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James Burnham, John Kenneth Galbraith e Chester I.

Bamard, embora Galbraith seja considerado por alguns


como um institucionalista. E a terceira, de origem francesa
O conteúdo deste livro, formado de diferentes en-
saios, representa o resultado parcial de uma pes-
quisa teórica que está sendo desenvolvida na Escola de
(também considerada uma derivação da escola institucina- Administração da Universidade Federal da Bahia, desde
lista), faz uma crítica ao neoclassicismo pela incompreen- 1999, sob a orientação do organizador. O núcleo inicial
são analítica e metodológica do que consideram ser relevante desse projeto foi formado por mim e por alguns dos meus
no contexto da análise econômica, a exemplo das institui- alunos da graduação, dentro da disciplina Seminário sobre
ções, normas, regulamentos, dos acordos políticos etc.; os Temas Especiais em Planejamento. A partir do estímulo
nomes mais destacados dessa escola são os de Michel desses estudantes, decidimos retomar uma discussão ini-
Aglietta, Robert Boyer e Alain Lipietz. ciada por mim e pela professora Dra. Elizabeth Matos
Ribeiro, desde o início dos anos 90 do século findo.
Não obstante os avanços alcançados até o momento, desta-
camos a necessidade de aprofundar a exegese desses pon- O objetivo dessa, então, pesquisa é construir as funda-
tos na literatura sobre administração, para dar mais con- mentações metodológicas e teóricas do conceito de um
sistência teórica e histórico-analítica às hipóteses e aos novo campo do conhecimento que denominamos de
pressupostos da pesquisa. Como sentencia o prefaciador: Administração Política. Para chegar a esse conceito, par-
"O trabalho construído pela equipe integrante deste livro timos do polêmico debate sobre o objeto que dá susten-
é mais um início do que uma conclusão no campo da admi- tação epistemológica à Administração como um campo
nistração. Traz um desafio não só para a administração próprio do conhecimento. Com esse objetivo, iniciamos
como ciência quanto, e principalmente, para a teoria do co- a (re)leitura remissiva dos autores considerados clássicos
nhecimento que então suporta, apóia e legitima os estu- na área da Administração. Nesse momento, tínhamos duas
preocupações fundamentais: fazer, em primeiro lugar,

N
dos e teses da administração científica. Os avanços do co-
nhecimento da administração se deram, atéentão, através este livro se buscam as fundamenta- uma apreensão da discussão sobre a Administração como
de métodos buscados na camisa-deforça da ciência como arte e como ciência, e, em segundo lugar, dar conta da dis-
ções metodológicas e teóricas do con- cussão dos referidos autores acerca do objeto e do mé-
desenvolvida no século XIX ou através de proposições sin-
gulares e casuísticas que têm servido para extrapolações, ceito de um novo campo do conheci- todo de investigação no campo da Administração.
infelizmente aceitas como conclusivas. Neste momento, Dada a interdisciplinaridade na investigação do conhe-
este livro marca o resultado de reflexões que levam a con- mento: a Administração Política. Nele se fazem cimento, a pesquisa foi orientada para alargar o campo
ceitos inovadores, cuja utilização amplia bastante o cam-
po investigativo da administração".
a discussão da Administração como arte e como investigativo para outras áreas, a exemplo, sobretudo, da
economia política. A pergunta inicial era saber qual das
Desse modo, a nossa expectativa é que os trabalhos de in- ciência e a discussão de autores considerados vertentes da abordagem política da economia poderia
vestigação apontados acima estejam concluídos em dois/ melhor contribuir para a construção do conceito de Admi-
clássicos acerca do objeto e do método de in-
três anos para que fiquem, assim, estabelecidas as estru-
turas teórico-metodológicas básicas para a investigação no vestigação no campo da Administração.
Fábio Guedes Gomes nistração Política, o que nos levaria a compreender, fun-
damentalmente, a essência do modelo de gestão das
relações sociais de produção. Desse modo, procurou-se
novo campo de conhecimento que denominamos de Admi-
nistração Política. Eduardo Costa Pinto ancorar essa abordagem na análise dos economistas con-
siderados ”rebeldes” ou “desgarrados” da chamada eco-
nomia convencional. Esses economistas estão agregados
REGINALDO SOUZA SANTOS
ORGANIZADORES nas escolas institucionalista, gerencialista e regulacio-
organizador nista. A primeira desloca o foco da análise do indivíduo
para as instituições e tem como principais representantes
Thorstein Veblen, Gunnar Myrdal, Charles Lindblom e
Douglass C. North. A segunda tem origem no institucio-
nalismo e defende a tese de que há uma tendência de
longo prazo para a condução dos técnicos e gerentes como
ISBN: 85-85148-27-6 classe dominante, tendo como principais representantes
segue
EDIÇÕES MANDACARU
FUNDAÇÃO ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO UFBA
“(DES)ORDEM E REGRESSO”
O AJUSTAMENTO NEOLIBERAL NO BRASIL

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FÁBIO GUEDES GOMES
EDUARDO COSTA PINTO
ORGANIZADORES

“(DES)ORDEM E REGRESSO”
O PERÍODO DE AJUSTAMENTO NEOLIBERAL
NO BRASIL, 1990-2000

CARLOS EDUARDO CARVALHO


LUIZ FILGUEIRAS
NELSON DE OLIVEIRA
PAULO BALANCO
PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS
REGINALDO SOUZA SANTOS
REINALDO GONÇALVES

Prefácio de
ROSA MARIA MARQUES

EDIÇÕES MANDACARU
São Paulo, 2009

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© Direitos autorais da organização, 2006,
de Fábio Guedes Gomes & Eduardo Costa Pinto.
Direitos de publicação reservados por
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Rua Oratório, 3705 – 05412-001 São Paulo, Brasil.
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Depósito Legal efetuado.

Co-edição

GOMES, Fábio Guedes, PINTO, Eduardo Costa (orgs.).


(Des)Ordem e Regresso: o período de ajustamento
neoliberal no Brasil, 1990-2000./Fábio Guedes Gomes
e Eduardo Costa Pinto (Orgs. – São Paulo: Hucitec-
Mandacaru, 2009. 314p.
CDU – 000.000
Índice para Catálogo Sistemático
1. Economia Política
2. História Econômica
3. Política Econômica
4. Desenvolvimento Econômico

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AUTORES

CARLOS EDUARDO CARVALHO é professor associado de economia


PUC/SP; doutor em economia (Unicamp, 1996); graduado em econo-
mia (PUC/SP, 1983); autor de diversos artigos e capítulos de livros nas
áreas de economia monetária, economia do setor público, economia
internacional e América Latina. E-mail: cecarv@uol.com.br

EDUARDO COSTA PINTO é professor assistente do Departamento de


Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Instituto
de Três Rios); doutorando em economia da indústria e da tecnologia
(IE/UFRJ), mestre em economia (UFBA, 2006); graduado em adminis-
tração (Escola de Administração/UFBA); autor de artigos e capítulos de
livros nas áreas de economia brasileira e economia política. E-mail:
eduardopintobr@yahoo.com.br

ELIZABETH MATOS RIBEIRO é professora adjunta da Escola de Admi-


nistração da UFBA; doutora em ciência política e administração pela
Universidade de Santiago de Compostela (USC, Espanha, 2000); mes-
tra em ciência política e administração (USC, Espanha, 1998); gradua-
da em história (UFBA, 1991); autora de artigos e trabalhos nas áreas de
gestão pública, administração política e instituições e políticas públi-
cas. E-mail: elizabethem@yahoo.com.

FÁBIO GUEDES GOMES é professor adjunto da Faculdade de Econo-


mia, Administração e Contabilidade (Feac/Ufal); doutor em admi-
5

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6  S UAMUÁTROI OR E S
nistração pela Universidade Federal da Bahia (2007), com área de con-
centração em gestão pública e instituições; mestre em economia
(UFPB/Campus II, 2000); bacharel em ciências econômicas (UFPB/
Campus II, 1997); autor de artigos e capítulos de livros nas áreas de
história econômica, relações internacionais, administração pública e
políticas públicas. E-mail: fbgg@yahoo.com.br.

LUIZ FILGUEIRAS é professor associado da Faculdade de Ciências Eco-


nômicas (UFBA); doutor em economia (Unicamp, 1994); mestre em
economia (UFBA, 1983); graduado em economia (UFBA, 1978); autor
do livro História do Plano Real (Boitempo, 2000, 2003, 2006), e A
Economia Política do Governo Lula (Contraponto, 2007) e de diversos
artigos e trabalhos sobre economia brasileira. E-mail: luizfil@ufba.br

NELSON DE OLIVEIRA é professor da Escola de Administração (UFBA);


doutor em economia (Unicamp, 1992); graduado em economia (UFBA,
1972); autor dos livros Transição democrática: a construção dos caminhos
da submissão institucional (São Paulo: Loyola, 2001) e Neocorporativismo
e política pública (São Paulo: Loyola, 2004). Membro dos Cadernos CEAS,
revista que já publicou vários de seus artigos sobre problemáticas eco-
nômicas, sociais e políticas. E-mail: nelos@ufba.br

PAULO BALANCO é professor da Escola de Economia (UFBA); doutor


em economia (Unicamp, 1997); ex-coordenador do Mestrado em Eco-
nomia da UFBA e ex-diretor da Sociedade Brasileira de Economia Po-
lítica (2004-2005); autor de diversos artigos e trabalhos publicados na
área de economia política. E-mail: balanco@ufba.br

PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS é professor do Instituto de Econo-


mia da Unicamp; chefe do Departamento de Política e História Econô-
mica do Instituto de Economia da Unicamp; ex-diretor da Sociedade
Brasileira de Economia Política (2004-2005); doutor em economia
(Unicamp, 2001); mestre em ciência política (Unicamp, 1996); gradu-
ado em economia (Unicamp, 1993); autor de diversos artigos e traba-
lhos publicados na área de formação econômica do Brasil, economia
política e história econômica do Brasil. E-mail: ppzbastos@eco.
unicamp.br

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 7
A USTUOMRÁERSI O
REGINALDO SOUZA SANTOS é professor titular da Escola de Admi-
nistração (UFBA); pós-doutor no Instituto Superior de Economia e
Gestão (Portugal, 1998); doutor em economia (Unicamp, 1991); mes-
tre em Administração Pública (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janei-
ro, 1979); graduado em administração pública (UFBA, 1977); autor de
diversos artigos e livros, dentre eles, A teoria das finanças públicas no
contexto do capitalismo (Mandacaru-Hucitec, 2001); Políticas sociais e
transição democrática (organizador) (Mandacaru-Hucitec, 2001); e Ad-
ministração política como campo do conhecimento (Mandacaru-Hucitec,
2004). E-mail: rsouza@ufba.br

REINALDO GONÇALVES é professor titular de economia internacio-


nal do Instituto de Economia da UFRJ; ex-diretor da Sociedade Brasi-
leira de Economia Política (2004-2005); livre-docente em economia
internacional (UFRJ, 1991); Ph.D. em economia pela University of
Reading (Inglaterra, 1986); mestre em economia pela EPGE-FGV
(1976); mestre em engenharia da produção na Coppe (1974); e ba-
charel em economia (UFRJ, 1973). Ex-economista da Divisão de Ques-
tões Monetárias e Financeiras da Unctad (Genebra, 1983-1987). Ex-
presidente do Instituto de Economistas do Rio de Janeiro (1995-96). É
autor de centenas de trabalhos publicados no Brasil e no exterior. En-
tre seus principais trabalhos, podem-se mencionar os livros Empre-
sas transnacionais e internacionais de produção (Petrópolis: Vozes, 1992);
Ô abre-alas: a nova inserção do Brasil na economia mundial (Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1994); A nova economia internacional [et al.] (1998);
O Brasil e o comércio internacional (São Paulo: Contexto, 2000); e Vagão
descarrilhado (Rio de Janeiro: Record, 2002); Economia política interna-
cional (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005) e A economia política do governo
Lula (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007). E-mail: rgoncalves@
alternex.com.br.

THIAGO CHAGAS SILVA SANTOS é doutorando em ciências sociais


pela UFBA; mestre em ciências sociais pela UFBA; graduado em admi-
nistração (Escola de Administração/UFBA). E-mail: thiagochagas@
hotmail.com

VINICIUS MENDES DA COSTA é graduado em administração (Escola


de Administração/UFBA). E-mail: viniciuscosta@brasilgas.com.br.

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SUMÁRIO

Prefácio . . . . . . . . 13
— ROSA MARIA MARQUES

Apresentação . . . . . . . . 19

PRIMEIRA PARTE
CAPITALISMO E INSERÇÃO PASSIVA BRASILEIRA . . 31

Capítulo 1
Capitalismo contemporâneo e suas dimensões constitutivas . 33
— EDUARDO PINTO & PAULO BALANCO

Capítulo 2
Anti-reformismo, estabilidade e desarticulação social: espectros
de um republicanismo oligárquico . . . . 80
— NELSON DE OLIVEIRA

Capítulo 3
As aporias do liberalismo periférico: comentários à luz dos gover-
nos Dutra (1946-1950) e Cardoso (1994-2002) . . . 126
— PEDRO PAULO ZALUTH BASTOS

Capítulo 4
Poder potencial, vulnerabilidade externa e hiato de poder do Bra-
sil . . . . . . . . . 157
— REINALDO GONÇALVES
9

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10  SUMÁRIO

SEGUNDA PARTE
ESTADO, POLÍTICA ECONÔMICA E MUDANÇAS ESTRUTU-
RAIS: PLANO REAL E INSTABILIDADES CRÔNICAS

Capítulo 5
A controveritda crise fiscal brasileira . . . . 157
— REGINALDO SOUZA SANTOS
— ELISABETH MATOS RIBEIRO
— MÔNICA RIBEIRO
— THIAGO SANTOS
— VINÍCIUS COSTA

Capítulo 6
Estado capitalista, Plano Real e acumulação financeira . . 204
— FÁBIO GUEDES GOMES

Capítulo 7
Endividamento público e arrocho fiscal na macroeconomia de
FHC e de Lula . . . . . . . 234
— C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O

Capítulo 8
Política econômica do governo Lula e os limites do crescimento. 252
— LUIZ FILGUEIRAS
— EDUARDO PINTO

Anexos . . . . . . . . . 285

Referências . . . . . . . . 307

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Í N D I C E D E TA B E L A S E G R Á SF U
I CMOÁSR I O  11

ÍNDICE DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELAS

6.1. As contas externas brasileiras, 1990/2001.


6.2. Evolução da dívida externa brasileira por categoria de devedor
(US$ Bi), 1993/2001.
8.1. Variação anual de preços, 1994-2004 (%)
8.2. Transações correntes: montantes acumulados pré e pós-Real (em
US$ bilhões)
8.3. Participação relativa dos principais parceiros nas exportações bra-
sileiras, 2002/2003.
8.4. Superávit/déficit primário e divida líquida do setor público, 1994/
2004

GRÁFICOS

6.1. Evolução da dívida externa total (US$ bilhões), 1980/2000.


6.2 Taxa de juros: over-selic (%), dez./1995–mar./1999
6.3. Evolução do investimento externo direto no Brasil (US$
bilhões), 1990/2001.
6.4. Evolução da dívida líquida do setor público (R$ bilhões e %
do PIB), dez./1994-set./2002.
6.5. Superávits primários do setor público, 1994/2003.
8.1. Produto interno bruto 1994-2004.
8.2. Evolução da dívida líquida do setor público, dez. a dez. % do
PIB, 1994-2004.
8.3. Taxa de desemprego na RMSP, PED/PME, 1990-2004.
11

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12  S U M Á R I O
8.4. Evolução do câmbio, 2002/2003 (comercial venda-perío-
do).
8.5. Balança comercial 1994-2004 (em US$ bilhões).
8.6. Índice de preço dos produtos exportados brasileiros (por
classe), jan./02-dez./03 (base=1996).
8.7. Transações correntes, 1994-2004 (em US$ Bilhões)
8.8. Variação mensal de preços IGP-M, 2002/2003.
8.9. Variação mensal de preços IPCA, 2002/2003.
8.10. Brasil. Investimento estrangeiro direto e investimento es-
trangeiro em carteira, 1994/2003 (em US$ bilhões).
8.11. Componentes da demanda, variações (%) acumuladas nos
anos de 2002 e 2003.
8.12. Evolução da taxa de desemprego, RMSP-PED, 2002/2003
8.13. Rendimento real das pessoas ocupadas, habitualmente re-
cebidos por mês (Brasil metropolitano).
8.14. Evolução da massa de rendimento habitualmente recebi-
do, mar./2003-dez./2003 (R$ milhões).

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P R E F Á C I O  13

PREFÁCIO

ROSA MARIA MARQUES*

É preciso sonhar mas com a condição de


crer em nosso sonho, de observar com
atenção a vida real, de confrontar a obser-
vação com nosso sonho, de realizar es-
crupulosamente nossas fantasias.
— V. I. L Ê N I N. Que Fazer?

H
ouve um tempo em que essas palavras, impressas em cartazes
coloridos, eram avidamente procuradas pelos trabalhadores, du-
rante as assembléias do final dos anos 1970 e no início dos anos
1980. Depois, as legendas foram mudadas, pois estava em curso a constru-
ção do “sonho” que tomou o nome de Partido dos Trabalhadores (PT).
Passados vinte e dois anos de sua fundação, eis que o PT, em 2002, final-
mente, elegeu Lula para presidente da República. O sonho, antes de al-
guns, havia sido adotado por 53 milhões de brasileiros, que viam na elei-

* Professora titular da Faculdade de Economia e Administração da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); pós-doutora na Faculté de Sciences
Économiques de l’Université Pierre Mendès France de Grenoble (Eres/França, 2003);
doutora pela Fundação Getúlio Vargas, SP (FGV-SP, 1996); mestra em economia
(PUC-SP, 1985); graduada em Ciências Econômicas (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul); ex-presidenta da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP);
autora de diversos artigos e livros nas áreas de economia política, proteção social,
políticas econômicas e economia brasileira, dentre eles, Formação Econômica do
Brasil (organizadora) (São Paulo: Saraiva, 2003); Economia Brasileira (organizadora)
(São Paulo: Saraiva, 2000); e A Proteção Social e o Mundo do Trabalho (Bienal/SP,
1997). E-mail: rosamarques@hipernet.com.br
13

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14  ROSA MARIA MARQUES
ção de Lula a possibilidade de, finalmente, o País começar a mudar, inde-
pendentemente do que era dito na campanha eleitoral e do que estava
escrito em seu programa. Desejo de mudança que significava a ruptura
com o passado, pois parecia não ser mais possível a continuidade do con-
sórcio entre as oligarquias locais e os “donos do mundo”, tal o nível da
exploração dos trabalhadores, a desigualdade de renda e do patrimônio, e
a deterioração dos serviços públicos, os mais elementares, tais como educa-
ção e segurança.
Nem bem assumido o poder, aquele que havia sido eleito para mudar
mostrou-se mais eficiente na condução da continuidade, do que os pró-
prios representantes das classes dominantes brasileiras. Para isso contava
com o apoio da maioria das direções sindicais, incluindo a Central Única
dos Trabalhadores (CUT), com a força do PT e com um sem-número de
militantes que passaram a integrar o aparelho do Estado federal. Pela pri-
meira vez na história brasileira vimos, de forma escancarada, a criação de
um verdadeiro amálgama entre governo, sindicatos e partido, o dos “tra-
balhadores”. Esse amálgama, que se traduziu no rolo compressor que passou
por cima das posições históricas dos movimentos sindical e sociais, foi que
possibilitou a aprovação da reforma da previdência social dos servidores
públicos; a mudança do processo decisório sobre questões do sistema finan-
ceiro nacional, o que pode vir a facilitar o surgimento da tão falada auto-
nomia do Banco Central; a manutenção de elevadas taxas de juros reais,
entre outras. A facilidade com que essas proposições foram aprovadas de-
veu-se ao fato de que a capacidade de resistência dos trabalhadores tornou-
se quase nula, pois eles estavam manietados como um dos resultados do
entrelaçamento entre governo, sindicato e partido. Foi essa facilidade de
assumir a agenda neoliberal e fazer passar suas proposições, posto que as
classes dominantes diretamente já tinham esgotado a capacidade de isso
fazer, que levou essas mesmas classes dominantes a apoiaram financeira e
abertamente sua eleição.
Mas, depois de passado o susto provocado pela completa adesão do
novo governo ao ideário neoliberal, aqui e ali a resistência começou a
brotar. Essa resistência fez-se ouvir nos protestos dos servidores públicos
contra a reforma previdenciária; na manifestação aguerrida de represen-
tantes do PT na Câmara e no Senado contra as propostas de sua direção, o
que resultou em suas expulsões sumárias; na votação contrária de deputa-
dos federais de sua base partidária ou mesmo da aliada; no recrudescimen-
to do movimento pela terra, particularmente encaminhado pelo Movimen-

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P R E F Á C I O 
15
to sem Terra; na greve dos bancários, vitoriosa apesar de todos os esforços
contrários de seus antigos dirigentes, tais como os ministros Luiz Gushiken1
e Ricardo Berzoini; mas também no posicionamento de cientistas e intelec-
tuais contra o continuísmo.
O livro “(Des)Ordem e Regresso”: o Período de Ajustamento
Neoliberal no Brasil, 1990-2000 organizado por Fábio Guedes Gomes &
Eduardo Costa Pinto insere-se nessa última manifestação. Os artigos, es-
critos por professores de diferentes universidades brasileiras, constituem,
sem sombra de dúvida, uma crítica contundente à política neoliberal ado-
tada pelos últimos governos. Mas o livro vai mais longe do que isso: recu-
pera o papel das lutas dos trabalhadores no esgotamento relativo do fordismo
como veículo da acumulação capitalista, o que raramente vemos escrito
num texto de economia; insiste em enfatizar que as oligarquias brasileiras
submeteram (e submetem) o país aos interesses do capital imperialista
hegemônico e, atualmente, aos interesses da finança; preocupa-se em disse-
car os interesses envolvidos e os motivos de a questão agrária ser sempre
prioritária e nunca realizada no País; reescreve o conceito de crise fiscal ao
olhar a totalidade do sistema capitalista, em particular os liames entre
Estado, capital produtivo e capital financeiro; e ainda, trata da dívida
externa e da vulnerabilidade externa, de maneira criativa e didática, e de
vários outros aspectos, muitas vezes esquecidos pelos que se debruçam sobre
a economia de um país subdesenvolvido, do porte do Brasil.
Mas embora mencionada, certamente o leitor ficará curioso em saber
como se alterou, ao longo dos governos analisados, a idéia de proteção so-
cial, sobretudo em relação ao risco-velhice (aposentadoria) e ao risco-doen-
ça (saúde). Mas também teria sido bastante ilustrativo ter tratado dos
programas sociais implementados pelo governo Lula, pois de sua compreen-
são (amplitude da cobertura, impacto sobre a renda das famílias benefi-
ciárias) pode-se entender, em parte, por que Lula mantém um vínculo forte
com as camadas mais pobres da população brasileira.
Desde o início dos anos 1980, há um quarto de século portanto,
assistimos ao ressurgimento do capital produtor de juros como o determinante
das relações econômicas e sociais do capitalismo contemporâneo. Trata-se
de um capital que “busca fazer dinheiro sem sair da esfera financeira, sob

1
Gushiken, membro dirigente da oposição do Sindicato Bancário de São
Paulo e Osasco, participou com destaque da histórica greve da categoria deflagrada
em junho de 1979. Tanto Gushiken como Berzoini foram presidentes do Sindicato
dos Bancários de São Paulo e Osasco.

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16  ROSA MARIA MARQUES
a forma de juros de empréstimos, de dividendos e outros pagamentos a
título da posse de ações e de lucros nascidos da especulação bem-sucedida”
(Chesnais, 2004, p. 35).
Como explica esse autor, o capital financeiro não foi alçado a seu papel
dominante por si só. Para isso foi absolutamente necessário que os Estados
Unidos e a Grã-Bretanha decidissem pela liberação do movimento dos ca-
pitais, promovessem a desregulamentação de seus sistemas financeiros, e
implementassem medidas que promovessem a centralização dos fundos lí-
quidos, de empresas e das famílias. Essa última, curiosamente, tem início
nos EUA na década dos anos 1950, durante os “anos dourados”, isto é,
quando o capital produtivo era incontestavelmente dominante, e prossegue
sua marcha inexorável nas décadas seguintes em países europeus. O início
da crise capitalista, evidente para todos a partir de meados dos anos 1970,
auxiliaram ainda mais nesse processo, quando as empresas americanas no
exterior passaram a depositar seus lucros não reinvestidos na City de Lon-
dres, dando assim início ao surgimento dos eurodólares. Como sabido, a
essa imensa disponibilidade de capital, somou-se a oriunda do petróleo, os
petrodólares, base dos empréstimos realizados para os países do então cha-
mado Terceiro Mundo e, portanto, da dívida externa brasileira.
Não é o caso, no limite deste prefácio, recontar todos os passos da re-
construção do ressurgimento do poder do capital portador de juros e nem
as raízes do endividamento do Brasil. Tampouco cabe discutir todas as
implicações decorrentes de sua dominância. Mas é importante lembrar que
os mesmos elementos que nos tornam reféns da dívida externa (e da inter-
na), permitem que os Estados Unidos assumam a posição de império, defi-
nindo as políticas econômicas dos outros países. E não se está falando ape-
nas de países como os da América Latina, mas também dos que, no passado,
apresentavam diferenças em relação aos EUA, posto que suas burguesias
defendiam interesses próprios. Hoje, o mundo inteiro é prisioneiro dos Es-
tados Unidos. Nunca foi tão verdadeira a expressão “para onde vão os
EUA, vai o mundo”.
O curioso dessa situação, se é que se pode chamar essa situação de
curiosa, é que o mundo todo é obrigado, sob pena de ver seu capital aplica-
do nos EUA virar pó, de continuar a alimentar o fluxo de recursos que flui
para ele. Mas ao fazer isso, são re-alimentados os mecanismos que tornam
os EUA “donos do mundo”, permitindo que, por exemplo, o euro, a libra
esterlina e o iene mantenham-se altamente valorizados em relação ao dólar
americano.

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OI O 
P RPERF EÁFCÁI C 17
Outro aspecto importante que deve ser lembrado é o impacto que o
ressurgimento do capital portador de juros teve sobre a relação capital/
trabalho e sobre a idéia de proteção social que os países devem ter. Como
sabido, a proteção social, tal como construída nos países europeus depois de
finda a Segunda Guerra Mundial, mas aprofundada nas décadas que se
seguiram, mesmo após o início da crise capitalista, está permanentemente
sob ataque. E o bombardeamento não se refere exclusivamente a governos e
representantes da direita, abrangendo também os que se dizem ideologica-
mente de esquerda. É claro que entre todos se destacam os representantes do
capital financeiro, interessados na abertura/ampliação de um novo campo
de operação, notadamente nos países onde ainda a previdência social pú-
blica não deu lugar a regimes privados de capitalização. Seus interesses são
defendidos, em nome da “modernidade” e da eficiência, pelas agências e
organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Na luta por incorporar esse espaço privilegiado para sua acumulação,
que significa promover a privatização dos fundos sociais, o capital porta-
dor de juros conta com o apoio ativo do capital produtivo e dos Estados
burgueses. Do lado do capital produtivo, isso ocorre porque o “estrangula-
mento” resultante da dominância financeira o impele a atuar sobre “o elo
mais fraco”, isto é, sobre os trabalhadores, pois a redução do custo da força
de trabalho passa a ser primordial, tendo em vista o tamanho da punção
que o capital portador de juros retira da mais-valia. É por isso que o capital
produtivo impõe a redução dos níveis salariais e defende ferozmente a
eliminação dos encargos sociais e a diminuição substantiva dos impostos,
uns e outros constituindo fonte de financiamento da proteção social em
diversos países. Mas, para manter os salários reduzidos, faz-se necessária a
permanência de altas taxas de desemprego. É por isso que o capital produ-
tivo não está interessado em promover nada parecido com uma situação de
pleno emprego.
Dessa forma, em todos os pontos do globo, o capital produtivo pôs em
marcha a destruição das instituições que tornaram a reprodução da força
de trabalho em parte socializada; introduziu elementos que minam ou
substituem a solidariedade dos sistemas de proteção social pela lógica da
provisão individual para a velhice e adotou o conceito de empregabilidade,
fazendo tábua rasa dos princípios da economia política com relação à de-
terminação do emprego. Por esse processo — que está bastante avançado
em alguns países — o capital tenta apagar da consciência das pessoas que,

000 Fábio prefácio.p65 17 25/9/2009, 16:53


18  ROSA MARIA MARQUES
em uma sociedade capitalista, é ele o principal responsável pelo emprego e
pela qualidade de vida dos trabalhadores. No lugar da explicitação das
relações entre capital e trabalho, é resgatada, portanto, a velha idéia de que
a concorrência estabelecida no mercado mundializado acaba por premiar a
eficiência, resultando na construção de um mundo melhor. E tudo isso sem
que de alguma maneira seja pelo menos referida a realidade de exclusão e
miséria resultante de 25 anos de políticas neoliberais.
A alta rentabilidade do capital financeiro, contentando-se com não
menos do que 15% (Carré Rouge, setembro de 2004), e a concentração
crescente da renda indicam que as escolhas hoje feitas pelos governantes são
antes de tudo políticas, na defesa dos interesses das classes dominantes e
não da fria reflexão da realidade, tal como querem fazer crer.
Sobre a base teórica e as conseqüências da privatização da proteção
social, diz Husson (2003, p. 103):

A solução mercantil é num sentido bem simples: a cada um em fun-


ção de sua renda, com o retorno a um tipo de estado natural do capita-
lismo. É por isso que o retrocesso não é somente social e político, mas
implica uma crise profunda de civilização, que repousa sobre um pes-
simismo terrível quanto à capacidade da sociedade se auto-organizar.

Por isso, a epígrafe deste prefácio. É preciso que recuperemos nossa


capacidade de sonhar. Somente lutando por uma utopia podemos impedir
a barbárie que toma lugar em todos os tipos das atividades humana, nas
quais o individualismo exacerbado faz “grande massa explorada” perder o
sentimento de pertencer a uma determinada classe, deixando de lhe fazer
sentido valores tais como solidariedade, lealdade, entre outros (Beck, 2001).
Mas para que o sonho se concretize, devemos “observar com atenção a
vida real”, devemos “confrontar a observação com nosso sonho”. O livro
“(Des)Ordem e Regresso”: o Período de Ajustamento Neoliberal no
Brasil, 1990-2000 nos auxilia nessa tarefa. Permite que observemos, com
olhos que não os do pensamento dominante, as complexas relações entre
Estado, capital produtivo, capital-finança que hoje dominam o cenário
internacional. Permite compreender as razões da subserviência dos gover-
nos brasileiros recentes aos interesses da finança. Enfim, vale a pena ser
lido e estudado.

000 Fábio prefácio.p65 18 25/9/2009, 16:53


APRESENTAÇÃO

A
de cerca de três décadas (anos dourados) da
E TA P A E X P A N S I VA
economia capitalista desacelerou-se em meados dos anos
1970. Desde então, o sistema econômico passou a conviver
com significativa redução da lucratividade e dos níveis de acumula-
ção produtiva proporcionados pelas estratégias de saída “interna” à
crise estrutural da década de 1970. Em paralelo, como conseqüências
típicas dos processos recessivos, a redução das taxas de investimento e
crescimento foi acompanhada de resultados sociais amplamente ne-
gativos. Evidente que esse processo não ocorreu em todos os espaços
societários. A expansão capitalista em algumas economias asiáticas,
sobretudo em países como a China e a Índia, foram exceções, casos
emblemáticos de uma “modernização” na qual o sistema de acumu-
lação encontrou condições de exploração de mão-de-obra barata e
uma sociedade disposta a enfrentar os desafios da disputa interestatal
nas relações econômicas internacionais.
Destaca-se, por outro lado, o aumento do desemprego e seu cará-
ter crônico, notadamente nos países avançados da Europa Ocidental,
na América Latina e também nos EUA. Articulado ao momento de
crise econômica, percebeu-se no período analisado dois movimentos
político-econômicos relevantes para o entendimento dessa nova di-
nâmica capitalista, quais sejam: o esforço de manutenção da supre-
macia norte-americana e a queda do bloco socialista.
Esse cenário, no qual esteve presente uma combinação de queda
das taxas de lucros combinadas com um processo de superprodução
19

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20  A P R E S E N TA Ç Ã O
de mercadorias e ainda estratégias de retomada da supremacia ameri-
cana, acabaram por orientar o sistema em direção a formas alternati-
vas de recuperação da lucratividade, atreladas às transformações polí-
ticas no âmbito nacional e internacional. A dificuldade cada vez maior
de viabilizar a acumulação a taxas crescentes de valor novo no plano
da produção fez o capitalismo voltar-se acentuadamente para alterna-
tivas de lucros centrados em fundamentos financeiros. Ao deslocar-
se da produção, passou a privilegiar o universo do capital-dinheiro
em um grau de autonomia muitas vezes superior ao que se manifesta
quando o capital portador de juros atua somente como um apêndice
da esfera produtiva.
Nesse contexto de crise, o Estado-Nação apropriou-se das armas
mais poderosas (funções repressivas e ideológicas) para garantir a
reprodução da acumulação rentista. Para asseverar a rentabilidade
máxima do capital em sua forma financeira, em sua fuga à tendência
baixista da crise, tornou-se necessária a introdução de mecanismos
de potencialização da sua mobilidade dentro de determinados pa-
râmetros inerentes à relação espaço-tempo, ao passo que, em sua forma
produtiva, elevou-se, desmesuradamente, a coerção sobre o trabalho.
Nesse sentido, as amplas medidas de desregulamentação financeira e
os ajustes estruturais que os Estados centrais, sobretudo os EUA, pas-
saram a impor, por intermédio do Banco Mundial, do Fundo Mone-
tário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio
(OMC), aos Estados nacionais em geral deram formatação a um novo
quadro político-econômico que se materializou na aplicação do cha-
mado receituário neoliberal nas décadas de 1980 e 1990.
Não surpreende, portanto, que, com a crise da dívida externa nos
anos 1980, o Banco Mundial, o FMI e a OMC, instituições econômi-
cas “supranacionais”, se tenham fortalecido, uma vez que elas conti-
nuaram a desempenhar, de forma amplificada, funções relevantes
para o ajuste integrativo dos espaços mundiais, à luz das novas condi-
ções de produção e reprodução do capital. Esses três organismos cons-
tituíram a triarquia do capitalismo globalizado nas últimas décadas.
Ficou patente a preocupação embutida nos principais movimentos
efetuados por essas instituições, estreitamente identificadas com os
seguintes eixos dominantes: i) capitalismo liberal como eixo da esfera
econômica; ii) democracia liberal no campo político; iii) valores cul-
turais coerentes com as perspectivas liberais. Esse ideário tornou-se

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APRESENTAÇÃO 21
uma quase obrigação a ser cumprida pelos países que disputam em-
préstimos ou ajuda financeira, notadamente nos momentos que en-
frentavam dificuldades de captação de recursos para projetos produti-
vos ou crises cambiais, associados a desequilíbrios estruturais nos
balanços de pagamentos. Desse modo, o FMI e o Banco Mundial im-
puseram os ajustes estruturais aos países que enfrentavam graves difi-
culdades econômico-financeiras com o intuito de ampliar e consoli-
dar a expansão do capital internacionalizado.
A crise da dívida dos países da América Latina, nos anos de 1980,
que teve como determinante central a política norte-americana do
“dólar forte”, pavimentou o caminho para a implementação de ajus-
tes estruturais neoliberais. A maioria dos países da região adotou, se
bem que seletivamente e com diferentes graus de intensidade, os ajus-
tes estruturais que se constituíram, sinteticamente, em: privatizações
e desregulamentações; flexibilização do mercado de trabalho; dimi-
nuição do papel do Estado; e, abertura comercial. Assumiu-se, por-
tanto, a retórica de que o excessivo intervencionismo do Estado e os
déficits fiscais eram os empecilhos para o crescimento e a prosperida-
de. Para tanto, a estabilidade monetária, o equilíbrio fiscal e a com-
petitividade internacional seriam os instrumentos de modernização
da periferia. Para a América Latina esta seria a receita para a prosperi-
dade e o caminho para a pós-modernidade!
Buscando embarcar nesse pseudodesenvolvimento, gerado pela
globalização liberal, o Brasil modificou sua estratégia de desenvolvi-
mento e de inserção internacional. Estratégia que tomou impulso no
governo Collor e que se estruturou mais pragmaticamente na gestão
Fernando Henrique Cardoso (FHC). Nasce, então, o Plano Real, em
1994, não como mais um dos planos de estabilização econômica os
quais estávamos acostumados a enfrentar diante das instabilidades
provocadas pelo processo inflacionário crônico que o Brasil apresen-
tou durante toda a década de 1980 e início da década de 1990. Apre-
sentou-se como um novo modelo de desenvolvimento assentado em
premissas liberais. Portanto, o Plano Real funcionou ajustando estru-
turalmente a economia brasileira ao movimento neoliberal interna-
cional que incluía dimensões tanto econômicas (programa de estabi-
lização) quanto estruturais (reformas institucionais e administrativas).
Passada mais de uma década do ajuste estrutural brasileiro (in-
cluindo todo o período do Plano Real e primeiro mandato do governo

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22  A P R E S E N TA Ç Ã O
Lula), a preocupação tomou o lugar do otimismo fácil do primeiro
mandato de FHC. Não é para menos, uma vez que o tão propalado
desenvolvimento não se configurou. Muito pelo contrário, o País, na
verdade, viveu graves crises econômicas e sociais que ampliaram a
miséria e o desemprego, ao longo da década de 1990.
Desse modo, o Plano Real significou muito mais que uma sim-
ples estratégia estabilizadora das condições macroeconômicas. Repre-
sentou um programa de desenvolvimento econômico alinhado ao
ideário neoliberal. Além de alcançar um relativo êxito no combate à
inflação crônica, também foi responsável por profundas transforma-
ções das condições estruturais, tanto econômicas quanto sociais do
País. Com a intensa abertura econômica, as privatizações, o controle
monetário e a forte parcimônia fiscal puderam se verificar as mudan-
ças nos eixos clássicos do desenvolvimento econômico brasileiro.
Os resultados disso tudo serão ainda motivos de muitas discussões
e avaliações durante alguns anos. As linhas mestras do Plano Real
(ajuste estrutural) ainda estão muito firmes, sobretudo quando se trata
das políticas monetárias e fiscais. Há, ainda, do governo Lula, um
nítido compromisso de dar continuidade a algumas reformas liberais
que o governo FHC não conseguiu. Apesar da crise internacional que
se abateu sobre o mundo a partir da quebra de parte do sistema finan-
ceiro norte-americano, é preciso dizer que as políticas neoliberais
retrocederam, mas em matéria de política econômica ainda existe uma
discriminada situação que preserva alguns eixos daquela ideologia.
Observou-se, nos últimos quinze anos, um compromisso ainda
inarredável com a teoria e as práticas neoliberais. Isso pode ser
exemplificado pelo enrijecimento da política monetária, pela manu-
tenção e ampliação do aperto fiscal e pela administração da dívida
pública. Tudo isso ainda conspira contra o desenvolvimento econô-
mico brasileiro nos últimos anos. Por outro lado, reconhece-se que a
política externa atual tem valorizado, em certa medida, alguns inte-
resses nacionais de setores específicos, como, por exemplo, o agrone-
gócio. Como resultado disso, o setor externo brasileiro melhorou no
que diz respeito ao desempenho das exportações. Mas tal mudança,
originária sobretudo do ciclo de expansão mundial entre 2003 e 2007,
não garante as condições de sustentabilidade no equilíbrio das contas
externas do País, particularmente se não há clara vontade de controlar
os fluxos de capitais, blindando a economia doméstica dos efeitos

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APRESENTAÇÃO  23
deletérios das instabilidades da economia internacional. Qualquer
idéia que possa estabelecer maior regulação sobre a conta de capital é
logo tratada com desprezo ou simplesmente não é levada em consi-
deração, demonstrando o total compromisso do governo atual com
as práticas de um mercado liberal, sobretudo quando se trata do mo-
vimento do capital-dinheiro. Apesar da crise internacional recente,
isso ainda é verdadeiro.
Por esses e outros motivos, não menos importantes, é que é extre-
mamente oportuna uma revisão e uma análise crítica desses quinze
anos do Plano Real, ou melhor, do ajuste estrutural neoliberal brasi-
leiro e da integração passiva do Brasil no âmbito internacional. O
compromisso não se circunscreve a apenas isso. Trata-se também de
procurar difundir idéias e debates que muitas vezes ficam à surdina
por falta de espaços para o exercício da crítica. O poder da ideologia
neoliberal foi responsável por rechaçar e menosprezar o pensamento
alternativo e heterodoxo. Este livro, portanto, tem pretensão de am-
pliar o espaço do debate crítico a respeito da realidade mundial e,
particularmente, brasileira, contrapondo-se ao establishment econô-
mico academicista.
Para tanto, o livro está estruturado em dois eixos fundamentais.
O primeiro trata questões mais gerais sobre o capitalismo mundial e
sua imbricação com o capitalismo brasileiro. O segundo propõe-se
analisar a dinâmica da economia brasileira sob a batuta das políticas
econômicas e reformas estruturais de perfil neoliberal nas duas últi-
mas décadas. Nesta segunda parte a intenção é discutir temas cruciais
como políticas econômicas, reforma do Estado e instabilidades macro-
econômicas e sociais.
Para discutir esses dois eixos temáticos, o livro é composto de
oito capítulos escritos por professores e pesquisadores de diversas
universidades públicas brasileiras. Esses trabalhos não tiveram a pre-
tensão de terem sido escritos exclusivamente para este livro. São re-
sultados de pesquisas e estudos desenvolvidos dentro da área de inte-
resse de cada autor e apresentados em seminários, congressos e
encontros científicos. Entretanto, todos têm uma linha de pensamento
coerente com a temática do livro, qual seja, a crítica ao modelo
neoliberal de desenvolvimento econômico.
A primeira parte — C A P I TA L I S M O E I N S E R Ç Ã O PA S S I VA B R A S I L E I -
R A — foi dividida em quatro capítulos. No primeiro, denominado

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24  A P R E S E N TA Ç Ã O
“O capitalismo contemporâneo e suas dimensões constitutivas”, os
professores Paulo Balanco e Eduardo Pinto engendram um debate
sobre os elementos constitutivos das transformações recentes do ca-
pitalismo à luz das leis de movimento e reprodução do valor. Para
tanto, desenvolveram uma caracterização da dinâmica capitalista
desde o final da Segunda Guerra Mundial, passando pela análise da
busca da harmonização entre capital e trabalho, verificada nos anos
dourados do capitalismo, adentrando, também, pelos meandros teó-
ricos e concretos da crise estrutural, dos anos 1970, e das saídas “inter-
nas” e “externas” a ela, até chegar ao momento atual do capitalismo,
marcado pela reestruturação produtiva e pela globalização financeira.
Os autores partem do argumento de que esses elementos do capitalis-
mo hodierno, em associação com a (des)regulação neoliberal, funcio-
naram como estratégias voltadas à retomada do controle social, pelo
capital, e à recuperação dos níveis de acumulação, tanto um como
outro abalados pelo aumento dos conflitos de classe na década de
1970. Mostram, ainda, que tais estratégias conseguiram restabelecer o
controle social. Entretanto, elas provocaram efeitos negativos à acu-
mulação produtiva, tornando-se necessário, ao capital, abrir espaços
para a acumulação financeira. A partir disso, conforma-se um padrão
de acumulação dominado pelas finanças que provocou aumento da
dependência econômica e aprofundamento do quadro social desi-
gual, inter e intra-estatal, notadamente nos países periféricos, já que
estes se integram passivamente, por meio de ajustes neoliberais, à
dinâmica do capital.
No Capítulo 2, o professor Nelson de Oliveira trata de um aspecto
de fundamental importância à conformação do capitalismo brasilei-
ro — a questão agrária. Como o próprio autor deixa claro nas primei-
ras linhas, o objetivo é realizar uma interpretação crítica do anti-
reformismo como prática política dos grandes proprietários de terra
e de vários setores da burguesia brasileira quando a questão é a defesa
da propriedade da terra. A defesa de uma não-reforma agrária no País
é um dos fortes argumentos para a explicação do metabolismo de
uma das sociedades mais desarticuladas socialmente do século XX e
XXI. Para explicar isso, o autor trata com profundidade a história dos
movimentos sociais e políticos que emergiram no Brasil em torno do
problema da terra desde o Império, passando pela República Velha,
cobrindo o século XX, até os dias atuais, quando a questão ainda é

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APRESENTAÇÃO  25
importante e se apresenta com novas condições, de um País su-
bordinado e integrado às redes de acumulação capitalista em escala
global, tendo o agronegócio como uma de suas pontas de lança. Dessa
feita, o anti-reformismo volta com maior força porque os interesses e
a força das classes proprietárias são muito mais poderosos que no
passado.
No Capítulo 3, o professor Pedro Paulo Zahluth Bastos faz uma
brilhante relação das políticas econômicas empreendidas nos gover-
nos Dutra e FHC, mostrando que nessas duas experiências de libera-
lização econômica, as vicissitudes dos mercados financeiros interna-
cionais influenciaram diretamente na mudança do eixo central das
políticas econômicas pró-mercado. Crises cambiais, sobretudo,
inviabilizaram as estratégias de crescimento econômico baseadas na
abertura comercial e financeira. Não se pode, segundo o autor, confe-
rir verdade a mudanças no escopo ideológico e político das propostas
desses governos. Foram essencialmente mudanças econômicas que
redefiniram as estratégias de crescimento tendo em vista a inversão
do pêndulo na direção de políticas de incentivo às exportações e subs-
tituição de importações, superávits em conta corrente e políticas de
investimentos públicos. No geral, este capítulo procura demonstrar
que o liberalismo em economias periféricas, quando condena a par-
ticipação do Estado na economia e prioriza a liberalização comercial
e financeira, está fadado a encontrar enormes dificuldades de susten-
tabilidade de suas políticas de crescimento econômico, porque se
expõe demasiadamente aos mercados financeiros internacionais,
integrando-se de forma passiva e tornando-se vulnerável às correntes
de financiamento externo.
No final da primeira parte do livro, o capítulo intitulado “Poder
Potencial, Vulnerabilidade Externa e Hiato de Poder do Brasil”, do
professor de economia internacional do Instituto de Economia da
UFRJ, Reinaldo Gonçalves, sustenta o argumento que, apesar dos va-
riados aspectos que o Brasil reúne em potencialidades no que diz
respeito à sua inserção internacional, o comportamento econômico
do País pouca influência exerceu na dinâmica econômica e política
mundial nos anos 1980 e 1990 do século passado. O hiato de poder
traduz-se na relação assimétrica entre poder potencial e vulnerabi-
lidade externa, ou seja, o fato de o País desfrutar de recursos materiais
que possam elevá-lo à condição de potência, mas, por outro lado,

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26  A P R E S E N TA Ç Ã O
apresentar baixa imunidade para resistir às pressões, fatores deses-
tabilizadores e choques da economia e política internacional. Se, por
exemplo, um determinado país apresente baixa vulnerabilidade ex-
terna e utilize seus recursos materiais para o fortalecimento do Estado
nacional, logo seu poder potencial se torna efetivo. Portanto, poder
efetivo, então, significa, para o autor, a “probabilidade real desse país
de realizar sua própria vontade independentemente da vontade
alheia”. Em resumo, hiato de poder seria a diferença entre poder efe-
tivo e poder potencial. Com base na construção de um modelo bas-
tante original e manipulando dados da Unctad e do Banco Mundial,
o professor Gonçalves tenta medir esse hiato de poder para o caso
brasileiro, comparando com outros países, e chegando à conclusão
que o País apresenta um hiato de poder muito grande graças às su-
cessivas políticas econômicas de corte neoliberal aplicadas a ele nos
últimos decênios.
Na segunda parte do livro, E S T A D O , P O L Í T I C A E C O N Ô M I C A E
MUDANÇAS ESTRUTURAIS: PLANO REAL E INSTABILIDADES CRÔNI-
C A S, são desenvolvidos mais quatro capítulos. Sem perder a linha
crítica, os textos tratam mais especificamente da política econômica
nesses últimos anos e a reestruturação por que passou o Estado brasi-
leiro diante das propostas de reformas neoliberais. Tanto a política de
estabilização econômica quanto a reforma do Estado não resolveram
os problemas de vulnerabilidade externa, tampouco os conflitos so-
ciais foram arrefecidos. Aí residem as instabilidades crônicas: a fragi-
lidade financeira do País e a fragilidade social que resulta na escalada
da violência e da ruptura do tecido social brasileiro.
No Capítulo 5, o professor Reginaldo Souza Santos e o grupo de
pesquisadores (Elizabeth Matos Ribeiro, Mônica Matos Ribeiro, Thiago
Chagas Silva Santos e Vinícius Mendes da Costa) por ele coordenado
vão na contramão do consenso e discutem a chamada crise fiscal do
Estado. Reconhecem os autores que o conceito de crise fiscal domi-
nou o debate sobre a Reforma do Estado nos anos 1990 no Brasil, mas
invocam que esse conceito não passou de artifício ideológico e políti-
co para justificar o que o grupo prefere chamar de reestruturação
produtiva do Estado (Reforma do Estado). Nesse sentido, a crise não
deve ser entendida como uma crise do Estado, tampouco uma crise
fiscal. Para o grupo de pesquisadores, a crise tem origem na própria
dinâmica da economia capitalista e que tem rebatimentos no funcio-

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APRESENTAÇÃO 27
namento das estruturas institucionais do Estado, exigindo deste um
sacrifício social com o fim de salvaguardar os capitais em concorrên-
cia, tanto no plano nacional como na esfera internacional. Para tan-
to, o Estado, como legítimo representante dos interesses predomi-
nantes na sociedade capitalista, abre possibilidades de expansão de
fronteiras de acumulação capitalista, seja nas atividades produtivas,
seja nas áreas financeiras, tendo as privatizações e o crescimento da
dívida pública como exemplos emblemáticos. Isso é muito mais evi-
dente nas economias capitalistas periféricas, nas quais o pacto de
poder é constituído pelas elites econômicas nacionais e estrangeiras,
com a competência executiva de grupos de intelectuais comprometi-
dos com o ideário neoliberal.
No capítulo seguinte, “Estado Capitalista, Plano Real e Acumula-
ção Financeira”, do professor Fábio Guedes Gomes, a linha de racio-
cínio segue o mesmo fio condutor do texto anterior. No entanto, pro-
cura-se enfatizar mais a relação entre o Plano Real e o processo de
acumulação financeira tendo o Estado como elo intermediador do
processo de financeirização da riqueza. Discute-se a chamada crise
fiscal do Estado como mais um dos discursos que legitimaram as
reformas neoliberais no Brasil. Critica-se a noção de Estado utilizada
por parte da literatura como uma instituição exógena, desarticulada
da sociedade e blindada dos interesses de reprodução capitalista. É
uma tentativa ainda muito inicial de mostrar a importância de se
compreender as funções do Estado no contexto da totalidade da socie-
dade comandada pelas funções do capital. Nesse sentido, o autor pro-
cura entender o Estado com um novo papel dentro da dinâmica de
acumulação, tal como ele exerceu diferentemente em diversos mo-
mentos da história econômica brasileira.
No Capítulo 7, o professor Carlos Eduardo argumenta que o Pla-
no Real e a política de estabilização econômica só foram possíveis em
razão da flexibilidade da política fiscal, traduzida na expansão da re-
ceita tributária, aumento dos gastos correntes e no endividamento do
setor público. Ademais, a situação favorável de déficits públicos mo-
derados e relação dívida líquida do setor púbico/PIB confortável, per-
mitiram o uso da política monetária e cambial para efeitos de abertu-
ra econômica e atração de capitais estrangeiros e, depois, para corrigir
os rumos da economia depois dos abalos provocados pela crise asiáti-
ca e russa. Por outro lado, o professor Carlos Eduardo conclui que esse

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28  A P R E S E N TA Ç Ã O
quadro de flexibilização da política fiscal, que permitiu a política eco-
nômica do Plano Real, defrontou-se com o agravamento da vulnera-
bilidade externa, notadamente a partir de 1999, e os desequilíbrios
das contas públicas traduzidos em crescimento do endividamento
público. O que era flexível transformou-se numa política fiscal
contracionista, guiada pela necessidade de arrocho fiscal por meio da
carga tributária elevada, superávits fiscais draconianos, redução da
despesa pública com investimentos e gastos sociais e a necessidade de
juros elevados, tudo isso para financiar a dívida pública crescente e,
sobretudo, manter o equilíbrio das contas internacionais do País.
Por fim, no Capítulo 8, os professores Luiz Filgueiras & Eduardo
Pinto apresentam a dinâmica macroeconômica da economia brasi-
leira nos dois governos FHC (1994-2002) e nos dois primeiros anos
do governo Lula (2003-2004), à luz das políticas econômicas que
foram implementadas, tendo por objetivo responder à seguinte ques-
tão central: com a manutenção da mesma política econômica, há
possibilidade real de se reduzir, estruturalmente, a vulnerabilidade
externa do País e a fragilidade financeira do setor público, substituin-
do-se o predomínio da lógica rentista pela lógica produtiva? A com-
preensão mais geral adotada, pelos autores, é de que a relativa estabi-
lidade monetária, permanentemente ameaçada por sucessivas crises
cambiais, foi conseguida à custa de uma grande instabilidade macroe-
conômica. A adoção do câmbio flexível, a partir de 1999, juntamente
com a implementação da política de metas de inflação e a obtenção
de elevados superávits primários, não conseguiu remover as princi-
pais restrições para o crescimento sustentado da economia brasileira.
Mais recentemente, a retomada do crescimento em 2004 apenas rei-
tera um padrão já observado nos governos FHC, no início do Plano
Real (1994-1995) e em 2000, não significando, provavelmente, uma
nova rota de crescimento sustentado.
“(Des)Ordem e Regresso”: o Período de Ajustamento Neoliberal no
Brasil, 1990-2000 é um livro que não tem, no geral, características
propositivas. Alguns autores, evidentemente, tiveram a liberdade de
anunciar algumas idéias que podem subsidiar a discussão em torno
do crescimento e desenvolvimento econômico brasileiro. Mas, es-
sencialmente, o livro é uma reflexão crítica sobre esses últimos de-
cênios marcados pelas políticas de ajustamento estrutural. Como di-
zia o filósofo Gramsci, “É preciso afiar o pessimismo da razão para

0000 Fábio introdução.p65 28 25/9/2009, 16:52


APRESENTAÇÃO  29
construir o otimismo da vontade”. Sem grande pretensão, digamos
que nossa tarefa ao organizar esse livro tenha sido afiar o pessimismo
da razão, porque construir o otimismo da vontade deve ficar a cargo de
um projeto coletivo, no qual as forças sociais da maioria do povo
brasileiro possam imprimir e participar das grandes transformações
por que este País necessita passar.

— OS ORGANIZADORES

0000 Fábio introdução.p65 29 25/9/2009, 16:52


PRIMEIRA PARTE

CAPITALISMO
E INSERÇÃO PASSIVA BRASILEIRA

01 Fábio cap. 1.p65 31 25/9/2009, 16:54


01 Fábio cap. 1.p65 32 25/9/2009, 16:54
CAPÍTULO 1
O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
E SUAS DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

E D U A R D O C O S TA P I N T O
PAULO BALANCO

A
F I N A L I D A D E D E S T E C A P Í T U L O é efetivar uma análise das trans-
formações recentes do capitalismo, procurando situá-las como
resultados do processo dialético das leis de movimento e re-
produção do valor. Procurar-se-á explorar uma linha de caracteriza-
ção do cenário capitalista contemporâneo desde o pós-Segunda Guerra
até os dias atuais, à luz de alguns conceitos e realidades fundamentais
hoje exaustivamente discutidos, dentre os quais o processo de rees-
truturação produtiva, a dinâmica da globalização financeira, o papel
do Estado-nação e a extensão atual da crise e suas origens constitutivas
na década de 1970.
Esta iniciativa, ao mesmo tempo, enseja o tratamento deste obje-
to em contraponto às elaborações econômicas e políticas surgidas
nos anos recentes dando conta de um quadro novo e potencialmente
positivo que se estaria materializando a partir das transformações do
capitalismo. Entretanto, não comungamos com a tese de que nada
mudou na relação tanto entre capital e trabalho como entre as frações
do capital; sendo assim, esta análise é efetuada tendo em vista impor-
tantes modificações na estrutura da produção e nas funções do Estado
capitalista.
Para esse propósito, considerando o grau de complexidade que
cerca tal problemática, adota-se o constructo de que as transformações
recentes tiveram origem no combate (saídas “internas”) à crise estru-
tural do capital dos anos 1970. Tais novidades, na verdade, são resulta-
dos do movimento contraditório entre capital e trabalho, que, por sua
33

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34  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
vez, provocou a elevação dos conflitos intercapitalistas, refletindo nas
relações inter e intra-estatais contemporâneas. O aumento desses
conflitos pode ser explicado tanto pela elevação das tensões externas,
provocadas por modificações nas relações de coerção e controle entre
os EUA e os demais países capitalistas avançados e periféricos, como
também pela ampliação dos conflitos internos em virtude de novos
rumos das estratégias públicas perante o novo poder das finanças.
Nesse sentido, além desta introdução, discute-se na segunda se-
ção do capítulo, os anos dourados do capitalismo planejado, marcado
pela assunção do compromisso keynesiano/fordista, uma nova forma de
controle social assentado na institucionalidade do Welfare State. Na
terceira a preocupação está voltada para a apreensão das dimensões
socioeconômicas da crise do capital, iniciada no final da década de
1960, e também para sua extensão atual. Para tanto, fez-se necessário
debater, a partir de diversos eixos teóricos, as origens e as saídas “in-
ternas” e “externas” das crises. Na quarta seção são apresentados os
elementos constitutivos do capitalismo hodierno, a reestruturação
produtiva e a globalização financeira, como contraface do mesmo fe-
nômeno, qual seja: estratégias de retomada do controle social e da
recuperação dos níveis de acumulação, tanto um como outro, abala-
dos pelo aumento dos conflitos entre capital e trabalho na década de
1970. E também como esse novo padrão de acumulação tem levado
ao aumento da dependência econômica e do aprofundamento do
quadro social desigual. Por fim, na sexta seção, procura-se alinhavar
algumas idéias a título de conclusão.

Os anos dourados do capitalismo planejado:


a busca da harmonia entre capital e trabalho

A Primeira Guerra Mundial, fruto da agudização da concorrência


interimperialista, reafirmou a incapacidade do modelo institucional
liberal de regular as diferenças dos mais diversos interesses socioe-
conômicos que se vinham materializando desde a crise de 1872. Ao
final desse conflito não apenas a regulação da concorrência capi-
talista era preocupação da classe dominante, mas também a nova
correlação de forças entre o capital e trabalho que emergiu após a
revolução socialista russa de 1917. Tal evento político estimulou o
crescimento do movimento operário em boa parte da Europa Oci-

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  35
dental. O capital não se acomodou diante de tal conjuntura “negati-
va” e foi ao contra-ataque, uma vez que delegou às forças da própria
monopolização a direção dos padrões de concorrência e, no plano
microeconômico, buscou reafirmar-se diante das lutas de classes
mediante novas possibilidades de controle social (Oliveira, 2004).
Nesse contexto de aumento dos conflitos interclasses (capital vs
trabalho) e intraclasses (capital vs capital), as barreiras impostas ao
processo de valorização tornaram-se mais robustas e elevadas, nota-
damente com o acirramento da luta de classes, a qual representa seu
principal componente crítico. Tal dinâmica socioeconômica con-
flituosa, por sua vez, alçou o capital a uma segunda crise estrutural —
iniciada nos anos de 1929 e concluída com advento da Segunda Guerra
— que atingiu a totalidade do mundo capitalista, provocando (i) forte
deflação de ativos; (ii) crises bancárias recorrentes; (iii) intensa que-
da dos preços das mercadorias; (iv) desvalorizações competitivas das
moedas nacionais; (v) ruptura do padrão ouro; (vi) colapso da produ-
ção industrial e forte elevação do desemprego que chegou até a 40%
da população economicamente ativa em alguns países centrais.
A segunda crise estrutural de valorização do valor representou a
ocorrência de um evento complexo com manifestações paradoxais. A
redução dos impedimentos à acumulação só foi alcançada graças à
profilaxia drástica e amplamente destrutiva de mercadorias, de capi-
tais e de força de trabalho, originárias da Segunda Guerra Mundial, e
à nova forma de controle social pautada pela regulação do Estado
social (Welfare State), planejador e produtor. Esses fatores engendra-
ram certa harmonização (1945-1970) no âmbito das relações entre
capital e trabalho. Assim, foi possível o estabelecimento de uma nova
plataforma de relançamento da acumulação.
Em linhas gerais, a crise de 1929, sem dúvida, desempenhou um
papel central no reforço da constituição de uma nova institucio-
nalidade tanto no âmbito do capitalismo em sua generalidade quanto
no do Estado. Essas mudanças refletiram alterações políticas ocorri-
das nos mercados capitalistas em virtude do grau mais elevado de
socialização do capital até então. A busca de alternativas para conter
os efeitos da crise — desemprego e deflação — tendeu a reforçar as
mudanças no plano institucional e na determinação das políticas em
seu todo.

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36  EDUARDO COSTA PINTO & PAULO BALANCO
As novas alianças de classe que se articulam tendo em vista
o enfrentamento da crise — New Deal, Planificação Nazista, Front
Populaire. . . — aos poucos vão forjando aquilo que se pode
caracterizar como a forma alternativa mais concreta ao Estado
liberal [. . .]: o Estado social [Welfare State]”(Oliveira, 2004,
p. 197).

A retomada da acumulação, no pós-crise de 1929, deve ser


identificada como o ponto de partida do longo boom pós-Segunda
Guerra. O programa de recuperação da economia americana (New
Deal),1 e seus correlatos em outros espaços nacionais, inauguraram
uma nova macroestrutura socioeconômica capitalista, cuja marca
decisiva foi a forte presença estatal em termos normativos e também
como esfera (ramo) de produção (Estado planejador e produtor), ar-
ticulada à nova forma de controle social assentada no Welfare State,
especialmente nos países centrais. Essa acentuada inflexão relaciona-
da às atribuições socioeconômicas designadas ao Estado capitalista
baseou-se em dois elementos fulcrais: (i) um inquestionável aparato
de regulação com o propósito principal de enquadramento do capital
financeiro e seu direcionamento para o financiamento da produção
por meio do planejamento, considerado necessário à própria dinâ-
mica do capital nesse momento histórico; e (ii) uma acomodação das
contradições entre capital e trabalho por meio de certas concessões,
pelo capital, aos trabalhadores dos países centrais (compromisso keynesia-
no/fordista ou estratégia de harmonização) e de forte coerção, pelas
ditaduras militares, dos frágeis movimentos operários dos países pe-
riféricos.
Embora o New Deal tenha sido implementado já no início da
década de 1930, pode-se afirmar que essa nova macroestrutura e seus
efeitos sobre a retomada da acumulação só se consolidaram realmen-
te ao final da Segunda Guerra,2 a partir de um novo reordenamento
internacional, qual seja, a materialização de um novo sistema mone-
tário internacional (padrão dólar-ouro) e de instituições internacio-
nais de coordenação e controle (Fundo Monetário Internacional,
Banco Mundial e Gatt), baseado nos acordos de Bretton Woods, sob a
égide irrestrita da nova supremacia, quer dizer, dos Estados Unidos,
que se constituiriam posteriormente numa hegemonia mundial no
sentido gramsciano até meados da década 1970.

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  37
A adoção da estratégia de recuperação socioeconômica foi assen-
tada, por um lado, no princípio da economia da demanda efetiva,
configurada no programa do New Deal e consolidada com o acordo
de Bretton Woods e com o Plano Marshall, e, por outro lado, na busca
de harmonização entre as classes capitalista e trabalhadora. Tal estra-
tégia somente se consubstanciou em virtude de determinados fenô-
menos, a saber: (i) redução da influência dos condicionantes exter-
nos — cooperação antagônica — sobre as políticas macroeconômicas
domésticas dos países capitalistas, notadamente após o começo da
Guerra Fria em 1947; (ii) repressão financeira, ou seja, a “regulação”,
pelas autoridades monetárias estatais, da moeda de crédito, capital a
juros, mediante o processo de monetização da dívida pública; (iii)
“mediação” estatal entre o empresariado e os trabalhadores, por in-
termédio de suas representações sindicais, objetivando articular o
aumento dos salários reais aos ganhos de produtividade e dos preços
e integrar o trabalhador ao âmbito dos processos decisórios da produ-
ção. Quando a mediação não funcionava, o Estado utilizava seu poder
coercitivo, notadamente nos primeiros anos após o final da Segunda
Guerra; (iv) incorporação de investimentos diretos e das transferên-
cias de seguridade social como componentes basilares da demanda e
do controle social (Beluzzo, 1999; Guttmann, 1998; Meyer, 2000;
Balanco & Pinto, 2004).
O sistema monetário de Bretton Woods (padrão dólar-ouro), um
dos elementos importantes da estratégia de recuperação, configurou-
se a partir de três elementos fundamentais: 1) taxas fixas de câmbio,
mas ajustáveis, em virtude de “desequilíbrios fundamentais” associa-
dos aos balanços de pagamentos; 2) a aceitação do controle dos fluxos
de capitais internacionais; e 3) a criação do FMI para monitorar as
políticas nacionais e oferecer financiamento para equilibrar os balan-
ços de pagamentos com desequilíbrios. Segundo Eichengreen (2000,
p. 132) apenas “os controles de capital constituíram-se no único ele-
mento que funcionava mais ou menos segundo o planejado”. Esse
controle de capitais afrouxou os vínculos entre as políticas econô-
micas domésticas e externas — redução dos condicionantes externos
—, possibilitando aos governos espaços para a adoção de políticas
macroeconômicas voltadas ao pleno emprego (Eichengreen, 2000).
Essa ordem financeira e monetária internacional, em que o dó-
lar passou a funcionar como moeda de circulação internacional, foi

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38  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
construída sob a égide norte-americana em virtude de sua posição de
superioridade diante de outros países centrais no pós-Segunda Guer-
ra. O poderio dos EUA esteve atrelado, nesse momento, à sua posição
de prestamista para todos os países aliados e às suas reservas em ouro
que totalizavam quase que integralmente as reservas mundiais. Nesse
cenário de assimetria de poder, quando do encontro de Bretton Woods,
a delegação dos Estados Unidos — que tinha no Plano White seu
programa de diretrizes —, impôs a maior parte de suas deliberações à
delegação da Inglaterra — que pelo Plano Keynes vislumbrava certa
contenção do poderio americano — e às delegações dos outros países
vencedores e derrotados da Segunda Guerra. Os acordos firmados ao
final do encontro permitiam a manutenção de controles sobre movi-
mentos de capitais e a limitação do volume de financiamento para os
países que apresentassem balanço de pagamento deficitário. Essa re-
solução garantiu grande poder para os países superavitários que nesse
momento correspondia solitariamente aos EUA. Assim, mesmo com
algumas concessões que permitiram o controle de capitais, os EUA
consolidaram-se como o centro da ordem capitalista pós-Segunda
Guerra (Eichengreen, 2000; Mattos, 2000; Serrano, 2004).
Apesar de os EUA apareceram como o espaço capitalista pioneiro
de desenvolvimento do New Deal, também a Europa e o Japão conhe-
ceriam a aplicação dos seus principais elementos constitutivos, so-
bretudo quando da imposição americana ao financiar suas reconstru-
ções depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Em particular, deve-se
destacar a afinidade do Plano Marshall, aplicado à reconstrução dos
países capitalistas da Europa Ocidental, ao modelo de demanda efeti-
va e seus enquadramentos institucionais. Por conseguinte, essa orien-
tação, como um dos elementos que visava à recolocação da economia
capitalista nos trilhos da expansão da acumulação, é introduzida par-
ticularmente no núcleo de países que passaria a ser considerado como
o núcleo orgânico do sistema no plano mundial.
O acordo de Bretton Woods não conseguiu sanar os graves pro-
blemas da Europa, pois a limitação de empréstimos para os países
deficitários no balanço de pagamentos — nesse momento todos os
países europeus — restringia a possibilidade de sua reconstrução. A
instabilidade econômica (crise da libra esterlina em 1947) e política
na Europa criaram um terreno fértil para a possibilidade da tomada
do poder estatal por partidos comunistas, o que, por sua vez, poderia

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  39
provocar um alinhamento de alguns países europeus ocidentais ao
bloco socialista. Certamente este resultado potencial ampliaria o po-
der da União Soviética no âmbito da Guerra Fria que se iniciou em
1947, e, sobretudo, poderia elevar o poder da classe trabalhadora numa
nova correlação de forças entre o capital e o trabalho. Entrementes,
antes de possíveis vitórias da classe trabalhadora socialista em territó-
rio europeu ocidental, os EUA adotaram a estratégia da “exportação
de capital”, em grande monta, por meio do Plano Marshall para redu-
zir a instabilidade socioeconômica européia e para ampliar os tentá-
culos da grande empresa hierarquizada e “verticalizada” norte-ame-
ricana. Segundo Arrighi (1996, p. 306) o “Plano Marshall iniciou a
reconstrução da Europa Ocidental à imagem norte-americana e, di-
reta e indiretamente, deu uma contribuição à expansão do comércio
e da produção mundiais da década de 1950 e 1960”.
Para Brenner (2003) a expansão econômica do pós-guerra (1950-
60) vinculou-se à capacidade do núcleo de países capitalistas avança-
dos realizarem e sustentarem altas taxas de lucro,3 produzindo superá-
vits relativamente elevados com base no uso de capital fixo/estoque
de capital (instalações e equipamentos). No entanto, Brenner (2003)
não apresenta, ou apenas tangencia, os novos elementos institucionais
que proporcionaram aos países centrais a capacidade de sustentar a
taxa de lucro nos anos 1950 e 1960, delegando à política, portanto,
em sua análise, um caráter secundário.
Na verdade, a sustentabilidade das taxas de lucro em um patamar
elevado só foi factível a partir de um renovado arranjo político, articu-
lado ao final da Segunda Guerra, ou seja, uma nova institucionalidade,
tanto em níveis inter e intra-estatais quanto no plano gerencial-ad-
ministrativo da produção. Com isso, a tarefa de regulação da concor-
rência intercapitalista e de arrefecimento da contradição entre capi-
tal e trabalho nos espaços nacionais foi facilitada pelo novo controle
social estruturado em certas concessões aos trabalhadores. Na Europa
empregou-se o reformismo social-democrata assentado da “partici-
pação” dos trabalhadores em “associação” com os capitais, já nos
Estados Unidos configurou-se uma racionalização fordista/taylorista
que possibilitava ganhos salariais aos trabalhadores.
A intensa acumulação de capital ocorrida nos anos dourados acon-
teceu a partir do núcleo funcional composto pela grande empresa,
aprofundando sua penetração nacional e internacional, e do Estado

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40  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
planejador e produtor, mediante forte intervencionismo e “regulação”.
Entretanto, essa mesma receita pouco contribuiu para que os países
periféricos lograssem diminuir o fosso que os separavam do núcleo
orgânico do sistema, confirmando o desenvolvimento desigual e
hierarquizado do capitalismo.
A expansão da atuação da grande empresa4 americana no pós-
Segunda Guerra, para além dos espaços nacionais que as sediavam
originariamente, caracterizou uma nova etapa da “exportação de ca-
pital”: num primeiro momento, por meio de gastos militares e do
Plano Marshall; e num segundo momento, após o Plano, pela inter-
nacionalização do capital privado americano, financeiro e sobretudo
industrial, para a Ásia e a América Latina. Tornou-se possível, com
isso, um reordenamento na divisão internacional do trabalho, já que
a revolução tecnológica então experimentada permitiu um avanço da
integração dos países subdesenvolvidos ao mercado mundial de tal
forma que os elevasse também à posição de produtores de bens acaba-
dos. Emerge, então, um novo quadro que apenas confirmaria a inexo-
rável atuação das leis econômicas do capitalismo como fatores de
impulsão ao deslocamento dos capitais entre os diversos espaços geo-
gráficos do planeta. No interior desse processo, os novos interesses
das empresas multinacionais européias e, particularmente, america-
nas nas regiões atrasadas do planeta levaram-nas, por conseguinte, a
ampliar o espaço de vigência das relações capitalistas de produção
(Pinto & Balanco, 2004).
As elevadas taxas de lucro alcançadas pelas economias avançadas
no pós-Segunda Guerra propiciaram a manutenção de altos índices
de investimentos, gerando uma aceleração da produtividade, associa-
dos a um crescimento rápido dos salários reais sem ameaçar os lu-
cros. Nesse período, a maioria das economias capitalistas avançadas,
e algumas subdesenvolvidas, viveram um longo boom econômico.
Materializaram-se altas taxas de crescimento do investimento (priva-
do5 e estatal), da produção,6 da produtividade7 e dos salários8 nunca
vistos historicamente, ao passo que se constatavam pequenos níveis
de desemprego9 e de inflação10 e processos recessivos mínimos (Bren-
ner, 2003).
O crescimento econômico dos anos dourados foi materializado
com base na articulação entre crescimento das taxas de lucro e dos
salários reais — economia da demanda efetiva — fundada em uma

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  41
nova institucionalidade voltada à harmonização das relações entre
capital e trabalho. Essa articulação harmonizadora tornou-se viável,
conjunturalmente, em virtude de determinados eventos políticos,
quais sejam, a Segunda Guerra Mundial e a posterior consolidação do
bloco socialista, conformando a divisão do mundo em dois pólos. No
pólo capitalista os EUA buscaram configurar o êxito econômico para
seus aliados e concorrentes como uma forma de consolidar a ordem
capitalista — um mundo seguro para a livre empresa — e combater o
regime comunista. Nesse cenário, o Estado imperialista americano,
já consolidado como hegemônico, arquitetou uma cooperação antagô-
nica entre os principais países capitalistas, ou seja, uma cooperação
entre Estados capitalistas concorrentes (Thalheimer, apud Meyer,
2000), alçando o crescimento econômico e o progresso a questão de
segurança nacional e de manutenção da ordem capitalista regulada.
O processo de expansão mundial não ocorreu de forma simultâ-
nea no núcleo dos países avançados. Na verdade, os EUA, pelas suas
condições econômicas e materiais no final da Segunda Guerra Mun-
dial, saíram na frente no processo de expansão, provocando um cres-
cimento temporalmente desigual entre os Estados Unidos, Europa e
Japão. Quando a Europa e o Japão atravessaram os seus auges expan-
sionistas a economia doméstica americana já vivia um processo de
declínio relativo. Essa dinâmica mundial diacrônica garantiu a contí-
nua vitalidade das forças dominantes dentro dos EUA, pois o desen-
volvimento mais tardio, após a Segunda Guerra, da Europa e do Japão,
em relação ao norte-americano, representou, de um lado, oportuni-
dades de expansões externas para as empresas multinacionais e os
bancos americanos, configurando canais de lucratividade para seus
investimentos diretos. De outro lado, significou o crescimento das
exportações dos produtores internos americanos que precisavam de
uma demanda estrangeira de crescimento acelerado (Brenner, 2003).
O êxito econômico estadunidense, como centro da economia-
mundo capitalista, portanto, esteve atrelado ao sucesso de seus con-
correntes e aliados capitalistas e à manutenção da ordem capitalista
regulada. Isto propiciou, ainda que sob hegemonia dos Estados Uni-
dos, maior grau de cooperação e coordenação internacional — Plano
Marshall e sistema financeiro internacional “regulado”: Bretton
Woods —, marcado por altos níveis de apoio político-econômico dos
norte-americanos a seus aliados e concorrentes. Nesse período a

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42  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
hegemonia americana foi exercida por um comportamento dual, coer-
citivo e persuasivo, com o aspecto persuasivo ocupando maior desta-
que na política internacional norte-americana (Meyer, 2000).
Sem dúvida, tornava-se muito claro que o capitalismo resolvera
adotar um modelo de desenvolvimento de inquestionável inspiração
keynesiana,11 portanto, privilegiando o princípio da demanda efetiva
como norma teórica tanto no plano econômico como no cultural.
Coube ao Estado o papel de controle do ciclo econômico e de disse-
minação da cultura burguesa12 do consumo e da eficiência aos mol-
des norte-americanos (American Way of Life) por meio do consumo
de massa e das transformações ideológicas dos indivíduos — um novo
tipo humano. À medida que as organizações trabalhistas assimila-
vam tal cultura, aumentava a integração passiva dos trabalhadores aos
rumos assumidos pelo movimento do capital em sua globalidade.
Um desses mecanismos estatais, no plano econômico, foi a es-
trutura de regulação da moeda e do sistema de crédito adotada por
Roosevelt.13 Assim, constituiu-se uma nova ordem monetária na qual
as autoridades monetárias do Estado (bancos centrais) podiam inter-
ferir na oferta de moeda tanto de forma direta, alterando a quantidade
de moeda em circulação, quanto indireta, mediante a regulação das
atividades de criação monetária dos bancos comerciais. Isso possibi-
litou a criação de uma oferta elástica de moeda a juros baixos pelo
aumento das despesas financiadas pelo endividamento. Esse proces-
so originou uma “monetização” das dívidas e permitiu financiar, si-
multaneamente, os déficits orçamentários crônicos do Estado previ-
denciário, os investimentos necessários à difusão de tecnologias da
produção fordista e as normas de consumo sociais de consumo de mas-
sa de bens mais caros, tais como automóveis e casas (Guttmann, 1998).
A justificativa para a intervenção estatal na economia, sob influên-
cia do planejamento, em boa medida, foi explicada em vista da pro-
funda destruição econômica causada pela Grande Depressão de 1929
e pela Segunda Guerra. Nesse cenário deletério seria uma quimera
acreditar que semelhante situação poderia ser revertida rapidamente
apenas com base nos mecanismos espontâneos do mercado e da li-
vre-iniciativa. A destruição econômica e eventos do plano político —
intensificação da luta de classes na Europa e a construção do “socialis-
mo real” soviético — forçaram o engendramento, pelo capital, de
estratégias contra-ofensivas de caráter preservativo pautadas na

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  43
harmonização entre as classes mediante algumas concessões14 aos
trabalhadores: o chamado compromisso keynesiano/fordista. Quanto
maiores fossem os poderes dos movimentos operários nacionais,
maiores eram as concessões dos gerentes e representantes do capital.
Assim, tal arranjo institucional “harmonicista” foi assumindo carac-
terísticas bastante distintas em cada país, em face do nível nacional
de correlação de força entre as classes. Isso explica, até certo ponto, as
formas diferenciadas da harmonização adotadas nos Estados Unidos
e na Europa e a predominância da coerção aos movimentos trabalhis-
tas nos países periféricos.
Na Europa Ocidental, ou na Europa que continuaria capitalista
após os acordos de coexistência pacífica firmados entre EUA, Ingla-
terra e URSS ao final da Segunda Guerra, o compromisso keynesiano/
fordista, como estratégia de harmonização, teve de assumir um cará-
ter mais amplo denominado “pacto social”,15 o qual também foi trans-
plantado tanto para o plano macroestrutural (regulação institucional:
Welfare State) quanto para o da produção (certa “participação” dos
trabalhadores nos processos organizacionais e ganhos salariais
reais), haja vista a grande insurgência das organizações dos trabalha-
dores europeus.
Nos Estados Unidos o compromisso keynesiano/fordista voltou-se,
prioritariamente, ao âmbito da produção mediante a racionalização
taylorista/fordista. Esse processo proporcionou ingentes ganhos de
produtividade, os quais foram em parte repassados aos salários dos
trabalhadores norte-americanos. A maior intermediação, nos EUA,
das instâncias políticas e ideológicas no processo de harmonização
não se fez necessária em face da pequena articulação dos movimen-
tos operários estadunidenses — sindicalismo reformista à semelhan-
ça das trade unions inglesas — e suas reivindicações de caráter muito
mais salarial dos que anti-sistêmico.
Gramsci, no seu ensaio “Americanismo e Fordismo”, fora um
dos primeiros a perceber a relevância da gestão taylorista/fordista
para o processo de harmonização social nos EUA. Para ele, o ganho
com essa nova gestão da produção viabilizou

[. . .] racionalizar a produção e o trabalho, combinando ha-


bilmente a força (destruição do sindicalismo operário de base
territorial) com a persuasão (altos salários benefícios sociais di-

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44  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
versos, propaganda ideológica e política habilíssima) para, final-
mente, basear toda a vida do país na produção. A hegemonia [do
capital] vem da fábrica e, para ser exercida, só necessita de uma
quantidade mínima de intermediários profissionais da política e
da ideologia (Gramsci, 1978, pp. 381-2).

Nos países periféricos a relação entre os representantes do capital


e os movimentos operários não assume a forma de compromisso
keynesiano/fordista e sim de maior coerção, uma vez que tais econo-
mias dependentes estruturavam-se num modelo de capitalismo de-
sarticulado — voltado para exportação ou para o consumo interno de
bens de luxo — e alicerçado na “superexploração” do trabalho. Tal
dinâmica capitalista dependente conformava um grande “exército
industrial de reserva”, o que, em certa medida, restringia a ampliação
das bases das organizações operárias. Com a correlação de força pen-
dendo fortemente em favor do capital não se fazia necessária à harmo-
nização de classes nos países periféricos. A coerção foi a arma princi-
pal do capital para se impor como dominação. Ao sinal de “subversão”
dos trabalhadores à “superexploração” e, por conseguinte, ao sistema
estabelecido, os representantes das frações dos capitais nacionais arti-
culavam-se entre si,16 com os representantes das forças armadas, com
parte das classes médias locais e com o grande capital forâneo para
manter a ordem estabelecida. O instrumento de manutenção da acu-
mulação e, conseqüentemente, dessa ordem capitalista dependente,
fora o golpe militar e a respectiva instalação de regimes ditatoriais,
pois estes facilitavam a extração de mais-valia dos trabalhadores me-
diante a repressão dos salários e a coerção da organização livre dos
movimentos operários. A “ajuda” estrangeira para manutenção da
ordem, geralmente, vinha dos organizadores do sistema capitalistas
(EUA), quer seja por meio de intervenções militares violentas (Coréia,
Vietnã, e República Dominicana), quer seja incitando e sustentando
política e economicamente golpes militares e ditaduras ao redor do
mundo (Brasil, Chile, Argentina, Grécia, Uruguai, etc.). Ao utilizar
tais instrumentos, o Estado norte-americano estava buscando pro-
teger os interesses de suas empresas multinacionais (grande capital)
e, por conseguinte, defender sua posição central na economia mun-
do capitalista, além, é claro, da hegemonia do capitalismo como sis-
tema social.

