheiro, riqueza e poder, para isso, devem doar o que têm e Deus os abençoará dando em

dobro. Seria uma mescla das posturas 3 e 4. Ou ainda, alguns exemplos de Smith, Maltus e

Ricardo, como cita Dussel, que têm claramente esta intenção de justificar o capital, omitindo

sua não eticidade, claramente a postura 4 de nosso esquema. Mas por se tratar de um artigo,

aqui não poderei me ater nestes detalhes, apesar de interessantes e muito presentes hoje, além

de nos ajudar a compreender melhor a relevância da preocupação central, qual seja, se há uma

teologia política em Marx e se seu ateísmo não é contrário a toda religião, como se daria a

práxis de uma fundamentação teológica marxiana, hoje?


Teologia Política em Marx?

Marx não desenvolveu um projeto teológico sistemático com começo, meio fim. Não

escreveu uma obra exclusiva de Teologia Política, como fizeram muitos filósofos. Mas contra

a postura 3), Marx teceu um discurso considerável contrário à religião fetichista, mas que

tanto na hegemonia da tradição marxista quanto na tradição anti-marxista, foi tratado como

um discurso contrário à religião (sem mais). Marx é ateu. Mas qual é o seu ateísmo? Dussel

explicitará a natureza deste ateísmo nessa obra, afirmando que não é um ateismo contra toda

religião. É importante adiantarmos aqui que Dussel não concorda com a tese de seu colega

José Porfírio Miranda que em suas obras: "Marx e a Bíblia" e "O Cristianismo de Marx" tenta

mostrar que Marx foi subjetivamente cristão.

Contra a postura 4) Marx dedica toda sua obra, mas sobretudo "O Capital", no qual seu

intento frequente é mostrar que o capital é mais valia acumulada, portanto, não paga, não

ética e que para tentar ocultar esta não eticidade, o capital tenta criar ganância a partir de si

mesmo, do nada. É o fetichismo, por excelência. A afirmação do capital como absoluto. A

crítica a este caráter fetichista do capital é uma tarefa economico-filosófica à qual Dussel se

dedica no primeiro capítulo de sua obra Metáforas Teológicas de Marx. Percebamos que o

intento de Dussel nesta obra é mostrar que nos Grundrisse e no "O Capital", portanto a obra

madura de Marx, há objetivamente um discurso teológico implícito, negativo, metafórico.

O que talvez chame mais à atenção é a premissa menor de nosso esquema 1: "Se o

Capital é o anti-cristo, o demônio visível"... Pode parecer – e essa crítica é recorrente – que

Dussel esteja querendo distorcer o discurso de Marx (Dussel, 1993, p. 17). Mas minha

surpresa é a fundamentação que faz desta questão. Vejamos um pouco da argumentação.

Não se trata de um discurso conceitual explícito de Marx sobre a questão teológica e

sim um discurso metafórico que produz um discurso paralelo, intencional, junto ao discurso
econômico-filosófico, uma teologia política metafórica. Isso porque não são apenas metáforas

teológicas soltas, mas porque têm uma lógica. A partir daqui, traremos textos de Marx,

utilizados por Dussel para a defesa desta tese. Lemos nos Grundrisse:

(El dinero) de su figura de siervo (Knechtsgestalt), en la que se presenta como


simple medio de circulación, se vuelve de improviso soberano y dios del mundo das
mercancias (Kar Marx. Grundrisse, ed. cast. p. 156; ed. alemana p. 133. apud
Dussel, 1993, p. 19)

...De sua figura de servo, na qual se manifesta como simples meio de circulação,
converte-se repentinamente em senhor e deus no mundo das mercadorias 12. (Marx,
2013, p.223)

Percebemos nesta citação que Marx utiliza-se de uma metáfora para mostrar o fetiche

do dinheiro, que transforma-se em soberano e deus do mundo das mercadorias. Mas não é só

isso. Grande parte dos marxistas e dos anti-marxistas que entendem Marx como um ateu de

qualquer religião, dificilmente sabem ou sequer desconfiam que Marx está referindo-se nesta

metáfora a um texto bíblico, o texto de Paulo de Tarso à comunidade de Filipenses, capítulo 2,

versículo 6-7:"El, apesar de su figura divina (Gestalt Gottes) , no se aferró a su categoria de

Dios; ao contrario, se alienó a sí mismo y tomó la figura de siervo (Knechtsgestalt)".

