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03 Remond Rene A Idade Do Liberalismo in o Seculo Xix Sao Paulo Cultrix PDF
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A IDADE DO LIBERALISMO
1. A IDEOLOGIA LIBERAL
Tomemos primeiro o caminho mais intelectual, o que privilegia
as ideias, examina os princípios, estuda os programas. Esta é a
interpretação do liberalismo geralmente proposta pelos próprios liberais;
é também a mais lisonjeira. É este o aspecto que se impõe sob a pena
dos contemporâneos, a ideologia do liberalismo tal qual é expressa nas
obras de filosofia política de Benjamin Constant, na tribuna das
assembleias par- lamentares, na imprensa, nos panfletos.
A Filosofia Liberal
O liberalismo é, primeiramente, uma filosofia global. Insisto nesse
ponto porque muitas vezes, hoje, ele costuma ser reduzido a seu aspecto
econômico, que deve ser recolocado numa perspectiva mais ampla e que
nada mais é do que um ponto de aplicação de um sistema completo que
engloba todos os aspectos da vida na sociedade, e que julga ter resposta
para todos os problemas colocados pela existência coletiva.
O liberalismo é também uma filosofia política inteiramente orientada
para a idéia de liberdade, de acordo com a qual a sociedade política
deve basear-se na liberdade e encontrar sua justificativa na consagração
da mesma. Não existe sociedade viável — e, com muito mais razão,
legítima — senão a que inscreve no frontispício de suas instituições o
reconhecimento de sua liberdade. No plano dos regimes e do
funcionamento das instituições, essa primazia comporta consequências
cuja extensão iremos estudar.
Trata-se também de uma filosofia social individualista, na medida em
que coloca o indivíduo à frente da razão de Estado, dos interesses de grupo,
das exigências da coletividade; o liberalismo não conhece nem sequer os
grupos sociais, e basta lembrar a hostilidade da Revolução no que dizia
respeito às organizações, às ordens, a desconfiança que lhe inspirava o
fenômeno da associação, sua repugnância para reconhecer a liberdade de
associação, de medo que o indivíduo fosse absorvido, escravizado pelos
grupos.
Trata-se ainda de uma filosofia da história, de acordo com a qual a
história é feita, não pelas forças coletivas, mas pelos indivíduos. Trata-se,
enfim — e é nisso que o liberalismo mais merece o nome de filosofia —
de certa filosofia do conhecimento e da verdade. Em reação contra o
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2. A SOCIOLOGIA DO LIBERALISMO
Completamente diversa é a visão que se obtém com uma abordagem
sociológica, que, em lugar de examinar os princípios, considera os atores
e as forças sociais.
O Liberalismo, Expressão dos Interesses da Burguesia
A visão sociológica é relativamente recente, nitidamente posterior
aos acontecimentos, e opõe-se ao idealismo da interpretação anterior.
Dando ênfase aos condicionamentos socioeconômicos, às decisões ditadas
pelos interesses, essa abordagem corrige nossa interpretação histórica e
sugere que o liberalismo é, pelo menos enquanto filosofia, a expressão
de um grupo social, a doutrina que melhor serve aos interesses de uma
classe.
Se, com o apoio dessa afirmação, fizermos intervir a geografia e a
sociologia do liberalismo, constataremos que os países em que o
liberalismo aparece, em que as teorias liberais encontraram maior
simpatia, onde se desenvolveram os movimentos liberais, são aqueles
onde já existe uma burguesia importante.
Prolongando a análise geográfica por um exame sociológico, constata-
se igualmente que a categoria social — e o vocabulário é revelador a esse
respeito — na qual o liberalismo recruta essencialmente seus
doutrinadores, seus advogados, seus adeptos, é o das profissões liberais e
o da burguesia comerciante.
A conclusão é fácil de se adivinhar: o liberalismo é a expressão, isto
é, o álibi, a máscara dos interesses de uma classe. É muito íntima a
concordância entre as aplicações da doutrina liberal e os interesses vitais
da burguesia.
Quem, então, tira maior partido, na França ou na Grã-Bretanha, do
livre jogo da iniciativa política ou econômica, senão a classe social mais
instruída e mais rica? A burguesia fez a Revolução e a Revolução
entregou-lhe o poder; ela pretende conservá-lo, contra a volta de uma
aristocracia e contra a ascensão das camadas populares. A burguesia
reserva para si o poder político pelo censo eleitoral. Ela controla o acesso
a todos os cargos públicos e administrativos. Desse modo, a aplicação do
liberalismo tende a manter a desigualdade social.