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  45
Em linhas gerais, a arquitetura de regulação e coordenação, sob
controle norte-americano, seria ainda ampliada à dimensão inter-
nacional. O capitalismo pôs em prática um mecanismo “regulatório”
dirigido para o controle das relações entre países, abarcando, dessa
maneira, os fluxos financeiros e de mercadorias. Os acordos de Bretton
Woods resultaram na substituição definitiva do padrão-ouro pelo pa-
drão dólar-ouro e na construção de uma estrutura institucional basea-
da em organismos como o FMI, o Banco Mundial e o Gatt, sob a égide
dos EUA. A principal preocupação vinculava-se à necessidade de evi-
tar mudanças bruscas e imprevisíveis, amenizando a autonomia dos
fluxos financeiros especulativos e potencialmente portadores de ele-
mentos desestabilizadores. Depois de 1944, quando os acordos de
Bretton Woods foram firmados, prevaleceu até 1971 um controle re-
lativo que acabou por privilegiar os fluxos de mercadorias e de inves-
timento direto mediante um sistema de taxas de câmbio fixas forte-
mente administrado.
O excesso de liberdade para os movimentos dos capitais, das duas
primeiras décadas do século XX, daria lugar a uma condução econô-
mica estatal planejada de perfil anticíclico associada ao controle so-
cial por meio da harmonização. Dessa forma, o papel da demanda
agregada, no plano socioeconômico, passou a ser decisivo, o que im-
plicou a elevação para o primeiro plano de dois elementos dessa
macroestrutura, a saber, os gastos em consumo privado e as despesas
público-estatais. No que diz respeito à função do consumo neste mo-
delo, tornou-se necessário estabelecer uma estrutura institucional de
“reforçamento” dos rendimentos do trabalho e de elevação do nível
de emprego.
O redimensionamento do Estado configurou-se como um dos
principais componentes estruturais do padrão de acumulação posto
em prática nesse período. Este redimensionamento, por um lado,
expressou os novos componentes de controle social supracitado e,
por outro, atribuiu ao Estado o papel de esfera produtiva no interior da
divisão social do trabalho da economia. Todavia, não corresponde
integralmente, e nem poderia, ao conceito de esfera produtiva tal
qual a da categoria capital industrial como teorizado por Marx (1986)
em sua interpretação da reprodução capitalista. No padrão de desen-
volvimento dos anos dourados, o Estado cumpre atuação de inspiração
keynesiana, o que significa dizer que, no plano econômico, o mesmo

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46  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
passa a se responsabilizar direta e indiretamente pela efetivação de
uma determinada taxa de investimento, constituindo-se, por conse-
guinte, em fonte de estabilidade cíclica.
Além disso, o Estado passa a ser fonte de financiamento funda-
mental ao capital produtivo. Tendo em vista a atrofia da esfera finan-
ceira e seu descolamento em relação à esfera produtiva, tal como se
apresentou no período anterior à Grande Depressão, as amplas refor-
mas introduzidas pelo New Deal, e propagadas para a Europa e o Ja-
pão, levaram a modificação drástica da estrutura de financiamento da
economia. Isso significou uma ampliação da atuação estatal neste
campo, uma vez que bancos, agências de financiamento e organis-
mos de fomento de caráter público/estatal foram criados. O próprio
segmento privado do setor financeiro passou por um processo de
saneamento, ficando sujeito a legislações voltadas ao estímulo das
atividades produtivas. Tais dispositivos de ampliação do financiamento
do setor produtivo constituíram-se na outra faceta relacionada à im-
portância adquirida pelo endividamento público, como instrumento
que possibilitava a consecução de políticas fiscais expansionistas (dé-
ficit orçamentário) voltadas ao controle dos ciclos econômicos.
Neste contexto, o gasto público assume significado relevante à
dinâmica capitalista. Sem sombra de dúvida, em meio à fase de pros-
peridade experimentada pelos países centrais, a dívida pública torna-
se um dos componentes da acumulação produtiva. Ao lado dos ele-
mentos favoráveis à acumulação de capital, entre eles, o arrefecimento
da luta de classes, a inovação tecnológica e organizacional, o padrão
de consumo de massas e a introdução das relações capitalistas em
novos espaços geográficos do planeta, a dívida pública cumpriu seu
papel a contento ao se transformar em fonte de estabilidade cíclica e
de acumulação. Portanto, a transferência de parte da riqueza e da ren-
da para o Estado — e sua redistribuição sistêmica integradora de um
mecanismo reprodutivo favorável aos capitais privados na esfera não
financeira — foi tolerada sem maiores questionamentos até que o
padrão de acumulação começasse a se esgarçar. Isso começou a ocor-
rer no final da década de 1960.
Os primeiros sinais de reversão da expansão de cerca de três dé-
cadas surgem ao final da década de 1960. Desde então, a economia
capitalista passou a conviver com uma significativa inflexão da taxa
geral de lucro e dos níveis de acumulação gerados por uma grave crise.

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  47
Em paralelo, como conseqüências típicas dos processos recessivos, a
redução das taxas de investimento e crescimento foi acompanhada
de resultados sociais amplamente negativos. Destaca-se assim, entre
outros, o aumento do desemprego e seu caráter crônico, notadamente,
nos países avançados da Europa Ocidental e nos EUA (Brenner, 1998).
Assim fica muito claro que o dispositivo “regulatório” tanto
“harmonicista” quanto coercitivo aplicado ao mundo do trabalho
nos mais diversos países reduziu as resistências dos trabalhadores à
exploração, o que viabilizou a retomada do processo de acumulação e,
por conseguinte, dos níveis de lucratividade que o capitalismo veria
desaparecer com a eclosão da crise na década de 1970.

A crise da década de 1970 em perspectivas:


impedimentos à acumulação ou à dominação?
Um debate contraditório

Por volta do final dos anos 1960 o boom econômico “virtuoso”


dos anos dourados começou a se deteriorar. O padrão de acumulação
assentado em normas “regulatórias”, no planejamento econômico e
na harmonização entre as classes apresentava sinais de esgotamento.
Assim, como na crise agrária de 1873 e na crise de 1929, fortes restri-
ções impuseram-se à continuidade do processo de acumulação da
ordem capitalista regulada e “harmonicista” dos anos dourados.
O esgotamento desse padrão criou um contexto socioeconômico
de instabilidade e incerteza quanto à trajetória societal. Tal fenômeno
“problemático” suscitou diversas perspectivas para sua explicação e
solução. Será que o sistema capitalista estaria atravessando um ciclo/
momento econômico e/ou institucional ou tecnológica desfavorá-
vel? Fundado em um determinado diagnóstico tal ciclo poderia ser
corrigido (i) por políticas macroeconômicas de regulação e planeja-
mento de inspirações keynesianas e kaleckianas; ou (ii) por um novo
modo de regulação institucional pautado no regulacionismo francês;
ou (iii) pela conformação de um novo paradigma tecnológico de ori-
gem neo-schumpeteriana; ou ainda (iv) por novos rearranjos priva-
dos regulados por um Estado liberal, sob uma perspectiva neoclássica.
Ou será que se estaria vivenciando uma terceira crise estrutural17 do
capital, como defendido por correntes marxistas, que poderia ser so-
lucionada, pelo lado do trabalho, por uma ruptura anti-sistêmica ou,

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48  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
pelo lado, do capital, por transformações socioeconômicas de grande
envergadura que propugnaria um novo padrão de acumulação?
Para os neoliberais18 — liberais que não admitiam intervenções
do Estado na atividade produtiva —, a crise da década de 1970 não teve
origem em problemas na demanda, mas, sim, no poder excessivo dos
sindicatos, que pressionavam tanto as empresas por maiores salários
quanto o Estado pelo aumento dos benefícios sociais. Isso, por sua
vez, levaria à compressão dos lucros, corroendo as bases da acumula-
ção das empresas e acelerando a inflação. A partir desse diagnóstico,
as propostas e ações neoliberais vão todas no intuito de desestruturar
o compromisso keynesiano/fordista dos anos dourados e engendrar
uma nova forma de Estado. Para tanto, fazia-se necessário (i) romper
com o poder dos sindicatos, buscando restaurar a taxa “natural de
desemprego”; (ii) desregulamentar os diversos mercados, principal-
mente o financeiro e o de trabalho; e (iii) reduzir as intervenções es-
tatais no campo econômico e social, ou seja, substituir a regulação
keynesiana pela “livre concorrência”, com o Estado assumindo uma
dimensão mínima e forte para manter a ordem e a livre iniciativa.
Apesar da apregoada oposição dos diversos pensamentos teóricos
supracitados, quase todos eles, à exceção dos neoliberais e de algumas
correntes marxistas,

[. . .] se baseavam nas evidências conjunturais [da crise dos


anos 70], cujos registros estavam fundados essencialmente nas
dificuldades de realização das mercadorias produzidas. Desse
modo, terminava por rodar em círculos e a construir identidades
problemáticas: não realiza porque não há renda, ou não há renda
porque não realiza (Oliveira, 1999, p. 58).

Por outro lado, o diagnóstico da crise baseado na insuficiência de


demanda, como formulado pelos kaleckianos e keynesianos, não se
chocava completamente com o que postulavam os liberais interven-
cionistas que admitiam certas correções voltadas ao equilíbrio entre
demanda e oferta por meio de rearranjos privados auto-regulados ou
regulados por um Estado liberal (agências reguladoras). Mesmo algu-
mas correntes marxistas, em certa medida, para direcionarem alter-
nativas à crise, depois de efetuarem diagnósticos assentados em leitu-
ras d’O Capital, no que se refere à lei da tendência decrescente da taxa

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  49
de lucro e ao problema de realização, adotaram uma mescla da estru-
tura teórica de Keynes e Kalecki (Oliveira, 1999).
Para os neo-schumpeterianos19 a crise seria uma manifestação
periódica (ciclos ou ondas longas), autodeterminada e autogerada as-
sociado ao esgotamento de um determinado paradigma tecnológico,
a força motriz do capitalismo. Tal interpretação da crise assenta-se no
velho empirismo que tem como um de seus principais representan-
tes o economista russo N. D. Kondratieff, que, fundado na análise dos
movimentos de preços de atacados em vários países industrializados,
detectou uma cronologia das flutuações longas. Para os schumpete-
rianos e neo-schumpeterianos as ondas longas de ascendência e des-
cendência (crise) seriam determinadas pelas transformações do
paradigma tecnológico.
A saída da crise, para os neo-schumpeterianos, dar-se-ia, pelo
lado da oferta, na configuração de novo paradigma tecnológico, ten-
do em vista que o paradigma da microeletrônica não conseguiu rever-
ter a queda da lucratividade do sistema econômico. Tal paradigma
novo proporcionaria nova fase de expansão do investimento e do
produto. Para eles, a via “revolucionária” de superação da crise seria a
biotecnologia, ou a bioeletrônica,20 já que, pela engenharia genética,
poderia ocorrer uma ruptura do fluxo circular, tanto das técnicas utili-
zadas como de suas aplicações, viabilizando a criação de novos orga-
nismos a serviço da produção de riquezas (Perez, 1986). Assim sendo,
a biotecnologia, como inovação estrutural, levaria a uma fase de obten-
ção de lucros acima do normal pelas empresas inovadoras e atrairia
empresas imitadoras, resultando na elevação do nível de riqueza.
Essa visão tem caráter pragmático, uma vez que confunde em
linhas a crise como uma manifestação periódica, autodeterminada e
autogerada. Percebe-se um esforço de neutralização das principais
determinações da crise, sendo esta um fenômeno estritamente ligado
ao paradigma tecnológico. Para tal corrente a ciência e a tecnologia
(paradigma tecnológico) teriam uma lógica autônoma e apresenta-
riam uma trajetória independente. No entanto, a ciência e a tecnologia
estão vinculadas às condições sociais do sistema econômico e depen-
dem do seu movimento reprodutivo.

O maior dilema da ciência moderna é que o seu desenvolvi-


mento esteve sempre vinculado ao dinamismo contraditório do

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50  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
próprio capital. Além do mais [. . .] a ciência moderna não pode
deixar de ser orientada para a implantação, a mais efetiva possí-
vel, dos imperativos objetivos que determinam a natureza e os
limites inerentes ao capital, assim como seu modo necessário de
funcionamento sob as mais variadas circunstâncias. [. . .] A ob-
tenção da justa disjunção entre ciência e as determinações capi-
talistas destrutivas é concebível somente se a sociedade como um
todo tiver sucesso em sair fora da órbita do capital e proceder um
novo patamar — com princípios de orientação diferentes
(Mészáros, apud Antunes, 1999, pp. 122-3).

Para Lipietz (1989), um dos principais representantes da Escola


da Regulação Francesa, a crise seria um fenômeno orgânico do capi-
talismo em virtude do seu caráter intrínseco atrelado ao movimento
e ao funcionamento contraditório do sistema. A contradição estaria
no âmago da relação salarial, já que, sendo a taxa de exploração muito
acentuada, existiria a ameaça de uma crise de superprodução. Ao con-
trário, se a taxa é muito fraca, a possibilidade de subinvestimento
poderia efetivar-se.
Nesse arquétipo teórico, a crise emergiria em virtude do descom-
passo temporal/histórico entre as estruturas econômicas e os seus
elementos de regulação.21 Dessa maneira, a crise do regime de acu-
mulação fordista,22 da década de 1970, delineou-se à medida que sur-
giram dificuldades para a manutenção da estrutura macroeconômica
keynesiana/fordista, em vista da queda da produtividade, do aumento
dos salários reais e do aumento da concorrência do setor manufatu-
reiro, elementos esses geradores da redução dos lucros (Lipietz, 1989).
Para Aglietta (1979), as condições gerais da crise somente são apreen-
didas com base nas leis de regulação do capitalismo, pois estas satisfa-
zem o princípio da invariabilidade e conformam historicamente uma
determinada relação salarial, implicando, por conseguinte, que a cri-
se do regime de acumulação fordista estaria associada à contestação
dos fundamentos do modo de regulação.
Vejamos os sinais do esgotamento apontados por Aglietta (1979):
1) A evolução da organização do trabalho que, em sua aplicação cada
vez mais mecânica, tendeu a provocar o esgotamento das potencia-
lidades produtivas e a renovar a insatisfação dos trabalhadores ao
processo de trabalho fordistas; 2) O aumento da dependência do con-

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  51
sumo do governo para manter o nível de demanda em virtude da
estabilização do consumo de massa; 3) A elevação dos gastos sociais
dos Estados provenientes de maior pressão social; e 4) A incapacidade
das políticas econômicas para conter a debilidade monetária mani-
festada por meio da inflação.
Os regulacionistas franceses delegam papel importante ao pro-
cesso histórico para a apreensão das crises. Para Boyer (1999) as crises
maiores se sucedem; contudo, jamais se repetem quanto ao seu for-
mato, já que o capitalismo evolui em espiral, nunca passando pela
mesma configuração. As crises e conflitos, nesta dinâmica capitalista
“inovativa” contemporânea, marcada por notável irreversibilidade,
são os momentos oportunos para reajustamentos das formas insti-
tucionais. Assim, cada crise estrutural tende a ser original no exato
entrelaçamento das causas e mecanismos de transmissão.
Nessa linha, a saída da crise, segundo Aglietta (1979), passaria
por uma nova forma de institucionalidade — novo modo de regulação:
neofordismo — criada a partir de uma nova “relação salarial” coerente
com as transformações das estruturas econômicas contemporâneas.
Isso só seria possível se a nova forma de regulação proporcionasse
uma articulação entre os custos sociais da força de trabalho — base da
acumulação intensiva — e uma reestruturação do consumo por mei-
os coletivos. Boyer (1999) e Lipietz (1989) passam a incorporar, com
maior ênfase, o âmbito internacional, no processo de construção de
um novo modo de regulação articulado nacional e internacional-
mente. Para eles, a crise poderia ser sanada com base na regulação das
finanças internacionais, articulando-as aos compromissos nacionais
voltados para o crescimento econômico assentado na demanda do-
méstica. Para tanto, far-se-ia necessário construir uma nova agenda
política (modo de regulação), completamente renovada, num duplo
sentido: i) domesticar novamente as finanças e o mercado que devem
tornar-se meios para garantir o bem-estar das sociedades; e ii) estabe-
lecer novos compromissos institucionalizados para engendrar o cres-
cimento vinculado à exportação e ao mercado interno.
A formulação regulacionista apresenta, em certa medida, os con-
flitos e os choques de interesses de grupos organizados como delinea-
dores da dinâmica do sistema capitalista de produção, destacando as
diferenças entre os aspectos econômicos e sociais e o caráter intrínse-
co das crises a partir de um processo histórico. Para tal eixo teórico, a

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52  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
crise, apesar de sua regularidade, poderia ser eliminada, pelo menos
temporariamente, por meio de controles instrumentais baseados no
modo de regulação como peça-chave para contornar a crise, ao mesmo
tempo preservando o padrão atual das relações sociais. Desse modo,
as relações sociais contraditórias do capitalismo deixam de ser impe-
dimento à continuidade sistêmica, do que se pode deduzir que esta
escola, ao delinear suas alternativas à crise, torna-se funcional para
dinâmica excludente do capital, uma vez que busca a harmonização
para a retomada da acumulação, pondo a luta de classe num papel
secundário (Oliveira, 2004; Braga, 2003). Essa funcionalidade da teo-
ria da regulação francesa ao capital foi muito bem expressa por Braga:

Sinteticamente, a Teoria da Regulação apresenta, desde as


origens, sua vocação: representar, do ponto de vista teórico, o
suposto destino dos trabalhadores em colaborar inevitavelmente
com a burguesia. Por intermédio do reprodutivismo teórico, as
determinações políticas da classe trabalhadora são sacrificadas
no altar das “necessidades sistêmicas” capitalistas. O formalismo
da análise expulsa, progressivamente, as referências aos antago-
nismos sociais, eliminado a contradição: a relação salarial assu-
me o espaço da luta de classe (Braga, 2003, p. 228).

De outro lado, as leituras marxistas, no que tange à reflexão da


crise do capital e suas alternativas, podem ser divididas em dois gran-
des grupos: 1) os que a entendem apenas como uma crise de acumula-
ção; e 2) os que a compreendem como uma crise de dominação. Veja-
mos os eixos dessas duas perspectivas marxistas.
Alguns dos que apreendem a crise do capital sob um eixo apenas
da acumulação tende a realizar leituras textuais d’O Capital sobre a lei
da tendência decrescente da taxa de lucro e sobre o problema de rea-
lização das mercadorias. Os partidários desse tipo de leitura, em certa
medida, “quase sempre se afastaram para uma linha de reflexão que
privilegiava, sobretudo, as saídas internas; [acabando por] reforçar as
linhas de harmonização em vista das retomadas de crescimento [e,
por conseguinte, da dinâmica do capital]” (Oliveira, 1999, p. 62).
As leituras marxistas, que apreendem a crise apenas com base em
problemas na acumulação, argumentam que a crise ocorreria em
virtude (i) das dificuldades de realização das mercadorias, associadas

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  53
ao subconsumo ou à superprodução, provocadas por desproporção
intersetorial, ou pela queda nas taxas de lucro médias da economia, e
(ii) da leitura textual e naturalizada da lei tendencial decrescente da
taxa de lucro.23 Tais análises críticas partem quase sempre de uma
lógica derivada do próprio capital.
Os problemas na realização das mercadorias (superprodução ou
subconsumo), como um dos processos originários da crise de acumu-
lação, estariam associados a dois elementos, que não necessariamente
estariam interligados, a saber: (1) a desproporção24 entre os setores
produtivos; e (2) a queda nas taxas de lucros médias na economia.
O primeiro elemento problemático à realização, a desproporção
entre os vários ramos da produção, seria originário do caráter não
planificado ou “anárquico” da produção capitalista. Quando algum
ramo produtivo amplia a oferta de mercadorias acima do nível da
demanda, ocorreria superprodução setorial. Tal ramo, por sua vez,
restringiria suas compras de mercadorias dos outros setores, provo-
cando uma superprodução também nestes últimos e assim sucessiva-
mente, gerando uma crise geral de superprodução (Migliolli, 1986;
Tugan-Baranowsky, apud Sweezy, 1976). A origem desse tipo de crise
poderia ser eliminada pelo planejamento capitalista que funcionaria
como uma saída “interna” à crise, o que permitiria a moderação dos
conflitos em prol do crescimento econômico e, conseqüentemente,
manteria a hegemonia do capital. Sweezy, no trecho abaixo, critica,
de forma irônica, a idéia de Tugan e seus discípulos de que a crise seria
provocada apenas pela desproporção:

[. . .] se as crises são realmente causadas apenas pelas des-


proporções no processo produtivo, então a ordem social existen-
te parece estar a salvo, pelo menos até que as pessoas se tornem
suficientemente bem educadas e moralmente evoluídas para de-
sejarem uma ordem melhor. Enquanto isso, não só não há neces-
sidade de um colapso no capitalismo, como muito se pode fazer
[por meio do planejamento], mesmo sob o capitalismo, para
eliminar as desproporções, causa de muito sofrimento (Sweezy,
1976, pp. 188-9).

A queda na taxa de lucro média da economia, como outra leitura


do problema crítico da acumulação, seria derivada do próprio movi-

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54  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
mento do capital, pois à medida que ocorresse um declínio da taxa
média de lucro, proveniente principalmente do aumento da concor-
rência intercapitalista, consubstanciar-se-ia uma redução do investi-
mento que acabaria por provocar redução nos níveis de emprego e
salários, afetando a demanda por mercadorias e deflagrando a crise
de superprodução.
A visão de Robert Brenner sobre a crise dos anos 1970, em seu
ensaio “A Crise Emergente do Capitalismo Mundial. . .” e no seu
livro O Boom e a Bolha, o põe na perspectiva crítica de acumulação
atrelada à queda na taxa de lucro média, muito embora rejeite o fun-
damento da lei marxista representado pelo crescimento da composi-
ção orgânica do capital. Para ele, a crise seria proveniente da queda
secular da lucratividade, oriunda do excesso de capacidade e produ-
ção do setor manufatureiro mundial. Tal compressão dos lucros desse
setor teria origem no acirramento da competição internacional, pois
à medida que os produtores da Europa Ocidental e do Japão começam
a suprir frações cada vez maiores do mercado mundial, com bens
similares aos que já eram produzidos pelos EUA, surge redundância e
excesso de capacidade e de produção. Para Brenner, o problema ten-
deu a se agravar com a crise monetária internacional e com o colapso
da ordem de Bretton Woods, entre 1971 e 1973. Tanto o Japão quanto
a Alemanha foram obrigados a enfrentar custos maiores em virtude
das elevadas valorizações de suas moedas ante o dólar, e, por conse-
guinte, viram suas taxas de lucro reduzir-se, aprofundando ainda mais
a contração dos lucros do setor manufatureiro internacional. À medi-
da que se consubstanciava a redução das taxas de acumulação de capi-
tal, materializava-se a queda dos níveis de investimento e, conseqüen-
temente, do emprego. Isso provocou queda na demanda, o que, por
sua vez, agravou o problema da realização, ampliando o problema do
excesso de capacidade e de produção (Brenner, 1999 e 2003).
Ainda na perspectiva de Brenner, a explicação da crise acaba por
recair no problema de insuficiência da demanda atrelada à redução
da taxa de lucro. O epicentro da crise seria conformado no plano da
concorrência do setor manufatureiro, mormente nos países centrais;
há, então, o deslocamento da luta de classe como o elemento principal
do problema enfrentado pelo capital. Ao deslocá-la para posição se-
cundária do movimento crítico, assumiu-se a concorrência intercapi-
talista como fator causal da crise, abrindo novamente possibilidades

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  55
de saídas “internas” a ela. Tais saídas podem ser representadas (i) por
arranjos nacionais e internacionais de controle da concorrência capi-
talista que estimulem a demanda e (ii) por novos processos distri-
butivos que levam à harmonização entre as classes; garantindo assim,
elementos de sustentação do domínio do capital.
Ainda numa perspectiva de crise de acumulação, algumas leituras
marxistas utilizam a lei tendencial decrescente da taxa de lucro de
forma textual e naturalizada, uma vez que a crise ocorreria em virtude
da busca obsessiva dos capitalistas por mais-valia, tanto relativa quan-
to absoluta. Na busca pela valorização, o capital, no âmbito da con-
corrência intersetorial, é levado a reduzir ao máximo o uso da força
de trabalho por meio do rebaixamento dos custos. Então, a tendência
à queda da taxa de lucro seria originária da crescente exploração do
trabalhador ante os ditames da concorrência intercapitalista. À medi-
da que aumenta a extração de mais-valia (exploração) maior seria a
resistência dos trabalhadores; em vista dessa maior resistência, ocor-
reria uma diminuição da mais-valia. De outro lado, essa situação am-
plia a possibilidade de utilização de novas tecnologias, que resultará
na ampliação da mais-valia apenas à medida que haja diminuição da
resistência dos trabalhadores. Atrelada a essa dinâmica há uma ten-
dência ao aumento da relação entre as máquinas e a mão-de-obra
direta (composição orgânica do capital) no processo produtivo. Isso,
por sua vez, tenderia a provocar uma retração relativa da própria mais-
valia, gerando assim uma crise. Em suma, a crise seria fruto de um
crescimento mais elevado da composição orgânica do capital em re-
lação ao crescimento da taxa de mais-valia (Sweezy, 1976).
Geralmente, em tal análise da crise, a concorrência ganha prece-
dência à resistência dos trabalhadores ao processo de exploração. Ao
adotar tal primazia do elemento concorrencial, a crise, nessa pers-
pectiva, torna-se auto-impulsionada pelos fatores econômicos. Isso
conduz a um determinismo e a uma naturalização da lei tendencial
decrescente da taxa de lucro. Essa visão abre também margens para
formulações mecanicistas e positivistas extremadas de autodestruição
do capital (teoria do colapso catastrófico) (Oliveira, 1999).
Alguns marxistas, ao adotarem essa perspectiva de crise autoge-
rada, esqueceram que Marx (1986) ao lado da formulação da lei
tendencial decrescente da taxa de lucro também enumerou elemen-
tos “contrabalançadores” ou de contratendências — tais como o ba-

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56  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
rateamento dos elementos do capital constante, a elevação da inten-
sidade da exploração, a compra da força de trabalho por preço abaixo
do seu valor-de-troca, dentro outros — que podem manter reduzida a
composição orgânica do capital ou elevar a taxa de mais-valia. As
contratendências podem, portanto, impedir ou anular a queda da
taxa de lucro. Assim, tal lei problemática ao capital assume caráter
tendencial.

Nenhuma lei em economia política pode deixar de ser


tendencial, na medida em que é obtida isolando um certo núme-
ro de elementos e deixando de lado, portanto, as forças contra-
postas. Seguramente, será necessário distinguir um grau maior
ou menor de tendencialidade e, enquanto geralmente o adjetivo
“tendencial” subentende-se como óbvio, insistindo-se nele, pelo
contrário, a tendencialidade converte-se em uma característica
organicamente relevante (como neste caso, no qual a queda da
taxa de lucro é apresentada como o aspecto contraditório de outra
lei, a da produção de mais-valia relativa, na qual uma tende a supri-
mir a outra com a previsão de que a queda da taxa de lucro será
predominante). [. . .] Quando se pode imaginar que a contradi-
ção chegará ao nó górdio, insolúvel normalmente, mas que exi-
ja a intervenção de uma espada de Alexandre? [. . .] Quando a
contradição econômica transforma-se em contradição política e
resolve-se politicamente [, por meio da luta de classe,] em
uma inversão da práxis (Gramsci, 1977, p. 1.279, apud Braga,
2003, p. 216).

Será, então, que o capitalismo se perpetuaria como sistema so-


cial, em virtude dos elementos de contratendência que proporciona-
riam saídas “internas” à crise? Gramsci, na passagem acima, respon-
de a essa questão mostrando que a crise ao ganhar dimensão de
totalidade (contradições econômicas e políticas) abre a possibilidade
de saídas “externas” à sociabilidade construída pelo capital por meio
da inversão de práxis.
Em suma, a visão marxista de crise do capital, enquanto apenas
uma crise de acumulação, associada aos problemas de realização (sub-
consumo e/ou superprodução) ou vinculada à leitura naturalizada e
mecânica da lei de tendência decrescente da taxa de lucro, tende a

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  57
deslocar do eixo crítico da luta de classe, tornando-a uma variável
externa, dependente e passiva à dinâmica do capital. Isso acaba des-
cartando a necessidade de transformação social “para além do capi-
tal”. Ao adotar tal trajetória, essa leitura marxista se torna economicista
à medida que privilegia o formalismo nas interpretações da crise em
detrimento das análises das contradições.

Abdicar da luta de classe como fonte originária [da crise]


abria caminhos para a busca de soluções orgânicas através do
planejamento da repartição, da harmonia intersetorial com a
interveniência do capital financeiro e da distribuição de rendas
[. . .]. No fundo, o que se procurava deslocar como anacrônico
era a idéia mesma de uma revolução como alternativa, em no-
me das reformas graduais. Não por acaso, estas paulatinamente
ocupam esse espaço, quando a aposta intelectual se desloca para
a possibilidade de eliminar a revolução pelo planejamento e pe-
los consensos possíveis, mesmo que ao custo da exclusão dos
setores de base (Oliveira, 1999, pp. 62-3).

Em outra direção, considerando-se agora a leitura do segundo


grande grupo marxista, a crise somente ocorre quando existem ele-
mentos problemáticos à dominação do capital. Ou seja, uma crise de
dominação, que deve ser tomada como categoria mais ampla do que a
da crise de acumulação, uma vez que incorpora a luta de classes como
principal elemento crítico, articulando-a aos fenômenos problemá-
ticos à realização das mercadorias. Essa leitura assume caráter, ao
mesmo tempo, objetivo e subjetivo, com interações dialéticas, já que
a crise surge objetivamente no âmbito das relações de produção, asso-
ciada à lei da tendência decrescente da taxa de lucro, ampliando-se
para todo o conjunto das relações societais (culturais, políticas, éticas,
intelectuais, ideológicas e morais), atingindo a dimensão de uma cri-
se de dominação do capital. Cabe ressaltar que a crise de dominação
pode atingir graus, formas e temporalidades diferenciadas em cada
país em face da correlação de força entre as classes no nível nacional
— haja vista o grau de desenvolvimento das forças produtivas, o nível
de intercâmbio interno e as estruturas políticas de cada país — e,
também, ao grau de hierarquização entre Estados nacionais mais for-
tes e mais fracos.

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58  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
Ao alcançar o patamar de crise de dominação, esta adquire caráter
estrutural, isto é, de totalidade, à medida que desestabiliza, em certa
medida, a hegemonia das classes dominantes, abrindo a possibilidade
de rupturas sociais e, por conseguinte, de novas alternativas “societárias”
fora do eixo do capital. Para Braga (2003, p. 215), apoiado em Gramsci,
“a crise [de dominação], nesse sentido, aponta uma ruptura, por ve-
zes violenta, dos vínculos que atavam as classes subalternas a todo um
ambiente intelectual e moral [das classes dominantes]. Um verda-
deiro movimento de erosão das bases do consentimento”.
Na perspectiva marxista de crise de dominação, como uma crise
do capital em sua totalidade, a luta de classe assume papel fulcral
tanto no movimento da crise como em suas saídas “externas”, pois
ela representa uma das principais restrições à acumulação e, tam-
bém, pode funcionar como o elemento propulsor de novas trajetórias
sociais. Segundo Oliveira (1999, p. 62), “fora o próprio Marx quem já
alertara para o fato de que as maiores restrições impostas à continui-
dade do processo de acumulação são de natureza essencialmente po-
lítica”, uma vez que depende “da correlação de forças que se expressa
na luta marcada pela resistência dos trabalhadores à exploração”. Desse
modo, a luta de classes está “na origem do processo crítico e, em pers-
pectiva, é dela que vai depender o seu desfecho, não havendo, portan-
to, nada de natural ou mecânico no seu desenrolar”.
Assim, a efetivação da crise de dominação do capital só pode ser
apreendida a partir de uma dualidade, qual seja, ela se constitui quan-
do os “de baixo” (classe trabalhadora) não quiserem mais subor-
dinar-se à dinâmica do capital e os “de cima” (classe dominante)
perdem certa capacidade e instrumentos para manterem-se como
dominação/hegemonia. Com isso, materializa-se um ambiente de
incerteza quando às trajetórias sociais.
Os ciclos/momentos econômicos desfavoráveis que adquirem
dimensão de crise de acumulação, vinculados à lei tendencial decres-
cente da taxa de lucro, são condições necessárias, mas não suficientes,
para o surgimento de uma crise de dominação. Dito de outra manei-
ra, para que ela exista faz-se necessário que os elementos econômicos
objetivos, elevação do conflito distributivo entre lucro e salário, trans-
bordem ao campo das contradições políticos da luta de classe.
A possibilidade de um processo diacrônico, entre as dimensões
críticas da economia e da política, está vinculada à dificuldade, pelo

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  59
capital, em determinados momentos históricos, em articular instru-
mentos de coerção e consentimento socioeconômicos25 que, ao mes-
mo tempo, eliminem os problemas na realização das mercadorias e
reduzam a intensidade da luta de classe. Numa situação como esta a
classe trabalhadora é mantida numa condição de “classe em si”, im-
pedindo assim que se constitua numa “classe para si”. Quando o capi-
tal consegue engendrar tal articulação estaria por eliminar, pelo me-
nos temporariamente, a crise em sua totalidade, quer dizer, tanto na
dimensão da acumulação como da dominação.
A construção do arranjo institucional do compromisso keynesiano/
fordista do pós-Segunda Guerra permitiu a eliminação da crise estru-
tural de 1929 em sua totalidade, já que criou um ambiente de harmo-
nização da luta de classe e engendrou um novo modelo de acumula-
ção assentado na demanda efetiva. Tal saída interna à crise do capital,
de 1929, levou a um novo período de elevada taxa de acumulação
capitalista.
Em suma, a análise da crise do capital sob apenas uma das suas
dimensões, a da acumulação, acaba por privilegiar, em certa medida,
as resoluções dos problemas de realização. Ao adotar tal caminho
subordinam o movimento da sociedade à dinâmica do capital e, em
alguns momentos, acabam por viabilizar alternativas socioeconô-
micas para o próprio capital. Em outro campo, os que apreendem a
crise do capital como um processo crítico de dominação tende a ado-
tarem saídas “externas” à sociabilidade ditada pela lógica do capital
ainda que estas, às vezes, não se evidenciem como uma possibilidade
em determinados momentos históricos.

Os que se detiveram na crise como ruptura de um ciclo de


dominação nem sempre estiveram colocados à construção dos
arranjos institucionais e de outra natureza em vista da recompo-
sição dos espaços do capital. Estiveram sim bem mais atentos aos
caminhos da revolução como necessidades históricas ainda que
esta, às vezes, não se evidenciasse como uma possibilidade (Oli-
veira, 1999, pp. 62-3).

Após essa incursão nos eixos teóricos de apreensão da crise, faz-se


necessário engendrar uma análise sobre o fenômeno crítico do capi-
tal iniciado no final da década de 1960 e suas dimensões atuais. Existe

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60  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
certo consenso, dentre as diversas correntes teóricas supracitadas, de
que a década de 1970 foi marcada por um esgotamento do modelo de
acumulação. Esse consenso deixa de existir no que se refere à duração
dessa crise. Para muitos analistas críticos, a crise estaria presente até
os dias atuais. Será que existe uma crise estrutural do capital no mo-
mento presente? Parte-se aqui do constructo de que não existe hoje
uma crise estrutural do capital, como crise de dominação, mais sim o
que existe é uma crise de acumulação, associada ao problema de reali-
zação das mercadorias que teve início na década de 1960 e perdura
hodiernamente.
A crise, atrelada ao esgotamento do padrão de acumulação dos
anos dourados, foi ampliado-se e transbordou, no fim de 1960, ao
âmbito político da luta de classes, particularmente nos países centrais
do capitalismo. Nesse momento, a crise deixava de se configurar ape-
nas como de acumulação para se materializar como de dominação,
ganhado assim um caráter estrutural e de totalidade em vários espa-
ços nacionais. Os representantes do capital nesses territórios, ao per-
ceberem o momento de instabilidade de sua hegemonia, contra-ata-
caram engendrando transformações socioeconômicas de grande
envergadura que acabaram por contornar a crise de dominação, por
volta do início dos anos 1980, pela redução do poder da classe traba-
lhadora. Vale ressaltar que a cronologia histórica e as dimensões da
crise assumem características bastante diferenciadas nos países peri-
féricos, pois nestes a crise de acumulação, em certa medida, foi adiada
pelas ditaduras militares, em virtude de instrumentos de achatamen-
to dos salários que retardaram temporariamente, até finais dos anos
1970, à queda da lucratividade. Ademais, nessa região a crise de acu-
mulação não se propagou para a dimensão de crise de dominação.
As amplas transformações construídas conseguiram arrefecer a
crise de dominação, mas não a crise em sua totalidade, uma vez que
outros impedimentos à acumulação, atrelados sobretudo à concor-
rência capitalista inter e intra-setores, continuaram e continuam até
os dias atuais. A continuidade da crise decorre da dificuldade de fixa-
ção de um novo padrão de acumulação que incorpore os diversos
interesses organizados, em virtude das próprias transformações (re-
gulação liberal e reestruturação produtiva) engendradas pelo capital
para contornar a luta de classe. Vejamos, a seguir, de forma mais deta-
lhada a dinâmica prática da crise.

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  61
Por volta do final dos anos de 1960, as contradições do padrão
dos anos dourados vão sendo reforçadas à medida que (i) se elevava a
contradição entre as classes, mediante a rearticulação dos movimen-
tos operários diante da redução do “exército industrial de reserva”;
(ii) se acirrava a concorrência inter e intra-setorial dos capitais, nota-
damente nos países centrais (EUA, Alemanha e Japão) pela busca de
apropriação dos segmentos mais lucrativos, o que acabou gerando
um excesso de produção e de capacidade; (iii) ocorreram aumentos
nos preços das matérias-primas, associados à redução dos investi-
mentos da indústria petrolífera e à maior pressão da Opep por reajus-
tes de preços que estavam defasados em valores reais, provocando a
elevação dos custos de produção (Claudin, 1977, apud Oliveira, 1999).
Esses foram os três fatores determinantes da queda tendencial
observada nas taxas de lucro, a partir da década de 1970, na origem da
qual está o aumento da contradição de classes no âmbito da produ-
ção, particularmente entre o final da década de 1950 e início da déca-
da de 1980. Nesse período, os movimentos operários (classe trabalha-
dora) rearticularam-se em decorrência da redução do “exército
industrial de reserva” provocada pelo crescimento econômico dos
anos dourados. Em boa parte do planeta os movimentos trabalhistas
realizaram uma ofensiva ao capital com características bastante pe-
culiares. Dentre essas, destaca-se a construção de movimentos/greves
de base operária autônoma e, por conseguinte, independentes, em
certa medida, das instituições sindicais social-democratas que nessa
altura ainda “representavam” os trabalhadores na arquitetura do com-
promisso keynesiano/fordista (consenso estabelecido entre a buro-
cracia sindical e os patrões). Tais iniciativas dos trabalhadores foram
denominadas, num primeiro momento, de greves “selvagens”, fican-
do depois conhecidas como movimentos autônomos. Não foram pou-
cas as ocupações das empresas por trabalhadores buscando remode-
lar as relações tayloristas/fordistas26 de trabalho e sua respectiva
disciplina empresarial. Boa parte do movimento grevista esteve em
luta contra essa forma de organização da produção e sua rígida
hierarquização (Bernardo, 2000; Antunes, 1999).
A contradição entre as classes elevou-se, em maior ou menor
grau, tanto na Europa, notadamente nos países industrializados cen-
trais, quanto na América à época. Pelos idos de 1968, as ações dos
movimentos trabalhistas de deslegitimação destes processos de tra-

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62  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
balho autoritários e avessos a formas democráticas de participação
atingiram um dos seus pontos culminantes. Passou-se a questionar
alguns pilares constitutivos do capital, tanto no âmbito da produção
quanto, em certa medida, da superestrutura, particularmente os rela-
cionados ao controle social. A ampliação da luta de classe e do poder
do operariado, nos países capitalistas desenvolvidos, perturbou seria-
mente o funcionamento do sistema capitalista, constituindo-se no
fator mais importante no desencadear da crise estrutural do capital. À
medida que o conflito distributivo passava a uma dimensão de luta de
classe, verificava-se o aumento da resistência dos trabalhadores à ex-
ploração que, por sua vez, provocava a queda da taxa de lucro.
A crise transbordara ao âmbito das contradições políticas da luta
de classe, ao longo da década de 1970, tanto no plano da fábrica,
quanto além dela, em menor grau, por meio dos movimentos estu-
dantis, dos grupos em luta por direitos humanos, da oposição à guerra
do Vietnã e dos movimentos de contracultura. À época verificava-se
certa contestação da ordem estabelecida, ou seja, o capital atravessava
uma crise estrutural em sua totalidade equivalente a uma crise de
dominação. Vale ressaltar que ela foi menos intensa do que as crises
estruturais pretéritas, em função da influência social-democrata no
interior dos movimentos proletários e da absorção, pelos trabalhado-
res, da cultura e da ideologia burguesa do american way of life.
Além da intensificação da luta de classe, outros dois fatores pro-
vocaram a redução na taxa de lucro. O primeiro foi a elevação dos
preços das matérias-primas, especialmente, como já mencionado, do
petróleo. A Opep começou, a partir de 1971, a pressionar por reajustes
no preço internacional do petróleo que estavam defasados. Os EUA
aceitaram um reajuste de cerca de 50% no preço internacional do
petróleo, entre 1971 e 1973, buscando manter relações estáveis com
os países árabes e, em especial, para viabilizar a indústria petrolífera
norte-americana cujos custos se haviam elevado. Em 1973, a guerra
entre os países árabes e Israel foi o estopim de um elevado aumento
dos preços do petróleo, que quase quadruplicou (Serrano, 2004). Des-
se modo, os custos das matérias-primas elevaram-se provocando uma
compressão nos lucros.
O segundo deles diz respeito ao acirramento da concorrência
inter e intra-setorial, notadamente entre os capitais americanos, ale-
mães e japoneses, a partir da segunda metade da década de 1960, uma

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  63
vez que os produtores da Europa Ocidental e do Japão começaram a
suprir frações cada vez maiores do mercado mundial, até mesmo
com bens similares aos que já eram produzidos pelos Estados Unidos.
Tal situação acabou por reduzir ainda mais as taxas de lucro que se
vinham comprimindo em virtude da elevação da luta de classes. As-
sim, havia-se tornado difícil repassar aos preços a elevação dos custos
de produção, ante o excesso de produção. Com a intensificação da
concorrência capitalista ocorreu a elevação do grau de atrito entre os
Estados nacionais industrializados (EUA, Alemanha e Japão), geran-
do também a ruptura do arranjo institucional do sistema monetário
de Bretton Woods construído nos anos dourados.
Nesse contexto de desarranjo institucional cresciam os conflitos
entre os Estados desenvolvidos ao longo dos anos 1970. A cooperação
antagônica desestruturou-se. O acirramento das tensões no bloco ca-
pitalista esteve eminentemente vinculado à contestação da suprema-
cia norte-americana no sistema-mundo capitalista pelos capitais ja-
poneses e alemães. Muitos analistas, na década de 1970, dos mais
diversos matizes, afirmaram que a supremacia dos EUA estaria che-
gando ao seu ocaso e que estaria por emergir um novo centro capita-
lista. Tais previsões não se confirmaram; ao contrário, o que se verifi-
cou foi uma forte retomada da supremacia dos Estados Unidos,
notadamente no final dos anos de 1970 com a política Volcker do
“dólar forte”. Mais recentemente, pós-dissolução do Pacto de Varsóvia
e do fim da União Soviética, os Estados Unidos têm ampliado seu
poderio econômico, político, militar e cultural, e, a partir de 1991,
vem buscando consolidar um projeto de império. “Segundo Henry
Kissinger, os Estados Unidos enfrentaram, em 1991, pela terceira vez
na sua história, o desafio de redesenhar o mundo à sua imagem e
semelhança [. . .]” (Fiori, 2004, p. 94).
Em suma, a crise foi conseqüência de um conjunto de manifesta-
ções econômicas e políticas que caracterizaram um determinado pe-
ríodo histórico, a saber: o aumento da contradição entre as classes,
articulado ao aumento da concorrência intercapitalista entre países,
a partir da década de 1960, e à elevação dos preços das matérias-pri-
mas. Tal processo crítico assumiu a dimensão de crise de dominação
a partir da ampliação dos movimentos de contestação, em certa me-
dida, da ordem capitalista estabelecida. Os representantes do capital,
diante da crise estrutural (dimensão econômica e política), engen-

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64  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
draram estratégias contra-ofensivas de caráter preservativo, em seus
diversos espaços nacionais, em especial nos países desenvolvidos, pau-
tadas principalmente na coerção e no controle sobre a classe ope-
rária, provocando intenso processo de desvalorização da força de tra-
balho, diferentemente da estratégia “harmonicista” (compromisso
keynesiano/fordista) adotada como alternativa à crise de 1929. As estra-
tégias de reação à crise, implementadas pelo capital, tanto no plano
micro (reestruturação da produção) quanto no macro (modelo de
regulação liberal), em associação com a dificuldade dos movimentos
operários de construir um projeto hegemônico 27 contrário ao capi-
tal, acabaram por arrefecer a crise de dominação. Como resultado,
houve arrefecimento da luta de classes decorrente, sobretudo, da des-
valorização da força de trabalho e de sua contrapartida, o aumento do
“exército industrial de reserva”, além do combate dos sindicatos. No
entanto, não ocorreu a eliminação da crise em sua totalidade, perma-
necendo no plano econômico, uma vez que, por um lado, o processo
de reestruturação produtiva, ao criar um maior contingente de de-
sempregados, acabou por reduzir a demanda agregada e, por conse-
guinte, gerou problemas na realização das mercadorias. Por outro
lado, a adoção do modelo de regulação liberal (neoliberalismo) difi-
cultou, e continua dificultando, a consolidação de um novo padrão de
acumulação que consiga incorporar os diversos interesses organiza-
dos, ainda mais com a assunção dos rentistas à posição central na
disputa entre frações da classe dominante.
A regulação neoliberal, na verdade, ampliou a concorrência ca-
pitalista intra e intersetores e abriu brechas para a assunção das fi-
nanças como importante motor da dinâmica capitalista, provocando
profundas transformações na natureza dos ciclos econômicos, tor-
nando-os cada vez mais curtos e instáveis, consubstanciando, assim,
crises financeiras constantemente.

O enfrentamento da crise:
reestruturação produtiva e globalização financeira
como contra face do mesmo fenômeno

A instabilidade socioeconômica fora a marca da década de 1970.


O capitalismo mergulhara numa crise estrutural (de dominação) que
significou um abalo nos mecanismos de controle social e de acumu-

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  65
lação. Em tal contexto crítico, o capital engendrou, nos mais diversos
espaços nacionais, particularmente onde a crise estrutural assumiu
maior intensidade, uma série de importantes transformações estru-
turais de grande envergadura, tanto no âmbito da produção quanto
no plano superestrutural do Estado e da ideologia.
O enfrentamento da crise estrutural processou-se a partir de duas
dimensões que se articulam, quais sejam: (i) no plano da produção,
pela reafirmação do capital diante das lutas de classes mediante a
fragmentação da produção e, conseqüentemente, do trabalho, asso-
ciado ao processo de centralização e concentração do capital. Isso foi
viabilizado pela reestruturação da produção — que teve como bali-
zadores a acumulação flexível e a adoção de novas formas de organi-
zação das empresas — e pelas mudanças institucionais no âmbito
nacional e internacional; e (ii) no plano institucional, pela assunção
do modelo de regulação neoliberal que trouxe subsídios ao processo
de fragmentação da produção e ao processo de retomada da suprema-
cia pelos Estados Unidos. Este modelo neoliberal centrou-se e centra-
se na liberalização dos fluxos comerciais e financeiros, na desregula-
mentação dos mercados de trabalho, no forte ataque à estrutura
sindical, na diminuição dos gastos públicos sociais e na redução da
intervenção estatal na economia (privatizações). Esta nova regulação
institucional abriu espaço para a globalização financeira e, por conse-
guinte, para o favorecimento do rentista, particularmente nos EUA,
elevando seus beneficiários a uma posição central na disputa entre as
frações da classe dominante nacional e internacional pela apropria-
ção da renda e da riqueza.

Reestruturação produtiva e reafirmação do capital:


fragmentação do trabalho com centralização e concentração
do capital
No ambiente de acirramento da luta de classes (crise de do-
minação) da década de 1970 os movimentos autônomos trabalhis-
tas demonstraram a capacidade relativa dos trabalhadores de con-
trolar diretamente tanto os movimentos reivindicatórios quanto o
funcionamento da empresa. No entanto, os instrumentos de auto-
organização dos trabalhadores acabaram sendo transformados, pelos
capitalistas, em meios para a própria reestruturação produtiva. A auto-
organização do trabalho, agora sob a égide do capital, em associação

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66  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
com novas tecnologias eletrônicas e computacionais (microeletrô-
nica), se convertera na base para a reorganização capitalista sob novas
formas de gestão do trabalho, tais como o toyotismo, a produção “en-
xuta”, a qualidade total, entre outras formas similares de gestão do
trabalho associados ao padrão da acumulação flexível. Tal processo
teve por objetivo retomar o controle social — abalado pelo questio-
namento da hierarquia e controle da produção fordista pelos traba-
lhadores — abafando as lutas de classes e restabelecendo níveis eleva-
dos de lucratividade.
A passagem abaixo, do livro Transnacionalização do Capital e Frag-
mentação dos Trabalhadores, de João Bernardo, expressa muito bem
esse processo:

Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se li-


mitarem a explorar a atividade muscular dos trabalhadores, pri-
vando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados
nas compartimentações estritas do taylorismo/fordismo, po-
diam multiplicar o seu lucro explorando-lhes a imaginação, os
dotes organizativos, a capacidade de cooperação, todas as virtua-
lidades da inteligência. Foi com esse fim que se desenvolveram a
tecnologia eletrônica e os computadores e que se remodelaram
os sistemas de administração de empresas, implantando-se o toyo-
tismo, a qualidade total e outras técnicas similares de gestão
(Bernardo, 2000, p. 29).

Além das novas formas de gestão/organização do trabalho, a


reestruturação produtiva vinculou-se também às transformações da
produção tanto no âmbito setorial quanto nas estruturas organizativas
das empresas. Tais modificações consubstanciaram estratégias defen-
sivas, diante da crise estrutural, voltadas ao aumento da concentração
e da centralização do capital, em articulação com a descentralização
das operações (fragmentação da produção).
O processo de acumulação flexível, estruturado a partir de for-
mas novas da gestão do trabalho, em associação com a introdução
ampliada de novos padrões de automação informatizada (base
microeletrônica) e da teleinformática, possibilitou o surgimento de
novas formas de organização industrial, combinando a desconcen-
tração espacial da produção tanto nacional como internacionalmen-

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  67
te. Também faz parte dessa combinação a estrutura mais “horizon-
talizada” da grande firma e a integração entre a grande empresa e as
diversas unidades menores subcontratadas em redes hierarquizadas,
processo este denominado de terceirização. Nesse contexto, as em-
presas, por um lado, dispõem, cada vez mais, de menor contingente
de força de trabalho e, por outro, de maiores índices de produtividade
(Chesnais, 1996; Antunes, 1999). Na verdade, estas mudanças de ges-
tão da produção permitiram aumentar a extração de mais-valia, tanto
relativa quanto absoluta.
Esses novos elementos, relacionados tanto à gestão do trabalho
quanto às novas formas de organização industrial (“empresa-rede”),
possibilitaram às multinacionais (empresas e bancos) maior contro-
le da expansão de seus ativos em escala internacional. Ao mesmo
tempo, também serviram para reforçar a ampliação das operações
dessas firmas ao âmbito mundial por meio do crescimento tanto das
relações de terceirização entre firmas localizadas a milhares de qui-
lômetros umas das outras quanto da “deslocalização” de tarefas roti-
neiras nas indústrias. Esta dinâmica, por um lado, levou a maior con-
centração e centralização do capital, uma vez que os investimentos
internacionais cruzados e as fusões-aquisições entre as multinacionais,
notadamente nos EUA, Japão e Alemanha, consubstanciaram uma
elevada concentração da oferta mundial. De outro lado, possibilitou a
fragmentação de processo de trabalho e as novas formas de “trabalho
em domicílio” (Chesnais, 1996).
A centralização do capital é uma característica histórica e neces-
sária ao padrão de desenvolvimento capitalista. No entanto, em mo-
mentos de crise esse fenômeno tende a se intensificar em vista das
estratégias defensivas dos representantes do capital. Verifica-se que tal
tendência vem materializando-se a partir dos anos 1980, na medi-
da em que se observa uma grande elevação de fusões e aquisições,
ampliando a concentração e a centralização dos mais diversos ramos
produtivos. As indústrias já oligopolistas em seus espaços nacionais
ampliaram seu espaço de atuação internacionalmente. Para tanto,
utilizaram os investimentos externos diretos (IED) como forma de
integrar, tanto horizontal quanto verticalmente, as novas bases in-
dustriais nacionais separadas e distintas (op. cit., 1996).
Desse modo, verifica-se hodiernamente que os setores produti-
vos estão articulados internacionalmente, ou seja, a partir de diversos

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espaços nacionais, diferentemente do que ocorreu nos anos dourados
do capitalismo. Vale ressaltar que o processo atual de fragmentação da
produção não significou perda de poder para os Estados centrais, já
que o controle do processo produtivo continuou aí instalado.
À proporção que avançava o processo de reestruturação produtiva
o capital ficava, cada vez mais, à vontade para se impor diante do
trabalho. Esse maior poder do capital não pode ser associado apenas
ao plano da produção, mas também ao campo da institucionalidade,
uma vez que a assunção da regulação neoliberal teve papel preponde-
rante na viabilização da reorganização da produção ao combater os
sindicados e ao instituir o processo de abertura dos fluxos financeiros
e comerciais. De fato, a abertura significou um elemento de funda-
mental importância à promoção da integração entre as bases empre-
sariais nos diversos países — quer seja por meio dos IED, quer seja por
maiores facilidades às importações e às exportações intrafirmas — e,
por outro lado, abriu o caminho às alternativas de lucros centradas
em fundamentos financeiros.
As mudanças da estrutura produtiva, articuladas à regulação
neoliberal, como estratégia de reorganização da dinâmica capitalista,
acabaram por restabelecer a maior dominação do capital diante do
trabalho quando a fragmentação dos processos de trabalho provocou
intensa desvalorização da força de trabalho, notadamente em virtu-
de da reconstrução do “exército industrial de reserva”. Tal dinâmica
deletéria foi estruturada a partir de(a) (i) uma enorme desregulamen-
tação dos direitos do trabalho; (ii) grande “precarização” e terceiri-
zação da força de trabalho, num cenário de aparecimento de desi-
gualdades salariais; (iii) destruição dos sindicatos classistas.
A reconstrução do exército de reserva de trabalhadores, associado
à pujança da ideologia neoliberal — centrada no individualismo e na
liberdade burguesa — desarticulou as formas clássicas de solidarieda-
de. Isso, por sua vez, provocou fraturas nos vínculos classistas entre os
trabalhadores, implicando a “precarização” das ações coletivas e um
engajamento personalista e “egoísta”.
Por outro lado, as medidas voltadas à desvalorização da força de
trabalho geraram efeitos colaterais à acumulação produtiva, já que
tais medidas provocaram redução na massa de salários e, conseqüen-
temente, consubstanciaram redução da demanda agregada, tanto pelo
lado do consumo das famílias como dos investimentos, gerando as-

01 Fábio cap. 1.p65 68 25/9/2009, 16:54


CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  69
sim, problemas na realização das mercadorias. Tal dificuldade em
realizar a produção criou limites à acumulação produtiva. Para com-
pensar essa limitação, os representantes do capital buscaram al-
ternativas nas finanças. Deslocando-se da produção, os capitalistas
passaram a privilegiar o universo do capital-dinheiro em um grau de
autonomia muitas vezes superior ao que se manifesta quando o capital
portador de juros atua somente como apêndice da esfera produtiva.
Em suma, o processo de reestruturação produtiva (centralização
e concentração do capital e fragmentação do trabalho), vinculado à
implantação da regulação estatal neoliberal, consolidada nos anos
finais da década de 1970, notadamente nos países centrais do capi-
talismo, arrefeceu a luta de classes. O capital retomara o controle
social. Entrementes, os mecanismos utilizados para tal “feito”, pro-
vocaram restrições à acumulação no âmbito da produção, o que levou
a adoção, por parte dos capitalistas, de alternativas de acumulação
pautadas nas finanças.

Globalização financeira: o papel dos Estados Unidos


na ampliação da acumulação financeira

Desde o início da década de 1970, em meio a um cenário marca-


do pela crise estrutural, as taxas de acumulação produtiva do capital
nos países avançados começaram a apresentar trajetórias de desa-
celeração. Nem mesmo as estratégias, no âmbito da produção, volta-
das ao aumento da produtividade, propiciaram a retomada da acumu-
lação aos níveis pretéritos. Nesse contexto de aumento das barreiras à
valorização do valor originadas do aumento do conflito entre capital
e trabalho, configura-se um excesso de capacidade e de produção no
setor manufatureiro, em decorrência da maior confrontação interca-
pital. Os preços do setor manufatureiro mundial não foram capazes
de se elevar na mesma proporção dos custos diretos de produção. Essa
dinâmica acabou gerando, ao longo da década de 1970, a desaceleração
das taxas de crescimento do produto, da produtividade e dos lucros
nas economias capitalistas.28
Diante de um quadro crítico estrutural, que se revelou reticente no
que se refere à recuperação das taxas de lucros do setor produtivo e no
que tange à expansão econômica e geopolítica dos EUA, importantes
transformações estruturais foram introduzidas com o objetivo de

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70  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
recolocar o capital norte-americano no centro da economia-mundo.
O processo de retomada da supremacia norte-americana foi consubs-
tanciado, por um lado, pelo processo de globalização financeira e, por
outro, pela “diplomacia das armas”, atrelada ao aumento da corrida
armamentista e ao programa “guerra nas estrelas” (Tavares, 1997).
As amplas transformações introduzidas no plano da produção,
conforme já descrito, não foram capazes de alavancar a retomada da
acumulação produtiva aos níveis dos anos dourados. Nesse contexto, a
superestrutura financeira envereda por uma trajetória de descolamen-
to atrofiado relativamente à esfera produtiva, destacando-se as alter-
nativas de realização do lucro financeiro, primeiro na forma de capi-
tais de empréstimos e, depois, como capitais voláteis especulativos,
configurando-se a partir desse momento uma dinâmica de acumula-
ção predominantemente financeira (Balanco & Pinto, 2004).
A nova superestrutura financeira levantada depois dos anos 1970
viabilizou a chamada “financeirização”, quer dizer, a diminuição acen-
tuada das restrições com as quais as empresas se deparavam para ob-
terem um diferencial de rentabilidade positiva quando aplicam seus
capitais em investimentos financeiros em vez de em investimentos
produtivos (Salama, 2000).
Vejamos agora de forma detalhada como a assunção do padrão de
acumulação predominantemente financeiro esteve associada à crise
estrutural da década de 1970 e às estratégias de suas saídas, voltadas à
retomada do controle social e à recuperação da acumulação.
A economia norte-americana, ao final dos anos 1960, enfrentava
déficits astronômicos e persistentes no balanço de pagamentos, em
virtude dos investimentos externos crescentes, associados ao Plano
Marshall e aos gastos militares no exterior com a Guerra do Vietnã.
Esses dois elementos, e mais a ingente elevação da quantidade de
petrodólares no mercado financeiro europeu, produziram forte au-
mento na liquidez do dólar nos mercados internacionais, provocan-
do a “crise do dólar” na década de 1970. Na verdade, desde o início
dos anos 1960, o padrão cambial do dólar-ouro, firmado em Bretton
Woods, começava dar sinais de precariedade. Segundo Eichengreen
(2000, p. 160), em 1960, “pela primeira vez o passivo monetário dos
Estados Unidos no exterior ultrapassou as reservas norte-americanas
de ouro” e, em 1963, “o passivo norte-americano junto a autoridades
monetárias externas” também ultrapassou suas reservas em ouro. A

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  71
paridade estabelecida entre o ouro e dólar estabelecida em Bretton
Woods estava sob suspeita.
Desde 1947, o economista Robert Triffin já vinha alertando para
a instabilidade dinâmica do sistema de Bretton Woods à medida que
aumentava, nos Estados Unidos, a geração de reservas mediante a
acumulação de passivos oficiais no exterior sobre cada vez menos
ouro. Isso causava uma instabilidade no padrão dólar-ouro, conheci-
da como “dilema de Triffin”, já que
[. . .] acumular reservas em dólares era algo atraente apenas
na medida em que não houvesse dúvidas sobre sua conversibili-
dade em ouro. Mas, depois que os saldos em dólares do exterior
cresceram muito em relação às reservas norte-americanas de
ouro, a credibilidade desse compromisso poderia ser colocada
em dúvida. [. . .] Se alguns credores estrangeiros procurassem
converter suas reservas, as decisões destes poderiam produzir o
mesmo efeito de uma fila de correntistas às portas de um banco.
Outros entrariam na fila por temer que elas fossem fechadas
(Eichengreen, 2000, p. 160).
O crescimento do comércio e da renda nos principais países
europeus, que passaram à condição de superavitários, a conversibili-
dade das contas correntes e a gradativa redução das restrições à mobi-
lidade de capitais levaram a uma encruzilhada, a saber, as políticas
econômicas nos Estados Unidos deveriam preservar a paridade dólar-
ouro ou garantir as medidas internas expansionistas. Diante de tal
tensão, os EUA não hesitaram em eleger os interesses domésticos
como prioridade (Cunha, 2003; Eichengreen, 2000).
Em face disso, tornou-se inevitável a ruína do sistema monetário
de Bretton Woods, de relativa rigidez das taxas de câmbio e de taxas de
juros fixadas em patamares reduzidos. Tal resultado possibilitou ao
governo norte-americano praticar políticas monetárias expansionistas
e keynesianas de déficits orçamentários “visando, de uma só vez, esti-
mular o crescimento doméstico, desvalorizar o dólar para ajudar na
competitividade do setor manufatureiro e depreciar as reservas de
dólares mantidas no exterior por governos e indivíduos estrangeiros”
(Brenner, 2003, p. 69).
O financiamento dos déficits, tanto orçamentários quanto no
balanço de pagamentos, do governo norte-americano, foram realiza-

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72  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
dos mediante o aumento da dívida pública. Para tanto, foi de funda-
mental importância o crescimento da mobilidade de capital com o
intuito de captar capitais forâneos e repatriar parte do capital dos
Estados Unidos que se havia deslocado para a Europa. O aumento da
dívida pública norte-americana, nesse primeiro momento, facilitou
os planos “produtivistas” de retomada do crescimento da economia
e, ao mesmo tempo, fortaleceu os interesses financeiros domésticos
dos principais bancos do país.
As economias avançadas, sobretudo a dos Estados Unidos, em
meados da década de 1970, recorreram uma vez mais, agora excepcio-
nalmente, aos déficits keynesianos, em larga escala, que geraram in-
tenso crescimento da dívida pública, possibilitando a superação pelo
menos temporária da crise do petróleo por meio do subsídio à de-
manda. Contudo, o remédio keynesiano não limpou o caminho para
novas expansões, pois perpetuou o excesso de capacidade de produção
combinada com elevação de preços, gerando estagflação.
Nesse contexto crítico de “crise do dólar”, o presidente Carter
decidiu adotar uma mudança de sinal na sua política interna e exter-
na mediante medidas monetaristas voltadas ao aperto da base mone-
tária e aos ajustes do “lado da oferta”. A valorização do dólar, em 1979,
implementada de forma unilateral pelo governo dos EUA, a denomi-
nada política Volcker, teve como objetivo estratégico enquadrar os
países sócios e os principais competidores econômicos do mundo
capitalista. Tal política foi centrada na elevação das taxas de juros dos
Estados Unidos que propiciou um direcionamento dos fluxos de capi-
tais da Europa, Japão e, especialmente dos países subdesenvolvidos,
no sentido dos Estados Unidos, já que outrora este era o principal
exportador de capitais. Esta ação permitiu o equilíbrio da balança de
pagamentos, posto que o fluxo de capital oriundo do exterior mos-
trou-se suficiente para cobrir os déficits crescentes. Por essa razão, a
valorização do dólar em 1979, como um típico ato de força, acabou
por repercutir sobre os mais diversos espaços nacionais, atingindo
diferentes instâncias de regulação regional. A política Volcker, por
exemplo, praticamente decretou o default da maioria dos países lati-
no-americanos na década de 1980.
O (des)arranjo institucional entre Estados — provocado pelo fim
do sistema financeiro internacional “regulado”, em 1973, e pela po-
lítica do dólar forte adotada, em 1979 — acabou abrindo espaço para

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  73
o reflorescimento da fração da classe dominante do sistema capitalis-
ta, os rentistas, que fora mantida sob controle relativo durante o pa-
drão de acumulação dos anos dourados. Isto porque o novo ambiente
estabelecido para a recuperação do controle social e da acumulação,
muito embora se apresentasse eficiente de per si, ao mesmo tempo
abrira caminho inapelavelmente para a prevalência da acumulação
em seu caráter financeiro, o que passou a limitar a acumulação me-
diante a reativação do capital produtivo.
Características inéditas relevantes foram consolidadas como ele-
mentos dessa nova arquitetura financeira. A primeira delas, relacio-
nada à tomada de decisão dos proprietários do capital e dos consumi-
dores de alta renda, corresponde ao fenômeno denominado por
Chesnais de “efeito mercado acionário”: este tem dois componentes,
a saber, um “efeito-renda”, que financia o consumo com base em
dividendos e juros, e um efeito “posse de patrimônio”, que patrocina
despesas apoiadas em antecipações de ganhos financeiros futuros
(Chesnais, 2001).
Nesta nova fase do capitalismo a liquidez absoluta adquire status
de meta exclusiva dos investidores, assegurando, por isso, um com-
portamento distintivo relativamente ao mercado financeiro tradicio-
nal. Se no passado o interesse primordial era o recebimento de divi-
dendos, no presente se busca a liquidez a mais ampla possível. Este
propósito é viabilizado por intermédio da apropriação de excedentes
bursáteis mediante alternativas amplas de escolhas das aplicações, as
quais podem ser encaminhadas instantaneamente para os mais dife-
rentes espaços intra e internacionais. É por essa razão que as finanças
exigem mercados financeiros amplos, nos quais as transações ocor-
ram livremente em busca de revalorização de títulos e recomposição
de portafólios. Por combinar originalmente mercados facilitadores
da especulação e das “retiradas” estratégicas pode ser considerada
como uma “estrutura ideal” (op. cit., 2001).
A segunda característica, por outro lado, diz respeito ao papel do
endividamento, o qual, visando à recuperação da lucratividade do
capital financeiro, se estende para a esfera das relações entre as na-
ções. A nova arquitetura das finanças internacionais, correspondendo
a esta lógica, estrutura uma nova face da chamada “exportação de
capitais”. Por conta da adoção dos procedimentos “desregulatórios”
de estirpe neoliberal o movimento dos excedentes de capitais, cujos

01 Fábio cap. 1.p65 73 25/9/2009, 16:54


74  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
proprietários optam por não transformá-los em investimentos pro-
dutivos, torna-se muito mais fácil. Parcela significativa da chamada
liquidez financeira do mercado internacional flui sem obstáculos
entre os países centrais e os países atrasados, sobretudo na forma de
aplicações especulativas.
Neste ambiente a continuidade do pagamento do serviço da dí-
vida e, ao mesmo tempo, a remuneração generosa do capital estran-
geiro especulativo, deixam os países periféricos numa posição fun-
cional ímpar no escopo da reprodução da crise econômica. Esta
funcionalidade os obriga a implementarem políticas de ajuste macro-
econômico de forte contensão ao nível interno de atividade. Paralela-
mente, o crescimento do endividamento interno, mediante a oferta
de títulos públicos a juros generosos ao capital financeiro, se transfor-
mou em uma componente cotidiana deste processo.
Com o avanço da acumulação financeira, verificou-se desacele-
ração do nível de atividade da economia mundial, também nos países
capitalistas avançados, como Japão e União Européia, que enfrenta-
ram taxas de crescimento reduzidas durante as décadas de 1980 e
1990. A exceção fica com os EUA, particularmente na segunda meta-
de dos anos 1990, em razão de seus ganhos de corretagem sobre o ca-
pital financeiro nacional e internacional e das políticas keynesianas
parciais configuradas em gastos bélicos. O baixo crescimento da eco-
nomia mundial, a partir dos anos 1970 até os dias atuais, revela que a
predominância das finanças na dinâmica da acumulação vem con-
substanciando profundas transformações na natureza dos ciclos eco-
nômicos, tornando-os cada vez mais curtos e instáveis e, por conse-
guinte, gerando constantemente crises econômicas em vários países.
Ao mesmo tempo, praticando a arbitragem, estes capitais especu-
lativos não estabelecem prazos nem critérios definidos para sair dos
mercados nacionais. E quando o fazem, em função de melhores opor-
tunidades em outras regiões do planeta, ou em decorrência da deterio-
ração das contas externas dos países onde se encontram, são armados
ataques especulativos que os põem diante de crises econômico-finan-
ceiras agudas. Esta realidade é enfrentada não apenas pelos países
latino-americanos, mas também outros países ditos emergentes,
como é o caso dos novos países industrializados do Sudeste Asiático.
Finalmente, seria conveniente mencionar o novo papel das ins-
tituições “supranacionais” dentro dessa estrutura. Após a crise da

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  75
macroestrutura definida pelos acordos de Breton Woods, estes orga-
nismos, entre os quais se destacam o FMI, o Banco Mundial e a OMC
(ex-Gatt), são chamados para concretizar novas formas de integração
dos espaços nacionais à dinâmica do capital. Isto acaba facilitando o
processo acelerado de centralização acima observado, cujo rebatimen-
to mais importante é a ampliação do poder econômico e político
num espaço restrito, qual seja, o Estado norte-americano. Estas agên-
cias, na verdade, colaboram para a cristalização de uma nova configu-
ração interestatal com a elevação da hierarquização entre países, a
qual apresenta o Leviatã estatal americano desfrutando de uma ascen-
dência inaudita sobre os demais estados nacionais.

A guisa de conclusão

Procurou-se ao longo deste capítulo, mediante uma trajetória


analítica centrada no arcabouço teórico marxista, mostrar que os ele-
mentos constitutivos do capitalismo contemporâneo, assentados na
reestruturação produtiva e na globalização financeira, em articulação
com a (des)regulação neoliberal — como estratégias de saídas “inter-
nas” à crise estrutural do capital dos anos 1970 —, propiciaram a
retomada do controle social do capital, em virtude do processo de
fragmentação da classe trabalhadora e da desvalorização da força de
trabalho. Entretanto, tais modificações criaram impedimentos à acu-
mulação produtiva, já que reduziram a demanda agregada, tanto pelo
lado do consumo dos trabalhadores como pelo dos investimentos. A
situação problemática à dinâmica da acumulação capitalista foi con-
tornada mediante a ampliação da acumulação centrada nas finanças.
O padrão de acumulação predominantemente financeiro é pos-
to em prática num contexto de “convivência” com os problemas de
realização das mercadorias e, principalmente, com o aprofundamento
do quadro social desigual entre os países. Uma vez que tal padrão
provocou transformações na natureza dos ciclos econômicos, tor-
nando-os cada vez mais curtos e erráticos, gerando assim crises eco-
nômicas recorrentes, particularmente nos países periféricos.
Neste contexto, os países periféricos, em especial os latino-ameri-
canos, foram, um a um, integrando-se passivamente à dinâmica fi-
nanceira, por meio dos programas de ajustes neoliberais, que abriram
espaço para os movimentos de capitais especulativos e voláteis na região.

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76  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O
Dada a configuração do capitalismo atual, não existem elemen-
tos suficientes que ensejem fortes potenciais de agravamento ou ex-
plosão (crise de dominação), pois a luta de classe, principal alternativa
de saídas “externas” ao capital, foi arrefecida ao longo dos anos 1980
e 1990. Contudo, existe uma crise no plano econômico, atrelada aos
problemas na acumulação produtiva, que poderia, em algum mo-
mento, alcançar um estágio crítico de dimensões políticas (intensi-
ficação da luta de classe). Essa não seria uma projeção factível no
curto-prazo, em virtude da grande penetração da ideologia burguesa
neoliberal no imaginário dos trabalhadores e dos movimentos ope-
rário. Na verdade, a saída “interna” à crise econômica — um novo
arranjo institucional que articule os mais diversos interesses socio-
econômicos em prol da manutenção da lógica do capital — delineia-
se muito mais nitidamente, no momento histórico atual, do que a
alternativa de saída “externa” ao capital.

Notas
1
“A essência do New Deal era a idéia de que os grandes governos
deveriam gastar com liberdade para conquistar a segurança e o progres-
so. Assim, a segurança do após-guerra exigiria certa liberdade de desem-
bolsos por parte dos Estados Unidos, a fim de superar o caos criado pela
guerra. [. . .] A ajuda aos [. . .] países pobres teria o mesmo efeito dos
programas de bem-estar social dentro dos Estados Unidos — dar-lhes-ia
segurança para superar o caos e impediria que eles se transformassem
em revolucionários violentos” (Schurmann, 1974, p. 67, apud Arrighi,
1996, p. 285).
2
O programa de recuperação americana (New Deal) não conseguiu
retomar inicialmente (1933-1938) os investimentos privados no mon-
tante esperado, em virtude das baixas expectativas de expansão dos
mercados, configurando-se em um fracasso parcial num primeiro mo-
mento. Na verdade, a retomada da acumulação nos Estados Unidos teve
forte vinculação à economia de guerra e ao processo de reconstrução da
Europa no pós-guerra (Mandel, 1985). Apesar de certo fracasso inicial,
as diretrizes do New Deal de maior intervenção e regulação estatal sobre
os mercados, além de uma nova forma de controle social, tornaram-se o
eixo da acumulação capitalista entre o pós-Segunda Guerra e a crise da
década de 1970.
3
Entre 1950 e 1970, a taxa de lucro líquido do setor manufatureiro,
em média anual, foi de 24,3% nos EUA, de 23,1% na Alemanha e de
40,4% no Japão (Brenner, 2003).
4
A grande empresa teve, ao longo de quase todo o século XX, o
binômio taylorista/fordista como a expressão dominante da gestão da
produção e seus respectivos processo de trabalho. Tal arranjo da produ-

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CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  77
ção estava baseado na produção em massa de mercadorias mais homoge-
neizadas e na estrutura organizacional “verticalizada” (Antunes, 1999).
5
Verificou-se um crescimento relevante do estoque de capital (eco-
nomia das empresas privadas), entre 1960 e 1969, de 3,9% nos Estados
Unidos (estoque líquido), de 11,3% no Japão (estoque bruto), de 6,6%
na Alemanha (estoque bruto), e de 4,8% no G-7 (estoque bruto) (Brenner,
2003, p. 93).
6
Entre 1950 e 1973, a economia mundial cresceu 4,9%, em média
anual, recorde histórico. Tal crescimento foi puxado pela França e Ale-
manha, na Europa, que cresceram 5,0% e 6,0%, respectivamente; pelo
Japão, na Ásia, que cresceu 9,2%; e pelo Brasil, na América Latina, que
cresceu 6,8% (Gonçalves, 2002, p. 108).
7
As taxas de produtividade da mão-de-obra dos países centrais
(PIB/trabalhador) alcançaram seus maiores crescimentos entre 1960 e
1969. Nesse período ocorreu alto crescimento nos Estados Unidos, no
Japão, na Alemanha, na União Européia e no G-7 de 2,5%, 8,6%, 4,3%,
5,2% e 4,8%, respectivamente (Brenner, 2003, p. 93).
8
Os salários reais, entre 1960 e 1973, elevaram-se fortemente nos
países centrais. Nos EUA, Japão, Alemanha e União Européia ocorreram
crescimentos dos salários de 2,8% (por hora), 7,7% (por pessoa), 5,4%
(por pessoa) e 5,6% (por pessoa), respectivamente (Brenner, 2003, p. 90).
9
Na década de 1960, as taxas de desemprego alcançaram os meno-
res índices do século XX.
10
As baixas taxas de inflação dos anos dourados podem ser considera-
das, em certa medida, surpreendentes num contexto de altas taxas do
produto e do emprego. Na verdade, a estabilidade de preços teve como
fatores relevantes o regime de cambio quase fixo de Bretton Woods e o
controle, pelos norte-americanos, do petróleo do Oriente Médio. Isso,
por sua vez, garantia a estabilidades dos preços das commodities negocia-
das internacionalmente, incluído o petróleo (Serrano, 2004).
11
A leitura keynesiana, como apresentada neste trabalho — a mes-
ma defendida por Oliveira (2004) —, não se reduz apenas ao plano
econômico: adoção, pelo Estado, de políticas ativas de criação de de-
manda agregada e de instrumentos passivos (regulação) de natureza
monetária buscando a simples reativação do controle do ciclo; mas tam-
bém ao plano cultural, uma vez que o Estado disseminou a cultura
burguesa do consumo e eficiência mediante o consumo de massa (Oli-
veira, 2004).
12
O acesso aos bens e serviços representaria a felicidade individual
e para tanto os envolvidos na produção deveriam comprometer-se com
a eficiência.
13
A regulação do sistema financeiro americano pós-crise de 1929 es-
teve assentado na Glass-Steagall Act (1933) e pelo Securities Exchange
Act (1934) e estruturou-se “em três princípios: a) proteção estatal que in-
cluiu o sistema de seguro dos depósitos e mecanismos de supervisão; b)
restrição à competição exacerbada entre instituições financeiras; c) inten-
ção de dar transparência na gestão dos negócios” (Braga & Cintra, 2004,

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78  EDUARDO COSTA PINTO & PAULO BALANCO
p. 257). Tais medidas tinham como objetivo regular a interação creditícia
e especulativa interorganizações financeiras e entre bancos e indústria.
14
Vale ressaltar que essas concessões visavam contornar a ofensiva
operária sem, no entanto, atingir a legitimidade do domínio do capital.
15
A “concertação” do “pacto social”, que perpassava pelo consenso
negociado e pela harmonização das relações sociais entre capital e tra-
balho sob orientação social-democrata, assentou-se numa nova aliança
de classe que concedia aos trabalhadores certas benesses em troca do
fim das lutas mais radicais orientadas ao débâcle do sistema capitalista.
A classe capitalista só aceitou fazer certas concessões em virtude do
aumento, no primeiro quartel do século XX, das constantes insurgências,
greves e revoluções da classe trabalhadora contra a ordem vigente nos
países europeus industrializados e do “perigo” comunista que rondava
o ocidente (Oliveira, 2004).
16
Em momento de possíveis rupturas sistêmicas as frações das clas-
ses dominantes deixam de lado, pelo menos temporariamente, os seus
conflitos, associados à apropriação e à repartição da riqueza, em prol de
instrumentos de manutenção da hegemonia do capital.
17
Para Marx a crise real só pode ser explicada pelo movimento real
e dialético da produção, materializado na contradição entre capital e
trabalho, e do conflito intercapitalista configurado a partir da concor-
rência e do crédito capitalista.
18
O neoliberalismo nasceu na Europa, logo após a Segunda Guerra
Mundial, e teve como texto seminal o livro O Caminho da Servidão de
Friedrich Hayek. A Sociedade de Mont Pellerin foi o eixo de resistência
dos pensadores neoliberais os anos dourados do capitalismo, uma vez
que tais ideólogos se reuniam de dois em dois anos, com o intuito de
reforçar o combate ao keynesianismo e ao solidarismo, buscando prepa-
rar as bases para um capitalismo sem regulação estatal.
19
A concepção neo-schumpteriana — que tem como principais re-
presentantes Fremann, Dossi, Winter e Carlota Perez — está pautada na
obra de Schumpeter, que interpreta o ciclo econômico a partir da inova-
ção e da difusão, a qual apresenta a seguinte dinâmica: em um determi-
nado momento “inicial” todos os empresários estariam obtendo “lucro
normal” (reprodução simples), essa situação só seria modificada se um
deles, mediante seu “instinto inovador”, implementasse determinada
inovação. Desse modo, ele conseguiria obter lucros acima do normal;
tal atitude seria imitada pelos demais empresários, desencadeando uma
onda de difusão por imitação (fase de ascendência do ciclo) e, por con-
seguinte, ocorreria a expansão do investimento, incentivada por rendas
temporárias de monopólio obtidas pelo empresário inovador. Quando
a difusão da inovação chegasse ao máximo, o lucro do setor tende a re-
tornar a zero. Isso ocorria por causa da sobrecapacidade engendrada
pelo grande número de imitadores, caracterizando a fase de declínio do
ciclo econômico (Schumpeter, 1984).
20
A bioeletrônica é objeto de crescente interesse no desenvolvi-
mento de novas tecnologias, com a fabricação de “biochips”, mediante

01 Fábio cap. 1.p65 78 25/9/2009, 16:54


CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS  79
a utilização de células com capacidade de memória cem mil vezes
maior que os chips atuais e maior velocidade de operação.
21
O modo de regulação inclui, entre outras coisas, as formas de de-
terminação dos salários diretos e indiretos, de concorrência e de coorde-
nação interempresas e da gestão da moeda.
22
O regime de acumulação fordista foi estruturado com base em
acordos salariais coletivos, que viabilizaram a demanda efetiva para
produtos padronizados, e de um novo sistema de proteção social, que
tinha como objetivo manter o status de consumidor aos trabalhadores
desempregados.
23
Alguns eixos marxistas ao adotarem uma visão naturalizada e
mecânica da lei tendencial decrescente da taxa de lucro foram levados a
assumir a idéia de autodestruição do capital, ou seja, a teoria do colapso
catastrófico. Kautsky, por exemplo, escreveu, em 1891, que as “forças
econômicas irresistíveis levam, com a certeza do destino, a produção
capitalista ao naufrágio. A substituição da ordem social existente por
uma nova já não é simplesmente desejável — tornou-se inevitável”
(Kautsky, 1910, apud Sweezy, 1976, p. 220). Ao adotarem tal visão in-
correram fortemente numa perspectiva positivista e determinista, dei-
xando de lado o método materialista histórico e dialético que é a essên-
cia da perspectiva de Marx.
24
Tugan-Baranowsky foi um dos primeiros a utilizar os esquemas
de reprodução expostos por Marx para provar que a crise seria provocada
pela desproporcionalidade setorial. No entanto, Tugan pode ser consi-
derado um “revisionista” de Marx, pois ele se utilizou de tal instrumen-
tal para rejeitar as explicações de Marx para a crise (Sweezy, 1976).
25
Tais instrumentos ideológicos, culturais, intelectuais, morais e
éticos, no âmbito da superestrutura, e de controle do trabalho, no nível
estrutural, viabilizam a integração passiva do trabalho à dinâmica do
capital. A implementação desses é propugnada pelo Estado, pelos meios
de “comunicação de massa”, pela “indústria cultural” e por novas for-
mas de organização da produção e de controle do trabalho.
26
Segundo Antunes (1999, p. 37), esse processo produtivo caracte-
riza-se “pela mescla da produção em série fordista com o cronômetro
taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre elaboração e
execução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do tra-
balho, “suprindo” a dimensão intelectual do trabalho operário, que era
transferida para as esferas da gerência científica”.
27
Os movimento operários tiveram problemas para construir um
projeto societal hegemônico contrário, dada a dificuldade de reduzir a
influência do sindicalismo social-democrata no interior do proletaria-
do e a dificuldade de transbordar, com maior intensidade, a luta contra
o controle e a hierarquia da produção fordista/taylorista para a luta con-
tra o capital (Antunes, 1999).
28
Brenner (2003) apresenta, de forma detalhada, os índices de de-
saceleração da atividade econômica na década de 1970.

