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009025
* UNIABEU/ Ise-FAETEC-RJ. Doutorando em Serviço Social (UFRJ), Pesquisador Coletivo de Estudos de Política Educacional (EPSJV-
Fio CRUZ). Contato: marcelaomelo@gmail.com
A missão principal desse projeto histórico meiro recurso investido na compra de títulos já
da burguesia e suas frações foram cumpridas. decorre de extração de mais valia anterior, assim
O reordenamento das relações de forças entre como a valorização posterior via setor financeiro
capital e trabalho, com o consequente enfraque- também se assenta, visto ser daí a origem dos
cimento político deste último, bem como a reto- recursos públicos ou mesmo de companhias
mada das taxas de lucro dos tempos gloriosos privadas que emitam seus títulos. Com muita
do capitalismo indicam que, do ponto de vista clareza, Chesnais afirma que tal processo deve
burguês, o neoliberalismo foi vitorioso. Tanto que ser tomado como um “subproduto da acumula-
Dumenil e Levy (2005) afirmam que o neolibera- ção industrial do período da ‘idade de ouro’. En-
lismo nasceu da luta de classes promovida pela corajadas pelas disposições fiscais favoráveis,
fração financeira tanto internamente à burgue- as famílias com rendas mais elevadas começa-
sia, como no embate com o conjunto da classe ram a investir suas rendas excedentes líquidas
trabalhadora. em títulos de seguro de vida. Disso deriva que,
É preciso ter claro que a fração financeira ainda hoje, são as companhias de seguros que
da burguesia ficou em posição de relativa mi- centralizam os ativos financeiros mais elevados”
noridade em face de outras frações burguesas (2005, p. 37).
durante os chamados anos de ouro do capitalis- No fim dos anos 1950 (antes, portanto, da
mo, após a segunda guerra mundial até os anos crise do petróleo do início dos anos 1970), com
1970. Essa minoridade pode ser expressa na a criação de praça financeira desregulamentada
baixíssima remuneração que as taxas de juros em Londres - CITY Londrina -, o capital portador
proporcionavam, além das políticas mais rígidas de juros dá seus primeiros passos. Assim, uma
de controle de capitais, diminuindo as possibilida- parcela cada vez maior dos lucros das empresas
des especulativas. É nesse bojo que devem ser passa a não ser reinvestida na produção, bus-
entendidas as posições tomadas por essa fração cando valorizar-se na esfera financeira, como
na busca por recuperar sua posição de destaque capital de empréstimos. Tal processo é forte-
na condução da classe burguesa. mente acelerado a partir dos anos 1970, com o
Chesnais (2005, p. 37) apresenta uma de- esgotamento da idade de ouro.
finição de acumulação financeira, ao considerá- Com o aumento do petróleo, esse capital
la como a “centralização em instituições espe- não reinvestido começa a procurar outros por-
cializadas de lucros industriais não reinvestidos tos de valorização. De acordo com Chesnais
e de rendas não consumidas, que têm por en- (2005, p. 39):
cargo valorizá-los sob a forma de aplicação em
ativos financeiros - divisas, obrigações e ações, Essa reciclagem tomou a forma de emprés-
timos e de abertura de linhas de crédito dos
mantendo-os fora da produção de bens e servi-
bancos internacionais aos governos do ter-
ços”. Como aponta o autor, tal processo tem um ceiro mundo, sobretudo da América Latina.
recomeço nos EUA a partir dos anos 1950 e na As bases da dívida do terceiro mundo foram
Europa nos anos 1960, após duas décadas de lançadas e, com elas, um mecanismo de
intensos controles dos Estados devido à grave transferência de recursos que possui a capa-
crise de 1929 e a segunda guerra mundial. cidade de se reproduzir ao longo do tempo.
O ponto central é que se trata de parte
da mais valia extraída que não é reinvestida na É, sobretudo, pela elevação das taxas de
produção, mas deslocada para uma valorização juros que se dá essa reprodução da transferên-
sem entrar na esfera da produção real, ficando no cia de recursos. A respeito disso, afirma o refe-
plano das finanças, ainda que essa valorização rido autor:
demande a transferência posterior de recursos Os juros devidos sobre o principal da dívida
concretos, sobretudo advindos do fundo público (o serviço da dívida) absorvem uma fração
- novamente resultados de impostos. Então o pri- sempre maior do orçamento do Estado, da
receita das exportações e das reservas do
país, de sorte que a única maneira de fazer
dado aprofunda a já larga desigualdade social.
face aos compromissos do serviço da dívida se alinhar às práticas americanas. [...] Todo
é tomar um novo empréstimo. (Ibidem) Estado que não esteja disposto a abrir um
confronto direto com os ninhos de capital
As medidas tomadas pelos governos monetário concentrado de seu país (bancos,
Thatcher e Reagan no período de 1979-81 − como grandes companhias de seguros) é obrigado
a acompanhar, ou até mesmo a antecipar-se
a liberalização e desregulamentação financeira e
aos demais (CHESNAIS, 1996, p. 260).
comercial − propiciaram o nascimento do sistema
de finança mundializada da forma como se
O chamado Consenso Washington refe-
apresenta hoje. Tais medidas aboliram o controle
re-se a uma série de medidas e proposições
dos movimentos de capitais com outros países
políticas e econômicas a serem tomadas por di-
(saída e entrada), abrindo assim os sistemas
versos países em que se tornaram comuns nos
financeiros nacionais para o exterior. A integração
anos 1980 e 1990, ainda que seus partidários
internacional dos mercados financeiros nacionais
não as tratem assim. Tais medidas buscaram
foi facilitada por sua interconexão em tempo real
dar organicidade à nova fase de acumulação e
via novas tecnologias de comunicação.
