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A seção terceira do livro III d’O Capital, de Marx, intitula-se: “Lei da queda tendencial da taxa de lucro”.

A seção consta de três capítulos que aqui se reproduzem em sua integridade. O capítulo XIII define “A
lei enquanto tal”; o capítulo XIV trata das “Causas contrariantes” que neutralizam a ação da lei geral;
o capítulo XV examina o “Desenvolvimento das contradições internas da lei”.

O raciocínio desenvolvido por Marx nessa seção é bastante mais linear do que parece a
primeira vista. Todo o seu discurso versa sobre os efeitos contraditórios com que se
manifesta o aumento da produtividade do trabalho nas condições capitalistas. Para
aumentar a mais-valia, o capital deve incrementar a produtividade do trabalho: com efeito,
esta última - ao determinar uma diminuição do tempo de trabalho incorporado a cada produto
e, portanto, uma diminuição do valor de cada mercadoria (”a magnitude do valor de uma
mercadoria, diz Marx, varia em razão inversa à força produtiva do trabalho efetivado nela”)
- também determina a diminuição do tempo de trabalho necessário para produzir os meios
de subsistência do operário, isto é, reduz a parte da jornada de trabalho em que a força de
trabalho se reproduz a si mesma para, ao contrário, aumentar o tempo de trabalho
suplementar que o operário cede ao capital, isto é, a mais-valia. Por outro lado, como para
aumentar a produtividade do trabalho o capital deve revolucionar constantemente a base
técnica da produção, introduzindo novas e mais custosas máquinas, a mesma causa que
incrementa a produtividade do trabalho também aumenta a “composição orgânica” do
capital, ou seja a proporção entre a parte do capital que se gasta na aquisição de máquinas
e matérias primas, o “capital constante”, e sua outra parte, o “capital variável”, o fundo
salarial que, ao contrário, está destinado a aquisição da força de trabalho.

Em virtude do primeiro aspecto, o aumento da produtividade do trabalho é sinônimo de


aumento da “taxa de mais-valia” ou taxa de exploração, expressão com a que Marx entende
a relação entre a mais-valia produzida e o componente variável do capital adiantado, ou a
relação entre a mais-valia e o trabalho necessário.

Em virtude do segundo aspecto, isto é, da incrementada “composição orgânica” do capital,


tem-se, ao contrário, uma queda da “taxa de lucro”, isto é, uma queda da relação na qual a
mais-valia encontra-se relacionada não só com o componente variável mas com todo o
capital invertido.

A lei, portanto, é uma, mas tem dois lados: no sentido de que, como explica Marx, “a taxa
de lucro não cai porque o trabalho torna-se improdutivo, mas porque se torna produtivo.
Ambas coisas, o aumento da taxa de mais-valia e a queda da taxa de lucro só são formas
especiais em que se expressa, no capitalismo, uma produtividade crescente do trabalho”.

Resulta evidente a importância que tem esta lei dentro do quadro de análise de Marx. A taxa
de lucro constitui a força motriz da produção capitalista; no capitalismo só se produz o que
se pode produzir com lucro e na medida em que se pode obter tal lucro. Se, portanto, esta
força motriz tem tendência a debilitar-se, quer dizer que o destino de todo o sistema está
selado.

Em resumo, a lei é algo mais que uma das tantas leis enunciadas ao longo de todo O Capital,
pois resume toda a visão que Marx teve do capitalismo. Com efeito, para ele, a contradição
inerente ao desenvolvimento da produtividade do trabalho nas condições capitalistas é
expressão culminante da natureza contraditória de todo o sistema “o desenvolvimento das
forças produtivas do trabalho social é a tarefa e a legitimação histórica do capital”, mas
“justamente com isso ele cria inconscientemente as condições materiais de uma forma
superior de produção”.