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80  NELSON DE OLIVEIRA

CAPÍTULO 2
ANTI-REFORMISMO, ESTABILIDADE
E DESARTICULAÇÃO SOCIAL: ESPECTROS DE
UM REPUBLICANISMO OLIGÁRQUICO

NELSON DE OLIVEIRA

A
S D I V E R S A S T E N TAT I VA S de pôr na agenda política nacional a
necessidade de debelar o latifundismo histórico, tal como her-
dado do antigo sistema colonial das sesmarias, foram quase
sempre vetadas ou impedidas por forças e alianças fortemente con-
servadoras que, além de permanentemente se recusarem a aceitar
qualquer aceno a reformas em geral como uma necessidade verda-
deira, desde muito cedo trataram de embutir a reforma agrária mais
especificamente no rol das propostas tidas como não apenas irrealis-
tas, mas, até ironicamente, insensatas. O veto e a insistência na recusa
foram a contrapartida mais evidente da defesa incondicional que passa
a ser efetuada da grande propriedade, convertida mediante hábil con-
travenção ideológica, de fonte problemática em fator de equilíbrio
social e garantia de frágil e permanentemente ameaçada unidade
nacional. E, ao mesmo tempo, numa das mais importantes justifica-
tivas apresentadas por esse leque de forças, unindo as maiores ex-
pressões do latifundismo e dos negócios comerciais, para as suces-
sivas manobras de descaracterização das lutas sociais que passam a
assolar o País desde os seus primórdios constitutivos. Por meio dessas
manobras, não apenas a grande propriedade teria conseguido per-
manecer praticamente ilesa, mas resistido ferrenhamente às pres-
sões contra a sua sobrevivência — da Colônia à Independência, ou
da Monarquia à República —, terminando por se consolidar como
uma das mais importantes retaguardas dos diferentes regimes so-
ciopolíticos desde então implantados, independente de qual tenha
80

02 Fábio cap. 2.p65 80 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  81
sido o seu formato institucional. Nem sempre atuando de forma coe-
sa, mas muito bem concatenadas, além de importante barreira ideo-
lógica contra qualquer idéia de reforma no País, representações mais
significativas desse conservadorismo terminam por se caracterizar
como um dos mais influentes pólos de resistência anti-reformista do
País, e baluartes na luta contra quaisquer mudanças nas estruturas de
dominação social que tendam a afetar direta ou indiretamente seu
poder e influência nos mecanismos decisórios, da Independência até
os dias atuais.
Neste capítulo, pretende-se efetuar uma interpretação crítica des-
se anti-reformismo arraigado, que permeia não apenas práticas e ini-
ciativas políticas dos grandes proprietários de terra, mas que gradual-
mente tende a se tornar consensual entre os mais distintos setores de
uma burguesia emergente, e que aos poucos vai transformando-se
numa ideologia do conjunto das classes dominantes do País. Parte-se
das seguintes premissas: primeiro, que as mais importantes articula-
ções políticas efetuadas entre finais do Império e início do período
republicano, ao se restringirem fundamentalmente à defesa do la-
tifundismo vigente, se tornaram determinantes não só para o futuro
da agricultura latifundiária, mas, sobretudo, para o caráter que passa a
ser assumido pelas lutas por democratização no Brasil; segundo, que
nas mais distintas conjunturas, a condução política da administração
governamental, subordinadas a determinações quase exclusivas des-
ses núcleos mais influentes de poder fundiário, e de seus aliados no
capital comercial, além de repercutir numa conformação estatal pro-
fundamente autoritária que passa a brotar a partir daí, responde pela
construção de uma das economias mais socialmente desarticuladas
do mundo capitalista, na sua tradução mais concreta de exclusão so-
cial. Em seu conjunto, ímpetos anti-reformistas das classes proprietá-
rias no geral e das agrárias em particular, são tomados aqui como
expressão maior ou condição para efetivação de um pacto anti-repu-
blicano que não só demarca os limites de uma ordem sociopolítica,
como estabelece os marcos de um projeto de nação que, de tão
esgarçado, tende a se projetar como algo quase sempre politicamente
inacabado. O conceito-chave que norteia a argumentação é o de
contra-reforma, uma tradução para a desmontagem de qualquer pers-
pectiva de transformação social que aponte para rupturas com pa-
drões de dominação, ou com velhos condicionamentos tais como os

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82  N E L S O N D E O L I V E I R A
que derivam das classes originárias da propriedade da terra. Contra-
reforma como não apenas uma inversão de sentido, ou expressão
dessa insistente recusa à incorporação de novos segmentos sociais,
tais como os pequenos proprietários, na estrutura socioeconômica e
política, em função do declarado apoio que sempre teria sido dado
institucionalmente aos grandes proprietários no País. Mas como eixo
promotor de uma desarticulação social, desta que se revela como a
forma acabada de reprodução das diferenças estruturais que demar-
cam tanto as economias exportadoras do tipo enclave como os mode-
los de substituição de exportações, em momentos-chave da experiên-
cia pós-colonial, nas quais se perpetuam desigualdades típicas da
incorporação de formas pré-capitalistas à construção de modelos de
capitalismo avançado.

Ambigüidades discursivas na construção hegemônica

Um discurso reformista no Brasil só começa a se tornar mais


evidente e a ensaiar os seus primeiros passos críticos, ainda que tardia
e timidamente, a partir da primeira metade do século XIX. Deve ser
ressaltado, no caso, que o período coincide, não apenas com a mu-
dança de estatuto colonial, a partir da elevação da ex-colônia portu-
guesa à condição Reino Unido a Portugal e Algarve, mas com a proibi-
ção — nem sempre ou muito pouco obedecida — do tráfico de
escravos pela Inglaterra, a partir de 1834, reflexo da sua afirmação
como liderança inconteste do capitalismo mundial. Esses primeiros
ensaios mais firmes podem ser tomados, portanto, como um dos
subprodutos mais notórios das ameaças que pairam sobre os negó-
cios no mercado de escravos, fonte fundamental dos elevados ren-
dimentos obtidos pelos grandes intermediários comerciais, articu-
lando ainda mais interesses localizados do capital comercial e da
agricultura de exportação altamente dependente do fornecimento de
trabalho servil.1 A crise foi determinante no despertar dos interesses
localizados na agricultura para a necessidade de reformar as condi-
ções de produção no campo, antes que estas se pudessem transformar
em algo mais grave e incontrolável. Apenas para isso. Poucos eram os
que despertavam para a natureza da estrutura socioprodutiva. Os in-
tuitos das parcas iniciativas reformistas, mesmo quando inovadoras
do ponto de vista das classes dominantes, além de parciais e altamen-

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  83
te defensivos, se voltavam fundamentalmente para um único objeti-
vo — o de enfrentar ou resolver problemas relacionados à oferta futu-
ra de mão-de-obra.
Propostas como as de estímulo à migração européia, ao lado de
outras pautadas na atração de mão-de-obra chinesa, passam a compor
o panorama geral como essenciais e a limitar as possibilidades e al-
cance desse discurso inovador, já por volta da segunda metade do
século, quando este começa a ser articulado mais concretamente.
Durante todo esse percurso, predomina um marcante silêncio sobre
as estruturas fundiárias e seus condicionamentos sociais. Não era con-
veniente. As representações da grande propriedade nunca se senti-
ram muito à vontade num ambiente demarcado por discussões sobre
inovações, ainda mais quando estas podiam constituir uma ameaça.
Sempre demonstraram muita dificuldade de absorvê-las em todas as
suas dimensões. Daí talvez a reticência. Até a importação de mão-de-
obra européia, uma manobra das elites costurada com apoio oficial,
soava com ameaça, já que não se tinha segurança total a respeito das
relações sociais que predominariam no vácuo provável do fim da
escravidão. Assim se justificam os esforços de desmontagem, peça
por peça, do discurso, ou de, no mínimo, reconfigurá-lo totalmente já
desde o seu nascedouro:2 a forma ideal de manter sob controle o
próprio futuro. Os principais representantes da agricultura latifundiá-
ria e de seus aliados comerciais, não desconheciam as dificuldades e
percalços do modelo agroexportador. Demonstram ter consciência
dos dilemas enfrentados pela grande produção agrícola e pela grande
propriedade, sobretudo da sua difícil adaptação aos novos tempos. Os
problemas cresciam em complexidade. Já não se tratava à altura ape-
nas de problemáticas como as de garantia de fluxos de mão-de-obra a
preços compatíveis com suas necessidades de ganhos. A estas vinham
somar-se outras, não menos importantes, como preços dos produtos
ou defasagens tecnológicas, considerando a nova fase vivida pelo ca-
pitalismo e a intensidade concorrencial nos mercados agrícolas, fato-
res que contribuíam para agravar ainda mais as possibilidades atuais
e futuras de inserção competitiva do País no comércio internacional.
Tudo isso contribuía de fato para ampliar a consciência de que algo
devia ser mudado, ainda que nada disso se constituísse numa garantia
de que qualquer mudança seria assimilada como algo possível e ne-
cessário. Restava sempre uma ponta de desconfiança em relação ao

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84  N E L S O N D E O L I V E I R A
alcance das inovações e um temor quanto ao seu caráter. A segurança
das posições desfrutadas pelas classes dominantes conservadoras pe-
sava muito mais do que quaisquer demandas por inovação no mo-
mento da tomada de decisões. Quando se punha em pauta se levanta-
va a questão das mudanças de eixo ou de situação. Pesava entre eles o
temor de que as perdas fossem maiores do que os ganhos. Muito mais
ainda quando essas mudanças, até mesmo pela sua simbologia, ten-
diam a afetar de algum modo o controle tradicionalmente exercido
sobre as relações sociais. A grande propriedade quase nunca aceitou
ser confrontada com as relações servis de produção que patrocinara e
mantivera por tão longo tempo. Não apenas não aceitava, como a
estas se havia acomodado por tão longos anos que já não sabia mes-
mo como sobreviver desfazendo-se delas tão abruptamente, assim
como imaginava que poderia vir a acontecer.
O futuro das relações sociais servis foram sempre postas no cen-
tro de qualquer argumentação defensiva antiinovadora, jamais sendo
claros os argumentos e muito menos claras as decisões a respeito das
mudanças necessárias para que se desse uma ruptura. Tudo parecia
muito confuso. Até mesmo alguns dos que chegam a ensaiar argu-
mentos críticos e até encarar como positiva uma possível mudan-
ça no eixo das relações sociais predominantes, nunca deixam de ta-
ticamente reduzir o alcance da crítica. O intuito é evitar qualquer
mal-entendido. Não havia disposição de romper com os limites es-
truturais ou políticos definidos pelo regime de propriedade estabele-
cido, pelo menos de modo tão drástico. Não se pretendia atingi-la
mais profundamente, até quando procuram afinar-se com o que com-
preendiam como o novo que vinha de longe — da nova potência
emergente, os EUA, ou mesmo da Europa —, assim como teria ocor-
rido com alguns ditos expoentes modernizadores.3 O intuito aqui
não vai muito além do simples desejo de modernizar as estruturas
pelo alto, e de deixar intacto um sistema de propriedade que, como
diria posteriormente e em outra circunstância Costa Porto, devia so-
breviver como uma garantia da estabilidade política e da unidade
nacional (Porto, 1985), mirando-se no exemplo do restante da Amé-
rica do Sul e na sua lamentável e pouco eficaz, como diria, pulveriza-
ção republicana. Mesmo entre as camadas mais populares, entre os
que aos poucos iam libertando-se da escravidão e procuravam encon-
trar-se na vida como trabalhadores livres, as críticas ao quadro exis-

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  85
tente mais primavam pela acomodação do que pela exigência de rup-
turas mais profundas. A grande extensão das terras livres e públicas
contribuía talvez para amortecer o ímpeto dos protestos, já que ha-
via sempre uma expectativa de que mudanças e reformas pudessem
ser realizadas naturalmente, por uma decisão pelo alto de distribuir
as “fartas riquezas”, e de que novas relações sociais brotassem daí sem
a necessidade de grandes desperdícios em vidas humanas. Em geral,
os protestos contra o atraso, ou contra a persistência de determina-
das relações sociais, quase nunca se dirigiam explicitamente contra a
grande propriedade. Estas quando muito eram estigmatizadas como
um absurdo moral, mas quase nunca como propriedades que ainda
albergavam no seu interior relações sociais escravocratas, como se
não passassem de repositórios de proprietários acomodados e pouco
atentos ao que vinha ocorrendo no mundo à sua volta.4 Uma crítica
moral tende a acompanhar quase toda a oposição efetuada ao lati-
fundismo, até mesmo quando ultrapassada sua fase mais estritamen-
te escravista.
Um movimento social que pudesse desaguar em alterações pro-
fundas e estruturais numa sociedade pós-colonial como a brasileira,
dificilmente poderia vingar, subordinando-se, como ocorreu desde a
Independência até o advento do período republicano, a compromis-
sos de sobrevivência ou manutenção dos privilégios da grande proprie-
dade. E, na verdade, foram muito esparsas as iniciativas de grupos ou
pessoas que defendiam a necessidade de alterações nos padrões estru-
turais dominantes, redundando, na maioria das vezes, num imenso e
profundo vazio de perspectiva. A prioridade do esforço mudancista foi
quase toda destinada ao discurso, não contribuindo nem mesmo para
a construção de forças políticas que pudessem dar respaldo institucio-
nal ao que se propunha discursivamente. Movimentos sociais con-
fundiram-se com atividades de grupos que mais não se dedicavam do
que a pressionar governos e avaliar caminhos e possibilidades de
integração do País às novas tendências do capitalismo mundial. Os
grupos que se organizam em defesa de seus interesses limitam o al-
cance de suas reivindicações ao plano de uma modernização que se
restringe, como tal, ao âmbito do desenvolvimento das forças pro-
dutivas. A despeito de suas diferenças, não passavam, no geral, de
grupos conservadores, pouco importando o partido a que pertences-
sem. Quase nenhum busca saídas para uma modernização excludente,

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86  N E L S O N D E O L I V E I R A
desprezando qualquer necessidade de inclusão social, senão de si pró-
prios. Como grupos de interesses tinham o olhar sempre voltado para
o além-mar, para a possibilidade de reintegração presente e futura das
suas elites tradicionais;5 ainda assim, de modo relutante, pois sen-
tiam e temiam o momento. Percebiam que o capital continuava a
manter o seu domínio, em bases nitidamente tecnológicas — alter-
nando a mais-valia absoluta com a mais-valia relativa —, mas já so-
fria os seus primeiros abalos mais sérios, frutos da reação perpetrada
por trabalhadores, nos núcleos centrais do capitalismo, contra as for-
mas mais hediondas de exploração. Tudo isso contribuía para que
fossem sempre relativas as atitudes inovadoras e firme a decisão de
não arredar pé das posturas anti-reformistas.
Os primeiros reformistas não partiram da existência de uma ques-
tão agrária posta como limite estrutural. Eles sempre trataram de
escamoteá-la, pelo menos até que se esboçasse uma idéia de nação
que fosse, ao mesmo tempo, complemento da idéia de propriedade.
Só muito superficialmente esta questão foi sendo admitida e se tor-
nando mais assimilável pelas velhas e novas elites das classes domi-
nantes, assim como, paradoxalmente, pelas classes dominadas. Mes-
mo esse grupamento mais amplo, constituído de trabalhadores
recém-libertos, pequenos produtores sem terras, entre outros, decer-
to que sentindo a necessidade de mudanças num quadro social que
respondia por séculos de opressão, quase nunca atentavam mais cla-
ramente para alternativas distintas das que vinham sendo defendidas
pelos conservadores, ou pelos liberais. No decorrer de todo o período
pós-Independência, os projetos de reforma das estruturas seguiram
todos eles essa mesma linha de conduta vacilante de vislumbrar uma
necessidade de mudança e de, ao mesmo tempo, recusá-la quando
ensaiada mais concretamente. A postura foi sempre a mesma: lamen-
tar que certos aspectos da estrutura predominante ainda perdurem, e
até concordar que não são efetivas, mas opor-se a — ou, quando nada,
temer — qualquer intuito de medida que pudesse resultar numa de-
mocratização radical das relações sociais. Esses temores viscerais trans-
formaram todo e qualquer ensaio reformista, não importa o período,
num mero exercício de prevenção contra qualquer tentativa de ruptu-
ra com padrões estruturais historicamente já conformados. Fruto
desses exercícios, as reformas — planos de intenção ou leis —, de vias
efetivas, transformam-se em expedientes táticos contra-reformistas

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  87
em defesa da grande propriedade e de seu papel de cimento que, unin-
do velhas e novas oligarquias em torno de um mesmo desiderato, tem
em vista afastar as classes trabalhadoras em geral, até mesmo os pe-
quenos produtores rurais, de qualquer pacto de poder ou bloco histó-
rico no sentido gramsciano.6
A problemática não se restringe ao que teria acontecido no Bra-
sil. Desde que crescem os seus apelos mais concretos mais veemen-
tes, a partir de finais do século XIX, é quase impossível conferir um
significado preciso às lutas em defesa de uma reforma agrária, tanto
nos países que já haviam alcançado o status de países capitalistas avan-
çados, como nos que ainda buscavam alcançá-lo de algum modo. A
dúbia caracterização dessa necessidade relaciona-se, sem dúvida, com
a própria concepção muito pouco ou quase nada unificada de questão
agrária. Lá como aqui, na maioria das vezes, antes mesmo de qual-
quer unificação em torno da questão, a dificuldade maior, muitas
vezes, parecia ser convencer-se mais concretamente da sua real exis-
tência. Chegado a esse ponto, os limites da questão tendiam a ser cada
vez mais ampliados. Por outro lado, os formatos de hegemonia do
capital, nas suas mais distintas e modernas aparências, de industrial,
comercial ou agrário, também reduziam o alcance e significado con-
creto das reformas propostas para o campo.7 Uma unidade tornava-se
tão mais difícil de atingir quanto mais os conflitos de interesses deri-
vados dessa complexidade assumiam nítidos perfis de classes, com
rebatimentos diretos nas definições estratégicas do próprio Estado
como expressão política dessa diversidade de formas de materialização
do capital. Ainda assim, durante quase todo o século XX, mesmo ten-
do sido praticamente impossível chegar a um consenso ou realizar
reformas efetivas de cunho agrário em qualquer parte do mundo,
estas em certos momentos chegaram a ser até assimiladas como uma
possibilidade, mesmo pelo conservadorismo político dos mais dis-
tintos países; pelo menos, se conseguia atingir um certo consenso a
respeito da questão, e ao que se propunha de fato a reforma. Para
conservadores em geral, esta era quase uma senha: a questão nunca
podia ser deixada em aberto. Ora, fechar a questão era defini-la segun-
do seus próprios interesses. A natureza da questão apontava o sentido
da reforma. Qualquer consenso alcançado tendia a refletir a situação
vivida pelo país, o seu estágio político ou correlação de forças, e a
capacidade de exercitar a hegemonia das classes dominantes.

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88  N E L S O N D E O L I V E I R A
A título de ilustração, poder-se-ia referenciar casos, por exemplo,
como os da Rússia, quer durante os embates pós-reforma de 1861,
quer posteriormente no período das reformas burguesas do campo
promovidas por Stolípin, sobretudo após os fortes embates da Revolu-
ção de 1905; assim, também, os da Dinamarca, na segunda metade do
século XIX; os da Europa Oriental — Romênia, Bulgária, entre outros
—, por volta do início do século XX; ou, mais recentemente, casos
como os do Japão, Coréia e Taiwan, ao final da Segunda Guerra, ou do
Chile, Espanha e Portugal. Em quase todos, não se verifica apenas uma
diferenciação de situações determinada por trajetórias históricas ou
culturais diferenciadas. Sem ressalva nem mesmo das experiências
revolucionárias pós-1917, na URSS, ou das democracias populares do
Leste Europeu ou de Cuba, refletiram todas o difícil encaminhamen-
to da questão agrária, cuja fundamentação, não deixando perpassar
questões de natureza teórica, revelava-se, sobretudo, como política e
hegemônica. Em nenhuma dessas experiências, qualquer tenha sido
seu caráter, pôde-se constatar uma transformação da reforma agrária
num projeto consistente de mudanças — a que questão procuravam
responder? — que primasse pela clareza de objetivos. Nas circunstân-
cias em que chegaram a ser defendidas, poucas foram as que avança-
ram além de um plano de intenções e se basearam em coerentes
arranjos institucionais, e não poucos os terminaram por ver essas
experiências de tal modo amputadas, limitadas em função da incapa-
cidade de ação, até cair num imenso vazio. Em grande medida, não
ultrapassaram a condição de balões de ensaio, ou de iniciativas que
não buscavam no conjunto muito mais que promover ajustes numa
agricultura ainda indefinida em relação ao seu próprio papel, quer
como fonte de acumulação, quer na reprodução do capitalismo em
sua totalidade. Esses balões de ensaio não se limitavam apenas a tor-
nar o campo funcional às necessidades da acumulação propriamente
dita, mas, também, à legitimação política de Estados nacionais, em
momentos de crise ou transição. Modelos como os da reforma Stolípin
refletem a necessidade de conferir novo papel à agricultura, assim
como os casos de Coréia e Taiwan e no pós-Segunda Guerra, mais
recentemente, os casos chileno ou espanhol — mais especificamen-
te, do sul da Espanha. Outros, como no caso do Leste da Europa, no
período anterior à Segunda Guerra, e não somente neste, foram típi-
cas reformas centradas numa necessidade de legitimação política.

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  89
Algumas situações, no entanto, por suas características e pelas
circunstâncias — emergindo em períodos de crise e em situações em
que predominam hegemonias bem-definidas — podem ser conside-
radas como híbridas, por atentarem, ao mesmo tempo, para necessi-
dades de acumulação e de legitimação. Nelas podem ser enquadradas
não só as experiências de reforma italiana ou das políticas para a
agricultura encetadas no seio da Política Agrícola Comum, a partir
dos anos 1950/1960, hibridismo que decorre da confusão de priori-
dades.8 Trata-se de propostas que contemplaram no seu ideário estra-
tégias centradas em políticas de reestruturação das condições de pro-
dução, de modo que incorpore segmentos sociais que naturalmente
seriam excluídos se submetidos livremente às leis concorrenciais
impostas pelo mercado. O fundamento era a legitimação das novas
estratégias socioeconômicas voltadas especificamente para os capitais
industrias — nas quais o agro se inseria de forma subordinada —, ao
tempo que se buscava promover uma acomodação das forças sociais,
de tal modo que pudesse contornar a possibilidade de protestos pro-
venientes de uma das áreas mais potencialmente conflitivas nesse
momento conjuntural e histórico. Ao mesmo tempo que se dirige
para as necessidades de modernização das estruturas que podiam res-
ponder pela elevação de suas margens competitivas, parte-se para a
construção de estruturas de legitimação das novas políticas indus-
triais, justamente num período crucial como o que estava sendo vivi-
do pelo capitalismo europeu. Mais uma vez, parece clara a principal
preocupação ou princípio que ordena a tomada de decisão: atentar
para a questão antes de tratar das definições, objetivos ou instrumen-
tos. A questão agrária só ganha contornos efetivos quando suas pre-
missas são claramente apresentadas. Neste caso, como em qualquer
outro que envolva situações hegemônicas, o que ressalta é o funda-
mento maior, que de nenhum modo pode prescindir da precisão: se
se tratava a questão agrária, nas circunstâncias em que passa a ser
defendida, de uma questão para o capital, ou se, ao contrário, apenas
parte de uma demanda maior — proveniente ou não de movimentos
sociais anticapitalistas —, de ruptura com a dominação das frações
dominantes desse capital. A falta de precisão nem sempre decorria de
anarquia conceitual muito comum e conveniente, mas afetava so-
bremaneira âmbitos reivindicativos, dificilmente unificados em tor-
no de objetivos concretos, repercutindo esse hibridismo — se uma

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90  N E L S O N D E O L I V E I R A
solução para o capital ou mecanismo de resistência — não apenas a
diversidade de interesses envolvidos, mas também a natureza contra-
ditória dos processos de transição.

Um hibridismo singular

Acompanhando a trajetória do capital, assim como as demais


reformas de natureza institucional, a reforma agrária, mesmo refle-
tindo condicionamentos históricos e estruturais nem sempre pre-
sentes nas demais, só conseguiu legitimação quando se afirmou como
componente da eliminação de obstáculos impostos à unificação dos
espaços de dominação do capital. Só quando refletiu a submissão do
rural-agrícola ao urbano-industrial e repercutiu as demandas do capi-
talismo como totalidade, pôde-se afirmar como uma necessidade e
reafirmar a importância de levar em consideração suas especificidades
setoriais nessa transição. A tendência de toda a política agrária foi
amoldar-se estritamente a cada momento dessa trajetória, sem di-
luir-se nessa totalidade, moldando o futuro com arcabouços insti-
tucionais do passado. Talvez por isso tenham sido tão distintos os
caminhos e cada vez mais confusa a definição do que significava
realmente reformar.9 No trânsito até formas mais avançadas de acu-
mulação de capitais, ajustes institucionais foram sempre utilizados.
Em determinados momentos, alguns desses ajustes chegaram a ser
reconhecidos como reformas, pelo impacto exercido nas mudanças
estruturais em curso. Quase sempre isso se deu quando não restava
mais alternativa setorial, e a única condição de sobrevivência das
classes dominantes no campo era submeter-se passivamente. A nego-
ciação do ajuste sempre implicava uma repactuação envolvendo a
situação conjuntural desses resíduos rurais nas novas estratificações
do poder. O ajuste em lugar da reforma põe no centro da problemáti-
ca agrária o que fazer com as partes dominadas desse conjunto setorial
integrado mas profundamente desarticulado. Quais procedimentos
seriam necessários para manter o controle das massas rurais, ou das
não contempladas no pacto que resulta nos ajustes integrativos, e
quais os caminhos mais adequados para assegurar a mais completa
integração dos não plenamente ajustáveis: pequenos produtores sem
terras, com poucas terras e do proletariado agrícola em geral. A refor-
ma parece permanecer como objetivo apenas nestes casos.

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  91
No caso brasileiro, uma dificuldade é localizar as especificidades
do País no conjunto de espaços que transitaram de formas mais pri-
mitivas a etapas mais avançadas de acumulação capitalista. Em que
pese o grande número de estudos voltados para esse objetivo, não tem
sido suficientemente explicado por que na efetivação de uma etapa a
outra, pôde-se prescindir de reformas fundamentais no campo, isto é:
porque no Brasil pôde transitar de formas menos avançadas a formas
mais avançadas de capitalismo sem que tivesse tido necessidade de
solucionar antecipadamente uma questão agrária, em momento al-
gum posta como limite ou obstáculo estrutural. A questão agrária
como uma não-questão serviu de base, ao contrário, para uma apolo-
gia dessa transição que veio a ser tomada como paradigmática, pro-
vando-se uma possibilidade de trânsito para o moderno capitalista
sem que necessariamente se tivesse de romper com o que se conside-
rava atraso. Nem mesmo inúmeras tentativas governamentais de re-
ver determinadas situações em curso, muitas vezes sob pressão de
lutas e de novas tendências socioeconômicas, chegou a refletir uma
demanda capital de classes que, de um modo ou outro, buscavam
aproximar-se das tendências mais modernas. Pesava acima de tudo a
ausência de qualquer unidade sobre seu real significado. Melhor re-
formar ou ajustar? Entre demandas de ajustes e reformas estruturais
no campo, sacrificou-se a reforma agrária, esvaída como necessidade
real ou como alternativa estruturante. Até mesmo propostas de refor-
mar o meio rural, mediante a ocupação das fronteiras agrícolas, ou a
reordenação das áreas dos imensos latifúndios, nunca conseguiram
legitimar-se, insinuando-se quase sempre pelas brechas do sistema
dominante como secundárias. Nunca passaram de vias ou intenções
descoladas de uma estratégia centrada na alteração de uma correlação
de forças encimada pelos grandes proprietários de terra, portanto, de
fugas ante o enfrentamento da problemática efetiva, preservando não
apenas o tradicional e questionável direito irrestrito de — ou da gran-
de — propriedade, como assegurando a garantia dos seus espaços
políticos. Esse desmedido respeito ao direito de propriedade foi desde
o início o eixo fundamental da transformação da questão agrária numa
questão fundiária, ao perpassar, duplamente, o esforço de preservação
desse direito e de contornar, ao mesmo tempo, o enfrentamento de
suas principais contradições. Esse duplo aspecto responde fundamen-
talmente por aquilo que aqui se denomina caráter híbrido do intuito

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92  N E L S O N D E O L I V E I R A
reformista no Brasil, ou para que jamais tenha sido atingida qualquer
unidade maior a respeito da finalidade de lutar-se pela terra: se, sim-
plesmente, como uma forma de assegurar um meio de produção e de
sobrevivência, ou como meio de preservação de um instrumento de
negociação de interesses junto ao poder central.
A consciência de que uma reforma, para ser considerada como
tal, teria de necessariamente atingir interesses estabelecidos, reformu-
lando de alguma forma o direito de propriedade e seu caráter antide-
mocrático, foi determinante para a sua exclusão como eixo prioritário
e para sua permeabilidade às diversas manobras pelo alto tendo em
vista a sua demonização.10 A imagem construída da reforma como
uma afronta ao direito de propriedade estabelecido passa a ser utili-
zada pelas classes proprietárias como uma ameaça: o atalho mais
rápido para o caos, como procuram difundir. A propriedade é tratada
como a única alternativa para a desordem e para anarquia. Assim pas-
sa a ser inteligentemente manipulada pelas elites dominantes e per-
cebida estrategicamente pelo Estado em construção. Com essa amea-
ça, urdida em canais oficiais e representativos da grande propriedade,
procura-se construir uma via capaz de unificar todos os grandes inte-
resses em torno dessa que seria a única saída — transformar qualquer
iniciativa de reforma numa inutilidade, ou melhor, num anacronis-
mo,11 de tal modo que se deslocasse conscientemente o eixo da pro-
blemática, sempre que esta pudesse contribuir para integrar a questão
agrária no conjunto das lutas por transformação social. As diferentes
formas de percepção da função da agricultura no capitalismo exer-
ciam papéis fundamentais na definição da sua importância e da sua
atualidade. Mas só ganham maior realce, ou se tornam definitivas
para o encaminhamento dos processos de luta no País, ao tornar
complexa e indefinida a própria posição sobre a problemática. A par-
tir do momento em que uma questão agrária passa a se anunciar,
como um subproduto da expansão do capital, as resistências no cam-
po começaram a assumir caráter muitas vezes explosivo, mas tam-
bém perspectivas diversas, ainda que nem sempre tão distanciadas
quanto a seus objetivos. Mais concretamente, sobretudo após as gran-
des revoluções técnicas, e com ênfase no que vinha acontecendo nos
campos europeus ou norte-americanos, foi predominante uma ten-
dência mais acentuadamente defensiva na agricultura. Palco de di-
versas manifestações, envolvendo distintos segmentos sociais, o que

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  93
se passou a observar foi que em quase todas essas manifestações o
campo tendia a aparecer como algo que devia ser preservado, como
uma cultura determinada ou como um setor que devia ser visto nas
suas especificidades. Mas a vanguarda dessas manobras de resistência
sempre esteve nas mãos e nas cabeças de velhos latifundiários, ou de
uma pequena burguesia agrária que se defasara em relação aos seus
congêneres industriais.12 Nas mãos dessa vanguarda oportunista —
grandes proprietários, latifundiários diversos, empresários rurais e
outras camadas sociais, e mesmo seus intelectuais — o corte setorial
funcionou como arma fundamental na preservação de seus interes-
ses maiores, predominantemente políticos, vinculados exclusivamen-
te a suas necessidades de reprodução socioeconômica como grupos
no poder.
O dualismo setorial — agricultura/indústria — que acompanha,
de certo modo, o dualismo estrutural — produtores tecnificados vs
pequena produção familiar ou camponesa — responde, no caso, pe-
las diferentes formas de organização dos interesses e pelos seus dife-
rentes papéis13 e repercute na formatação de uma diversidade associa-
tiva que aos poucos vai tornando-se real. A realidade do associativismo
rural foi sempre profundamente anti-reformista na sua essência. Ele
interpôs-se historicamente no caminho das mudanças, em defesa da
tradição ou da tecnificação, pelo ângulo mais conservador da sua con-
tribuição para a preservação das relações sociais, jamais se pondo ao
lado, ou em defesa das grandes rupturas. Na medida em que o eixo da
questão tendia a ser deslocado, quando a ênfase maior passa a recair,
em quase todos os lugares, sobre possíveis defasagens setoriais decor-
rentes do avanço desproporcional do setor industrial em relação ao
setor agrícola, ou da perda de posição e importância dos produtores
familiares não tecnificados — pequenos, médios e grandes — em
relação aos produtores tecnificados, evita avaliar as implicações desse
deslocamento. A insistente postulação de uma autonomia setorial
como princípio orientador, contradizia qualquer interferência ativa
ou transformadora. A única reforma possível era melhorar as condi-
ções de produção, mediante ajustes nos processos produtivos e de
distribuição. A defesa da autonomia dos espaços setoriais da agricul-
tura, não se coadunava com intuitos de efetuar-se reformas profundas
no campo. Partem do ponto de vista de que os setores são estanques,
não apenas criaturas do processo de expansão do capital, evitando

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94  N E L S O N D E O L I V E I R A
qualquer consideração do assim chamado setor agrícola como um
resultado do fracionamento e das necessidades de controle da repro-
dução capitalista. Não se trata apenas de puro conservadorismo. Essa
insistente defesa de uma setorialização da agricultura revela muito
mais do que isso, uma preocupação, um quase instinto de sobrevivên-
cia de classe: como se a integração do setor nos mecanismos de repro-
dução social do capital devesse ocorrer, mas sem perdas políticas para
os seus membros no que se refere ao efetivo poder decisório.14 Poder-
se-ia até afirmar que, por trás de todo esse ardor defensivo do campo
como unidade setorial autônoma, com características, se não tão ex-
clusivas, pelo menos próprias, escondia-se também uma tentativa de
manobra; uma tentativa de esquivar-se ao reconhecimento de que
não passa o espaço setorial de momento de controle, de espaço no
seio do qual as classes sociais se reproduzem como contradição que
só na aparência podia ser tomada como estritamente setorial.
O trato do campo como espaço autônomo servia muito bem aos
que se recusavam a ver na profundeza da miséria rural uma manifes-
tação da contradição que move o capital a cada passo de seu avanço e
da sua crise. Ora, pequenos, médios e grandes produtores são repro-
duzidos no mesmo passo em que se processam as lutas de classe,
tanto podendo desaparecer como resistir, já que nenhuma dessas con-
figurações pode configurar-se como estável ou sempre necessária em
qualquer circunstância. Toda funcionalidade das classes ao capital é
móvel e dinâmica, pouco importando, no caso, o setor em que este-
jam localizadas. Nesse sentido, qualquer resistência que não desse
conta dessa realidade, sobretudo no âmbito dos pequenos e proleta-
rizados, podia ter efeito contrário aos dos muitas vezes desejados pe-
los que estavam à frente das lutas; ou, em último caso, reforçar argu-
mentos dúbios, pouco importando a forma discursiva ou não de quem
os estava apresentando. A formatação híbrida desse discurso está re-
fletida nos mais diferentes estudos e avaliações sobre a reforma agrá-
ria no Brasil, na sua maioria quase sempre atentos não apenas para
sua possibilidade de efetivação de políticas de ajustes circunstanciais
na agricultura movidos por demandas puramente conjunturais, mas
também para a sua realização como necessidade histórica num con-
texto demarcado por lutas de classe com diferentes graus de intensi-
dade.15 A reforma tanto podia ser — ou servir para contornar — uma
coisa ou outra. Para os que aparentam defendê-la como uma necessi-

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  95
dade histórica, quase sempre a reforma assume funções muito preci-
sas de peça importante no tabuleiro do que consideram difícil proces-
so de construção de um tecido nacional; mas são também os mais
empolgados com a viabilidade técnica do empreendimento agrícola,
desde que sejam reorganizados, e os que não se cansam de procurar
convencer os demais, às vezes céticos, de que um capitalismo agrário
é possível. Para todos eles, de um modo ou de outro, reformar não
passa de uma via efetiva de integração virtuosa da agricultura no dina-
mismo comandado pelas forças mais avançadas do capital. As expec-
tativas depositadas num agro reformado perpassam em geral o mun-
do das novas tecnologias e do consumo de bens e serviços de ponta,
mais concretamente a sua atualização dinâmica, conformados todos
eles com a sua subordinação. Desse modo, não chega a ficar muito
claro o sentido maior da reforma, desde que a questão agrária, no
caso, tende a ressaltar das próprias demandas de integração setorial e
de reprodução social nos níveis mais avançados já alcançados pelo
capital. Mais apropriado assim seria tomar-se, tanto uma como outra,
como propostas de ajuste agrícola, ou de eliminação dos obstáculos
localizados no campo, ao desenvolvimento do capitalismo.
Não menos ambíguos são os que a defendem como componente
fundamental de uma luta de resistência dos pequenos produtores agrí-
colas contra a penetração do grande capital no campo. Ao contrário,
neste caso essas ambigüidades tendem a ser até mais amplas, uma vez
que os que assim a defendem se restringem quase que exclusivamente
à defesa do reformismo agrário como tábua de salvação para um siste-
ma que não resolve seus problemas mais cruciais. A reforma aqui é
encarada como a alternativa, ela mesma, contra a fome, a miséria e o
desemprego, e a forma ideal de contrapor o pequeno ao grande pro-
prietário, contribuindo para unificar a agricultura no seu conjunto
como parte de um mesmo desiderato: como algo que deve ser prote-
gido e preservado. Em determinado momento, por esta sua caracte-
rística dúbia, deixa-se transparecer como uma bandeira de luta gené-
rica e abrangente, mais voltada para a garantia de uma sobrevivência
setorial, e, em outro, mais se aparenta a uma reivindicação sentimen-
tal, de cunho saudosista, nunca se sabendo ao certo se a sua justifica-
tiva é a fome de terras, a defesa de um espaço ou resistência cultural de
deserdados da terra, ou a dificuldade de utilizá-la produtivamente,
num contexto demarcado pela predominância dos grandes grupos

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96  N E L S O N D E O L I V E I R A
capitalistas comprometidos com a obtenção de elevada produtivida-
de e eficiência produtiva no campo.16 Pois nada disso é deixado muito
explícito, como se o enunciado da proposta, apenas isso, tivesse o
dom de suplantar qualquer outra exigência de precisão dos seus obje-
tivos; como se a reforma em si mesmo pudesse justificar-se, sem ne-
nhum outro atenuante.

Antecedentes do contra-reformismo

Neste emaranhado de postulações ambíguas, a política oficial, a


despeito de repercutir essas mais diferentes manifestações e tendên-
cias, jamais se conduziu como um árbitro neutro. Ela foi sempre
afirmativa e facciosa, considerando a negação de um dos pólos da
articulação de interesses uma afirmação do que tendia a se expressar
como seu núcleo dominante. Em princípio, nada justifica afirmati-
vas como as de que a reforma agrária jamais teria desfrutado de im-
portância em instâncias oficiais, pelo simples fato de normalmente
estas terem descartado uma ou outra tomada como circunstancial-
mente viável ou necessária do ponto de vista de determinadas cama-
das sociais. Uma análise das diversas políticas voltadas para a agricul-
tura no Brasil — ou para o campo em geral — contribui para evidenciar,
ao contrário disso, que políticas de reforma agrária no Brasil assumi-
ram caráter prioritário desde os primeiros ensaios de modernização
capitalista no País, menos pelo que chegaram a anunciar em planos e
projetos e mais pelo deixaram implícito nos referidos anúncios. A sua
importância só pode ser avaliada, portanto, pela capacidade que de-
monstrou o governo de antecipar-se à sua concretização na medida
em que a anunciava, e de sempre anunciá-la quando mais era neces-
sária ou funcional aos seus objetivos de assegurar tradicionais alian-
ças de classe conservadoras, cuidando de retirar-lhe qualquer caráter
minimamente ameaçador de transformações. Foi, aliás, este o seu
maior trunfo: negar a reforma quando mais parecia estar concordan-
do com sua necessidade. Na realidade, planos de reforma agrária,
quando elaborados pelo próprio governo, na maioria das vezes funcio-
naram como simples antídotos ou como contradiscursos, no seio dos
quais o que mais se procurava realçar não eram os desejos de fomentá-
la ou impulsioná-la, mas impor freios e impedimentos à sua imple-
mentação. As reformas já nasciam como uma arma contra-reformista,

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  97
como atitude preventiva; e sempre com muito realismo: como se o
que não podia existir, no entender dos grupos oligárquicos e do-
minantes, não devesse mesmo nascer. A reforma como aborto do
reformismo.
Talvez não tenha sido um caso único, mas em quase nenhum
país essa confusão entre reforma e contra-reforma foi tão esclarecedora
quanto no Brasil. Poucos governos pressentiram ou se anteciparam
tão decididamente ao que poderia vir a acontecer como ocorreu por
aqui; nem manifestaram tão claramente o intuito de anular com an-
tecedência qualquer futura reivindicação ou impedir o que podia es-
tar nascendo, sob a justificativa de que, simplesmente, algo — uma
reforma efetiva — não deveria nascer. Uma consulta às leis fundiárias
do País pode muito bem comprovar como estas quase sempre procu-
raram refletir essa necessidade de antecipação, como se as leis não
passassem de prenúncios do que poderia e não deveria acontecer. As
leis foram sempre restritivas, promulgadas, na maioria das vezes, com
o claro intuito de negar um provável futuro — como leis premonitórias
—, ou alguma coisa que pudesse conturbar um certo e desejado equi-
líbrio de classes. A primeira, entre um conjunto de medidas antecipa-
tórias que seriam editadas no País, foi decerto a Lei de Terras de 1850,
promulgada três décadas antes da libertação legal dos escravos. Foi a
primeira medida editada com tal objetivo, e a mais exemplar de uma
proposta de contra-reforma agrária, por seu caráter, ao mesmo tempo
restritivo, por impossibilitar legalmente, e na prática, a uma gama
muito ampla de futuros produtores, o acesso livre a terras públicas; e,
repressivo, por funcionar como o primeiro instrumento legal que im-
punha sanções bastante explícitas a quem ousasse infringir seus man-
damentos. Foi por isso o primeiro documento legal de caráter fun-
diário que se arvorou a reorganizar o campo e definir prioridades, e
que se preocupou em deslocar antecipada e preventivamente dessas
prioridades categorias sociais oprimidas e exploradas, pondo no pri-
meiro plano das atenções empresários e futuros imigrantes europeus.
Seu caráter de medida legal contra-reformista é reforçado a cada
momento. Em seu corpo legal antecipa-se uma noção que será dora-
vante utilizada por quase todos os legisladores, a estes conferindo o
privilégio do julgamento sobre quem é ou não é capaz como indi-
víduo produtor, com base simplesmente em preconceitos de classe, à
época transfigurados em preconceitos de cor. Quem é ou não é

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competente, capaz ou incapaz, tudo passa a depender de um
prejulgamento de quem legislou. A Lei dispunha em geral sobre “[. . .]
as terras devolutas do Império, e acerca das que são possuídas por
título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem
como por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que,
medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título onero-
so, assim para empresas particulares, como para os estabelecimentos
de colônias nacionais e de estrangeiros, autorizando o governo a pro-
mover a colonização estrangeira na forma que se declara”. O seu in-
tuito repressivo era claro. Proíbe, no artigo 1.o,“[. . .] aquisições de
terras devolutas por outro título que não seja o de compra e venda”
com exceção das “terras situadas nos limites do Império com países
estrangeiros em uma zona de dez léguas, as quais poderão ser conce-
didas gratuitamente”. Mas arremata: “os que se apossarem de terras
devolutas ou de alheias, e nelas derrubarem matos ou lhes puserem
fogo, serão obrigadas a despejo, com perdas das benfeitorias, e de-
mais, sofrerão a pena de dois a seis meses de prisão e multa [. . .],
além da satisfação do dano causado [. . .]”. Faz uma notória apologia
dos já proprietários, numa tentativa de impedir que indesejáveis se
imiscuíssem no meio e não se exime em momento algum da respon-
sabilidade de preservar com antecedência os interesses de tradicio-
nais beneficiários da estrutura conservadora, tratando de impedir que
uma futura libertação dos escravos pudesse confundir-se com liberta-
ção da propriedade.
Qual ex-escravo teria condições, no futuro, de acessar a terra por
operações de compra e venda? Não havia dúvida que se tratava de
garantia e alento para os grandes proprietários e latifundiários em
geral. O governo imperial antecipa o seu conceito de modernidade.
Do ponto de vista da lógica utilizada, decerto que amparava o capital,
arrematando na lei o que era temido por todos os que pressentiam o
fim da escravidão. Foi uma forma de instituir o trabalho livre e garan-
tir a continuidade de sua exploração. A legislação procura assegurar as
condições para a futura exploração da mão-de-obra, impedindo qual-
quer remoção de resquícios estruturais. A questão era óbvia: se ex-
escravos tivessem acesso livre às terras disponíveis, ou mediante uma
reforma efetiva nas condições de uso, quem cultivaria, e a que custo,
as grandes propriedades dos barões remanescentes? Temia-se o futu-
ro. Por isso, não só se cuidava de impedir o acesso livre às terras

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  99
devolutas, mas de criminalizar qualquer possível tentativa de furar os
bloqueios impostos, ao decidir-se legalmente pela repressão a qual-
quer ensaio de livre apossamento.
Ao lado de montagens legais como estas, outras estratégias de
cunho decididamente contra-reformistas também foram utilizadas.
A adoção de restrições legais nunca foi exclusiva, sobretudo quando
em pauta se pôs a necessidade de impedir que anseios populares por
reformas se concretizassem. A partir do momento em que esses an-
seios se manifestam com a força de um movimento de contestação da
estrutura de propriedade herdada do velho sistema de sesmarias, a
repressão não somente é desencadeada como utilizada abertamente e
sem peias, com o mesmo ímpeto com que muitos julgam ser necessá-
rio defender-se de ameaças às próprias vidas. O episódio de Canudos
é bem representativo desse momento repressivo como afirmação de
uma razão oligárquica, no confronto com uma razão popular, que se
impõe como razão de Estado no momento em que uma jovem e mal-
configurada república procura justificar-se e alçar-se à condição de
uma realidade política concreta, pondo-se na defesa justamente de
uma de suas principais fontes de legitimação — a grande propriedade
latifundiária. O combate efetuado aos que se amotinam no povoado
do Belo Monte tem esse sentido, nem sempre explícito, de defesa de
uma estrutura que jamais poderia sobreviver caso se alastrassem re-
voltas contra o primado da grande propriedade latifundiária.
Dificilmente poderia afirmar-se que os amotinados de Canudos
tinham por alvo a realização de uma reforma agrária ou algo pareci-
do. Não os movia, pelo menos mais diretamente, um ataque à estrutu-
ra agrária vigente. Mas seria um contra-senso deixar de reconhecer
que era a estrutura agrária a principal responsável pelo crescimento
desse arraial que chegou a se constituir na segunda cidade da provín-
cia da Bahia do final de século. O povo pobre e miserável que se reu-
niu nesse arraial que, no seu auge, chegou a atingir mais de 30.000
habitantes, era a faceta mais visível da concentração fundiária e do
mandonismo das velhas oligarquias fundiárias. Era a revelação mais
precisa das principais mazelas do País, não atacadas nem postas como
objeto de atenção em perspectiva. A República nascente, assim como
suas elites, mais reacionárias do que simplesmente conservadoras,
desprezava qualquer argumento que partisse desse diagnóstico. Não
vêem como nem por quê. Não pretendem atacar as causas, nem muito

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100  N E L S O N D E O L I V E I R A
menos corrigir seus efeitos. Em relação a Canudos, percebem apenas
a implicação do movimento. Nesse sentido, não há conciliação pos-
sível, a não ser o abandono das posições já detidas pelos sertanejos.
Aceitar o que estava ocorrendo era o mesmo que conciliar com um
futuro imprevisível: aceitar um antecedente perigoso para as alian-
ças que davam sustentação às estruturas de poder. Por isso o ultimato:
derrotar Canudos era conservar intacto o espírito de uma república
conservadora e de suas expressões de classe.
Mas os sertanejos não recuam. A recusa em aceitar o que podia
significar o fim de sua experiência de convívio coletivo, sem regulação
oligárquica, irrita os republicanos-oligárquicos. O então presidente
Prudente de Morais adota, ante a resistência, a única estratégia capaz
de contentar os seus principais aliados nacionais — a ilustração posi-
tivista da capital da república — e regionais. Destruir a experiência
em curso pelos amotinados foi a única forma encontrada de jogar
para baixo do tapete uma questão estrutural não resolvida e que nem
sequer se imaginava que pudesse ser resolvida. A repressão e o assassí-
nio dos sertanejos, habilmente transfigurados de fanáticos, não bus-
cava mais do que esconder a questão fundamental da concentração
da propriedade e a continuidade de relações sociais escravistas por
outros meios, ou impedir que esta se pudesse revelar por meio de uma
ação consciente das próprias vítimas. O espírito da repressão era, no
fundo, o mesmo que havia prevalecido na institucionalização da Lei
de Terras, quase cinco décadas atrás. Assim como aquela, esta visou
fundamentalmente travar uma possibilidade de que os “de baixo”
pudessem vir a controlar as suas próprias ações, resguardando com
isso os interesses dos grupos oligárquicos no poder, não só no presen-
te, mas certamente no futuro. Se o movimento de Canudos não emer-
gia como uma força mediante reivindicações claramente reformis-
tas, tornava-se uma ameaça pelo que deixava implícito na decisão de
constituir-se. Talvez por isso tenha atraído tanto a fúria do jovem
poder republicano e se tornado alvo dessa ação criminosa numa guer-
ra suja, comandada por militares e civis, cujo sentido maior era refor-
çar o espírito fundamental do contra-reformismo. A república oligár-
quica não podia compactuar com qualquer utopismo sertanejo.17
A mesma decisão de reprimir sonhos utópicos repetir-se-ia como
tragédia no Contestado, região situada entre Santa Catarina e Paraná,
na primeira década do século XX, quando mais uma vez, alardeando

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  101
um pretenso fanatismo de camponeses e trabalhadores, no momen-
to em que estes se empenhavam na defesa de seus interesses de garan-
tir a posse de terras devolutas, o governo resolve desfechar uma luta
sem tréguas e violenta tendo em vista desmontar, não apenas o atual,
mas com antecedência os seus possíveis e indesejáveis desdobramen-
tos futuros. No Contestado, assim como em Canudos, a reação do
governo revela-se claramente antipopular. As armas eram as mesmas,
assim como os argumentos. Milhares de trabalhadores e pequenos
produtores, tendo a sua utopia fundiária propositadamente transfi-
gurada em fanatismo, passam a ser mortos aos milhares por forças
arregimentadas por firmas internacionais18 apoiadas num governo
que procurava dar demonstrações de firmeza republicana e de grande
realismo, bastante elogiados pelos novos capitais estrangeiros e pela
imigração européia19 que ansiava pela ocupação da área. O sonho não
era tão grande assim. Esses ex-trabalhadores da construção de uma via
férrea sonhavam com a ocupação produtiva de um território quase
deserto. Queriam produzir, mas são considerados inaptos pelo gover-
no e pelos empresários, por isso rechaçados e jogados na marginali-
dade, ou tratados como assassinos e fanáticos. São tratados como ex-
cluídos, quando postos diante das necessidades da grande exploração
racional. A repressão não era apenas circunstancial: não se reprimia
um evento qualquer. O governo procura antecipar-se ao futuro. Pre-
tende com isto dar demonstração de que está em sintonia com as
novas tendências mundiais,20 numa atitude de servilismo aos grandes
grupos empresariais, e de racismo ao mesmo tempo, quando exclui
os sertanejos e cede aos grupos internacionais o direito de utilização
da área mediante a implantação de grandes projetos de colonização.
Mas o que sobretudo procura reafirmar é o compromisso histórico de
isolar qualquer possibilidade de construção independente de um mo-
vimento social que, de algum modo, atente contra os interesses da
grande propriedade.
Anos depois, o mesmo viria a acontecer em Trombas do Formo-
so, em Goiás, ou no episódio das Ligas Camponesas, entre Pernam-
buco e Paraíba. Nos dois casos também prevaleceu o mote: não per-
mitir que a reforma agrária pudesse ganhar um conteúdo preciso,
tratando-se de impedi-la no nascedouro com medidas preventivas,
legais ou repressivas, de contra-reforma. O acento maior ou menor
no instrumento legislativo ou na pura repressão, pouco importa. As

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102  N E L S O N D E O L I V E I R A
prisões e assassinatos em Formoso,21 assim com nas Ligas, refletiram
um mesmo desiderato: cortar o mal — para o sistema — pela raiz.
Mais importante era impedir que lutas sociais pudessem ganhar con-
sistência e objetivos anti-sistêmicos. Esse anti-reformismo perpassa
toda a República Velha, passando pela a Revolução de 1930,22 e assim
se manterá incólume. Não é suficiente para impedir que as lutas acon-
teçam. Elas são muitas e, pelo contrário, crescem em intensidade
desde então. Mas repercutem na orientação desse processo. Em que
pese a força dos movimentos sociais e sua clara disposição de contes-
tar o modelo latifundiário, nem sempre são notórios ou consistentes
os seus apelos em prol de reforma agrária. Reflexo ou não das estraté-
gias contra-reformistas, é confusa a percepção da necessidade de uma
reforma do campo. Afora algumas poucas reivindicações surgidas no
seio das organizações comunistas, a partir dos anos 1920/1930, mais
particularmente após a redemocratização de 1945, a reforma nunca
se revelava como tal, permanecendo como algo que acoberta, implí-
cita nas lutas por uma distribuição mais justa das terras produtivas.
Quando, no plano oficial, projetos de lei eram elaborados com esse
objetivo, quase nunca eram discutidos ou aprovados; quando não dei-
xados no esquecimento, terminavam por ser estereotipados como
propostas infundadas. Estes sempre encontravam as baterias conser-
vadoras do Congresso já armadas contra qualquer iniciativa que pu-
desse servir de base ou incentivo para uma abertura ou retomada de
discussões como esta. Grupos oligárquicos e suas representações são
taxativos e precavidos. Não reforçam nenhuma discussão que possa
servir de argumento em favor da proposta. São contra, em princípio,
e por princípios, a qualquer idéia de reforma, por mais insignificante
e preliminar que seja. As experiências do New Deal norte-americano,
ou do Front Populaire na França, entre a crise de 1929 e finais dos
anos 1930, nem mesmo estas as sensibilizam. No Brasil do pós-Se-
gunda Guerra, quando as lutas sociais no campo retomam a sua in-
tensidade, a mística da terra como liberdade ganhava o reforço das
lutas democráticas com caráter social. As duas se fundem: terra e
liberdade tornam-se bandeiras ameaçadoras. A conquista da terra passa
a sintetizar uma aspiração por mudança e a ser assumida, pelo menos
pelas esquerdas, como componente de um novo projeto de desenvol-
vimento, pelo qual passam, sobretudo estas, a se bater. Nada disso,
porém, demovia o conjunto dos conservadores e liberais mais rea-

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  103
cionários de suas posições, até pelo contrário. Às pressões provenien-
tes do campo tendem a responder com maior exigência de repressão
e nada mais do que isso.23
É certo que a esquerda patina entre uma reforma como a que
estava implícita nas lutas sociais, com um nítido sabor de resistência
das camadas mais empobrecidas da sociedade, cujo alcance não ia
muito além da sobrevivência em condições minimamente dignas, e
o que passam de fato a defender como alternativa institucional capaz
de fomentar uma aliança com blocos de uma burguesia emergente
contra o conservadorismo agrário predominante. A reforma funcio-
na para esta como um mote para uma aliança desenvolvimentista.
Não ia muito além disso. Por intermédio de sua principal representa-
ção, o Partido Comunista Brasileiro,24 procura integrar a reforma agrá-
ria nas malhas de frações industriais do capital, para as quais se vol-
tam buscando reconhecimento, e às necessidades de formação de
uma ampla frente política pretensamente renovadora e progressista.
As perspectivas de uma resistência pura e simplesmente não o como-
ve. Não descarta o apoio aos pequenos como excluídos. Mas não é este
o objetivo. Pretende ir bem mais além. O intuito maior era apoiar ou
reforçar os frágeis intentos de industrialização. Era claramente subor-
dinar o campo atrasado ao capitalismo moderno e dinâmico; uma
subordinação que tanto podia dar-se por meio de uma reforma dis-
tributiva, que só lateralmente atingiria os grandes latifúndios, como
da própria modernização da grande propriedade.
O contraste podia até ser sensível. Pois era a esquerda que propu-
nha um projeto para o capital, sem nenhuma exigência — como teria
sido o caso da Revolução Russa — de tomada de poder previamente.
Mas nada disso seria mais importante do que a confiança depositada
pela esquerda numa burguesia que podia em algum momento de-
sempenhar funções que estavam apenas na cabeça das lideranças mais
afinadas com as deliberações da Terceira Internacional para a Améri-
ca Latina. Não é nada surpreendente que a proposta de aliança jamais
tenha sido aceita. Essa emergente burguesia nunca demonstrou sim-
patia alguma ou mostrou-se convencida da necessidade de formação
de uma frente nacional progressista, assim como imaginada pelas
esquerdas, nem muito menos procurou apropriar-se do significado
histórico — ou se apropriou, talvez, bem mais que os comunistas de
então —, nesse momento, de uma revolução nacional e democrática.

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104  N E L S O N D E O L I V E I R A
Ora, nenhuma proposta que pudesse ferir, da forma mais branda que
fosse, os interesses maiores da oligarquia fundiária, jamais seria assi-
milada ou nem sequer ouvida pelos mais diversos grupamentos dessa
burguesia. No atraso é que residia a força de ambas, uma e outra
oligárquicas e temerosas em relação ao que poderia vir a acontecer. A
consciência de classe, nesse sentido, era maior do que o que se imagi-
nava. Verdade é que as grandes oligarquias fundiárias haviam perdido
grande parte de seu poderio econômico, mas ainda não tinham per-
dido sua grande capacidade estratégica. E era essa sua capacidade que
demonstrava ser de grande valia para uma burguesia industrial, ainda
frágil e sem projeto próprio ou visão mais articulada de nação, não a
ruptura com essa situação.
As esquerdas em geral sempre tiveram muita dificuldade de perce-
ber essas especificidades de um processo de desenvolvimento que
tem no atraso, por exemplo, não um limite mas um potencial de do-
minação. Alexander Gershenkron, nos anos 1950, chegou a vislum-
brar nesse atraso uma vantagem, refletindo o desenvolvimento como
se este fosse um passo que devia ser dado até o alcance de uma fase
mais avançada, tomada como irreversível. A burguesia brasileira tam-
bém via no atraso uma vantagem, mas não pelas razões apresentadas
por Gershenkron. Neste seu afã defensivo, o mais importante, no pri-
meiro plano, era a preservação da ordem — alianças e reformas gera-
vam desordens —, e no segundo plano, a garantia de intocabilidade
das condições de superexploração que poderiam estar ameaçadas com
a aceitação de postulados reformistas. Fundamental para esta burgue-
sia era conter ameaças e evitar imprevistos. Por isso não queria reformas
no curso de um processo que imaginavam controlado, por ela e por
seus grandes aliados de fato. A esquerda fingia desconhecer esses con-
dicionantes e especificidades históricas. Insistia em ver na burguesia
uma classe com perfil revolucionário. Mas nada disso, como ficava
demonstrado na prática, tinha fundamento algum. Até mesmo na cons-
trução das bases para o desenvolvimentismo dos anos 1950, na presi-
dência de Juscelino Kubitschek, demarcado por grande euforia com a
possibilidade de que o País alcançasse a sua maturidade industrial,
nenhum aceno concreto teria sido efetuado à reforma agrária, nem
pelas representações dessa burguesia, nem pelo governo. Nestes âmbi-
tos, não se efetuava nenhum vínculo entre lutas sociais no campo e
um projeto novo de sociedade. Pelo contrário, apostava-se claramente

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  105
na desarticulação social desse desenvolvimento. Tudo devia passar
pela industrialização, como rezava nos catecismos cepalinos, assim
como incorporado pela nova gestão desenvolvimentista, mas do modo
como vinha sendo conduzido o processo: pelo alto e setorialmente
concentrado. A reforma agrária não despontava como uma necessi-
dade, e era de fato amplamente descartada, não somente pelas novas
classes de base industrial que emergiam nessa nova onda de industria-
lização, mas também para as de base agrária. Nenhuma delas reivin-
dicava o reformismo como precondição para alguma mudança subs-
tantiva no percurso até então seguido. Nem mesmo a justificativa
apresentada pelas esquerdas de que desse processo de reforma a pró-
pria burguesia poderia sair fortalecida, justificando a postulação com
a possível criação de um mercado interno, nem isso a sensibilizava. A
única aliança que, de fato, começa a se fortalecer é a que passa a se
firmar entre o capital de base urbana e a propriedade fundiária. Só
esta é que se efetiva e se torna base para a nova ordem em construção,
da qual não apenas resultaria uma gradual e segura territorialização
da burguesia nascente, mas também uma rejeição definitiva, a partir
daí, de qualquer bandeira de luta que partisse do reformismo agrário
como eixo ou princípio motor.
Em geral, nas camadas ditas progressistas, mesmo entre segmen-
tos da própria burguesia industrial, continua a predominar uma rejei-
ção mais ou menos explícita ao latifundismo. O latifúndio era conde-
nado, pelo menos no plano do discurso, como uma representação do
atraso ou restrição ao desenvolvimento das forças produtivas do capi-
tal. Ninguém parecia ter dúvidas a respeito, mas não havia nenhuma
disposição de assumir o ônus de uma solução dessa problemática. O
sistema do latifúndio, assim como amplamente reconhecido, travava
o crescimento do mercado e impedia a modernização das relações
sociais. Parecia haver unanimidade, como se não realizar uma refor-
ma nessas circunstâncias tivesse o mesmo sentido de adiar o progresso.
No plano da retórica, pelo menos, reformar era a condição fundamen-
tal para a modernização do País. Mas nada disso sinalizava para a
construção de uma alternativa própria. Parte dessas argumentações se
devia a um esforço de convencimento de camadas burguesas reticen-
tes pelas esquerdas e tão-somente disso. Além do mais, a radicaliza-
ção que impunham à defesa dessa proposta era, na maioria das vezes,
unilateral, pois se a reforma agrária era necessária à modernização,

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106  N E L S O N D E O L I V E I R A
assim como viam e procuravam convencer, e a modernização não se
coadunava com latifundismo, quase nunca se perguntavam sobre as
perspectivas de classe desse processo de modernização, como se cada
coisa viesse a seu tempo. O desenvolvimento por etapas cegava até
mesmo o bom senso.
Mas, mesmo não sendo muitas, nem tão significativas, eram notó-
rias certas divergências ou, pelo menos, desconfianças entre os que
comungavam com essa perspectiva dita progressista ou de esquerda.
Às vezes parecia muito claro que tomar como fundamento da refor-
ma promover a modernização do capital, significava abdicar da cons-
trução de um projeto próprio, e o atrelamento e subordinação, não só
da esquerda — no caso desta, conscientemente — como dos peque-
nos lavradores e trabalhadores em geral, a frentes pretensamente pro-
gressistas do tipo da que se vinha tentando formar contra o atraso.
Ora, era a própria esquerda que já se colocava previamente como
representação destas forças ditas atrasadas. Nessa frente quase nunca
se acenava para a forma concreta como se vinha consolidando o do-
mínio do capital no País, ou para o significado mais concreto das
convenientes articulações entre os segmentos agrários e comerciais,
e dos grupos que emergiam como primórdios de um capital indus-
trial e bancário. Portanto, as avaliações críticas ficavam sempre a meio
do caminho, deixando-se no ar o que se poderia esperar daí, a não ser
uma vaga modernização do País. Só podiam justificar-se, assim, pelo
silêncio ante as mazelas estruturais. O que se demandava como mo-
dernização, se quase nunca ficavam definidas as reais fontes dessas
mazelas estruturais? Isto nunca ficava claro ou preciso quanto ao seu
real significado. Assim, por exemplo, sempre que se ampliava o en-
tendimento sobre o significado político da modernização, à medida
que esta passa ser reivindicada concretamente como democratização
dos meios de produção, em particular da terra, fragilizava-se qualquer
intuito de formalização das referidas frentes progressistas. A partir
daí, as coisas de modo geral tendiam a ganhar outro rumo.
Foi fundamentalmente isso que aconteceu durante o processo de
constituição e afirmação das Ligas Camponesas, entre dois períodos
marcantes da trajetória política nacional: o desenvolvimentismo de
Juscelino Kubitschek e o populismo de João Goulart. O frentismo
teria tido aí sua maior oportunidade histórica. A modernização das
relações sociais ganhava caráter de prioridade; clamava-se por alianças

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  107
estratégicas de classe, ampliando-se expectativas e gerando-se, ao
mesmo tempo, grandes ilusões. As lideranças das Ligas sempre de-
monstraram ter consciência dessa necessidade de modernizar as re-
lações sociais. Pretendiam romper uma tradicional prerrogativa dos
patrões — tradição típica do atraso que condenavam — de regular a
força de trabalho nas suas propriedades e segundo suas conveniências,
sem obediência a nenhuma regra ou direito público. Buscavam impor
freios legais à superexploração, não se tratando nem mesmo de des-
truí-la. Mas cedo se convenceram de que nada disso constava da pauta
dessa modernização ensaiada. Talvez não soubessem os trabalhado-
res organizados nas Ligas — ou, pelo menos, não se deram conta suas
lideranças — que o direito era também uma propriedade dos que já o
detinham, e que este não podia ser assim, sem mais nem menos,
disseminado. Disseminar direitos significava promover uma inclu-
são social que não era e não fazia parte de nenhum desiderato patro-
nal. O social-reformismo nunca fincara suas asas nessas paragens.25
Ao incluir a luta pelo direito à posse da terra, num momento de
plena ascensão modernizadora no País, como parte dos caminhos
para a reforma nas suas estruturas agrárias, as Ligas reforçam o que
vem a se tornar eixo emblemático no imaginário popular de uma
proposta de reforma agrária radical. Talvez por isso tenha-se defronta-
do, de forma tão violenta, com o reacionarismo dos grandes proprie-
tários da Zona da Mata pernambucana e paraibana, que soube usar as
suas prerrogativas legais para impedir os intentos. Muito cedo se per-
cebe. Só poucos podiam jogar. A propriedade era a lei, e sua dissemi-
nação, nada mais do que a ante-sala de um indesejado coletivismo,
como visto pelas elites fundiárias mais reacionárias, para as quais
repartir a propriedade teve sempre o significado maior de repartição
do poder, e repartição do poder de caminho para a refundação do
próprio conceito de nação que, abertamente, defendem e não dese-
jam ultrapassar. Aceitar novas regras para o direito, para todos eles,
seria mais do que uma inconveniência legal, um delito político ou
um suicídio; tanto a defesa de uma incorporação legal e pacífica dos
pequenos produtores na totalidade sistêmica, como a de uma refor-
ma que conduzisse a uma ruptura com os padrões de dominação
predominantes.
Com tantos senões assim e indefinições é que as reformas agrá-
rias tendem a ser abortadas antes mesmo de seu nascedouro. A contri-

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108  N E L S O N D E O L I V E I R A
buição dada pelos meios de informação não foi de pouca valia. A
imprensa, pelo seu sensacionalismo, foi até decisiva para que tudo
permanecesse na eterna confusão: para que quase nunca se soubesse
de fato para que ou por que reformar. Pois antes disso a diluíam e a
transformavam habilmente numa colcha de retalhos de conflitos
fundiários e reivindicações sociais, de um modo tal que se perdia de
vista a importância e percepção real de sua necessidade e a sua real
dimensão sociopolítica. A confusão era funcional aos interesses do-
minantes dos grandes proprietários, exercendo impactos que lhes
eram bastante favoráveis. Um desses impactos é que quase nunca
ocorria uma preocupação em qualificar de fato o que se entendia
como reforma agrária, nem mesmo pelos que estavam à frente da
luta. Em meio a essa indefinição geral, ora a reforma agrária era en-
tendida como uma revolução, ora não passava de simples medida de
redistribuição fundiária. A polissemia do termo e das necessidades
refletia a confusão gerada pela necessidade de formar uma frente que
diluía os interesses das classes dominadas num vazio, que não era tão-
somente de ordem conceitual. A razão moderna cegava até mesmo o
bom senso das representações de classes, destas que fingiam não per-
ceber as implicações dessa diluição ou assimilação passiva do discur-
so contra-reformista e de sua assunção como expressão do atraso.

Continuísmo anti-reformista

A diversidade de entendimento passa a ser tão ampla quanto a


confusão que reina em torno de sua tradução conceitual. Isto desde
sempre, mas, sobretudo, no caso brasileiro, a partir do Estatuto da Ter-
ra, de 1964, ou da edição do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA),
em 1985, ambos criaturas de novos regimes, o primeiro, fruto do regi-
me militar, e o segundo, da sua queda e ascensão do que veio a ser de-
nominado de Nova República. O primeiro, procurando promover uma
desobstrução setorial tendo em mira, por uma ênfase cuidadosa nos
segmentos mais competitivos, tornar possível uma modernização efe-
tiva do campo; e, o segundo, regionalizar este processo de desobstrução,
sem perder de vista a ênfase nos segmentos mais capazes de propiciar
uma integração efetiva aos núcleos hegemônicos do capital.
Não se pode dissociar o PNRA do Estatuto da Terra, isto por diver-
sas razões. Vamos prender-nos aqui a algumas delas, em função do

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  109
objetivo do próprio texto. Partimos do pressuposto de que uma refor-
ma agrária que pretendesse ir além do simples ajuste setorial ou regio-
nal, teria de ter um cunho nacional. E de que, no caso, tanto do ET
como do PNRA, nem por sua abrangência nem por sua profundidade
pode-se afirmar que tenham sido ambas, rigorosamente, propostas
nacionais de cunho transformador. Por outro lado, apesar de se arvo-
rarem o tempo inteiro de reformistas, no próprio processo de sua
implementação se descaracterizam totalmente, como se não preten-
dessem de fato se tornar o que insistiam em difundir como seu ima-
ginário. Em relação à sua amplitude, nenhum desses projetos conse-
guiu tornar-se nacional e, desse modo, se viabilizar regionalmente,
numa demonstração cabal de que outros eram seus objetivos e das
forças que, em tese, podiam ter-lhe dado sustentação.
As circunstâncias em que foram elaboradas são distintas, mas
seus fundamentos nem tanto. O Estatuto da Terra não passou de alian-
ça firmada de modo conveniente entre forças contra-reformistas, e
uma tentativa de legitimar um regime autoritário no seu nascedouro.
Não foi, nem nunca foi anunciado como uma reforma agrária, assim
como parecia estar na cabeça de seus principais idealizadores. Poder-
se-ia tomá-lo como tentativa de ajuste do campo a uma nova tendên-
cia do capital, amparado numa retórica reformista, nada mais do que
isso. Mesmo quando pretendeu ensaiar passos reformistas, não foi
muito além de instrumento de consolo das elites fundiárias, ao con-
templar, no conjunto das medidas preconizadas, fundamentalmen-
te, os interesses de grandes proprietários e empresários rurais, utili-
zando a perspectiva modernizadora como meio para consolidar os
mais antigos vícios de dominação das grandes oligarquias brasileiras.
No caso do PNRA, a orientação não foi distinta. Pequenas dife-
renças, quando existem, são talvez resultantes do próprio contexto
em que foi elaborado, e de ter sido proposto como medida com caráter
explicitamente reformista. Foram determinantes nesse sentido a que-
da da ditadura militar e a emergência de um novo governo civil, esco-
lhido por um colégio eleitoral, ainda sob os auspícios do velho regi-
me, portanto fracamente legitimado, diante das fortes pressões à altura,
contra a ditadura e por eleições diretas. Como presidente escolhido
indiretamente, e ex-membro da própria ditadura, o caminho natural
do novo preposto civil, o ex-líder da Arena José Sarney, foi construir
pontes para a sua legitimação. Nesse momento, ante as pressões do

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110  N E L S O N D E O L I V E I R A
movimento popular por reforma agrária, o caminho escolhido pelo
novo governo foi então defendê-la abertamente como prioridade go-
vernamental. A história se repetia. A mesma estrada que teria condu-
zido ao Estatuto da Terra, também conduziu ao PNRA.
Independente de qual tenha sido a motivação política, ambas as
propostas partem de um anseio que parece generalizado e procuram
antecipar-se aos seus prováveis desdobramentos. O governo recém-
empossado da chamada Nova República transforma o Congresso da
Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura),
que então se realizava, em palco no qual desfila seus compromissos
com alterações na situação fundiária. Praticamente aí é que lança o
PNRA, ainda em esboço por técnicos e assessores diversos, alguns
deles já participantes do anterior Estatuto da Terra. Não somente téc-
nicos, mas o que passa a ser moda desde então, com a participação da
sociedade civil. O governo não pretendia perder tempo, podia-lhe
custar caro: o tempo de sua difícil legitimação. O custo maior era
refazer a cara da ditadura: reconfigurar o antigo regime como demo-
crático, e convencer uma população desconfiada de que isto era ver-
dadeiro. Daí as inúmeras ambigüidades. Para técnicos e diversos inte-
lectuais envolvidos na proposta reformar tinha um significado distinto
do que aparentava ter para membros mais influentes do staff governa-
mental, novamente levantando-se a velha problemática: uma refor-
ma para os incluídos ou para os excluídos? Esta passava a ser uma
preocupação cada vez maior. Reformar como passo para um refazer
dos caminhos ou para incorporação passiva de não integrados aos ca-
minhos já construídos? As lutas nem sempre procuram dar respostas.
Do ponto de vista dos trabalhadores do campo em geral, uma
reforma só se podia configurar como tal se fosse transformada numa
via para a integração dos excluídos. Mas nada disso ficava bem escla-
recido, muito pouco se distinguindo da retórica dos seus intelectuais
e do próprio governo. Em meio a esse turbilhão de ambigüidades,
passa a predominar um grande vazio. O movimento impõe-se a qual-
quer projeto, e os projetos dissociam-se do movimento. As lutas pare-
cem esgotar-se em si mesmas. A proposta de reformar o campo é
limitada a aspectos exclusivamente fundiários. A partir de seus prin-
cipais instrumentos, e da forma como a luta era encaminhada, pouco
se podia vislumbrar como possibilidade de articulação entre os anseios
dos trabalhadores do campo e das classes trabalhadoras urbanas. Cada

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ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  111
vez mais ficava-se entre uma política de ajuste fundiário e uma políti-
ca social. Esta indefinição contribuía para abrir fendas sempre maio-
res no Projeto, aprofundadas e ampliadas a cada momento. A trans-
formação da reforma numa mera proposta de assentamento rural foi
uma delas; outra, foi sua regionalização. Ambas destoam de qualquer
aceno de transformação mais profunda nas relações sociais, aproxi-
mando-se bem mais dos acenos oficiais de ajustar a realidade do cam-
po, a partir de suas especificidades locais ou regionais, aos núcleos
dinâmicos do capital, do que transformá-las.
A implementação de programas regionais de reforma agrária, ao
lado da prioridade conferida aos assentamentos rurais, como uma
das prioridades do PNRA, foi mais do que um modo de assumir as
diferenças como fundamento estratégico. Foi a maneira de destituir a
totalidade estrutural como alvo de uma transformação, que termina-
ria assim por se isolar mediante a ênfase em medidas tópicas e desar-
ticuladas de objetivos mais profundos. A ênfase no regional serviu,
portanto, como meio para o mascaramento das reformas estruturais
e como argumento pouco sólido, mas muitas vezes convincentes, da
contra-reforma. Os mais diversos sentidos da reforma, a partir daí,
baseiam-se em tentativas de reorientar suas perspectivas estratégicas.
A alegação para a regionalização e para as políticas de assentamento
em geral fundava-se nos mesmos pressupostos de que a questão da
terra não se confundia com uma questão agrária, porque a agricultura
já se articulara, desde muito, às tendências mais modernas do capital;
e que, portanto, nada disso contribuía para que a questão da terra fosse
vista como uma questão nacional, resumindo-se a política reformista
às demandas de funcionalização da agricultura às necessidades do
próprio capital. Uma questão nacional, se existia, resumia-se à neces-
sidade de apaziguamento dos conflitos reais e potenciais de classe, no
caso, à contenção da radicalidade das lutas sociais. Daí a expressão
maior ou menor das diversas regiões. Como era admitido que a ques-
tão agrária já havia sido resolvida no centro-sul do País, restava, me-
diante a regionalização da reforma, resolvê-la nos demais espaços,
como norte-nordeste, sul e centro-oeste. A política era de contra-
insurgência. Procura-se ganhar tempo, à medida que se procura esvaziá-
la. E nada melhor para esvaziar um projeto do que construí-lo de
forma ambígua, sem definição mais clara de seus objetivos, assim
como vinha sendo efetuado desde a edição da Lei de Terras de 1850.