ordenamento da sociedade capitalista, que era
A fração financeira se vale do contexto de anunciada como indispensável para re-equili-
crise de acumulação de capital com forte queda brar as relações de força a favor do conjunto da
nas taxas de lucro do conjunto do capital, para classe burguesa. Seus proponentes principais
buscar uma nova dinâmica de funcionamento foram, além dos governos dos países centrais,
e regulação do sistema capitalista, permitindo os organismos financeiros internacionais como
recuperar a correlação de forças favorável ao o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Ban-
conjunto da classe burguesa e, ao mesmo tem- co Mundial (BM). A forma de organizar a vida
po, assegurar o papel hegemônico para si. O social própria dos tempos de Welfare State, nos
contexto dos anos 1970 − com a chamada crise países centrais, e nacional desenvolvimentista,
do petróleo, a ruptura unilateral do sistema de na periferia do sistema capitalista, era a razão
Bretton Woods pelos EUA, a derrota na guerra para a crise em que se encontrava a economia
do Vietnã − somado às dificuldades econômicas capitalista depois de três décadas de cresci-
propriamente ditas (como a forte desaceleração mento no pós-guerra. A combinação da inflação
do crescimento, depois de mais de duas déca- com a estagnação que caracterizou, sobretudo,
das de crescimento ininterrupto; o aumento da a segunda metade dos anos 1970, demandava
instabilidade macroeconômica; o crescimento do ser enfrentada.
desemprego e da inflação), produziu uma con-
Esse conjunto de proposições recebe o
juntura política favorável à retomada pela fração
nome de Consenso de Washington, devido à fa-
financeira de um papel mais ativo.
mosa reunião realizada na capital estadunidense
O papel dos EUA nesse processo é central. nos fins dos anos 1980, ainda que o “pai” desse
Tanto pelo tamanho do seu mercado financeiro, nome o rejeitasse, não gostasse de utilizá-lo. A
como também pelo papel de nação imperialis- razão para essa rejeição se deve ao caráter de
ta hegemônica, tal país acaba por ser o centro imposição de uma agenda que John Willianson,
receptor de um grande volume de recursos. O criador de tal nome, deveria indicar. Segundo
aumento da taxa de juros promovido no governo ele, não se tratou de uma imposição dos países
Reagan, em 1979, faz dos EUA um atrativo para centrais e organismos internacionais, mas sim de
um grande volume de capitais, capaz então de uma convergência universal em torno das medi-
financiar seus crescentes déficits orçamentários, das que se acreditava serem necessárias para a
os quais eram causados, sobretudo, pelos seus retomada do crescimento econômico. Willianson
exorbitantes gastos militares. Com isso: (2003) sugere, então, que se dê a essas propo-
sições o nome Convergência Universal, uma
[...] todo país que não pretenda denunciar vez que o “bom senso econômico é geralmente
essas práticas, nem colocar sob acusação a aceito”. Para fundamentar essa afirmação, ele
política dos EUA, mas que também queira aponta que tanto a disciplina macroeconômi-
colocar seus bônus do Tesouro, é obrigado a
ca como a estabilidade fiscal vieram para ficar
nacionais (global production networks) que pital financeiro só aparece com vigor no pla-
permitem explorar o trabalho de uma mão no agregado, onde fica evidente a irraciona-
de obra qualificada (às vezes muito qualifi- lidade de assentar o crescimento econômico
cada) nos países de salários baixos ou mui- na extração de renda real, mais do que em
to baixo para produção de bens e serviços sua geração. No plano dos capitais interna-
que serão vendidos nos países avançados. cionais, (...) combinar ganhos rentistas com
A exploração das diferenças de valor e de ganhos produtivos é próprio da lógica de seu
preços entre países não ocorre nas matérias funcionamento. (...) Logo, se o momento é
primas, mas no preço da compra da força de de juro real elevado patrocinado pelos es-
trabalho e nas taxas de rendimento permi- tados nacionais da periferia do capitalismo,
tidas pela ausência de regulamentação do ajusta-se o funcionamento da produção a
trabalho, do direito de se sindicalizar e de essa circunstância, de modo a maximizar
proteção social. As filiais no exterior e as re- monetariamente a combinação entre ganho
des de subcontratação sustentam os lucros produtivo e ganho financeiro.
e os valores acionários (Ibidem).
Na nova dinâmica de funcionamento do
Contudo, é importante não conceber re- capitalismo, a união entre capital financeiro e
lação finança x produção como algo exterior ou industrial ganha novos contornos. Como afirma
mesmo como dimensões antitéticas da acumu- Fontes (2008, p. 4):
lação capitalista. Sem dúvida, é na esfera da
produção que se dá a criação da riqueza, ou não se trata de mera subordinação ou de
lutas intestinas entre duas formas de capi-
seja, a extração da mais valia que depende da
tal (industrial e bancário). Nessa escala de
criação do valor, e isso só é possível a partir da concentração, os proprietários de capital sob
intensa atividade laborativa do homem sobre a forma monetária precisam impor sua valori-
natureza, entendida em sentido amplo. Ainda que zação através de uma produção de mais-va-
seja a fração financeira a fração dominante, ela lor intensa e acelerada, associando as mais
não pode prescindir da geração e exploração de diversas modalidades de sujeição dos traba-
mais valia, fonte geradora de valor na sociedade lhadores, de maneira a liberar o capital de
capitalista.5 suas peias (o momento “M” do processo D-
M-D’) e reconvertê-lo o mais rapidamente à
Mesmo aqueles setores burgueses que sua forma monetária, (enquanto lamentam o
estão apenas indiretamente ligados ao capital impossível mundo do puro D-D’). Tendem a
financeiro, seja via um banco ou braço financeiro converter o máximo de atividades em capital
do próprio grupo empresarial, também se valem funcionante, atuando diretamente na extra-
desse processo de especulação e financiamento ção de mais-valia, qualquer que seja o seu
da dívida pública via compra de títulos, obtendo porte e suas dimensões. O capital é produ-
ganhos com os juros elevados. Segundo Leda tivo na medida em que assegura mais-valia,
quer seja nos setores chamados de indus-
Paulani (2007, p.74),
triais, agrários ou de serviços, em enormes
ao contrário do que possa parecer à primeira corporações ou em empresas subcontrata-
vista, o “conflito” entre capital produtivo e ca- das.