Percebemos aqui como Marx utiliza-se do texto do Novo Testamento para mostrar a

inversão do Cristo (Deus) em servo e do servo (dinheiro), em Deus, tornando-se assim um

Deus anti-cristão, o anti-cristo. Mas ainda se pode levantar dúvidas sobre esta linha

argumentativa de Dussel, pois poderia ser apenas uma vez que Marx utiliza-se deste recurso.

Não. São várias vezes, e como mencionamos acima, de forma que pareça, de fato, construir

um discurso paralelo intencional, leiamos:

12 Nos chamou à atenção aqui, a diferença crucial nestas duas traduções, por isso, optamos por colocar as duas.
Na que Dussel se utiliza, em espanhol, lemos: "deus do mundo das mercadorias". E na segunda, em
português, deus no mundo das mercadorias. Podería aqui, discorrer sobre possíveis implicações nesta
diferença, mas como não é a intenção, talvez voltemos ao problema em outra oportuniade. Mas fica a dica de
pesquisa. É evidente, contudo, que na edição em português, há uma maior secularização na figura de deus e
na espanhol, uma maior sacralidade da mesma figura. Por acaso?!
La total cosificación, inversión y el absurdo [es] el capital como capital [...], que
rinde interés compuesto, y aparece como un Moloch reclamando el mundo entero
como víctima ofrecida en sacrificio (Opfer) en sus altares. (Karl Marx. Manuscritos
del 61-63, cuaderno XV, folio 893 (Teorías del plusvalor, FCE, México, t. III, 1980,
p. 406; MEGA, 11, 3, p.1460 apud Dussel, 1993, p. 22).

TN: A total coisificação, inversão e o absurdo é o capital como capital [...] que rende
interesse composto e aparece como um Moloch reclamando o mundo inteiro como
vítima oeferecida em sacrifício em seus altares.

Começaria a me repetir se tentasse justificar (com Dussel) as utilizações que Marx faz

desssas metáforas teológicas, portanto, passarei a citá-las e comentá-las, imprimindo neste

artigo uma noção da quantidade de vezes que o faz e a diversidade de analogias (e metáforas)

que realiza e que Dussel retrata no decorrer de sua obra Metáforas Teológicas de Marx,

trazendo algumas curiosidades sobre Marx, das quais mesmo renomados marxistas nada

comentam.

Um pouco da vida religiosa de Marx...

É importante conhecer alguns dados biográficos de Marx que nos ajudam a entender

um pouco mais sobre o envolvimento do filósofo com a religião 13 em geral e com o

cristianismo em particular. Aqui não terei esta preocupação, atendo-me em poucos dados

apenas para se ter noção do quão envolvido este foi desde sua juventude e que tal

envolvimento durou até sua morte.

Na cidade de Tréveris, nasce Marx em 5 de maio de 1818. Sua família paterna Marx-

Levi de tradição rabínica (judia) desde o século XV, sendo seu avô e seu tio Samuel Marx,

rabinos com os quais Karl conviveu em sua infância 14. Entre 1816 e 1817 o pai de Marx, por

13 Dussel publica trabalhos biográficos de Marx em sua obra: Práxis Latinoamericana y Filosofía de la
Liberación.Nueva América: Bogotá, 1983, mas em "metáforas teológicas" o mesmo retoma estes dados e
acrescenta novos, sob a perspectiva do envolvimento de Marx com a religião.
14 Copio aqui, a nota de rodapé de número 6 da página 28 de "Metáforas Teológicas", pois é possível que
tenhamos que tomar contato com elas no desenrolar desta pesquisa: Heinz Monz, Karl Marx. Grundlagen
der Entwicklungzu Leben und Werk, Trier, 1973, p. 222. «Casi todos los rabinos de Tréveris desde el siglo
XVII hasta la emancipación pertenecena la familia del padre de Karl Marx» (p. 215). Véase Arnold Künzli,
Karl Marx. Eine Psychagraphie, Wien, 1966, quien llega a escribir que Marx es «comprensible sólo desde la
configuración del antiguo destino y del mensaje bíblico del judaísmo» (p. 817). Lamadre de Marx, Henriette
Marx (1788-1863), judía originaria de Holanda, también tiene rabinos entre sus familiares. Su nombre de
motivos políticos, batiza-se luterano e pelos mesmos motivos, Karl Marx o faz em 1824. Isso

mesmo, Karl Marx torna-se luterano, aos seis anos, sendo educado numa tradição judeu-

luterana, de influência pietista, numa cultura alemã do iluminismo. De 1830-1835, dos 12 aos