02 Fábio cap. 2.p65 111 25/9/2009, 16:55


aqui

112  NELSON DE OLIVEIRA

Contra-reforma em transe neoliberal

Quando o PNRA foi lançado oficialmente, ao lado de tantas ex-


pectativas de que algo de novo emergia de fato, enfrentava-se um dos
períodos mais turbulentos da nossa história recente, demarcado por
um quadro de crise que se alastrava por todos os poros da sociedade.
Foi um período demarcado pela imposição de programas de ajuste
estrutural em toda a América Latina, sob a égide do Banco Mundial e
do FMI, destacando-se a ressurreição deste último, após anos de ma-
rasmo e de insignificância regulatória. Valendo-se da situação vivida
pelo conjunto dos países latino-americanos, entre eles o Brasil, con-
dições bastante rígidas de ajuste passaram a ser impostos aos referidos
países, altamente endividados e sem condições de cumprir seus com-
promissos com a finança internacional. Para o Banco Mundial, as-
sim como para o FMI, a liberação dos mercados assumia nesse mo-
mento papel primordial no ajuste estrutural desses países, e passa a se
transformar no eixo fundamental das condicionalidades impostas
para a reintegração dos referidos países nos mercados financeiros
globais. A rigidez das imposições torna-se uma norma. A abertura
indiscriminada das contas mercadoria e capital não só se tornam
exigência como passam a ser assimiladas cada vez mais como ne-
cessidade pelos responsáveis, em âmbito ministerial, pela política
econômica. Forja-se uma nova realidade em países como Brasil, Ar-
gentina ou Uruguai, em que políticas nacionais se confundem com
políticas de ajuste e estabilização sob a ótica predominante de seus
principais credores.
Os anos 1990 foram definitivos. Entre Collor/Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso, desenha-se um quadro de submissão
aos organismos financeiros que, se não são tão peculiares às respecti-
vas gestões, contribuem para anunciar uma nova perspectiva de ajus-
te passivo e de submissão à vontade declarada dos organismos finan-
ceiros. A situação não era nova, pois já vinha desenhando-se desde
pelo menos os anos 1980. Mas a conjuntura era bem outra. Em rela-
ção mais concretamente ao Brasil, no início da Nova República, so-
bretudo após a moratória técnica do governo Sarney, as exigências
ainda não eram tão acentuadas, sob nítida influência da própria con-
juntura de transição. Até mesmo porque não estava muito claro o que

02 Fábio cap. 2.p65 112 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  113
poderia vir a acontecer. De fato ninguém sabia ao certo qual a nature-
za da “transição democrática”. As dúvidas estimulavam a “sabedoria
política”, contornando-se qualquer possibilidade de conflito mais
agudo na busca de alternativas. As lutas sociais apontavam várias pos-
sibilidades e direções, aguçando assim as incertezas quanto ao futuro.
Isto talvez explique a limitada ofensiva dos organismos financeiros
na circunstância, nada disso significando que tivesse deixado de in-
tervir. Ressaltam apenas os cuidados que derivavam das incertezas. A
habilidade exigida era muito grande, em se tratando de fazer retornar
aos eixos uma periferia que, em certos momentos, parecia almejar
uma certa autonomia decisória.
Claro, o Brasil não era qualquer periferia. Não apenas pelo volu-
me de investimentos aqui efetuados pelas grandes empresas multi-
nacionais, mas, sobretudo, pelo tamanho da sua dívida externa. A
dívida, pelo seu elevado montante, ameaçava a saúde e a estabilidade
das finanças internacionais. Portanto, todo cuidado era pouco. A mo-
ratória técnica de 1987 deixara um rastro de preocupação. Havia sem-
pre uma possibilidade de que o exercício da soberania fosse exercido.
Pondera-se a implicação de tomadas de decisão soberanas dos Esta-
dos nacionais, em relação aos organismos financeiros e de regulação
internacionais, sobre a continuidade do ciclo de valorização dos capi-
tais. Daí a cautela, sempre acompanhada de uma busca das formas
mais adequadas e convenientes aos interesses da finança internacio-
nal de resolver a situação. Talvez por isso se verifique um certo atraso
do Brasil, quando comparado aos demais países do Cone Sul, por
exemplo, no tocante à adoção de políticas de ajuste estrutural. Temia-
se a implicação de uma moratória em cadeia. De qualquer modo, o
acesso do País ao circuito financeiro internacional havia sido pratica-
mente cortado, limitado a alguns poucos já contratados anteriormen-
te. Era parte de uma represália branda e, ao mesmo tempo, natural-
mente, um aviso. A decisão não poderia ser bem-vista, nem muito
menos aceita. Nada, porém, sinalizou para uma radicalização de po-
sições. É sintomático que o Banco Mundial não deixa de operar no
País, e que, de forma limitada, tenha mantido os seus compromissos,
como organismo financiador, praticamente inalterados.
No tocante às políticas agrárias, as suas repercussões foram, de
fato, bastante sensíveis, não só pelo ângulo do financiamento como
das novas facetas da reestruturação dos mecanismos regulatórios até

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114  N E L S O N D E O L I V E I R A
então em curso. Desde muito, essas imposições já eram notórias. Já se
faziam sentir nas alterações promovidas em programas como o Po-
lonordeste, refletindo os interesses do Banco Mundial. A criação do
PDSFN (Programa de Desenvolvimento do Sistema Fundiário Nacio-
nal), para além de qualquer influência dos militares na sua criação, já
refletira uma estratégia contra-reformista dos próprios organismos
financeiros internacionais, não apenas do Banco Mundial.26 Mas foi
sobretudo este que durante o período mais atuou para instituir ele-
mentos de contra-reforma a cada momento em que pressentia qual-
quer indício de avanço da idéia reformista. Como instituição finan-
ceira não via — e não podia ver mesmo — como politicamente saudável
qualquer avanço nessa direção, utilizando toda a sua capacidade de
intervir para anular no nascedouro qualquer intento que assumisse a
bandeira da reforma fora dos marcos sistêmicos estabelecidos.
De início, procura atuar nas franjas como um coadjuvante, mas
aos poucos vai impondo-se nas discussões, introduzindo os elemen-
tos que considera mais relevantes para que as políticas voltadas para o
campo pudessem vir a contar com seu apoio. Ter seu apoio, nesse
momento, era o passo fundamental para a viabilidade de projetos de
reforma que tinham o aval do governo. Foi assim que durante e após
os anos 1990, aproveitando-se das fragilidades estruturais de um país
altamente endividado, buscando construir diques de contenção con-
tra os movimentos sociais que lutavam pela terra, que o Banco passou
a introjetar paulatinamente sua visão como dominante. Suas consul-
torias tornam-se cada vez mais eixos ideológicos de uma nova cons-
trução que passa a se impor às já existentes, carregando consigo as
mais distintas camadas de intelectuais que, de um modo ou de outro,
tinham no campo seu objeto principal de estudo. Sob a ótica desses
consultores não parecia haver dúvida de que era necessário dar um
novo significado à política agrária. Para estes, nada poderia ser mais
contraproducente à altura do que insistir em velhos discursos. Isso
não queria dizer negar em princípio a reforma, mas reformá-la signi-
ficativamente, qual seja, reorientar seus fundamentos de tal modo
a adaptá-la às necessidades do presente.
O que se exige é uma mescla, segundo entendem, de projeto para
excluídos com uma proposta que atente prioritariamente para o mer-
cado. A questão passa a ser, portanto, bem outra, já que nenhuma
reforma podia configurar-se como tal se se eximisse da integração nas

02 Fábio cap. 2.p65 114 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  115
demandas do mercado de competitividade e eficiência. Uma reforma
descolada da lógica estritamente mercantil, mas do que um desperdí-
cio, era um puro contra-senso. No caso, para o Banco Mundial e para
seus consultores nacionais, o momento estava a exigir uma reforma
no campo que não se descolasse das reformas gerais em curso, envol-
vendo desde a abertura de mercados às privatizações, comprometidas
com a reintegração do País aos circuitos financeiros internacionais.
O mercado torna-se um imperativo, e a reforma agrária não um passo
no caminho de prováveis rupturas estruturais, mas dos ajustes neces-
sários para a plena integração setorial. Só assim se podia justificá-la.
Quase todas as organizações que tratam da reforma, direta ou indire-
tamente, passaram a assumir esse desiderato. Todas passaram a as-
sumir como fatal, acriticamente, a identificação entre reforma e mer-
cado, como se uma sem o outro não pudesse mesmo existir ou
funcionar. Assumem, mas sentem o peso da decisão, pela ampla con-
fusão que passou a predominar. A confusão não atingiu apenas as
chamadas organizações da sociedade civil. Até mesmo os técnicos
encarregados da implementação das propostas oficiais em andamen-
to desde cedo passaram a sentir o impacto das novas exigências, mes-
mo que fingindo, muitas vezes, desconhecê-las. O financiamento da
reforma provinha em grande parte de instituições que não tinham
nenhum interesse em alterar a correlação entre as forças dominantes
no campo, apenas voltadas para a modernização das relações técnico-
produtivas.
O PNRA esvai-se, assim, premido por uma dupla falta: de recur-
sos e de fundamentos. Por meio das instituições financeiras e respal-
dando-se nas novas visões de integração competitiva, buscam-se ou-
tros caminhos. O mais importante passa a ser influenciar condutas e,
quem sabe, ganhar as próprias cabeças, valendo-se, à altura, de uma
possível fragilização ou fragmentação do movimento social. O signi-
ficado da nova proposta é muito claro: criar produtores competitivos
e integrados à lógica dos mercados mundiais. As condições que propi-
ciam essa influência refletem a dependência dos projetos de reforma,
ou dos projetos de assentamento, dos mercados financeiros e do Ban-
co Mundial como um de seus mais importantes instrumentos de
regulação. Exigências dos organismos financiadores, não somente do
Banco Mundial como do Fundo Monetário Internacional, centradas
na liberação das economias nacionais como condição para a sua rein-

02 Fábio cap. 2.p65 115 25/9/2009, 16:55


116  N E L S O N D E O L I V E I R A
tegração aos mercados, refazem percursos até então seguidos e agra-
vam a problemática estrutural. Mas são encaradas como uma necessi-
dade improrrogável. Após o Plano Real o que se pôde observar foi um
abandono de qualquer projeto de sociedade que ultrapassasse a di-
mensão de mercado. Só passa a ser societário o que se enquadra nas
exigências mercantis.
Os resultados do Plano Real comprometem e agravam a dívida
pública nacional. O orçamento é engessado e compromete a mínima
autonomia da política pública. Nada disso, porém, abala a certeza dos
que o tomavam como uma “necessidade histórica” do ajuste nacio-
nal. Os membros da equipe econômica do governo Fernando Henri-
que tornam-se os novos heróis de um neoliberalismo que queria
levar todos ao altar da modernidade enfim conquistada. Pouco im-
portava o que havia de real no Plano Real. Mais importante era a
imagem que vinha sendo construída e até certo ponto aceita por gran-
de parte da população. Refletindo pela ótica agrária, as conseqüências
serão tão dramáticas como sob as outras óticas do emprego, da renda,
dos direitos sociais, do crescimento da miséria e do aprofundamento
da marginalidade social. Deve ser acrescentado apenas que, no caso
da reforma agrária, parece ser clara a decisão de torná-la um anacro-
nismo que devia ser definitivamente extirpado, atestando o interesse
maior de excluir qualquer expectativa de ruptura estrutural — ainda
presente nas discussões sobre questão agrária — do conjunto de mu-
danças promovidas numa sociedade que sempre teve na agricultura o
paradigma de atraso mas, também, de resistência.27 A inexistência de
sobras orçamentárias para a reforma agrária denota seu isolamento
maior como projeto estrutural ou como uma necessidade social. O
governo demonstra que não a considera uma prioridade estratégica e
passa a responsabilidade de garantir até mesmo as mínimas condi-
ções de funcionamento dos projetos em curso para os organismos
financeiros internacionais. Com isso, se não dá um tiro de misericór-
dia nas expectativas reformistas — pois a reforma se coloca muito
além do simples interesse imediato dos governos — a recondiciona
segundo uma lógica muito precisa. A lógica agora é a competitiva,
devendo-se reconstruir o próprio significado da solidariedade embu-
tida no projeto em algum momento.
Reformar passa a ser criar as condições para o surgimento de ven-
cedores.28 Nada mais do que isso interessava aos novos reformadores.

02 Fábio cap. 2.p65 116 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  117
Aplicar recursos no campo, em assentamentos ou não, implica a acei-
tação das condições impostas pelo organismo financiador. Os movi-
mentos sociais não encontram a forma mais adequada de reação. Eles
também precisam desses recursos. A profissionalização dos movi-
mentos sociais quebra um pouco o ímpeto de autonomia que sempre
pretenderam demonstrar. Até mesmo estes passam, por carência não
somente de recursos financeiros, mas muitas vezes por convicção, a
reproduzir uma ideologia que mesmo resistindo a tomá-la como uma
verdade, não deixam de encará-la como uma necessidade (de quem?).
Mais do que um paradoxo, este passa a ser um dilema que não deixa de
refletir a difícil construção da reforma como uma proposta unificada
de cunho estruturante.
Havia esperanças de que o governo Lula, eleito em 2002, embar-
casse nas esperanças das massas de trabalhadores rurais. Mas este,
desde que eleito, tampouco priorizou esse compromisso. A ideologia
de griffe do Banco Mundial contaminou o novo governo, de modo tal
que o tornasse cada vez mais distante de uma proposta de mudança e
próximo do ideal de modernizar as estruturas que pudessem dar con-
ta das mais prementes necessidades do País: pagar dívidas e assegurar
a sua condição de cumpridor fiel dos compromissos internacionais.
A contra-reforma ganha um novo tentáculo nas condições de eficiên-
cia que passam a ser exigidas dos pequenos produtores. Reforma con-
funde-se com produtividade mais elevada, cuja face mais sensível é o
agronegócio. É sensível o afastamento definitivo dos princípios fun-
dadores de um reformismo fundante de uma novidade estrutural e a
aproximação do pragmatismo que, diga-se, não se limita ao governo,
mas aos próprios assessores de áreas onde já existem produtores as-
sentados. O discurso do crédito ou da cesta básica unifica os de baixo
e o da eficiência e produtividade, aliado à integração competitiva os
de cima. Uns afinados com a resistência, outros com a evolução, cujos
elos o governo não deixa de perceber: o desvio da reforma de seu
potencial como fonte de ruptura com os históricos mecanismos de
desarticulação social.

Reflexões finais

Alguns aspectos podem ser ressaltados de tudo que foi tratado


aqui neste ensaio. Não significa, contudo, que se possa tomar o desta-

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118  N E L S O N D E O L I V E I R A
que como uma conclusão. Parte-se, no entanto, de que qualquer dis-
cussão que procure cingir-se aos limites da existência ou não de uma
questão agrária no País, não se trata de algo mais do que puro engodo
ou tentativa de mascarar os dramas de uma totalidade setorialmente
estruturada pelo capital; e de que a crise do reformismo agrário reflete
a sua assunção como mecanismo puramente funcional às necessida-
des do capital, ao invés de ponto de partida para a sua própria supera-
ção. Trata-se de equívoco que se repete historicamente, limitar o esco-
po de uma ação reformista ao âmbito de uma necessidade conjuntu-
ral. Foi isso que levou a que, cada vez mais, planos de reforma se-
jam confundidos com planos de ajuste conjuntural. Disso decorre a
necessidade de que sejam precisos e fundados o entendimento de
sua necessidade. O pragmatismo tende a tomar conta de tudo e de
todos quando se perde de vista uma perspectiva de transformação que
esteja baseada em argumentos concretos. Os riscos, neste caso, são
muito grandes, sobretudo de isolamento de toda e qualquer perspec-
tiva que aponte para uma necessidade de ruptura com a ordem
estabelecida.
A forma histórica de isolar a reforma de seus desideratos mais
profundos e transformadores foi a de submetê-la às normas restriti-
vas legais, antes mesmo que ela alcançasse status de necessidade real
das classes que trabalhavam a terra. Uma reforma funcional às neces-
sidades do capital seguiu dois rumos não excludentes entre si: o da
funcionalização do agro e o de seu isolamento. Ambos acentuam a
defesa da propriedade como objetivo maior e a setorialização como
condição para uma efetiva articulação socioprodutiva à dinâmica do
capital. No fundamental, qualquer que tenha sido a alternativa utili-
zada, o resultado foi sempre o mesmo: o isolamento dos trabalhado-
res pobres de qualquer possibilidade de construir um projeto que
tivesse a cara das suas necessidades. Os mecanismos foram diversos,
de natureza política ou ideológica, mas, de qualquer modo, foram e
têm sido relativamente efetivos. Basta observar a “pujança capitalis-
ta” do agronegócio, de um lado, e a miséria dos acampamentos à
beira das estradas, de outro.
A naturalidade com que se assimila ambas as facetas desse con-
tra-reformismo chega a ser surpreendente. Essa fácil assimilação não
deixa de ser um reflexo do isolamento histórico de uma reforma que
se desprendeu da posição de crítica da totalidade do capital, para se

02 Fábio cap. 2.p65 118 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  119
firmar no papel de coadjuvante em funções meramente reprodutivas
ou de legitimação social. A persistente miséria social dos campos e o
seu rebatimento nas formas atuais de urbanização selvagem foram a
resposta mais fiel ao silêncio diante dos mecanismos que nas últimas
décadas reforçaram visivelmente esse dualismo: o corte estratégico
entre políticas agrícolas para ricos e políticas agrárias — sempre
desconectadas de projetos — para pobres.
O corte entre políticas agrícolas e políticas agrárias foi, de fato,
um dos componentes mais sensíveis dessa nossa miséria histórica.
Até porque se podemos facilmente compreender o significado da
política agrícola, pelo sem-número de incentivos creditícios ou fis-
cais, técnicos e de mercado, nunca foi suficientemente claro o signi-
ficado da política agrária. Tudo isso sempre foi muito escamoteado.
Na realidade, a confusão entre ambas foi, e tem sido, bastante funcio-
nal ao predomínio e eficácia do conjunto de medidas aqui considera-
das eixos da contra-reforma agrária no País e de sustentação ideoló-
gica do anti-reformismo do conjunto das suas elites, plenamente
satisfeitas com os rumos e sinalizações de uma estratégia cujo eixo era
bem delimitado: aos ricos, incentivos materiais, e aos pobres, políti-
cas sociais de acomodação estrutural.
As propostas atualmente provenientes dos organismos financei-
ros internacionais chegam até a ir além, qual seja, partir da exclusão
como uma decorrência da incapacidade de integração, e construir
instrumentos que ensejem uma seleção dos mais competentes entre
estes. O objetivo é claro: apoiá-los na medida em que seja viável a sua
transformação individual ou como categoria social em produtores
competitivos nos mercados nacionais e internacionais. As diferen-
ças, contudo, não são muito sensíveis. As vias contra-reformistas do
novo reformismo perpassam o ajuste, mediante a seleção dos mais
aptos às demandas de mercado, cujo modelo é o agronegócio de ex-
portação, referencial para todas as propostas voltadas para a acomo-
dação do campo às novas tendências estruturais. Aproximar os peque-
nos da ideologia competitiva que brota dos negócios agrícolas não
apenas expressa uma confusão, mas se trata de uma impossibilidade
real: de tornar a reforma um passo até um capitalismo democrático,
ou melhor, a contra-reforma numa alternativa de acomodação das
forças sociais, isso considerando o ímpeto ainda demonstrado pelas
lutas de classe no campo.

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120  N E L S O N D E O L I V E I R A
Mais recentemente, em meios acadêmicos ou jornalísticos, as
questões levantadas passaram a se referir muito mais à oportunidade
da proposta do que à sua atualidade, desdenhando uns a problemática
e/ou desandando-a outros para âmbitos estritamente conjunturais;
como se a persistência de uma estrutura social anacrônica, revelada
na excessiva concentração fundiária, pudesse funcionar como uma
denúncia das implicações de sua ausência ou, por outro, o capitalis-
mo agrário moderno ou dinâmico-exportador pudesse ser conside-
rado uma apoteose: uma clara demonstração de sua total inutilida-
de. Nem sempre, porém, a natureza concreta, política e histórica, das
divergências chegou a ser aprofundada, como se estas pudessem li-
mitar-se à necessidade de corrigir os efeitos de políticas — ou não-
políticas — agrárias equivocadas do passado ou de, apenas, reinven-
tá-la ou reconstruí-la como significado. Assim como disposta, a
problemática revela-se parcial e insuficiente, por pelo menos duas
razões que, como apresentadas, tendem a revelar-se amplamente in-
consistentes, a saber: por tomar como fundamento da reforma agrá-
ria a atualização das relações sociais no campo, como se toda a
problemática da reforma se limitasse à superação de um determina-
do anacronismo, dada a sua repercussão negativa sobre a situação
social de parcela expressiva de trabalhadores e pequenos produtores
rurais; ou, por descaracterizar a reforma agrária como simplesmente
algo descartável — carente de uma reinvenção —, em função das
circunstâncias atuais de modernização intensiva do capital, como se
o próprio anacronismo não tivesse desempenhado qualquer impedi-
mento ou tivesse, até mesmo, sido funcional ao referido processo de
modernização.
Ora, em que pesem os descaminhos e acertos já apontados por
diversos grupos de avaliadores, uma reforma agrária não conseguiu
até aqui firmar-se no Brasil como uma alternativa de transformação
social, nem mesmo quando o País começou a transitar na direção das
suas etapas mais características de modernização capitalista. Ela mais
soou como uma proposta de ajuste e de inclusão social de determina-
das camadas sociais a um — ou num — determinado modelo de
acumulação, na maioria das vezes de forma passiva e determinada, do
que qualquer outra coisa, ainda por cima marcada por ambigüidades
diversas e pela falta de qualquer unanimidade entre os seus diversos
postulantes. Mas foi assim que chegou a se tornar eixo fundamental

02 Fábio cap. 2.p65 120 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  121
de uma problemática que esteve e continua a estar no centro dessa
confusa definição hegemônica que demarca a constituição do Estado
brasileiro, pela própria geléia geral em que se foi tornando o universo
das classes e das instituições, e pelo significado muito pouco preciso,
na maioria das vezes, de uma luta por transformação social.

Notas
1
Impressiona, no caso, como os grandes conflitos que aqui grassaram
desde a fase colonial vinham tendo como pano de fundo não a proble-
mática da terra, como se esta não existisse, mas interesses contrariados
de certos grupamentos vinculados a um incipiente capital comercial.
Pode-se tomar como exemplo, as revoltas em Pernambuco, no Maranhão
ou no Pará, na primeira metade do século XIX, para não citar outras mais
significativas. Em todas elas foi predominante o silêncio em relação à
existência de uma questão de natureza fundiária, com ressalva apenas
para seus interesses contrariados.
2
A estratégia dominante dos conservadores do Império e dos novos
republicanos foi silenciar sobre as principais implicações de um refor-
ma institucional no País. Os discursos parlamentares de Joaquim Nabuco
revelam a habilidade de uma figura importante do período, preocupada
com as mudanças no mundo e a adaptação do País à modernidade do
capital, cujo tipo-ideal eram os Estados Unidos da América, mas que
nem sequer se referia à reforma agrária quando tratava de reformas,
mesmo quando se mostrava arredio à aceitação da escravidão. É certo que
chega a suspeitar da relação entre uma coisa — a grande propriedade —
e outra — a escravidão —, mas prefere vislumbrar na descentralização
do poder, com o fim da escravidão, a condição para uma modernização
efetiva do país, uma modernização que, ressalte-se, prescindia de qual-
quer reforma que se traduzisse numa alteração dos critérios de apropri-
ação fundiária. A modernização da grande propriedade estava à frente
de qualquer proposta de seu desmonte estrutural. Ver Nabuco (1949).
3
O discurso em defesa da racionalidade, como exposto por André
Rebouças, por volta da segunda metade do século XIX, amigo e corres-
pondente de Joaquim Nabuco, faz parte desse conjunto de iniciativas
não tão disseminadas. De qualquer modo, foi pioneiro na defesa da
centralização como condição para a eficiência, criticando a grande pro-
priedade escravocrata, por ineficiência, defendendo a divisão da grande
propriedade em pequenas explorações nucleadas por uma fazenda cen-
tral. Para ele, “[. . .] o princípio da centralização agrícola se transformará
em princípio da centralização industrial [. . .]” (Rebouças, 1883, p. 6).
4
Não é de pouca importância o fato de, no momento em que o
ocorre a segunda revolução tecnológica, no segundo quartel do século
XIX, crise que assume perfil característicos de uma crise de preço em
virtude da superoferta de alimentos, o Brasil encontrava-se ainda sob a
dominação de relações escravocratas.

02 Fábio cap. 2.p65 121 25/9/2009, 16:55


122  NELSON DE OLIVEIRA
5
Esse aparente cosmopolitismo funcionava como verniz civiliza-
tório pelas elites brasileiras, muito distantes de qualquer compreensão
mais ampla de construção nacional. Ao contrário do que já compreen-
diam até mesmo certos espíritos mais esclarecidos da burguesia mun-
dial, as elites brasileiras não viam nenhum sentido na incorporação de
qualquer fragmento do popular num projeto nacional. A nação das eli-
tes fundiárias estava longe de qualquer interesse numa fusão dos inte-
resses, nem o consideraram estratégico em nenhum momento, nem
mesmo taticamente.
6
Uma diferença provável entre os conceitos de bloco histórico e de
desarticulação social perpassa a questão decisiva da construção da
hegemonia. Pois se em Gramsci o bloco histórico pressupõe uma deter-
minada consolidação hegemônica, de uma classe ou de uma aliança de
classes, no caso da desarticulação social não. Aqui as hegemonias não
são construídas facilmente, são sempre instáveis, quase nunca despon-
tando alianças de classe que possam redundar na construção de um
bloco coeso, assim como se imagina ter ocorrido em economias capita-
listas, social e setorialmente articuladas da Europa. Para uma conceitua-
ção diferenciada de economias socialmente e setorialmente articuladas
e desarticuladas, ver Janvry (1981).
7
Dúvidas que não perpassavam apenas problemáticas de natureza
estrutural, mas sobretudo acerca da conveniência política para as classes
que mantinham controle quase absoluto sobre os processos produtivos.
8
O hibridismo da política européia não pode ser tomado como
generalizado. Há consenso, no entanto, de que prevaleceu nessa região,
como modelo de política agrária, a seletividade dos agricultores. Para
Claude Faure, “A política de seleção dos agricultores considerados mais
aptos e de eliminação dos demais, tem sido comum a todos os países da
Europa Ocidental, e se constituído um dos princípios da PAC. Mas” —
ressalta — “nem todos os países as têm adotado com o mesmo vigor”
(Faure, 1988, p. 185).
9
Retornando ao argumento de Claude Faure, referindo-se ao caso
da Europa Ocidental, durante o período de implantação da PAC, adota-
ram a mesma orientação ou foram tão vigorosos na defesa de uma mes-
ma orientação. As razões são, ao mesmo tempo, históricas e estruturais.
“A Itália, por exemplo, tem um setor de agricultores minifundistas tão
numeroso que se torna impossível planejar sua eliminação de forma
rápida. A Alemanha, por seu lado, protege a sobrevivência de um grande
número de explorações que em outro lugar seriam consideradas «não
viáveis», em nome de considerações complexas de equilíbrio político.
Os Países Baixos e Dinamarca, bem ao contrário, levaram muito longe a
política de seletividade dos produtores” (Faure, 1988, p. 185).
10
Autores simpáticos às teses conservadoras partem de que o ru-
ralismo seria virtuoso quando nos atemos à necessidade de união nacio-
nal. Na interpretação de Costa Porto (1985), numa defesa, mesmo do
coronelismo, todos os períodos em que verificou uma ascensão do capi-
tal comercial foram propensos à perda de unidade, assim como durante

02 Fábio cap. 2.p65 122 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  123
o período colonial. A fase imperial, sobretudo após 1831, recupera o
predomínio da agricultura sobre o comércio, portanto, mais propensa à
unidade. Sempre assim. O ruralismo é confundido com o domínio das
oligarquias agrárias, em tese mais nacionalistas, com todo o seu localis-
mo, tomado aqui como base de sustentação do nacional, tomando-se a
reforma agrária como ameaça, justamente por isso: por perturbar um
equilíbrio necessário à construção de um projeto de nação unificada.
11
Anacronismo que tem aqui um sentido dúbio. Pois tanto pode ser
uma proposta ultrapassada, já que o capital poderia ser realizado sem a
efetivação de reformas agrárias, como pode ser tomada, à luz das teses
mais conservadoras, como um comprometimento da unidade do País.
Assim, portanto, como uma ameaça à paz e à harmonia entre as “classes
produtoras”.
12
Talvez por isso seja considerada anacrônica a luta de diferentes
pequenos proprietários em defesa de sua condição de camponeses ou
pequenos produtores, estendido à defesa das diversas formas de proprie-
dade comunal e outras, direcionadas preferencialmente à defesa de di-
reitos ancestrais. Não apenas pelo sentido cultural e antropológico des-
sa resistência, mas porque pode comprometer a continuidade do ciclo
reprodutivo do capital. Assim como configurada, não se enquadra nos
pressupostos de uma luta reformista, já que atenta apenas para a preser-
vação ou manutenção de determinadas relações sociais, ou de um retor-
no que, se não ameaça nunca o sistema, insiste em contornar as suas
principais determinações.
13
No Brasil, até os anos 1960, só as organizações representativas
dos grandes produtores eram consideradas legais pelo Estado. A essa
resistência à incorporação dos pequenos como legítimos agricultores,
corresponde a própria concepção de agricultura, sempre relacionada às
atividades desenvolvidas no seio da grande propriedade.
14
À medida que o capital toma a dianteira dos processos produti-
vos na agricultura, pouco a pouco suas funções tendem a se restringir a
âmbitos bem-delimitados, tais como as funções de reserva industrial —
de mercado e de fornecimento de mão-de-obra barata, e de legitimação
política das formas de acumulação. A dinâmica de agroindustrialização
não esgota a necessidade de legitimação das diversas formas de mais-
valia — a exemplo da recuperação de diferentes modos de escravização
do trabalho no campo em pleno auge do progresso técnico —, como
uma forma determinada de contribuição do campo para o desenvolvi-
mento econômico. Nas palavras de dois sociólogos italianos, Giovanni
Mottura & Enrico Pugliese, “a causa aparente do atraso na agricultura na
sociedade capitalista consiste essencialmente em remanescentes institu-
cionais do passado que permanecem funcionais aos objetivos primários
do presente; objetivos que tanto podem ser socioeconômicos — desen-
volvimento da agricultura capitalista, criação de um exército industrial
de reserva — como ideológicos, a exemplo da difusão ideológica da
propriedade camponesa ou negação da proletarização” (Mottura & Pu-
gliese, 1980).

02 Fábio cap. 2.p65 123 25/9/2009, 16:55


124  NELSON DE OLIVEIRA
15
Enquadram-se aqui não somente clássicos como Guimarães
(1968), mas, também, produções mais recentes, de cunho teórico ou
avaliativo, como: Silva (1996), Romeiro et al (1994), Medeiros et al
(1994), Stédile (1994), entre outros.
16
Paradoxalmente, os que nunca a defenderam, foram os únicos
precisos, nas intenções e nas propostas, os menos ambíguos, que nunca
vacilaram em afirmar que a reforma era inoportuna e desnecessária,
numa postura de classe nítida, pois longe dos interesses de classe a
reforma não passava mesmo de mera palavra de ordem: de mero conso-
lo para derrotados e excluídos.
17
Na transição do governo de Floriano Peixoto para o de Prudente
de Morais, qualquer utopia significava um regresso, um retorno ao pas-
sado, e retorno ao passado não mais do que monarquismo. Esta teria
sido até mesmo a justificativa maior, do ponto de vista oficial, para a
repressão: a de fanatismo regressivo.
18
Eram firmas de capital norte-americano, contratadas para cons-
truir uma ferrovia, cujo contrato envolvia a exploração de madeiras. O
único resultado desse contrato foi uma violenta devastação florestal e
nada mais. Mas os agentes da ferrovia não se contentaram com a devas-
tação e com os negócios da madeira, interferindo na consecução de
projetos de colonização na região do Contestado, donde claramente
excluíam os antigos trabalhadores, migrantes de várias regiões do País,
em benefício daqueles oriundos de zonas européias.
19
Uma versão do conflito pode ser encontrada em Queiroz (1977).
20
É de notar que nem todo utopismo era condenado pela antiga mo-
narquia ou pelos novos republicanos. A abertura republicana para os co-
operativistas no Rio Grande do Sul, no mesmo período em que reprimia
as utopias do Conselheiro em Canudos, e sintomática; assim como tam-
bém, a postura do imperador Pedro II ante os fourieristas na península de
Saí em Santa Catarina. Sobre esta última experiência, ver Thiago (1995).
21
Clóvis Moura ressalta a importância dessa experiência de luta,
por ser a primeira em que se deu claramente, e por influência do antigo
PCB, um território livre, em que “grupos se organizavam em mutirões,
tanto para abrir novas frentes de posseiros como para guarnecer, através
de homens armados as terras conquistadas na luta” (Iocoi, apud Moura,
2000, p. 113). A luta pelo “território livre” de Trombas do Formoso
durou de 1948 a 1964, quando os camponeses foram derrotados pelas
forças da repressão da ditadura militar.
22
O tenentismo não chegou a ter uma proposta acabada de reforma
agrária. Mas chega a insinuar a sua necessidade como condição para a
democratização do País. Entenda-se aqui como democratização, a reali-
zação de eleições livres e limpas que, segundo alguns de seus próceres,
era impedida pela dominação que exercia o latifundiário sobre todos os
que viviam no seu entorno. Para uma visão esquemática do tenentismo,
ver Santa Rosa (1976). Para uma visão das conseqüências do latifundismo
sobre os processos de dominação, com ênfase no controle exercido pe-
los coronéis sobre o voto, ver Leal (1986).

02 Fábio cap. 2.p65 124 25/9/2009, 16:55


ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL  125
23
Ressalta, no caso, o intento de colonização na fronteira agrícola
do norte do País pela ditadura getulista, no auge do período repressivo.
A colonização funcionaria como uma fuga ao enfrentamento estrutural,
e como parte de uma resposta às aspirações por mudanças no sistema de
apropriação de terras. Era a contraparte da repressão mais estrita às rei-
vindicações.
24
Para uma visão esquemática da proposta da esquerda oficial do
PCB no período ver Vinhas (1972).
25
Comparando as lutas travadas em Formoso e seus objetivos com
os acontecimentos no Nordeste brasileiro, Clóvis Moura chega a afirmar
que os objetivos das Ligas ante os de Formoso não passavam de refor-
mismo, considerando, claro, o caráter revolucionário da experiência em
Goiás. Texto sintético sobre as Ligas Camponesas, mas bastante infor-
mativo é de Aued (1986). Há aí um esforço de enfatizar o papel do PCB
no processo de surgimento e estruturação das Ligas.
26
O programa mantinha-se fiel à política do general Figueiredo, de
retirar o foco das políticas de desapropriação por interesse social e centrá-
lo nas políticas de regularização fundiária. Esse redirecionamento do
foco da política conta com apoio explícito do Banco Mundial e passa a
soar como mais um engodo anti-reformista. Procura-se confundir uma
política reformista com política de regularização de terras.
27
Contrapartida evidente dessa visão dominante foi o esforço deli-
berado do ministério encarregado dos assuntos fundiários nessa gestão
de criminalizar abertamente os movimentos sociais de luta pela terra,
em especial o MST.
28
As novas diretrizes dos programas cédula da terra e, posterior-
mente, do Banco da Terra, ambos patrocinados pelo Banco Mundial, já
embutem essa necessidade, em mais um esforço contra-reformista.

02 Fábio cap. 2.p65 125 25/9/2009, 16:55


126  PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS

CAPÍTULO 3
AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO:
COMENTÁRIOS À LUZ DOS GOVERNOS DUTRA
(1946-1950) E CARDOSO (1994-2002)1

PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS

V
Á R I O S T E Ó R I C O S L I B E R A I S alegaram que experiências de inter-
venção estatal na América Latina, visando o desenvolvimento
industrial de economias agrárias exportadoras a partir da dé-
cada de 1930, resultaram de projetos “artificiais” liderados por políti-
cos populistas, elites predadoras de renda e ideólogos (sobretudo eco-
nomistas) movidos, no fundo, por interesses particulares.
Para políticos, o interesse da popularidade rápida e, sobretudo,
irresponsável; para empresários, lucratividade fácil, protegendo-se da
competição estrangeira e predando recursos públicos; para econo-
mistas, reputação, influência e cargos bem-remunerados no Leviathan
em expansão veloz, descontrolada e ineficiente.
Intervenção estatal, ideologia antiliberal, projeto “artificial” de
desenvolvimento. A suposição implícita dos críticos liberais desta
tríade é que eles, sim, conheceriam o curso “natural” de desenvolvi-
mento distorcido por essa conjunção de interesses escusos; pois é por
referência a um curso presumidamente “natural” de desenvolvimen-
to que a “estratégia artificial” é criticada.
A defesa do liberalismo nestes países periféricos, porém, enfren-
ta algumas aporias. Como saber qual o curso “natural” que deveria ter
sido seguido, caso interesses inconfessáveis não tivessem desviado
regiões inteiras do rumo correto?
Como este “reino da natureza” não foi experimentado historica-
mente, sua existência (metafísica) não poderia ser, ela sim, o produto
“artificial” da imaginação de teóricos liberais? Teóricos estes que,
126

03 Fábio cap. 3.p65 126 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  127
então, poderiam estar interessados menos em ciência (com base na
investigação empírica) e mais em critérios normativos para criticar a
realidade objetiva em defesa de reformas liberais? O recurso retórico
à metafísica do “estado de natureza”, aliás, não teve sempre intuito
político (às vezes revolucionário) através dos tempos?
Daí a indagar pelos interesses dos reformistas liberais vai um
passo: lutam por ideais metafísicos ou interesses menores? Daí a su-
gerir que economistas proponentes de reformas liberais possam ser
movidos pela busca (inconfessável) de reputação, influência e cargos
bem-remunerados no mesmo Leviathan, agora em crise e redefinição,
vai outro passo. Sem absorver o ônus da prova desta possibilidade
(nem absolvê-la), este capítulo tem por objetivo:
(1) apresentar a crítica de economistas liberais ao “artificialismo”
desenvolvimentista, e a maneira como buscam dar densidade “em-
pírica” ao presumido curso natural de desenvolvimento que poderia
ter sido seguido na América Latina, comparando-o com o caso “asiá-
tico”;
(2) discutir as experiências mais aproximadas e recentes de uma
“estratégia liberal” (pelo menos no que tange à abertura externa) no
caso brasileiro (governos Dutra e Cardoso); mostrando que a crise da
abertura pretendida de início não foi produto de uma “reviravolta
desenvolvimentista”, mas de uma crise cambial incontrolável e
indesejada, particularmente porque a oferta de financiamento exter-
no ficou aquém do esperado;
(3) apresentar os efeitos “naturais” da crise cambial sobre a dinâ-
mica de produção e investimento privado, induzindo processo de
substituição de importações para um desenvolvimento econômico
mais autárquico do que planejado pelos reformistas liberais; nesse
sentido, o elogio da substituição de importações que se seguiu à crise
da estratégia de abertura não resultou de uma preferência apriorística
pelo nacional contra o importado, mas do fato de reagir a um proble-
ma inescapável: a necessidade urgente de superar ou atenuar a crise
cambial;
(4) constatar e discutir por que o processo de substituição de
importações, que limitou a abertura externa no plano comercial, não
foi acompanhado de redefinição antiliberalizante semelhante no pla-
no financeiro, depois da crise cambial, uma vez que os governos in-
sistiram em obter os fluxos financeiros que acreditavam corresponder

03 Fábio cap. 3.p65 127 25/9/2009, 16:55


128  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
à sua adesão “crível” a um ambiente regulatório atraente ao capital
estrangeiro.
Assim, o capítulo pretende realçar outra aporia do liberalismo
periférico latino-americano: o fato de que, ao contrário do que ale-
gam vários economistas liberais, um curso de desenvolvimento eco-
nômico menos “autárquico” e mais “natural” (aberto de diferentes
maneiras à economia mundial) foi testado no Brasil em pelo menos
duas circunstâncias. E que, a despeito de sua pretensão de corresponder
ao “estado natural das coisas”, ele não se sustentou historicamente.
Sua crise, por sua vez, induziu “naturalmente” um estado de coi-
sas mais “autárquico” do que inicialmente pretendido pela opção li-
beral, por meio de alteração abrupta e indesejada da taxa de câmbio
ou da proteção comercial efetiva. Sobretudo depois que a crise cambial
pressionou o sistema de preços relativos e induziu a substituição de
importações, os governos procuraram colaborar retirando “gargalos”
que limitavam o “livre curso” da expansão induzida pela crise cambial.
Sem, porém, reverterem a abertura financeira inicial, embora enfren-
tassem crises econômicas e oposição política a esta opção liberal.
Não é difícil sugerir, a partir daí, que o projeto liberal era “artifi-
cial” e que a substituição de importações correspondeu a um curso de
desenvolvimento induzido “naturalmente” por crises históricas do
próprio projeto liberal. Este artigo, porém, não pretende assumir o
ônus deste argumento em geral, embora admita, com as qualificações
necessárias, que este pode ser o caso para as conjunturas históricas
analisadas.
O primeiro item, a seguir, resenha os argumentos liberais sobre o
desenvolvimento econômico latino-americano. O segundo item dis-
cute o governo Dutra e o terceiro, o governo Cardoso. O último item
faz considerações finais.

O padrão “natural” de desenvolvimento econômico

As crises monetárias e cambiais latino-americanas nos anos 1970


e 1980 foram explicadas por economistas liberais de um modo ine-
quívoco: resultariam da interferência estatal, exagerada, duradoura e
ineficiente, no mecanismo alocativo presumidamente eficiente re-
presentado pelos sinais de preços de mercado. Em novembro de 1989,
um amplo seminário promovido pelo Instituto de Economia Inter-

03 Fábio cap. 3.p65 128 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  129
nacional de Washington sistematizou críticas ao modelo de desen-
volvimento “autárquico” e “artificial” latino-americano, elaborou
propostas “consensuais” para superar o modelo e comparou casos
nacionais para avaliar o que vinha sendo feito para corrigir os “erros”
por meio de reformas liberais (J. Williamson, 1990).
As principais conclusões foram batizadas de Consenso de Wa-
shington e forneciam um conjunto de propostas de reforma liberal
(comerciais, financeiras, patrimoniais, fiscais, cambiais e monetá-
rias) para superar “erros” identificados. Estas propostas originavam-
se de diagnósticos liberais anteriores de que:
(1) as crises monetárias e cambiais (incluindo a crise da dívida)
que marcaram o esgotamento do “modelo autárquico de industriali-
zação” resultaram do acúmulo de “erros” de política econômica,
motivados por dogmas doutrinários ultrapassados e/ou atividades
políticas “predadoras de renda”;
(2) as crises seriam superadas por reformas e políticas “corretas”
que liberassem o sistema de preços para alocar recursos sem interfe-
rências errôneas.2
O argumento típico alega que o modelo de desenvolvimento
“autárquico” por substituição de importações industriais teria sido
idealizado previamente e perseguido politicamente. A intervenção
injustificada na eficiência alocativa do sistema de preços seria moti-
vada tanto por atividades políticas “predadoras de renda” quanto por
idealizações “artificiais”, “arbitrárias”, “antinaturais” a respeito do
desenvolvimento latino-americano. O objetivo alegado dessa inter-
venção seria desenvolver a indústria substitutiva de importações, mas
seu efeito prático era favorecer empresários ineficientes e prejudicar
consumidores de bens nacionais piores e mais caros do que os simi-
lares importados. Os instrumentos dessa intervenção fracassada eram
vários (incentivos fiscais e creditícios, sobrevalorização da moeda
local, altos níveis de proteção comercial), mas seu pior efeito não era
a transferência de rendas públicas, a curto prazo, para empresários
ineficientes e políticos corruptos.
Seu prejuízo mais duradouro seria a má alocação de recursos
privados gerada pela distorção “artificial” do sistema de preços. A
proteção estatal reduziria o escopo de produção/consumo afetado pelo
comércio exterior e pela disciplina de eficiência alocativa exigida,
induzindo realocações “artificiais” de recursos domésticos da produ-

03 Fábio cap. 3.p65 129 25/9/2009, 16:55


130  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
ção de bens exportáveis para produção de bens importáveis. Assim, tal
proteção afastaria a alocação de recursos da direção “naturalmente”
eficiente representada pelas vantagens locais, ou seja, iria desviá-la da
especialização “correta” na divisão internacional do trabalho por pro-
teger especializações “incorretas” e insustentáveis.
Embora a opção intervencionista pudesse provocar expansões a
curto prazo, ela teria fôlego curto. Em vez da opção natural de “take
the right prices as they are”, a tentativa artificial de “make prices as
whished”, além do limite do possível, seria contraproducente a mé-
dio prazo. Déficit público (induzido por populismo macroeconômico
e incentivos/desperdícios fiscais), ineficiência produtiva (por prote-
ção comercial) e manutenção de taxas de câmbio antiexportações
(pela fixação nominal ou condescendência com inflação) gerariam
tendência de déficit comercial e endividamento externo cumulativo,
agravando eventuais restrições de divisas que se pretenderam superar.
Uma hipótese central implícita ao argumento é a existência de
um caminho “natural” de desenvolvimento latino-americano que só
não foi seguido em razão da arbitrariedade dos grupos políticos e
técnicos que o rejeitaram. O argumento enfrenta uma aporia: definir
o que seria (ou teria sido) o desenvolvimento “natural” destas econo-
mias não é trivial e, à luz do que efetivamente ocorreu (um desenvolvi-
mento presumidamente antinatural), defini-lo não pode deixar de cons-
tituir um exercício contrafactual, recurso próximo do “artificialismo”
de que se quer afastar. Afinal, como o desenvolvimento “natural” não
foi experimentado historicamente, sua “existência” não poderia ser o
produto “artificial” da imaginação liberal (ou seja, ter apenas uma
existência “teórica”)?
Diante da dificuldade de superar esta aporia sem uma referência
externa à própria experiência latino-americana, os exercícios voltam-
se para a história comparativa: a experiência de desenvolvimento la-
tino-americana é posta defronte à experiência (estilizada) do Sudeste
Asiático. Os casos nacionais do Sudeste Asiático ilustrariam o ca-
minho “natural” que poderia ter sido percorrido pelos países lati-
no-americanos. Aqui, “arbitrariedade”; lá, “natureza”: os pares são e
podem ser os mais diversos (déficit público/equilíbrio fiscal; sobre-
valorização cambial/câmbio justo; inflação/responsabilidade mone-
tária; proteção redundante/proteção temporária, etc.), mas todos ser-
vindo ao dualismo artificialismo/naturalidade.

03 Fábio cap. 3.p65 130 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  131
A comparação é complicada pelo fato de que a experiência de
desenvolvimento dos países asiáticos é marcada pelo reconhecimen-
to de que o papel do Estado no desenvolvimento da região é pelo
menos “maior” ou “diferente” de algum padrão de desenvolvimento
dito “clássico”. A presença do Estado no desenvolvimento de Coréia
do Sul e Formosa, para não falar do Japão, não parece constituir exce-
ção em relação a outros processos de industrialização tardia, não ape-
nas na interferência indireta por meio de incentivos alocativos ao in-
vestimento privado direcionado, como também na intervenção direta
de empreendimentos estatais em atividades essenciais e estratégicas.3
Esta dificuldade é contornada apontando-se a “ênfase” da inter-
venção estatal e sua convivência com políticas de comércio exterior
“corretas”. Embora reconheçam a intervenção estatal na Ásia, os rela-
tos liberais argumentam que a intervenção teria voltado a reafirmar
sinais alocativos do sistema de preços e apoiar a alocação privada de
recursos na direção “natural” das vantagens comparativas, preferin-
do um regime liberal de importações.
Nisso, as economias asiáticas se teriam diferenciado do curso das
economias latino-americanas depois da primeira etapa, “fácil”, da
substituição de importações. Ao final desta etapa inicial, enquanto na
América Latina se teria optado pela estratégia de aprofundar a substi-
tuição de importações em direção à segunda etapa, “difícil” porque
exigente de fatores de produção escassos na região, no Sudeste Asiáti-
co a escolha recaíra em um caminho “extrovertido”: aí, a despeito da
intervenção estatal, nunca se pretendera eliminar a disciplina e os
sinais alocativos do comércio exterior e afastar a alocação de recursos
de sua tendência “natural” (Balassa, 1981).
Em suma, na comparação com a intervenção estatal predomi-
nante no Sudeste Asiático, a intervenção latino-americana perderia
por não se limitar a apoiar o caminho “natural” indicado pelo siste-
ma de preços (market friendly), mas por buscar revertê-lo de todo,
orientando-o “para dentro” e não “para fora”. Ou seja, fechando-o à
divisão internacional do trabalho, limitando benefícios da especiali-
zação econômica “correta” e protegendo decisões de especialização
“erradas” (Krueger, 1985; Ranis & Orrock, 1985).
Ao realizar essa comparação, o argumento liberal não recorre à
hipótese de que restrições econômicas (não ideológicas ou corporativas)
tenham impedido ou dificultado a consolidação do padrão “natural”

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132  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
de desenvolvimento econômico. Ao contrário, alega-se que restrições
econômicas herdadas da disponibilidade relativa de fatores de produ-
ção, particularmente naturais, aconselhariam “naturalmente” à aber-
tura e à especialização “correta”. Algo que só não se teria realizado em
razão da conjunção de interesses e ideologias de grupos políticos,
econômicos e técnicos particularistas prejudicados. Assim, as crises
posteriores podem ser explicadas exclusivamente pela equivocada
condução de políticas econômicas (unsound policies), porque se pre-
sume que não haja nada que as justifique de início, tirante ideologias
erradas e interesses corporativos dos que as executaram.
Em outras palavras, supõe-se que:
(1) os policy-makers operaram em contexto livre de restrições eco-
nômicas internacionais ou locais que implicassem a insustentabi-
lidade histórica do projeto de abertura; e,
(2) eles poderiam/deveriam ter “optado” por políticas liberais,
diferentes das implementadas e consideradas equivocadas à luz das
teorias liberais invocadas para analisá-las: se um curso de desenvolvi-
mento econômico “natural” foi bloqueado, isto não teria acontecido
porque restrições econômicas o inviabilizaram, mas porque políti-
cos, economistas e empresários liberais perderam embates ideológi-
cos e políticos para congêneres “desenvolvimentistas”.
As próximas seções deste trabalho pretendem avaliar o papel que
restrições não ideológicas ou corporativas, mas econômicas, tiveram
na dificuldade de consolidar um curso de desenvolvimento econô-
mico menos “autárquico” no Brasil, em duas das circunstâncias mais
recentes em que a tentativa foi feita: nos governos Dutra e Cardoso.
Por que avaliar restrições econômicas, e não ideológicas ou corpora-
tivas? Primeiro, porque estes governos foram influenciados por pro-
postas liberais de abertura externa. Como o argumento liberal para
explicar o “desvio” para um desenvolvimento “mais autárquico” e
“menos aberto” apela para restrições ideológicas e corporativas, to-
mar conjunturas em que os embates ideológicos e políticos favorece-
ram propostas de abertura externa é relevante para avaliar, ao revés, a
sustentabilidade econômica destas propostas.
Segundo, porque estes governos descreveram, de certo modo, um
movimento pendular de política econômica, iniciando com propos-
tas de abertura externa que explicitamente valorizavam a entrada ba-
rata de produtos importados e terminando com elogios à substituição

03 Fábio cap. 3.p65 132 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  133
de importações industriais protegidas (espontaneamente ou não) da
competição estrangeira.
Terceiro, e mais importante, porque este movimento pendular
não foi produto de uma “reviravolta desenvolvimentista” que deci-
disse embates ideológicos e políticos em sentido antiliberal. Resul-
tou, sim, de uma crise cambial incontrolável e indesejada que tornou
insustentável a política anterior; foram restrições econômicas, e não
preferências apriorísticas pelo nacional contra o importado (motiva-
das por interesses corporativos ou ideologias ultrapassadas), que leva-
ram estes governos a elogiar a substituição de importações, depois de
tanto elogiarem as importações. Assim, se algum exemplo reverso
pode ser dado pela experiência brasileira, é o de que um regime libe-
ral de importações não basta para explicar o sucesso asiático e que as
lições liberais sobre este sucesso estão desfocadas.

O pêndulo do governo Dutra (1946-1950)4

A opção liberal

A opção inicial por uma política ortodoxa de combate à inflação


no governo Dutra teve o sentido de rejeição ideológica e técnica ao
intervencionismo “varguista”, considerado responsável pela acelera-
ção inflacionária durante a Segunda Guerra. Um amplo consenso
liberal formou-se entre elites políticas e econômicas a respeito das
causas da inflação, responsabilizando o par intervenção estatal (défi-
cit público) e proteção comercial (lucros extraordinários). O líder da
campanha liberal foi inegavelmente Eugênio Gudin, já acompanha-
do do jovem Otávio Gouveia de Bulhões.
O principal conflito ideológico deu-se em torno da proposta de
planejamento econômico de Roberto Simonsen (líder da indústria
paulista) ao Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial
(CNPIC), bombardeada por Gudin na chamada “controvérsia do pla-
nejamento”. Simonsen mostrava-se pessimista diante da possibi-
lidade de assentar o crescimento econômico em exportações agríco-
las e considerava essencial preservar a proteção “natural” propiciada
pela Grande Depressão e pela Segunda Guerra, substituindo-a pelo
protecionismo deliberado da indústria nacional no pós-guerra. Além
disso, propunha fomentar o desenvolvimento industrial com crédito

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134  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
subsidiado e investimento estatal complementar e a criação de uma
Câmara de Planificação na qual participariam industriais para alocar
financiamento norte-americano tomado de governo a governo.5
A posição de Gudin foi editada em livro (Rumos da Política Econô-
mica) e, indo muito além de críticas técnicas às propostas de Simonsen,
associava a orientação econômica do Estado Novo e a proposta de
planejamento ao autoritarismo político (citando teses contemporâ-
neas de Hayek), sendo elemento incompatível ao movimento de
redemocratização do País. Propunha modificar o modelo de cresci-
mento em um sentido liberal: restaurar sinais de mercado por meio
de abertura externa (comercial e financeira) e controle da inflação,
para que recursos privados fossem alocados de maneira eficiente en-
tre setores urbano e rural. Um ambiente regulatório atraente ao capi-
tal externo privado deveria ser criado, facilitando remessas de lucro e
evitando a presença de estatais que empurrassem filiais internacio-
nais de setores onde poderiam atuar (sobretudo infra-estrutura e ex-
tração mineral), havendo forte crença de que estas reformas seriam
suficientes para atrair fluxos de capital capazes de financiar importa-
ções crescentes, seja para “reaparelhar” a estrutura produtiva, seja
para combater os “lucros extraordinários” dos industriais e, portanto,
a inflação. As críticas liberais de maior apelo político estavam na
questão inflacionária, resultando da proteção comercial (lucros ex-
traordinários) e de uma intervenção estatal arbitrária e excessiva que
deveria ser abandonada junto com o Estado Novo:

Como conceber uma ditadura econômica dentro de uma


democracia? [. . .] Não discuto aqui ideologias. Mostro apenas a
grave herança de capitalismo de Estado que nos ficou do regime
totalitário que ora se extingue [. . .] Há muito quem pense —
e pense erroneamente — que muitos dos empreendimentos
não se poderiam ter realizado porque a economia privada não
dispõe de recursos suficientes e porque só o Estado tem capacida-
de financeira para tanto. É um erro, baseado na idéia de que o
Estado pode forjar capital [. . .] Mas papel pintado só é capital na
cabeça dos inocentes. O que o papel-moeda faz é tirar do povo
para as mãos do governo que emite o dinheiro (Gudin, 1945b, pp.
68, 81-2).

03 Fábio cap. 3.p65 134 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  135
A principal reação de Vargas à campanha econômica liberal aca-
bou reforçando-a. O decreto da Lei Malaia (n.o 7.666, de 22 de junho
de 1945) transferia a responsabilidade pela inflação aos “trustes e
cartéis” formados para cometer “atos contrários à economia nacio-
nal”, explorando a miséria e a impotência do povo.6 Esta reação, que
visava aproximar Vargas do povo (e dos “queremistas”), acabou em-
purrando empresários para a campanha liberal, envolvendo mani-
festos da Ordem dos Advogados, da UDN e uma carta aberta das “clas-
ses produtoras” publicada na Folha da Manhã, unificando a Federação
das Associações Comerciais, a Confederação Nacional da Indústria e
a União das Associações Agropecuárias do Brasil Central, interpelan-
do Vargas: “Crédito e papel moeda mais do que duplicaram em 10
anos. Para que procurar outra causa para a alta de preços, quando ela
está aí evidente aos olhos de todos?” (Carone, 1976, pp. 369-77).
O próprio Eugênio Gudin endereçaria carta a Vargas pedindo
demissão dos órgãos de que participava como conselheiro por dis-
cordar frontalmente do DL n.o 7.666 (EUG/45.07.30cor). O efeito
político da Cade foi, de um lado, reforçar a impopularidade dos in-
dustriais na questão inflacionária e, de outro, afastá-los de Vargas.
Embora a vinculação da política cambial à proposta de reapare-
lhamento da indústria pelo regime de licença prévia (cinco meses
antes) favorecesse os industriais, a legitimidade da defesa da prote-
ção contra o dumping das importações era severamente afetada, se
os empresários, já tributados por um imposto sobre “lucros extraor-
dinários”, eram agora acusados de atos contrários à economia popu-
lar. O candidato pessedista Dutra também preferia não se afastar, na
questão inflacionária, da matriz ideológica que orientava o programa
da UDN.7
Não surpreende que o governo Dutra recebesse e aprofundasse
as iniciativas de liberalização herdadas do governo provisório. Man-
tendo iniciativas para contrair a expansão do crédito e investimen-
tos públicos, a revogação do regime de licença prévia das importa-
ções (PI-7) pela Portaria n.o 258 (28 de dezembro de 1945) começou
o desmonte dos mecanismos cambiais instituídos no Estado Novo.
Taxa de câmbio fixa, mas desregulamentação sucedendo-se gra-
dualmente, pautando-se na crença de que receberíamos financiamen-
to externo suficiente para sustentar o programa liberal de impor-
tações.

03 Fábio cap. 3.p65 135 25/9/2009, 16:55


136  PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS

Crise e reversão liberal

Sabe-se que a liberalização das importações não durou todo o


governo. Uma crise cambial forçou reversão ao regime de licenças
prévias e seletivas de importações, restaurado em 1948. Mas a crise
cambial não foi provocada, como Vargas gostaria de repetir, pelo boom
importador de “bugigangas”. Pesquisas acadêmicas revisaram esta
interpretação, considerando-se atualmente que a crise cambial de
1947 deveu-se também a que:
(1) o saldo comercial tenha caído rapidamente em 1947, contan-
do também com expansão de importações de bens de capital respecti-
vamente de 47% e 57% em 1946 e 1947, mais que dobrando no biênio;
(2) o surto de importações se tenha concentrado particularmente
em moedas conversíveis (60% oriundas dos Estados Unidos), dada a
lentidão da reconversão produtiva das demais economias industriais
afetadas pela guerra, com as quais o País mantinha acordos de com-
pensação bilateral;
(3) as exportações se tenham concentrado em moedas inconver-
síveis (apenas 40% destinadas aos Estados Unidos), retidas como cré-
ditos nos acordos bilaterais;
(4) o preço do café não se tenha recuperado até 1949 como era
esperado, limitando a geração de créditos bilaterais e, sobretudo, de
dólares;
(5) a fuga de capitais propiciada pela liberação das remessas de
lucro tenha gerado saídas líquidas de US$ 500 milhões entre 1946-
1950, desfinanciado o balanço de pagamento e limitando a acumula-
ção de reservas mesmo depois dos controles instituídos em 1948;
(6) a hipótese de que a condição de “aliado especial” dos Estados
Unidos compensasse o País com créditos de governo a governo tenha
fracassado à medida que o esforço diplomático e financeiro norte-
americano se deslocou para regiões problemáticas no início da Guer-
ra Fria (Tavares, 1963; Malan, 1976; 1977; 1984; Vianna, 1987; Bas-
tos, 2001). Em suma, a liberalização comercial não se mostrou viável
e desaguou em crise cambial em razão de fragilidades inerentes à
condição periférica do País nos planos econômico, político e cultural
do mundo capitalista pós-Segunda Guerra, em particular da incapaci-
dade de obter financiamento externo no montante desejado.

03 Fábio cap. 3.p65 136 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  137
Em contexto de crise cambial aguda, a reversão ao regime de
licenças prévias foi provocada pela inviabilidade prática de preservar
a liberalização das importações. É verdade que o governo poderia ter
desvalorizado a taxa de câmbio ou liberado-a (e o fez em parte). Mas
mesmo economistas liberais reconheciam que as circunstâncias his-
toricamente específicas do Brasil (exportador de commodities inelás-
ticas ao preço) não aconselhavam a proposta em geral. Gudin repetia,
em 1945, o recado de seu influente Café e Câmbio (1933), afirmando
em palestra aos cafeicultores que “nenhum produto de nosso comér-
cio internacional pode ser mais beneficiado pela estabilidade cam-
bial que o café [. . .] as sucessivas desvalorizações de nossa moeda só
tem tido efeito deprimente sobre os preços-ouro do café, com grave
dano para a economia nacional, obrigando-nos a dar uma quantida-
de cada vez maior de sacas de nosso produto em troca de nossas im-
portações” (Arquivo EUG/reg. Gudin Fº-pi45.09.16d). Em vez de ge-
neralizar taxa de câmbio desvalorizada ou livre, o governo preferiu
promover as exportações de produtos “gravosos” com câmbio livre a
partir de 1948, estimulando as exportações capazes de reagir a estí-
mulos de preço.
Por outro lado, a restauração do regime seletivo de importações
permitia contornar a crise cambial sem experimentar o impacto in-
flacionário do encarecimento de importações essenciais. O efeito
desta política é conhecido: o bloqueio da importação de bens não
essenciais e o barateamento relativo das importações complementa-
res representaram “um estímulo considerável à implantação interna
de indústrias substitutivas desses bens de consumo, sobretudo os du-
ráveis, que ainda não eram produzidos dentro do País e que passaram
a contar com uma proteção cambial dupla, tanto do lado da reserva de
mercado quanto do lado dos custos de operação. Esta foi basicamente
a fase de implantação das indústrias de aparelhos eletrodomésticos e
outros artefatos de consumo durável” (Tavares, 1963, p. 71; ver tam-
bém Malan et al., 1977, cap. 5).
A maioria dos intérpretes desta reversão alega não apenas que o
governo foi forçado a realizá-la pela crise cambial (o que é inegável),
mas também que era inconsciente dos efeitos da restauração de con-
troles cambiais sobre a substituição de importações, o que não é cor-
roborado por documentos oficiais (cf. Bastos, 2001; 2003). Já no dis-
curso de fim de ano de 1947, Dutra anunciava programa de

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138  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
investimentos públicos (o que viria a chamar-se Salte) como uma
reação diante dos limites da estratégia exportadora e como uma im-
posição das circunstâncias:

Os recursos da nossa exportação são insuficientes. Ou pro-


curamos outras fontes de exportação, ou havemos de substituir os
nossos acréscimos de compra com produção nacional, evitando,
desse modo, o aumento crescente da importação. Não é possível
escolher, com exclusividade, um ou outro caminho. Não há dúvi-
da, porém, sobre a conveniência e urgência de dotar o país de
meios para incrementar a produção, através do reaparelhamento
dos transportes, do aumento da produção de energia e da explora-
ção de petróleo [. . .] Saúde, alimentação, transporte, energia e
petróleo — são as balizas que devem orientar o nosso esforço de
recuperação, uma vez reconhecido, depois do grande otimismo
inicial, que a confiança inicial na estabilidade do setor externo se
frustrara.8

O governo voltaria a reconhecer a necessidade de retirar gargalos


à expansão industrial na Mensagem Presidencial de 1948, uma vez
que a estratégia liberal fracassara. Agora, nas novas circunstâncias,
para “[. . .] precaver os próprios interesses do povo, é necessário fir-
mar a noção de que o Brasil precisa importar, mas com a finalidade de
equipar-se convenientemente, para incrementar a sua indústria e
aparelhá-la do que lhe falta” (p. 147). Enquanto o governo favorecia
importações essenciais, o Banco do Brasil passou a realizar política de
crédito mais acomodatícia (lembre-se que 1948 foi o primeiro ano da
história em que os empréstimos para a indústria superaram os desti-
nados ao comércio), de modo que se restaurava a combinação entre
plano de investimentos, política cambial seletiva, câmbio fixo e polí-
tica acomodatícia de crédito visualizada no final do Estado Novo.
Não se exagere, porém, a racionalidade desta política. O Plano
Salte foi pouco além de um somatório de projetos relativamente des-
conexos, reunidos formalmente em projetos de gasto que ultrapassas-
sem o ano fiscal, sem definir cronogramas de execução e articulá-los
a fluxos de financiamento (cf. Draibe, 1980). Não foi acompanhado
de qualquer reforma administrativa, nenhuma agência central de
coordenação, nenhum esquema novo de financiamento ou empresa

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AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  139
estatal. A única indústria nova a criar em seu anteprojeto (material
elétrico pesado para geração e distribuição de energia hidrelétrica)
desapareceria da proposta final: a substituição de importações ficava
restrita aos ramos “fáceis”. Tratou-se de retirar alguns gargalos de infra-
estrutura ao crescimento econômico, crescimento este que acompa-
nhou a expansão/diversificação industrial induzida, espontaneamente,
pela crise cambial e pela proteção à substituição de importações: não
foi produto de um plano governamental abrangente.
De todo modo, o governo, forçado a uma reversão, não conseguia
agradar nem a gregos nem a troianos. Velhos aliados liberais exaspe-
ravam-se porque a estratégia inicial de incentivo às importações co-
meçava a ser substituída pelo elogio do planejamento e da substitui-
ção de importações; Gudin escreveria uma violenta crítica ao Plano
Salte, encarando-o como um retrocesso (cf. Bielschowsky, 1985).
Vargas continuava torpedeando o governo de críticas (reunidas em A
Política Trabalhista no Brasil) por seu caráter “liberal”, “anacrônico” e
“omisso”, embora o elogio do planejamento feito por Dutra visasse
em parte desarmar críticas da oposição ao alegar que o governo já
tomara as iniciativas exigidas pelo momento.
Mas o governo não agiria com a mesma presteza para controlar
outra fonte de desequilíbrio externo: as remessas financeiras, facili-
tadas pela liberalização completa empreendida pela Instrução 20
da Sumoc em agosto de 1946 (“tendo em vista as condições favo-
ráveis do mercado de câmbio”, no texto da lei), não paravam de au-
mentar sem que o governo restaurasse os controles originais. Por não
criar nem contar com mecanismos internos de financiamento de pro-
jetos essenciais (e ter abolido até o fundo constituído com taxa de 5%
sobre transações cambiais que financiara o programa que antecedera
o Salte, isto é, o Plano de Obras e Equipamentos), o governo conti-
nuava esperando uma promessa liberal que também não se reali-
zou: que um arcabouço amigável para remessas por si só induziria
grande surto de financiamento externo. Tal não se deu, e o governo
amargou um saldo negativo de 500 milhões de dólares de saídas lí-
quidas de capital privado que manteve as reservas cambiais em ní-
veis pouco confortáveis para financiar mesmo importações essen-
ciais crescentes.9
Assim, a resposta à crise da estratégia liberal foi restringida por
limites:

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140  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
(1) aos esforços de criação de mecanismos de centralização fi-
nanceira interna que apoiassem investimentos locais (privados e es-
tatais);
(2) à articulação planejada de metas de investimento e de merca-
dos a criar aos quais talvez pudessem integrar-se filiais internacio-
nais, complementando investimentos locais (Bastos, 2001).
Em outras palavras, o governo foi obrigado a dar meia-volta
no pêndulo em virtude de uma crise que não queria experimen-
tar; tomou consciência de certas ilusões do liberalismo periféri-
co; mas permaneceu distante de retirar e buscar implementar todas
as exigências práticas que pudessem corresponder a esta nova cons-
ciência.

O pêndulo do governo Cardoso (1995-2002)

A opção liberal

Anos 1990, tempos em que a ofensiva política neoliberal prome-


tia abundância de financiamento externo aos países (ditos “emergen-
tes”) que aderissem ao Consenso de Washington. O sistema monetá-
rio e financeiro internacional fora virado de ponta-cabeça desde a
escassez de financiamento externo experimentada por Dutra ou Vargas:
a época dos “mercados domesticados” pelo acordo de Bretton Woods
fora substituída pelo mundo das “finanças desreguladas”, por ciclos
de entrada e saída de capitais mais curtos, pouco favoráveis ao inves-
timento produtivo e sujeitos a movimentos especulativos e de contá-
gio em escala global (Helleiner, 1994; Belluzzo, 1995). Em meados da
década, Cardoso não inaugurava a abertura comercial e financeira no
Brasil, mas a herdava de bom grado do governo Collor. As reformas
liberalizantes de Collor foram anunciadas na campanha eleitoral de
1989, em que o candidato brandia slogans contra os “marajás” do
serviço público, os “elefantinhos” do setor produtivo estatal e as “car-
roças” produzidas pelo setor automobilístico protegido. É claro que a
opção liberal não era consensual, havendo forte polarização entre
Collor e candidatos à esquerda (Brizola e Lula); mas tampouco resul-
tava de idiossincrasia do candidato: suas posições liberais articula-
vam-se a um movimento reformista amplo que se gestara durante a
agonia lenta do governo Sarney (cf. Cruz, 1992).

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AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  141
Uma vez no governo, tratou-se de realizar reformas semelhantes
às que vinham sendo propostas pelas instituições multilaterais sediadas
em Washington (FMI e Banco Mundial) e pelo Departamento do Te-
souro dos EUA, visando, em linhas gerais, reduzir e delimitar o papel
do Estado e aumentar o grau de concorrência (comercial e financeira)
com menor proteção política e maior abertura externa. A abertura co-
mercial iniciou-se já no governo Sarney com eliminação de controles
administrativos, radicalizada no governo Collor e fazendo-se seguir de
cronograma de desgravação que visava redução da média e da variân-
cia tarifária (cf. Holanda, 1997); a liberalização financeira também se
iniciara com algumas iniciativas em 1988, acelerando-se até 1992
com facilidades abertas de movimentação via CC-5, dentre outras (cf.
Margarido, 1997); o programa de privatizações foi inaugurado com o
setor siderúrgico (Usiminas, 24 de outubro de 1991) estendendo-se
depois para petroquímica, fertilizantes e, já no governo Cardoso, trans-
portes, telecomunicações, energia e bancos (cf. Oliveira, 1996).
O programa liberal foi ainda levado adiante no governo Cardoso
com uma série de mudanças regulatórias que facilitavam o programa
de privatização (EC-5 a EC-9/1995) e aprofundavam a abertura finan-
ceira, facilitando fluxos de capitais de diferentes prazos e perfis sob
justificativa de adaptar o marco regulatório doméstico às novas opor-
tunidades da globalização financeira (cf. Freitas & Prates, 2001). A
justificativa da abertura comercial continuava, em parte, a mesma de
cinqüenta anos antes: deixar para trás os lucros extraordinários, a
diversificação excessiva e o descaso com ganhos de produtividade que
seriam inerentes ao modelo protegido de substituição de importa-
ções. A novidade é que se passava a argumentar que a abertura comer-
cial era uma necessidade imposta pela globalização, vale dizer, pela
nova forma de internacionalização das corporações, operando em
redes produtivas globais recorrendo ao outsourcing com níveis de
integração vertical local menores do que, se alegava, na “época dos
mercados nacionais protegidos”. Como a proteção à substituição de
importações seria inadequada à atração de investimentos destas “em-
presas-rede”, a redução da proteção (acompanhada de privatizações e
outras reformas do marco regulatório) atrairia investimentos que,
por sua vez, financiariam o aumento das importações e eventuais
déficits correntes resultantes, ao mesmo tempo que aumentariam a
produtividade geral do sistema (cf. Franco, 1996).

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142  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
Com argumentos velhos e novos, liberar importações foi consi-
derado um “dever de casa” para melhorar a qualidade dos produtos
oferecidos no mercado brasileiro, criando pressão competitiva para
que produtores internos (nacionais ou não) melhorassem suas plan-
tas e/ou focalizassem suas atividades em produtos em que efetiva-
mente fossem competitivos. Esta pressão competitiva tornou-se mais
premente com o Plano Real, pois se tratava de usar a liberação de im-
portações também para chancelar a estabilidade de preços: o crono-
grama de abertura foi acelerado no segundo semestre de 1994, duran-
te a implementação do plano no final do governo Itamar, “como
meio de evitar a transmissão para os preços das pressões de custo e de
demanda que se manifestavam” (Bacha, 1997, p. 43).
A pressão competitiva não resultava, porém, apenas da acelera-
ção da abertura comercial, e era fortemente articulada à própria libe-
ralização financeira, pois era acompanhada por uma política cam-
bial que Edmar Bacha, talvez o principal formulador do Plano, chamou
de “banda cambial assimétrica”, ou seja, o compromisso do BC de
manter a taxa entre um limite superior de R$ 1,00 e um limite infe-
rior indefinido, “que na prática provou estar em torno a US$ 0,83 por
Real” (Bacha, 1997, p. 21), já que o real se apreciou rapidamente em
julho de 1994, sob pressão da abundância de capital externo destina-
da então aos mercados emergentes. Gustavo Franco, então diretor do
Banco Central responsável pela política cambial, admitia que:

[. . .] ao abster-se de intervir no mercado de câmbio, o BC


permitiu, como se esperava, e como não poderia deixar de acon-
tecer, uma apreciação nominal da taxa de câmbio. Tratava-se de
ir além de uma “âncora cambial” na medida em que se criava
uma pressão deflacionária no universo de mercadorias e serviços
com seus preços associados ao dólar. A deflação no câmbio, bem
como em diversos outros preços determinados em mercados
competitivos, produziu um choque de expectativas que se reve-
lou fundamental, nas primeiras semanas do Plano Real (Franco,
1995, p. 59).

A taxa de câmbio apreciada continuou a ser usada como recurso


de controle dos preços domésticos durante todo o primeiro mandato
de Cardoso. É verdade que, depois da crise do México, transitou-se

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AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  143
para um regime de bandas cambiais, em que o Banco Central corrigia
a taxa de câmbio com depreciações nominais que pouco compensa-
vam a apreciação do início do Plano Real (seguindo ritmo claramen-
te maior que a inflação corrente apenas em 1997). O BC esforçava-se
para manter controle sobre um ritmo de depreciação que não redu-
zisse a pressão competitiva das importações, recorrendo a elevações
bruscas da taxa Selic, aumento de depósitos compulsórios e incenti-
vos à entrada de capitais sempre que ataques especulativos ameaças-
sem o limite superior do regime de bandas (cf. Filgueiras, 2000; Prates,
2000). A decisão do governo Cardoso de não reverter a apreciação
inicial do real foi justificada em vários textos de Gustavo Franco,
executor da política cambial e, a partir de setembro de 1997, presi-
dente do Banco Central; deixava-se claro que a taxa de câmbio
verificada era necessária para reforçar a pressão competitiva promo-
vida pela abertura comercial sobre preços internos, aumentando a
produtividade empresarial e a renda real dos consumidores:

[. . .] a indução (à produtividade) tem viés deflacionista, pois


o repasse pode beneficiar o consumidor se a maior eficiência é
repassada aos preços e se a manutenção da competição estrangei-
ra impede o uso de margens de lucro para a geração de lucros
extraordinários retidos para fins de investimento. A abertura é a
base para a construção de um novo modelo de crescimento [. . .]
a abertura se tornou uma causa progressista em oposição ao pro-
tecionismo que busca suas justificativas em idéias nacionalistas e
em grupos de pressão comprometidos com os velhos processos
da substituição de importações e a exploração de maiorias por
minorias organizadas e politicamente influentes (Franco, 1996,
pp. 42-4).

Franco e outros seguiam alegando que a nova taxa de câmbio


deveria reforçar a disciplina alocativa de recursos de maneira “natu-
ral” (sem proteção artificialista) e, em si mesma, a nova taxa não
produzia nem manifestava nenhum “desequilíbrio” cambial; era uma
taxa de equilíbrio determinada pela abundância de capital externo
disponível para os países em desenvolvimento e, sobretudo, por um
novo modelo de crescimento econômico sustentado em aumentos
de produtividade. Estes aumentos eram, a um tempo, conseqüência e

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causa da nova taxa de câmbio: a apreciação cambial reforçara o poder
“purificador” da abertura comercial e da atração de investimentos
para induzir ganhos de produtividade; os ganhos de produtividade e a
atração de investimentos sustentariam a nova taxa de câmbio apre-
ciada e, com ela, a estabilidade de preços e a pressão competitiva ine-
rente à liberalização de importações (Franco, 1996; Resende, 1996).
Muito se discutiu sobre a concordância ou não do presidente
Cardoso com as teses defendidas pelo diretor do Banco Central (cf.
Safatle, 1996; Pinto, 1996). Na prática, o diretor não apenas conti-
nuou conduzindo a política cambial depois da crise do México como
passou à Presidência do Banco Central em setembro de 1997, dirigin-
do o BC com tamanha garantia de autonomia (coerente com sua
visão da política cambial e monetária) que, ao perdê-la (em suas pala-
vras), decidiu demitir-se, em janeiro de 1999 (Franco, 1999). Antes
disso, a convergência, senão teórica, pelo menos prática, era ampla: o
presidente Cardoso não somente conferia autonomia à gestão do Ban-
co Central, mesmo diante de elevações da Selic politicamente amar-
gas; ele freqüentemente se referia à verdadeira “âncora” que sustenta-
va o real como sendo o aumento “revolucionário” de produtividade
que a abertura comercial e o ajuste das estratégias empresariais te-
riam produzido.10

Crise e reversão

Na prática, sustentar a apreciação cambial foi mais difícil do que


parecera de início, uma vez que a fragilidade financeira externa au-
mentou muito rapidamente ao longo do primeiro mandato de Car-
doso (Belluzzo & Almeida, 2002; Carneiro, 2002; Paula & Ferrari-
Filho, 2003). As entradas de capitais que apreciaram a moeda podiam
ser revertidas abruptamente graças à liberalização financeira empre-
endida, havendo desproporção entre o volume de ativos financeiros
em moeda local que podiam ser convertidos em dólar, a curto prazo,
e o limitado “colchão de reservas” usado para defender a banda cam-
bial. Não obstante isso, o governo perseverou em não perder o “viés
deflacionista” da taxa de câmbio nas conjunturas de crise internacio-
nal que diminuíam a credibilidade no regime cambial brasileiro
(México, 1995; Ásia, 1997; Rússia, 1998), contando com políticas
monetárias austeras, mas esperando que, no futuro, a melhoria da

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AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  145
competitividade empresarial e a permanente atração de filiais crias-
sem bases de sustentação duradouras da posição externa do País (cf.
Franco, 1995; 1996; Barros & Goldenstein, 1997).
A esperança frustrava-se a cada vez que o déficit comercial au-
mentava, acompanhando a retomada do crescimento depois de cada
crise. A abertura comercial forçou as empresas a realizar penosas
“reestruturações” administrativas e a incorporar ganhos de produti-
vidade materializados, sobretudo, em bens de capital e insumos im-
portados, particularmente (mas não apenas) onde a propriedade es-
trangeira aumentou por investimentos novos ou fusões e aquisições
(Sarti & Laplane, 2002). Mas a reação das empresas à abertura com
apreciação cambial implicou mudanças na estrutura produtiva e no
comércio exterior que manifestavam um aparente paradoxo: ao passo
que as empresas sobreviventes tornavam-se mais competitivas, a eco-
nomia ficava mais vulnerável a choques externos e dependente de
alto nível de importações, graças à perda de densidade das cadeias
produtivas internas vinculada ao outsourcing empreendido (por em-
presas nacionais ou filiais) para defender, sobretudo, parcelas do mer-
cado interno (cf. Bielchowsky, 1993; Miranda, 2001).11
Assim, ao contrário de trazer um novo modelo de crescimento
sustentado e duradouro, o Plano Real foi sucedido de ciclos curtos
de stop-go induzidos por movimentos de política monetária destina-
dos a defender a apreciação cambial de ataques especulativos; saindo
de cada crise, a expansão ulterior da renda era limitada pelo “vaza-
mento” para o exterior dos efeitos multiplicadores e aceleradores
do gasto interno, com aumento mais que proporcional das impor-
tações; enquanto o déficit de serviços financeiros, resultante do cres-
cente passivo externo, aliado ao déficit com fretes, seguros e viagens
internacionais, aumentava o déficit de transações correntes, finan-
ciado em parte com um ciclo expansivo de Ides; sujeito, porém, a
reversões abruptas do movimento de capitais que forçavam o Banco
Central a defender a taxa de câmbio apreciada, nas palavras de Cardo-
so ainda em início de mandato, por meio de “expedientes como juros
altos e recessão (que) não surtem efeitos positivos de médio prazo”
(Cardoso, 1995). O governo não foi capaz de defender-se do ataque
especulativo iniciado depois da moratória russa, embora não hesi-
tasse em recorrer aos juros altos, preferindo não esperar que as re-
servas cambiais fossem esgotadas antes de admitir a derrota e deixar

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146  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
a moeda flutuar em janeiro de 1999, a contragosto do presidente do
Banco Central.12
Mas a perda de controle do ritmo de desvalorização cambial fez-
se a contragosto do próprio presidente. Não há bases para afirmar que
resultou de uma mudança de orientação ideológica da política econô-
mica, nem de uma opção que refletisse um novo equilíbrio político
entre “desenvolvimentistas” e “monetaristas”. Tendo em vista o epi-
sódio da demissão, alguns meses depois, do titular do Ministério do
Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, e a centralidade conferida pelo
presidente à preservação da credibilidade da política econômica pe-
rante os mercados financeiros (associada à credibilidade do próprio
ministro Malan), a balança continuou pendendo em favor das políti-
cas consideradas necessárias pela Fazenda. O que se pode afirmar que
mudou foi a crença de que o ajuste cambial poderia ter sido feito
mantendo o controle de seu ritmo. Como o presidente Dutra fizera
muitos anos antes, Cardoso reconheceria uma perda de ilusões: ad-
mitiria que a escassez de capitais, detonada pela crise da Rússia e a
velocidade da perda de reservas, o convencera da impossibilidade de
manter a política cambial, apoiada até então na crença de que ganhos
de produtividade e a abundância de capitais permitiriam a correção
lenta do câmbio, preferível por evitar os riscos inflacionários de uma
correção brusca.13
De todo modo, o abandono forçado da política de depreciações
controladas trouxe expectativas de relaxamento da política monetá-
ria graças à retomada do crédito no exterior, depois que o alvo fixo do
ataque especulativo fora eliminado. Mas não levou o governo a rever-
ter a liberalização financeira empreendida até então, como se estives-
se convencido da “armadilha da ilusão da oferta de divisas” de que
falavam membros da “ala desenvolvimentistas”; pelo contrário, a
gestão de Armínio Fraga no BC aprofundou reformas liberalizantes
do movimento de capitais visando estimular novos influxos voluntá-
rios, enquanto contava com o empréstimo de reservas cambiais ne-
gociado em acordos com o FMI (Freitas & Prates, 2001). Assim fazen-
do, como no governo Dutra, parecia continuar depositando “vasta
confiança em uma solução duradoura para o potencial desequilíbrio
do balanço de pagamentos nacional [. . .] através de uma política
liberal de câmbio que, em estimulando as saídas de capital, pudesse
estimular também ingressos brutos em proporção ainda mais signifi-

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AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  147
cativa no futuro” (Malan, 1984). Com isso, podia-se até supor que a
política monetária ganharia amplos graus de liberdade para redução
das taxas de juros: tão cedo quanto no anúncio do regime de “banda
diagonal endógena” em 13 de janeiro de 1999, Fazenda e Banco Cen-
tral alegavam que maior flutuação cambial permitiria quedas mais
rápidas e sustentáveis das taxas de juros (BCB, 1999). Ao contrário do
governo Dutra (protegido pelo acordo de Bretton Woods por uma
definição de liberdade cambial que não incluía arbitragens de juros a
curto prazo), o governo Cardoso não recuperou amplo grau de auto-
nomia na gestão monetária e continuou subordinando o crescimen-
to econômico desejado pelos “desenvolvimentistas” à política de ju-
ros considerada necessária pelos “monetaristas”: elevações abruptas
dos juros continuaram sendo usadas para conter fugas de capital e
depreciações cambiais excessivas, buscando limitar seu impacto so-
bre o regime de metas de inflação e o custo da dívida pública e privada
indexada ao dólar. E nem o recurso a juros elevados nem as reformas
liberalizantes detiveram uma tendência de piora dos termos do fi-
nanciamento externo que afetaria, nos últimos anos do governo, tan-
to desembolsos de crédito quanto influxos de IDE (BCB, 2003, cap. 5).
A depreciação cambial também trouxe expectativas de reversão
rápida do saldo comercial, cujo saldo estimado na revisão do acordo
com o FMI (5 de março de 1999) foi de US$ 11 bilhões, caindo para
US$ 8 bilhões, segundo cálculos da Fazenda divulgados duas semanas
depois. O processo não foi nem tão rápido nem tão fácil quanto espe-
rava o governo, de maneira que o primeiro superávit foi experimenta-
do apenas em 2001, chegando a US$2,6 bilhões; em 2002, porém, o
saldo atingiu inesperados US$ 13,1 bilhões, continuando a crescer
em 2003. A lentidão do ajuste foi usada como argumento de que o
regime cambial de depreciações lentas não deveria ter sido abando-
nado (Franco, 1999), embora a necessidade de um ajuste imposto
pela crise dificilmente pudesse ser questionada, assim como o impac-
to da depreciação cambial no ajuste realizado. Comparado a 1998
(déficit de US$ 6,6 bilhões), a reversão em 2002 alcançara quase
US$ 20 bilhões, com ganhos ligeiramente maiores com redução de
importações (US$ 10,5 bilhões) do que aumento de exportações
(US$ 9,2 bilhões). O aumento das exportações concentrou-se no
agronegócio e, na indústria, em ramos intensivos em mão-de-obra e
recursos naturais (têxtil e vestuário, madeira, móveis, calçados, cou-

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148  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
ro/peles, etc.), exceto onde filiais exportam produtos intensivos em
tecnologia com pouca agregação local de valor (material elétrico/
comunicações, farmacêutica, material de transporte), freqüentemente
em ramos com fortes déficits (particularmente química, material elé-
trico/comunicações, farmacêutica, à exceção de material de transpor-
te). A redução de importações, porém, não pode ser explicada apenas
como efeito da depreciação, contando também a retração da deman-
da interna, particularmente no último biênio; desse modo, a econo-
mia de divisas escassas pode ser revertida se a economia voltar a cres-
cer, particularmente em ramos nos quais a criação de capacidade
depende de longos prazos de maturação e/ou do controle de patentes
e domínio da tecnologia por oligopólios globais (Iedi, 2002, vários).14
A lentidão do ajuste não foi tomada pelo governo como evidên-
cia de que o velho regime cambial não deveria ter sido abandonado,
mas, de início timidamente, como alerta de que o ajuste devia ser acom-
panhado por políticas de fomento ao investimento. O esforço con-
centrou-se no ramo eletroeletrônico e de telecomunicações, de iní-
cio por meio do BNDES, cujos Programa de Apoio à Implantação da
Telefonia Celular e Programa de Apoio a Investimentos de Telecomu-
nicações (telefonia fixa) condicionaram financiamento a exigências
de nacionalização de equipamentos e insumos, tentando limitar (com
pouco sucesso) o outsourcing praticado pelos novos grupos controla-
dores do setor (cf. Prates, Cintra & Freitas, 2000; Sarti & Laplane, 2002).
Em paralelo, linhas destinadas ao financiamento das exportações fo-
ram criadas ou reforçadas, como o Programa de Crédito ao Comércio
Exterior (BNDES-Exim), o Fundo de Garantia para a Promoção da
Competitividade, o Fundo de Garantia de Exportações (seguro de cré-
dito), ou o Fundo de Aval para Exportação de Micro e Pequenas Em-
presas (Sebrae), dentre outros, acompanhados da instalação de oito
Fóruns de Competitividade e, mais tarde, do Comitê de Gestão da Câ-
mara de Comércio Exterior no MDIC (Prates, Cintra & Freitas, 2000;
BCB, 2002; MDIC, 2002). No documento do MDIC apresentando os
“avanços do comércio exterior” nos oito anos do Real, os programas de
apoio à exportação são apresentados com a informação (duvidosa, mas
significativa) de que “a política comercial brasileira, nos últimos oito
anos, passou por duas fases distintas. A primeira foi é de abertura co-
mercial, de abertura do mercado interno às importações. A segunda é
marcada pela prioridade dada às exportações” (MDIC, 2002, p. 1).