garantir a rentabilidade e valorização desses da companhia onde tais fundos são acionistas,
recursos para que os trabalhadores vinculados isso implica a transformação dos referidos fun-
aos fundos de pensão possam ter uma pensão dos em parceiros diretos da exploração capita-
regular e estável. Para isso, há necessidade de lista em diversas companhias. Como lembra o
uma série de investimentos rentáveis e segu- grande Paulinho da Viola, na canção PECADO
ros com esses ativos, para que tais poupanças CAPITAL, “quando o jeito é se virar cada um trata
acumuladas se transformam em capitais. Assim, de si e irmão desconhece irmão” 7.
estamos diante de um processo em que:
Esses fundos de pensão e fundos mútuos
os assalariados aposentados deixam de ser se tornaram grandes possuidores de capitais e
‘poupadores’ e tornam-se, sem que tenham podem ser considerados principais atores dos
clara consciência disso, partes interessadas mercados financeiros, transformando a amplitu-
das instituições cujo funcionamento repousa de, a estrutura e o funcionamento desses mer-
na centralização dos rendimentos fundados cados. Como mostra Sauviat (2005, p. 110), “o
na exploração dos assalariados ativos, tan- aumento do poder desses atores financeiros tam-
tos nos países onde se criaram os sistemas
bém transformou a relação de forças entre o ca-
de pensão pró-capitalização quanto naque-
les onde se realizam as aplicações e espe-
pital e o trabalho; seu poder disciplinador, como
culações. Os planos de poupança salarial acionistas, é exercido, de fato, mais sobre os
fazem de seus beneficiários indivíduos frag- assalariados do que sobre outros dirigentes”.
mentados, cuja personalidade social está Tais processos têm impacto direto na ex-
cindida: de um lado, a de assalariados e, de
periência e nas formas de organização política
outro, de membros auxiliares das camadas
da classe trabalhadora. Os sindicatos começam
rentistas da burguesia. (CHESNAIS, 2005,
pp. 51-52) a lutar pelo direito ou possibilidade de tomarem
parte na administração desses fundos de pen-
Tal mecanismo implica uma cisão e talvez são, como uma espécie de ativismo acionário,
uma impossibilidade, ainda que histórica, de pro- nos termos de Sauviat, embora tal engajamen-
cessos de consciência de classe. Além da própria to esteja assentado em bases muito ambíguas
extração da mais valia que os trabalhadores de do ponto de vista de conquista da classe tra-
determinada companhia sofrem, o mecanismo balhadora, colocando os trabalhadores como
de fundos de pensão coloca os trabalhadores, partícipes do processo de exploração de outros
ainda que de forma indireta, como partícipes do trabalhadores8.
processo de extração de mais valia em outras
companhias, ou mesmo em outros países, me-
7
diante a compra de títulos públicos por parte dos O exemplo concreto disso pode ser observado numa notícia vei-
culada pelo Jornal O GLOBO do dia 02 de abril de 2008, p. 25. A
administradores do fundo. Assim, a garantia do jornalista Flávia Oliveira, em sua coluna diária NEGÓCIOS & CIA,
recebimento das pensões no futuro está direta- no caderno de economia do referido jornal, trouxe um notícia que
encaixa nessa discussão, ainda que apresentada pela jornalista
mente vinculada à rentabilidade dessas opera- com uma grande naturalidade, e sem maiores desdobramentos.
ções realizadas com a poupança acumulada, Afirma que o FUNCEF (Fundo de Pensão dos trabalhadores da
ou seja, implica operações rentáveis. Contudo, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL) e a PREVI (Fundo de Pensão
dos Trabalhadores do Banco do Brasil) obtiveram um ganho na
tais operações rentáveis só são possíveis com justiça frente a AMBEV- grande empresa do ramo de bebidas- em
a exploração de outras frações, ou com traba- função de um contrato de 1996 que não estaria sendo respeitado
lhadores de outros países ou regiões. Em al- pela empresa na hora de vender suas ações e repassar um de-
terminado valor aos FUNDOS, que são acionistas da companhia.
gum momento, para tornar suas empresas mais A questão que nos interessa é como já, em 1996, essa lógica
competitivas, a demanda burguesa de rebaixa- de atuação no Brasil dos Fundos de Pensão se fazia presente.