Em outras palavras, para desenvolver-se, o capitalismo necessita uma produtividade cada


vez maior do trabalho: o incremento desta última é o meio pelo qual aumenta a mais-valia
e, portanto, desenvolve-se a acumulação. Por outro lado, se este incremento da
produtividade é o meio de vida do capital, o fato de que se traduza em um aumento da
composição orgânica o converte ao mesmo tempo em um limite insalvável para a
autovalorização do capital mesmo. A razão de vida transforma-se em uma razão de morte.
Ou como diz Marx, “o meio - desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais -
entra em constante conflito com o objetivo limitado, o da valorização do capital existente”,
de maneira que, conclui, “se o modo capitalista de produção é o meio histórico para
desenvolver a força produtiva material e criar o mercado mundial que lhe corresponde, é ao
mesmo tempo a constante contradição entre esta sua missão histórica e as relações sociais
de produção correspondentes a tal modo de produção”.

Em conclusão são duas as forças que atuam sobre a taxa de lucro: a taxa de mais valia e a
composição orgânica do capital. O desenvolvimento da produtividade do trabalho faz
aumentar simultaneamente ambas. Mas como, a longo prazo, a segunda força excede a
primeira, a causa que impulsa a queda da taxa de lucro deve prevalecer finalmente, segundo
Marx, sobre o aumento da taxa de mais valia que, ao contrário e por si mesma, tende a
conter essa queda ou a anulá-la diretamente em certas condições.

Tal é em grandes linhas o sentido do discurso. E agora, inclusive para os fins de um melhor
entendimento, lancemos uma olhada à mais recente literatura crítica sobre o argumento.

A objeção principal a que todos os críticos se adscrevem, pode se enunciar do seguinte


modo: ao descrever no capítulo XIII a queda da taxa de lucro que decorre do aumento da
composição orgânica do capital, Marx - afirma-se - supõe que a taxa de mais valia não
aumenta, mas que permanece constante. O procedimento resulta ilegítimo. Com efeito, se
para aumentar a produtividade do trabalho é necessário aumentar a composição orgânica
do capital, isto é, introduzir máquinas novas e mais custosas, também é certo que se procura
acrescentar a produtividade do trabalho porque esta aumenta a taxa de mais valia. Enquanto
que os dois fenômenos (aumento da composição orgânica e aumento da taxa de mais valia)
são os dois efeitos opostos, mas inseparáveis, da incrementada produtividade do trabalho,
Marx - afirma-se - comete o erro de separá-los, construindo o capítulo que trata da lei
enquanto tal somente sobre a base do primeiro efeito, e relegando o outro (isto é, o aumento
da taxa de mais valia) ao capítulo 14, dedicado às tendências antagônicas. Este modo de
proceder resulta arbitrário. Com efeito, ao tratar separadamente os dois processos Marx
consegue considerar o aumento da composição orgânica, com a conseqüente queda da
taxa de lucro, como uma tendência fundamental, e o aumento da taxa de mais valia (que
reduz ou anula essa queda) como uma causa antagônica mas secundária com relação à
primeira. É a crítica desenvolvida por Ludwig von Bortkiewicz em Wertreohnung und
Preisrechnung im Marxchen System (cm. Archiv fur Sozialwissenschaft und Sozialpolitik,
setembro de 1907, pp. 466-7), e que logo também retomou Paul M. Sweezy e sua Teoria
del desarrollo capitalista (México, FCE, 1970, pp. 113-121).

O aumento da composição orgânica e o aumento da taxa de mais valia - escreve Sweezy -


são duas variáveis que “devemos considerar (…) como de importância aproximadamente
coordenada”. Resulta impossível dizer a priori qual das duas prevalecerá. Logo, ” se
supomos que tanto a composição orgânica do capital como a taxa de mais valia são
variáveis, como acreditamos que deveria fazer-se, então a direção em que a taxa de lucro
mudará faz-se indeterminada”: esta diminuirá - diz Sweezy - ” se a porcentagem de aumento
na taxa de mais valia é menor que a porcentagem de diminuição na proporção do capital
variável com relação ao capital total”; em caso contrário, em vez de diminuir, a taxa de lucro
aumentará. De qualquer maneira “se os atos dos capitalistas tiverem êxito na restauração
da taxa de lucro ou se atuarão somente para apressar seu descenso, é uma conclusão que
não se pode apoiar em razões teóricas ou gerais”.

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