03 Fábio cap. 3.p65 148 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  149
Ainda que a persistência da vulnerabilidade externa levasse o go-
verno a reforçar políticas de fomento do investimento, nada ilustra
melhor a mudança lenta e hesitante de enfoque a respeito da substi-
tuição de importações do que o destino da Lei de Informática no
segundo mandato de Cardoso. Em 1999, expirariam as isenções fis-
cais previstas na Lei de 1992 (IPI E IRPJ), sob exigência de que as
empresas destinassem 5% do faturamento para P&D, havendo forte
pressão do MICT E MDIC para estender os prazos até 2013. A renova-
ção dos subsídios experimentou resistência do ministro Malan e en-
volveu conflitos que acabariam levando à queda do ministro do De-
senvolvimento, Clóvis Carvalho, depois de discurso em que questionou
a falta de coragem da Fazenda em estimular o desenvolvimento do
País. O presidente arbitrou a disputa, mandando ao Congresso proje-
to-lei que eliminava a isenção integral e diminuía anualmente seu
valor até o máximo de 58% do imposto devido em 2013 (reduzido
pelo Congresso até 2009). O processo decisório indica que o presi-
dente não era avesso à demanda da chamada “ala desenvolvimentista”,
mas que a Fazenda retinha poder incomparável e parecia continuar
acreditando na “tese de que políticas econômicas voltadas especifica-
mente ao setor externo são desnecessárias, uma vez que as políticas
monetárias ou fiscais podem dar conta perfeitamente do equilíbrio
externo desejado” (Serra, 1998).
A seguir, o estado do Amazonas perpetrou ação judicial que, pro-
vida de liminar pelo STF no final de 2000, obrigou o governo a reno-
var a tramitação da lei negociando mais concessões à Zona Franca de
Manaus. A lei foi finalmente regulamentada em março de 2001, san-
cionada pelo presidente em dezembro ao definirem-se os porcentuais
de IPI dos produtos sujeitos à isenção (então sujeitos à alíquota de 2%
desde que a liminar judicial fora concedida, um ano antes). É prová-
vel que a ocasião tenha sido usada pela Secretaria da Receita para
atrasar o processo decisório de definição das novas alíquotas, visando
maximizar a arrecadação antes da isenção parcial. De todo modo, a
ocasião também foi oportuna para que a lei fosse ajustada à percepção
de que era necessário induzir substituição de importações para deter
o crescimento do déficit do complexo eletrônico (a lei aplica-se a
produtos de informática, telecomunicação, eletrônica de consumo e
componentes, ou seja, micros, celulares, televisores, rádios, dvds, etc.),
uma vez que as ilusões quanto à rapidez do ajuste que seria propiciado

03 Fábio cap. 3.p65 149 25/9/2009, 16:55


150  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
pela depreciação cambial tinham-se perdido. A lei passou a exigir que
as empresas não apenas destinassem recursos para P&D como tam-
bém internalizem o Processo Produtivo Básico, ou seja, respeitassem
porcentuais de nacionalização para cada produto final. Em declara-
ção surpreendente, feita quinze dias antes da sanção presidencial da
lei, o ministro Malan defendeu a “substituição eficiente de importa-
ções” como forma de reduzir o déficit em conta corrente, sendo ne-
cessário ampliar tanto a produção “exportável” como a “substituível
de importações [. . .] [pois] sempre pensei nas duas coisas juntas”
(apud Soares, 2001). Implicitamente, o ministro parecia admitir que
anos de construção da credibilidade perante o “mercado” não tinham
sido suficientes para assegurar o equilíbrio externo desejado.
No ínterim entre a regulamentação e a sanção da lei, Sérgio Amaral
tomava posse no MDIC (23 de agosto de 2001), em cerimônia na qual
Cardoso proclamou o novo lema de seu governo (“Exportar ou Mor-
rer”), enquanto o novo ministro prometia apoiar também a substitui-
ção de importações em setores deficitários como petróleo, químico e
farmacêutico, eletroeletrônicos e bens de capital. Em entrevista con-
cedida a seguir, a resposta à pergunta sobre qual seria sua relação com
Malan e Everardo Maciel, pois seus antecessores haviam caído depois
de desentendimento com eles, foi a seguinte:

Depois do real, a preocupação não era exportar, mas impor-


tar para pressionar os preços e aumentar a competitividade. Ago-
ra a realidade mundial é diferente. Nesse momento, o peso da
exportação no processo de decisão de governo é muito maior. Eu
vejo o ministro da Fazenda tão interessado quanto eu em aumen-
tar as exportações [. . .] Eu combinei com o Malan que nós dois
vamos juntos à Fiesp. É importante que ele ouça o que eu ouço na
Fiesp e que a Fiesp ouça o que eu ouço dele [. . .] O câmbio tor-
nou mais caras as importações e mais atraente a produção de
insumos internamente. Então, há um esforço a ser feito para que
certas empresas possam substituir importações, aproveitando a
indução que o mercado já está fazendo, dizendo que é melhor
comprar aqui do que importar. Acho que alguns setores têm um
campo muito grande. Por exemplo, o setor eletroeletrônico, que
nos últimos cinco anos teve um déficit comercial de US$ 35
bilhões (Amaral, 2001).

03 Fábio cap. 3.p65 150 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  151
Não se exagere, porém, a racionalidade da política de fomento.
As iniciativas continuaram dispersas, sem que se pudesse desvelar um
plano que as integrasse, sobretudo na promoção do investimento em
nova capacidade. As críticas à falta de planejamento chegaram ao
auge durante a crise da geração de energia, mas, ao contrário do gover-
no Dutra e fiel às restrições ideológicas do primeiro mandato, o go-
verno nem sequer se esforçou para conferir aparência de organicidade
às iniciativas dispersas. No Ministério do Planejamento, o PPA anun-
ciado em 1999 (Avança Brasil) não pode ser confundido com um
plano de investimentos voltado à superação da vulnerabilidade exter-
na do País. No MDIC, apesar da preocupação com o déficit no com-
plexo eletrônico expressa na aprovação da Lei de Informática e na
constituição de um Fórum de Competitividade para o setor, não foi
instalado qualquer Fórum ou qualquer política de fomento (à exce-
ção do ramo de transformados plásticos) mais geral para o setor quí-
mico, em que o déficit comercial era e é maior do que no setor ele-
troeletrônico e de telecomunicações. Por outro lado, os esforços de
promoção à exportação limitaram-se ao financiamento do comércio
exterior (pré e pós-embarque) e à promoção comercial, sem nenhu-
ma política seletiva voltada à ampliação de capacidade em ramos
sujeitos a gargalos de oferta.15
Seja como for, o governo Cardoso, forçado a uma reversão, como
o de Dutra, também não conseguia agradar nem a gregos nem a
troianos. Velhos aliados liberais exasperavam-se porque a estratégia
inicial de incentivo às importações começava a ser substituída pelo
elogio do planejamento e da substituição de importações, e a valori-
zação do déficit pelo superávit de transações correntes. Gustavo Fran-
co escreveu artigo feroz ao primeiro sinal de preocupação governa-
mental com o déficit do complexo eletrônico (Franco, 2000),
continuando a criticar o presidente pelo “erro” de ter acreditado na
tese de que faziam “populismo cambial” (Franco, 2001).
Os candidatos de oposição à eleição presidencial de 2002, acom-
panhados pelo próprio candidato da situação, continuavam critican-
do o presidente pelo erro simétrico: a lentidão com que o governo
passava a fomentar exportações e apoiar a substituição de importa-
ções. Acompanhando também as políticas do próprio governo, a subs-
tituição de importações incorporava-se como tema central das plata-
formas de campanha dos candidatos à eleição presidencial, à exceção

03 Fábio cap. 3.p65 151 25/9/2009, 16:55


152  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S
do PFL (Zanini, 2002). Velhos aliados do governo exasperavam-se
com a evolução dos tempos, temendo o sebastianismo juscelinista
(Abreu, 2002; Franco, 2002).

Considerações finais

As seções anteriores mostraram o papel que constrangimentos


não ideológicos ou corporativos, mas econômicos, jogaram para res-
tringir um curso de desenvolvimento econômico menos “autárquico”
no Brasil; nestas circunstâncias, muito ao contrário de relatos libe-
rais, foram crises cambiais e não embates ideológicos e políticos que
levaram governos influenciados por propostas de abertura comercial
externa (que explicitamente valorizavam a entrada barata de produ-
tos importados) a terminar com elogios à substituição de importa-
ções industriais protegidas (espontaneamente ou não) da competi-
ção estrangeira, e a valorizar exportações capazes de gerar aquilo que
a abertura financeira não foi capaz de garantir: um fluxo estável de
reservas cambiais e, assim, a capacidade de realizar importações
essenciais.
Em ambos os governos, a tentativa de sustentar um regime libe-
ral de importações contando com um ciclo harmonioso e estável de
influxos de capital acentuou a fragilidade financeira externa e produ-
ziu seu contrário (independentemente da vontade liberal dos gover-
nantes): a necessidade de reduzir importações para arcar serviços fi-
nanceiros. Compelidos por uma oferta de financiamento externo que
ficou aquém do necessário, os governos Dutra e Cardoso precisaram
contar com a reversão do déficit comercial para pagar passivos exter-
nos, embora continuassem contando com um ambiente favorável à
saída de capitais para induzir entradas.
Nas duas circunstâncias, embora os governos alegassem já estar
realizando os “ajustes” que a oposição dizia ser necessário fazer, um
consenso político favorável ao fomento estatal ao desenvolvimento
industrial era construído depois que uma alteração abrupta e indesejada
da taxa de câmbio ou da proteção comercial efetiva pressionou o sis-
tema de preços relativos, exigindo dos governos que colaborassem
para retirar “gargalos” que limitavam o “livre curso” da expansão
induzida pela crise cambial. Mas restrições políticas, ideológicas e
materiais à intervenção estatal limitaram o sucesso da política de

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AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  153
fomento industrial, e, embora a dinâmica de produção e investimen-
to privado reagisse à modificação de preços relativos, a melhoria re-
sultante do saldo comercial foi insuficiente para que os governos pu-
dessem insistir menos em obter os fluxos financeiros que acreditavam
corresponder à sua adesão “crível” a um ambiente regulatório atraen-
te ao capital estrangeiro. Restrições políticas, ideológicas e materiais
interna também limitaram a profundidade e escopo da intervenção
estatal no Brasil em outras circunstâncias históricas, como, por exem-
plo, no segundo governo Vargas e durante o II PND do governo Geisel,
quando não se valorizou um regime liberal de comércio exterior (cf.
Lessa, 1978; Bastos, 2001).
Diante disso, o artigo conclui refutando que a distinção entre a
experiência brasileira e a experiência bem-sucedida de crescimento
exportador de manufaturas de alguns países asiáticos possa ser encon-
trada, ao contrário das narrativas comparativas liberais, na menor ou
maior adesão a um regime liberal de importações. Pois, nas duas
circunstâncias recentes em que a liberação das importações foi de-
fendida como prioridade de governo no Brasil, foram constrangi-
mentos econômicos que a inviabilizaram. Se o desenvolvimento brasi-
leiro pode servir de espelho ao asiático, é por apontar precisamente
que não bastam políticas liberais de importações para levar um país a
galgar posições na divisão internacional do trabalho e contornar a
fragilidade financeira externa. Inversamente, como apontado por re-
latos que não se limitam a apontar a existência de um regime liberal
de comércio exterior (cf. Amsden, 1989; Wade, 1990; Weiss, 1998), se
a presença do Estado no desenvolvimento econômico de Coréia do
Sul e Formosa pode servir de exemplo ao Brasil, é por demonstrar as
vantagens de menores restrições políticas, ideológicas e materiais à
participação do Estado não apenas em empreendimentos estatais em
atividades essenciais, mas também na orientação estratégica de empre-
endimentos privados e em sua especialização setorial.

Notas

1
Texto publicado originalmente na revista Economia e Sociedade,
Campinas, vol. 12, n.o 2(21), pp. 245-74, jul.-dez. 2003.
2
Argumentos apresentados de maneira mais ou menos integrada
por autores como Balassa (1982; 1983); Bhagwati (1985); Ranis & Orrock
(1985) e Balassa & Williamson (1987). Exemplos brasileiros do argu-

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154  PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS
mento são fornecidos por Roberto Campos (1994) e Gustavo Franco
(1999).
3
Para ilustrar com a experiência de países comumente tomados
como exemplos de virtude liberal a ser imitada pelos governos latino-
americanos, em Formosa (Taiwan) “as seis maiores firmas estatais in-
dustriais tinham um faturamento igual ao dos cinqüenta maiores gru-
pos industriais privados em 1980. Das dez maiores firmas industriais,
sete eram empresas estatais; das maiores cinqüenta, dezenove eram
estatais. A estrutura de propriedade na Coréia do Sul é similar: doze das
dezesseis maiores firmas industriais eram estatais em 1972, assim como
vinte das cinqüenta maiores” (Wade, 1990, p. 178).
4
Esta seção sintetiza resultados apresentados em outros trabalhos
do autor (Bastos, 2001; 2003), evitando-se recuperar aqui todo o supor-
te documental e serial apresentado neles.
5
Sobre ela, ver especialmente Corsi (1991); Diniz (1978, cap. 6);
Sola (1982, cap. 2) e Bielschowsky (1985, parte II, caps. 1-2).
6
Para o texto da lei, cf. Franco (1946, pp. 288-295) ou Carone
(1976, pp. 196-203); ver também Corsi (1997, pp. 276-277).
7
“Cessadas as operações de guerra, deveríamos restringir as despe-
sas militares, protrair o início das obras novas e reduzir o andamento
das já iniciadas, cuja conclusão não tenha efeitos imediatos sobre o ba-
rateamento do custo de vida, até que possamos restabelecer o equilíbrio
das finanças públicas e estancar qualquer nova emissão de papel-moe-
da”: discurso de campanha de Dutra citado pelo Relatório do Banco do
Brasil de 1945 (p. 123). Nas palavras de Bielschowsky (1985, pp. 365-
6): “Consensualmente, a grande causa da inflação, segundo as análises
econômicas de todo o período, estariam sendo os déficits públicos, que
sempre é, naturalmente, o argumento típico do empresariado, aquele
que mais lhe convém — pelo menos no que diz respeito a seus interes-
ses de curto prazo. Ao final da guerra, a recomendação mais enfática
encontrada na literatura econômica era a de que se deveriam contrair as
despesas públicas”.
8
Esta passagem do discurso de final de ano não era mero acidente
lingüístico, sendo repetida textualmente na próxima mensagem presi-
dencial enviada ao congresso para abertura das sessões, lida em 15 de
março de 1948 (Dutra, 1948, pp. 178-9).
9
Na formulação insuspeita de Pedro Malan (1984, p. 65): “[. . .] As
autoridades monetárias e cambiais do governo Dutra aparentemente
depositaram vasta confiança em uma solução duradoura para o poten-
cial desequilíbrio do balanço de pagamentos nacional através da conta
de capital, vale dizer, através de uma política liberal de câmbio que, em
estimulando as saídas de capital, pudesse estimular também ingressos
brutos em proporção ainda mais significativa no futuro”.
10
Prefaciando o livro de Franco (1995), Cardoso avisava que “para
os críticos apressados do Real, a leitura do capítulo 5 é recomendável.
Na análise das condições da “dolarização”, explicam-se os pressupostos
para o êxito dos programas de estabilização e conversibilidade fixa. Vê-

03 Fábio cap. 3.p65 154 25/9/2009, 16:55


AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO  155
se, com clareza, que expedientes como juros altos e recessão não surtem
efeitos positivos de médio prazo”. No referido capítulo, os “pressupos-
tos para o êxito” ficam claros, associando-se aos ganhos de produtivida-
de trazidos pela pressão competitiva da abertura com apreciação cam-
bial (Franco, 1995, pp. 139-41).
11
As exportações, de fato, não acompanharam o surto de importa-
ções, concentrando-se em produtos intensivos em recursos naturais e
mão-de-obra barata e perdendo participação, com algumas exceções,
em produtos intensivos em tecnologia e escala, cujos mercados tendem
a crescer mais do que o comércio mundial e nos quais valor agregado e
produtividade são maiores. Como resultado, todos os ramos industriais
sofreram deterioração do saldo comercial (exceto madeira, fumo, cou-
ro/peles e alimentos), verificando-se deterioração maior em ramos in-
tensivos em tecnologia e escala (forte déficit em eletroeletrônicos e
telecomunicações, química e bens de capital) e gerando saldo comercial
menor nos setores intensivos em recursos naturais (commodities como
siderúrgicos, papel e celulose, metais não ferrosos), mas preservando o
saldo agrícola. Como esperado pelos proponentes da abertura comer-
cial, ela trouxe maior especialização na alocação de recursos; mas, ao
contrário do que afirmavam, ela aparentou-se mais ao que analistas
chamaram de “especialização regressiva” em termos setoriais, macroeco-
nômicos e da inserção comercial do País (Laplane & Sarti, 1997; Sampaio
& Naretto, 2000; Carneiro, 2002).
12
Para Gustavo Franco, a despeito da velocidade e montante da
perda de reservas cambiais que a política do BC na prática não fora capaz
de estancar, a defesa da apreciação cambial não foi vencida pelo ataque
especulativo: ela foi “desmontada sem sangue, no plano da persuasão
[. . .] abandonada porque muitas vozes influentes acreditavam que ha-
via uma maneira de fazer as coisas mais fáceis”, convencendo o presi-
dente a reorientar as políticas de câmbio e juros (Franco, 1999, p. 293).
Mas a hipótese de que o BC poderia vencer o ataque especulativo antes
que as reservas fossem esgotadas é uma conjetura contrafactual que se
mostrava mais distante à medida que a redução das reservas aumentava
o próprio ritmo do ataque. O principal alvo político (e não técnico) de
Franco era certamente José Serra, crítico interno da política cambial que
publicara artigo recente denunciando a “armadilha da ilusão da oferta
de divisas” que justifica “a tese de que políticas econômicas voltadas
especificamente ao setor externo são desnecessárias, uma vez que as
políticas monetárias ou fiscais podem dar conta perfeitamente do equi-
líbrio externo desejado” (Serra, 1998, p. 9).
13
Nas palavras do presidente, ainda em fevereiro de 1999, a depre-
ciação “[. . .] não demorou, como se fala. O que ocorreu é que havia
abundância de capitais no mundo e a desvalorização podia ser feita
lentamente, como vínhamos fazendo. A fonte, entretanto, secou com a
crise de setembro (de 1998) na Rússia. Depois disso, tivemos que fazer
o acordo com o FMI, buscar fundos, tomar as cautelas possíveis para
fazer a desvalorização” (Cardoso, 1999). Em final de mandato, o presi-

03 Fábio cap. 3.p65 155 25/9/2009, 16:55


156  PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS
dente afirmaria que a depreciação não foi acompanhada de nenhuma
mudança no equilíbrio político do governo, uma vez que a maioria dos
que sempre a defenderam já estavam fora do governo, e que perder a
credibilidade do ministro Malan nos “mercados” estava absolutamente
fora de questão: “Como todo mundo sabe, tenho um enorme respeito
pelo Gustavo, gosto do Gustavo. Pedi inúmeras vezes ao Gustavo que
me apresentasse propostas de uma aceleração maior no ajuste do câm-
bio. Mas ele tinha uma visão diferente. Achava que era questão de per-
sistir e que os fluxos de capital voltariam. Aí eu decidi mudar. Sozinho,
praticamente, porque os que podiam me ajudar na mudança estavam
longe [. . .] O ministro Malan pediu demissão. Por escrito. Eu não con-
cordei [. . .] É uma coisa que custa a gente admitir, uma inversão de uma
das frases do Auguste Comte [os homens são cada vez mais dirigidos
pelo passado]. Agora, é o contrário, somos dirigidos pelo futuro [. . .]
Pelas expectativas. Tem que haver credibilidade. E o Malan tem muita
credibilidade dentro e fora do Brasil. As pessoas me diziam, fora do
Brasil, apesar de tudo o que aconteceu: «Esse homem é sério». Vocês
imaginam o que vale isso no mundo de hoje? Malan tinha credibilidade
e a manteve” (Cardoso, 2002).
14
Substituições efetivas verificaram-se em alguns ramos da mecâ-
nica, material de transporte e, sobretudo, em bens de consumo e insumos
semimanufaturados aproveitando capacidade ociosa, como têxtil e vestuá-
rio, madeira, móveis, calçados, couro/peles, alimentos, brinquedos, mi-
nerais não metálicos, papel e papelão/gráficos, etc. Até 2001, ramos de
material elétrico/comunicações, química, farmacêutica, plásticos apre-
sentaram até mesmo aumento de importações, a despeito da depreciação
cambial, indicando que a substituição de importações nestes ramos é
mais difícil em razão da ampla necessidade de investimentos para criar
capacidade e do controle de patentes e domínio da tecnologia por
oligopólios globais. Em 2002, a queda nas importações em ramos defi-
citários tampouco pode ser de todo explicada por substituições: mate-
rial eletroeletrônico e de comunicações explicam algo em torno de 50%
da queda total das importações, caindo desde o racionamento de ener-
gia (como bens de informática e eletrônica de consumo) e da inflexão
do ciclo de investimentos nas redes de telecomunicações privatizadas;
importações químicas, porém, caíram de valor, mas não de volume;
farmacêuticos e perfumes continuaram aumentando de volume e valor
(Iedi, 2002, vários números).
15
Estudo recente indica que estrangulamentos de oferta envolvem
em particular ramos exportadores da indústria, como siderurgia e papel-
celulose, que podem experimentar esgotamento de excedentes exportá-
veis caso as encomendas internas aumentem no futuro próximo sem
novas expansões de capacidade (cf. Iedi, 2003).

03 Fábio cap. 3.p65 156 25/9/2009, 16:55


POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  157

CAPÍTULO 4
PODER POTENCIAL, VULNERABILIDADE
EXTERNA E HIATO DE PODER NO BRASIL

REINALDO G ONÇALVES

O Brasil não é um país, é um exagero.


— A N T Ô N I O T O R R E S. O Nobre Seqües-
trador, 2003, p. 12).

A
P E R C E P Ç Ã O de que o Brasil é um gigante, um verdadeiro Golias,
é bastante difundida, tanto no País como no exterior. Essa gran-
deza também é a causa de liberdades poéticas e desvarios polí-
ticos. Na sua belíssima Canção do Exílio de 1846, Gonçalves Dias toca
o coração de todos os brasileiros com o verso exuberante: “Nosso céu
tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm
mais vida, nossa vida mais amores”.
Outro gênio da literatura, Lima Barreto, criou um dos mais ex-
pressivos personagens do romance brasileiro, Policarpo Quaresma, o
grande patriota. Para o major Quaresma “a nossa terra tem os terre-
nos mais férteis do mundo [. . .]” (Barreto, 1915, p. 11).
Parte substantiva da percepção a respeito do Brasil-Golias (Bra-
sil-baleia ou Brasil-transatlântico) advém da extraordinária base de
poder do País. Esse é um fato inegável: o Brasil tem um peso específico
no cenário internacional em decorrência de uma evidente base de
poder. Essa base dá ao Brasil elevado poder potencial.
Entretanto, tanto a realidade nacional como a realidade dos pro-
cessos, relações e estruturas do sistema internacional mostram a cla-
ra “desimportância” do País. Por um lado, o Brasil sofre recorrente-
157

04 Fábio cap. 4.p65 157 25/9/2009, 16:56


158  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S
mente os efeitos de pressões, fatores desestabilizadores e choques ex-
ternos. Por outro, a evidência é de que mudanças significativas no
Brasil têm impacto nulo ou praticamente nulo no resto do mundo.
Nos últimos anos, o Brasil tem sido afetado significativamente por
crises econômicas em países como México, Tailândia, Rússia e Argen-
tina. A recíproca, porém, não é verdadeira. Exemplo recente foi a crise
cambial de 1999, quando “o contágio provocado pela desvalorização
no Brasil foi surpreendentemente leve” (Eichengreen, 2003, p. 165).

Hipóteses

O problema central para o Brasil é o seguinte: o País tem uma


extraordinária base de poder, ou seja, elevado poder potencial, ao
mesmo tempo que apresenta grande vulnerabilidade externa, isto é,
reduzido poder efetivo. A especificidade do Brasil está tanto no eleva-
do poder potencial quanto na alta vulnerabilidade externa. E mais,
pode-se afirmar que a especificidade de maior destaque do Brasil está
no enorme diferencial entre o poder potencial e o poder efetivo do
País na arena internacional. Em outras palavras, o Brasil defronta-se
com enorme “hiato de poder”, mais precisamente, um déficit de po-
der efetivo na arena internacional.
A questão da especificidade do Brasil é fundamental para a defi-
nição da política externa brasileira. Há alguns poucos países que, como
o Brasil, têm forte base de poder. Exemplos óbvios de países com
grande poder potencial são: Estados Unidos, China, Índia e Rússia.
No que se refere à vulnerabilidade externa, há dezenas de países, que
como o Brasil, têm reduzida capacidade de resistência a pressões,
fatores desestabilizadores e choques externos. Aqui a lista é imensa,
pois inclui praticamente toda a América Latina, o Caribe e a África
Subsaariana, bem como vários países da Ásia e parte da Europa Cen-
tral e Oriental. No entanto, há um fato a destacar: somente um grupo
com um número pequeno de países pode ser incluído em ambos os
casos (elevado poder potencial e elevada vulnerabilidade externa).
Nesse grupo, o Brasil é um exemplo conspícuo.
Nesse capítulo, analisamos empiricamente o poder internacio-
nal do Brasil. A análise está focada em três hipóteses: (1) o Brasil tem
um grande poder potencial; (2) o Brasil tem uma enorme vulnera-
bilidade econômica externa, ou seja, um reduzido poder efetivo; e (3)

04 Fábio cap. 4.p65 158 25/9/2009, 16:56


POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  159
o Brasil defronta-se com um elevado “hiato de poder”, isto é, uma
grande diferença entre o poder potencial e o poder efetivo.
Essas três hipóteses têm implicações sérias e profundas para a
definição de estratégias de inserção e políticas de atuação no cenário
internacional, particularmente no sistema econômico internacio-
nal. Trata-se, então, de identificar e hierarquizar os elementos estru-
turais e conjunturais que permeiam as estratégias de inserção inter-
nacional e a política econômica externa.

Conceitos básicos

Antes de passarmos à análise empírica cabe apresentar os concei-


tos básicos, a saber: poder potencial; vulnerabilidade externa; poder
efetivo; e hiato de poder.
O poder potencial de cada Estado está assentado em uma base.
Partindo da conhecida concepção de Weber (1922, p. 152), poder de
um ator político é a probabilidade de realizar a sua própria vontade
independentemente da vontade alheia. Naturalmente, há inúmeros
atores importantes que operam na arena internacional (Seitenfus,
2004, capítulo 2). Dentre esses atores podemos mencionar: indiví-
duos, classes e grupos sociais; grupos de interesses, opinião pública e
mídia; organizações não-governamentais; empresas transnacionais;
banca internacional; e organizações intergovernamentais. Entretan-
to, no cenário internacional o ator político com papel protagônico é
o Estado.
O poder potencial assenta-se em uma base de poder, que é o con-
junto dos recursos materiais de poder sobre os quais o poder poten-
cial de um Estado nacional pode ser convertido em poder efetivo
(Deutsch, 1968, pp. 22-3). Inúmeros são os recursos usados para se
mensurar a base de poder do Estado. As variáveis mais freqüentemente
utilizadas são os recursos bélicos, população, território e riqueza.
A vulnerabilidade externa é a probabilidade de resistência a pres-
sões, fatores desestabilizadores e choques externos, bem como o cus-
to dessa resistência (Gonçalves, 2003, p. 34). Quanto mais baixa essa
probabilidade, maior é a vulnerabilidade externa. A questão da vul-
nerabilidade externa não se restringe à capacidade de resistência. Há,
também, os problemas referentes às opções e aos custos de se contra-
por à influência das variáveis externas. A vulnerabilidade tem, então,

04 Fábio cap. 4.p65 159 25/9/2009, 16:56


160  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S
duas dimensões igualmente importantes. A primeira envolve as op-
ções de resposta com os instrumentos de política disponíveis. E a
segunda incorpora os custos de enfrentamento ou de ajuste ante os
eventos externos (Jones, 1995, p. 7). A vulnerabilidade externa abar-
ca, então, os custos da resistência aos efeitos negativos dos fluxos fi-
nanceiros, do investimento e do comércio no sistema internacio-
nal. Nossa análise restringe-se, então, à vulnerabilidade externa nas
diferentes dimensões das relações econômicas internacionais. Essas
dimensões são a comercial (comércio de bens e serviços), produtiva
(atuação de empresas transnacionais e investimento externo direto),
tecnológica (transferência de know-how e direito de propriedade inte-
lectual), e monetária e financeira (investimentos financeiros, em-
préstimos e financiamentos).
A resistência a fatores desestabilizadores externos é exercida, ge-
ralmente, com o uso de políticas macroeconômicas tradicionais —
políticas monetária, cambial e fiscal. Os governos, também, podem
usar controles diretos sobre os fluxos de capital e sobre as operações
das subsidiárias de empresas transnacionais. Há, ainda, a opção do
uso da política comercial para enfrentar os problemas criados pela
dinâmica do sistema mundial de comércio. Assim, a vulnerabilidade
externa é tão maior quanto menores forem as opções de política, e
quanto elevados forem os custos do processo de ajuste. A vulnera-
bilidade externa varia inversamente com as opções de política e dire-
tamente com os custos do ajuste.
O processo de globalização tem, sem dúvida alguma, gerado um
sistema mais complexo de interdependências entre economias nacio-
nais. Entretanto, esse sistema de interdependências continua signifi-
cativamente assimétrico, de tal forma, que se pode falar de “vulne-
rabilidade unilateral” por parte da grande maioria de países do mundo,
que têm uma capacidade mínima de repercussão em escala mundial
(Ramonet, 1998). Isto é, um país que tem vulnerabilidade unilateral é
muito sensível ante eventos externos e sofre, de forma significativa, as
conseqüências de mudanças no cenário internacional, ao passo que
os eventos domésticos desse país têm impactos nulos ou quase nulos
sobre o sistema econômico mundial.
O poder efetivo de um país é a probabilidade real desse país de
realizar sua própria vontade independentemente da vontade alheia.
Assim, o poder efetivo é inversamente proporcional à vulnerabilidade

04 Fábio cap. 4.p65 160 25/9/2009, 16:56


POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  161
externa. Quanto mais elevada a probabilidade de realizar a sua pró-
pria vontade ou de resistir a pressões externas, menor é a vulnerabi-
lidade de um país e, portanto, maior é o seu poder efetivo no sistema
internacional. O exercício do poder efetivo na arena internacional
depende, então, positivamente do poder potencial e negativamente
da vulnerabilidade externa de cada Estado.
O hiato de poder, por seu turno, é a diferença entre o poder poten-
cial e o poder efetivo. Trata-se, então, da diferença entre o conjunto de
recursos de poder e o conjunto de vulnerabilidades.

Metodologia

A análise empírica do poder potencial, da vulnerabilidade exter-


na, do poder efetivo e do hiato de poder baseia-se em uma metodologia
focada no cálculo de índices específicos. Esses índices são variáveis
reduzidas que medem, para cada país, a diferença entre o seu desem-
penho e o desempenho do país com o pior resultado como uma pro-
porção entre a diferença entre o país com melhor resultado e o país
com o pior resultado. A fórmula básica é seguinte:
X – XMín
Índice = x 100
XMáx – XMín
Sendo X o valor da variável para cada país, XMáx o maior valor da
variável e XMín o menor valor da variável. O índice varia de 0 a 100.
O Índice de Poder Potencial (IPP) é a média simples de três ou-
tros índices que expressam o desempenho das seguintes variáveis:
tamanho do território, população e valor da produção (produto na-
cional). Os índices para cada uma dessas variáveis são calculados
com a fórmula acima. Assim,

IPP + ITP + ITR


IPP =
3
Os índices ITT, ITP e ITR referem-se ao tamanho do território,
da população e da economia, respectivamente. O território é medido
em milhões de quilômetros quadrados, a população em milhões
de habitantes e o tamanho da economia é medido pelo produto inter-
no bruto (em milhões de dólares, conceito paridade de poder de
compra).

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162  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S
Os índices que compõem o IPP são calculados com base na hipó-
tese de “retornos decrescentes”. À medida que aumenta, por exemplo,
a população, o poder potencial não tende a crescer proporcionalmen-
te. Isso quer dizer que a base de poder de um país com uma população
de cem milhões não é equivalente a dez vezes a base de poder de outro
país com uma população de dez milhões. O mesmo ocorre com uma
população de um bilhão, que não tende a gerar um poder potencial
equivalente a dez vezes a base correspondente a uma população de
cem milhões. Tanto um país com uma população de cem milhões ou
de um bilhão de pessoas pode ter forças armadas de três milhões de
combatentes. Para capturar esse fenômeno utilizou-se, na fórmula
acima, o logaritmo natural dos números correspondentes a popula-
ção, território e renda.
O Índice de Vulnerabilidade Econômica Externa (IVE) é a média
simples de três outros índices: vulnerabilidade comercial (IVCO),
vulnerabilidade produtivo-tecnológica (IVPT) e vulnerabilidade mo-
netário-financeira (IVMF). Cada um desses índices expressa uma di-
mensão específica das relações econômicas internacionais. E cada
um desses índices, por seu turno, é a média simples de índices corres-
pondentes a indicadores (coeficientes) específicos de vulnerabilidade
externa. No caso de indicadores que tendem a reduzir a vulnerabilidade
externa, o índice correspondente é igual a 100 menos o índice calcu-
lado com a fórmula acima.
O Índice de Vulnerabilidade Econômica Externa (IVE) é calcula-
do da seguinte forma:
IVCO + IVTP + IVMF
IVE =
3
As dimensões produtivo-real e tecnológica foram tratadas em
conjunto em decorrência da disponibilidade de dados. Os indicado-
res de vulnerabilidade econômica externa, nas dimensões comercial,
monetário-financeira, produtiva-real e tecnológica, são os seguintes.
 Dimensão comercial (cinco indicadores): Exportação de bens
e serviços/PIB; crescimento real do comércio (exportação + importa-
ção) de bens e serviços – crescimento do PIB real; índice de concen-
tração das exportações; reservas internacionais líquidas [exclusives
recursos do FMI]/Importação de bens e serviços; e, taxa de crescimen-
to de longo prazo do valor das exportações de bens.

04 Fábio cap. 4.p65 162 25/9/2009, 16:56


POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  163
 Dimensão produtivo-real (seis indicadores): estoque de IED/
PIB; estoque de IED/exportação de bens e serviços; estoque de IED em
serviços/estoque de IED total; gastos com pesquisa e desenvolvimen-
to tecnológico/PIB; exportação de produtos intensivos em tecnolo-
gia/exportação de manufaturados; e, pagamento de tecnologia/gastos
com P&D.
 Dimensão monetário-financeira (cinco indicadores): dívida
externa total/exportação de bens e serviços; dívida com FMI/dívida
externa total; renda líquida/exportação de bens e serviços; serviço da
dívida pública e garantida pelo setor público/exportação de bens e
serviços; e, ajuda externa/importação de bens e serviços.
O Quadro 1 (em anexo) apresenta as hipóteses de comporta-
mento de cada um dos indicadores. Por exemplo, o índice de
Herfindahl-Hirschmann mostra o grau de concentração das exporta-
ções, sendo calculado para o nível de três dígitos do SITC (239 gru-
pos de produtos). Esse índice varia de 0 a 1, e quanto mais elevado
seja, maior tenderá a ser a vulnerabilidade externa do país ante a
oscilações de preço e quantidade no sistema mundial de comércio.
Outro exemplo, as reservas internacionais líquidas (exclusives recur-
sos do FMI)/Importação de bens e serviços não têm limite superior, e
quanto maior essa relação menor é a vulnerabilidade externa do país
em questão.
A vantagem específica desse novo índice de vulnerabilidade
externa (IVE) está na possibilidade de discriminar e quantificar as
distintas dimensões das relações econômicas internacionais. E, por-
tanto, esse índice quantifica o grau de vulnerabilidade externa de cada
país em cada uma dimensões das relações econômicas interna-
cionais.
O Índice de poder efetivo (IPE) é igual a 100 menos o índice de
vulnerabilidade externa. Ou seja,

IPE = 1 – IVE

O IPE pode, então, ser entendido como a probabilidade de um


país exercer efetivamente sua própria vontade no cenário inter-
nacional, considerando sua situação de vulnerabilidade econômi-
ca externa.
O Índice de Hiato de Poder (IHP), por seu turno, é definido como:

04 Fábio cap. 4.p65 163 25/9/2009, 16:56


164  REINALDO GONÇALVES

IPP
IHP = – 1 x 100
ˆ IPE
Valores positivos do IHP indicam que o país tem um poder efeti-
vo inferior ao seu poder potencial. E, quanto mais elevado for o poder
potencial e menor o poder efetivo, mais elevado é o hiato de poder do
país em questão.
A base de dados inclui informações provenientes de duas fontes,
o Banco Mundial e a Conferência das Nações Unidas para Comércio
e Desenvolvimento (Unctad). A base de dados do Banco Mundial
compõe-se de 152 países. Com essa base é calculado o Índice de Poder
Potencial, mas em razão da falta de dados completos foram excluídos
treze países. Para o cálculo do Índice de Vulnerabilidade Externa é
necessário excluir um outro conjunto de 26 países. Nesse último caso
são excluídos os países que não dispõem de pelo menos três indicado-
res em cada uma das dimensões de vulnerabilidade externa analisa-
das. A amostra final consta, então, de 113 países e cada um desses
países tem pelo nove indicadores. No Quadro 2 (em anexo) estão
explicitadas as fontes de dados de todos os indicadores.
Ainda como questão metodológica, cabe destacar que o índice
normalizado usado nesse estudo é muito sensível aos valores máxi-
mo e mínimo de cada indicador. Portanto, deve-se ter cautela com os
outliers. Para se resolver esse problema foi necessário definir um crité-
rio para se encontrar os valores máximo e mínimo de cada indicador.
Após inspeção visual dos dados, decidiu-se desprezar os três maiores e
os três menores valores de cada variável para se encontrar os valores
máximo e mínimo.

Análise empírica

As estatísticas descritivas dos índices são apresentadas na Ta-


bela 1 (em anexo). Esses dados referem-se à amostra de 113 países.
A Tabela 2 (em anexo) mostra as variáveis usadas no cálculo do
Índice de Poder Potencial (IPP) para os 113 países da nossa amostra
principal e para mais outros 26 países que não estão na amostra prin-
cipal usada para o cálculo de todos os indicadores. Os 139 países são
classificados em ordem decrescente do valor do IPP.
Os dados confirmam a percepção geral, ou seja, há um conjunto

04 Fábio cap. 4.p65 164 25/9/2009, 16:56


POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  165
de cinco países que têm uma extraordinária base de recursos ter-
ritoriais, humanos e econômicos. Em ordem decrescente do IPP, es-
ses países são: China, Estados Unidos, Índia, Federação Russa e Brasil.
Na segunda bateria dos cinco países com maior IPP encontramos
dois países asiáticos (Indonésia e Japão), dois da América do Norte
(Canadá e México) e um da Europa Ocidental (Alemanha). A percep-
ção acerca da especificidade do Golias-Brasil é, então, confirmada
pelo IPP, que situa o Brasil como o país com o quinto maior poder
potencial do mundo, com o IPP igual a 80,8.
A Tabela 3 (em anexo) apresenta os índices de vulnerabilidade
econômica externa nas dimensões comercial, produtivo-tecnológica
e monetário-financeira, bem como a média desses índices, que é o
nosso índice final de vulnerabilidade externa (IVE). Vale repetir, a
amostra inclui 113 países. Segundo os dados, o Brasil tem IVE igual a
49,1, que é o décimo oitavo maior IVE da mundo. O IVE do Brasil é
significativamente maior do que a média e a mediana mundial que
são de 39,9 e 39,7, respectivamente.
Dentre os países de maior vulnerabilidade externa, acham-se pa-
íses em desenvolvimento da África (Zâmbia, Burundi e Ruanda) e da
América Latina (Nicarágua, Equador e Uruguai). Dentre os países com
elevado IVE, além do Brasil, o destaque fica com a Argentina, cujo IVE
é o décimo sétimo maior. No conjunto dos países desenvolvidos, os
maiores índices de vulnerabilidade econômica externa são da Irlanda
e da Bélgica; países que ocupam a trigésima terceira e sexagésima
segunda posições, respectivamente. Todos os países mencionados aci-
ma têm IVEs superiores à média mundial. Os cinco países com me-
nor vulnerabilidade econômica externa são: Japão, Israel, Índia e EUA.
Os índices de vulnerabilidade externa nas distintas dimensões das
relações econômicas internacionais permitem a hierarquização das
fontes de fragilidades dos países. No caso do Brasil, na dimensão co-
mercial o IVCO é de 38,1, na dimensão produtivo-real o IVPT é de 51,4
e na dimensão monetário-financeira o IVMF é de 57,7. Só o IVCO do
Brasil está abaixo da média e da mediana dos países da amostra.
No que se refere ao IVCO, o Brasil tem o septuagésimo quarto
maior índice. Ou seja, o Brasil apresenta uma vulnerabilidade exter-
na relativamente baixa na dimensão comercial. O IVCO do Brasil é
38,1, ao passo que a média mundial desse índice é 43,4 e a mediana é
42,4. Esse resultado expressa, em certa medida, o fato de o Brasil ser

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166  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S
uma economia de porte continental, na qual o comércio exterior
tende a ter uma importância relativamente pequena. Ademais, o Bra-
sil é um global trader com uma diversificação tanto de mercados quanto
de produtos. Essa última é expressa por um dos indicadores usados no
cálculo do IVCO (o índice de Herfindahl-Hirschmann).
Quando passamos para a vulnerabilidade externa na dimensão
produtivo-real, a situação do Brasil piora, pois o país sobe para a qua-
dragésima nona posição. O IVPT do Brasil (51,4) é maior que a média
(48,8) e a mediana (49,7) desse indicador para o conjunto dos países
da amostra. Isso reflete, em grande medida, o fato de que as empresas
transnacionais têm forte presença na economia brasileira. Essa situa-
ção agravou-se nos últimos anos com a entrada dessas empresas nos
setores non-tradeables mediante o processo de privatização. Esse indi-
cador expressa, ainda, a fragilidade do sistema nacional de inovações.
De fato, o Brasil tem tido historicamente uma das economias mais
abertas (e vulneráveis) do mundo na dimensão produtivo-tecnológica.
A situação de vulnerabilidade externa do Brasil é particularmen-
te elevada na dimensão monetário-financeira. O IVMF do Brasil de
57,7 é o décimo oitavo maior do mundo, mais do que o dobro da
média (27,4) e da mediana (22,9) para os países da amostra. A questão
central aqui reside na dívida externa e nos processos de ajuste que
recorrentemente se apóiam em recursos do FMI.
Passemos agora à análise dos outros índices. Na Tabela 4 (em
anexo) os 113 países da amostra são classificados na ordem decres-
cente dos índices (IPP, IVE, IPE e IHP).
O Índice de Poder Efetivo (IPE) é o “outro lado da moeda” do
Índice de Vulnerabilidade Externa e, portanto, pouco há para acres-
centar ao que já foi destacado acima. No entanto, vale mencionar que
o IPE do Brasil é extraordinariamente elevado, e o país ocupa a nona-
gésima sexta posição, conforme mostra a Tabela 4 (em anexo).
??? Cabe, ainda, mencionar que no conjunto dos dez maiores IPEs
encontramos quatro dos cinco membros permanentes do Conselho
de Segurança da ONU (China, Estados Unidos, França e Reino Unido
e Rússia). Somente a Federação Russa, que tem o vigésimo terceiro
maior IPE, não está no “top 10” do IPE. No conjunto dos países em
desenvolvimento, o destaque fica por conta da Índia, que tem o tercei-
ro mais elevado IPE.
Quanto ao Índice de Hiato de Poder (IHP), os dados da Tabela 4

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POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  167
(em anexo) mostram que o Brasil é o país com o maior IHP. Os países
com menor IHP tendem a ser os que têm pequena base de recursos
humanos, territoriais e econômicos. Por outro lado, os países que têm
os maiores IHPs tendem a ser os que têm grandes bases de poder (Chi-
na, Federação Russa, EUA, Paquistão e Indonésia) ou, então, que têm
elevada vulnerabilidade externa (Zâmbia, Sudão e Turquia) ou, então,
que têm, ao mesmo tempo, elevada base de poder e grande
vulnerabilidade externa (Brasil e Argentina). O fato a destacar é que o
Brasil é o país com o IHP mais elevado da nossa amostra. Esse índice,
vale repetir, é a diferença entre o poder potencial e o poder efetivo.

Resultados e implicações

As evidências empíricas trazidas pelos novos indicadores anali-


sados nesse texto apóiam as três hipóteses levantadas inicialmente.
Em primeiro lugar, o IPP mostra, inequivocamente, que o Brasil tem
um grande poder potencial, pois está entre os cinco países com maior
IPP do mundo, juntamente com China, Estados Unidos, Índia e Fede-
ração Russa. Confirma-se, assim, a percepção geral a respeito do ex-
traordinário poder potencial do Brasil.
Em segundo lugar, o Brasil tem enorme vulnerabilidade econô-
mica externa, ou seja, um reduzido poder efetivo. O IVE classifica o
Brasil como o décimo sétimo país com maior vulnerabilidade econô-
mica externa. Essa vulnerabilidade é menos acentuada na dimensão
comercial, mas é elevada na dimensão produtivo-tecnológica e, prin-
cipalmente, muito alta na dimensão monetário-financeira.
Em terceiro lugar, o Brasil defronta-se com elevado “hiato de
poder”, ou seja, uma grande diferença entre o poder potencial e o
poder efetivo. Isso resulta tanto do elevado poder potencial quanto do
reduzido poder efetivo (alta vulnerabilidade externa).
Que implicações podemos tirar desses resultados empíricos?
Na realidade, no lugar da atual retórica da política externa brasilei-
ra, deveria pôr-se o foco da estratégia e da política na redução efetiva da
sua vulnerabilidade econômica externa. A análise empírica apresen-
tada nesse texto mostra que a ênfase deveria ser a redução da vul-
nerabilidade externa nas dimensões monetário-financeira e pro-
dutivo-tecnológica. E, isso passa, fundamentalmente, por política
domésticas.

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168  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S
Do ponto de vista operacional, no que se refere à redução da
vulnerabilidade monetário-financeira, vale destacar as propostas de
auditoria da dívida externa, como a primeira fase de um processo de
mais longo prazo de renegociação da dívida externa (Carneiro, org.,
2003). Aqui, pode-se mencionar, ainda, a introdução de controles
sobre fluxos internacionais de capitais, ou seja, barreiras na entrada e
na saída. Quanto à redução da vulnerabilidade produtivo-tecnológica,
pode-se destacar a criação de uma agência reguladora do capital es-
trangeiro, que apontaria critérios de desempenho para as empresas
transnacionais atuando no País (Gonçalves, 2000), bem como a re-
jeição da Parceria Público-Privada, que agrava tanto a vulnerabilidade
nessa dimensão, quanto na dimensão monetário-financeira. E, na
dimensão comercial, caberiam medidas orientadas para a reversão
da perda de competitividade internacional do Brasil nos produtos
manufaturados. Ademais, é necessário reverter o processo de repri-
marização das exportações, que é caracterizado pela crescente partici-
pação dos produtos agrícolas nas exportações do País (Gonçalves,
2004). Trata-se da reversão do atual processo de inserção regressiva do
país no sistema mundial de comércio.

Da estratégia do papagaio à estratégia do jacaré

É difícil concluir este texto sem fazer um comentário sobre os


rumos da atual política externa do Brasil.
Retornando à nossa referência literária, Policarpo Quaresma, após
muito sofrimento, o personagem de Lima Barreto “pensou que foram
vãos aqueles seus desejos de reformas capitais nas instituições e costu-
mes: o que era principal à grandeza da pátria estremecida, era uma
forte base agrícola, um culto pelo seu solo ubérrimo, para alicerçar
fortemente todos os outros destinos que ela tinha de preencher” (Lima
Barreto, 1915, p. 12). Se no lugar de ter sido escrito há cerca de um
século, a obra-prima de Lima Barreto tivesse sido publicada nestes
primeiros anos do século XXI, é possível que o major Quaresma esti-
vesse defendendo o agronegócio! A verve irônica e a crítica social de
Lima Barreto poderiam tornar o major Quaresma um estratego da
política e da diplomacia econômica do governo Lula. O major Qua-
resma seria, hoje, um personagem do Palácio do Planalto ou do Ita-
maraty. É bem verdade que Policarpo Quaresma teve um triste fim.

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POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  169
Se ressuscitado um século e meio depois, não haveria por que
Gonçalves Dias não repetisse seus versos: “As aves que aqui gorjeiam,
não gorjeiam como lá”. Lamentavelmente, esses versos nos remetem
ao discurso do presidente Lula na abertura da Assembléia-Geral da
Organização das Nações Unidas em 21 de setembro de 2004. Quando
Lula pediu a implementação de controles sobre capitais internacio-
nais, os chefes de Estado de outros países provavelmente se lembra-
ram que o Brasil se tornou um verdadeiro paraíso fiscal para o capital
internacional, um oásis para todas as máfias internacionais que ope-
ram a lavagem de dinheiro, sobretudo em decorrência da liberalização
e da desregulamentação financeira e cambial (Attac, 2002).
Quando Lula defendeu reformas no sistema monetário interna-
cional por meio de mudanças no modo operacional do FMI, alguns
se recordaram que foi o próprio Lula quem propôs o aumento do
superávit fiscal brasileiro de 3,5% para 4,25% do PIB no acordo do
País com o FMI no início do seu governo. E mais, foi o próprio Lula
quem mandou aumentar o superávit fiscal (para 4,5% do PIB), logo
após a sua volta da Assembléia-Geral da Organização das Nações Uni-
das em setembro de 2004.
Os presentes na ONU também se lembraram que foi Lula quem
negou apoio explícito ao governo da Argentina, quando esse país so-
fria fortes pressões internacionais de governos, dos credores e do FMI
no início de 2004. Isso ocorreu porque Lula deixou o Brasil acocorado
na arena internacional, submetido a um acordo com o FMI, que era
tão desnecessário quanto custoso para o País. Quando Lula defendeu
uma frente internacional de combate à fome e à exclusão social, muitos
se lembraram que Lula estava executando uma das políticas macroe-
conômicas mais restritivas do mundo (juros que são recordes mun-
diais, tributação crescente e altamente regressiva, níveis salariais bai-
xos, precarização do trabalho, redução dos direitos sociais, desemprego
dramático e crescente concentração de riqueza e renda). Se lembra-
ram, ainda, que as políticas compensatórias de Lula (com resultados
pífios) não escondem a miséria, a pobreza, a violência e a desesperan-
ça crescente que afligem o povo brasileiro, bem como a descrença
nos atuais grupos dirigentes.
E, se não bastasse, Lula confundiu as funções do FMI com as do
Banco Mundial. No discurso na Assembléia da ONU, ao falar dos
fluxos de financiamento dos organismos multilaterais, Lula foi cate-

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170  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S
górico: “Trata-se de ajustar-lhes o foco para o desenvolvimento, resga-
tando seu objetivo natural”. Ele afirmou, ainda, que “o FMI deve cre-
denciar-se para fornecer o aval e a liquidez necessários a investimen-
tos produtivos, especialmente em infra-estrutura, saneamento e
habitação, que permitirão, inclusive, recuperar a capacidade de paga-
mento das nações mais pobres”. Nessas declarações Lula mostrou
claramente seu desconhecimento das funções do FMI. E mais, mos-
trou-se desinformado, pois confundiu as funções do FMI com as do
Banco Mundial.
Como resultado, é bem provável que algum chefe de Estado pre-
sente na ONU em setembro de 2004 tenha reagido ao discurso do
presidente do Brasil com o seguinte comentário: está aí o Golias com
imunodeficiência e politraumatismo. Outros diriam: e o rato ruge!
Alguns mais cultos e generosos declamariam os versos de Gonçalves
Dias: “as aves que aqui gorjeiam [. . .]”.
Os indicadores aqui apresentados podem ajudar-nos a melhor
apreender a essência da atual política externa brasileira, marcada por
uma diferença oceânica entre a retórica e a realidade, entre a base de
poder e a vulnerabilidade externa do País.
A realidade, vale repetir, é a seguinte: o Brasil tem enorme hiato
de poder na arena internacional. Até agora, felizmente, não se identi-
ficaram custos evidentes das bravatas da política externa de Lula. Por
outro lado, os benefícios têm-se restringido, em grande medida, ao
plano da política interna (melhorando a imagem do presidente da
República). Tais benefícios têm retornos decrescentes. Afinal, da mes-
ma forma que o segundo, terceiro ou quarto discursos nas Nações
Unidas terão efeitos cada vez menores no País (e efeito nulo no mun-
do). Do lado dos custos, além da perda crescente de credibilidade
internacional de Lula, esperemos que a “estratégia do papagaio” ou da
“liderança com hiato de poder” não traga outras conseqüências nega-
tivas como, por exemplo, a perda de projeção internacional do País.
A inegável grandeza do País gerou belos poemas, romances ma-
gistrais, sonhos exuberantes, projetos de Brasil-potência, desvarios po-
líticos e comportamentos irresponsáveis. O problema é que o distan-
ciamento da realidade não se restringe somente à literatura, em versos
e personagens geniais que nos divertem e emocionam. Lamentavel-
mente, na realidade da política e da economia, o Brasil tem tido grupos
dirigentes que formulam estratégias e implementam políticas desco-

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POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER  171
ladas da base de poder efetivo do País. A patriotada desvairada e irres-
ponsável causa sérios problemas ao País. Por trás da retórica tola e vazia
da auto-estima há a implementação de medidas e políticas que aumen-
tam a vulnerabilidade externa do País. No caso de Lula, vale mencionar,
ainda, o foco na exportação de produtos agrícolas, a Parceria Público-
Privada e o contínuo desmonte do sistema nacional de inovações.
Já é hora de a política externa brasileira mudar o rumo. Para co-
meçar, deve-se abandonar discursos inócuos e vazios na ONU e ou-
tros fóruns internacionais (aliás, quem se lembra do último discurso
do primeiro-ministro da China ou da Índia na ONU, países efe-
tivamente poderosos?). A “estratégia do papagaio” é a da retórica sem
poder real. Só essa estratégia permite a alguém conceber que um país
acocorado no sistema monetário internacional possa ter voz ativa no
Conselho de Segurança da ONU. E, foi exatamente nesse Conselho
que os EUA (o hegemon) desrespeitou outros países com elevado po-
der efetivo no sistema internacional. Lula pode “faturar” politica-
mente no plano interno com essa história de uma vaga no Conselho
de Segurança, mas são altamente duvidosos os ganhos reais para o
País. Como resultado, no lugar da “estratégia do papagaio” o Brasil
deveria passar para a “estratégia do jacaré”.
Como alternativa, a “estratégia do jacaré” significa “manter a
boca fechada, ficar somente com os olhos de fora e ganhar massa
muscular”. Isso não significa isolamento e, sim, um perfil baixo com-
patível com o poder efetivo (igualmente baixo) do País. Em síntese, o
Brasil precisa ter como diretriz fundamental do seu projeto de desen-
volvimento e de inserção internacional, a redução da sua própria
vulnerabilidade externa. Para isso, é necessário mudar diretrizes e
políticas domésticas que afetam a inserção internacional do País nas
dimensões comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financei-
ra. Talvez, no futuro, quando as atuais políticas de Lula forem reverti-
das e o Brasil tiver poder efetivo, é que o país será capaz de superar o
atual hiato de poder. Aí sim, é que o Brasil se qualificará seriamente
para um papel protagônico no cenário internacional. Ao fim e ao
cabo, estamos tratando da tão velha quanto tão sábia realpolitik.

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SEGUNDA PARTE

ESTADO, POLÍTICA ECONÔMICA E MUDANÇAS


ESTRUTURAIS: PLANO REAL E INSTABILIDADES CRÔNICAS

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CAPÍTULO 5
A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

REGINALDO SOUZA SANTOS


E L I Z A B E T H M AT O S R I B E I R O
M Ô N I C A M AT O S R I B E I R O
T H I A G O C H A G A S S I LVA S A N T O S
V I N Í C I U S M E N D E S D A C O S TA

O
O B J E T I V O D E S T E C A P Í T U L O é analisar como ficou a situação
financeira do Estado brasileiro com o esgotamento dos ins-
trumentos que potencializaram a expansão econômica a
partir das reformas institucional e financeiro-bancária, implemen-
tadas durante a vigência do Plano de Ação Econômica do Governo —
Paeg. As análises correntes dão conta de que a crise da economia
brasileira, a partir dos anos 80 do século passado, decorre única e
exclusivamente da crise fiscal do Estado — daí emerge a necessidade
de serem empreendidas reformas no seu interior direcionadas para o
equilíbrio das contas públicas. Sem embargo, considera-se impres-
cindível avançar na análise dos aspectos determinantes do que co-
mumente se denomina de crise fiscal. Em vez de vê-la relacionada
apenas com a política macroeconômica, com excessivo nível de gasto
público e com as deficiências inerentes ao sistema tributário, passa-
se, também, a compreendê-la no contexto da concorrência entre na-
ções e entre capitais líderes e rivais e que está levando a um acelerado
processo de centralização e concentração de capitais.
Desse modo, a discussão da crise do padrão de financiamento da
economia brasileira, estruturado a partir das reformas institucionais
dos anos 1960, desdobra-se em duas questões centrais: 1) De que
maneira a opção adotada para a inserção da economia brasileira no
175

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176  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
processo de integração ao sistema financeiro internacional contri-
buiu para a deterioração dos arranjos de financiamento governamen-
tais?; e 2) Em que medida os arranjos de financiamentos, erigidos a
partir dos anos 1960, mostram-se frágeis para a manutenção dos gas-
tos governamentais, estrangulando a capacidade de poupança deste
Estado? Dessas preocupações iniciais, pode-se inferir que a “crise fis-
cal” do Estado brasileiro decorre de uma causa estrutural própria das
características de um padrão de acumulação em escala mundial, com
o predomínio claro da esfera financeira, cujas transformações, que
afloraram nos últimos anos da era de ouro do capitalismo, apontam
para um processo de financeirização da riqueza com impactos sobre
a capacidade regulatória dos Estados nacionais.
É obvio que a configuração de um padrão de acumulação, com
um crescente predomínio da esfera financeira, acompanhado de uma
perda de poder regulatório do Estado sobre a economia, não respon-
dem às diversidades das crises de diferentes conjunturas. Contudo,
seria erro elementar a não-consideração das questões inerentes à tão
propalada integração ao sistema financeiro internacional no enten-
dimento da crise fiscal vivida pelo Brasil. Neste sentido, faz-se neces-
sário compreender de que forma a dinâmica da economia mundial e
seus mecanismos de relação com a economia nacional afetaram a
gestão fiscal, contribuindo para a deterioração das relações de débito
e crédito entre o Estado e a sociedade.

O diagnóstico da crise fiscal à luz da ortodoxia

Apesar da complexidade e das dificuldades vividas pela econo-


mia contemporânea, tanto no plano teórico quanto prático, impres-
siona a simplicidade do diagnóstico e das soluções apontadas pela
ortodoxia para a atual conjuntura do capitalismo. Em razão das com-
plexas relações do Estado com o sistema econômico, até mesmo por
ser na fase atual a única instituição capitalista a integrar todo o siste-
ma e manter a união dos elos em todos os setores da matriz social de
insumo-produto, seria erro falar de uma crise puramente fiscal. Para
se entender de que crise se trata e da qual estamos falando e, com base
nesse ponto, construir-se um novo conceito de finanças públicas,
deve-se partir da negativa de duas hipóteses que validam a tese de cri-
se fiscal.

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  177
A primeira refere-se à idéia de que o Estado atua sobre a demanda
agregada, estimulando o consumo mediante a política fiscal. Uma
ação desse tipo pode ser caracterizada como conjuntural quanto ao
tempo e externa quanto à forma. A hipótese aqui defendida é diame-
tralmente oposta e tenta mostrar que o Estado atua com muito mais
dinamismo sobre os circuitos produtivos, da intermediação financei-
ra e gestão monetária; por essa razão, está inserido na dinâmica capi-
talista na qualidade de determinante dela e determinado por ela. Esta
não é, por conseguinte, uma característica observável apenas em nos-
so tempo, mas desde as origens de um e outro, melhor dizendo: desde
as origens do próprio capitalismo.
A segunda hipótese reporta-se à conclusão de que, além de ser
fiscal, ela é uma crise exclusiva do Estado. Em razão de o Estado estar
inserido na dinâmica capitalista, não se podem tomar os aspectos
puramente fiscais para se demonstrar a dimensão da crise. Antes,
seria necessário tomar todas as relações relevantes: fiscal, monetária,
financeira e produtiva; ainda assim, para se chegar à mensuração da
existência ou não de uma crise, seria necessário fazer-se um balanço
das relações de débito e crédito de todas as relações relevantes e, nesse
caso, o aspecto fiscal deixaria de ser um gênero e passaria à categoria
de espécie, como apenas mais um elemento caracterizador de uma
dada crise. Esclareça-se, de logo, que o aspecto fiscal tem grande rele-
vância nessa mensuração da crise, mas não da mesma forma como
quer fazer crer a ortodoxia, que toma o resultado ex-post do balanço
para medir um déficit e qualificar uma suposta ineficiência do setor
público como gestor de recursos. O aspecto fiscal ganha relevância se
for tomado ex-ante a formação do orçamento, isto é, nos momentos
em que estão caracterizados os débitos tributários dos agentes econô-
micos ao Tesouro.
Qual é a estrutura do pensamento conservador materializado na
política neoliberal que fala de uma crise fiscal e prega a noção de
Estado mínimo? Segundo esse pensamento, a crise, que deriva e é
sinônimo de déficit público, tem como causa primária e única o ex-
cessivo intervencionismo governamental, visto que, por conta de uma
descontrolada política de gastos, parte do volume global de investi-
mento realizado pelo Estado perde eficiência alocativa. Disso decor-
rem dois movimentos perversos: a) por conta da ineficiência alocativa,
o sistema econômico como um todo tem reduzido a sua taxa de pro-

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178  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
dutividade, o que faz declinar a carga tributária futura; b) pela mesma
razão, para conseguir o mesmo nível de produção, o Estado é obriga-
do a gastar mais do que o necessário. Dessa forma, ambos os movi-
mentos — mais gasto, menos receita — produzem o mesmo resulta-
do: a ampliação do déficit público.
Assim, o déficit público, diagnosticado dessa forma simplória,
passa a ser o vilão da crise. Por quê? Pelo simples fato, argumenta a
ortodoxia, de que a dívida pública está sendo contratada a prazos cada
vez mais curtos, particularmente nos países mais instáveis, e, com o
seu estoque superando a renda nacional corrente anual, o governo é
obrigado a negociá-la numa velocidade e a custos indesejáveis. Consi-
derando que os agentes econômicos têm outras franquias de aplica-
ções em ativos reais e financeiros, a alternativa possível de o governo
administrar a sua dívida é emitindo moeda ou oferecendo maior ren-
tabilidade para as aplicações em títulos públicos, mediante deságio e
taxa competitiva de juros. Com isso, as taxas dos títulos da dívida
pública provocam um crawding-out e se tornam o balizador das de-
mais taxas, o que irá provocar um efeito boomerang altista sobre os
juros e sobre os preços.
A síntese desse diagnóstico pode ser assim resumida: maior grau
de intervenção implica maior ineficiência alocativa, o que faz decli-
nar o nível de produtividade do sistema econômico. Assim, mais gas-
to e menos receita ampliam o déficit público. Competindo por recur-
sos, o déficit faz aumentar as taxas de juros e os níveis de preços. Com
isso, gera-se incerteza futura e a boa racionalidade capitalista reco-
menda cautela na decisão de investir, o que provocará queda nos ní-
veis de emprego e da atividade econômica: é a crise generalizada.
Dado que o círculo é vicioso — com virtuosidade — e, na crise, as
despesas governamentais são menos sensíveis à queda do que as
receitas, sobretudo pelo caráter relativamente incomprimível de cer-
tos tipos de dispêndios (determinado por razões técnicas, políticas
ou humanitárias), o déficit público se eleva ainda mais, voltando-
se ao ponto de partida para o início de um novo processo de dese-
quilíbrio.
Qual é, então, a solução recomendada pela ortodoxia para se con-
ter o apetite intervencionista e gastador do Leviatã? O caminho apon-
tado tem duas variantes, porém convergentes para o mesmo ponto.
De um lado, sugere-se o corte linear das despesas, estimando-se que, a

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  179
um dado porcentual em n anos todos, os problemas estarão resolvi-
dos. De outro lado, como reforço à medida anterior, recomenda-se a
transferência para a iniciativa privada do ativo estatal imobilizado na
produção de bens e serviço; esta medida, transferindo de mãos o po-
der de alocação/produção, não só aumenta a eficiência alocativa do
sistema, como permite ao Estado o resgate mais rápido da sua dívida,
donde se deduz que o Estado fique menos onerado para estabelecer
uma política de equilíbrio fiscal.
Com efeito, a discussão se processa por meio de uma visão ad hoc
da intervenção do Estado, como se a interferência direta ou indireta
deste no desenvolvimento econômico e social não fosse uma condi-
ção historicamente determinada pelo apoio ao processo de acumula-
ção das economias capitalistas. Dessa forma, ficam seriamente com-
prometidas e ilegíveis as postulações teóricas que procuram explicar
o desenvolvimento econômico abstraindo o lugar e o importante
papel do Estado, como se o processo se autodeterminasse a partir das
relações de mercado.
Nesse ponto, surge um dilema para a teoria econômica ortodoxa.
Como o Estado pôde financiar esse elevado grau de intervenção sem
afetar o ritmo da acumulação do setor privado e um nível mais eleva-
do de bem-estar dos cidadãos, já que a sua ação alocativa vem sendo
considerada ineficiente? O caminho metodologicamente mais cor-
reto para se tentar responder a esta questão será buscar nos limites da
própria economia ortodoxa — a teoria das finanças públicas — algu-
mas indicações que possibilitem sair do dilema.
Desse modo, verifica-se que a curiosidade teórica da ortodoxia
constatou, por intermédio do alemão Adolph Wagner, que o desen-
volvimento da moderna sociedade industrial implicaria crescentes
pressões pelo progresso social. Fundado nessa constatação, Wagner
formulou a sua lei de tendência crescente dos gastos públicos, que na
sua elaboração mais apurada é apresentada como: à medida que a
renda nacional cresce, os gastos públicos se expandem numa proporção
ainda maior (Wagner, 1904). Que coisa fantástica! Os gastos governa-
mentais crescem mais do que a renda nacional, a acumulação priva-
da acelera-se e o nível de bem-estar da sociedade também aumenta.
Como explicar esse paradoxo, se se considera a hipótese de que o
intervencionismo excessivo é o fator de desestabilização estrutural e,
por conseguinte, de ineficiência do sistema econômico?

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180  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
Diante disso, considera-se que a variação do dispêndio apresen-
ta-se maior que a variação da renda porque, na fase inicial do desen-
volvimento, o Estado é obrigado, de um lado, a compensar gastos
sociais e, de outro, porque o dispêndio estatal apresenta uma caracte-
rística particular, visto que, quando o gasto passa para um patamar
mais elevado — decorrente de uma situação fortuita, a guerra, por
exemplo —, apresenta uma certa rigidez à queda uma vez cessado o
motivo que o fez elevar-se.
Do lado do financiamento e na tentativa de sair da encruzilhada
teórica, os adeptos da linha ortodoxa das finanças públicas transferi-
ram o problema para o longo prazo, dando conta de que a situação-
limite da tendência crescente dos gastos, numa proporcionalidade
maior que a renda, seria a capacidade de pagamento de impostos
pelos contribuintes. Além disso, supondo que os gastos do Estado são
motivados por demandas sociais, formula-se a hipótese de que, no
longo prazo, há uma tendência de deslocamento para baixo da fun-
ção despesa, motivada pela queda na demanda em razão do elevado
nível de renda e de bem-estar social. Esta hipótese não tem nenhuma
correspondência com a realidade, porque, como já vimos, a motiva-
ção de gasto não está determinada apenas pela necessidade de se ele-
var o nível de consumo agregado. Além disso, mesmo que haja con-
sistência teórica na sua formulação, a realidade demonstra que, a
despeito do crescimento da renda per capita agregada, a distribuição
de renda não está ocorrendo num nível que permita ao Estado libe-
rar-se de gastos em áreas sociais; ao contrário, com a política atual, à
medida que o Estado reduz as despesas nesses programas, mais au-
mentam a pobreza e a indigência social.
Com efeito, o que parece verdadeiro é que as restrições ao cres-
cimento dos gastos governamentais, mais que proporcional à ex-
pansão da renda, não ocorrem pelo lado da receita, mas pelos limites
da capacidade de endividamento, que é resultante, principalmente,
do fato de que o Estado não teria condições de financiar essa larga
base produtiva mediante mecanismos tradicionais, do tipo apropria-
ção do excedente social pela via fiscal. Nesse sentido, avançar nas
discussões acerca do gasto público e das formas de financiamento
pelo caminho aqui indicado pode significar, para o pensamento orto-
doxo das finanças públicas, a destruição dos seus próprios alicerces
teóricos.

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  181
Mais do que isso: como a teoria ortodoxa não possui um instru-
mental teórico capaz de explicar esse movimento histórico das re-
lações do Estado com a economia e as repercussões desse fato nas
finanças governamentais, termina querendo explicar o dito estágio
“crítico” do déficit público mediante um instrumental fortemente
ideologizado. Separadas de sua historicidade, as relações do Estado
com a sociedade passam a ser consideradas ad hoc e responsáveis
últimas pela desordem econômica. Dessa forma, esse tipo de argu-
mentação fica aparentemente descomprometido com a sua falsidade
teórica e ideológica.
Diante disso, só se compreendem as alterações relevantes no con-
teúdo das finanças públicas do Estado capitalista caso seja possível
entender as transformações ocorridas nas últimas décadas, particu-
larmente quando se observa que os espaços da intermediação finan-
ceira e monetária se ampliam ainda mais em decorrência da instabi-
lidade inerente ao sistema financeiro, que, numa situação de crise,
impõe ao Estado validar grande parte das relações de débito e crédito,
por meio do Banco Central e que, em última instância, recai sobre o
Tesouro nacional. Mais ampliado ainda fica quando esse gerencia-
mento da intermediação ganha dimensão mundializada, por meio
de instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Mundial, a Organização Mundial do Comércio, além de outras insti-
tuições multilaterais de alcance mais regional. Esse gerenciamento
em escala internacional decorre de, pelo menos, três fatores: a) a
queda do padrão-ouro e a precariedade do dólar como padrão de refe-
rência nas relações internacionais; b) a internacionalização com pri-
vatização (pelo sistema bancário mundial) das relações de débito e
crédito; e c) a convivência da grande maioria das nações com dese-
quilíbrios no balanço de pagamentos.
Não obstante isso, se acredita que as bases das finanças só estão
materialmente modificadas quando o Estado é obrigado a procurar
alternativas de valorização não só de capitais privados, mas também
para capitais sob seu controle. É, portanto, na constituição de capitais
próprios, aliado ao poder de emitir a moeda única de curso forçado,
que o Estado ganha, de um lado, a capacidade de continuamente se
autonomizar ante as fontes tradicionais de financiamento e, de ou-
tro, maior importância na determinação da dinâmica capitalista e no
processo de estabilização do sistema. Por isso tem toda a razão quem

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182  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
afirma que a ação do Estado não tem evitado a recessão, mas também
sem ela se estaria numa depressão de proporções destruidoras.1
Nesse sentido, para se avaliar corretamente o objeto das finanças
públicas é necessário analisá-lo numa dimensão conceitual tal que
incorpore os aspectos relacionados com a tributação, a intermediação
financeira, a gestão monetária e com os rendimentos decorrentes dos
ativos estatais imobilizados em diferentes tipos de atividades. Nou-
tras palavras: temos de analisá-lo numa dimensão ampla das relações
de débito e crédito do Estado com os demais agentes econômicos e, a
partir disso, avaliar a natureza e a dimensão da crise e, principalmen-
te, saber se se trata de uma crise localizada no âmbito do Estado ou se
estamos diante de uma crise que é do próprio sistema na atual con-
juntura, na qual a concorrência e a valorização do capital ganham
características particulares e preocupantes.
Decerto, a partir do exposto, a nossa noção de finanças públicas e
da dita crise fiscal do Estado irá modificar-se fundamentalmente em
relação ao pensamento corrente. Não se trata, pois, de uma crise fiscal
atribuída ao Estado; trata-se, certamente, de uma crise muito mais
abrangente porquanto ela é a expressão de uma crise sistêmica, po-
rém magnificada pelo discurso ideológico como sendo uma crise do
Estado que se manifesta por seus elementos constitutivos — fiscal,
financeiro, monetário e patrimonial —, sobre os quais o Estado tem
forte poder de decisão, mas não significando que seja esta a institui-
ção que deva absorver os resultados negativos e, muito menos ainda,
que justifique a política neoliberal.
Do ponto de vista fiscal, observa-se que o sistema tributário está,
cada vez mais, perdendo potência para financiar determinados tipos
de gastos, seja pelo lado dos espaços restringidos da tributação e da
necessidade de gasto de proteção social e econômica (ao desemprego,
à velhice, no combate à criminalidade, para sustentação dos lucros de
setores protegidos, etc.), seja pelo da ampliação dos débitos tributários
— reais ou fictícios, estes quando motivados por rede de sonegação.
Do ponto de vista financeiro, as dificuldades advêm, de um lado,
da incapacidade de o Estado sustentar um amplo leque de créditos de
longo prazo com taxas de juros fortemente subsidiadas e, de outro, do
pesado ônus que é obrigado a sustentar decorrente de ampla dívida
pública fortemente financeirizada, cujo crescimento não decorre mais
da necessidade de financiamento dos gastos de proteção social e da

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  183
ampliação da base de produção de bens e serviços sob a responsabili-
dade do Estado, mas, sobretudo, para sancionar os ganhos financeiros
privados, numa escala mundial.2
Do lado monetário, expresso pelas ações do Banco Central e pelo
poder de emitir moeda de curso forçado — sem lastro de nenhuma
natureza —, o Estado está sendo devastado cada vez mais em razão de
ser forçado a sustentar posições deficitárias de intermediários finan-
ceiros e, sobretudo, por ser obrigado a estatizar o ônus decorrente dos
desequilíbrios externos, que se ampliam à medida que são dinamiza-
dos os fluxos de mercadorias e, sobretudo, de capitais. Esta situação
ganha contornos mais dramáticos quando se acirra a competição
internacional pela proteção dos capitais nacionais e pela preservação
do emprego interno.
Do ponto vista patrimonial, que se expressa no ativo imobilizado
— capital estatal em função produtiva de bens e serviços — sofre as
conseqüências da desaceleração da economia como um todo e, ainda
mais, quando é obrigado a conceder subsídios por meio de sistema de
preços aos capitais privados. Neste caso, enquanto o Estado cria meca-
nismos que estão garantindo as taxas de rentabilidade aos setores
protegidos — por isso estes, na crise, estão em posição líquida positiva
à espera de oportunidades de investimentos — o capital estatal já
apresenta perdas líquidas, significando que está em andamento um
processo de despatrimonialização, tanto mais facilitado e acelerado à
medida que este processo está ocorrendo mediante a transferência de
ativos produtivos para as mãos dos capitais privados, determinados
pela concorrência intercapitalista e pela forma atual de valorização
do capital.
Diante do exposto, fica evidente que não existe nenhum sentido
prático com a economia normativa das finanças públicas bradar por
um orçamento fiscal equilibrado e muito menos ainda definir e con-
ceituar a crise nos estreitos limites fiscais. Seguramente, assim é feito
por uma questão ideológica, pois fica mais fácil restringi-la a uma
crise específica do Estado, que está levando a uma perturbação e insta-
bilidade da economia.
Com efeito, a análise da crise atual só tem consistência se se
compreender o Estado inserido na dinâmica capitalista e na amplitu-
de das suas relações complexas, cuja expressão quantitativa só poderá
ser determinada a partir da contabilização dos débitos e créditos en-

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184  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
tre o Estado e os agentes econômicos. Ao se recusar a encaminhar a
investigação por essa direção, certamente que ainda ouviremos, por
muito tempo, o diagnóstico de uma crise fiscal e a defesa de um orça-
mento equilibrado, ainda que os resultados dessa política estejam
apresentando-se com o sinal contrário: instabilidade, incerteza, cres-
cimento lento ou nulo, desemprego, miséria, criminalidade, etc. En-
tretanto não devemos perder o ânimo para o esforço intelectual de
encontrar uma via alternativa, se possível antes que a desesperança
contamine por inteiro os jovens (para não falar dos adultos) que estão
caminhando, ainda num silêncio perturbador, com mentes vazias e
braços desocupados.