Os referidos fundos estão na eminência de receber uma consi-
mento do preço da força de trabalho pode ter os derável quantia de recursos. Tanto os trabalhadores da AMBEV
fundos de pensão - constituídos, em tese, por quanto os consumidores dos produtos dessa empresa, como este
trabalhadores - como parceiros nessa luta. Se pesquisador, têm sérios motivos para se preocupar: aqueles pela
intensificação da exploração e este pesquisador pelo aumento do
considerarmos que, de alguma forma, a garantia preço da cerveja. A conferir.
do recebimento da parcela da aposentadoria via 8
“Reclamam seus direitos de assalariados, que se exprimem de
fundo de pensão depende da saúde financeira fato por direitos de proprietários (utilizam, a esse respeito, o termo
working capital), e buscam aplicar estratégias de ativismo como
Essa nova configuração torna-se uma trabalho” (p. 130). Mais à frente, Sauviat é clara
máquina de disciplinamento dos trabalhadores, e explícita ao definir as condições de mecanis-
mediante a necessidade de obtenção de maximi- mos (pós?) modernos de transformismo de se-
zação do valor acionário para responder às exi- tores das classes dominadas. Segundo a autora
gências dos mercados e à intensificação da con- (2007, p. 132),
corrência. Assim, programas de redução de cus-
fazer ouvir sua voz como acionista supõe fa-
tos na produção - eufemismo para demissões de
lar a língua da finança, filiar-se à sua forma de
pessoal e reorganização da dinâmica de funcio- pensar. A probabilidade de opor um discurso
namento com menos pessoas dando conta das verdadeiramente alternativo às exigências
mesmas tarefas anteriores, bem como redução do desempenho financeiro e de contribuir
ou congelamento salarial, mesmo com aumento assim para modificar o comportamento das
da produtividade do trabalho - são recorrentes. A empresas parece muito reduzida, sobretudo
transformação para a condição de acionista, ain- quando essa estratégia se construiu sobre o
da que na figura do fundo de pensão, coloca os enfraquecimento sindical quase geral.
trabalhadores na linha de frente desse processo,
partícipes da exploração pessoal ou de outrem. Para além dos inegáveis fundamentos
Como mostra Francisco de Oliveira (2003), ao materiais, ou seja, dos recursos recebidos efe-
ascender à posição de gestor de fundos de pen- tivamente, tal mecanismo também possui uma
sões, o trabalhador individualmente, ou então o dimensão político-ideológica. Para Chesnais
sujeito político coletivo (sindicato), passa a ter (2005, p. 27), “quando o montante de aposenta-
como preocupação central a rentabilidade des- dorias e sua própria materialização dependem
ses fundos, que pari passu financiam a reestru- da saúde dos mercados e, mais amplamente, de
turação produtiva intensificadora da exploração sua existência como instituições sociais, torna-se
da força de trabalho, do próprio trabalhador em muito difícil fazer uma crítica radical (...). Tal é ar-
questão ou de outra categoria de trabalhadores. madilha dos fundos de pensão por capitalização
Tal autor inclusive menciona, não sem o toque e dos sistemas de poupança salarial”.
irônico que lhe é peculiar, a constituição de uma O sonho do regime de acumulação finan-
nova classe social: a dos trabalhadores extrato- ceirizado é poder valorizar o capital sem ter que
res de mais valia, com uma experiência de classe passar pelos inconvenientes e infortúnios da in-
trabalhadora cada vez mais longínqua. termediação dos processos de produção. Dire-
A tentativa ou justificativa de alguns sin- tamente a partir de Marx, que só pôde ter con-
dicatos ou fundos de pensão dos trabalhadores tato com um embrião muito pouco desenvolvido
de se associarem apenas a empresas ditas so- desse processo, Chesnais (2002) define que a
cialmente responsáveis ou éticas configura-se busca é realizar a operação fantasmagórica de
como a demonstração cabal de aceitação dessa transformar ‘D em D’, ou seja, valorizar o capital
lógica por parte das organizações dos trabalha- excluindo o processo de obtenção e venda de
dores, na condição de sócios menores. Essa é mercadorias geradas no processo de trabalho e
uma sujeição dócil à lógica da finança que, em tendo a exploração de mais valia como dinâmi-
médio prazo, aumenta radicalmente as condi- ca. Contudo, é preciso que fique claro que esse
ções de exploração do trabalho. Como afirma valor que o capital quer adicionar ao seu mon-
Sauviat (2007), a reconciliação entre finança tante já possuído não dá em árvore. É fruto de
e moral é a ultima instância de uma fuga para exploração anterior.
frente, visto que o chamado “[...] investimento Chesnais (2002) questiona se o regime de
socialmente responsável, que valida à lógica dos dominação das finanças não seria incompatível
mercados financeiros e a reivindicação do con- com a acumulação. Para isso destaca que desde
trole das empresas sobre a base exclusiva dos Marx e teóricos do imperialismo, a acumulação
direitos de propriedade, ilustra de fato o recuo aparece em três acepções diferentes. A primeira
da regulamentação estatal, da lei, do direito do refere-se “tanto ao aumento dos meios e da ca-
pacidade de produção através do investimento
acionistas” (SAUVIAT, 2005, 110).
quanto à extensão das relações de propriedade
e de produção capitalistas para países ou seto- cundário de títulos, pode assim ‘sumir’” (2002,
res e atividades sociais ainda não submetidos a p. 11).