17 anos, Marx estudou no ginásio católico chamado Spee 15. É interessante o dado que dos 32

companheiros de Marx que fizeram o exame de bacherelado no colégio, apenas ele e mais 7

eram luteranos, sendo todos os outros católicos. Dois trabalhos de Marx, nessa época, 1835,

chamam à atenção, seu exame de religião e o de alemão, entitulados respectivamente: "A

unidade do crente com Cristo segundo João 15,1-4" e "Reflexões de um jovem ao escolher

sua profissão". Vejamos a influencia do pietismo nestes escritos do jovem Marx:

La misma religión nos enseña que el ideal al que todos aspiran es el de ofrecerse en
sacrificio (geopfert) por la humanidad.[...] Quien elija aquella clase de actividades
en que más pueda hacer en bien de la humanidad, jamás flaqueará ante las cargas
que pueda imponerle, ya que éstas no serán otra cosa que sacrificios (Opfer)
asumidos en interés de todos. Dirigimos nuestro corazón simultáneamente hacia
nuestros hermanos que él (Cristo) une a nosotros y por quienes también se ha
sacrificado (geopfert) [...]. Ese amor de Cristo también hace que guardemos sus
mandamientos, al sacrificarnos (aufopfern) unos por otros. (Hugo Assmann. Karl
Marx-Engels, Sobre la religión, Sígueme, Salamanca, 1974 apud Dussel, 1993, p.
30)

TN: A mesma religião nos ensina que o ideal ao que todos aspiram é o de oferecer-se
em sacrifício pela humanidade [...] Quem escolhe aquela classe de atividades em que
mais possa fazer o bem da humanidade, jamais fraquejará diante das cargas que lhe
podem ser impostas, ja que estas não serão outra coisa que sacrifícios assumidos em
interesses de todos. Dirigimos nosso coração simultaneamente até nossos irmãos que
Cristo une a nós e pelos quais também se sacrificou [...]. Esse amor de Cristo
também faz que guardemos seus mandamentos, ao nos sacrificarmos uns pelos
outros.

Aqui aparece para o Marx de 17 anos, um dos temas centrais do cristianismo: doar-se
pelos outros. Ainda que num vitalismo romântico, o filósofo mostra a importância da vida, na
religião, a vida de Deus na vida dos homens. Até onde Marx não assumiu isso como norma de
vida, dado que sua família chega a passar fome, morrendo seu filho? Mas Marx permaneceu
firme em seu propósito de uma crítica contundente ao Capital, qual nos serve agora, séculos
depois para análise de nossa sociedade, tendo em vista a superação desta economia diabólica e
portanto, a vida de todos.

familia era Pressburg y Pressborck.


15 Um renomado político católico progressista, crítico, jesuíta, que fora enterrado no colégio.
El joven que inicia su carrera en la vida [...] Lo que queremos ser en la vida [...] Por
un puesto en la vida [...] Lo más alto que la vida pueda ofrecernos [...] La trayectoria
de la vi-da [...] No siempre podemos escoger en la vida [...] Hermosos hechos de la
vida [...] En vez de entrelazarse con la vida, se alimentan de verdades abstractas [...]
Si somos capaces de sacrificar la vida (das Leben [...]zu opfern) [...]( Dussel, 1993,
p.31 apud Exame de língua alemã de Kar Marx in: OF, I, pp. 1-4; CW,I, pp. 3-8;
MEW, EB 1, pp. 591-594)

TN: O jovem que inicia sua carreira na vida [...] O que queremos ser na vida [...] Por
um posto na vida [...] Não sempre podemos escolher na vida [...] Lindos fatos da
vida [...] Em vez de enamorar-se da vida, se alimentam de verdades abstratas [...]
Sim, somos capazes de sacrificar à vida.

A criticidade já está presente nestes textos, bem como a influência do pietismo, mas
não me parece aqui apenas uma influencia teórica, se não, uma paixão, uma defesa destas
ideias. Outro tema recorrente e central na tradição cristã, é o tema da comunidade
(Gemeinschaf), sobre o qual Marx também escreve:

Amaría también a los otros sarmientos porque un jardinero les cuida y una raíz les
da fuerza. Por eso, la unión con Cristo, desde lo profundo y desde la más viva
comunidad (Lebendigsten Gemeinschaft) con él, consiste en que le tenemos en el
corazón y ante los ojos; mientras nos sentimos poseídos del mayor amor a él,
dirigimos nuestro corazón simultáneamente hacia nuestros hermanos que él une a
nosotros. (op. cit. pp. 3-8; MEW, EB 1, pp. 591-594)

TN: Amaria também aos outros sarmentos porque um jardineiro cuida deles e uma
raiz lhes da força. Por isso, a união com Cristo, desde o profundo e desde a mais
viva comunidade com ele, consiste em que o tenhamos no coração e diante dos
olhos; ainda que nos sintamos possuídos do maior amor a ele, dirigimos nosso
coração simultaneamente aos nossos irmãos que ele une a nós.