A visão idealista insistia no aspecto subversivo, revolucionário, na
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democracia do século XX, mas o Antigo Regime. Eles, portanto, são mais
sensíveis ao progresso conseguido do que às restrições do liberalismo;
eles dão menos importância às limitações na aplicação dos princípios do
que à enorme revolução feita. A sociedade é relativamente aberta, dando
destaque ao talento, à cultura, à inteligência; trata-se antes de uma
burguesia de função, administrativa, de uma burguesia de cultura,
universitária, do que de uma burguesia do dinheiro. O termo
"capacidades" surge com frequência no vocabulário da época. Assim,
sob a Monarquia de Julho, a oposição fará campanha pela extensão do
direito de voto aos "capacitados". Entende-se por isso os intelectuais, os
quadros administrativos, os que, não preenchendo as condições de fortuna
exigidas para pertencer ao país legal — os 200 F do censo eleitoral —
preenchem as condições de ordem intelectual.
O liberalismo, em seu início, até a revolução industrial, ainda não
havia desenvolvido as consequências sociais que os críticos socialistas
sublinharam depois. Numa economia ainda tradicional, na qual o grande
capitalismo se reduz a pouca coisa, numa sociedade baseada na
propriedade da terra, o liberalismo não permite nem a concentração dos
bens nem a exploração do homem pelo homem. A revolução, num
primeiro tempo, mais libertou do que oprimiu.
As Duas Faces do Liberalismo
Se, portanto, queremos compreender e apreciar o liberalismo, não
temos que escolher entre as duas interpretações, não temos que optar
entre o aspecto ideológico e a abordagem sociológica. Ambos concorrem
para definir a originalidade do liberalismo e para revelar o que constitui
um de seus traços essenciais, essa ambiguidade que faz com que o
liberalismo tenha podido ser, alternativamente, revolucionário e
conserva- dor, subversivo e conformista. Os mesmos homens passarão
da oposição para o poder; os mesmos partidos passarão do combate ao
regime à defesa das instituições. Agindo assim, eles nada mais farão do
que revelar sucessivamente dois aspectos complementares dessa mesma
doutrina, ambígua por si mesma, que rejeita o Antigo Regime e que
não quer a democracia integral, que se situa a meio-caminho entre esses
dois extremos e cuja melhor definição é, sem dúvida, o apelido dado à
Monarquia de Julho: "o justo meio". É porque o liberalismo é um justo
meio que, visto da direita, parece revolucionário e, visto da esquerda,
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4. OS RESULTADOS
Qual foi o balanço desses movimentos liberais? Deixaram eles sua
marca nas instituições políticas e na ordem social? A mesma pergunta pode
ser feita trocando-se os termos: quais os sinais pelos quais se pode
reconhecer que um regime político é liberal? Quais os critérios que
permitem que se afirme, desta ou daquela sociedade, que sua
organização está conforme os princípios do liberalismo?
Examinaremos sucessivamente as características da ordem política
inspirada no liberalismo e os caracteres constitutivos das sociedades
impregnadas por essa filosofia.
Os Regimes Políticos Liberais
Em virtude de sua identidade de inspiração, os regimes liberais
mostram traços comuns entre si. Na maioria dos países, o progresso do
liberalismo é medido pela adoção de instituições cuja reunião define o
regime liberal típico.
Em primeiro lugar, o liberalismo de um regime é reconhecido,
primeiramente, pela existência de uma constituição. Em relação à
inexistência de textos no Antigo Regime, trata-se de uma novidade radical
da Revolução que, pela primeira vez na Europa — depois do exemplo
dos Estados Unidos — tem a ideia de definir por escrito a organização dos
poderes e o sistema de suas relações mútuas. No século XIX, os regimes
liberais retomam, cada um por sua conta, o precedente revolucionário.
Essas constituições são estabelecidas em condições variáveis: às vezes
é o soberano quem a outorga e a apresenta como um gesto gracioso,
enquanto que em outras circunstâncias a constituição é votada pelos
representantes da nação.
Para não dar senão um exemplo, a França associa os dois casos. A
Carta, em seu texto inicial, é promulgada por Luís XVIII, a 4 de junho
de 1814. Trata-se de um texto outorgado — o preâmbulo insiste
propositadamente nesse ponto, a fim de dissimular as concessões
implícitas na Carta. Dezesseis anos depois, após a queda de Carlos X, a
Carta é revisada pela Câmara dos Deputados e é depois de ter feito
juramento à nova Carta revisada que Luís Filipe é chamado a subir ao
trono. As- sim, o mesmo texto (apenas emendado) foi, primeiro,
outorgado e, depois, elaborado pelos representantes da nação.
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