tais relações”. (Idem, p.7)
Como precisa Chesnais, essa conotação
Aqui estamos lidando tanto com a expan- da riqueza em tópicos plenamente móveis e in-
são interna do sistema capitalista, quanto com tangíveis, como são os títulos e ações, assume
uma expansão externa, com a universalização um caráter fictício, compondo-se de créditos:
das relações sociais capitalistas a locais e re-
[...] ou seja, promessas sobre uma ativida-
giões que não praticam tal regime, ou o fazem
de produtiva futura, depois negociados num
ainda em estado embrionário. Trata-se, essa mercado muito peculiar que determina seu
segunda acepção, de uma ‘preço’ de acordo com mecanismos e con-
[...] extensão espacial e/ou social das rela- venções muito especiais [...]. Concedem-se
ções mercantis e de relações de propriedade empréstimos e criam-se cadeias de dívidas
capitalistas; se expressa através de proces- visando à aquisição de títulos. Caso o valor
sos tais como a expropriação de produtores formal destes despenque, os créditos nas
que ainda mantêm uma relação imediata contas dos banqueiros revelam plenamen-
com seus meios de produção, a integração te seu caráter fictício. A própria essência
(ou reintegração, no caso dos Estados bu- do capital fictício torna sua avaliação difícil
rocráticos) de países na esfera do mercado e flutuante. Tais indicadores expressam, si-
ou, finalmente, a incorporação de atividades multaneamente, o poder econômico particu-
não mercantis na esfera de valorização capi- lar que resulta do fato de os mercados dete-
talista (por exemplo, atividades domésticas rem títulos sobre a atividade produtiva e uma
ou organizadas como serviços públicos pelo simples ‘bolha’, ou seja, uma acumulação
Estado). (CHESNAIS, 2002, p. 7). de capital puramente fictício. É no momen-
to dos craques nas bolsas e das maiores
crises financeiras que esse caráter fictício
Por último, mas não menos importante, é desvendado. As conseqüências para a
ressaltamos que a acumulação também pode economia real dessa destruição podem ser
vincular-se a conjunturas nas quais, em aparen- terríveis, particularmente caso venham a fra-
te contradição (mas apenas aparente), não haja gilizar a outra grande forma de capital fictício
novos investimentos, “pela apropriação, punção constituída pelos títulos gerados através da
e centralização em direção a centros de acumu- criação anterior de créditos bancários indus-
lação mais fortes que outros no plano financei- triais e imobiliários de médio e longo prazos.
ro, organizacional ou institucional, de frações (2002, p. 12).
do valor e da mais-valia gerados no âmbito de
outras formas de organização social”. (CHES- A especificidade da finança reside em dois
NAIS, 2002, p. 8). Isso é possível em contextos processos de aceleração da realização do valor
de monopólio, combinado com inovações na de capitais anteriormente apropriados, assim
estrutura e dinâmica de funcionamento, além, é como a separação disso da produção concreta
claro, na transferência de riquezas de um polo e consumo concreto de mercadorias. Mas, ain-
a outro, sejam países ou empresas. da assim,
A despeito disso, o processo de autonomia para que o valor e a mais-valia possam ser
das finanças carrega em si uma ambiguidade no apropriados, estes devem ter sido previa-
mínimo curiosa. Isso leva Chesnais a descrever mente gerados em escala suficiente. Isso
pressupõe que o ciclo do capital possa ter
tal processo como sendo decorrente de uma
sido encerrado e a produção comercializada.
construção institucional forte, mas também como Um dos principais limites da ‘autonomia’ resi-
uma miragem, por lidar com valores acionários de justamente nisso. O consumo rentista dos
que muitas vezes não encontram equivalente beneficiários de dividendos e juros nunca
em riqueza, ou seja, existem apenas em papel. poderá compensar a parte da demanda efe-
Como afirma o autor, “apenas um patrimônio tiva destruída pelo desemprego maciço dos
que nunca existiu senão virtualmente, por esta assalariados urbanos ou pela pauperização
instituição muito particular que é o mercado se- absoluta imposta a comunidades campone-
sas que podiam anteriormente garantir sua vez mais seu capital. Essa insaciabilidade está
reprodução e expressar no mercado uma fortemente vinculada à demanda pelo capital dos
certa demanda solvável. (CHESNAIS, 2002, processos de privatizações diretas de empresas
p.11) e serviços públicos, coluna vertebral das políticas
governamentais de sustentação dos mercados
Aqui residem os limites da ordem da fi- financeiros. Não havia - como não há - melhor
nança mundializada. Graças à “autonomia” pro- investimento para capital portador de juros, como
vida pela liquidez, e enquanto esta lhes parece bem define Chesnais (2005), uma vez que são
garantida, Chesnais (2002, p. 28) considera empresas com mercados cativos e intermitentes
que “... os mercados financeiros constroem um (como água, luz, telefonia), constituindo-se em
ambiente enclausurado, um mundo em que os fontes regulares e seguras de lucros. Ainda mais
fetiches reinam”. se tiverem sofrido fortes investimentos por parte
É nesse contexto que o neoliberalismo dos governos imediatamente antes das privati-
sob hegemonia da finança consegue promover zações, dispensando seus futuros compradores
o aparentemente impossível. Sendo um mode- de investimentos vultosos num curto prazo para
lo globalmente desfavorável à acumulação e ao renovação das condições de operação.
crescimento, impulsiona os lucros retidos pelos A impessoalização do sistema da finança
acionistas via distribuição de dividendos median- mundializada se expressa na figura do proprietá-
te valorização das ações. Como demonstram rio acionista, um detentor institucional de títulos
Duménil e Levi (2005, p. 92) tal aparente fantas- de empresas e obrigações públicas, com forte
magoria se dá por duas razões: “1) o aumento poder de influência na definição da repartição
na taxa de juro, (...) incentiva as empresas a dos lucros das empresas. Tais mecanismos dos
diminuir seu endividamento, e a não tomar em- mercados de obrigações permitem aos acionis-
préstimos para financiar seus investimentos; 2) tas jamais conhecerem seus devedores de em-
o reduzido recurso à emissão de ações (ao con- préstimos.