Aqui está a intuição de uma das categorias fundamentais do pensamento de Marx, qual

seja, a importância da comunidade para a vida humana. Essa paixão, conhecimento da

tradição judaico-cristã, bíblica, transformada em discurso metafórico percebemos no que

provavelmente fora o evento mais triste de sua vida, a morte de seu filho Heinrich Guido:

Es sabido que los señores de Tiro y Cartago no aplacaban la cólera de los dioses
sacrificándose ellos mismos, sino comprando niños a los pobres para arrojarlos a los
brazos ígneos de Moloch. El pobre niño –refiriéndose Marx a su propio hijito
Heinrich Guido, muerto antes de un año en su pobrísimo y frío departamento de dos
habitaciones, en Londres– ha sido un sacrificio (Opfer) a la Misere burguesa.
(Dussel, 1993, p. 34 apud Karl Marx. Grundrisse. p. e. t. II, p. 133; p.199; p. 113)

TN: É sabido que os senhores de Tiro e Cartago não detinham a cólera dos deuses
sacrificando-se eles mesmos, mas comprando crianças dos pobres para atirá-los aos
braços ígneos de Moloch. O pobre menino – referindo-se Marx a seu próprio
filhinho Heinrich Guido, morto antes de um ano em seu pobríssimo e frio
apartamento de dois cômodos, em Londres – foi um sacrifício à miséria burguesa.
Esta metáfora onde considera a sociedade burguesa como Moloch, Marx utiliza várias

vezes, durante toda sua obra, notadamente nos "Grundrisse" e em "O Capital". Aqui Marx

narra que a morte de seu próprio filho, foi um sacrifício ao deus Moloch, à miséria burguesa,

dada sua situação de pobreza o filósofo não conseguiu impedir tal tragédia.

A posição definitiva de Marx sobre a religião

Marx, ainda pré-socialista, origina sua crítica antifetichista da economia política,

1843-1844. Em Kreuznach, setembro de 1843, Marx escreve uma carta a Ruge, mencionando

que o comunismo é uma abstração dogmática e a religião e a política são suas preocupações

agora, dado que são preocupações da Alemanha de sua época. Apesar disso, mesmo sendo um

texto pré-socialista, muitos tomam-no como definitivo para o ateísmo de Marx, o que segue:

La crítica de la religión ha llegado en lo esencial a su fin en Alemania, y la crítica de


la religión es la premisa de toda crítica [...] El fundamento de toda crítica irreligiosa
es que el hombre hace la religión [...] La religión (es) una conciencia del mundo
invertida [...] La miseria religiosa es, por una parte, la expresión de la miseria real y,
por otra, la protesta contra la miseria real [...] La religión es opio del pueblo [...] La
crítica de la teología (se trueca) en la crítica de la política. (Dussel, 1993, p. 42 apud
OF, I, pp. 491-491; CW, III, pp. 175-176; MEW, 1, pp. 378-379)

TN: A crítica da religião chegou ao essencial a seu fim, na Alemanha, e a crítica da


religião é a premissa de toda crítica [...]. O fundamento de toda crítica irreligiosa é
que o homem faz a religião [...] A religião é uma consciência do mundo invertida
[...] A miséria religiosa é, por uma parte, a expressão da miséria real e, por outra, o
protesto contra a miséria real [...] A religião é o ópio do povo [...] A crítica da
teologia torna-se crítica da política.
Copiarei aqui o esquema16 onde Dussel explica o projeto da crítica à religião de Marx:

Esquema 1.1

Nesta época toda crítica que Marx faz à religião, o faz à religião como entendia Hegel,
uma religião de dominação, a serviço do Estado, como Cristandade. Desta forma, um cristão
que baseia-se no cristianismo primitivo de Jesus e das comunidades cristãs, nada têm a negar
das objeções que Marx faz, aliás, deve assumi-las como suas. Os níveis II B e III B do
esquema 1.1 ajuda-nos a compreender a questão judia, sobretudo a necessidade da abolição
da religião em geral, tanto do cristianismo, como do judaísmo, mas como manifestações
concretas da essência abstrata. Lembrando que a questão tratada por Marx é o Estado cristão.
Marx não nega a essência absolutamente abstrata da religião, ou seja, a relação da pessoa com
o Absoluto, Nível I e sua possível manifestação concreta, a essencia geral da religião como
libertação, Nível IIa. A abolição da religião, portanto, em "A questão judia" é "abolição de
uma determinação, de uma essencia geral concreta..."(Dussel, 1993, p. 43 apud OF, I, p. 463;
CW, I, p. 146; MEW, 1, p. 347.; p. 466; p. 149; p. 350)

16 Esquema 1.1, p. 43 de Metáforas Teológicas: Diversos niveles de la esencia de la religión y sus


manifestaciones abstractas y concretas, profundas y superficiales.
A posição definitiva de Marx sobre o Ateísmo é:

El ateísmo, en cuanto negación de esta carencia de esencialidad, carece ya


totalmente de sentido, pues el ateísmo es la negación de dios y afirma,
mediante esta negación, la existencia del hombre; pero el socialismo, en
cuanto socialismo, no necesita ya de tal mediación [...] Es autoconciencia
positiva no mediada por la superación de la religión. (Dussel, 1993, p. 49
apud Karl Marx. Manuscritos económicos políticos de 1844. Alianza,
Madrid,1968, p. 53; CW, III, pp. 236-237; MEW, EB 1, pp. 255-256; pp. 304-
305; pp. 544-545)

TN: O ateísmo, enquanto negação desta carência de essencialidade, carece já


totalmente de sentido, pois o ateísmo é a negação de deus e afirma, mediante
esta negação, a existência do homem; mas o socialismo, enquanto tal, não
necessita de tal mediação [...] É auto consciência positiva não mediada pela
superação da religião.

O Socialismo é a superação prática do ateísmo. Marx inclusive não aceitará a posição


de um ateísmo militante, pelo que Bakunim o critica. Esta crítica de Bakunin dirige-se à
concepção de comunismo de Marx que é uma ideia regulativa, um horizonte contrafático,
impossível de ser realizado, portanto. Dussel aponta que o próprio dinheiro fetichizado, o
Mammon é uma crítica a esta ideia:

El dinero es el vínculo que me liga a la vida humana, que liga la sociedad (...) Es la
divindad visible (sichtbare) (...) Es la prostituta universal (...es) la fuerza divina en
que radica la esencia genérica alienada (del hombre) (...) Es el Poder enajenado de la
humanidad. (Ibid. p.179;pp.324-325;p.565 apud DUSSEL, 1993, p. 49-50).

TN: O dinheiro é o vínculo que me liga à vida humana, que liga à sociedade (...) É a
divindade visível (...) É a prostituta universal a força divina na qual radica a essencia
genérica alienada do homem (...) É o poder alienado da humanidade.

Aqui, Marx nos dá, segundo o filósofo latino-americano, uma "ideia concreta e exata
do demônio, de satã"(Dussel, p.50). Esta ideia é a oposição ao comunismo, dado que o
comunismo parece abstrato, inalcansável, utópico em demasia, o dinheiro em sua concretude
indiscutível é o que parece dar sentido à vida, uma vez que no modo de produção capitalista
ele permite a realização de todas as necessidades materiais.
Ainda sobre o fetiche da mercadoria, agora na última redação de O Capital, portanto, o
Marx em sua fase de maturidade, lemos:

Una mercancía parece ser una cosa trivial [...]. Su análisis demuestra que es un
objeto endemoniado, rico en sutilezas metafísicas y reticencias teológicas [...]. El
carácter místico de la mercancía no deriva [...] de su valor de uso. (El Capital, I, cap.
1.4 (I/1, p. 87; MEGA, II, 6, p. 102)

TN: Uma mercadoria parece ser uma coisa trivial [...]. Sua analise demonstra que é
um objeto endemoniado, rico em sutilezas metafísicas e reticencias teológicas [...].
O caráter místico da mercadoria não deriva [...] de seu valor de uso.

Marx nos mostra o caráter místico da mercadoria, que não surge de seu valor de uso, é
metafísico, teológico. O capitalismo faz com que a mercadoria, medie a relação entre o
mundo religioso e o mundo econômico.