A imprecisão do conceito de crise fiscal

Um dos enigmas da dita crise fiscal do capitalismo é a impreci-


são do seu conteúdo; o vasto material produzido a seu respeito pouco
interesse desperta no sentido de conceituá-la com maior rigor analí-
tico e técnico. De modo geral, a literatura toma a crise fiscal como um
conceito derivado do conceito de crise financeira do sistema capita-
lista, compreendida pelas dificuldades de os agentes financiarem suas
posições devedoras. Entretanto, antes de se chegar a esse ponto, há
uma questão psicológica de importância fundamental: o pessimis-
mo, derivado de razões diversas, que toma conta da maioria dos agen-
tes, notadamente dos que estão em posição líquida superavitária. As
conseqüências que daí derivam são a desvalorização de ativos finan-
ceiros e a iliquidez de diversas instituições, confirmando e agravando
os motivos que geraram o pessimismo inicial.
Ainda que esse conceito possa servir de referência inicial para se
compreender uma situação de não-liquidez do setor público, é preci-
so dizer que o Estado possui algumas particularidades que impedem a
utilização plena desse conceito para a compreensão da chamada crise
fiscal. O Estado tem algumas prerrogativas não encontradas nos de-
mais agentes econômicos, a exemplo de poder decidir unilateralmente
as políticas fiscal e monetária, além de poder vender títulos da dívida
pública, tendo, portanto, a possibilidade de definir, com maior grau
de liberdade, o preço que deseja receber. Assim, só se poderá falar de
crise fiscal do Estado em condições muito especiais, dificilmente en-
contradas nas economias que estejam em estágios médios para

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  185
cima de desenvolvimento das suas estruturas econômicas, particular-
mente naquelas em que o Estado se encontra na posição de principal
capitalista a comandar capitais reprodutivos.
Desse modo, por mais que a ortodoxia fale em crise fiscal e por
mais que isso justifique uma política macroeconômica de ajuste, este
não tem sido, até aqui, o motivo irradiador de pessimismo entre os
agentes econômicos; ao contrário, os títulos da dívida pública têm
funcionado como instituição seguradora das posições ativas dos agen-
tes, ao passo que o Banco Central, de igual modo, tem atuado como
instituição garantidora, de última instância, das relações de débito e
crédito entre os agentes, mediante empréstimos. Logo, se existe uma
crise financeira do Estado, ela não produz, ou pelo menos não está
produzindo, efeitos devastadores, a exemplo do que deveria ocorrer
com a concepção clássica de crise financeira. O passivo não está dete-
riorado a ponto de se configurar uma crise sistêmica.
Se essa posição levantada é uma hipótese de trabalho relevante
para revelar o mistério que cerca o debate a respeito da emblemática
“crise fiscal” do capitalismo, a preocupação agora deve recair no en-
tendimento das motivações que insistem em demonstrar a sua exis-
tência. Além disso, é imprescindível responder às seguintes questões:
1) Qual é o conceito que se tem de crise fiscal? e 2) Qual é a forma
técnica mais apropriada para medi-la? Quanto à primeira questão,
constata-se que a crise econômica mais geral vem acirrando a compe-
tição intercapitalista não em busca de novas fronteiras de expansão,
mas no intuito de ganhar terreno ante os concorrentes. Dentro dos
próprios espaços capitalistas já existentes, com a exaustão da compe-
tição nos limites privados, as atenções voltam-se para os setores sob o
domínio do Estado, cuja conquista depende de uma batalha política e
ideológica encarniçada, também valendo a criação de uma situação de
crise onde, possivelmente, ela não exista, a fim de pavimentar o cami-
nho de entrada do capital privado em “novos negócios”.
Considerando que há uma falsidade em relação à primeira ques-
tão, logo fica impossível encontrar uma resposta técnica adequada
para a segunda pergunta. Por essa razão, os gerentes do capitalismo e
os intelectuais orgânicos tomam invariavelmente a crise como um
dado, como se fosse um problema moral que independesse de maio-
res explicações e, sobretudo, de um conhecimento técnico mais qua-
lificado a respeito de seu conteúdo. Por outro lado, algumas análises

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mais sérias e descomprometidas com o establishment econômico têm
desenvolvido esforços para conceituar o que se entende por crise fis-
cal do Estado capitalista. Entre eles, destaca-se o esforço empreendido
por James O’Connor (1977) ao tentar explicar a crise fiscal do Estado
capitalista como uma conseqüência direta da propensão recorrente
de as despesas superarem as receitas, visto que a crise, impondo ne-
cessidades crescentes aos diferentes segmentos, cria pressões cada vez
maiores sobre o orçamento do setor público.
Mesmo assim, a aceitação da definição de crise feita por O’Connor
(1977) não deve ser pacífica, pois basta que, em alguns pontos desse
período longo de déficit recorrente, ocorram superávits maiores que
os saldos negativos acumulados para que seja eliminada a noção de
crise. Ademais, basta também que os gastos adicionais geradores de
déficits correntes sejam alocados em investimentos para que, no fu-
turo, se tenha uma renda mais elevada e, com isso, maior nível de
arrecadação de impostos. Neste caso, pode-se dizer que a dívida públi-
ca (déficit) no futuro, ainda que indiretamente, é autoliquidável. Sem
embargo, ainda que esses aspectos teóricos gerais possam servir como
referência ao processo de investigação, não é um modelo que respon-
da, em sua totalidade, a qualquer caso e em qualquer circunstância
histórica.
Embora a ortodoxia tenha consolidado uma política macroe-
conômica única — particularmente direcionada para os países deve-
dores periféricos e para os que compõem a periferia dos blocos regio-
nais, a exemplo da União Européia —, na verdade, esta foi a razão
principal de seu insucesso. Os países possuem especificidades que os
diferenciam uns dos outros e por isso devem receber políticas de
ajustes — se necessárias — diferenciadas. E o Brasil, certamente, foi
uma das vítimas dessa política homogênea para o ajuste macroeconô-
mico global.
Independente da subserviência das autoridades econômicas
brasileiras às orientações externas, o País teve, ainda, a infelicidade
de experimentar os primeiros sinais da crise externa no mesmo ins-
tante em que o conservadorismo assumia o poder político nos paí-
ses líderes, agravando por inteiro os desajustes das contas exter-
nas dos países devedores. Embora a consolidação da política global
só ocorra de forma mais institucionalizada em 1989, a discussão,
no âmbito da ortodoxia, já se fazia desde o início da década de 1970

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  187
e o diagnóstico era único e universal: o desajuste externo decorria do
desequilíbrio interno das contas do setor público. Isso caracterizava
uma crise fiscal e para ela dever-se-ia direcionar todos os esforços da
política macroeconômica, reforçada por ampla reforma do Estado,
cuja síntese mostrava a necessidade de reduzir os níveis de interven-
ção econômica e descentralizar o processo de gestão das relações so-
ciais de produção — isto é, transferir para o âmbito do mercado as
decisões de gastos, vale dizer, de todos os componentes da deman-
da agregada.
Essa conclusão virou dogma e sobre ela não se admitia (e ainda
não se admite) discussão alguma. Não obstante, cabe uma pergunta
exemplar: ainda que essa hipótese fosse verdadeira para determina-
das situações, ela tinha (ou tem) validade explicativa para o caso bra-
sileiro? Em nosso entender, não. Além disso, que indicador utilizar
para se medir e caracterizar o fato de que o País passava a viver (ou
vive) uma crise fiscal: os superávits/déficits primários3 ou o índice
derivado da relação Estoque da Dívida Pública/Produto Interno Bru-
to? Fazendo-se a opção pela utilização deste último indicador, qual o
quantum determinador da crise: 30%, 40%, 60%, 100%? E mais: por
que o Brasil, com índice de 13%, como foi o caso de sua posição em
1994, estava em crise fiscal, enquanto outros países com índice supe-
rior a 100% não estavam? Mesmo que algumas análises dessem conta
de que a situação desses países era crítica, por que o tratamento dife-
renciado da política econômica para uma e outra situação?
Pelo menos para o caso brasileiro, quando se toma como referên-
cia o indicador da dívida pública em relação ao produto interno bruto
de outros países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, os dados são
contundentes.4 Neste caso em particular, a situação brasileira é mais
confortável do que a de alguns países avançados; dos Estados asiáticos,
apenas a Coréia, China e Malásia apresentam índices mais confortá-
veis. Por outro lado, as situações específicas da Áustria, Bélgica, Dina-
marca, Itália, Suécia, Portugal e Japão, a julgar pelos postulados da
teoria econômica utilizados pelos que formam opinião internamen-
te e formulam a nossa política econômica, podem ser classificadas
como catastróficas. Entretanto estas não são as análises que nos che-
gam, produzidas pelos economistas desses países — embora haja uma
preocupação acentuada na Europa em relação às possibilidades futu-
ras de sustentar o que eles chamam de Estado-providência.5

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188  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
Decerto que esses dados podem deixar perplexos os que coman-
dam e formulam a nossa política econômica. Mas a economia que
dominam oferece o instrumento técnico para justificar a incoerente
e inconseqüente política de ajuste fiscal que nos estão impondo; isto
é, termos um perfil da dívida diferente, com a maior parte dela ven-
cendo num prazo menor que um ano. As evidências revelam que esse
argumento se torna frágil. Ainda que a boa técnica de gerenciamento
de débito recomende alongar o máximo possível os prazos de venci-
mento, o fundamental aqui não é o prazo, mas sim a possibilidade
efetiva de refinanciar os débitos vencidos ou a vencer. O nosso índice
de endividamento era de 13%, em 1994 e passou para aproximada-
mente 50%, no final de 2001, e 54%, em outubro de 2002, não obstante
a dívida se caracterizar como de curto prazo. Que milagre foi opera-
do, então? Fica evidente, portanto, que o nosso desvario pela política
de ajuste fiscal, ao passo que o mesmo não se verifica em países da
Europa, só pode ser compreendido pela finalidade a que se presta a
divida pública numa e noutra situação. Enquanto na Europa, na Amé-
rica do Norte, no Japão e na Coréia, por exemplo, a dívida pública tem
sido direcionada para incentivar as atividades produtivas, manter ga-
rantidos os direitos sociais já conquistados e proteger os que estão
sendo vítimas da crise econômica atual, nós desprotegemos esses se-
tores e a política de endividamento tem uma finalidade não revelada
de proteger as nossas contas externas. Esta conclusão é fundamental,
pois diferencia a análise apresentada no presente estudo do que vem
sendo dito, até aqui, pelos economistas oficiais e pelos que lhes pres-
tam homenagem.
A incapacidade de a literatura especializada e a da política econô-
mica dos organismos multilaterais darem respostas adequadas do
ponto de vista técnico e político aos questionamentos acima, reforça
a desconfiança no fato de que a crença na crise fiscal do Estado decorre
da sublimação da moral e da ideologia capitalistas, que têm origem
no liberalismo clássico, apoiado pela “Lei dos Mercados” de Jean-
Baptiste Say, o qual sustentava que o alcance do bem-estar coletivo
ficava mais próximo de ser conquistado com a avareza do capitalismo
individual, isto é, pelo lucro, do que pela “misericórdia” da ação cole-
tiva administrada pelo Estado. Nos dias de hoje, essa crença, despoja-
da de qualquer preocupação com o bem-estar, serve apenas de instru-
mento para ampliar os limites da acumulação privada de capitais,

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  189
particularmente quando se trata de conquistar os espaços controla-
dos pelo Estado.
Por essa razão, defende-se a hipótese, que se sustenta pelas análi-
ses dos dados empíricos, de que a “crise fiscal” não é o elemento
originário da crise econômica mais geral, mas os resultados desta é
que estão levando o Estado à situação de desequilíbrio perigoso de
suas contas. Isto significa que a crise, refletida pelo crescimento lento,
pelo desemprego estrutural e pela redução nas taxas de lucros, está
impondo perdas aos diferentes segmentos sociais, que, por sua vez,
buscam soluções que só estão ao alcance do Estado. Porém, nos dias
que correm, o Estado, cada vez mais, caracteriza-se como um instru-
mento de classe e, neste jogo, saem ganhando os capitais concentra-
dos e centralizados que atuam em escala mundial.
Numa conjuntura em que os resultados econômicos não são
satisfatórios, a solução é pressionar o orçamento público para preser-
var as posições de ganhos. Assim, duas conclusões óbvias surgem.
Primeira, não é o Estado que está vivendo uma crise de liquidez, disse-
minando pessimismo e ameaçando o surgimento de uma crise fi-
nanceira sistêmica; ao contrário, a crise de realização dos capitais é
que está pressionando o Estado e levando-o a um processo de deterio-
ração de suas contas. Segunda, nestes termos, a “crise fiscal” termina
sendo algo “construído” e depositado nos limites da esfera pública,
pois, assim, o conteúdo dos pleitos dos capitais líderes ao Estado fi-
cam “legitimados” perante a sociedade, particularmente os vincula-
dos ao balanço de pagamentos, fonte originária da desordem econô-
mica do Brasil nas últimas duas décadas. É com esse referencial que
será analisada a emblemática crise fiscal brasileira.

A reestruturação produtiva do Estado brasileiro


e a política de ajuste fiscal

Achando que o desenvolvimento dependia do equacionamento


da variável externa, as autoridades econômicas subordinaram todas
as demais políticas à questão externa. Não obstante essa verdade, é
seguro que, nas duas últimas décadas, assiste-se uma ênfase diferen-
ciada nas políticas, particularmente a partir do momento em que um
determinado grupo de economistas assume o comando da economia
(PUC-Rio, a partir de 1985). Antes disso, ainda se registram alguns

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190  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
espasmos de heterodoxia e um discurso voltado para o desenvolvi-
mento, ainda que fossem reconhecidas as restrições externas.
Embora o diagnóstico dos governos Figueiredo e Sarney apontas-
se a variável externa como a principal restrição ao crescimento e já
tivesse tomado o setor público como âncora de sustentação do
desequilíbrio externo, nada era comparável ao que iria ser feito a
partir dos anos 1990, nos governos de Fernando Collor, Itamar Fran-
co e, sobretudo, Fernando Henrique Cardoso. Antes, ainda se tentava
uma renegociação da dívida externa de modo que o crescimento fosse
preservado; entretanto, depois de 1990, o Brasil aceita, como condi-
ção primeira para a renegociação da dívida, cortar os gastos públicos
sem nenhum critério e sem nenhuma preocupação com os impactos
sobre a sociedade.
Verdadeiramente, o período mais crítico da crise externa (1979-
1982), no qual a balança comercial e, mais ainda, a balança de ser-
viços, particularmente a conta “Juros”, tiveram déficits expressivos,
fez as autoridades econômicas perderem totalmente o controle do
Balanço em Transações Correntes, que praticamente triplicou o seu
déficit de 1978 para 1982, passando de US$ 5,9 bilhões para US$
16,3 bilhões.
Nesses termos, se se tomam os anos seguintes a 1983, em compa-
ração com o período 1979-1982, constata-se que houve melhora nos
principais indicadores das contas externas. Então, o que justificaria
uma política de ajuste interno preocupada com a vulnerabilidade do
Balanço de Pagamentos? O problema maior passou a residir na conta
“Capital”, notadamente em razão da amortização da dívida e da baixa
entrada de capital por meio dos investimentos externos diretos.
Note-se que, até 1991, o capital de investimento, produtivo ou
especulativo, não só é desprezível, como em alguns momentos chega
mesmo a apresentar resultados negativos — significando que o Brasil
estava, nesse instante, investindo mais no exterior do que os estran-
geiros em nosso País.
Nesse sentido, as amortizações passaram a ser o fator desequili-
brador das contas externas, cuja solução era recorrer a novos emprés-
timos. Para uma situação emergencial, não seria inconseqüente uma
política dessa natureza, até porque, quando a situação era vista numa
perspectiva de médio e longo prazo, parecia, prima facie, até bastante
saudável, considerando-se a boa performance da balança comercial e,

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  191
por conseqüência, do conjunto das transações correntes. Apesar dis-
so, as autoridades econômicas encontravam sérias dificuldades
em negociar um acordo para a dívida e isso implicava recorrer a em-
préstimos de curto prazo e, assim, não poder equacionar o problema.
Por essas razões é que, a partir de 1985 até 1992, enquanto o estoque
da dívida de médio e longo prazo cai, o estoque da de curto prazo
aumenta.
Por outro lado, as autoridades econômicas passaram a atrelar a
política de crescimento econômico ao equacionamento das contas
do balanço de pagamento. Porém as circunstâncias políticas em que
o presidente José Sarney assumiu o governo não lhe permitiam deci-
sões mais audaciosas para o enfrentamento da crise externa. No final
de 1986, com o agravamento das condições cambiais, em razão de as
reservas estarem próximas de níveis críticos, à equipe econômica não
restou outra possibilidade senão iniciar os procedimentos técnicos
para uma moratória, bem como uma articulação política de conven-
cimento ao restante do governo. Embora tardiamente, mas não dei-
xando de expressar um ato de coragem política em defesa dos interes-
ses do País, em 20 de fevereiro de 1987, o governo brasileiro envia um
telex aos bancos comerciais com sede na exterior, comunicando a
decisão de suspender os pagamentos de juros.
A idéia inicial da equipe econômica previa complementar essa
decisão de ajuste externo com medidas de ajuste interno, à semelhan-
ça das adotadas por ocasião do Plano Cruzado, em 1986. Embora
carecendo enormemente de recuperar a popularidade perdida, tam-
bém para poder barganhar, em melhores condições, a ampliação do
seu mandato de governo, o presidente Sarney não só desaprova as
medidas de ajuste interno, como recua em relação à moratória. A
falta de coragem política fez o País perder uma oportunidade históri-
ca, cujo preço estamos pagando até hoje e cada vez mais caro. Com
isso, volta-se a praticar um tipo de negociação convencional que só
favorece aos interesses dos credores em detrimento do futuro do povo
brasileiro.
O início do processo constituinte transformou-se num impor-
tante instrumento amortecedor de tensões, notadamente do lado dos
credores externos. Além disso, o conhecimento prévio de que, no
final de 1989, haveria eleição direta para presidente da República era
um fato político importantíssimo porque sinalizava renovação de

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esperanças. Para a situação no poder, podia significar a continuidade
no comando da política econômica nacional, mas em bases de apoios
mais consolidadas para equacionar, de uma vez por todas, as negocia-
ções relativas à dívida externa; para a oposição, este fato significava
mais do que a oportunidade de ver o poder trocar de mãos, era a chance
de mudar radicalmente as relações com os credores internacionais.
Porém um outsider ser eleito presidente do Brasil significava,
para a direita (de dentro e de fora do País), a certeza de que a política
econômica do Brasil estava articulada de acordo com os parâmetros
da política macroeconômica internacional, institucionalizada ple-
namente a partir do Consenso de Washington (1989). Aliás, a bem da
verdade, a plataforma de campanha do presidente eleito estava calca-
da nas recomendações feitas pelo G-7. Mesmo com o impacto das
medidas anunciadas no segundo dia após a posse, algum crédito era
dado ao novo governo. Tanto é que, embora em 1990 o Balanço em
Transações Correntes tenha fechado negativo na casa dos U$ 2 bi-
lhões, a conta “Capital” teve uma performance melhor do que a do ano
anterior: a necessidade de recursos para amortizações cai em quase
U$ 6 bilhões, os investimentos externos diretos voltam a apresentar
saldos favoráveis, o volume de empréstimos e financiamentos cresce
mais de U$ 3 bilhões, melhorando, assim, os níveis das reservas in-
ternacionais. Por conta de a política ser extremamente favorável aos
interesses do capital externo, esta performance manteve-se durante o
período do governo Collor e dos demais governos que o sucederam.
Essa melhora, no entanto, era apenas aparente, pois as questões
de fundo que engessavam a economia brasileira permaneciam inso-
lúveis, particularmente a definição de uma renegociação que alon-
gasse os prazos de vencimento do estoque da dívida, reduzisse os cus-
tos de carregamento (juros e spreads) e, sobretudo, possibilitasse ao
País acesso ao mercado de dinheiro sem o monitoramento das agên-
cias multilaterais, particularmente o FMI. Esse procedimento fazia-se
tão mais urgente uma vez que toda a demora levava ao aumento do
grau de vulnerabilidade da economia brasileira. Assim, com a edição
das bases para o lançamento do Real, o governo brasileiro consegue
renegociar parte da dívida externa, conseguindo crédito das agências
multilaterais, com o monitoramento do FMI até 2001. Como medida
interna complementar, o acordo exigia um corte nos gastos públicos
da ordem de 3% do PIB durante o acordo.

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  193
Porém, a aparente tranqüilidade vivida pelo País em relação às
suas contas externas decorria mais da política econômica interna do
que propriamente do refinanciamento da dívida decorrente dos acor-
dos com os governos dos países líderes e das agências multilaterais.
Para se entender isso, é preciso notar, preliminarmente, que o Brasil
foi um dos últimos países industrializados a assumir o projeto
neoliberal como eixo central da política econômica; até esse mo-
mento, a nossa postura era considerada muito “conservadora” aos
olhos dos nossos credores e interessados externos na abertura da eco-
nomia, apesar de, internamente, o comportamento do comando da
política econômica já vir sofrendo duras críticas em razão da subordi-
nação às orientações do FMI.
Assim, a década de 1990 é marcada por uma contradição quanto
às transações financeiras externas. Ao tempo em que fica agravada a
vulnerabilidade externa do País, também é o momento em que a
entrada de recursos fica mais facilitada, se comparada com o período
anterior. A vulnerabilidade aumenta em razão de não se conseguir
fechar um acordo da dívida antes de 1995, pelo irrealismo cambial, a
partir de 1994; pelo aumento das remessas de juros, lucros e royalties;
e, sobretudo, pela inflexão da balança comercial, que passa a ser defi-
citária a partir de então.
A entrada de recursos foi facilitada pelo grau de “confiança” dos
agentes externos à nova política econômica dos governos brasileiros
pós-1990, tanto pelos elevados juros internos (para atrair capitais),
quanto pela desregulamentação dos fluxos de capitais, justificada como
medida facilitadora para a entrada deles na condição de “investimen-
to direto”, mas, na verdade, interessados apenas na compra de ativos
desvalorizados, sobretudo dos ativos sob controle do Estado.
Apesar de essa política ser iniciada em março de 1990, os seus
efeitos mais perversos só virão a ser percebidos mais claramente de-
pois da adoção do Plano Real. Se olharmos para as reservas internacio-
nais, parece que a “bonança” passa a ter uma convivência definitiva a
partir de 1992, quando os níveis mais do que dobraram em relação ao
ano anterior, passando de US$ 9,4 bilhões para US$ 23,8 bilhões. Isso
parecia “extraordinário” para um país que vivia, até então, em cons-
tante tensão em razão de as reservas estarem permanentemente em
limites de risco.6 Porém, esse aumento, de fato, não refletia uma situa-
ção favorável, pois os saldos cambiais cresciam por conta de aumen-

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194  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
tos extraordinários de empréstimos e financiamentos de curto prazo
e também em decorrência dos investimentos diretos, sejam atraídos
pela desnacionalização de setores produtivos, sejam atraídos pela espe-
culação financeira (portafólio) decorrente das elevadas taxas de juros no
mercado interno. Note-se que os empréstimos e financiamentos têm
forte sincronia com a dívida externa de curto prazo (concedida em
razão de facilidades à entrada de mercadorias estrangeiras em nosso
mercado)7 e com as amortizações (pela impossibilidade de o Banco
Central honrar os compromissos com a banca internacional); daí a
“rolagem” da dívida externa passar a ser um expediente recorrente.
Ainda com relação aos dados das contas externas do Brasil, mais
especificamente com relação à Conta de Capital Elementos da Conta
Capital, é importante ressaltar o comportamento do investimento
líquido. Até 1991, a entrada desse tipo de recurso era insignificante,
chegando mesmo o País, em determinados anos, a notabilizar-se como
exportador líquido de recursos nessa rubrica. Porém, a partir de 1992,
as fragilidades do desequilíbrio externo ficam evidentemente expos-
tas e vão definitivamente transformar o Brasil num espaço privilegia-
do da especulação produtiva e financeira.
Decerto que o acordo com o FMI, que deixava à disposição do
País um crédito de US$ 41,5 até o final de 2001, eliminava o risco do
calote e sinalizava aos capitais externos as boas oportunidades de ne-
gócios. Em que pesem os riscos derivados dessa política e as críticas
sofridas, as autoridades econômicas não mudam de direção e insis-
tem em manter o câmbio apreciado, as taxas internas de juros eleva-
das e aprofundam a política de ajuste fiscal — esta, juntamente com
as privatizações, transformando-se no expediente possível para ga-
rantir os fluxos de recursos externos e manter a aparente estabilidade
do balanço de pagamentos, pois a balança comercial continuava persis-
tentemente deficitária. Por ser uma política de alto risco, ao primeiro
sinal de instabilidade financeira internacional, as autoridades brasilei-
ras sentiram a profundidade de nossa vulnerabilidade externa.
Respaldado pelo acordo com o FMI, o País aprofunda uma políti-
ca de ajuste sem precedente em nossa história recente: de um lado,
elevou as taxas de juros às alturas dos cornos da lua — como o disse o
professor Belluzzo (1999) —, de outro lado, foi obrigado a se desfazer
do irrealismo cambial mediante uma maxidesvalorização do real da
ordem de 45%.

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  195
A partir desse ponto, as autoridades brasileiras passaram a fazer
uma política econômica de sobressaltos, dado o alto grau de instabili-
dade das contas externas. Ainda que, de 1999 até o presente, a política
de ajuste fiscal, visando amenizar a vulnerabilidade do balanço de
pagamentos, tenha sido férrea e levado a economia nacional ao co-
lapso, a vulnerabilidade externa permanece mais agravada ainda.
Apesar de a desvalorização do câmbio ajudar na obtenção de um
melhor desempenho na balança comercial, agravam-se os déficits
em transações correntes, em razão da irresponsável política externa
posta em prática nos anos 1990, a partir da abertura comercial que
ampliou as importações mais do que as exportações; da valorização
cambial que barateou as importações e encareceu as exportações; da
ampliação do déficit na conta turismo e serviços de transportes (fre-
te); e, da desnacionalização da economia. Tal quadro apresenta os
resultados mais perversos a partir de 1994, em virtude do aumento
espetacular nas remessas de juros, lucros e royalties.
Os dados referentes às privatizações mostram que a entrada de
recursos delas provenientes foi moderada no período 1991-1996, au-
mentando expressivamente e chegando ao ponto máximo entre 1997
e 2000, e declinando abruptamente em 2001 e 2002.8 Esta queda sig-
nifica que essa fonte de recursos externos se esgotava, pois já não há
mais quase o que privatizar. Dado que, depois de todo esse “esforço”,
os desequilíbrios internos e externos se aprofundaram, o governo,
sem força política para vender as estatais remanescentes, passa a ado-
tar o método da privatização na margem: ou contendo a expansão da
estrutura produtiva estatal e com isso fazendo-a perder posição relati-
va no mercado, ou privatizando sem, contudo, perder o controle do
capital social mediante o programa de oferta pública de ações prefe-
renciais: Petrobras (2000) e Banco do Brasil (2001).
Esse quadro mostra-se comprometedor no futuro se se observar
que os investimentos estrangeiros diretos em setores privados tam-
bém parecem indicar um certo esgotamento depois do boom ocorrido
no período 1996-2001. Se não se pode fazer uma relação mais estreita
quanto a cadeia produtiva, entre privatização e entrada de capital ex-
terno em setores dominados pelo capital privado nacional, é certo
que existe, pelo menos, uma relação psicológica, pois o esgotamento
das privatizações significa dificuldades de o governo manter o equilí-
brio externo a partir do orçamento fiscal. De fato, isto é um mau sinal,

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196  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
pois o capital externo não irá entrar no País sem garantias de saída,
carregando os rendimentos esperados no momento da sua entrada.
Dada a avalanche de capitais forâneos que entravam no Brasil,
passou-se a dizer que os nossos problemas (instabilidade e desajustes
macroeconômicos) tinham origem interna, por conta de padrões
administrativos e gerenciais do Estado brasileiro, não apropriados
para levar o País a uma nova fase de modernidade e prosperidade
econômica e social. Sendo assim, a tarefa a ser executada urgente-
mente era traçar um programa de governo que atendesse aos interes-
ses do processo de reestruturação patrimonial e administrativa do
Estado brasileiro, materializado no que se convencionou chamar de
“Programa de Reforma do Estado”, ou o que nós achamos mais apro-
priado classificar de “Reestruturação Produtiva”.
O discurso oficial ia mais além ao tentar fazer crer que um dos
pontos-chave da reforma seria o ajuste fiscal. Embora querendo con-
vencer que o ajuste fiscal era apenas um elemento da reforma, na
verdade ele era o próprio ponto de chegada, ficando o programa de
reforma a ele subordinado, pois o que interessava, no tocante às con-
tas públicas, era gerar um superávit primário no orçamento e assim
garantir aparente tranqüilidade nas contas externas. Como a política
de ajuste tem sido insuficiente para equacionar a nossa vulnerabili-
dade estrutural do balanço de pagamentos, sem saída o governo tem
aprofundado a política de ajuste levando à ampliação do desajuste. A
compreensão é fácil: a política de juros elevados tem eliminado todos
os esforços de menos gastos e mais receitas. Compreender esse pro-
cesso é compreender que o Brasil vive um colapso econômico e uma
tragédia social.

A crise fiscal brasileira em questão

Quando se discutiu o conceito de crise fiscal, procurou-se de-


monstrar que a concepção que se tem de crise financeira não poderia
ser aplicada ao Estado capitalista, pelo menos pelas evidências atuais,
em particular no caso brasileiro. A crítica vai no sentido contrário à
literatura que toma a crise fiscal como derivada do conceito tradicio-
nal de crise financeira do sistema capitalista que, invariavelmente, é
compreendida pelas dificuldades de os agentes financiarem suas po-
sições devedoras.

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  197
Por que, então, se fala tanto em crise fiscal e por que a política
econômica volta-se exclusivamente para o seu equacionamento? Na
verdade, é muito mais fácil, do ponto de vista político e ideológico, a
aceitação do falso discurso de crise e de todo o sacrifício para resolvê-
la, do que a verdade que exige da população a renúncia de melhores
condições de vida em favor da sustentação dos custos decorrentes da
dívida interna e do desequilíbrio do balanço de pagamentos. Decerto
que, se for dito isso (que de fato é a verdade), a população não aceitará
metade do sacrifício a que tem sido submetida nos últimos tempos.
Depois de anos de ufanismo e acreditando-se que o País era, de
verdade, uma “ilha de prosperidade cercada por um mundo caracteri-
zado por crises econômicas e políticas”, a necessidade que se impu-
nha (de repente) de mudar o ritmo de crescimento do País custava
muito caro a seus ideólogos. Além disso, não era desprezível o fato de
estarmos no início do mandato de um novo presidente militar (com
mandato de seis anos e certeza política de continuidade) e que tinha
como slogan para legitimação a defesa intransigente da continuidade
do crescimento acelerado de anos anteriores, além da promessa de
“matar” a fome endêmica do povo brasileiro. Assim, qualquer políti-
ca recessiva significava uma subversão inaceitável dessa estratégia.
Apesar das elevadas taxas de inflação, o fato novo e surpreendente
da crise, que se inicia no final da década de 1970 e início da de 1980,
era que as suas causas fundamentais tinham uma origem externa,
tendo como principais fatores a política de ajuste recessivo dos países
líderes, o vencimento em grande quantidade de parcelas da dívida
contraída em períodos anteriores e, sobretudo, a nova alta do preço
do petróleo, no segundo semestre de 1979. Considerando o fato de o
Estado ser o principal coordenador da política econômica e, sobretu-
do, o mais importante agente da sua execução, certamente que tam-
bém passava a ser, até por razões técnicas, o responsável direto pelo
ajuste das contas externas do País. É nesse momento que as contas
públicas vão atrelar-se ao ajuste das contas externas e nunca mais se
separarão, pelo menos enquanto houver possibilidades técnicas e,
sobretudo, políticas de se extrair algo mais do orçamento público
para garantir um relativo grau de confiança dos agentes externos ao
aporte de capital na economia brasileira.
Diante dessa situação crítica, o governo brasileiro faz a opção
pelo ajuste recessivo, combinando as políticas monetárias (elevação

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198  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
dos juros) e fiscal (cortes em rubricas selecionadas de gastos, nos
subsídios creditícios e nos incentivos fiscais). O primeiro movimen-
to, que se observa nessa política de ajuste praticada pelo governo, é o
que se classifica de movimento interno, compreendido como o des-
locamento de gastos de uma rubrica para outra.
Esse movimento se dá principalmente na redução dos gastos com
investimento em favor do aumento dos gastos com juros. Analisando
os dados, nota-se que a participação dos gastos de pessoal na despesa
corrente se mantém praticamente inalterada ao longo do período
estudado: 20% entre 1975 e 1979, 22% entre 1980 e 1989 e 23%
entre 1990 e 1999. Porém, quando se trata da participação do investi-
mento e dos juros, percebe-se, claramente, a ampliação destes em
relação àqueles. Honrar os compromissos com os juros da dívida
pública (externa e interna, esta até mesmo em títulos com correção
cambial) era a forma encontrada pelas autoridades econômicas
para garantir o fluxo de recursos externos e assim poder administrar,
pelo menos no curto prazo, o desequilíbrio estrutural do balanço
de pagamentos.
Nesse sentido, o gasto em investimento passa a ser subordinado à
lógica de gestão das contas externas, perdendo, portanto, as caracte-
rísticas de variável macro mais importante para garantir a dinâmica
econômica, bem como fazendo a economia brasileira perder toda e
qualquer perspectiva de médio e longo prazo. Os gastos com pessoal
só não tiveram o mesmo movimento descendente porque possuem
uma rigidez institucional que impede a redução drástica do seu real
poder de compra, mesmo que o governo conceda reajustes nominais
abaixo da taxa de inflação ou postergue, por anos a fio, reajustes linea-
res para toda a categoria de funcionalismo público.
Outro movimento importante desse processo de ajuste das con-
tas públicas brasileiras deu-se pelo lado da expansão das receitas tri-
butárias, seja pela elevação do volume de impostos arrecadados, seja
em razão da diminuição dos subsídios e incentivos fiscais. De fato,
nesse aspecto havia uma impropriedade técnica, política e, também,
de justiça social no sistema tributário nacional; quando se fez a refor-
ma tributária de 1967, além do objetivo geral de modernizá-lo, pre-
tendia-se, também, que o sistema fosse capaz de financiar o Estado de
forma não inflacionária, que se transformasse num instrumento de
apoio à expansão das atividades produtivas e, fundamentalmente, que

05 Fábio cap. 5.p65 198 25/9/2009, 16:56


A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  199
fosse o principal instrumento de distribuição de renda e de maior
justiça social. Como o Estado, a essa época, estruturou um novo pa-
drão de financiamento, criando outras novas e poderosas franquias
de financiar-se, praticamente transformou o novo sistema tributário
num mecanismo de apoio às atividades produtivas. Com isso, a via
fiscal vai servir praticamente aos interesses mais imediatos da expan-
são do capital, com a política social sendo financiada, em quase toda
a sua extensão, com recursos de terceiros — a exemplo do FGTS,
previdência social, Pasep, PIS, empréstimos externos, etc., o que, logo
em seguida, vai provocar a sua ruptura. Essa é a razão para uma econo-
mia industrializada e diversificada apresentar uma relação receita
tributária/Produto Interno Bruto tão baixa.9
Como o orçamento público, a partir de 1980, passa a ser a princi-
pal peça do ajuste externo, as pressões sobre o orçamento de receita
aumentam, também no sentido de uma reforma tributária que tives-
se como um dos objetivos principais maior descentralização finan-
ceira e administrativa como forma de os estados e municípios estabe-
lecerem uma relação menos subordinada ao governo federal. Porém
as autoridades econômicas resistiram o quanto puderam, pois, além
de se contraporem a uma reforma cuja partilha pusesse mais recursos
nos tesouros estaduais e municipais, trabalhavam numa perspectiva
orientada pelo FMI, que era a de integrar essas instâncias de governo
no esforço de ajuste fiscal, visando o equilíbrio macroeconômico
interno e, sobretudo, externo.
Apesar de toda a resistência das autoridades federais, o momento
político não permitia mais postergar as reformas requeridas e que vão
ser conformadas no processo constituinte de 1988 e passam a ter
vigência a partir de janeiro de 1989. Sobre o movimento pró-refor-
ma, é pertinente dizer que ele trazia uma contradição, pois, ao tempo
em que criticava a política de ajuste do governo federal, particular-
mente por ser monitorada pelo Fundo Monetário Internacional, a
reivindicação por mais recursos e maior autonomia de gestão não
tinha esse fato como pano de fundo. De todo modo, as modificações
no formato tributário anterior permitiram ampliar os níveis de arre-
cadação. Se, no longo período de 1975 a 1989, a média de arrecadação
do governo federal não ultrapassou os 10% do PIB, no período entre
1989 e 1999, essa média sobe para 22,5% a.a., o que deve ser conside-
rado um aumento extraordinário!

05 Fábio cap. 5.p65 199 25/9/2009, 16:56


200  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
Decerto que esse aumento tem muito que ver com as modifica-
ções na própria estrutura tributária até então vigente, porém é impor-
tante ressaltar que as autoridades econômicas adotaram uma política
muito bem sincronizada de menos gastos e mais receitas e, nesse
sentido, é relevante observar a política de subsídios creditícios e in-
centivos fiscais, particularmente depois dos anos 1990. Nota-se que,
até o início da década de 1980, os gastos com incentivos às atividades
produtivas estavam próximos de 1% do PIB, passando a declinar a
partir desse momento até chegar ao índice desprezível de 0,1%, o
que, aliás, é o mesmo porcentual desde 1989.
Como as finanças públicas só podem ser entendidas quando os
planos orçamentários estão integrados, é fundamental complemen-
tar esta análise observando o comportamento de rubricas importan-
tes da despesa em relação ao PIB. Percebe-se uma tendência em que o
governo passa a absorver uma parcela cada vez maior da renda nacio-
nal, porém não em favor de uma expansão da capacidade produtiva
da economia, mas em razão da necessidade de ancorar o balanço de
pagamentos do País mediante os superávits fiscais das contas públicas
brasileiras.
Analisando os Investimentos e Juros como Porcentual do Produ-
to Interno Bruto, são notórios o comportamento assimétrico entre os
gastos em investimentos e os referentes ao pagamento de juros. O
orçamento federal, que já chegou a alocar 2,2% do PIB em investi-
mento (1975), a partir de 1995 registrou um índice abaixo de 1% e,
em 1999, não passou de 0,7%, correspondendo a apenas US$ 3,8
bilhões.10
Verdadeiramente, essa soma de recursos não é suficiente sequer
para manter a base produtiva do governo federal que já está instalada.
Por essa razão, os serviços postos à disposição da população ou estão
sendo reduzidos ou estão perdendo qualidade — as estradas ferroviá-
rias e rodoviárias são exemplos característicos dessa política de de-
sinvestimento ou, como denominamos mais apropriadamente, de
despatrimonialização social pela qual o País vem passando. Se se anali-
sam os dados numa perspectiva de governo, vê-se claramente que o
período do governo Fernando Henrique Cardoso é o pior de todos e
revela uma política clara de atrelamento das finanças públicas brasi-
leiras à questão da dívida externa.

05 Fábio cap. 5.p65 200 25/9/2009, 16:56


A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  201

Considerações finais

Este capítulo teve como propósito tentar desvelar o mistério que


envolve a discussão acerca da denominada crise fiscal do Estado capi-
talista, utilizando como objeto de estudo empírico os aspectos relevan-
tes caracterizadores da chamada crise fiscal do Estado brasileiro. Para
tanto, procurou-se situar a origem dos problemas econômicos do País
e construir um conceito para a definição e compreensão de crise
fiscal no contexto mais amplo do Estado capitalista contemporâneo.
A principal hipótese sustentada no artigo é a de que a crise não
tem origem no Estado e sim na economia de modo geral. A partir
dessa compreensão, foi possível perceber que a construção da idéia de
depositar no Estado a crise de natureza fiscal era a forma de legitimação
política mais apropriada para possibilitar ao capital privado apossar-
se dos espaços capitalistas sob o domínio do Estado. Este espaço ficava
mais valorizado e cobiçado pelo capital privado à medida que se per-
cebia que a acumulação de capital e a expansão econômica não se
estavam fazendo pela incorporação de novas fronteiras ao capitalis-
mo, mas, antes, mediante a competição acirrada entre os capitais
líderes e rivais, que começa pelo domínio dos espaços já controlados
e, depois, chega aos espaços que estavam sob o comando do Estado.
Nesse sentido, sustenta-se que o processo de reestruturação do Estado
passa a ter uma compreensão mais lógica nos marcos da concorrên-
cia do que mesmo como expressão de uma racionalidade utilitarista
levada às últimas conseqüências ou, o seu oposto, uma expressão de
uma política estatal voltada exclusivamente para favorecer o processo
de acumulação no âmbito privado, portanto, uma política voltada
para favorecer os interesses do capital.
A preocupação foi demonstrar empiricamente que a crise era
mais um dado tomado como justificativa para legitimar a efetivação
de um ajuste fiscal que desse sustentação ao desequilíbrio externo do
que mesmo uma evidência empírica. Nesta análise, constata-se que
todos que advogam a noção de crise e defendem a necessidade de uma
política de ajuste do setor público nem sequer têm um conceito de
crise fiscal. Acredita-se que a maioria nem sequer tenha de forma
clara os verdadeiros propósitos dessa perseguição sem trégua por um
equilíbrio orçamentário do Estado.

05 Fábio cap. 5.p65 201 25/9/2009, 16:56


202  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L.
Sendo assim, o pensamento e a política econômica no Brasil
perdem vitalidade e sua continuidade expressa uma postura ditatorial
dos governos brasileiro dos últimos 24 anos. Diante desse fato, pode-
se perceber, sem grande esforço de análise, que, para além do atrela-
mento das finanças públicas ao equilíbrio das contas externas, a con-
clusão lamentável desta análise é que o orçamento público brasileiro,
pela forma como o governo o administra, particularmente a partir de
1995, tem-se transformado, a um só tempo, num espaço privilegia-
do de valorização do capital, assim como transformando-o no mais
perverso instrumento viabilizador do processo de concentração de
renda do País.
Apesar de todo o desacerto visível dessa política, o discurso arro-
gante das autoridades brasileiras aponta para uma continuidade, pois
busca fazer acreditar que a política que está sendo feita é a única
alternativa. Felizmente, existe um grupo de intelectuais que, por não
acreditarem nessa visão maniqueísta, passou a buscar uma base teóri-
ca e empírica capaz de consolidar um pensamento crítico e inovador
da economia política e da administração política contemporâneas e,
assim, recuperar aportes teóricos validados nas fontes básicas de aná-
lise nos pensamentos de Marx, Kalecki, Keynes e Galbraith, visando,
com tudo isso, fazer uma política econômica cumpridora de sua fina-
lidade última, qual seja: libertar os povos e garantir o bem-estar da
humanidade!

Notas

1
A importância dos gastos estatais como barreiras à depressão foi
mostrada minuciosamente por Minsky na Parte II: Economic Experience
do seu livro Stabilizing un Unstable Economy (1986, pp. 13-95).
2
Esse caráter financeirizado do orçamento público ganha contor-
nos mais nítidos com as recentes crises cambiais do México (1994) e
particularmente dos tigres asiáticos (em 1997/1998), do Brasil (em
1999) e da Argentina (em 2001), quando os tesouros nacionais, pelos
bancos centrais e o FMI, têm evitado insolvências generalizadas, garan-
tindo a liquidez das economias nacionais e dos agentes econômicos.
3
De logo, devemos dizer que esse indicador é desprovido de qual-
quer conteúdo que possa servir de orientação da política macroeconômica,
a exemplo dos índices de crescimento, de distribuição de renda, etc.;
apenas interessa aos credores do Estado (os rentistas aplicadores em
títulos da dívida pública) para uma avaliação, a qualquer momento, da
real capacidade deste — o Estado — de distribuição de dividendos aos

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A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA  203
rentistas. É nesse sentido que dizemos que o Estado capitalista se trans-
formou no espaço mais privilegiado da acumulação de riqueza finan-
ceira e da concentração de renda.
4
Para os dados sobre os países da Europa, Estados Unidos, México
e Japão, consultar OECD, Statistical Yearbook (1980-1999), Paris, 2000. Os
dados relativos a 2000 podem ser encontrados no Relatório Anual do
Banco Central Europeu. Para os países da Ásia (exceto o Japão), os dados
podem ser comprovados no Informe sobre el Desarrollo Mundial, 2002 (Pa-
norama General). Banco Mundial: Washington, D.C., 2001. Para o Brasil,
pode-se consultar os dados do Orçamento Geral da União (vários anos)
e das Contas Nacionais/Ibre-FGV.
5
Quando se fala em “possibilidades futuras”, trata-se de projeções
que estão sendo feitas para 2020, 2030, 2050 — portanto, um futuro
bem distante do que nós trabalhamos.
6
De outro lado, a entrada de dólares, sem precedente na história
econômica do País, produzia efeitos deletérios sobre as contas internas,
pois o governo era obrigado a esterilizar essa “montanha” de dinheiro
mediante o aumento da dívida pública mobiliária, e mais recentemen-
te, em títulos com correção cambial.
7
Os novos economistas, quando falam de estratégia competitiva em
busca de uma integração internacional, invariavelmente sinalizam para a
abertura de novos espaços no mercado internacional e, na medida do
possível, cedendo espaços no mercado interno, porém preservando os
interesses estratégicos da economia nacional. Nós, diferentemente de-
les, fizemos a política contrária a essa: primeiro, abre-se a economia
nacional à entrada de produtos externos e, só depois, buscamos algum
tipo de compensação nos mercados estrangeiros. Ou seja: ao invés de
buscarmos maior competitividade de nossa economia de dentro para fora
(o que seria mais correto e ajuizado), fizemos o inverso, de fora para
dentro (o que se revelou incorreto e bastante oneroso para os interesses
do País).
8
Boletim do Banco Central do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social — BNDES.
9
Pode-se observar, no Orçamento Geral da União e na revista Con-
juntura Econômica (vários anos) — Receita Corrente e Incentivos como
Porcentual do PIB — que, no período de 1975 a 1989, esse índice fica
em modestos 10%.
10
Orçamento Geral da União e Conjuntura Econômica (vários anos).

05 Fábio cap. 5.p65 203 25/9/2009, 16:56


204  FÁBIO GUEDES GOMES

CAPÍTULO 6
ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL
E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA1

FÁBIO GUEDES GOMES

N
E S S A P A R T E D O L I V R O discutimos os elementos centrais da
política econômica do Plano Real. O objetivo geral é
desmistificar o debate de que a crise do Estado brasileiro e
sua incapacidade de avançar em suas políticas públicas derivam do
esgotamento de sua capacidade de financiamento. Ou seja, que o
Estado encontra-se numa grave crise fiscal e a reversão de tal situação
só é possível por meio de um recessivo ajuste fiscal e equilíbrio das
contas públicas. Pelo contrário, assumimos a posição de que o Estado
brasileiro não enfrenta uma crise fiscal e que sua capacidade de finan-
ciamento não está esgotada. O problema central encontra-se na
vulnerabilidade do balanço de pagamentos e no manejo da política
de câmbio, juros e metas de inflação. Isto proporciona um endivi-
damento público crescente e uma transferência de renda pública para
o sistema financeiro. Destarte, a busca por superávits primários cons-
tata a capacidade de equilíbrio orçamentário do setor público, bem
como sua incapacidade política de desvencilhar a dinâmica da dívida
pública dos desequilíbrios do balanço de pagamentos e, sobretudo,
dos interesses rentistas.
Temos o propósito, portanto, de qualificar melhor as razões da
redefinição dos objetivos das políticas públicas sob responsabilidade
do Estado. Não tem sido difícil observar a realidade social brasileira e
identificar a falência de alguns serviços públicos básicos. Por outro
lado, encontramos o Estado se desdobrando para atender os interes-
ses de certos grupos hegemônicos por meio de políticas públicas ex-
206

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  205
plícitas, como no caso do empenho do governo brasileiro em apoiar,
irrestritamente, o agrobusiness e os demais setores exportadores. Acre-
ditamos ser necessário buscar as verdadeiras raízes para esta proble-
mática, ou seja, a redefinição do grosso das políticas públicas para o
atendimento dos interesses do capital.
Para tanto, temos procurado, com muito esforço, escapar um
pouco do tratamento convencional dispensado ao tema. Entende-
mos ser necessário verticalizar os estudos sobre a concepção de Es-
tado. Compreender seus silogismos, buscar apreender a natureza do
funcionamento do Estado capitalista numa sociedade subdesenvol-
vida e articulada com os centros hegemônicos de poder no plano
internacional. Com isso, não pretendemos aceitar aprioristicamente o
Estado como um conceito dado, para então procurar formular con-
cepções superficiais sobre seu funcionamento e suas relações com a
sociedade.
Somos persuadidos a afirmar que nas últimas duas décadas foi
construindo-se um pacto de poder no Brasil que vem estabelecendo
as novas funções do Estado. Não que este esteja em crise, mas que
assume uma nova funcionalidade no capitalismo periférico, com es-
treitos laços com a hegemonia das elites financeiras que dominam os
fluxos de riquezas mundiais. Nesse sentido, o Plano Real selou esse
pacto de poder que vem confirmando-se num governo dito de esquer-
da, eleito majoritariamente por uma sociedade com sede de mudan-
ças, insatisfeita com as propostas neoliberais. Urge a necessidade,
portanto, de se retomar o debate sobre os efeitos devastadores da pro-
posta de governo neoliberal para o País, bem como entender as razões
que levarão à construção da ideologia da crise fiscal e à necessidade de
reformas do Estado, tido, até então, como o grande vilão dos obstácu-
los ao desenvolvimento.
Para tanto, o capítulo está subdividido em mais cinco seções in-
cluindo as Considerações Finais. Na primeira, resgatamos o modelo
do Plano Real, procurando pontuar suas principais características.
Nas duas partes seguintes, analisamos os efeitos da abertura econô-
mica sobre as contas internacionais do país e as contas públicas, evi-
denciando como a racionalidade econômica nos comprometeu con-
sideravelmente em capacidade de financiamento tanto de contas
internacionais, quanto das contas públicas. Em seguida discutimos
um pouco a concepção de Estado e sua nova funcionalidade e, por

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206  F Á B I O G U E D E S G O M E S
fim, levantamos algumas considerações sobre a perda da autonomia
do setor público brasileiro para ampliar o escopo das políticas públi-
cas mais direcionadas para o interesse geral do País.

O modelo e o pressuposto neoliberal:


retomando a discussão

Um dos objetivos da política macroeconômica do Plano Real foi


a estabilização do processo inflacionário e o restabelecimento da
unidade das três funções da moeda, unidade de valor, intermediária
de compra e reserva de valor. Recuperar a confiança no padrão mone-
tário doméstico em relação ao exterior era essencial. Para tanto, cen-
tralizou-se praticamente a política econômica em duas variáveis-cha-
ve: a taxa de juros e o câmbio.
De imediato, no Plano Real a sobrevalorização cambial foi per-
mitida por três motivos básicos: i) os elevados saldos comerciais al-
cançados antes de 1994; ii) a alta liquidez internacional devida à
recessão das economias desenvolvidas e, conseqüentemente, uma
condição de taxas de juros baixas; e iii) as possibilidades de explora-
ção de novos mercados de países que estavam abrindo suas econo-
mias, obedecendo ao credo neoliberal em troca da negociação de
dívidas externas. A condição brasileira era muito favorável a destacar,
pelo elevado estoque de reservas cambiais, cerca de US$ 50 bilhões
no momento da implantação do Plano Real, somente os saldos co-
merciais entre 1990 e 1994 alcançavam uma média de US$ 12 bi-
lhões por ano. A migração de capitais dos países desenvolvidos em
direção à periferia capitalista só ocorreu porque esses capitais se sen-
tiram atraídos pela necessidade de financiamento dos respectivos go-
vernos nacionais, aliado às altas taxas de juros e aos programas de
privatização de empresas públicas (Belluzzo & Almeida, 2002).
Portanto, o cenário financeiro internacional estava bastante fa-
vorável no período de lançamento da nova política econômica. Prin-
cipalmente por causa da desaceleração do ritmo de crescimento eco-
nômico dos países desenvolvidos, a economia internacional passou a
apresentar novamente graus elevados de liquidez. O Brasil, nesse con-
texto, soube aproveitar largamente a possibilidade de atrair capitais
estrangeiros, tanto para investimentos produtivos quanto financei-
ros. Essa estratégia seria útil para condicionar o grau de abertura eco-

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  207
nômica do país e financiar a política de estabilização econômica. Nos
termos de Oliveira (2002, p. 15),

[. . .] um ajuste que se vale da circunstância, a grande liquidez


internacional, para mostrar que o país desta feita tinha comando
e cérebros [. . .] Ao contrário do Plano Cruzado, vitimado pela
escassez de recursos em divisas internacionais, o Plano Real par-
te de uma situação bem mais privilegiada.

Não menos importante foi o alinhamento que o País fez ao cha-


mado Consenso de Washington com suas políticas de cunho neo-
liberal de austeridade fiscal, privatização e liberalização econômica,
como propostas de modernização da periferia (Stiglitz, 2002, 2003;
Sallum Jr., 2000). Em troca desse alinhamento o Brasil recebeu a
senha convite para ingressar novamente no circuito dos fluxos de capi-
tais estrangeiros, coisa que não acontecia desde a maior parte da déca-
da de 1980. Cabe considerar que o País foi

[. . .] o último dos países latino-americanos, já no começo


da década de 90, a entrar nesse circuito de submissão às políticas
de liberalização financeira e comercial e de desregulamentação
cambial, com o objetivo de atrair recursos externos, a qualquer
custo, inserindo-se de forma subordinada no novo quadro finan-
ceiro internacional (Tavares & Melin, 1997, p. 15).

Conforme Belluzzo & Almeida (2002, p. 373), não obstante a


preocupação com a estabilidade monetária, havia uma concepção
muito audaciosa embutida nas estratégias do Plano Real. Evidencia-
va-se um programa de desenvolvimento de corte liberal que tinha
como pretensão alinhar a estrutura produtiva e o nível de produtivi-
dade aos padrões de competitividade e modernidade dos países do
centro do capitalismo mundial (cf. Sallum Jr., 2000).
Nesse sentido, os pressupostos neoliberais partiam da premissa
de que se os países que realizassem uma liberalização financeira de
seus respectivos mercados, aumentando o grau de exposição às finan-
ças internacionais (liberalização financeira), por meio da abertura da
conta de capital, alcançariam melhores condições de financiamento
para modernização da capacidade produtiva. Segundo esses pressu-

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208  F Á B I O G U E D E S G O M E S
postos, como os países da periferia apresentam uma relativa escassez
de capital, por isso apresentando condições de financiamento menos
favoráveis, a liberalização permitiria ampliar o mercado de capitais e
créditos, elevando a concorrência. Com isso, os agentes econômicos
teriam possibilidades mais abrangentes de alocar capital e em situa-
ções menos dispendiosas devido à taxa de juros mais baixas (Sallum
Jr., 2000, p. 144).
Portanto a liberalização financeira seria a tábua de salvação para
a realização de novos investimentos que proporcionassem condições
mais favoráveis de competitividade aos setores produtivos voltados
para o comércio exterior. Essa estratégia de crescimento induzida para
o comércio internacional resultaria, em etapa posterior, numa posi-
ção mais favorável desses países para enfrentarem os desequilíbrios
de seus respectivos balanços de pagamentos e uma inserção interna-
cional em condições mais propícias na economia globalizada. Os
ganhos de competitividade, entretanto, fariam crescer a capacidade
exportadora. O aumento da capacidade de exportação resultaria em
aumento do estoque de divisas estrangeiras conversíveis, mediante os
superávits em conta corrente. Essas divisas estrangeiras, então, servi-
riam para melhorar as condições para a realização dos pagamentos
dos encargos e amortização das dívidas contraídas no período ante-
rior, no momento da liberalização financeira e entrada de capitais de
empréstimos.
Uma estratégia de desenvolvimento econômico bastante ousada
e pretensiosa que esbarrou nas suas fragilidades de sustentabilidade.
Esqueceram de combinar os termos da continuidade da reestruturação
e modernização econômica, bem como da ampliação dos prazos de
financiamento com a comunidade financeira internacional. Como
argumentam Belluzzo & Almeida (2002, p. 395), ignoraram-se três
aspectos centrais, a saber: i) a possibilidade de mudanças nas condi-
ções de financiamento internacional; ii) a elasticidade do comporta-
mento das finanças internacionais diante das instabilidades econô-
micas dos países deficitários e devedores em moeda conversível,
notadamente da periferia capitalista; e, iii) o risco de uma desvalori-
zação cambial derivada da desproporcionalidade entre ativos domés-
ticos líquidos e as reservas em divisas estrangeiras.
Ou seja, houve uma aposta que o ajuste da economia brasileira
poderia contar com a “cooperação” internacional dos grandes capi-

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  209
tais globais por tempo indeterminado, desde que nós aceitássemos
suas regras e abríssemos à economia para que estes encontrassem
novas oportunidades de valorização e acumulação (Oliveira, 2002, p.
16). Por outro lado, o governo não arriscou em realizar um prognós-
tico do ônus dessa estratégia para o equilíbrio das contas externas, a
saúde financeira do setor público e, principalmente, para a sociedade
brasileira.

Abertura financeira e contas externas

Com o crescente ingresso de capitais estrangeiros (oferta), o câm-


bio ficou sobrevalorizado, por causa das fortes pressões por aplicações
em ativos em moeda nacional (demanda). A nova situação cambial
permitiu o aumento das importações e o desestímulo às exportações.
Isso, de imediato, causou um choque de oferta externo, o que permi-
tiu aumentar a concorrência interna. A conseqüência maior foi uma
exposição darwiniana (Sallum, Jr. 2000, p. 144) da economia brasilei-
ra aos produtos estrangeiros, forçando os preços para baixo dos pro-
dutos, sobretudo dos não-tradeables, e a falência de várias empresas
nacionais, provocando uma desarticulação de importantes redes pro-
dutivas (e.g., indústria metal-mecânica), promovendo o “esgarçamen-
to, debilitação e rupturas no sistema produtivo” (ibidem, p. 148).
A evidência maior desse processo foi o lançamento da economia
brasileira numa “trajetória de crescimento medíocre” (Belluzzo &
Almeida, 2002, p. 377), com o conseqüente aumento do desemprego.
Por outro lado, o diferencial da taxa de juros interna, vis à vis a exter-
na, além de atrair capitais externos de curto prazo, possibilitando,
com isso, uma situação mais favorável para o financiamento das con-
tas externas, também permitiu um ajustamento recessivo da deman-
da interna. Com esses ingredientes, sobrevalorização cambial, aber-
tura comercial (choque externo), taxas de juros elevadas (contenção
da demanda), além do aumento progressivo da carga tributária, foi
possível combater a inflação e restabelecer a confiança monetária.
Todavia, a persistência nessa combinação seria insustentável e explo-
siva no médio prazo. A política cambial gerou graves problemas para
as contas externas brasileiras e as finanças públicas.
Entre 1990 e 1994, apesar do predomínio de uma inflação galo-
pante, havia equilíbrio orçamentário nas contas públicas e nas tran-

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210  F Á B I O G U E D E S G O M E S
sações correntes do balanço de pagamentos. O setor externo apresen-
tava condições muito favoráveis no momento do plano, com superá-
vit comercial na casa dos US$ 13 bilhões e déficit em transações
correntes extremamente irrisórios, US$ 592 milhões, diante do saldo
comercial. A situação financeira do setor público era tida como sadia
(Belluzzo & Almeida, 2002; Carvalho, 2004). A partir de 1994 a situa-
ção inverte-se completamente e os saldos negativos na conta comer-
cial foram crescendo sem parar. De uma média de US$ 12 bilhões em
superávits, passamos para US$ 3,6 bilhões em déficits, ou seja, uma
inversão de US$ 15,6 bilhões. O saldo negativo da conta de transa-
ções correntes explodiu, saindo de um déficit de US$ 1,7 bilhões em
1994 para US$ 18 bilhões em 1995 (Tabela 1).

Tabela 6.1. As contas externas brasileiras, 1990-2001

ANO SALDO EM BILHÕES DE US$ CRESCIMENTO DO PIB


(%)
COMERCIAL TRANSAÇÕES CORRENTES

1990 10,8 –3,8 –4,3


1991 10,5 –1,4 1,0
1992 15,5 6,2 –0,5
1993 13,0 –0,6 4,9
1994 10,5 –1,7 5,9
Média 12,1 –0,3 1,4
1995 –3,3 –17,9 4,2
1996 –5,5 –23,1 2,8
1997 –8,3 –33,4 3,3
1998 –6,4 –35,2 –0,1
1999 –1,2 –24,4 0,8
2000 –0,7 –24,9 4,4
2001 0,0 –27,0 1,5
Média –3,6 –26,6 2,4
Fonte: Neto, 2002a, p. 19.

Agravando ainda mais o desequilíbrio externo, os juros e remessa


de lucros e dividendos assumiram uma posição crescente, em razão
do aumento do endividamento externo e da participação de grupos
estrangeiros na economia brasileira depois da abertura econômica.
Ressalta-se que os déficits em transações correntes foram alcançados
num contexto de baixo crescimento do PIB. No período 1995-2001, o
governo FHC transferiu cerca de mais de US$ 200 bilhões para o
exterior, resultado dos saldos negativos em conta corrente e as amor-
tizações de dívidas em moeda estrangeira, descontando os saldos co-

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 210 25/9/2009, 17:16


ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA 211
merciais e a entrada de investimentos externos diretos. Com isso
abre-se uma questão crucial para a economia brasileira nessa época:
como financiar o déficit externo se a economia não cresce nem pode-
mos contar com a voluntariedade dos capitais financeiros globais?
Ou melhor, como caminhar com o projeto neoliberal de desenvolvi-
mento econômico? Como foi observado, até 1994 o saldo da balança
comercial era suficiente para financiar o déficit em transações cor-
rentes. Depois de 1995 o equilíbrio não podia mais ser alcançado
com a colaboração da balança comercial.
A estratégia voltou-se para o aprofundamento do endividamento.
O financiamento da economia brasileira viria por meio do endivida-
mento externo público e privado (com empréstimos de rápido de-
sembolso). O passivo externo líquido (a soma de todos os títulos de
propriedade do Brasil que se encontra nas mãos de não residentes)
aumentou rapidamente pós-1994, numa curva ascendente que che-
gou ao cume dos US$ 226 bilhões (Gráfico 6.1 e Tabela 6.2).

Gráfico 6.1. Evolução da divida externa total (US$ bi), 1980/2000

Fonte: Gonçalves & Pomar, 2002a, pp. 366-7.

Conforme Belluzzo & Almeida (2002, pp. 366-7),

É preciso ter em mente a natureza do “novo” financiamento


externo que amparou o Plano Real. Os países da periferia, o Bra-
sil entre eles, até então submetidos às condições de ajustamen-
to impostas pela crise da dívida, foram literalmente capturados
pelo processo de globalização, executando seus programas de

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 211 25/9/2009, 17:16


212  F Á B I O G U E D E S G O M E S
estabilização de acordo com as normas dos mercados finan-
ceiros liberalizados. A regra básica das estabilizações com aber-
tura financeira é a da criação de uma oferta de ativos atraentes
que possam ser encampadas pelo movimento geral da globa-
lização.

O diferencial da taxa de juros interna que se situou praticamente


acima dos 20% em média ao ano durante todo o Plano Real, permitiu
que as grandes empresas e bancos fossem forçados a captar emprésti-
mos no exterior, aumentando a exposição financeira desses agentes
econômicos com o endividamento em moedas estrangeiras (Tabela
6.2). Lançaram ativos financeiros atrativos como bônus e papéis co-
merciais bem como ações depreciadas, sobretudo das empresas mais
prejudicadas com a abertura econômica e liberalização comercial.
Esses grupos contraíram enormes dívidas a juros relativamente bai-
xos. Uma parte desse capital de empréstimo destinou-se à promoção
de investimentos em setores rentáveis (alimentos e bebidas, autopeças,
eletrônica, telecomunicação e financeiro). Outra parte, mais signifi-
cativa, destinou-se à realização de aplicações em ativos financeiros,
especialmente títulos da dívida pública brasileira, que reúnem uma
rentabilidade superior à média de outras aplicações do mercado fi-
nanceiro e são de liquidez quase absoluta.
O aprofundamento do financiamento das contas externas pas-
sou a deteriorar não só a posição das empresas privadas. As contas
públicas foram extremamente prejudicadas. O ingresso de capital
especulativo e de investimentos pressionava pela expansão dos meios
de pagamentos, com a ameaça constante do aquecimento da deman-
da interna e, com isso, a probabilidade de retorno da inflação. Para
evitar esse efeito e ao mesmo tempo contar com o financiamento
externo, o governo utilizou o expediente de operações de esterilização
das expansões monetárias, vendendo aos bancos títulos da dívida pú-
blica e eliminando, portanto, os efeitos da expansão monetária. Con-
tudo, isso permitiu uma bruta elevação da dívida pública e, conse-
qüentemente, a necessidade futura do governo de buscar o equilíbrio
fiscal para compensar o pagamento dos juros que incidiriam sobre a
divida do setor público (interna e externa) em evolução.
Com a sobrevalorização cambial, abertura comercial e deteriora-
ção das contas externas, o País ficou cada vez mais dependente do

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 212 25/9/2009, 17:16


 213
ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

movimento da conta de capital, dos capitais de empréstimo de curto


prazo (hot money). A vulnerabilidade da economia brasileira apro-
fundou-se. O País tornou-se mais suscetível às mudanças no cenário
econômico internacional, sobretudo às crises financeiras e o humor
dos mercados de câmbio e finanças.

Tabela 6.2. Evolução da dívida externa brasileira por categoria de deve-


dor (US$ bi), 1993/2001

ANO DÍVIDA EXTERNA TOTAL PÚBLICA PRIVADA

1993 145.723 90.163 55.113


1994 148.295 87.330 60.965
1995 159.256 57.455 71.801
1996 179.935 84.299 95.636
1997 199.998 76.247 123.751
1998 234.694 94.902 139.792
1999 241.200 100.000 141.200
2000 236.157 92.000 143.799
2001 226.067 93.182 132.885
Fonte: Gonçalves & Pomar, 2002a, pp. 40; BCB.

As duas crises, Ásia (1997) e Rússia (1998), demonstraram o quan-


to a economia brasileira e seus fundamentos não estavam tão sólidos
assim. Evidenciou-se o grau de vulnerabilidade da economia brasilei-
ra. Houve fuga de capitais nesse período, reduzindo o estoque de re-
servas cambiais, tornando o equilíbrio do balanço de pagamentos
insustentável. As reservas internacionais de US$ 62 bilhões em agos-
to de 1997, caíram para US$ 51 bilhões em dezembro do mesmo ano.
Com a crise da Rússia foi ainda mais dramática a involução das reser-
vas cambiais, declinando de US$ 74 bilhões em abril para US$ 40
bilhões em novembro de 1998. Para conter a fuga de capitais nesses
dois períodos, a taxa de juros Selic foi elevada abruptamente para
42% no final de 1997 e 41,5% no final de 1998. Isso permitiu reforçar
a política de câmbio valorizado e conter o ímpeto inflacionário. Mas
os números das contas externas do País no final de 1998 já anuncia-
vam que seria impossível impedir a fuga de capitais e uma pressão
sobre o câmbio. A taxa de juros Selic alcançou seu maior índice em
novembro de 1998 sem maiores efeitos sobre a sustentação da políti-
ca cambial (Gráfico 6.2).

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 213 25/9/2009, 17:16


214  FÁBIO GUEDES GOMES
Gráfico 6.2. Taxa de juros: over-selic (%), dez.1995-mar.1999

Fonte: BCB. Elaboração do autor.

No início de 1999 chegava ao fim a política de câmbio valorizado,


com a crise instalando-se definitivamente com mais um choque de ju-
ros altos, que atingiu o ápice em março desse ano; só não ocorreu antes
porque a política econômica obedecia ao ciclo político da reeleição pre-
sidencial e os esforços nesse sentido foram levados até as últimas con-
seqüências, como a manutenção, a ferro e a fogo, da âncora cambial.
De acordo com Chossudovsky (1999, pp. 299-300), as reservas
brasileiras foram “saqueadas, privatizadas”. Num tom mais radical,
este autor chega a afirmar que a desvalorização cambial ocorrida em
1999 provocou a evasão de divisas em ativos financeiros denomina-
dos em Real e teve destino certo, contribuindo para o aumento da
vulnerabilidade externa do País.

O resultado da pilhagem foi transferido para os cofres públi-


cos de bancos ocidentais e para a conta em dólares das elites
financeiras do país no exterior. Em vez de conter a fuga de capi-
tais, a estrutura de altas taxas de juros só fez aumentar o ônus da
dívida e provocar uma forte restrição do crédito aos produtores
nacionais (Chossudovsky, 1999, pp. 299-300).

O processo de privatizações nesse período foi acelerado. O obje-


tivo, segundo o discurso oficial, seria utilizar os recursos auferidos
para descontar sobre estoque da dívida do setor público. As receitas

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  215
das vendas entre 1997 e 1998 alcançaram cerca de 3% do PIB. As
privatizações não teriam alcançado tal envergadura se por trás não
houvesse a estratégia central de atrair capitais externos para auxiliar
no ajustamento do balanço de pagamentos. Até o início da década de
1990 era insignificante a presença dos investimentos externos dire-
tos na economia brasileira. De pouco mais de US$ 400 milhões em
1990, esses investimentos alcançaram as cifras estratosféricas de US$
30 bilhões em 1999 (Gráfico 6.3). De acordo com Belluzzo & Almeida
(2002, p. 391), “esses números contrastam com os resultados da dívi-
da pública e do desequilíbrio fiscal, que prosseguiram como se uma
privatização de tal envergadura não tivesse em curso”.

Gráfico 6.3. Evolução do investimento externo direto no Brasil (US$ bi),


1990/2001

Fonte: BCB.

É importante destacar que parte desses capitais foi destinada à


aquisição de ativos preexistentes, como empresas estatais e privadas,
provocando o processo de desnacionalização profunda da estrutura
produtiva brasileira (Gonçalves, 1999). Grande parte desses investi-
mentos estrangeiros teve pouca repercussão sobre o aumento na for-
mação bruta de capital. É mais correto afirmar, portanto, que foram
responsáveis pelo financiamento das fusões e aquisições entre em-
presas, principalmente através da transferência do patrimônio estatal
para o setor privado monopolista (Santos, 2002). Somos persuadidos
a concordar com Andrews & Kouzmin (1998), que diante dessas evi-
dências, o processo de privatizações nada teve que ver com a questão

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 215 25/9/2009, 17:16


216  F Á B I O G U E D E S G O M E S
da política fiscal. A justificativa do discurso oficial funcionou como
um argumento ideológico para encobrir as verdadeiras razões, ou
seja, o compromisso com as reformas liberalizantes e pró-mercado.
No longo prazo, a conseqüência do processo abertura econômica
e de privatizações poderá vir sob a forma de maiores pressões sobre o
balanço de pagamentos, tornando ainda mais estrutural o problema
dos saldos negativos na conta de serviços. A evolução da remessa de
lucros e dividendos entre 1992 e 2003 é considerável. Elas passam de
US$ 574 milhões para US$ 7 bilhões em 1998. Mesmo caindo nos
anos posteriores para uma média de US$ 4,5 bilhões, em 2003 voltou
a subir, alcançando US$ 5 bilhões.
O fato é que muitas dessas empresas estrangeiras que remetem
lucros e dividendos não produzem mercadorias exportáveis. A maio-
ria está concentrada nos setores de serviços, de bens não-tradeables.
Como não produzem bens exportáveis, então não têm como com-
pensar a demanda por divisas estrangeiras para garantirem a remessa
dos lucros para o exterior. Ademais, vários setores onde ocorreram as
privatizações, fusões e aquisições, com o aumento da participação de
grupos estrangeiros, apresentam a peculiaridade de serem intensivos
no uso de tecnologias avançadas, geralmente importadas (e.g., teleco-
municações, setor financeiro), com isso contribuindo para uma certa
rigidez do volume de importações.

O déficit externo e o desequilíbrio das contas públicas

Com a conta de capital (empréstimos, financiamentos e investi-


mentos externos diretos) financiando o desequilíbrio externo, era
necessário, como apontamos anteriormente, que o governo absor-
vesse o excedente de dólares que entrava no País para evitar a expan-
são da liquidez interna e, com isso, não provocar inflação. Ou seja,
quando se elevava a oferta de divisas estrangeiras, tinha de se emitir
reais, mas o governo os adquiria novamente, lançando mão de opera-
ções de open market, oferecendo taxa de juros elevadas sobre seus
títulos. A esterilização do aumento da liquidez fez explodir a dívida
pública interna. Os títulos públicos serviam de “colchão” para absor-
ver os fluxos de capitais estrangeiros, sobretudo os de curtíssimo pra-
zo e, com isso, manter o balanço de pagamentos equilibrado e o câm-
bio relativamente valorizado.

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  217
Ora, até final de 1998 a política econômica tinha como lastro a
âncora cambial, ou seja, o movimento do câmbio era permitido em
espaços muito estreitos definidos pelo sistema de bandas cambiais
Enquanto isso a abertura da conta de capital com a vinda de capitais
estrangeiros, atraídos pelas altas taxas de juros e o processo de pri-
vatizações, proporcionou a sobrevalorização cambial e a estabilidade
dos preços. Com a reviravolta em 1999, a abrupta desvalorização do
câmbio provocou o abandono da âncora cambial, porque a fuga de
capitais se tornou inevitável, mesmo a um custo financeiro elevadís-
simo. Após 1999, então, a sustentabilidade do plano econômico pas-
sou a depender de duas novas âncoras, a monetária e a fiscal. No
plano monetário, tratava-se de estabelecer metas inflacionárias e no
plano fiscal buscar a todo custo alcançar superávits primários nas
contas públicas (Filgueiras & Pinto, 2004).
A irresponsabilidade cambial provocou os desajustes das contas
públicas, originando mais uma meta a ser perseguida a todo custo, o
do equilíbrio fiscal com superávits primários. Fala-se comumente
que o desequilíbrio fiscal foi o principal problema para a sustenta-
bilidade da estabilidade econômica durante o período após o arre-
fecimento inflacionário. Um estudo bastante interessante de Carva-
lho (2004) demonstra o contrário. A flexibilidade do quadro fiscal foi
extremamente importante para o sucesso de estabilização. Para este
autor, o crescimento da carga tributária e o aumento da dívida pública
foram fundamentais para a sustentabilidade da âncora cambial e a
manutenção dos juros elevados.
É possível também afirmar que a liberalização financeira, com a
abertura da conta de capital, restringiu sobremaneira a política fiscal
(Pires, 2004). Se, por um lado, houve uma flexibilização fiscal para
atender as estratégias de sustentabilidade do plano econômico em si,
por outro lado, esta flexibilidade entendida com a expansão da dívida
pública e aumento da carga tributária, enfraqueceu o Estado no tocan-
te às suas responsabilidades de utilizar a política fiscal para melhorar
o quadro macroeconômico, sobretudo pelo lado do estímulo à de-
manda agregada. Tanto para Carvalho (2004) como para Pires (2004),
a política fiscal restritiva no Plano Real somente acomodou os de-
sequilíbrios do balanço de pagamentos.
A fragilidade financeira do setor público pode ser confirmada
pelo crescimento extraordinário da dívida líquida. De um estoque de

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218  F Á B I O G U E D E S G O M E S
R$ 153 bilhões em junho de 1994 para o extraordinário patamar de
R$ 885 bilhões em setembro de 2002, ou seja, cerca de 55,9% do PIB
(Gráfico 6.5). Para reduzir a relação dívida/PIB, os recentes acordos
acertados entre o Brasil e o FMI, condicionaram o setor público a me-
tas de superávits primários que reduziram a capacidade do Estado
brasileiro de praticar políticas públicas.
Entre 1991 e 1993, a necessidade de financiamento do setor pú-
blico exigia superávits na ordem de 2% a 2,5%. O equilíbrio fiscal e as
condições mais favoráveis da relação dívida pública/PIB, estabelece-
ram a redução das despesas com juros, dando lugar a déficits operacio-
nais próximos de zero (Carvalho, 2004). Com as contas públicas de-
sajustadas pela estratégia do Plano Real e o crescimento da dívida
pública, as metas de superávits primários assumidas nos acordos com
o FMI foram elevando-se (Gráfico 6.6).
De 1996-2000, a despesa com pagamento de juros do setor públi-
co (governo federal, estaduais e municipais) alcançou 8% do PIB e
20,5% do gasto público total. Em termos comparativos, países como
Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, gastaram com
juros, em média, cerca de 2,6% do PIB e 10,9% do gasto público para
o mesmo período (Batista Jr., 2002). O déficit operacional do setor
público brasileiro chegou ao pico 7,54% do PIB em 1999, ano da des-
valorização cambial e perda da autonomia sobre a gestão da política
econômica e enfraquecimento político do governo (Sallum Jr., 2000,
p. 155). Constata-se, dessa forma, a eficiência na economia do setor
público brasileiro quanto a compromissos com o capital financeiro.

Gráfico 6.4. Evolução da dívida líquida do setor público (R$ bi e % do


PIB), dez. 1994-set. 2002

Fonte: Neto, 2002, p. 38; BCB.

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  219
Pelo lado da arrecadação tributária, além do aumento dos impos-
tos, houve elevação muito maior das contribuições (Cofins, PIS/Pasep),
que passaram de 30% das receitas entre 1991-1993, em média, para
43% em 1999 (Carvalho, 2004). Apesar do crescimento da carga tribu-
tária e da eficiência em alcançar as metas de superávits primários, alia-
do aos cortes de despesas correntes e investimentos, a dívida pública,
como vimos, não cessou de crescer. Carvalho (2004) resume em qua-
tro fatores a explicação desse problema: i) juros altos; ii) a política de
esterilização do efeito monetário da acumulação de reservas externas;
iii) o socorro aos agentes econômicos em crise, especialmente o siste-
ma financeiro; e iv) o reconhecimento de dívidas passadas.

Gráfico 6.5. Superávits primários do setor público (% PIB), 1994-2003

Fonte: BCB.

Carvalho (2004) afirma existir uma certa dificuldade para se pon-


derar a influência desses fatores sobre o aumento da dívida pública.
Entretanto, por hipótese, se levarmos em consideração a gestão da
política econômica durante o período, podemos constatar que a dinâ-
mica das taxas de juros e a estratégia conservadora de restringir a base
monetária e os meios de pagamentos estão entre os fatores que mais
influenciaram no aumento do estoque da dívida do setor público. É
ainda mais evidente quando se trata de instrumentos que fazem parte
da cartilha da ortodoxia monetarista que são integrantes da ideologia
que permeiam as decisões das autoridades econômicas. Não se deve,
entretanto, minimizar a importância do volume de recursos públicos
que foram despendidos para atender a elite financeira nacional

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220  F Á B I O G U E D E S G O M E S
(Proer), bem como a absorção das chamadas “moedas podres” no
processo de privatizações.

Crise do Estado ou Estado funcional ao capital, financeiro?

Dadas as evidências anteriores, ficam patentes as dificuldades do


Estado de ampliar as suas atribuições mais essenciais. Seus raios de
manobra estão extremamente limitados pela contenção dos gastos
públicos e a geração de superávits primários. A literatura brasileira
trabalha com o conceito de crise fiscal para justificar as debilidades
do setor público. Esse conceito foi largamente utilizado por Bresser
Pereira (1996; 1996a; 1998) para argumentar que o principal empeci-
lho para o desenvolvimento econômico seria a crise do Estado que se
desdobra em três aspectos: i) crise fiscal; ii) do modo de intervenção;
e iii) da forma burocrática de administração do Estado (Bresser Perei-
ra,1996, p. 19). No caso da América Latina, o Estado desenvolvimen-
tista teria chegado à saturação com forte incapacidade de gerar pou-
pança, déficits públicos elevados, conseqüentemente, aumento do
estoque da dívida pública, falta de crédito do setor público e ausência
de credibilidade. Esses problemas, do lado fiscal, geravam problemas
no âmbito monetário com a perda da confiança na moeda nacional.
Bem, com esse diagnóstico se armou no País uma verdadeira
força-tarefa como solução para o desembaraço: a reforma do Estado.
O argumento de Bresser Pereira (1996, p. 15) de que no momento
atual do capitalismo a crise é do Estado, diferentemente da crise dos
anos 1930 que, segundo ele, seria uma crise do mercado, da insufi-
ciência de demanda, justificaria a reforma do Estado e sua preparação
para os novos desafios da contemporaneidade. Ora, essa visão não
contempla a natureza da imbricação entre Estado-mercado em sua
totalidade. Há uma certa exteriorização do Estado, como se ele fosse
um ente autônomo, uma simples máquina que bastasse passar por
uma reforma que voltaria a funcionar bem e, com ele, o mercado (cf.
posição semelhante em Andrews & Kouzmin, 1998, p. 103).
A concepção de Estado que aqui utilizamos não é propriamente a
adotada por Poulantzas (2000), uma arena de interesses, apenas a
expressão das contradições da sociedade. A perspectiva assumida vai
mais na linha de Sweezy (1976) e Miliband (1979) que entendem o
Estado como caixa de ressonância das relações de poder, construídas

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 220 25/9/2009, 17:16


ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  221
nas relações sociais de produção. O Estado personifica a estrutura de
poder estabelecida no confronto entre classes na base da sociedade.
Embora muitos de seus espaços sejam mais democráticos do que ou-
tros, no todo ele mantém e perpetua a ideologia e as práticas capitalis-
ta. O último autor demonstra muito bem as íntimas relações existen-
tes entre as elites do Estado e os homens de negócios, que reforçam
continuamente a reprodução dos esquemas de acumulação capitalis-
ta. Apesar de ter sido desenvolvida décadas atrás, essa tese tem uma
atualidade impressionante quando aplicada à interpretação do Esta-
do capitalista contemporâneo.
Numa época em que tanto se fala de democracia, igualdade, mo-
bilidade social, nivelamento de classes e tudo o mais, um fato perma-
nece fundamental nos países de capitalismo avançado: o de que a
grande maioria dos homens e mulheres nesses países tem sido gover-
nada, representada, administrada, julgada e comandada na guerra
por pessoas aliciadas em outras classes, econômica e socialmente
superiores e bastante distantes daquelas a que a maioria pertence
(Miliband, 1979, p. 147).
Não se deixar escapar de maneira alguma que a concepção de Es-
tado que se enfatiza é o de classes sociais. Os rumos para onde o
Estado dirige suas atenções sempre vão seguir os conceitos ideológi-
cos que expressam projetos e estratégias políticas bem-definidas. A
definição parte dos grupos de interesse mais fortes e predefinidos na
estrutura socioeconômica, nas relações sociais de produção estabele-
cidas pelo modo de produção vigente. No capitalismo, estabelece-se a
força política no resultado do aprofundamento da divisão do trabalho
e, conseqüentemente, na apropriação privada da riqueza. Apesar de
muitas tentativas de democratização do espaço público estatal, perce-
be-se que o grosso das decisões governamentais tem consonância
com os interesses privados, interesses dos negócios privados. Como o
autor afirma, e que pode ser muito bem estendido aos dias atuais,

[. . .] os homens de negócios têm sido convidados pelos go-


vernos, qualquer que seja sua coloração política, a assumir um
papel importante na administração e no controle do setor públi-
co.2 Em contrapartida, os representantes das classes trabalhado-
ras têm sido postos de lado — não que, ressalte-se, a admissão de
um grande número de líderes sindicais “seguros” fizesse muita

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 221 25/9/2009, 17:16


222  F Á B I O G U E D E S G O M E S
diferença na orientação de instituições que são, em realidade,
parte integrante do sistema capitalista [. . .] A noção de que os
homens de negócios não estão diretamente ligados ao governo e
à administração pública (bem como às assembléias parlamenta-
res)3 evidentemente é falsa (Ibidem, p. 143).