trário, as empresas são induzidas a recomprar
as próprias ações para estimular a tendência à Essa impessoalização permite ao capital
alta das cotações)”. “monetarizado” operar em plano mundial, através
da compra de ações, controlando suas possibili-
Segundo os referidos autores, nesse novo dades de rentabilidade através de dividendos a
regime o que “... permanece nas empresas para serem obtidos pelas empresas na produção real
investir é muito pouco diante dos generosos pa- e transferidos aos acionistas. Como chama aten-
gamentos de juros e dividendos aos credores e ção Virginia Fontes (2006, p. 210) essa lógica de
acionistas” (Idem)9. É aqui que reside o caráter atuação permite que o trabalho sujo fique11
parasitário da finança.
Tal processo está assentado em mecanis-
mos econômicos instáveis devido à insaciabili- maior clareza, desde que se faça o trabalho de unificar as duas
informações. No dia 23 de março de 2008, na página 31, o mes-
dade da finança10 e sua gana por valorizar cada mo jornal traz a seguinte manchete: “METADE DO DINHEIRO JÁ
FOI: em intervenções discretas, BC americano jogou no mercado
50% das reservas”. Ou seja, as perdas foram do Banco Central e
do Tesouro Americano, cuja origem dos recursos remonta à lógica
9
“Podemos, então, formular a seguinte tese: apesar do restabe- imperialista da atuação desse país na conjuntura internacional.
lecimento da tendência da taxa de lucros a partir da metade dos Tais recursos foram emprestados para bancos e financeiras em
anos 1980, a taxa de acumulação do capital não foi restaurada, dificuldades, com a possibilidade inclusive de calote no BC ame-
como um efeito dessa característica do neoliberalismo: ser um ricano.
sistema direcionado para a remuneração dos credores e acionis- 11
O diretor de cinema dinamarquês Lars Von Trier, em seu fil-
tas” (DUMENIL e LEVY, 2005, p.92).
me “O Grande Chefe”, traça um retrato irônico desse processo.
10
Essa insaciabilidade ficou mais explícita no momento da crise Nessa película, uma fábrica no interior de um país é administra-
financeira observada no início de 2008, capitaneada pelas cha- da localmente por um “funcionário/representante” do dono, que
madas crises das HIPOTECAS nos EUA. O título da reportagem repassa as ordens e diretrizes a serem tomadas pela fábrica via
de O GLOBO no dia 09 de abril de 2008 (p. 19) é emblemático e-mail, já que ele moraria nos EUA. Inclusive as reivindicações
disso: “US$ 1 TRILHÃO PELO RALO”. Nessa reportagem apon- dos trabalhadores são repassadas para o representante, até que
ta-se como as perdas no sistema financeiro global foram dessa a fábrica vai ser vendida para um grupo de outro país e o tal
magnitude. Contudo, a reportagem não deixa claro se alguém ga- representante - na verdade o proprietário - contrata um ator para
nhou com essa perda. Já em outra reportagem, começa-se a ter representar o grande chefe vindo dos EUA, dando um rosto ao
para os gerentes ou gestores do capital, trei- zação rápida é fonte constante de instabilidade
nados a (e obrigados a) extrair o máximo de do próprio sistema financeiro. Contudo, isso não
sobre trabalho (mais-valia) no menor tempo deve levar a teorias catastrofistas do sistema ca-
possível. No lugar de um capitalista visível e pitalista. As graves crises financeiras enfrentadas
palpável, uma tensão permanente e vigorosa
no bojo do sistema financeirizado não indicam
realizada em nome de ‘acionistas’ abstratos,
da eficiência, da eficácia, da rapidez na re-
que esse sistema estaria à beira de um colapso
muneração do capital, que evolui a cada dia ou coisa parecida. A despeito do enorme vulto
num ritmo mais desenfreado e alucinante. de recursos despendidos em cada crise finan-
ceira mundial - sendo a mais recente a crise das
Como mostra Paulani (2007), a hegemonia hipotecas nos EUA, em 2008 - isso não implica
da fração financeira da burguesia implica um tre- uma mudança substancial na própria condução
mendo arrocho financeiro por várias razões: do sistema financeirizado, sobretudo se consi-
derarmos que grande parte da conta fica com os
[...] primeiro porque a taxa de juros paga pelo Bancos Centrais e tesouros nacionais dos vários
Estado aos papéis públicos transforma-se no países, ou seja, com recursos do Fundo Públi-
piso a partir do qual todas as demais taxas co, ainda que alguns especuladores possam ter
(que diferem em função do tipo de operação,
perdas nesse processo.
prazo e risco) são estabelecidas. Num mun-
do dominado pelos credores, não faz sentido
permitir que o Estado, por conta de proble-
mas no manejo da demanda agregada, ope- Sínteses provisórias
re taxas reais de juros muito reduzidas. Ao
mesmo tempo, taxas de juros mais elevadas Apesar da clarificação do potencial regres-
implicam crescimento das despesas do Es-
sivo que representa o regime de acumulação
tado com serviço da dívida e é preciso que
sobre espaço em outras despesas (gastos
financeira, sempre fica a pergunta dos porquês
sociais, investimentos em infra-estrutura) da adesão dos governos de muitos países a tal
para que esse aumento de despesas possa processo. Longe de tirar as responsabilidades e
ser enfrentado. A segunda razão é que taxas o caráter de opção pelo projeto, é preciso apontar
de inflação mais elevadas são sempre “pró- o tom processual em que esse regime foi sendo
devedor”, e como cabe ao Estado controlar implantado, tendo a trindade de ações no cam-
a oferta de moeda é preciso que ele não seja po estritamente financeiro como uma espécie de
constrangido a aumentá-la indevidamente pecados originais desse regime de acumulação.