É PRECISO (RE)LER MARX

Na leitura de As Metáforas Teológicas de Marx tive a convicção de que Marx mais


uma vez, esteve muito à frente de seu tempo, escrevendo um discurso teológico metafórico
paralelo a seu discurso econômico, filosófico. E ainda que sua Teologia Política seja um
discurso secundário em suas obras maduras, me parece muito difícil negá-lo. Mas isso deixo
para os especialistas em Marx.
Poderíamos aqui dar uma série de outros exemplos, já adiantarmos algumas reflexões
realizadas em outras obras de Dussel e de outros autores, sobre a concepção de religião para
Marx. Mas não foi, neste artigo, nossa intenção. O que privilegiei, foi objetivamente mostrar a
visão que Enrique Dussel tem sobre uma Teologia Política em Marx e apesar de o fazer de
forma sintética, penso ter cumprido a tarefa.
Espero com este artigo contribuir -e mais ainda com a tradução da obra completa, em
grupo-, para retomarmos esta discussão sobre o ateísmo de Marx, que a meu ver é essencial
em nossa sociedade brasileira atual, na qual foi configurado pelo PSDB, PMDB e demais
partidos golpistas17 um discurso mitológico irracional e alienador de que o PT é comunista e
tudo o que é comunista, socialista, de esquerda é satânico, contrário ao cristianismo... Este
artigo e mais ainda a obra completa de Dussel, ajuda mostrando com sólidos fundamentos
conceituais que o marxismo está muito próximo ao cristianismo e que satânico e longe do

17 Me refiro ao atual golpe de estado jurídico, parlamentar, midiático sob o qual estamos submetidos, em 2016,
pleno século XXI, um fantoche (Temer) do Capital toma o poder para implantar a atual reforma do
naoliberalismo, no Brasil, intensificando ainda mais nossa dependência política, cultural e econômica.
cristianismo são alguns discursos atualmente pregados nos púlpitos e altares glamourosos de
muitas igrejas e movimentos que se dizem cristãos, mas abandonaram totalmente os
fundamentos do cristianismo, que podemos sintetizar naquele que mais exploramos neste
artigo: dar a vida pelo outro, de sua comunidade. De forma que este pode ser -até hoje, como
era na época de Cristo - o critério para separar o joio do trigo, os verdadeiros cristãos, dos que
se dizem cristãos e não o são.
E por outro lado, contribuir para extirpar preconceitos das esquerdas vigentes, que
ainda longe de entenderem e cumprirem, o que entendo como o fundamental da mensagem
marxista: uni-vos (comunidade) - muito por vaidade, fetiche das instituições (partidos,
movimentos, pautas de luta...) - interpretam erroneamente o ateísmo de Marx e não dialogam
em igualdade com militantes, ativistas, atores sociais religiosos que pretendem superar o
capitalismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUSSEL, Enrique. Religión. México: Edicol, 1977.


_______________Práxis Latinoamericana y Filosofía de la Liberación.México: Clacso,1983.
Texto acessível em: http://168.96.200.17/ar/libros/dussel/praxis/praxis.html último acesso:
Março, 2015.
_______________. Hacia un Marx Desconocido: un comentario a los Manuscritos del 61-63.
México: Siglo XXI, 1988.
_______________. El útimo Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana: Un
comentario a la tercera y a la cuarta redación de "El capital". México: Siglo XXI, 1990.
_______________. La Producción Teórica de Marx: un comentario a los grundrisse. 2ªed.
México: Siglo XXI, 1991.
_______________. Las Metáforas Teológicas de Marx. México: Clacso,1993. Texto acessível
em: http://168.96.200.17/ar/libros/dussel/marx3/marx3.html último acesso: Março, 2015.
KEE, Alistair. Marx and the failure of Liberation Theology. Michigan: SCM press, 1990.
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-filosóficos. 4ª reimpressão.São Paulo: Boitempo,2010.
MARX, Karl.ENGELS, Friedrich. A Sagrada Família. São Paulo: Boitempo,2011.
___________. Grundrisse Manuscritos econômicos de 1857-1858: Esboços da crítica da
economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.
___________. O Capital. Crítica da economia política. Livro I: O processo de Produção do
Capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
____________. O Capital. Crítica da economia política. Livro II: O Processo de Circulação
do capital. Trad. Ribens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014.
NOVAK, Michael. The Spirit of democratic capitalism. London: IEA, 1991.
TOULMIN, Stephen E. The Uses of Argument. Update Edition. USA: Cambridge University
Press, 2003.

Você também pode gostar