É importante seguir as observações de Poulantzas (2000) quando


se quer buscar entender as razões de ser do funcionamento do Estado.
Tem razão este autor quando se preocupa em desvendar as formas e
funções do Estado capitalista. Não se pode analisar a ossatura do Esta-
do sem um exame da totalidade, uma concepção sistêmica, envolven-
do e contextualizando a sociedade, o Estado e o modo de produção, e
as transformações que derivam dessas relações.
Se levarmos em conta todos esses assuntos envolvidos, não pode-
mos conceber uma crise como ora do Estado ora do mercado, como
advoga Bresser Pereira e uma vasta literatura que o segue de perto.
Uma crise envolve os dois ambientes ao mesmo tempo porque é uma
crise do modo de produção e das relações sociais engendradas pela
divisão do trabalho. Instaurada uma crise de produção capitalista, o
Estado passa a sofrer também suas pressões, e os interesses privados
dos negócios se explicitam ainda mais com o estreitamento das rela-
ções com essa instituição, procurando, com isso, assegurar maior pro-
teção aos seus interesses comuns. Andrews & Kouzmin (1998, p. 101)
fazem o mesmo questionamento quando dizem que a reforma admi-
nistrativa brasileira, proposta pelo Plano Diretor de 1995, ao colocar
a crise do Estado no centro da causa da crise econômica, ideologica-
mente se posiciona politicamente, desconsiderando completamente
a crise sistêmica que enfrenta o capitalismo contemporâneo e suas
implicações sobre as instituições da superestrutura do sistema.
Nesse momento de crise do modo de produção capitalista, cres-
cem as razões que tentam justificar as chamadas reformas estatais.
Sweezy (1976, p. 279) esclarece que acima de tudo o Estado existe
para assegurar a propriedade capitalista. Com isso, qualquer reforma
não pode de forma alguma modificar o funcionamento do sistema. A
propriedade capitalista é um conceito muito vasto, não deve apenas
restringir-se aos capitais imobilizados, mas também a manutenção
de contratos e a segurança para os ciclos de investimentos produtivos
e aplicações financeiras. Com isso somos persuadidos a afirmar que,

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  223
em última instância, as reformas estatais objetivam criar novos espa-
ços de valorização capitalista e bem como modernos instrumentos
de intervenção adequados ao tempo para que o Estado incentive no-
vos ciclos de acumulação.4 Por outro lado, se houver espaço, as áreas
sociais e de interesse geral são atendidas pelo poder público.
Alguns trabalhos na área da administração pública (e.g., Diniz,
1998; Kaufman, 1998; Souza & Carvalho, 1999; Teixeira, 2001; Paula,
2001) realizam interessantes análises críticas de como tem sido con-
duzida a reforma do Estado no Brasil, por exemplo. Apontando suas
debilidades e reforçando o tratamento de outros temas relacionados
quase sempre a aspectos ligados a governança, accountability e demo-
cracia participativa.
Mas, o mais importante a destacar é que esses estudos apresen-
tam um caráter normativo, como se fosse possível fazer a reforma da
reforma, não abandonando os pilares básicos da proposta neoliberal
institucional, dando-lhe apenas uma nova roupagem mesclando li-
beralismo e desenvolvimentismo (Sallum Jr., 2002, p.152). Andrews
& Kouzmin (1998, p. 100) discutem teoricamente como esses pressu-
postos, governança, accountability e ajuste fiscal, são elementos essen-
ciais e fazem parte do discurso da escola da Escolha Pública. Então, se
a proposta de reforma do Estado inclui esses pressupostos, tendo como
pano de fundo a diminuição de seu tamanho aliado à desregulação da
economia, insistir, portanto, na defesa desses conceitos não implica
romper com as idéias neoliberais. Enfim, discute-se sobre reforma do
Estado, mas pouco se aprofunda sobre o conceito de Estado. Nem
sequer questionam a natureza da crise fiscal, se ela é circunstancial
no Estado capitalista ou faz parte de sua própria natureza.
O que é perfeitamente legítimo é compreender a crise do Estado
capitalista a partir de uma teoria do Estado capitalista, construindo o
objeto e conceitos específicos que estejam relacionados à crise do
modo de produção. Nesse sentido, trabalhos como os de Prestes Motta
(1988), King (1988), Przerworski & Wallerstein (1988) e, sobretudo,
Navarro (1993) e Boyer & Drache et al., (1996) têm uma preocupação
mais profunda com desvencilhar o conteúdo e natureza do Estado
capitalista, e com isso compreender o contexto das reformas e as
forças políticas que as engendram.
Como desconsiderar que no atual de acumulação tem predomi-
nado os interesses do capital rentista, que se reproduzem sem a neces-

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224  F Á B I O G U E D E S G O M E S
sidade de grandes complexos técnico-burocráticos. Por exemplo, no
Brasil se discute tudo a respeito do Estado, entretanto, a sua função
principal como articulador entre a sociedade e sua riqueza produzida
e a transferência de seus excedentes aos grupos econômicos financei-
ros e frações das elites nacional e internacional, não é discutida pro-
fundamente. Fica-se apenas no debate meramente técnico, fiscalista,
político, institucional. Não se compreende que o Estado nos últimos
decênios assumiu um novo papel (silogismo) como exigência da nova
divisão social do trabalho e da relação de produção estabelecida.

É no contexto de uma formação econômica e social dada,


que se capta o conjunto dos aspectos do Estado como ser social e
histórico e suas reações dinâmicas a partir das lutas de classe (sua
essencial social) cujo objetivo é a divisão do trabalho (sua essên-
cia material) (Farias, 2000, p. 63).

Segundo a concepção marxiana-gramsciana, o que existe é uma


primazia do capital sobre o Estado. Trata-se de uma instituição social,
que no capitalismo, apresenta as singularidades do modo de produ-
ção. Trata-se de uma totalidade concreta, complexa e contraditória
(Farias, 2000, p. 27). É bastante plausível a tese de Farias (2000) quan-
do afirma que o mais importante é distinguir a essência do Estado de
suas formas específicas, assumidas em contextos históricos diferen-
tes e em sociedades organizadas de forma conveniente ao modo de
produção prevalecente. Assim, pode-se compreender realmente a
natureza do Estado com base no seu silogismo, em três dimensões, a
saber: i) a forma-Estado (generalidade), ao nível do modo de produ-
ção (feudal, capitalista); ii) a forma de Estado (particularidade), perti-
nente ao regime de acumulação (industrial, financeiro); e, iii) a for-
ma do Estado (singularidade), referente a um processo dado de
acumulação (no Brasil, nos EUA).
Com isso podemos afirmar que o Estado no Brasil assumiu uma
nova funcionalidade. Nesse sentido, o crescimento da dívida pública in-
terna, como resultante do esforço da política econômica de ajustar as
contas externas do País, está na raiz da fragilidade financeira das contas
públicas. O aumento explosivo da dívida interna é a contrapartida da po-
lítica estratégica de desenvolvimento econômico neoliberal com poupança
externa. O esforço de ajuste fiscal que o setor público está realizando —

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  225
eficiente no alcance das metas de superávit primário fiscal (aumentando
as receitas tributárias e diminuindo os gastos públicos correntes) — está
sendo funcional para o cumprimento, à risca, de parte do pagamento dos
serviços da dívida interna e à continuidade da estabilidade macroeconô-
mica, necessária, por outro lado, para que os capitais externos possam
financiar o desequilíbrio da conta de transações correntes do balanço de
pagamentos.
As taxas de juros elevadas comprometem o estoque da dívida
pública porque aumenta os encargos financeiros, e a economia, sem
sustentabilidade quanto a crescimento, não permite uma diminui-
ção da base de arrecadação tributária. Com isso o aumento do déficit
operacional anula o esforço de aumento do superávit primário e
inviabiliza qualquer tentativa de reforma tributária mais ampla no
contexto dessa política econômica.
O Estado brasileiro, portanto, direciona todos os seus esforços
para garantir a materialidade da reprodução do capital rentista. A cen-
tralização dos recursos públicos em conjunto com a descentralização
das políticas públicas é um exemplo sintomático desse processo. O
governo federal concentra um orçamento extraordinário, ao mesmo
tempo que abdica de praticar políticas públicas universais (saúde,
educação, segurança, etc.), deixando à própria sorte essas políticas a
cargo dos estados, municípios e sociedade civil organizada. Enquanto
isso ocorre, uma das maiores transferências de mais-valia social (ri-
queza social para pagamento de juros) para a elite que hoje dita as
regras nos principais centros de decisão do País, a elite financeira.

À guisa de conclusão

Diante desses resultados, a era Malan entrará para a história eco-


nômica brasileira como um exemplo emblemático de administração
temerária da dívida pública. A administração política de Pallocci certa-
mente vem superarando a do seu antecessor. Apesar do amplo progra-
ma de privatização brasileiro — recursos que seriam para abater o
estoque da dívida interna — a dívida do setor público não deixou de
crescer em relação ao PIB. O peso dessa dívida sobre a vida dos brasi-
leiros fica evidenciado quando se considera que o esforço que o Esta-
do vem fazendo para alcançar o equilíbrio fiscal e promover superávits
primários significa, na mesma proporção, a diminuição dos recursos

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226  F Á B I O G U E D E S G O M E S
orçamentários tão necessários à promoção de políticas públicas. O
pagamento de juros da dívida interna em 1999, por exemplo, alcan-
çou R$ 80 bilhões. Este montante à época era equivalente a 73 orça-
mentos do Ministério do Desenvolvimento Econômico Agrário; 21
orçamentos do Ministério da Educação; ou, 5,4 orçamentos do Mi-
nistério da Saúde (Sampaio Jr., 2000). O gasto com juros, no mesmo
ano, alcançou cerca de 20% do total das despesas públicas. Enquanto
isso o volume de investimentos alcançava desprezíveis 3% das despe-
sas públicas (Santos, 2002, p. 17).
Nesta perspectiva, o País não tem possibilidades de viabilizar uma
proposta de desenvolvimento econômico e social compatível com as
demandas da sociedade porque o Estado perde capacidade, nesse
modelo econômico, de exercer sua função de planejador, executor e
promotor de políticas públicas. Os oito anos da política econômica
do Real, bem como o primeiro ano do governo petista, ainda são
responsáveis pelas conseqüências bastante profundas na estrutura
socioeconômica do País. A idéia de que a descentralização das políti-
cas públicas seja uma saída ainda merece tratamento mais aprofun-
dado. Ao que parece, a sociedade organizada não suporta carregar
sobre os ombros as responsabilidades de resolver todos os problemas
sociais do País sob o discurso de esquerda que as elites conservadoras
e reacionárias utilizam tão bem, como da solidariedade, cooperati-
vismo, associativismo e voluntariedade.
A política econômica dos últimos anos acentuou as desigualda-
des sociais e econômicas no Brasil (Henriques et al., 2000), além de
deixá-lo numa situação de extrema vulnerabilidade perante as vicissi-
tudes da economia internacional, ameaçando a soberania e autono-
mia da condução de nossos destinos. Perdeu-se o rumo da constru-
ção. Como diria o mestre Furtado (1999), “em nenhum momento de
nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que
esperávamos ser”.5
Se por um lado, o Estado perdeu espaço na sociedade, com suas
intervenções para compensar os fortes desequilíbrios em vários as-
pectos da sociedade, por outro não reduziu sua participação em outras
esferas. Pelo contrário, na área financeira o peso do Estado é crescen-
te. A “tecnocracia cosmopolita” (Fiori, 2001) consolidou-se no Brasil
nas últimas décadas com o discurso da modernização promovendo a
ideologia de reforma do Estado e a inserção do País no mundo das

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA 227
novas tecnologias e das finanças internacionais. As políticas neoli-
berais foram além dos objetivos de dotar o mercado de maior racio-
nalidade e tornar o Estado mais eficiente. A adoção do receituário
neoliberal no Brasil foi uma opção que nossas elites fizeram (Fiori,
2001). Como afirma Chaui (2002), essa opção resume-se na

[. . .] decisão de cortar o fundo público no pólo de financia-


mento dos bens e serviços públicos (isto é, dos direitos sociais) e
maximizar o uso da riqueza pública nos investimentos exigidos
pelo capital, fazendo o Estado assegurar-lhe recursos em detri-
mento dos direitos sociais.

Mudar os objetivos e o núcleo das decisões na área econômica é


uma das primeiras iniciativas que deve ser buscada para se retomar os
rumos do desenvolvimento econômico e social do País. Como afir-
ma Santos (2002, p. 18), não pode ter qualquer futuro um país que faz
uma opção dessas de política econômica. Para tanto, urge a necessida-
de de voltar os objetivos das ações do setor público brasileiro para as
verdadeiras questões sociais do País, não ficar rodando em círculo,
preocupado excessivamente em não importunar o humor dos merca-
dos financeiros. Retomar a soberania e estabelecer limites máximos
de falta de autonomia dos principais centros de decisão do País, não
significa romper com a lógica dos mercados. Pelo contrário, é o setor
privado que tem a responsabilidade de suprir a sociedade dos bens e
serviços necessários à sua satisfação. Nesse sentido, os mercados fi-
nanceiros têm papel preponderante também ao disponibilizar recur-
sos líquidos aos setores produtivos.
É grande a tarefa do setor público no planejamento e coordena-
ção dessas ações, bem como na formulação e execução de projetos.
Para que isso se torne realidade é premente a necessidade de rom-
per com os grilhões que fazem o orçamento público ficar aprisionado
às necessidades de financiamento do desequilíbrio externo brasileiro
e da acumulação capitalista parasitária, rentista. Não há solução técni-
ca para a crise do Estado brasileiro. Como afirma categoricamente
Chossudovsky (1999, p.3), é necessário a

[. . .]reapropriação da política monetária pela sociedade ti-


rando o Banco Central das garras dos credores privados [. . .] o

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228  F Á B I O G U E D E S G O M E S
que está em jogo é a maciça concentração de riqueza financeira e
o domínio dos recursos reais por uma minoria social”.

É imprescindível refletir criticamente sobre a genealogia das au-


toridades econômicas que assumiram o comando das principais pas-
tas governamentais no Brasil nos últimos vinte anos, comparando-as
com os principais formuladores de políticas econômicas do período
desenvolvimentista. Santos (2001, p. 4) não aprofunda muito esta
questão mas faz uma afirmação interessante sobre o assunto quando
diz: “o senso comum é suficiente para mostrar que o sentimento e o
instinto de preservação do Brasil são diferentes em um grupo e outro”.
Ou seja, os sentimentos de preservação do patrimônio nacional, in-
cluindo, sobretudo, a intelligentsia, a infra-estrutura e os valores rela-
cionados à construção de uma nação, foram abandonados à própria
sorte nas últimas duas décadas.
Isso reflete a capacidade de mudanças da agenda das políticas de
desenvolvimento econômico e a posição política de quem as conduz.
Os altos escalões dos governos Collor e FHC e Lula são permeados
pelos interesses do establishment financeiro. Parece ser uma caracte-
rística também encontrada na administração pública dos países de-
senvolvidos bem como na gestão dos organismos internacionais. Por
exemplo, o secretário do Tesouro norte-americano no governo Clinton,
Robert Rubin, antes tinha sido um alto executivo do banco de investi-
mentos Goldman Sachs; o antigo presidente do Banco Mundial, Lewis
Preston, foi diretor-presidente do J. P. Morgan. Os presidentes do Banco
Central do Brasil, nos governos FHC e Lula, são originários de insti-
tuições do mercado financeiro, bem como suas respectivas diretorias.

Enquanto os financistas são envolvidos na política, os políti-


cos adquirem cada vez maior participação financeira na comu-
nidade de negócios. Prejudicados pelo conflito de interesses, o
sistema de governo no Ocidente está em crise, como resultado de
sua relação ambivalente com preocupações econômicas e finan-
ceiras privadas (Chossudovsky, 1999, pp. 20-1).

Até mesmo um liberal como Stiglitz (2003), comentando sobre


a independência do Federal Reserve Board dos Estados Unidos, chega
a afirmar que se trata de uma independência muito relativa, ambígua.

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  229
Não é uma instituição de forma alguma democrática. Ao comparar
com o Banco Central da Suécia, onde os trabalhadores se fazem re-
presentar, diz este autor que o Federal Reserve Board é dominado por
duas correntes de forças, por um lado os interesses das altas finanças
de Wall Street, por outro lado o poder dos negócios (Stiglitz, 2003, p.
106). Isto, evidentemente, não quer dizer que essas forças são contra-
ditórias, pelo contrário, há uma confluência de interesses. O que é
importante nisso tudo é evidenciar que essa instituição tem uma série
de atribuições muito importantes para o bom funcionamento da eco-
nomia, influenciando substancialmente na estabilidade dos preços,
bem como na promoção do crescimento econômico e do emprego.
O que vemos, entretanto, é o predomínio em escala internacional
dos interesses exagerados dos Bancos Centrais com a inflação.
A ideologia tem uma força impressionante nesse sentido, porque
toda a sociedade é manipulada a não aceitar de maneira alguma a
inflação, porque se trata de um dragão pernicioso, que distorce o sis-
tema de preços, prejudicando o cálculo econômico, assim atrapa-
lhando os negócios. Com isso, criam-se os obstáculos ao crescimen-
to, sobretudo prejudicando a geração de empregos. Por outro lado,
arregimentam-se os interesses das classes trabalhadoras dizendo-lhes
que são os agentes que mais perdem com a inflação porque os salários
não conseguem acompanhar o ritmo inflacionário, provocando per-
das reais de renda. Não que tudo isso esteja incorreto, mas que as
metas de inflação perseguidas pela gestão neoliberal dos Bancos Cen-
trais têm uma lógica de fundo mais importante.
O combate à inflação por meio de políticas ortodoxas atende aos
interesses maiores de defender a riqueza financeira. A posição do
emprestador é assegurada pelos rendimentos reais que ele pode auferir
num ambiente no qual o nível de preços não se eleve a tanto que
possa comprometer seus ganhos com base em outra variável-chave, a
taxa de juros. Quanto menor a diferença entre taxa de inflação e taxa
de juros, menores serão os lucros rentistas. Vemos assim por que é tão
difícil baixar a taxa de juros no Brasil. É mais correto afirmar que,
nesse caso, há uma clara posição hegemônica dos interesses dos fi-
nancistas que influenciam nas decisões, sobretudo, do Banco Central
que, por sua vez, tem a prerrogativa de controlar a oferta monetária,
tentar estabilizar os preços e definir a taxa de juros básica da econo-
mia (Selic). A atual política monetária de metas inflacionárias com a

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230  F Á B I O G U E D E S G O M E S
manutenção das taxas de juros elevadas, portanto, é uma deliberação
da posição hegemônica dos mercados financeiros sobre a gestão da
política monetária. A administração política6 (Santos, 2004) dos Ban-
cos Centrais de uma parte considerável da periferia, se apresenta como
se estivesse atendendo aos interesses de seus respectivos governos
nacionais, na expectativa de uma proposta de desenvolvimento e pro-
gresso econômico. Mas, na verdade, estão fazendo parte de uma rede
de interesses mais global, em que as forças do capital financeiro e de
grandes conglomeradas multinacionais se refletem nos organismos
de Bretton Woods, FMI e Banco Mundial. Pode-se reforçar esta argu-
mentação deixando um próprio autor liberal falar por si mesmo.

Infelizmente, não temos um governo mundial, responsável


pelos povos de todos os países, responsável por supervisionar o
processo de globalização de uma forma comparável à maneira
como os governos nacionais orientaram o processo de nacio-
nalização. Em vez disso, temos um sistema que poderia ser cha-
mado de governança global sem governo global, no qual poucas
instituições — o Banco mundial, o FMI, a OMC — e alguns par-
ticipantes — os ministérios da fazenda e do comércio, intima-
mente ligados a determinados interesses financeiros e comer-
ciais — dominam a cena, mas no qual muitos dos afetados pelas
decisões tomadas são abandonados praticamente sem voz. É
momento de mudar algumas das regras que governam a ordem
econômica mundial, de dar menos ênfase a ideologias e de pres-
tar mais atenção naquilo que realmente funciona, de pensar mais
uma vez a respeito da maneira como as decisões são tomadas em
nível internacional — e no interesse de quem (Stiglitz, 2003, p.
49. Grifo do autor).

Outro elemento importante que considerar é a ausência da pers-


pectiva do longo prazo como balizadora de um projeto nacional. Como
prevalecem os interesses dos circuitos financeiros de acumulação
capitalista, o curto prazo passou a delimitar todas as decisões no âm-
bito das políticas econômicas dos últimos anos. As políticas monetá-
rias não têm mais conteúdo estratégico no auxílio de uma proposta de
desenvolvimento. Restringem-se, excessivamente, ao controle dos
preços, da taxa de juros e câmbio. Perde-se, entretanto, criatividade

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ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  231
no manejo da política econômica, porque a sua gestão obedece aos
princípios mais elementares da ortodoxia neoclássica liberal. Mas,
tudo isso não se faz por acaso ou por falta de alternativa. A escolha é
política e ideológica, porque reflete uma configuração de forças que
tem por trás o poder das elites financeiras internacionais, apoiadas,
ainda, pelo sonho imaginário das classes dominantes tupiniquins de
comparar-se aos países desenvolvidos e, aqui, aceitar de forma subser-
viente os modelos de desenvolvimento e estratégias econômicas do
mundo anglo-saxão.
Nesse sistema de governança global estabelecido pelo atual está-
gio do sistema de acumulação capitalista, o Banco Central é uma peça
fundamental, portanto. O elo entre o público e o privado, da riqueza
social à apropriação privada. Sua preocupação tem sido, insistente-
mente, apenas com os números do mercado financeiro. Todo o resto
subordina-se a sua gestão. Deixou de ser uma instituição pública, vol-
tada para os interesses maiores da sociedade. Pelo contrário, utiliza-se
do discurso da responsabilidade e dos compromissos com a estabili-
dade econômica, como se estivesse atendendo aos interesses gerais,
mas, na verdade, seus compromissos são particulares.
Nessas condições, concordamos plenamente com N. Oliveira
(2002, pp. 16-7):

“O novo Brasil é um país privado, qualquer que seja a


conotação conferida ao termo. É um Brasil dos capitais privados,
como sempre fora. . . [sic] um país privado de qualquer iniciati-
va. O país estabilizado é um país que abdica de ser; que não quer
mais ser. Se as massas nas ruas pediam para ser conquistadas, o
novo governo se decide pela integração passiva nas redes do capi-
tal. Enreda-se feliz nas manobras financeiras internacionais e,
conscientemente, procura reproduzir [sic] com eficiência”.

Notas

1
Esse capítulo é parte do trabalho de doutoramento que o autor
está desenvolvendo no âmbito do Núcleo de Pós-Graduação em Admi-
nistração da Universidade Federal da Bahia. Uma versão preliminar do
capítulo foi apresentada no I Encontro de Administração Pública e
Governança, realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 17 e 19 de no-
vembro de 2004.

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232  FÁBIO GUEDES GOMES
2
Um exemplo notório nesse caso é a composição do governo brasi-
leiro. Um governo do Partido dos Trabalhadores que nomeou para al-
guns postos-chave do Estado representantes legítimos dos interesses
dos negócios e das altas finanças, neste caso os interesses cosmopolitas
financeiros. São exemplos os srs. Henrique Meireles (Banco Central),
deputado federal pelo PSDB (partido de oposição do atual governo) e
Luiz Fernando Furlan (ministro do Desenvolvimento), responsável por
uma das poucas multinacionais brasileiras, concentrando suas ativida-
des na área agroindustrial.
3
Uma observação atenta sobre a configuração política notadamente
do Congresso brasileiro, ver-se-á cristalizada no poder econômico que
emerge da estrutura socioeconômica do País. Direta e indiretamente,
essa instituição é um espelho em que se reflete o predomínio dos pos-
suidores da riqueza. Wright (1979), num livro clássico, comparando as
perspectivas de Weber e Lênin sobre burocracia e Estado, afirma que este
último considerava o parlamento um instrumento perfeito de garantia
da dominação capitalista por dois motivos: i) tratava-se de uma institui-
ção que mistificava as massas e legitimava a ordem social, porque suas
decisões mais importantes eram tomadas nos bastidores, enquanto o
seu funcionamento normal dava a impressão de que os eleitos represen-
tavam os diversos interesses da sociedade junto ao Estado; ii) a burgue-
sia controlava o parlamento porque as classes menos favorecidas não
tinham condição de ascender politicamente na mesma razão quantitati-
va das classes opressoras, e, se isso ocorresse, os interesses passavam a
atender a própria ideologia burguesa. Às classes oprimidas, a exposição
da miséria e o abandono as distanciam dos interesses políticos.
4
Coggiola (2001) mostra como esse processo vem ocorrendo na
área da educação. Citando dados da assessoria financeira americana
Meryll Lynch, mostra que esse setor guarda para as próximas décadas
um dos mais promissores nichos de acumulação de capitais. O número
estimado de jovens que ingressarão no ensino superior até 2025 no
mundo, se elevará de 84 milhões para 160 milhões por ano. Daí, que
podemos deduzir o porquê do crescimento do número de instituições
privadas de ensino superior no Brasil e o encolhimento do Estado como
provedor na oferta pública gratuita de educação nessa esfera, tudo, lógi-
co, já defendido no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado
(1995). Ver argumentações nesse sentido em Bresser Pereira (1998, p.
62 ss).
5
Mas aqui também vale uma ressalva: quem esperava o quê e para
quem? Historicamente as massas nesse país nunca foram chamadas
para participar diretamente dos momentos de mudanças fundamentais.
Se algum momento houve participação ativa popular, era porque inte-
ressava diretamente às elites para reforçar sua dominação e a continui-
dade do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Isto não
implicava maiores espaços conquistados por quem “carregava o piano”.
Conforme N. Oliveira (2001, pp. 22-3), todos os processos de transição
(mudanças) no Brasil só neutralizaram as forças que potencialmente

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 232 25/9/2009, 17:16


ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA  233
tinham condição de ascender na estrutura de poder. “Todas [as transi-
ções] apresentando como característica comum a eliminação no trans-
curso de quaisquer sinais de alterações substantivas nas relações entre
classes no país ou simplesmente o reforço das formas de subordinação
anteriormente vigentes, encobertas em grande parte sob aparências de
uma modernização, que nunca passou de verniz. No fundo, acobertava
uma violenta e sistemática continuidade”, sem rupturas com os laços de
poder que constituíam a hegemonia do capital, seja qual for seu estágio
de desenvolvimento.
6
O conceito de administração política é definido por Santos (2004),
resumidamente, como a gestão da relação entre o Estado e a sociedade
tendo como escopo um projeto de desenvolvimento e garantia da mate-
rialidade da sociedade. Nesse momento do trabalho utilizamos esse
termo para designar a gestão do Banco Central como instituição pública
que tem importância fundamental para a sociedade.

06 Fábio cap. 6- cópia.p65 233 25/9/2009, 17:16


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  251
maneceram pendentes, como parte do endividamento cruzado dentro
do setor público.
28
Não há explicações para a concentração dessas operações no se-
gundo semestre de 1994: no caso das empresas estatais, negociações
nesse sentido vinham sendo feitas nos anos anteriores com as empresas
privatizadas; com estados e municípios, não houve negociações especí-
ficas com esse objetivo naquele momento (sobre esse ponto, ver Almei-
da, 1996).
29
Palavra utilizada para designar “passivos ocultos acumulados ao
longo do tempo” (Programa. . ., 1998, p. 19), por analogia com os sustos
que personagens de filmes de terror podem sofrer ao abrir armários ou
portas sem saber o que irão encontrar.
30
Valores correntes referentes a: Banco do Brasil (capitalização e
regularização de débitos do Tesouro), R$ 15,3 bilhões; securitização da
dívida agrícola, R$ 3,8 bilhões e R$ 5,0 bilhões a emitir; dívidas da
RFFSA, R$ 1,4 bilhão; FCVS, R$ 3,6 bilhões e R$ 3,4 bilhões a emitir;
troca por títulos do Tesouro de moedas de privatização detidas por esta-
tais privatizadas, R$ 8,7 bilhões; conta de álcool, petróleo e derivados
do Tesouro na Petrobrás, R$ 8,7 bilhões, a emitir; Sunamam e Siderbrás,
R$ 2,6 bilhões.
31
O Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do
Sistema Financeiro Nacional (Proer), criado pela Resolução 2208 do
BCB, em 3/11/1995, regulamentou a concessão de créditos do governo a
bancos em dificuldades e ampliou os poderes do BCB para intervir nes-
sas instituições. A posição oficial está em Mendonça de Barros & Almeida
Jr., 1997; para a análise dos impactos quase-fiscais do Proer, ver Biasoto
Jr. & Mussi, 1997.
32
Análises nesse sentido foram desenvolvidas por Biasoto & Mussi,
1997 e Yoshino, 1998. Para uma discussão mais ampla da relação do
BCB com o Tesouro, ver Meyer, 1997.

07 Fábio cap. 7.p65 251 25/9/2009, 16:59


250  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
dos, em especial o FCVS. As posições mais otimistas apareceram em
Giambiagi & Mussi (1995) e Giambiagi (1996), argumentando que
uma trajetória de queda da relação DLSP/PIB poderia ser obtida, desde
que equacionado o déficit da Previdência. Pastore (1995) destacou que
a sustentabilidade do crescimento da dívida pública dependeria do re-
gime monetário e cambial a ser seguido.
21
As reservas externas do BCB, no conceito de liquidez internacio-
nal, tiveram a seguinte trajetória, em US$ bilhões e final de período:
1991, 9,4; 1992, 23,8; 1993, 32,2; jun. 1994, 42,9; dez. 1994, 38,8; jun.
1995, 33,5; dez. 1995, 51,8; jun. 1996, 60,0; dez. 1996, 60,1; jun. 1997,
57,6; dez. 1997, 52,1; jun. 1998, 70,9; dez. 1998, 44,6; dez. 1999, 33,0;
dez. 2000, 35,6.
22
Os dados abrangem até 21/10/1998 e não incluem as concessões
na área da telefonia.
23
Sobre a tese de que os juros altos decorrem principalmente da
política cambial e não do próprio déficit fiscal, ver a nota 15 e os “Co-
mentários finais”.
24
A tabela “Dívida líquida do setor público” é publicada regular-
mente no Boletim mensal do BCB, como porcentual do PIB (reproduzida
aqui como Tabela 4, em anexo) e em reais correntes. São feitas revisões
freqüentes dos dados e mesmo da abertura das contas, sem notas
explicativas e sem retificação dos números anteriores, o que inviabiliza
a montagem de séries longas pelas edições do Boletim. Há uma tabela
semelhante na “Nota para a Imprensa”, publicação mensal do BCB, com
números e abertura de contas por vezes diferentes do Boletim. A série
aqui apresentada (Tabela 4, em anexo) foi fornecida por técnicos do
Departamento Econômico do BCB, em setembro de 1998 e março de
1999, e não está publicada nesta forma. A série contém dados mensais
desde janeiro de 1991. Manteve-se aqui a série de final de ano desde
1991 por ter sido o último ano antes da volta dos fluxos de capitais
externos voluntários para o Brasil e da acumulação de reservas pelo BCB.
25
Os juros altos impactaram mais fortemente a dívida mobiliária
de estados e municípios devido ao custo de financiamento mais eleva-
do no mercado e também por não ter havido a redução do estoque na
monetização verificada nos primeiros meses do Plano Real, ao contrário
do ocorrido com a dívida mobiliária federal.
26
A União “trocou” parte expressiva das dívidas mobiliárias esta-
duais por títulos federais, como parte dos acordos de renegociação dos
débitos dos governos subnacionais. Sobre as primeiras etapas do pro-
cesso, ver Almeida (1996); sobre seus impactos no endividamento geral
do setor público, ver Werneck (1998).
27
Os Avisos-MF 30 foram criados na fase inicial da renegociação da
dívida externa, nos anos 1980. Por meio deles, entidades do setor públi-
co em dificuldades para cobrir compromissos externos eram financia-
das pela União, em moeda brasileira, até conseguirem cobrir seus débi-
tos por meio de relendings junto aos credores. Quando essas operações
foram suspensas, em meados da década, os saldos de Avisos MF-30 per-

07 Fábio cap. 7.p65 250 25/9/2009, 16:59


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  249
15
Para o governo, “a elevação da taxa de juros real, usual em proces-
sos de estabilização, e necessária em razão da frágil situação fiscal, foi
agravada em virtude de três crises financeiras internacionais ocorridas
em 1995, 1997 e 1998” (Programa. . ., 1998, p. 6). Analisando a trajetó-
ria do Plano Real depois de ter saído do governo, Bacha (1997) não to-
ma posição nesse debate. A tese de que os juros altos decorrem da polí-
tica cambial está em Tavares (1997), Delfim Netto (1997), Lima (1997)
e Studart (1997). A tese oposta aparece em Pastore & Pinotti (1998a).
Para uma discussão dos termos do problema no contexto da crise finan-
ceira do segundo semestre de 1998, ver Pastore & Pinotti (1998b).
16
Em 1995, foi estendido a todos os benefícios previdenciários o
aumento do salário mínimo de 42,9%, muito acima da inflação de
15,8% no período correspondente (Giambiagi, 1997, p. 196).
17
Comentando os “elementos desequilibrantes” do regime fiscal
brasileiro, Velloso (1995, p. 15) destacou a “baixa qualidade da estrutu-
ra tributária brasileira, seja do ponto de vista da eficiência alocativa de
recursos (tributos «em cascata» etc.), seja pela alta regressividade do
sistema, seja [. . .] pela sua elevada complexidade”. Segundo Varsano et
al. (1998, pp. 1-2), “[. . .] faz-se necessário harmonizar a necessidade de
arrecadar com a de minimizar o efeito perverso da tributação sobre a
eficiência e a competitividade do setor produtivo. [. . .] uma parte signi-
ficativa da tributação dos bens e serviços é feita por meio de impostos e
contribuições cumulativos que são incompatíveis com o objetivo de
inserção do país na economia global, posto que impõem distorções e
perda de competitividade ao nosso setor produtivo. É preciso também
garantir melhor distribuição da carga tributária entre contribuintes, o
que inclui ampliação da tributação da renda e do patrimônio pessoais e
vigoroso combate à sonegação. Isto só será possível caso se invista no
aprimoramento das administrações fazendárias. O nível de tributação
dos fluxos de renda no Brasil é ainda relativamente baixo e, em particu-
lar, a tributação de pessoas físicas é pouco explorada”.
18
A reforma tributária foi seguidas vezes adiada pelo governo des-
de 1994 e privilegiou-se a adoção de medidas pontuais e de curto prazo,
quase sempre reforçando os aspectos distorcivos da estrutura vigente
(ver neste capítulo o item “O debate sobre as finanças públicas na gêne-
se do Plano Real”, e Dain, 1999).
19
A série reproduzida na Tabela 4 foi atualizada pelo BCB com
dados mensais a partir de 1991 e não foi publicada. Ao que se sabe, não
está disponível uma série incluindo os anos anteriores. Na década pas-
sada, segundo Giambiagi (1996, p. 75), a dívida líquida do setor públi-
co saltou de 23,7% do PIB em 1981 para níveis em torno de 50% do PIB
em 1983-1985, declinando para a faixa de 40% do PIB em 1989 e 1990.
20
A dívida pública não mereceu maior destaque nos debates pré-
vios ao Plano Real, mas passou a despertar interesse quando voltou a
subir, a partir de 1995. Uma visão pessimista apareceu em Furuguem,
Pessoa & Abe (1996), apontando o risco de uma trajetória explosiva de
crescimento, também pelo peso dos passivos até então não reconheci-

07 Fábio cap. 7.p65 249 25/9/2009, 16:59


248  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
9
Na preparação do Plano Real, um dos formuladores expôs assim o
problema: “Por que o Brasil teve inflação superior a 1.000% ao ano em
1992, se o déficit operacional não foi tão grande assim (de apenas 1,7%
do PIB, no conceito operacional)? [. . .] Em comunicação pessoal, Michael
Bruno [. . .] manifestou-me sua impressão de que, entre os países com in-
flação crônica, o Brasil seria o único cuja inflação não aparentava ser pu-
ramente fiscal. Mas serão esses indícios do caráter não fiscal da inflação
brasileira realmente válidos? Acredito que não, e vou sustentar tese opos-
ta com base em dois conceitos complementares que, embora emergentes
na literatura, não parecem ter recebido um tratamento analítico adequa-
do: o déficit orçamentário potencial com inflação zero e a erosão pela
inflação das despesas orçamentárias do governo” (Bacha, 1994, p. 5).
10
Para uma exposição rápida da tese, ver Franco, 1993b; para uma
crítica, Barbosa & Giambiagi, 1995, pp. 525-6.
11
Designam-se como medidas estruturais as que procuram alterar
aspectos centrais do regime fiscal, na arrecadação ou no gasto, sem se
limitar ao aprimoramento de regras vigentes ou a iniciativas localizadas
em resposta a problemas localizados ou emergenciais.
12
A posição do governo sobre a dificuldade para o avanço das refor-
mas na área fiscal, previdenciária e administrativa enfatiza a coalizão
no Congresso de interesses contrariados: embora sem capacidade de
mobilização para derrotar a posição do governo em cada uma destas
áreas isoladamente, haveria uma “troca de favores” entre setores contra-
riados, suficiente para imobilizar ou retardar a ação do governo. Para os
críticos, a lentidão explica-se pela presença de interesses contrariados
na própria base política do governo e pela falta de compromisso com as
reformas mais difíceis, destacando que o governo aprovou as reformas
da ordem econômica em 1995-1996 sem maiores problemas.
13
A adoção do triênio 1991-1993 como base de comparação se
justifica pela excepcionalidade do resultado de 1990, devido aos efeitos
do Plano Collor, e a exclusão de 1994 se deve não apenas ao caráter
“híbrido”, com um semestre de inflação muito alta e outro de inflação
baixa e declinante, mas também à presença de fatores transitórios ou
não explicáveis (Giambiagi, 1997).
14
Os juros overnight (Selic) recuaram de 64% a.a. em agosto de 1994
para 47% a.a. em fevereiro de 1995; com a crise mexicana, voltaram a
65% a.a. em março, caindo a 39% a.a. em dezembro do mesmo ano; um
longo período de redução gradual terminou no segundo semestre de
1997, em níveis pouco acima de 21% a.a.; a crise asiática induziu nova
alta, com 43% a.a. em novembro de 1997, seguindo-se outra redução
progressiva, até 20% a.a. em agosto de 1998, quando o agravamento da
crise financeira internacional trouxe nova alta, para a faixa de 40% a.a.
Só na segunda metade de 2000 as taxas de juros básicas voltariam a re-
cuar de forma mais expressiva. Com a inflação muito baixa, as taxas no-
minais dos últimos anos podem ser consideradas como as taxas rele-
vantes no tocante a impacto macroeconômico e a sensibilização do
déficit público.

07 Fábio cap. 7.p65 248 25/9/2009, 16:59


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  247
mentos. Os resultados de 2004 podem ser apontados como uma ten-
dência neste sentido. Contudo, há que destacar não apenas a surpre-
endente combinação de elementos favoráveis no cenário externo com
a capacidade ociosa no setor produtivo doméstico, mas também o
efeito da inflação maior que o esperado sobre os juros reais efetiva-
mente praticados.
A iniciativa do BC de elevar os juros a partir de setembro acentua
a desconfiança de que a combinação favorável de 2004 pode ter sido
um oásis momentâneo, a exemplo de outros momentos dos últimos
anos, tendo em conta ainda as incertezas do cenário externo.

Nota

1
Este capítulo é uma versão atualizada de “Finanças públicas e
estabilização no Plano Real: uma reinterpretação” (Carvalho, 2004b).
2
Adota-se aqui a tese de Tavares (1993, p. 77): a estabilização su-
põe que o financiamento do setor público disponha de autonomia sufi-
ciente para absorver flutuações do balanço de pagamentos.
3
Uma análise crítica do sucesso da política antiinflacionária está
em Andrei (2000).
4
Para uma análise mais detida das finanças públicas nos primeiros
anos do Plano Real, ver Carvalho, 2000.
5
Para a caracterização do governo Lula como neoliberal, ver Carva-
lho, 2004.
6
Em março de 1990, na posse do presidente Fernando Collor de
Mello, um drástico programa de estabilização restringiu a liquidez da
maior parte da dívida mobiliária federal por um prazo médio de dois
anos, durante os quais os títulos retidos renderiam juros de 6% ao ano
mais correção monetária, muito abaixo dos juros praticados antes e de-
pois do bloqueio. Os valores foram bloqueados depois da incidência de
um imposto punitivo e sem receber parte dos juros e correção monetária
correspondentes aos primeiros dias de março. Houve ainda medidas
fiscais que permitiram a geração de expressivo superávit primário na-
quele ano. Para uma discussão geral do programa, ver Carvalho, 1996a;
para uma análise das medidas fiscais, ver Villela, 1991, pp. 25-32.
7
“[. . .] o ajustamento fiscal deve ser entendido como um processo
longo, iniciado em 1990 e que, no começo de 1994, ainda não fora
completado, mas para cuja conclusão falta um esforço relativamente
modesto em relação à queda do déficit operacional ocorrida entre 1989
e 1993” (Barbosa & Giambiagi, 1995, p. 522).
8
O debate sobre os riscos de descontrole no crescimento da dívida
pública também produziu avaliações otimistas (Giambiagi, 1996) e
pessimistas (Furuguem, Pessoa & Abe, 1996), com base em argumentos
discutidos adiante.

07 Fábio cap. 7.p65 247 25/9/2009, 16:59


246  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
na líquida até 1997 e sua redução contribuiu para o salto da dívida a
partir de 2001.
Por comparação com outros dados do BCB, devem ter sido in-
cluídas nesta conta três subcontas: títulos mobiliários estaduais rece-
bidos pelo BCB em troca de papéis federais, como parte das negocia-
ções das dívidas estaduais; créditos concedidos pelo BCB a instituições
financeiras no Proer31 (não incluídos na lista de “esqueletos” de Pro-
grama. . ., 1998, p. 19); e os tradicionais empréstimos de liquidez
aos bancos. Pela mesma linha de suposições, cerca de 20% do total
correspondem a esta última subconta e os demais 80% dividem-se
em partes iguais pelas duas outras (sob os títulos, respectivamente, de
“créditos a receber” e “títulos a receber”, no balanço do BCB). Assim,
cerca de 60% dos créditos do BCB a instituições financeiras, lançados
como ativos da União para cálculo da dívida líquida, tinham como
lastro ativos dos bancos beneficiados, grande parte sem liquidez nem
solvência, e que foram lançados como ativos do BC. O reconheci-
mento das perdas levou à drástica redução dos valores lançados nesta
rubrica.32

Comentários finais

O forte arrocho fiscal a que está submetida a economia brasileira


desde o segundo mandato de FHC, mantido pelo governo Lula, é
conseqüência direta da política de endividamento do setor público
que viabilizou o Plano Real nos seus primeiros anos. A política de
estabilização assentou-se em grande medida na flexibilidade do qua-
dro fiscal herdado do período anterior, que permitiu o uso agressivo
de políticas cambiais e monetárias baseadas na valorização do câm-
bio e juros reais elevados.
Seus desdobramentos transformaram a flexibilidade fiscal em
forte constrangimento fiscal, com a ameaça de aumento explosivo da
dívida pública justificando superávits primários elevados, na impos-
sibilidade de reduzir os juros reais ou cortar os gastos correntes de
forma mais intensa do que tem sido feito nas contas de investimento
e nos programas sociais.
O sucesso desta política seria a redução acentuada da dívida pú-
blica para níveis em torno de 40% do PIB, em um quadro de estabili-
dade macroeconômica e resultados positivos no balanço de paga-

07 Fábio cap. 7.p65 246 25/9/2009, 16:59


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  245
com diminuição de igual montante na dívida líquida de estados e
municípios e de empresas estatais. Observe-se que a redução verificada
nessa rubrica responde por cerca de dois terços da forte queda no
endividamento líquido das empresas estatais de 1992 a 1997 (Tabela
4, em anexo).
É difícil compatibilizar os resultados da privatização com os
números da dívida líquida. De 1991 a 2000 as privatizações rende-
ram US$ 54,4 bilhões no âmbito federal (Indicadores Diesp), dos
quais US$ 23,5 bilhões apenas em 1998. Justamente neste ano a dí-
vida líquida total registrou um salto de 8,1% do PIB. Os núme-
ros referentes a privatização e ajuste patrimonial da Tabela 4 (notas
12-15), em anexo, não esclarecem como foi feita a contabilização
desses recursos.
Até 1995, a maior parte da receita se fez com títulos de dívida, as
moedas de privatização. Não se sabe quanto dessas moedas corres-
pondia a dívidas incluídas na dívida líquida ou a passivos não reco-
nhecidos, os chamados “esqueletos”.29 Observe-se que a conta “moe-
das de privatização” cresceu 1,2% do PIB entre junho de 1997 e junho
de 1998, apesar das privatizações ocorridas no período, o que sugere a
continuidade do processo de reconhecimento de dívidas passadas.
Uma primeira contabilização oficial do montante atingido pela ex-
plicitação de “esqueletos” (Programa. . ., 1998, p. 19) aponta R$ 35,4
bilhões até então e mais R$ 14,2 bilhões já reconhecidos, mas ainda
sem a emissão correspondente de títulos públicos.30
Deve-se também considerar que a privatização reduz o saldo de
dívidas das empresas estatais incluídas no cálculo da dívida líquida,
obviamente, mas não se sabe qual o tratamento dado às dívidas das
empresas privatizadas que foram previamente assumidas pelo Tesou-
ro. Também não se sabe em que medida os ativos das empresas pri-
vatizadas eram previamente lançados como abatimento da dívida
líquida dessas empresas. Nos dois casos, o tratamento adotado afeta
diretamente o impacto da privatização sobre a dívida líquida.
A terceira mudança a destacar na composição da dívida líqui-
da total é o vigoroso aumento da conta de créditos do BCB à insti-
tuições financeiras, de 0,7% do PIB de junho de 1994 até 9,4% do
PIB em junho de 1997, caindo em seguida a cerca de 1% do PIB a
partir de 2001 (Tabela 4, em anexo). Esta conta representou o princi-
pal fator de atenuação do ritmo de crescimento da dívida inter-

07 Fábio cap. 7.p65 245 25/9/2009, 16:59


244  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
o impacto monetário da compra das reservas. Desde a volta dos fluxos
voluntários de capitais externos para o Brasil, em 1992, com a curta ex-
ceção do terceiro trimestre de 1994, sempre que houve fluxos cambiais
positivos prevaleceu a política de compra de divisas e acumulação de
re-servas pelo BCB, de modo que evitasse a apreciação do câmbio. Com
isso, a dívida externa líquida do setor público caiu de 24% do PIB no
final de 1991 para cerca de 4% do PIB em 1996-1997 e apenas 2,2%
do PIB em junho de 1998, voltando a 10% do PIB a partir da desvalo-
rização do câmbio em janeiro de 1999 (Tabela 4, em anexo).
A segunda mudança na composição da dívida líquida do setor
público diz respeito à consolidação e à troca de dívidas entre níveis de
governo. No caso de estados e municípios, a expansão da dívida mobi-
liária líquida indicada na Tabela 4,25 em anexo), não reflete inteira-
mente o crescimento do total de papéis em mercado, devido à absor-
ção de parcelas relevantes pelo BCB, como parte do processo de
renegociação das dívidas estaduais. A partir de novembro de 1997,
entre metade e dois terços da dívida mobiliária líquida informada na
Tabela 4, em anexo, foi colocada no BCB, em troca de títulos federais
com que estados e municípios passaram a se financiar no mercado, a
custos mais baixos.26 Supõe-se que os títulos entregues ao BCB te-
nham sido lançados como ativo na conta de créditos a instituições
financeiras, ao passo que os títulos federais entregues em troca aos
governos subnacionais aumentaram o estoque de títulos públicos fe-
derais. Supõe-se também que esses títulos, ou parte deles, juntamente
com a maior parte da dívida bancária de estados e municípios, te-
nham sido consolidados na conta “renegociação com estados (Lei
9.496/97)”, a partir do final de 1997. Essa hipótese explicaria a queda
dos créditos a instituições financeiras e tornaria ainda mais preo-
cupante o salto da conta de títulos federais em dezembro de 1997
(Tabela 4, em anexo).
A mudança mais forte na composição da dívida por níveis de
governo foi a expressiva redução da dívida interna líquida das empre-
sas estatais, desde os primeiros anos da década e mais fortemente a
partir de 1994 (Tabela 4, em anexo). O principal elemento nesse
sentido foi a transferência dos Avisos MF-3027 para a união. Embora
estivesse em curso desde 1993, a queda mais relevante ocorreu após a
entrada do Real:28 em dezembro de 1994 os créditos da União a esse
título haviam caído para 2,2% do PIB, contra 5,1% do PIB em junho,

07 Fábio cap. 7.p65 244 25/9/2009, 16:59


 243
ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

recursos externos necessários ao financiamento dos elevados déficits


de transações correntes no balanço de pagamentos.23 É certo que os
juros domésticos poderiam ter sido menores sem as turbulências nos
mercados internacionais geradas pelas crises de 1995 (México) e 1997-
1998 (Ásia e Rússia), mas o impacto sobre o Brasil seria menos inten-
so se a economia não estivesse operando com elevada dependência
de financiamento externo.
O aumento da dívida do setor público por reconhecimento de
dívidas do passado pode ser considerado como independente do Pla-
no Real, uma vez que esses passivos teriam de ser equacionados em
algum momento. Os custos decorrentes de operações de socorro a
bancos em dificuldades, contudo, podem ser desvinculadas do Plano
Real apenas em parte. É verdade que na sua origem pesaram questões
herdadas do passado (dívidas de governos estaduais com seus bancos,
por exemplo) e também houve dificuldades que poderiam ter ocorri-
do em qualquer plano de estabilização, pela perda de lucros inflacio-
nários. Acrescente-se, porém, que os problemas foram agravados pela
brusca guinada recessiva da política econômica no primeiro semes-
tre de 1995, a qual poderia ter sido bem mais amena se não fosse tão
elevada a necessidade de financiamento externo.
De todo modo, é difícil quantificar com precisão o peso de cada
um dos quatro fatores no aumento da dívida pública dadas as dificul-
dades para quantificações precisas dos movimentos da dívida pública
no Brasil. A fonte básica de dados consolidados é a tabela do BCB
“Dívida líquida do setor público” (Tabela 4, em anexo),24 na qual a ???
abertura e as notas explicativas não permitem o adequado conheci-
mento do que está lançado em algumas das contas de maior peso.
Apesar dessas limitações, a análise dos números da tabela do BCB é
indispensável e bastante ilustrativa.
Houve três importantes mudanças na composição da dívida lí-
quida do setor público entre 1991 e 1998: a “substituição” de dívida
externa por dívida interna; a “troca” ou consolidação de dívida entre
rubricas e níveis de governo; e o crescimento acelerado e posterior
decréscimo da conta de créditos do BCB a instituições financeiras.
A mais conhecida dentre elas foi o forte aumento da participação
da dívida interna na dívida líquida total, decorrente da opção pela
acumulação de reservas externas no BCB, financiadas por colocação
de títulos públicos no mercado doméstico, de modo que esterilizasse

07 Fábio cap. 7.p65 243 25/9/2009, 16:59


242  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
Os fatores responsáveis pelo forte aumento da dívida líquida do
setor público nos últimos anos podem ser assim agrupados:
a) os juros altos: a despesa com juros reais dos três níveis de go-
verno atingiu 19,28% do PIB de 1995 a 1998 e 36,25% do PIB de 1995
a 2001 (em anexo, Tabela 1); como houve pequeno déficit primário
de 1995-1998, o gasto com juros teve de ser coberto com aumento da
própria dívida; de 1999 a 2004, o custo foi em parte coberto pelo
superávit primário;
b) a política de esterilização do efeito monetário da acumulação
de reservas externas:21 embora o crescimento das reservas reduza a
dívida líquida, a emissão correspondente de dívida interna eleva a
despesa com juros (o custo de financiamento doméstico foi bem mais
alto nesses anos do que os juros recebidos pelas reservas mantidas
pelo BCB);
c) as políticas de “socorro” a agentes econômicos em crise, em
especial grandes bancos privados e públicos (no caso dos bancos fede-
rais, a maior parte das perdas teve origem em políticas do governo de
apoio a segmentos do setor privado atingidos pelas políticas de estabi-
lização);
d) o processo de reconhecimento de dívidas passadas, o que ex-
plica o aumento do estoque de “moedas de privatização” (em
anexo,Tabela 4, nota 15) apesar do uso na compra de empresas es-
tatais;
e) a crise cambial de 1998-1999, com a perda de reservas e absor-
ção das perdas do setor privado endividado no exterior, com a venda
de elevado volume de títulos públicos indexados à taxa de câmbio no
segundo semestre de 1998.
O principal fator de redução da dívida foi a privatização. A receita
assim obtida, em dinheiro ou em títulos, ajudou a estabilizar a dívida
líquida em 1996 e 1997, mas não foi suficiente para reduzi-la nem
para impedir a nova tendência de alta em 1998-1999. Em critério de
caixa, as receitas de privatização em 1995-1998 foram de R$ 53,8
bilhões, sendo R$ 23,25 bilhões da União e R$ 30,5 bilhões dos esta-
dos (Programa, 1998, p. 23).22
O salto da dívida está fortemente ligado ao Plano Real. Dentre os
quatro fatores citados, os dois primeiros, os de maior peso, decorre-
ram da própria natureza da estratégia de estabilização adotada. Aos
juros altos foi atribuído papel decisivo para garantir a atração dos

07 Fábio cap. 7.p65 242 25/9/2009, 16:59


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  241
Na estrutura tributária as mudanças foram tópicas, destinadas a
gerar resultados imediatos. A tributação da movimentação financeira
fora criada antes da preparação do Plano Real, como Imposto Provi-
sório sobre Movimentações Financeiras — IPMF, como medida
emergencial para atender às graves dificuldades orçamentárias na
área de saúde e com vigência até 1994. Seu caráter cumulativo (inci-
dência “em cascata”) contradizia a desejada modernização da estru-
tura tributária, em troca de facilidade de cobrança, baixo custo ad-
ministrativo e elevado desempenho de arrecadação, argumentos
levantados para defender sua recriação a partir de 1997, com o nome
de Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras.
Quanto ao comportamento das receitas, a principal constatação é
de que havia espaço para forte aumento da arrecadação sem alteração
relevante na sua composição nem redução importante das conhecidas
distorções que marcam a estrutura tributária brasileira17 e que se pre-
tendia corrigir com a reforma tributária.18 Não é fácil estimar em que
medida o aumento da receita tributária deve ser atribuído ao fim da
inflação elevada ou às medidas tomadas com tal objetivo. O bom de-
sempenho de 1994 foi ao certo favorecido pelo ritmo de expansão da
economia, mas também pelos efeitos das medidas administrativas e de
política tributária, responsáveis em boa medida pela preservação do
patamar mais elevado em 1995 e 1996, quando a atividade econômica
passou a crescer em ritmo mais lento (ver Viceconti & Carmo, 1997).

A dívida pública

Nos primeiros meses do Plano Real, a dívida líquida do setor


público (DLSP), medida como porcentual do PIB, manteve a tendên-
cia de queda progressiva verificada desde 1993 (Tabela 4, em anexo).
A partir do segundo semestre de 1995, porém, a dívida voltou a cres-
cer continuamente e o forte salto de 1998 alcançou o patamar de 50%
do PIB, o pico atingido na década de 1980,19 o que reforçou as análises
pessimistas sobre sua evolução.20 Embora não se tenha materializado
a tendência de crescimento explosivo, é muito forte o aumento acima
de 20% do PIB entre os níveis de 1994 e os verificados a partir de 1999
(Tabela 4, em anexo), também pela magnitude das privatizações no
período, justificadas pela necessidade de redução do endividamento
público.

07 Fábio cap. 7.p65 241 25/9/2009, 16:59


240  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
debate dos anos anteriores, há fortes evidências da presença tanto de
fatores herdados da Constituição de 1988 quanto de crescimento “au-
tomático” dos gastos devido ao fim da corrosão pela inflação elevada
(Carvalho, 2000, pp. 208-18). Boa parte do salto das despesas
previdenciárias e de pessoal em 1995 resultou do reajuste concedido
pelo governo, para salário mínimo e pensões, em níveis superiores à
inflação corrente.156 A decisão de conceder reajustes reais pode refor-
çar o argumento de que seria realmente mais difícil conter as reivin-
dicações salariais sem ajuda da inflação, como se afirmava antes do
Plano Real, mas pode-se objetar que não houve atitudes semelhantes
nos anos seguintes.
Por outro lado, a queda do gasto com bens, serviços, subsídios e
investimentos, em 1994 e 1995, foi suficiente para permitir que as
despesas não financeiras totais ficassem no nível de 1993, apesar do
maior gasto com pessoal e previdência. Trata-se de forte indicação de
que teria havido algum tipo de controle de “boca de caixa” nesses
itens, possivelmente mais fáceis de comprimir, na ausência de infla-
ção, que os salários e benefícios previdenciários. A administração do
gasto pelo controle da liberação das despesas seria uma possibilidade
mais ampla de repressão orçamentária, permitida pelo fato de o orça-
mento no Brasil ser apenas autorizativo, sem que a execução das des-
pesas previstas seja obrigatória. Não se trata de negar a existência do
fenômeno de repressão do nível real do gasto com base na corrosão
do valor da despesa por meio da inflação elevada, até porque em al-
guns indicadores o gasto alcançou patamar real bem mais elevado a
partir de 1995, mas sim de ressaltar que esse não foi o único deter-
minante do aumento do dispêndio público após a queda da inflação,
e talvez não tenha sido o de maior peso.
Na área tributária, conseguiu-se a desoneração do ICMS na com-
pra de bens de capital, alguns insumos básicos e exportações de pro-
dutos agrícolas e semi-elaborados e foram adotadas diversas medidas
para aumentar o controle e combater a evasão, ao lado da correção de
alíquotas e de bases de incidência de alguns impostos. Além das co-
nhecidas dificuldades para se realizar uma ampla reforma tributária,
a confiança no êxito de medidas tão modestas era reforçada pela ex-
pectativa de decisões judiciais favoráveis à manutenção das receitas
do IPMF e da Cofins, o que acabou de fato ocorrendo, apesar da inten-
sa contestação naquele momento.

07 Fábio cap. 7.p65 240 25/9/2009, 16:59


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  239
políticas e do relativo desinteresse do governo em priorizá-las.12 O
governo conseguiu aprovar diversas medidas, avaliadas, porém, como
insuficientes para atingir os objetivos propostos (para um resumo do
que foi conseguido, ver Programa. . .,1998; para uma posição crítica,
ver Dain, 1999). No final de 1998, na esteira dos problemas provoca-
dos pela crise asiática e pela crise russa, o governo tomou iniciativas
mais drásticas para forçar a tramitação dos projetos no Congresso.
Ainda assim, o esforço de ajuste fiscal continuou baseado em medi-
das localizadas e de emergência, dentro do padrão de “pacotes de
final de ano”. Em 1999, por fim, no rescaldo da desvalorização, o
governo implementou com maior rigor as medidas de corte de gastos
e aumento das receitas aprovadas no período anterior.

O quadro fiscal no Plano Real

As contas públicas tiveram piora significativa com o Plano Real e


a queda da inflação, a partir de julho de 1994 (Tabela 1, em anexo).
Sem considerar os resultados excepcionais do ano, o que se justifica
por seu caráter atípico (Giambiagi, 1997), o resultado primário positi-
vo dos anos anteriores desapareceu a partir de 1995, primeiro ano
completo com inflação baixa, e surgiu forte tendência de crescimen-
to do déficit operacional, até o pico de 7,41% do PIB em 1998. A partir
de 1999, foram obtidos superávits primários elevados (média anual
de 3,89% do PIB, de 1999 a 2004), suficientes para acomodar o forte
aumento das despesas com juros reais verificado a partir de 1988-
1999 (Tabela 1, em anexo).
A Tabela 1, anexa, expõe os números apurados pelo conceito de
necessidade de financiamento do setor público, de 1991 a 2000, em
quatro subperíodos. Os anos anteriores ao Plano Real, 1991-1993,14
mostram, na média, resultado operacional próximo de zero, com base
em superávits primários estáveis. A partir da queda da inflação, apesar
do forte aumento da carga tributária total (Tabela 2, em anexo), as des-
pesas cresceram o bastante para eliminar o superávit primário, recupe-
rado com sucessivos aumentos da carga tributária a partir de 1998, o
que permitiu a acomodar fortes gastos com juros reais15 a partir de 1998
sem explosão da dívida (ver seção 4 e Tabela 4, em anexo).15
Não há análises conclusivas sobre os determinantes do aumento
das despesas correntes logo após a queda da inflação. Nos termos do

07 Fábio cap. 7.p65 239 25/9/2009, 16:59


238  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
plificados pelo arranjo fiscal da Constituição de 1988. No início dos
anos 1990 cresceram as manifestações de que a nova Carta teria agra-
vado os problemas fiscais, ao ampliar as responsabilidades da União
na provisão de bens e serviços de natureza social, em especial encar-
gos previdenciários, e ao transferir recursos para os governos subna-
cionais sem redistribuir competências. Decorreu daí a “preferência”
por tributos federais não partilháveis e o uso crescente do controle da
execução de caixa como forma de flexibilizar essa rigidez, o que era
facilitado pela inflação (Velloso, 1992, pp. 88-91).
O debate sobre o uso do controle de caixa como mecanismo de
ajuste das contas públicas ganhou força com a repetição de indicado-
res fiscais favoráveis e a permanência da inflação elevada. Tendo como
referência o trabalho de Guardia (1992) sobre o retardamento de
gastos previstos nos orçamentos como forma de reduzir seu valor
real, ganhou força a tese de que os sucessivos resultados fiscais positi-
vos seriam enganosos, por resultarem da repressão orçamentária per-
mitida pela inflação alta. Formulou-se em seguida a tese do déficit
potencial com inflação zero,9 o déficit que estaria oculto pela corro-
são inflacionária das despesas e que apareceria com toda a nitidez
quando um programa de estabilização bem-sucedido retirasse do go-
verno a capacidade de “administrar” o nível real de gasto dessa forma.
A tese da repressão orçamentária teve papel decisivo na elabora-
ção do Plano Real. Partindo de que o fim da alta inflação retiraria do
governo esse mecanismo essencial para a redução administrada e
não conflituosa do nível real de gasto, defendia-se que a estabilização
traria um efeito Tanzi “às avessas”, com aumento mais acentuado da
despesa que da receita, a qual estava protegida contra os efeitos da alta
inflação pela indexação generalizada.10
A despeito de o equilíbrio fiscal ter sido definido desde o início
como indispensável para o sucesso do programa de estabilização, as
medidas adotadas não foram suficientes para viabilizá-lo. À exceção
de algumas iniciativas “estruturais”11 mais ambiciosas, as providên-
cias que acompanharam o Plano Real desde sua preparação não se afas-
taram muito do padrão típico do período anterior: sucessivos “pacotes”
de medidas localizadas, a cada final de ano ou em resposta a conjuntu-
ras adversas, sem constituir um todo articulado e homogêneo.
As chamadas “reformas” foram seguidamente postergadas, em
especial na área tributária e previdenciária, por causa de resistências

07 Fábio cap. 7.p65 238 25/9/2009, 16:59


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  237

O debate sobre as finanças públicas


na gênese do Plano Real

No início dos anos 1990, os indicadores fiscais mostraram


melhoria em relação ao período anterior. De 1991 a 1993, no concei-
to de necessidades de financiamento do setor público (NFSP), o supe-
rávit primário voltou aos níveis de 2% a 2,5% do PIB, como nos
melhores momentos de meados da década anterior, e a redução das
despesas com juros deu lugar a déficits operacionais próximos de zero
(Tabela 1, em anexo). Esgotados os efeitos do Plano Collor6 tidos como
once and for all, a persistência dos resultados positivos estimulou amplo
debate a respeito do seu significado e de suas implicações. Questiona-
va-se em que medida os números expressariam de fato a configuração
de um quadro fiscal mais favorável e também quais as suas relações
com a persistência da inflação elevada e com as políticas de estabili-
zação a serem empreendidas.
Nas análises otimistas (Barbosa & Giambiagi, 1995; Giambiagi,
1997), a melhoria era consistente e tendia a se manter nos anos se-
guintes, o que reduzia bastante o esforço fiscal requerido para o êxito
de um programa de estabilização.7 Além da queda das despesas finan-
ceiras, o resultado primário tenderia a se manter: ainda que modesto;
o aumento das receitas seria permanente e se somaria a impactos
favoráveis sobre o gasto gerados pelo início dos programas de priva-
tização e de reforma do setor público, além do controle mais rigoroso
da União sobre as finanças dos governos subnacionais. Todos esses
fatores favoráveis estariam permitindo a preservação do resultado fis-
cal positivo, mesmo com a entrada em vigor de diversas medidas da
Constituição de 1988 e com a recuperação dos salários do funciona-
lismo da União, ocorrida já em 1993.
As avaliações pessimistas eram predominantes, contudo. As pri-
meiras análises nesse sentido argumentavam que os resultados posi-
tivos de 1990-1991 decorreriam das medidas excepcionais do Plano
Collor (Villela, 1991, pp. 28-32), em especial a redução compulsória
do valor da dívida pública interna e do custo de seu financiamento
(Velloso, 1992, p. 76), e tenderiam a se reverter rapidamente.8 Outra
vertente que alimentava as avaliações pessimistas destacava os efeitos
de fatores duradouros, presentes desde meados dos anos 1980 e am-

07 Fábio cap. 7.p65 237 25/9/2009, 16:59


236  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O
d) a partir de 1999, a política macroeconômica está constrangida
pela necessidade de gerar superávits primários elevados para reduzir a
dívida pública (Tabela 1, em anexo), mas os instrumentos adotados
sustentam a dívida e dificultam o crescimento do PIB em ritmo e
intensidade suficientes para garantir sua redução.
A natureza unilateral da flexibilidade revelou-se a partir de 1999,
portanto, com a virtual incapacidade de reduzir a dívida pública e
aliviar a carga tributária dentro dos limites da política econômica
vigente. A flexibilidade que permitiu o sucesso da estabilização trans-
formou-se em forte enrijecimento, em arrocho fiscal permanente.
Trata-se desde então de gerar superávits primários muito altos para
impedir o crescimento da dívida, mas esta é reposta pelos juros reais
altos. O setor público continua deficitário, em termos nominais e
operacionais, ou seja, continua transferindo renda para o setor priva-
do, na forma de transferência financeira líquida, concentrada nos
bancos e nos rentistas. O financiamento da política dá-se pelo au-
mento da carga tributária e pela contenção dos gastos de investimen-
tos e de várias rubricas sociais, dada ainda a dificuldade de reduzir o
conjunto das despesas correntes.
Nos seus primeiros dois anos, o governo Lula manteve a política
macroeconômica do segundo mandato de FHC, além de ter mantido
as orientações econômicas, políticas e ideológicas que se consolida-
ram a partir de 1993 e que configuram o modelo neoliberal brasilei-
ro.5 Em 2003 o resultado foi negativo, com estagnação da economia e
elevação da dívida. Em 2004 a dívida caiu bastante, para níveis abaixo
de 55% do PIB. Houve a combinação virtuosa de cenário externo fa-
vorável, crescimento do PIB e inflação acima do esperado, o que redu-
ziu os juros reais. A partir de setembro, contudo, o BC tratou de reto-
mar a alta dos juros básicos, o que deve frear a redução da dívida mais
uma vez e manter o quadro de arrocho fiscal.
Depois desta introdução, a segunda seção resume o debate so-
bre o quadro fiscal brasileiro na preparação do Plano Real, a ter-
ceira discute os principais indicadores fiscais do período, a quarta
analisa a evolução da dívida pública e seguem-se alguns comentários
finais.

07 Fábio cap. 7.p65 236 25/9/2009, 16:59


ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA  235
permitiu a utilização agressiva de instrumentos de política cambial e
monetária e a absorção de seus custos pelo setor público.2
A capacidade de elevar a receita tributária sem conflito político
deu ao governo margem de manobra para acomodar o aumento dos
gastos correntes e os custos de políticas fundamentais para o êxito do
programa, notadamente a valorização real do câmbio e os juros altos,
acionados intensamente como instrumentos antiinflacionários e de
equilíbrio das contas externas.3 A elevação contínua da receita permitiu
ainds evitar o risco de uma trajetória explosiva para o endividamento
público, em especial no biênio 1998-1999, quando o setor público
assumiu os custos da defesa do regime cambial e de sua posterior ruptu-
ra, com a desvalorização de janeiro de 1999. Processo semelhante ocor-
rera nos anos anteriores, com absorção dos custos do socorro ao siste-
ma bancário e da consolidação de passivos herdados do passado.
Acrescente-se que o aumento substancial da arrecadação por meio
de sucessivas medidas tópicas e emergenciais deu ao governo mar-
gem de manobra para evitar os graves conflitos de interesses que po-
deriam ameaçar a sustentação parlamentar da política econômica,
caso tivesse insistido em cortes drásticos de despesas ou em uma ampla
reforma da estrutura tributária.
Os primeiros anos do Plano Real foram marcados pela combina-
ção favorável de oferta abundante e barata de financiamento externo
e de flexibilidade fiscal: capacidade de acomodar as tensões e pro-
blemas com o aumento da dívida pública aceita pelo mercado finan-
ceiro doméstico em grande parte devido aos juros reais muito altos
(Tabela 2, em anexo), e a capacidade de financiar os custos deste
endividamento crescente com a elevação contínua da receita tributá-
ria (Tabela 3, em anexo).4
Contudo, esta flexibilidade era apenas parcial, ou unilateral:
a) a flexibilidade da estrutura tributária se apoiou na permanência
de elementos nocivos à eficiência e à competitividade da economia;
b) os gastos correntes cresceram continuamente, mas os investi-
mentos públicos estão abaixo do necessário e as demandas por gastos
sociais estão longe de serem atendidas;
c) a capacidade de colocar dívida no mercado doméstico passou a
dar sinais de esgotamento, depois que a dívida subiu para níveis aci-
ma de 55% do PIB, com a absorção pelo Tesouro dos custos da crise
cambial de 1997-1998 (Tabela 4, em anexo);

07 Fábio cap. 7.p65 235 25/9/2009, 16:59


234  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O

CAPÍTULO 7
ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCH0 FISCAL
NA MACROECONOMIA DE FHC E DE LULA1

C A R L O S E D UA R D O C A R VA L H O

Dívida pública e restrição fiscal:


a herança de FHC e de Lula

Embora na preparação do Plano Real o equilíbrio fiscal das fi-


nanças públicas tenha sido definido como elemento básico para o
sucesso da estabilização, e embora Fernando Henrique Cardoso te-
nha deixado o governo com a marca da “responsabilidade fiscal”, os
dois mandatos do PSDB legaram ao País o salto espetacular do
endividamento público e o grande enrijecimento do quadro fiscal,
apesar do forte aumento da carga tributária e da privatização de em-
presas estatais.
Esse quadro representa uma forte restrição às políticas macroeco-
nômicas e tem sido utilizado pelo governo Lula como argumento
para manter as mesmas políticas do segundo mandato de FHC, todo
ele voltado para acomodar os custos da política seguida nos quatro
anos anteriores.
Criou-se uma versão de que o Plano Real conseguiu derrotar o
regime de inflação elevada apesar das dificuldades fiscais e de uma
suposta “inflexibilidade” das finanças públicas. É uma tese misti-
ficadora. Além do fato de não haver déficits primários até 2003 (Tabe-
la 1, em anexo), a flexibilidade do quadro fiscal foi decisiva para o
sucesso do programa de estabilização, com a possibilidade de elevar a
receita continuamente e colocar dívida adicional no mercado do-
méstico (Tabelas 3 e 4, em anexo). Essa ampla margem de manobra
234

07 Fábio cap. 7.p65 234 25/9/2009, 16:59


252  LUIZ FILGUEIRAS & EDUARDO COSTA PINTO

CAPÍTULO 8
EPOLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO LUL A
E OS LIMITES DO CRESCIMENTO1

LUIZ FILGUEIRAS
EDUARDO COSTA PINTO

O
presente capítulo trata da dinâmica macroeconômica da
economia brasileira nos dois governos FHC (1994-2002)
e nos dois primeiros anos do governo Lula (2003-2004), à
luz das políticas econômicas que foram implementadas, tendo por
objetivo responder as seguintes questões:
1. O que mudou no cenário internacional e na política e na econo-
mia do País, a partir do governo Lula, que permita acreditar que a estra-
tégia até aqui seguida, de manutenção e aprofundamento das mesmas
políticas econômicas anteriormente adotadas, possa obter a estabilida-
de macroeconômica necessária para a retomada do crescimento sus-
tentado; êxito este que os dois governos FHC não lograram alcançar?
2. Houve alguma mudança estrutural na competitividade do País
e na pauta de suas exportações, que venham a permitir superávits
significativos duradouros na balança comercial?
3. A política de câmbio flutuante é condição suficiente para aco-
modar os impactos das crises cambiais, permitindo o manejo ade-
quado e a autonomia relativa necessária à política monetária?
4. Há possibilidade de se reduzir a dívida pública, ou pelo menos
reduzi-la como proporção do PIB, a partir da obtenção de elevados
superávits fiscais primários?
5. Em resumo, com a adoção dessa estratégia, há possibilidade
real de se reduzir, estruturalmente, a vulnerabilidade externa do País
e a fragilidade financeira do setor público; substituindo-se o predomí-
nio da lógica rentista pela lógica produtiva?2
252

08 Fábio cap. 8.p65 252 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  253
A compreensão mais geral aqui adotada, acerca do processo em
curso desde o início do Plano Real, pode ser resumida nos seguintes
pontos:
i) A relativa estabilidade monetária, até aqui conseguida com
grandes dificuldades e permanentemente ameaçada por sucessivas
crises cambiais, vem fazendo-se à custa de uma grande instabilidade
macroeconômica, que se expressa na vulnerabilidade do balanço de
pagamentos, na deterioração das finanças públicas, em taxas de cres-
cimento diminutas — com flutuações reiteradas do nível de atividade
econômica — e em elevadas e persistentes taxas de desemprego.
ii) A partir de 1999, com a adoção do câmbio flexível, a âncora
cambial foi substituída pelas âncoras monetária e fiscal, mediante,
respectivamente, a implementação da política de metas de inflação e
a obtenção de elevados superávits primários nas contas públicas. No
entanto, as vicissitudes da economia brasileira continuaram, no es-
sencial, as mesmas, podendo ser resumidas na sua grande vulnera-
bilidade externa e na elevada fragilidade financeira do setor público.
Com isso, o País completou a sua segunda “década perdida”.
iii) A herança deixada por dois governos de Fernando Henrique
Cardoso (FHC) aprisionou o que viria a ser o novo governo ainda no
período eleitoral, quando Lula, expressando a aliança política que o
estava levando a vencer as eleições, divulgou a “Carta ao Povo Brasi-
leiro”, comprometendo-se a dar seqüência às mesmas políticas eco-
nômicas adotadas até aí, bem como a respeitar todos os contratos
firmados pelo governo que estava saindo.3
iv
) Apesar do discurso do governo Lula, não houve, e nem está
havendo, qualquer transição do modelo econômico liberal, e suas
respectivas políticas, para um novo modelo de “forma lenta, gradual
e segura”, sem nenhum tipo de ruptura. A obtenção da confiança dos
“mercados”, pela manutenção e aprofundamento das políticas orto-
doxas e da realização das reformas previdenciária, tributária e traba-
lhista — as duas primeiras já implementadas —, não abriram, e nem
abrirão, espaço para essa transição. Qualquer movimento nessa dire-
ção contará com uma reação contrária imediata do capital financeiro
e das instituições econômicas “multilaterais”. Portanto a saída dessa
prisão, que na verdade não foi perseguida pelo atual governo, implica-
rá custos, inevitavelmente, e a constituição de uma outra base de sus-
tentação política, distinta da do governo Lula.4

08 Fábio cap. 8.p65 253 25/9/2009, 16:59


254  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
Além dessa introdução, o texto constitui-se de mais cinco seções.
Na segunda, faz-se, de forma sintética, um balanço dos principais
resultados macroeconômicos do governo FHC, após mais de uma
década de implementação de políticas econômicas liberais. Nas se-
ções seguintes, tendo em vista a herança deixada pelo governo ante-
rior, consideram-se, respectivamente, as políticas econômicas assu-
midas pelo governo Lula — sua lógica e o discurso que as sustentam
— e os seus resultados nos anos de 2003 e 2004, tendo por referência
a análise da conjuntura econômica. Por fim, na conclusão, conside-
ra-se que a complicada disjuntiva político-econômica — continuida-
de ou ruptura com o modelo liberal —, que se impôs ao novo governo
desde o seu início, já foi há muito resolvida, sem nenhuma possibili-
dade de retorno, com a opção pela manutenção do modelo. Adicio-
nalmente, também põe em dúvida a sustentação do crescimento eco-
nômico verificado em 2004.
A análise desenvolvida apóia-se em indicadores macroeconômi-
cos, referentes à inflação, ao balanço de pagamentos, ao desemprego,
ao PIB e às contas públicas. As fontes são, principalmente, o Banco
Central, o IBGE, a FGV e o Dieese.

O Plano Real e os dois governos de FHC

O Plano Real apoiou-se numa política de estabilização monetá-


ria calcada na sobrevalorização da nova moeda criada (o Real) e na
abertura comercial e financeira da economia brasileira. O impacto
sobre as taxas de inflação foi imediato (Tabela 8.1); estas taxas caíram
sistematicamente durante os quatro anos do primeiro governo FHC,
aproximando-se de valores próximos a 1% ao ano em 1998 — consi-
derando-se qualquer um dos índices de preços existentes (IGP, IPCA,
IPC-Fipe, ICV-Dieese, etc.).
A estabilidade dos preços, no seu período inicial — notadamente
de julho de 1994 a março de 1995 —, propiciou um círculo virtuoso
de aumento do consumo e crescimento da produção e do emprego,
impulsionado pelo fim do imposto inflacionário e a ampliação do
crédito — possibilitando às famílias com rendimentos mais baixos
efetuar compras a prazo. No entanto, esse processo logo se mostrou
muito frágil, diante dos problemas surgidos nas contas externas do
País e nas finanças públicas.

08 Fábio cap. 8.p65 254 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  255
Tabela 8.1. Variação anual de preços, 1990-2204 (%)
ANO ÍNDICE ( E M 12 M E S E S *)

IGP - M IGP - DI IPA - DI IPCA IPC-FIPE ICV

1994 1.246,62 1.093,89 1.029,36 916,43 941,25 1.130,48


1995 15,25 14,78 6,39 22,41 23,17 27,44
1996 9,20 9,34 8,09 9,57 10,04 9,94
1997 7,74 7,48 7,78 5,22 4,83 6,11
1998 1,78 1,70 1,51 1,65 –1,79 0,47
1999 20,10 19,98 28,90 8,94 8,64 9,57
2000 9,95 9,81 12,06 5,97 4,38 7,21
2001 10,38 10,40 11,87 7,67 7,13 9,42
2002 25,31 26,41 35,41 12,53 9,90 12,93
2003 8,71 7,67 6,25 9,30 8,18 9,55
2004 12,41 12,41 14,67 7,60 6,56 7,70
Fonte: FGV, IBGE, Fipe e Dieese.
* dezembro sobre dezembro.

Assim, a conta de transações correntes do balanço de pagamen-


tos, refletindo o processo de reversão ocorrido nos saldos da balança
comercial — que de superavitária se tornou, ano a ano, deficitária —
e de elevação dos déficits da balança de serviços, também passou a
apresentar, ano a ano, déficits elevados e crescentes, que implicaram
em aumento dramático da vulnerabilidade externa do País.
Comparando-se os períodos pré-Real (1990-1994) e pós-Real
(1995-1998), consta-se que o saldo acumulado da balança comercial
evoluiu de um superávit de US$ 60,3 bilhões para um déficit de US$
22,4 bilhões. O saldo negativo acumulado pela balança de serviços
passou de US$ 70,5 bilhões para US$ 92,7 bilhões. Como decorrên-
cia, o saldo negativo da conta de transações correntes passou de US$
1,6 bilhão para US$ 105,8 bilhões (Tabela 8.2)!