para fazer em face de gastos descontrola- As já amplamente comentadas “políticas de libe-
dos. A terceira razão é que os papéis públi-
ralização, de desregulamentação e de privatiza-
cos são ativos financeiros por excelência. A
garantia do controle dos gastos públicos, da
ção no triplo campo de capitais financeiros, dos
taxa de inflação reduzida e do juro real ele- IDE e das trocas de mercadorias e de serviços”
vado é ao mesmo tempo a garantia da remu- desempenharam um papel institucional fundador
neração real desse ‘capital fictício’, como o para a nova fase da mundialização (CHESNAIS,
chama Marx. (p. 78) 2002, p. 37). Assim, as margens posteriores de
liberdade eram bem restritas. Mas que fique
As possibilidades de regulação e controle claro: tais processos anteriormente descritos
desse capital têm sido diminuídas ao longo dos não tiveram procedência divina; foram frutos de
últimos 30 anos. Essa liberdade de que dispõe opões políticas concretas dos blocos no poder
o capital portador de juros na busca de valori- nas mais variadas formações sociais.
As crises na ordem burguesa são frutos de
movimentos inerentes a sua lógica. A sociedade
maléfico patrão. Não preciso alertar toda sorte de confusões que capitalista vive em crises com pequenos ciclos
tal processo traz no âmbito daquela fábrica. O anonimato repre-
sentado por aquele grande chefe - figura atual do capitalista acio-
de prosperidade coletiva.
nista sem rosto - permitia que o verdadeiro dono tomasse todas
as medidas impopulares, visando a taxas de lucro cada vez mais A moderna sociedade burguesa, com suas
intensas e, até mesmo, à venda daquela unidade produtiva. Um relações de produção, de troca e de proprie-
belo filme.
dade, sociedade que conjurou gigantescos contam com apoio direto de setores da esquerda.
meios de produção e troca, assemelha-se ao Ainda que com diferenças em relação às estra-
feiticeiro que perdeu o controle dos poderes tégias da social democracia clássica, a nova es-
infernais que pôs em movimento com suas querda, além continuar produzindo um consenso
palavras mágicas. Há mais de uma década
subalternizador dos trabalhadores ao projeto do
a história da indústria e do comércio é, sim-
plesmente, a história da revolta das forças
capital, desempenha também a função de con-
produtivas modernas contra as condições tenção das lutas populares no plano interno, seja
modernas de produção, contra as relações diretamente - via forças de ordem pública (polí-
de propriedade que condicionam a existên- tica, justiça etc.) - seja via busca de cooptação
cia da burguesia e seu domínio. Basta lem- com benesses a setores pontuais da classe tra-
brar as crises comerciais que, repetindo-se balhadora. Como mostra Fontes (2006), a nova
periodicamente, ameaçam cada vez mais a social democracia, ou nova esquerda - em alguns
sociedade burguesa. Nessas crises destrói- casos sem a vinculação direta com os sindica-
se uma grande parte dos produtos existen- tos e outros setores populares, embora em ou-
tes e das forças produtivas desenvolvidas.
tros casos tais vínculos permaneçam, como no
(MARX e ENGELS, 2000, p. 17)
caso brasileiro do PT/CUT/Força Sindical/UNE/
setores do movimento negro - torna-se o braço
Depois Marx e Engels perguntam e res-
esquerdo do capital, vinculando-se inclusive na
pondem como a burguesia enfrenta as crises
consecução do imperialismo. Tal vinculação se
geradas pelas próprias relações sociais capita-
estabelece, sobretudo, com relação à filantropia,
listas. O exemplo da guerra constante, ou nos
ainda que batizada agora de responsabilidade
termos de George W. Bush, guerra preventiva,
social empresarial e transcendendo em muito
são contundentes. Assim, a pergunta “Como a
a mera tarefa assistencial. A tarefa principal é a
burguesia vence essas crises?”, feita por Marx
formação de novo homem coletivo, afinado não
e Engels (2000, p. 17), é por eles mesmos res-
mais com qualquer engajamento antissistêmico,
pondida: “De um lado, pela destruição violenta
mas com a profusão de pequenas melhorias em
de grande quantidade das forças produtivas; do
seu entorno. Assim:
outro, pela conquista de novos mercados e pela
intensa exploração dos antigos. Portanto, pre- A filantropia imperialista se inspira e se apóia
para crises mais extensas e mais destrutivas, em organizações religiosas, mas não só. Ela
diminuindo os meios de evitá-las”. tem ainda outro papel: deve impedir que se
autonomizem formas de organização desses
O aspecto central da compreensão do trabalhadores, atuando de maneira extrema-
processo de financeirização do capitalismo na mente seletiva, exatamente ali onde estas
atualidade é sua função no aprofundamento da possam vir a emergir. Ali onde não conse-
dominação burguesa e aumento da exploração guem atuar as entidades religiosas, implan-
sobre o conjunto da classe trabalhadora. A lógica tam-se formas mais ou menos laicizadas
de valorização fugaz do capital mediante a “dan- do mesmo teor. Não têm nenhum problema
ça” pelo sistema financeiro mundial, onde busca em utilizar expressões mais ou menos ge-
néricas, características dos movimentos de
investimentos rápidos, seguros e rentáveis, im-
organização dos trabalhadores para exercer
plica a intensificação da exploração sobre os tra- sua atividade: solidariedade, voluntariado,
balhadores. Assim, faz-se necessária a compre- ação social, transformação. Tudo passa pelo
ensão de que a hegemonia da finança nos anos liquidificador, ou pelo estômago de avestruz
de neoliberalismo conjuga-se com a conjuntura dessa esquerda-para-o-capital, sem maiores
em que há a hegemonia de um país no seio da temores. É preciso reconhecer que tal estra-
coalização imperialista, no caso dos EUA. tégia está coberta de razão: a melhor forma
de impedir que a classe se organize, é or-
Ao largo desse processo, também se con- ganizá-la a partir da dominação. (FONTES,
jugam um novo tipo de incentivo à participação 2006b, p. 216)
política amplamente funcional e a manutenção
da dominação burguesa. As atuais estratégias Nesse sentido, a despeito das significati-
de subalternização e contenção da reivindicação vas perdas para o conjunto da classe trabalhado-
ra, mediante um fenômeno que alguns analistas ______. (Org.) Finança mundializada. São Paulo:
têm chamado de um novo populismo regressivo, Boitempo. 2005. pp. 35-68.
o projeto neoliberal tem sido hábil em obter um ______. A Teoria do regime de acumulação
“apoio inorgânico e difuso em segmentos paupe- financeirizado: conteúdo, alcance e interrogações.
rizados e desorganizados das classes trabalha- Economia e Sociedade, Campinas, v.11 n.1 (18).
doras – tendo por base a revolta desses setores p. 1 - 44, Jan-jun. 2002.
contra o caráter historicamente excludente dos ______ . A mundialização do capital. São Paulo:
direitos sociais, os péssimos serviços públicos, Xamã, 1996.
o clientelismo, o nepotismo e o fisiologismo”.
DUMENIL, Gerard e LEVY, Dominique. Neoliberalismo
(FILGUEIRAS, 2006, p. 202) − Neo-imperialismo. Economia e Sociedade,
Pode-se dizer que o projeto neoliberal foi Campinas, v.16, n.(1). p. 1-19, abr. 2007.
bem sucedido nas metas que se propôs a al- ______ . O neoliberalismo sob a hegemonia norte
cançar, além de propiciar a recomposição das americana. In: CHESNAIS, François (Org.) Finança
taxas de lucro para os setores majoritários do Mundializada. São Paulo: Boitempo. 2005. p. 85-
capital. Essa recomposição aconteceu por meio 108.
de aquisições de companhias públicas de países FILGUEIRAS Luiz. O neoliberalismo no Brasil:
periféricos, via políticas de privatizações, ou por estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico.
meio do deslocamento de suas unidades produ- In: BASUALDO, Eduardo. (Org.) Neoliberalismo
tivas para países com força de trabalho qualifi- y sectores dominantes: tendencias globales y
cada e barata, comparando com os países cen- experiencias nacionales. Buenos Aires: CLACSO
trais. Ou, então, atuando também no ramo das Libros, 2006. p. 179 -206.
finanças. Não obstante os objetivos políticos de FONTES, Virginia. Lênin, O Imperialismo e os
recomposição da correlação de forças entre as desafios contemporâneos. Rio de Janeiro. Mimeo
classes sociais estarem diluindo e adequando (2008).
aos interesses burgueses o potencial organiza- ______ .Imperialismo e classes sociais e conjuntura:
tivo de partidos, sindicatos e movimentos sociais capitalismo autônomo? In: Programa de Pós
anteriormente vinculados a um projeto histórico Graduação em História - UNIOESTE. (Org.).
mais favorável ao conjunto dos trabalhadores, História, Poder e Práticas Sociais. Marechal
sem dúvida foram alcançados. Candido Rondon: Editora Unioeste, 2006, v. __ p.
209-226.
A recomposição organizativa de um pro-
jeto antagônico à dominação burguesa enfrenta MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto
grandes dificuldades. Talvez essa quadra histó- comunista. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
rica se caracterize pela regressão das posições OLIVEIRA, Francisco de. A crítica razão dualista/
conquistadas pelo conjunto da classe trabalha- Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.
dora anteriormente, com o aprofundamento da PASSOS, José Meireles. Bancos americanos podem
dominação burguesa. A sorte é que esse jogo perder até US$ 1 tri. Jornal O Globo, 16-07-2008, p.
ainda não terminou. 26.
PAULANI, Leda. Brasil Delivery: servidão financeira
e Estado de emergência e econômico. São Paulo:
Boitempo, 2007.
Referências
SAUVIAT, Catherine. Os fundos de pensão e
BOITO JUNIOR, Armando. Estado e Burguesía no os fundos mútuos: principais atores da finança
capitalismo Neoliberal. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, mundializada e do novo poder acionário. In:
nº 28, pp. 57-73, Jun. 2007. Chesnais, François (Org.) Finança mundializada.
São Paulo: Boitempo, 2007, p. 109 -132.
CHESNAIS, François (Org.). Finança mundializada.
São Paulo: Boitempo. 2005. Willianson, John. Depois do Consenso de
Washington: uma agenda para a reforma econômica
______. O capital portador de juros. Acumulação, na América Latina. 2003. Disponível em http://www.
internacionalização efeitos econômicos e políticos. iie.com/publications/papers/williamson0803.pdf.