Tabela 8.2. Transações correntes. Montantes acumulados nos períodos


pré e pós-Real (em US$ bilhões)

DISCRIMINAÇÃO PRÉ - REAL PÓS-REAL LULA

90-94 95-98 99-02 03-04

Balança comercial 60,3 –22,4 13,9 58,5


Serviços e rendas –70,5 –92,7 –101,6 –48,8
Serviços –21,5 –36,9 –27,0 –9,7
Rendas –49,0 –55,8 –74,7 –39,1
Transferências unilaterais correntes 8,6 9,3 7,2 6,1
Saldo –1,6 –105,8 –80,5 15,8
Fonte: Banco Central do Brasil.

08 Fábio cap. 8.p65 255 25/9/2009, 16:59


256  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
Esse processo, de rápida deterioração das contas externas, deter-
minou, concomitantemente, uma crescente piora das finanças do
setor público, apesar da existência de equilíbrio ou pequenos déficits
fiscais primários em cada ano. A permanente política de taxas de
juros elevadas — para assegurar a entrada e permanência de capitais
estrangeiros —, juntamente com a rolagem da dívida pública, conte-
ve o ritmo de crescimento do PIB — de 4,22% em 1995 para 0,13%
em 1998 (Gráfico 8.1) — e elevou a dívida líquida do setor público
sistematicamente, tanto em termos absolutos quanto como propor-
ção do PIB. A dívida líquida do setor público evoluiu de R$ 153,7
bilhões (30% do PIB), em dezembro de 1994, para R$ 385,9 bilhões
(41,7% do PIB) em dezembro de 1998 (Gráfico 8.2).

Gráfico 8.1. Produto interno bruto, 1994-2004


5,85
6
Taxa Real de variaçãol PIB per capita taxa Real de variação 5,2
5 4,33
4,22 4,36
3,70
4
3,27 2,99
3 2,752,66
1,87 1,52
2 1,42
1,24
0,79 0,50
1
0,13 0,1 0,21
0

-1
-0,55
-0,90
-1,21
-2 33,3 34,4
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 30,0 30,6
Fonte: IBGE. 1994 1995 1996 1997

Gráfico 8.2. Evolução da dívida líquida do setor público, 1994-2004,


dez.-dez. (% PIB)

Fonte: Bacen.

08 Fábio cap. 8.p65 256 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  257
As taxas de desemprego, por sua vez, depois de uma pequena
queda entre 1993 e 1995, voltaram a crescer, acompanhando o baixo
dinamismo da economia (Gráfico 8.3). A taxa de desemprego, para a
Região Metropolitana de São Paulo, saltou de 5,2% da PEA, em 1995,
para 8,6% em 1998 (PME-IBGE) ou de 13,2% para 18,2% (PED-Seade/
Dieese). Nesse processo, cadeias produtivas importantes foram de-
sestruturadas e/ou desnacionalizadas, dificultando ainda mais a pos-
sibilidade de, posteriormente, se retomar o exercício de políticas in-
dustriais.

Gráfico 8.3. Taxa de desemprego na RMSP — PED/PME, 1990-2004

PME PED
19,3 19,9
19,0 18,7
18,2 17,6 17,6
16,0
15,2 14,6 15,1
14,2 14,1
Fonte:13,2
PME/PED. Obs.: Os valores de 2003 e 2004 da PME não podem
12,6ser comparado com os anos
11,7 anteriores da PME, uma vez que ocorreu mudança na metodológica.
8,6 8,3 8,4
7,5
6,5 6,3 6,6 6,4
5,5 5,7 5,4 Em
5,2 suma, com exceção da estabilidade monetária — que, poste-
riormente, em 1999 e em 2002 também evidenciou, mais explicita-
mente, suas dificuldades —, o desempenho da economia brasileira
1991 1992 1993 1994primeiro
no 1995 1996governo
1997 1998FHC
1999mostrou-se
2000 2001 2002 2003ruim,
muito 2004 tendo culminado,

dramaticamente, com uma grande crise cambial, que atingiu o auge


no início do segundo governo. Assim, este se iniciou sob o signo de
dois grandes problemas, ainda hoje os mais graves da economia bra-
sileira: a vulnerabilidade externa do País e a fragilidade financeira do
setor público — que dificultam o crescimento do produto, a redução
das taxas de desemprego e a gestão das políticas macroeconômicas e,
principalmente, sociais.
A análise do segundo governo FHC evidencia que, a despeito da
mudança do regime cambial, esses problemas continuaram a existir;
apesar de a desvalorização do real, em janeiro de 1999, ter impedido
– pelo lado da conta de transações correntes - o aprofundamento da

08 Fábio cap. 8.p65 257 25/9/2009, 16:59


258  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
deterioração do balanço de pagamentos do país. Como se pode obser-
var (Tabela 8.2), tendo por referência o primeiro governo FHC, o
saldo acumulado na balança comercial, no período 1999/2002, vol-
tou a ser superavitário em US$ 13,9 bilhões, implicando uma redu-
ção do déficit acumulado da conta de transações correntes (US$ 80,5
bilhões); mesmo tendo ocorrido um crescimento do déficit acumu-
lado da balança de serviços (US$ 101,6 bilhões).
Essa melhora no desempenho da balança comercial e, por exten-
são, da conta de transações correntes, ocorrida a partir de 1999 e,
sobretudo, em 2002, se fez, principalmente, à custa do baixo cresci-
mento econômico do País — com taxas ainda menores do que as do
primeiro governo, quais sejam: 0,79% em 1999; 4,36% em 2000;
1,42% em 2001 e 1,52% em 2002 (Gráfico 8.1) — e em razão da
ocorrência, no final do segundo governo FHC (2002), de certas con-
dições muito particulares que favoreceram, sobremodo, as exporta-
ções brasileiras.Como se verá mais adiante, a análise dessa melhora
recente no balanço de pagamentos, que persistiu em 2003 e 2004,
exige cautela, pois uma mudança dessas condições implicará, prova-
velmente, novo aumento no grau de vulnerabilidade externa pelo
lado do comércio.
A fragilidade financeira do setor público, por sua vez, só piorou
— a despeito da melhoria do balanço de pagamentos e dos reiterados
superávits fiscais primários, crescentes e sempre acima de 3%, nos
quatro anos do segundo governo FHC. A dívida líquida do setor públi-
co cresceu para R$ 881,1 bilhões (55,5% do PIB) em dezembro de
2002 (Gráfico 8.2). Esses superávits, embora elevados, não consegui-
ram reduzi-la, em razão do grande montante de juros pago e da ma-
nutenção de taxas de juros elevadas. Um eventual aumento do grau de
vulnerabilidade externa, em razão de uma retomada do crescimento
da economia, poderá, dinamicamente, piorar ainda mais a situação
das finanças públicas — com novas desvalorizações do real e eleva-
ções da taxa de juros.
Na verdade, o segundo governo FHC teve por maior característi-
ca o fato de ter sido um governo de crise, em duplo sentido. Primeira-
mente, porque teve de administrar sucessivas crises do balanço de
pagamentos (1999, 2001 e 2002) — que o levou a bater às portas do
FMI para tomar três empréstimos nos montantes de US$ 41,5 bilhões
(1998), US$ 15,6 bilhões (2001) e US$ 30 bilhões (2002), respectiva-

08 Fábio cap. 8.p65 258 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  259
mente. Em contrapartida, durante os seus quatro anos de duração, a
economia brasileira foi monitorada externamente por essa institui-
ção, a partir de parâmetros macroeconômicos explicitados nos acor-
dos assinados. Adicionalmente, também enfrentou uma crise de ener-
gia (2001), que pôs em xeque o modelo de privatização do setor elétrico
e a atuação das agências reguladoras, inviabilizando a privatização
das empresas estatais geradoras de energia — que havia sido planeja-
da e decidida ainda no primeiro governo FHC.
Em segundo lugar, foi um governo de crise porque também teve
de administrar a própria crise política interna, em virtude do razão
esfacelamento de sua base político-parlamentar — que acabou cul-
minando, no ano da eleição presidencial, com a saída do PFL do go-
verno. Essa dimensão política da crise, em boa medida resultante da
primeira, foi decisiva para o resultado do embate eleitoral para presi-
dente da República em 2002, qual seja: a vitória da aliança política
comandada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com a eleição de
Luís Inácio Lula da Silva.
Desse modo, logo após o início do segundo mandato de FHC, em
janeiro de 1999, o governo teve de administrar uma crise no balanço
de pagamentos do País, que o obrigou a redefinir o regime cambial até
então adotado, transitando para uma situação de câmbio flexível e
assumindo, a partir do segundo semestre, o regime de metas de infla-
ção. Essa nova política, juntamente com a obtenção de elevados su-
perávits primários, passou a se constituir no centro da política econô-
mica, tendo como instrumento primordial a manipulação da taxa de
juros e do montante dos depósitos compulsórios retidos pelo Banco
Central — acionado de acordo com a trajetória futura estimada para
a inflação, tal como medida especificamente pelo IPCA do IBGE.5
No ano seguinte (2000), apesar dos primeiros sinais de desa-
celeração da economia americana — que culminaram com o estouro
da enorme “bolha financeira”, com impactos profundos nas bol-
sas de valores de todo o mundo —, houve queda da inflação e reto-
mada das atividades econômicas no Brasil, com o PIB crescendo
4,36%, contra 0,79% do ano anterior (Gráfico 8.1). Essa recupera-
ção, iniciada já no segundo semestre do ano anterior, foi propiciada
pelo retorno dos investimentos diretos estrangeiros, em montante
recorde — com a conseqüente valorização do real — e, na seqüên-
cia, pela queda da taxa de juros (Filgueiras, 2000). Depois de atingir

08 Fábio cap. 8.p65 259 25/9/2009, 16:59


260  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
um pico de 45% em março de 1999, essa taxa caiu seguidamente até
abril de 2001.
Em 2001, com o desenrolar da crise da economia argentina e,
principalmente, da economia americana — cenário este agravado
com os acontecimentos de 11 de setembro —, ocorreu uma nova
desaceleração da economia brasileira, com o PIB crescendo apenas
1,42% (Gráfico 8.1). O real, a partir de janeiro, voltou a se desvalori-
zar fortemente ao longo desse ano — notadamente depois de abril
—, registrando-se intenso movimento de saída de capitais e com a
taxa de juros voltando a subir a partir do mês de maio (Filgueiras,
2001). Adicionalmente, ao longo do ano, o governo FHC defrontou-
se com a “surpresa” de uma crise energética, que o levou a implementar,
a partir de junho, uma política de racionamento que afetou direta-
mente a capacidade de produção da indústria, restringido o seu cres-
cimento. Nesse contexto desfavorável, no âmbito doméstico e inter-
nacional, o governo assinou em setembro, preventivamente — com
o intuito de tentar abortar a nova crise cambial que se esboçava —,
um novo acordo com o FMI, antes mesmo do término do acordo
anterior, de dezembro de 1998.
Por fim, em 2002, explicitou-se, a partir do mês de abril, o início
de uma nova crise cambial, com fuga de capitais e grande desvaloriza-
ção do real. O aprofundamento da fragilidade financeira do setor
público — com o crescimento continuado da relação dívida pública/
PIB (Gráfico 8.2) —, o vencimento de grandes parcelas da dívida e a
possibilidade da vitória de Lula abriram um amplo campo para a
especulação contra o real; em boa medida ajudada pelo comporta-
mento do próprio Banco Central que, ao anunciar que resgataria es-
sas parcelas quando dos seus vencimentos, induziu reiterados movi-
mentos especulativos que pressionaram a subida do dólar, um pouco
antes da data dos resgates dos títulos, propiciando, assim, enormes
ganhos aos credores. Essa circunstância levou a novo crescimento da
taxa de juros a partir de setembro que, juntamente com a superação
da meta de superávit fiscal — acordada com o FMI em 3,88% do PIB,
mas que atingiu mais de 4% no final do ano —, impactou negativa-
mente as atividades econômicas, com o PIB voltando a crescer apenas
1,51% (Gráfico 8.1).
Esses movimentos, de curto prazo, de aceleração e desaceleração
da economia brasileira, foram, na verdade, uma característica básica

08 Fábio cap. 8.p65 260 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  261
dos oito anos de governo FHC. A mudança do regime cambial no
início de 1999, a política de metas inflacionárias e um regime fiscal
mais draconiano não conseguiram reverter, de forma estrutural, a
vulnerabilidade externa da economia e a fragilidade financeira do
setor público — não abrindo espaço, portanto, para a retomada sus-
tentada do crescimento. Em particular, a experiência vem demons-
trando que o câmbio flutuante, apesar de atenuar os efeitos internos
das crises cambiais, não tem conseguido isolar a política monetária e
dar-lhe maior autonomia; a cada ataque especulativo contra o real, as
autoridades monetárias, tanto em função da fuga de capitais quanto
de seus impactos sobre a inflação, terminam por elevar a taxa de
juros, com todas as conseqüências conhecidas sobre o nível de ativi-
dade, o emprego, a renda e a dívida pública (Carvalho, 2003; Carnei-
ro, 2003).

A política econômica do governo Lula

O resultado eleitoral de 2002 expressou, sem nenhuma dúvida, a


rejeição da grande maioria da população às políticas econômico-so-
ciais implementadas pelos dois governos FHC. Portanto, a vitória das
forças políticas comandadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) tam-
bém expressou, como contrapartida, uma grande vontade de mu-
dança dos brasileiros, descontentes com os rumos do País e, parti-
cularmente, com as duras conseqüências sociais decorrentes dessas
políticas.
No entanto, após dois anos do governo Lula, verifica-se que as
ações e políticas econômicas implementadas apenas deram conti-
nuidade à mesma política econômica concebida e executada pelo
governo FHC. O balanço das medidas tomadas pelo novo governo,
listadas a seguir, e que em alguns casos foram até radicalizadas —
quando comparadas com as adotadas pelo governo anterior —, não
deixam margem para nenhuma dúvida; senão vejamos:
1. De saída, aumento da meta de superávit fiscal primário para o
ano de 2003 de 3,75% para 4,25% do PIB, decidido, segundo as auto-
ridades econômicas, de forma unilateral e “sem qualquer interferên-
cia por parte do FMI”. Isto implicou, logo no início do novo governo,
uma redução das despesas previstas no orçamento no montante de
R$ 14,1 bilhões de reais (corte de 22,75% no total do orçamento),

08 Fábio cap. 8.p65 261 25/9/2009, 16:59


262  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
sendo R$ 5 bilhões nos ministérios da área social (corte de 12,44%
dos gastos planejados). Mais tarde, no final do ano, constatou-se que
o superávit primário feito foi maior ainda (4,3% do PIB). Ainda na
área fiscal, em nome da necessidade de se manter o montante da
arrecadação tributária, a CPMF foi prorrogada e a tabela do Imposto
de Renda de Pessoa Física não foi corrigida. Apesar disso tudo, como
se verá na próxima seção, a dívida pública continuou crescendo.
2. Aumento da taxa de juros básica do Banco Central (Selic) em
0,5% em janeiro, mais 1% em fevereiro — quando também se elevou
o porcentual dos depósitos compulsórios não remunerados no Banco
Central, de 45% para 60% dos depósitos a vista existentes nos bancos
— e manutenção de seu valor em 26,5% em março, porém indicando
uma tendência de alta, que foi retirado na reunião do Copom em
abril. Somente a partir de julho essa taxa iniciou uma trajetória de
queda, posteriormente interrompida no início de 2004, com a justifi-
cativa de retorno de pressões inflacionárias. O impacto dessas políti-
cas — fiscal e monetária — restritivas sobre a produção e o emprego,
como seria de se esperar, foi arrasador.
3. Apropriação política da agenda de reformas defendida pelo
governo anterior; reformas estas que não haviam sido realizadas ou
que haviam sido realizadas apenas parcialmente, quais sejam: a Re-
forma Tributária, a Reforma da Previdência e a Reforma Sindical e
Trabalhista.6 Do ponto de vista macroeconômico, o argumento le-
vantado pelo governo Lula, em favor de suas implementações, sobre-
tudo com relação às duas últimas, é semelhante ao utilizado pelo
governo anterior, isto é, a efetivação dessas reformas seria uma condi-
ção essencial para baixar a taxa de juros, reduzir o desemprego e a
informalidade, equilibrar as contas públicas, ampliar as políticas so-
ciais e fazer justiça social (Filgueiras, 2003). Desse modo, as duas
primeiras reforma foram realizadas em 2003 e a última, em anda-
mento, foi desmembrada, com a previsão de aprovação da Reforma
Sindical ainda em 2004 e a Reforma Trabalhista só 2005.
4. Aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 53/
99, que alterou o artigo 192 da Constituição e suprimiu os seus incisos,
que discorrem sobre o sistema financeiro nacional. Essa mudança
facilitará a aprovação da proposta de autonomia do Banco Central,
tão cara ao capital financeiro, pois permite que o assunto possa tran-
sitar isoladamente dos demais temas referentes ao sistema financei-

08 Fábio cap. 8.p65 262 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  263
ro. No entanto, em virtude de 2004 ser um ano eleitoral, a imple-
mentação dessa proposta, da mesma forma que a Reforma Trabalhis-
ta, foi adiada para 2005.
5. A segunda revisão do terceiro acordo com o FMI — assinado
pelo governo FHC em setembro de 2002 —, divulgada em fevereiro
de 2003, além de incorporar o aumento da meta de superávit pri-
mário decidido anteriormente, prometeu, para os anos seguintes do
governo Lula, gerar superávits primários suficientes para garantir o
gradual declínio da relação dívida/PIB. Ademais, comprometeu-se
também em envidar esforços para estabelecer a autonomia do Banco
Central e inseriu metas qualitativas, sob a denominação de parâmetros
estruturais, referentes à nova lei de falências, à privatização de bancos
estaduais e à realização das reformas tributária e previdenciária, defi-
nindo prazos para suas respectivas tramitações no Congresso. Como
se viu anteriormente, todas esses compromissos já foram cumpridos
ou estão em processo de efetivação.
6. Por fim, no final de 2003, o governo Lula assinou o seu próprio
acordo com o FMI, no qual foram estabelecidas diretrizes semelhan-
tes aos acordos anteriores, assinados pelo governo FHC. O argumen-
to foi o de que, embora o governo tivesse conseguido restituir a
credibilidade do País perante os “mercados” e restaurar a confiança
dos investidores, seria prudente obter uma espécie de “cheque espe-
cial” (US$ 15 bilhões), que poderá ser utilizado caso a conjuntura
internacional venha a se deteriorar. Nele se estabelece, para 2004,
metas de inflação e crescimento do PIB bastante baixas (5,5% e 3,5%,
respectivamente) e a mesma meta de 4,25% do PIB de superávit pri-
mário do ano anterior (R$ 71,5 bilhões); além de se comprometer em
aprovar uma lei que dê independência ao Banco Central e imple-
mentar uma Medida Provisória (já efetivada) que permita aos traba-
lhadores usarem parte de seus salários futuros como garantia de em-
préstimos.
7. A política econômica em 2004 manteve-se, no essencial, a
mesma, com sucessivas reduções da taxa de juros até o mês de setem-
bro — quando retomou, de novo, uma rota crescente, que ainda per-
sistia nos primeiros meses de 2005.
Em resumo: após dois anos de existência do governo Lula, as
diversas ações implementadas, além das políticas fiscal e monetária,
não podem mais ser vistas, mesmo pelos mais otimistas e esperanço-

08 Fábio cap. 8.p65 263 25/9/2009, 16:59


264  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
sos com futuras mudanças, como expressão apenas de um comporta-
mento de curto prazo. Ao contrário, são ações que indicam que se
assumiram, integralmente, as velhas concepções ortodoxas liberais,
do governo FHC e do FMI — acreditando-se que o seu aprofundamento
produzirá os efeitos anunciados de redução da vulnerabilidade exter-
na e da fragilidade financeira do setor público. Entre elas, talvez a
mais preocupante, além das Reformas Trabalhista e da Previdência,
seja a que diz respeito à autonomia do Banco Central, porque sinaliza
um compromisso estrutural que produzirá um efeito temporal mais
permanente, na organização do Estado e nas condições do exercício
da política econômica.
O significado da autonomia do Banco Central, caso ela venha a
ser implementada, foi competentemente sintetizada por Sampaio Jr.
(2003) da seguinte forma:

O caráter das decisões econômicas sob a competência do BC


mostra bem a relevância do que está em jogo. Entre outras atri-
buições, cabem-lhe as funções de regular a liquidez do sistema
financeiro, fiscalizar a saúde econômica dos bancos, definir a
taxa de juros básica, estabelecer o regime cambial, controlar os
fluxos de capitais, administrar as divisas internacionais, regular o
mercado de câmbio, supervisionar o mercado de derivativos, so-
correr bancos que atravessam crises temporárias de falta de di-
nheiro, liquidar instituições financeiras inadimplentes etc. Não
existe gestão monetária neutra (Sampaio, 2003, pp. 3-4).

No início, o governo Lula e os seus defensores justificaram a


estratégia adotada em razão do quadro econômico desastroso her-
dado do governo anterior, agravado por uma conjuntura particular-
mente desfavorável, que impediria, pelo menos momentaneamente,
qualquer mudança de rumo, ou até mesmo qualquer sinalização nes-
sa direção.
Com base nessa constatação (verdadeira), entendia-se que o po-
der dos “mercados” inviabilizaria qualquer tentativa de se redirecionar
a política econômica no curto espaço de tempo. A desaprovação dos
“mercados” expressar-se-ia numa grande fuga de capitais e na instala-
ção de uma crise cambial, levando à retomada da inflação e, no limi-
te, a um processo que poderia vir a questionar a própria governabi-

08 Fábio cap. 8.p65 264 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  265
lidade. Em suma, a transição para um novo modelo deveria ser feita,
cautelosamente, partindo da melhoria das contas externas do País e
mediante a obtenção de elevados superávits fiscais primários, o que
diminuiria o seu grau de vulnerabilidade e permitiria reduzir a taxa
de juros, com reflexos positivos também sobre a fragilidade financei-
ra do setor público — com a queda da relação dívida pública/PIB. Isso,
juntamente com as reformas já mencionadas, recuperaria a capaci-
dade de investimento do Estado e aumentaria a poupança interna do
país, detonando um círculo virtuoso de crescimento sustentado.
No entanto, com o passar do tempo, essa suposta estratégia polí-
tica — que previa a manutenção da mesma política econômica do
governo FHC, durante um certo período não claramente definido, no
qual a obtenção da confiança dos “mercados” constituir-se-ia em peça
central, com o objetivo de ganhar o tempo necessário para se criar as
condições que permitiriam a transição para um outro modelo de
desenvolvimento, com a implementação de novas políticas econô-
mico-sociais — mostrou-se ser apenas um discurso político apazi-
guador conjuntural, que serviu de justificativa, durante os meses ini-
ciais do governo, para a manutenção do mesmo modelo econômico.
Desse modo, por imposição factual, aos poucos esse discurso foi
sendo abandonado; embora, vez por outra, ainda se continue a lem-
brar a “herança maldita”. Já há muito tempo, ele vem sendo substitu-
ído pela afirmação recorrente de que não há nem haverá um “Plano
B”, isto é, não haverá nenhuma mudança essencial no rumo da polí-
tica econômica.
Portanto, o uso de políticas ortodoxas, como seria de se esperar,
nunca foi um expediente meramente provisório que, uma vez conse-
guindo-se a confiança dos “mercados” e a estabilidade da economia,
seria abandonado. Em suma, tendo em vista tudo o que foi implemen-
tado até agora, bem como a aliança política cada vez mais conserva-
dora que dá sustentação política ao governo Lula, a possibilidade de
haver uma transição para uma nova política econômica é nula!
Como se vê, independentemente dos motivos apresentados pelo
governo Lula, para justificar a sua opção de política econômica, a es-
tratégia escolhida é, sem dúvida, semelhante à implementada pelos
dois governos FHC, durante oito anos seguidos. Os objetivos e os ins-
trumentos utilizados são os mesmos, e seus efeitos são bastante seme-
lhantes, apesar da afirmação de que ela estaria orientada para mudan-

08 Fábio cap. 8.p65 265 25/9/2009, 16:59


266  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
ça do modelo de desenvolvimento. A superação gradual da
vulnerabilidade externa — e de todas as demais conseqüências daí
advindas —, mediante o aprofundamento da mesma política econô-
mica que criou este problema, também foi perseguida, disciplinada-
mente, pelos governos FHC.
Nunca é demais lembrar que, ao menos em dois momentos en-
tre 1995 e 2002, quando o cenário internacional conjunturalmente
se mostrou menos desfavorável, e o fluxo de capitais estrangeiros para
o País foi retomado mais regularmente, o governo e seus porta-vozes
anunciaram, reiteradamente, a retomada do desenvolvimento auto-
sustentado. E, em todas as vezes, o otimismo também foi alimentado
pela melhoria de indicadores voláteis e de curtíssimo prazo — como
taxa de câmbio, risco-país, índice Bovespa e valor dos títulos da dívida
externa no exterior —, que refletem o estado de confiança (de curto
prazo) do capital financeiro com relação ao desempenho da econo-
mia brasileira. Como se sabe, essas expectativas nunca se realizaram.7
Assim, os fatos e as circunstâncias acima narrados, transcorridos
dois anos do governo Lula, bem como as considerações anteriormen-
te feitas, apontam para uma conclusão irrecorrível, qual seja:
O governo Lula, com pouquíssima resistência do principal parti-
do de sua base de sustentação (o PT), e algumas vezes até com o seu
apoio explícito, capitulou ante o ideário e as políticas liberais;8 inde-
pendentemente da manutenção, e até repetição à exaustão, do discur-
so de mudança. Com isso, apenas reproduz a experiência dos partidos
socialistas e social-democratas europeus que chegaram ao poder, nos
anos 1980, com Mitterrand na França, Craxi na Itália, Papandreu na
Grécia e Felipe González na Espanha. Por motivos óbvios, essa mu-
dança de 180 graus jamais será assumida retoricamente — a não ser
pontualmente — pelo governo Lula e seus integrantes. No entanto,
como já se viu, documentos produzidos, pelo Ministério da Fazenda,9
bem como o discurso das autoridades econômicas, em particular do
ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central, defendem e
justificam, explicitamente, toda a política econômica ortodoxa
implementada até o presente momento, desqualificando qualquer
possibilidade de sua mudança.
Em contrapartida, o espaço de discussão na sociedade — no sen-
tido de se construir um outro caminho para as políticas econômicas
—, que nos primeiros meses foi tremendamente reduzido, voltou de

08 Fábio cap. 8.p65 266 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  267
novo a se ampliar, tendo em vista os resultados econômico-sociais
decorrentes da adoção da política econômica ortodoxa. Adicional-
mente, essa metamorfose político-ideológica, pela rapidez como ocor-
reu, num primeiro momento, implicou confusão e desânimo no cam-
po da esquerda. Mais recentemente, no entanto, já no início do terceiro
ano do governo Lula, começa a propiciar uma demarcação cada vez
maior da arena política; afinal de contas não dá mais para falar em
transição, em uma situação passageira etc.

Os principais resultados econômicos


do primeiro ano do governo Lula

Ao longo do primeiro ano do governo Lula, alguns indicadores


da economia brasileira melhoraram, especialmente os relacionados
ao funcionamento dos mercados financeiros. O dólar, depois de ba-
ter R$ 3,89 em outubro de 2002 e iniciar o ano de 2003 em R$ 3,53,
recuou para R$ 2,89 no final de dezembro — redução, no ano, de
mais de 22,% (Gráfico 8.4).
O índice Bovespa subiu 97,3% no ano (2003), os títulos da dívida
externa brasileira no exterior voltaram a se valorizar e o risco Brasil,
que chegou a atingir mais de 2.000 pontos em outubro de 2002, ter-
minou o ano de 2003 em torno de 460 pontos. Ademais, as taxas de
inflação se reduziram, os saldos da Balança comercial aumentaram,
com o bom desempenho das exportações, e os capitais especulativos,
mais uma vez, retornaram — atraídos pela elevada taxa de juros e
num momento em que o Tesouro dos Estados Unidos estava pagando
1,05% ao ano, para papéis de trinta anos.

Gráfico 8.4. Evolução do câmbio 2002-2003 (comercial, venda, fim do


período)

Fonte: Banco Central do Brasil.

08 Fábio cap. 8.p65 267 25/9/2009, 16:59


268  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
A mudança de humor dos “mercados”, indicando, como em tan-
tas outras vezes, o início de uma conjuntura, aparentemente, mais
favorável para a economia brasileira e a condução da política econô-
mica, teve várias razões — relacionadas com o cenário internacional
imediato e o comportamento do governo Lula:
1. No âmbito do comércio internacional, as exportações, que
haviam retomado uma trajetória de crescimento desde o ano 2000 —
em virtude da forte desvalorização cambial sofrida pelo real em 1999
— deram um salto em 2003. Com isso, acelerou-se a reversão do saldo
da balança comercial, que havia voltado a ser positivo desde 2001, e
reduziram-se os déficits da balança de serviços. No entanto, diferente-
mente de 2001 e 2002 — quando os saldos positivos foram alcança-
dos, sobretudo, em virtude de reduções nas importações —, em 2003
esse saldo decorreu de um vigoroso crescimento das exportações.
Assim, em 2003, o Brasil exportou o montante histórico de US$
73,1 bilhões, 21% a mais do que o obtido em 2002. As importações, por
sua vez, contidas pela desaceleração da economia, alcançaram, no
mesmo período, US$ 48,3 bilhões, com crescimento de apenas 2,3%
em relação a 2002. O País nunca acumulou um saldo comercial tão
grande: US$ 24,8 bilhões em 2003, recorde histórico (Gráfico 8.5).

Gráfico 8.5. Balança comercial, 1994-2004 (em US$ bilhões)

9 6 ,5
Sald o Ex po rtação d e b en s Im p or tação de b e ns

7 3,1
58 ,2 60 ,4 6 2 ,8
5 3 ,0 51 ,1 5 5,1
46 ,5 4 7,7 4 8,0
48 ,3
5 9 ,7 5 7 ,7 3 3 ,7
5 3,3 5 5,8 55 ,6 4 7 ,2
50 ,0 4 9,2 2 4,8
13 ,1
-1 ,2 - 0,7 2 ,6
-3 ,5 -5 ,6 -6,8 -6 ,6
96

97

98

99

00

03

04
95

01

02
19

19

19

19

19

20

20

20

20

20

Fonte: Banco Central do Brasil.

Além das desvalorizações cambiais, o salto das exportações se pode


creditar também, fortemente, ao grande aumento dos preços interna-
cionais das commodities. Os índices de preço dos produtos exportados
pelo Brasil, classificados nas categorias de semimanufaturados e, so-

08 Fábio cap. 8.p65 268 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  269
bretudo, básicos, tiveram evolução ascendente impressionante (Gráfi-
co 8.6).

Gráfico 8.6. Índice de preço dos produtos exportados brasileiros (por


classe), jan. 2002-dez. 2003 (base 1996 = 100)

Fonte: Funcex.

Adicionalmente, do ponto de vista das importações, o preço do


petróleo, apesar de muitas oscilações, não explodiu, em virtude da
crença, nos mercados financeiros, de que a “guerra” seria muita rápi-
da — o que, de fato, acabou ocorrendo.
O resultado da balança comercial também foi ajudado pela recu-
peração econômica da Argentina e a ampliação do comércio com a
China. Em 2003, as exportações para a primeira cresceram 100%, em
comparação ao ano anterior, depois de quedas sucessivas de 19,4% e
54% em 2001 e 2002, respectivamente — em virtude da crise econô-
mico-política da Argentina. Com isso, a participação desse país, no
total das exportações brasileiras, pulou de 3,8% para 6,3%; ainda lon-
ge, entretanto, dos 11,3% do ano 2000. O resultado em relação à
China foi mais impressionante ainda, tendo em vista que o aumento
de 80% nas exportações para esse país deu prosseguimento a uma
trajetória de forte crescimento, que já vinha ocorrendo desde o ano
2000. Como conseqüência, a sua participação relativa passou de 2%
em 2000 para 4,1% em 2002 e 6,2% em 2003 (Tabela 8.3).

Tabela 8.3. Participação relativa dos principais parceiros nas exporta-


ções brasileiras, 2002-2003
2002 2003
VALOR VARIAÇÃO PARTICIPAÇÃO VALOR VARIAÇÃO PARTICIPAÇÃO
RELATIVA RELATIVA

Estados Unidos 15,5 7,60% 25,70% 16,9 9,00% 23,10%


União Européia 15,1 1,30% 25,00% 18,1 19,90% 24,80%
Argentina 2,3 –54,00% 3,80% 4,6 100,00% 6,30%
China 2,5 31,60% 4,10% 4,5 80,00% 6,20%
Fonte: Funcex.

08 Fábio cap. 8.p65 269 25/9/2009, 16:59


270  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
A conta de transações correntes acompanhou a evolução da ba-
lança comercial, apesar da manutenção de elevados déficits no balan-
ço de serviços (Tabela 8.2); reduzindo, ano a ano, desde 1999, mas
principalmente em 2002, os seus déficits (Gráfico 8.7).

Gráfico 8.7. Transações correntes, 1994-2004 (em US$ milhões)


11.669

4.051
-1.811

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
-7.757
-24.225
-18.384
-23.502 -23.213
-25.335
-30.452
-33.416

Fonte: Banco Central do Brasil.

No primeiro ano do governo Lula esses déficits foram se reduzin-


do, mês a mês, de forma significativa; o que proporcionou, pela pri-
meira vez, desde 1989, o primeiro superávit em conta corrente, num
montante de mais de US$ 4 bilhões. Contudo, como se verá mais
adiante, esse melhor desempenho da conta de transações correntes
não é garantia de redução da vulnerabilidade externa. Dada a nature-
za e os motivos que explicam os saldos da balança comercial, bem
como, mais uma vez, a redução dos fluxos de capitais estrangeiros em
2003, a melhora conjuntural da conta corrente não é garantia de uma
redução consistente da vulnerabilidade externa.
2. A revalorização do real — motivada pelo melhor desempenho
da balança comercial e pela entrada de capitais especulativos e a cor-
reção das expectativas pré-eleitorais “pessimistas” dos investidores,
com relação ao governo Lula — teve impacto decisivo sobre a trajetó-
ria da inflação, que, após ter-se acelerado a partir de abril de 2002 e
atingir seu pico em novembro, começou a cair a partir do mês de
dezembro. Esse movimento pode ser visto, sobretudo, através do IGP-
M, cujo comportamento é afetado de forma mais direta pelas varia-
ções cambiais (Gráfico 8.8). A partir de abril — quando começa o
movimento de desvalorização do real —, a trajetória do IGP-M afasta-
se da trajetória do IPCA (Gráfico 8.9). A associação entre as variações
cambiais e variações da taxa de inflação é óbvia.

08 Fábio cap. 8.p65 270 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  271
Gráfico 8.8. Variação mensal de preços, IGP-M, 2002-2003

Fonte: Banco Central do Brasil.

Gráfico 8.9. Variação mensal de preços, IPCA, 2002-2003

Fonte: Banco Central do Brasil.

As taxas de inflação bem mais elevadas no início de 2003, quan-


do comparadas ao mesmo período de 2002, resultaram, principal-
mente, da grande desvalorização do real ocorrida nos últimos meses
de 2002. Também contribuiu para isso a elevação dos preços de al-
guns alimentos e bens intermediários, que além de pertencerem a
setores que estavam no limite de suas respectivas capacidades produ-
tivas instaladas, aumentaram a parte de suas respectivas produções
exportadas. Adicionalmente, como já vem ocorrendo há algum tem-
po, as tarifas de luz e telefone indexadas ao IGP e ao IGP-M, e reajus-
tadas por contratos, voltaram a pressionar a inflação.
Além da revalorização do real, o aumento em 8,5 pontos por-
centuais da taxa básica de juros, entre outubro de 2002 e março de
2003, também ajudou na redução dos índices inflacionários, ocorri-
da a partir de dezembro de 2002; em que pese a dificuldade da política
monetária de impactar os preços dos bens e serviços cujos preços

08 Fábio cap. 8.p65 271 25/9/2009, 16:59


272  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
estão atrelados ao mercado internacional (combustíveis) ou indexados
formalmente por meio de contratos (luz e telefone). Essa taxa, jun-
tamente com o elevado superávit fiscal primário, foi fator decisivo
para deprimir o nível de atividade econômica, pois só voltou a cair,
lentamente, a partir do mês de julho, encerrando o ano no montante
de 16,5%.
3. A sinalização firme, do governo Lula, da manutenção da mes-
ma política econômica adotada durante os oito anos dos governos
FHC — tanto por medidas e atitudes tomadas, quanto no discurso e
nos argumentos utilizados —, propiciou uma onda de menor descon-
fiança dos investidores. A conseqüência fez-se sentir, como já se viu,
na queda do risco Brasil, na revalorização dos títulos da dívida externa
e no retorno de capitais especulativos, atraídos pelas elevadas taxas de
juros praticadas no Brasil, comparativamente a outros países. Assim,
os investimentos estrangeiros em carteira, que se haviam se reduzido
em US$ 4,8 bilhões em 2002, apresentaram saldo positivo de US$
5,13 bilhões em 2003. No entanto, em sentido contrário, os investi-
mentos estrangeiros diretos, mantendo a trajetória descendente ini-
ciada em 2001, caíram de US$ 16,57 bilhões para US$ 10,14 bilhões
— uma redução de quase 39% (Gráfico 8.10).
1. Já em outros aspectos da economia, como conseqüência da
mesma política econômica adotada, observa-se uma espécie de
contraface negativa dos indicadores acima mencionados:
As atividades econômicas, voltadas para o mercado interno, tive-
ram desempenho ruim; o que levou o PIB e o PIB per capita a cair, em
2003, 0,2% e 1,5%, respectivamente (Gráfico 8.1). Portanto, a meta
de 2,8% estabelecida no acordo com o FMI (segunda revisão) mos-
trou-se superestimada, tendo em vista as políticas extremamente
ortodoxas postas em prática ao longo do ano de 2003. O bom desem-
penho da balança comercial não foi suficiente para compensar a se-
gunda queda seguida do investimento (4,2% em 2002 e 6,6% em
2003), o baixíssimo consumo do governo (acréscimo de 0,6% em
2003) e uma queda de 3,3% no consumo das famílias (Gráfico 8.11).

08 Fábio cap. 8.p65 272 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  273
Gráfico 8.10. Brasil. Investimento estrangeiro direto e investimento estrangeiro
em carteira, 1994-2003 (em US$ bilhões)

Fonte: Banco Central do Brasil.

Gráfico 8.11. Componentes da demanda. Variações (%) acumuladas nos anos de


2002 e 2003

Fonte: IBGE.

2. Acompanhando essa desaceleração da economia, a taxa média


de desemprego, para a Região Metropolitana de São Paulo, atingiu 19,9%
em 2003 — a maior desde o início da pesquisa em 1985 (Gráfico 8.3),
chegando a alcançar, em alguns meses, 20,6% da PEA (Gráfico 8.12).

Gráfico 8.12. Evolução da taxa de desemprego, RMSP-PED 2002-2003

Fonte: Seade-Dieese.

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274  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
Além das taxas de desemprego, o rendimento médio dos assala-
riados também sofreu o impacto do baixo dinamismo da economia.
Segundo o IBGE, os dados, para as seis regiões metropolitanas princi-
pais do País, indicam que esses rendimentos, que vinham caindo
desde julho de 2002, continuaram a cair, sistematicamente, em 2003;
portanto, mantendo uma tendência de queda que já vinha ocorrendo
(Gráfico 8.13).

Gráfico 8.13. Rendimento real das pessoas ocupadas, habitualmente


recebido por mês (Brasil* metropolitano)

Fonte: IBGE.

O mesmo ocorreu com a massa de rendimentos que, mês a mês,


comparativamente ao ano de 2002, foi sempre menor (Gráfico 8.14).
Essa situação, de elevada taxa de desemprego e queda dos rendimen-
tos médios e da massa de rendimentos, tem sido crucial para explicar
o baixo consumo das famílias, dificultando enormemente, mesmo
após a queda da taxa de juros, a retomada do crescimento em 2004.

Gráfico 8.14. Evolução da massa de rendimentos habitualmente recebi-


dos, mar. 2002-dez. 2003 (R$ bilhões)

Fonte: PME/IBGE.

08 Fábio cap. 8.p65 274 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  275
3. Os gastos públicos, depois do corte 14,1 bilhões no início de
2003, foram administrados por conta-gotas durante todo o ano, de
acordo com a meta de 4,25% de superávit fiscal primário acertada
com o FMI. Isto implicou uma quase paralisia da chamada área social
— motivada também por problemas de gerenciamento —, implican-
do atraso na implementação da maioria dos programas sociais, ainda
que focalizados. Na verdade, o superávit alcançado no final do ano, de
R$ 66,2 bilhões, representou 4,34% do PIB, recorde se comparado aos
do governo FHC. No entanto, como neste mesmo período, o mon-
tante a ser pago pelos juros da dívida pública alcançou R$ 145 bilhões
— mais do que o dobro do superávit obtido —, a dívida pública cres-
ceu para R$ 913,1 bilhões, isto é, passou de 55,5% do PIB em 2002
para 58,2% do PIB em 2003; portanto, mantendo a tendência de cres-
cimento que vem desde 1994 e apesar da obtenção de levados superávits
a partir de 1999 (Tabela 8.4). O resultado só não foi pior porque o real
voltou a se valorizar ao longo de 2003.

Tabela 8.4. Superávit/déficit primário e dívida líquida do setor público,


1994-2004

SUPERÁVIT DÍVIDA SUPERÁVIT DÍVIDA


(% DO PIB) (% DO PIB) ( R$ B I) ( R$ B I)

D E Z. 1994 5,04 30,0 18,2 153,2


D E Z. 1995 0,36 30,6 1,7 208,5
D E Z. 1996 –0,09 33,3 –0,6 269,2
D E Z. 1997 –0,91 34,4 –8,3 308,4
D E Z. 1998 0,01 41,7 0,1 385,9
D E Z. 1999 3,28 48,7 31,1 516,6
D E Z. 2000 3,50 48,8 38,2 563,2
D E Z. 2001 3,70 52,6 43,7 660,9
D E Z. 2002 4,01 55,5 52,4 881,1
D E Z. 2003 4,25 57,2 66,2 913,1
D E Z. 2004 4,61 51,9 81,1 957,0
Fonte: Banco Central do Brasil.

Em suma, como se pode constatar, a política econômica adotada


pelo governo Lula no primeiro ano de sua gestão, não se desviou um
milímetro sequer da orientação seguida pelo governo anterior. Muito
pelo contrário; reafirmou no discurso e nas ações implementadas
essa orientação, em especial aprofundando-a no que se refere à Refor-
ma da Previdência e ao ajuste fiscal, que, segundo as autoridades eco-

08 Fábio cap. 8.p65 275 25/9/2009, 16:59


276  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
nômicas, foi insuficientemente realizado pelos governos FHC, isto é,
os superávits primários deveriam ter sido maiores!!!

Os principais resultados econômicos


do segundo ano do governo Lula

Em 2004, segundo ano do governo Lula, não houve nenhuma


alteração da política econômica, mantendo-se os seus pilares essen-
ciais, herdados dos governos de FHC, quais sejam: metas de inflação
cada vez mais apertadas, elevados superávits fiscais primários, câm-
bio flutuante e taxas de juros ainda muito altas, embora cadentes —
até o mês de setembro, a partir do qual voltou a se elevar novamente.
No entanto, a partir dos mesmos indicadores utilizados para se
avaliar o desempenho no primeiro ano, pode-se observar, para 2004,
melhora importante em todos eles; senão vejamos. A balança comer-
cial elevou seu superávit em 57%, atingindo o recorde de US$ 37,7
bilhões (Gráfico 8.5); o que permitiu um superávit em toda a conta de
transações correntes de US$ 11,7 bilhões (Gráfico 8.7), quase 190%
de crescimento em relação a 2003 — apesar da manutenção de um
elevado déficit na conta de rendas e serviços da ordem de US$ 25
bilhões.
O PIB, “puxado” pelo excelente desempenho do setor externo e
pelo crescimento do consumo das famílias (4,3%) e dos investimen-
tos (10,9%), cresceu 5,2% e o PIB per capita 3,7% (Gráfico 8.1), provo-
cando pequena queda nas taxas de desemprego — de 19,8% e 14,1%
para 18,7% e 12,6% na região metropolitana de São Paulo, segundo,
respectivamente, a PED (Gráfico 8.3) e a PME.
A taxa de inflação de 7,6% (Tabela 8.1), medida pelo IPCA, ficou
um pouco acima da meta de inflação, mas bem menor do que a de
2003 (9,3%) e, com a queda da taxa de juros, o crescimento da econo-
mia, maior arrecadação tributária do Governo e superávit fiscal pri-
mário de 4,6%, a relação dívida pública/PIB reduziu-se de 57,2% para
51,9% (Tabela 8.2).
Essa melhora geral do quadro macroeconômico refletiu-se na
redução dos indicadores de vulnerabilidade externa e de fragilidade
financeira do setor público, amenizando, aparentemente, os dois prin-
cipais problemas estruturais da economia brasileira. Desse modo,
constata-se que a implementação da mesma política econômica pro-

08 Fábio cap. 8.p65 276 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  277
vocou, com exceção da balança comercial, resultados bastante distin-
tos em 2003 e 2004, deixando no ar as seguintes indagações: 1) O que
mudou no cenário econômico entre esses dois anos, que propiciou
resultados tão diferentes? 2) Essa melhora é conjuntural ou sinaliza
para o início da solução estrutural dos dois problemas fundamentais
da economia brasileira — a vulnerabilidade externa e a fragilidade
financeira do setor público?
Na verdade, o governo Lula tem-se beneficiado de um cenário
internacional bastante favorável, que se configurou desde o último
ano do governo FHC, isto é, 2002. Portanto, já há três anos, forças
externas à economia brasileira — crescimento da economia ameri-
cana, manutenção de elevado crescimento do PIB da China, recupe-
ração da Argentina, início da saída da estagnação de uma década no
Japão e manutenção de baixíssimas taxas de juros nos países desen-
volvidos — têm impulsionado uma melhora no desempenho das
economias em geral e das economias dos países periféricos em parti-
cular, praticamente sem exceção.
No caso do Brasil especificamente, as desvalorizações cambiais
de 1999 e 2002, juntamente com crescimento dos preços das com-
modities — inflados pelo crescimento mundial e, principalmente,
pela demanda chinesa — e a diversificação do destino das exporta-
ções, propiciaram, em 2002, 2003 e 2004, recordes sucessivos do mon-
tante das exportações e dos saldos da conta de transações correntes.
Apesar desse ambiente internacional altamente favorável nos
últimos três anos, o desempenho geral da economia brasileira em
2002 e 2003, com exceção da balança comercial, foi muito ruim. Em
2002, em virtude do ataque especulativo promovido pelo capital fi-
nanceiro contra a possibilidade da vitória de Lula e do Partido dos
Trabalhadores, numa situação já de grande vulnerabilidade externa
da economia. E, em 2003, já no governo Lula, em razão da radicalização
da política econômica ortodoxa, que levou a péssimos resultados no
consumo das famílias, nos investimentos das empresas e nos gastos
do governo, impedindo que o desempenho do setor externo compen-
sasse de forma importante a precária situação do mercado interno.
Em suma, não há surpresas no desempenho da economia brasi-
leira em 2004, tendo em vista o abrandamento da política monetária,
numa conjuntura internacional excepcional e com o governo Lula
sinalizando e garantindo, claramente, a manutenção da mesma polí-

08 Fábio cap. 8.p65 277 25/9/2009, 16:59


278  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
tica econômica dos governos FHC. Isto também ocorreu no início do
Plano Real em 1994-1995 e em 2000. Na verdade, os dois anos ante-
riores (2002 e 2003), também num ambiente internacional favorá-
vel, poderiam ter sido de crescimento mais elevado, se o manuseio da
política econômica ortodoxa não tivesse impedido. No último ano
(2004), todos os países da América Latina e do Caribe, com exceção
do Haiti, cresceram; e crescerem a uma taxa, em geral, superior a 5%,
como foram os casos da Venezuela, do México, da Argentina e do
Chile, entre outros.
Portanto, nessa conjuntura internacional extremamente favorá-
vel, os superávits comerciais vêm constituindo-se no elemento cen-
tral que tem permitido a redução da vulnerabilidade externa nos dois
primeiros anos do governo Lula. No entanto, esse quadro não des-
mente a base frágil em que se dá a nossa inserção internacional, tanto
do ponto de vista comercial — calcada na venda de commodities e
produtos de baixo valor agregado e reduzida elasticidade da demanda
— quanto no que se refere a nossa dependência em relação ao capital
estrangeiro, em virtude do pagamento de grande montante de juros e
amortizações associados a uma elevada dívida externa. Da mesma
forma, em virtude dessa situação excepcional, a fragilidade financeira
do setor público foi conjunturalmente amenizada em 2004, com a
redução da relação dívida/PIB.
Com relação à melhora do balanço de pagamentos é essencial
observar que, do ponto de vista estrutural, na década de 1990, verifi-
cou-se uma mudança desfavorável no padrão de comércio interna-
cional — perda de competitividade das exportações manufatureiras e
expansão dos produtos agrícolas para exportação10 — o que levou ao
aumento da participação dos produtos com baixo valor agregado nas
exportações. Os ganhos de competitividade do Brasil associados à
expansão dos produtos agrícolas tendem também a significar uma
incerteza crítica no processo de ajustamento das contas externas, uma
vez que se amplia a deterioração dos termos das trocas comerciais. O
baixo dinamismo das exportações manufatureiras, na década de 1990,
demonstra o “desmantelamento do aparelho produtivo” atribuído
“especialmente à apreciação cambial e às baixas taxas de investimen-
to”. Isso, na realidade, sugere que a reestruturação produtiva com o
crescimento medíocre da produção representou uma adaptação re-
gressiva do aparelho produtivo (Gonçalves, 2000, p. 118).

08 Fábio cap. 8.p65 278 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  279
Portanto, mantida a política econômica atualmente implemen-
tada, a vulnerabilidade externa e a fragilidade financeira dependem,
essencialmente, de uma situação internacional muito favorável, tan-
to do ponto de vista comercial quanto dos fluxos de capitais. Uma
piora no quadro internacional levará, muito provavelmente, ao re-
crudescimento tanto da vulnerabilidade externa quanto da fragilida-
de financeira do setor público. A trajetória, com base na experiência
anterior, é amplamente conhecida: piora no cenário internacional,
crise cambial por fuga de capitais, desvalorização do Real, pressões
inflacionárias, elevação das taxas de juros, recessão ou estagnação do
PIB, aumento do desemprego, aumento da dívida pública e da dívida
externa.

Conclusão

Desde a adoção do Plano Real e da política macroeconômica que


o seguiu, particularmente a partir da crise do México em dezembro de
1994, têm-se aprofundado dois problemas estruturais da economia
brasileira, quais sejam: a vulnerabilidade externa do País e a fragilida-
de financeira das finanças públicas. As políticas econômicas liberais
adotadas nos dois governos de FHC não foram capazes de alterar as
tendências de baixo crescimento que prevaleceram durante os anos
1980 e início de 1990. A indústria, nesses dois períodos de governo,
apresentou taxas pífias de crescimento, verificando-se ainda uma de-
terioração da qualidade deste incremento, uma vez que a expansão
industrial esteve apoiada unicamente no segmento de bens de consu-
mo duráveis. As restrições nos gastos públicos e as privatizações pro-
vocaram a retração dos investimentos necessários à ampliação e me-
lhoria da infra-estrutura do País, potencializando o aparecimento de
gargalos nas áreas estratégicas de energia e transporte.
Ademais, o acúmulo de desequilíbrios externos, transformados
em fragilidade financeira interna do setor público, e a inserção brasi-
leira passiva no âmbito internacional semearam na economia o ger-
me da crise financeira que vem acompanhado da ameaça recessiva
(Belluzo & Almeida, 2002). Nem mesmo a mudança do regime cam-
bial no início de 1999, a política de metas inflacionárias e um regime
fiscal mais draconiano, a partir do segundo governo de FHC, con-
seguiram reverter, de forma estrutural, a vulnerabilidade externa da

08 Fábio cap. 8.p65 279 25/9/2009, 16:59


280  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O
economia e a fragilidade financeira do setor público — não abrin-
do espaço, portanto, para a retomada sustentada do crescimento. Em
cada conjuntura específica, esses problemas podem ser mais ou
menos agravados ou mais ou menos reduzidos, mas tendencialmente
seguem existindo e condicionando o comportamento do conjun-
to da economia. A crise cambial de 2002, no final do segundo go-
verno FHC, evidenciou isso mais uma vez; a possibilidade de vitória
de Lula apenas agudizou o processo, que poderá voltar a se repetir de
novo caso as condições estruturais da economia permaneçam as
mesmas.
Vale recordar que a partir de 1999, sempre com base nessa lógica
— conforme acordo estabelecido com o FMI —, a política econômica
passou a ter como objetivo fundamental a obtenção de superávits
fiscais primários em montantes acima de 3% do PIB. Em 2002, últi-
mo ano do governo FHC, esse superávit foi de R$ 52 bilhões (4,06%
do PIB), ultrapassando até mesmo a meta fixada pelo FMI (3,88% do
PIB). Apesar disso, esse superávit não conseguiu pagar nem metade
dos juros da dívida, cujo montante ficou em R$ 113,9 bilhões, o que
implicou, mais uma vez, o crescimento do seu principal, bem como
da relação dívida pública/PIB. Esta última, que passou de 49,2% do
PIB, em 1999, para 56,5% em 2002, tem limitado dramaticamente a
capacidade do Estado de executar políticas sociais e impedido a ado-
ção de políticas macroeconômicas que estimulem o crescimento
(Tabela 8.4).
No governo Lula, como visto anteriormente, a lógica da política
econômica se manteve; materializando-se uma situação no mínimo
inusitada, para um governo eleito pela esquerda. Os mercados finan-
ceiros e as instituições “multilaterais”, como FMI e Banco Mundial,
que outrora repudiavam o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas dire-
trizes, agora rasgam elogios entusiásticos ao novo governo, maiores
até dos que os feitos ao governo FHC. Esta mudança de avaliação deve-
se, claramente, à adesão profunda do governo Lula aos princípios da
ideologia liberal, verificada pela busca incondicional da credibilidade
nos “mercados”. Isto vem reduzindo a avaliação dos impactos da po-
lítica econômica a um único critério, qual seja: a sua credibilidade ou
aceitação pelos agentes econômicos. Nessa perspectiva, a única polí-
tica aceitável é a que sinaliza para o caminho da racionalidade
microeconômica e que não sofra o veto dos mercados financeiros.

08 Fábio cap. 8.p65 280 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  281
Na verdade, essa dinâmica perversa — de vulnerabilidade exter-
na da economia e instabilidade cambial, que levam ao aumento da
taxa de juros e, como conseqüência, ao crescimento da dívida públi-
ca, à estagnação econômica e à elevação da taxa de desemprego —
dificilmente será alterada, estruturalmente, com a obtenção de su-
perávits fiscais, nem muito menos com as reformas liberais. O mais
provável é que esse processo de transferência de renda — dos traba-
lhadores e do setor produtivo para o capital financeiro —, que fragiliza
as finanças públicas e impede o crescimento econômico do País, con-
tinuará o seu curso, até uma nova crise e um novo acordo com o FMI.
Períodos de alívio momentâneo — que dão a impressão de se estar
caminhando para uma saída —, alternados por períodos mais dramá-
ticos — como as crises cambiais de 1999 e 2002 —, fazem parte da
lógica que preside esse processo; que é a lógica volátil, e de curto
prazo, dos capitais financeiros.
Em suma, no modelo econômico liberal, posto em prática des-
de o governo Collor, não há saída possível. É uma permanente fu-
ga para frente, com a obrigação permanente de aprofundar mais
ainda as mesmas políticas. A idéia de que se possa transitar para um
novo modelo gradualmente é ingênua e inverossímil; a manuten-
ção da política econômica herdada do governo FHC não cria ins-
trumentos, condições ou espaços para se fazer qualquer tipo de
transição. Ao contrário, sua dinâmica interna recria e reproduz as
condições que aprofundam a fragilidade financeira do Estado;
portanto, quanto mais se insiste nela, mais complicado e mais difícil
fica o seu abandono.

Notas
1
Esse texto é uma versão modificada e atualizada — com a incorpo-
ração do desempenho macroeconômico da economia brasileira no se-
gundo ano do governo Lula — de texto apresentado, em 2004, no IX En-
contro Nacional de Economia Política.
2
A crer nos documentos do Ministério da Fazenda e nos discursos
das autoridades econômicas, o governo Lula acredita, piamente, na pos-
sibilidade de resolver os problemas da economia brasileira, em particu-
lar a vulnerabilidade externa e a fragilidade financeira do setor público,
mediante o aprofundamento do ajuste fiscal, acompanhado pela agen-
da de reformas liberais — previdenciária, tributária, sindical e trabalhis-
ta — já perseguidas pelos governos de FHC e por um novo marco regu-
latório microeconômico, a exemplo da nova Lei de Falências. E mais, a

08 Fábio cap. 8.p65 281 25/9/2009, 16:59


282  LUIZ FILGUEIRAS & EDUARDO COSTA PINTO
melhora conjuntural dos indicadores macroeconômicos no segundo ano
do governo Lula seria a evidência, segundo a visão oficial, de que a polí-
tica adotada estaria no caminho correto. Na realidade, contudo, a obser-
vação e análise da evolução das principais variáveis macroeconômicas
indicam que a dinâmica da economia nos primeiros dois anos do novo
governo não mudou no essencial. Muito pelo contrário, os movimentos
constatados foram bastante semelhantes aos observados durante a vi-
gência dos governos de FHC.
3
No início mesmo de seu primeiro ano, quando da divulgação de
dois documentos — “Política Econômica e Reformas Estruturais” e “Gasto
Social do Governo Central: 2001 e 2002”, ambos do Ministério da Fa-
zenda —, bem como da proposta da nova “Lei de Diretrizes Orçamentá-
rias” para 2004, do Ministério do Planejamento, o governo Lula já não
deixava dúvidas quanto à manutenção e aprofundamento das mesmas
políticas econômicas do governo FHC.
4
Em contrapartida, o elevadíssimo custo social e político da alter-
nativa, até aqui praticada, é amplamente conhecido, com o seguinte
agravante: a esperança de que a radicalização do ajuste fiscal, ano a ano,
leve o País a obter uma maior credibilidade internacional, que viabilize
a solução de sua vulnerabilidade externa não encontra apoio na história
recente do capitalismo “turbinado”, volátil e acelerado, sob a hegemonia
do capital financeiro.
5
Das metas de inflação estabelecidas para os quatro anos do segun-
do governo FHC — 8% em 1999, 6% em 2000, 4% em 2001 e 3,5% em
2002 —, com exceção da do ano 2000, as demais não foram cumpridas,
tendo as taxas de inflação apuradas pelo IPCA ficado sempre acima
delas, e nos dois últimos anos essas taxas ultrapassaram a margem de
variação de dois pontos porcentuais.
6
O tratamento específico para cada uma dessas reformas em si
mesma, dado pelo governo Lula, infelizmente não pode ser discutido
aqui, sob pena de se desviar demasiadamente do objeto principal, quais
sejam, a conjuntura macroeconômica e as políticas econômicas adotadas.
De qualquer forma, é importante dizer que tanto os argumentos quanto
o teor das propostas apresentadas pelo governo, no que se refere às
Reformas Tributária e da Previdência, são muito semelhantes ao trata-
mento que taiss temas tiveram no governo FHC (Filgueiras, 2003b).
7
Convém lembrar também que: “O último desses episódios é tão
recente que parece incrível que possa ter sido esquecido. Há pouco mais
de um ano, o quadro era o seguinte: o Brasil havia se «descolado» da
Argentina, os capitais externos voltavam e o Banco Central estava per-
mitindo apreciação perigosa do câmbio. O ministro Malan chegou a
antecipar o pagamento de uma volumosa quantia ao FMI, sob o argu-
mento de que a situação brasileira era tranqüila. . . Em questão de pou-
cos meses, o sentimento do mercado mudou de maneira dramática. Ins-
talou-se o pânico e o Brasil passou a ser considerado um país em estado
pré-falimentar!” (Batista Jr., 2003).
8
Até mesmo com seus integrantes mais à esquerda reconhecendo

08 Fábio cap. 8.p65 282 25/9/2009, 16:59


POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O  283
que assumiram posições equivocadas no passado, como justificativa
para a adoção de políticas que antes repudiavam.
9
O documento intitulado “Política Econômica e Reformas Estrutu-
rais”, apresentado ao FMI no início de abril, reafirmava o compromisso
de se continuar obtendo superávits fiscais primários de 4,25% do PIB ao
ano, até o final do governo Lula; além de apresentar simulações para a
evolução da dívida pública, com base na hipótese de obtenção desse
porcentual de superávit, até o ano 2011!
10
A participação na receita de exportação, em porcentagem, de pro-
dutos manufaturados caiu de 55,1%, entre 1999-1994, para 53,1%, en-
tre 1995-1998. Já a participação dos produtos agrícolas se elevou de
29,8%, entre 1999-1994, para 33,8%, entre 1995-1998 (Gonçalves,
2000, p. 95).

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08 Fábio cap. 8.p65 284 25/9/2009, 16:59
ANEXOS  285

ANEXOS

09 Fábio anexos.p65 285 25/9/2009, 17:00


09 Fábio anexos.p65 286 25/9/2009, 17:00
Capítulo 3

Quadro 1. Indicadores de vulnerabilidade externa e hipóteses de


comportamento

A seguir listam-se as hipóteses de maior ou menor vulnerabili-


dade externa associada ao comportamento dos indicadores.

1. Dimensão comercial

Exportação de bens e serviços/PIB: Esse coeficiente expressa o


grau total de abertura comercial. Ele expressa o impacto do comér-
cio exterior como fonte de expansão da demanda agregada. Quanto
mais elevado, maior é o impacto da transmissão internacional dos
ciclos econômicos sobre um determinado país e, portanto, maior a
vulnerabilidade externa.
Crescimento real do comércio (exportação + importação) de
bens e serviços — Crescimento do PIB real: Mostra o grau de inte-
gração na economia mundial numa perspectiva dinâmica. Quanto
mais integrado ao sistema econômico internacional, maior a depen-
dência vis-à-vis esse sistema e, portanto, maior a vulnerabilidade ex-
terna.
Índice de concentração das exportações: O índice de Herfindahl-
Hirschmann mostra o grau de concentração das exportações calcula-
do para o nível de três dígitos do SITC (239 grupos de produtos).
Varia de 0 a 1. Quanto mais elevado esse índice, maior tende a ser a
vulnerabilidade externa do país ante oscilações de preço e quanti-
dade no sistema mundial de comércio.
Reservas internacionais líquidas [excluindo os recursos do FMI]
/Importação de bens e serviços: É um indicador tradicional do grau
de proteção da atividade econômica interna ante mudanças na con-
juntura internacional.
Taxa de crescimento de longo prazo do valor das exportações de
bens (1990-2001): Expressa a competitividade internacional numa
perspectiva dinâmica. A maior competitividade internacional re-
duz a vulnerabilidade externa no contexto de maior contestabilidade
do mercado mundial. Quanto esse indicador, menor é a frase?
vulnerabilidade externa. SEGUE

285

09 Fábio anexos.p65 287 25/9/2009, 17:00


288  ANEXOS

2. Dimensão produtivo-tecnológica

Estoque de IED/PIB: É a importância do valor do estoque do


investimento externo direto (IED) no País. Pode ser visto como
uma proxy para o grau de desnacionalização econômica, ou seja, do
controle do aparelho produtivo pelos não residentes. Tendo em vis-
ta as inúmeras fontes de poder interno e externo das empresas transna-
cionais, quanto mais elevado esse grau, menor é a capacidade do
País de resistir a pressões externas e, portanto, maior é a vulnerabili-
dade externa.
Estoque de IED/Exportação de bens e serviços: Considerando a
existência de uma relação relativamente estável entre remessas de
lucros e estoque de investimento, esse indicador mostra o compro-
metimento da receita de comércio exterior com o capital produtivo
externo. O valor do estoque de IED no País envolve o comprometi-
mento perpétuo de remessa de lucros. Quanto mais elevado esse in-
dicador, maior é a vulnerabilidade externa.
Estoque do IED em serviços como proporção do estoque to-
tal de IED: A maior importância relativa dos setores de non-trade-
ables põe o problema da necessidade de geração perpétua de divisas
cor-respondente ao serviço (remessa de lucros) de empresas estran-
geiras que têm receitas em moeda nacional. Essa parte do passivo
externo (IED em serviços) impõe regidez nas contas externas do
País.
Gastos com P&D como proporção do PIB: Indicador do esforço
de desenvolvimento do sistema nacional de inovações. Quanto mais
forte esse sistema, maior a capacidade do País de desenvolver e adap-
tar tecnologias, bem como ajustar-se a rupturas do paradigma tecno-
lógico.
Pagamento de tecnologia/Gastos com P&D: O pagamento de
tecnologia refere-se às compras de tecnologia no exterior. Esses pa-
gamentos referem-se às despesas com royalties e taxas de licencia-
mento. Segundo os especialistas, a razão em questão pode ser vista
como um indicador da capacidade de absorção da tecnologia prove-
??? niente do exterior (Hasenclever*). Quanto mais baixo esse indica-
dor, maior é essa capacidade que, por seu turno, pode ser entendida
como uma indicação da força do sistema nacional de inovações.
Quanto maior essa força, mais elevada é a capacidade do País de
resistência a mudanças no mundo da técnica e, portanto, menor é a
vulnerabilidade tecnológica externa.
Exportação de produtos intensivos em tecnologia/Exportação
de manufaturados: Mostra a influência da tecnologia no padrão
de comércio. Quanto mais elevado, maior é o conteúdo tecnológico
e, portanto, maior é o valor agregado e o dinamismo das exporta-
ções. Indicadores crescentes implicam menor vulnerabilidade ex-
terna.
SEGUE

09 Fábio anexos.p65 288 25/9/2009, 17:00


ANEXOS  289

3. Dimensão monetário-financeira

Dívida externa total/Exportação de bens e serviços: Indicador


tradicional do desequilíbrio de estoque causado pelo endividamento
externo. Quanto mais elevado, maior a vulnerabilidade externa.
Dívida com FMI/Dívida externa total: O FMI é um instrumento
de política econômica externa dos EUA, mais especificamente, do
Tesouro desse país. A maior dependência dos recursos do FMI reduz
a capacidade do país de resistir às pressões do sistema financeiro in-
ternacional e do governo estadunidense.
Renda líquida/Exportação de bens e serviços: Expressa a absor-
ção da receita de exportação pelo serviço do passivo externo (juros +
lucros). Quanto mais elevado, maior a vulnerabilidade externo, pois
há menos divisas externas disponíveis para importação e pagamen-
to de dívida externo.
Serviço da dívida pública e garantida pelo setor público/Expor-
tação de bens e serviços: Mostra o comprometimento das receitas
de comércio exterior com a dívida externa via pagamento de juros. É
um indicador tradicional de vulnerabilidade financeira externa.
Ajuda externa / Importação de bens e serviços: Indicador tradi-
cional da dependência com relação à ajuda externa. Quanto mais
elevado esse indicador, maior é a capacidade de pressão dos países
doadores e, portanto, maior é a vulnerabilidade do país receptor da
ajuda bilateral.

Quadro 2. Indicadores de vulnerabilidade externa: definições e fontes,


2002
DIMENSÃO COMERCIAL FÓRMULA FONTE

Exportação de bens e serviços/PIB XBeS/Y BM-WDI, 2004, pp.


238-40; pp. 186-8.

Crescimento real do comércio (exportação + importa- D%(XBeS + MBeS) BM-WDI, 2004, pp.
ção) de bens e serviços — crescimento do PIB real – D%PIB 306-08.

Índice de concentração das exportações HH (Herfindahl- Unctad, 2003, pp. 389-


Hirschmann) 91.

Reservas internacionais líquidas (exclusive recursos do RIL/MBeS BM-WDI, 2004, pp.


FMI)/Importação de bens e serviços 238-40; pp. 242-4; pp.
238-40.

Taxa de crescimento de longo prazo do valor das expor- D%(XB)/XB BM-WDI, 2004, pp.
tações de bens (1990-2001) 194-6.

DIMENSÃO PRODUTIVO-REAL

Estoque de IED/PIB ESTIED/Y Unctad-WIR, 2004, pp.


376-28; Unctad-WIR, ???
2003, pp. 278-88; BW-
WDI, 2004, pp. 186-8.
SEGUE

09 Fábio anexos.p65 289 25/9/2009, 17:00


290  ANEXOS

DIMENSÃO PRODUTIVO-REAL FÓRMULA FONTE

Estoque de IED/Exportação de bens e serviços ESTIED/XBES Unctad-WIR, 2004, pp.


376-28; Unctad-WIR, ???
2003, pp. 278-88; BW-
WDI, 2004, pp. 238-40.

Estoque de IED em serviços/Estoque de IED total INGIED/RIL Unctad-WIR, 2004, pp.


307-8.

Gastos com pesquisa e desenvolvimento tecnológico/ GP&D/PIB BW-WDI, 2004, pp.


PIB 298-300.

Exportação de produtos intensivos em tecnologia/Ex- XIntec/XManuf BW-WDI, 2004, pp.


portação de manufaturados 298-300.

Pagamento de tecnologia/Gastos com P&D PGTED/GP&D BW-WDI, 2004, pp.


298-300; pp. 186-8.

DIMENSÃO MONETÁRIO-FINANCEIRA

Dívida externa total/Exportação de bens e serviços DET/XBeS BW-WDI, 2004, pp.


242-4; pp. 238-40.

Dívida com FMI/Dívida externa total DIVFMI/DET BW-WDI, 2004, pp.


244-6.

Renda líquida/Exportação de bens e serviços RL/XBeS BW-WDI, 2004, pp.


240-2.

Serviço da dívida pública e garantida pelo setor públi- SERVDP/XBeS BW-WDI, 2004, pp.
co/Exportação de bens e serviços 240-2.

Ajuda externa/Importação de bens e serviços AE/MBeS BW-WDI, 2004, pp.


334-6.

Fonte e notas:
BM-WDI, Banco Mundial, World Development Indicators.
UNCTAD-SY, United Nations Conference on Trade and Development, Statistical Yearbook.
UNTAD-WIR, United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report.

Tabela 1. Índices: estatísticas descritivas


ÍNDICE MÉDIA MEDIANA D E S V I O - MÁXIMO MÍNIMO
PADRÃO

Índice de poder potencial (IPP) 46,5 43,9 16,7 95,9 11,6


Índice de vulnerabilidade externa (IVE) 39,9 39,7 9,9 69,7 18,1
Dimensão comercial (ICO) 43,4 42,4 11,9 84,4 15,8
Dimensão produtivo-tecnológica (IVPT) 48,8 49,7 14,0 91,1 14,2
Dimensão monetário-financeira (IVMF) 27,4 22,9 17,1 81,3 0,0
Índice de poder efetivo (IPE) 60,1 60,3 9,9 81,9 30,3
Índice de hiato de poder (IHP) –22,2 –25,0 25,2 58,7 –81,2
Fonte e notas: Elaboração própria. Ver texto e Quadro 2.

09 Fábio anexos.p65 290 25/9/2009, 17:00


ANEXOS  291
Tabela 2. População, área, produto nacional bruto e índice de poder
potencial: países classificados pelo índice de poder potencial

PAÍS POPULAÇÃO ÁREA PRODUTO ÍNDICE DE


(MILHÕES) (MIL K M 2) NACIONAL PODER
(PPP,
B R U TO POTENCIAL
US$ BI) (IP)

1. China 1.280 9.598 5.792 95,9


2. Estados Unidos 288 9.629 10.414 91,1
3. Índia 1.049 3.287 2.778 88,7
4. Federação Russa 144 17.075 1.165 81,9
5. Brasil 174 8.547 1.300 80,8
6. Indonésia 212 1.905 650 74,1
7. Japão 127 378 3.481 72,3
8. Canadá 31 9.971 907 72,0
9. México 101 1.958 887 71,9
10. Alemanha 82 357 2.226 68,4
11. Austrália 20 7.741 539 67,2
12. França 59 552 1.609 67,2
13. Irã 66 1.648 438 66,8
14. Paquistão 145 796 284 66,4
15. Argentina 36 2.780 387 65,3
16. Itália 58 301 1.510 64,8
17. Turquia 70 775 438 64,5
18. Reino Unido 59 243 1.574 64,3
19. África do Sul 45 1.221 445 64,0
20. Egito 66 1.001 253 63,1
21. Espanha 41 506 868 63,0
22. Nigéria 133 924 106 62,9
23. Tailândia 62 513 425 62,4
24. Colômbia 44 1.139 269 61,9
25. Argélia 31 2.382 173 61,2
26. Filipinas 80 300 356 61,1
27. Arábia Saudita 22 2.150 277 60,9
28. Ucrânia 49 604 234 59,7
29. Bangladesh 136 144 241 59,7
30. Vietnã 80 332 185 59,1
31. Polônia 39 313 404 58,3
32. Coréia do Sul 48 99 808 57,9
33. Etiópia 67 1.104 52 57,8
34. Sudão 33 2.506 57 57,6
35. Rep. Dem. do Congo 52 2.345 32 57,4
36. Peru 27 1.285 130 57,4
37. Venezuela 25 912 131 55,9
38. Cazaquistão 15 2.725 84 55,6
39. Malásia 24 330 207 53,9
40. Marrocos 30 447 111 53,7
41. Chile 16 757 147 53,6
42. Romênia 22 238 145 51,1
43. Tanzânia 35 945 20 50,8
44. Suécia 9 450 230 50,7
45. Quênia 31 580 32 50,3
46. Usbequistão 25 447 41 49,3
SEGUE

09 Fábio anexos.p65 291 25/9/2009, 17:00


292  ANEXOS

PAÍS POPULAÇÃO ÁREA PRODUTO ÍNDICE DE


(MILHÕES ) (MIL K M 2) NACIONAL PODER
BRUTO(PPP, POTENCIAL
US$ BI) (IP)

47. Angola 13 1.247 24 47,8


48. Holanda 16 42 458 47,8
49. Grécia 11 132 200 47,0
50. Moçambique 18 802 18 46,8
51. Uganda 25 241 33 46,4
52. Camarões 16 475 30 46,3
53. Gana 20 239 42 46,2
54. Síria 17 185 59 45,7
55. Noruega 5 324 166 45,7
56. Bolívia 9 1.099 21 45,2
57. Finlândia 5 338 136 45,1
58. Portugal 10 92 181 44,9
59. Iêmen 19 528 15 44,9
60. Equador 13 284 43 44,8
61. Áustria 8 84 233 44,5
62. Nepal 24 147 33 44,5
63. Costa do Marfim 17 322 24 44,4
64. Zimbábue 13 391 28 44,4
65. Hungria 10 93 133 43,9
66. Mali 11 1.240 10 43,8
67. República Checa 10 79 152 43,8
68. Madagáscar 16 587 12 43,7
69. Níger 11 1.267 9 43,5
70. Belarus 10 208 55 43,3
71. Sri Lanka 19 66 67 43,2
72. Tunísia 10 164 63 43,1
73. Bélgica 10 31 291 42,9
74. Chade 8 1.284 8 41,7
75. Guatemala 12 109 48 41,6
76. Nova Zelândia 4 271 81 41,5
77. Suíça 7 41 232 41,4
78. Camboja 12 181 25 41,0
79. Zâmbia 10 753 8 40,9
80. Paraguai 6 407 25 40,5
81. Bulgária 8 111 56 40,3
82. Burkina Fasso 12 274 13 40,0
83. Turcomenistão 5 488 23 40,0
84. Dinamarca 5 43 164 38,7
85. Senegal 10 197 15 38,6
86. Guiné 8 246 16 38,5
87. Irlanda 4 70 116 38,1
88. República Dominicana 9 49 54 37,9
89. Papua Nova Guiné 5 463 12 37,4
90. Omã 3 310 33 37,3
91. Israel 7 21 125 36,9
92. Azerbaijão 8 87 25 36,6
93. Eslováquia 5 49 68 36,0
94. Emirados Árabes Unidos 3 84 77 35,9
95. Namíbia 2 824 14 35,7
96. Honduras 7 112 17 35,4
SEGUE

09 Fábio anexos.p65 292 25/9/2009, 17:00


ANEXOS  293
PAÍS POPULAÇÃO ÁREA PRODUTO ÍNDICE DE
(MILHÕES) (MIL K M 2) NACIONAL PODER
BRUTO (PPP, POTENCIAL
US$ BI) (IP)

97. Laos 6 237 9 35,0


98. Mauritânia 3 1.026 5 34,6
99. Uruguai 3 176 26 34,5
100. Botsuana 2 582 13 34,2
101. Croácia 4 57 45 34,0
102. Jordânia 5 89 22 34,0
103. Malauí 11 118 6 33,9
104. República Centro-Africana 4 623 4 33,5
105. Nicarágua 5 130 13 33,4
106. Mongólia 2 1.567 4 33,4
107. Quirguízia 5 200 8 33,1
108. Costa Rica 4 51 34 32,6
109. Benin 7 113 7 32,2
110. Lituânia 3 65 35 32,2
111. Tadjiquistão 6 143 6 31,8
112. El Salvador 6 21 31 31,1
113. Geórgia 5 70 12 31,0
114. República do Congo 4 342 3 30,4
115. Panamá 3 76 18 30,3
116. Haiti 8 28 13 30,3
117. Ruanda 8 26 10 29,1
118. Letônia 2 65 21 28,5
119. Togo 5 57 7 28,3
120. Eritréia 4 118 4 27,8
121. Albânia 3 29 16 26,6
122. Kuwait 2 18 41 26,5
123. Eslovênia 2 20 36 26,4
124. Gabão 1 268 7 26,1
125. Serra Leoa 5 72 3 26,1
126. Moldávia 4 34 7 25,5
127. Burundi 7 28 4 25,5
128. Líbano 4 10 20 25,1
129. Armênia 3 30 10 25,0
130. Macedônia 2 26 13 23,6
131. Cingapura 4 1 99 23,0
132. Estônia 1 45 16 23,0
133. Jamaica 3 11 10 21,6
134. Lesoto 2 30 5 20,7
135. Suazilândia 1 17 5 15,5
136. Trinidad e Tobago 1 5 12 14,5
137. Guiné-Bissau 1 36 1 12,3
138. Maurício 1 2 13 11,6
139. Gâmbia 1 11 2 10,7
Fonte e notas:
Elaboração do autor com base em Banco Mundial, 2004, tabela 1.1, pp. 14-6. Dados para 2002.
Em virtude da falta de dados concretos foram excluídos treze países: Afeganistão, Bósnia-Herzegovina, Hong
Kong (China), Cuba, Iraque, República Democrática da Coréia, Libéria, Líbia, Mianmar, Porto Rico, Sérvia e
??? Montenegro, Somália e West Bank e Gaza.
A metodologia usada no cálculo do IPP é apresentada no texto.

09 Fábio anexos.p65 293 25/9/2009, 17:00


Tabela 3. Vulnerabilidade externa: dimensões comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira. Países em ordem
decrescente dos índices

09 Fábio anexos.p65
PAÍSES COMERCIAL PAÍSES PROD.-TÉCN. PAÍSES MONET-FINAN. PAÍSES IVE
294 
(IVCO) (IVPT) (IVMF)

1. Azerbaijão 84,4 1. Nicarágua 91,1 1. Burundi 81,3 1. Zâmbia 69,7


2. Moldávia 72,6 2. Trinidad e Tobago 77,4 2. Zâmbia 71,8 2. Azerbaijão 66,5
ANEXOS

3. Camboja 71,1 3. Chile 74,4 3. Ruanda 70,5 3. Burundi 66,2


4. Arábia Saudita 69,6 4. Azerbaijão 73,0 4. Burkina Fasso 67,5 4. Ruanda 63,3
5. Mongólia 66,5 5. Zâmbia 70,8 5. Sudão 58,9 5. Nicarágua 61,8

294
6. Zâmbia 66,4 6. Uganda 70,5 6. Uruguai 58,5 6. Uganda 53,8
7. Gabão 65,3 7. Ruanda 69,7 7. Brasil 57,7 7. Moçambique 52,4
8. Bulgária 62,7 8. Bolívia 69,5 8. Uganda 56,8 8. Equador 52,1
9. Burundi 62,6 9. El Salvador 69,4 9. Nicarágua 56,7 9. Armênia 51,7
10. Papua Nova Guiné 61,5 10. Armênia 69,3 10. Argentina 53,5 10. Sudão 51,4
11. Ucrânia 60,3 11. Rep. Dominicana 68,5 11. Etiópia 53,3 11. Uruguai 51,1
12. Geórgia 60,1 12. Panamá 67,7 12. Moçambique 51,1 12. Bolívia 51,0
13. Suazilândia 58,9 13. Moçambique 67,1 13. Madagáscar 51,0 13. Malauí 50,5
14. Síria 58,6 14. Equador 65,4 14. Malauí 50,4 14. Jamaica 50,1
15. Guiné 58,5 15. Peru 65,3 15. Turquia 49,8 15. Burkina Fasso 50,0
16. Estônia 57,4 16. Jamaica 65,2 16. Tanzânia 48,8 16. Moldávia 49,8
17. Rep. Dominicana 53,4 17. Irlanda 65,0 17. Laos 48,5 17. Brasil 49,1
18. Malauí 53,2 18. Togo 63,4 18. Paquistão 46,7 18. Argentina 49,1
19. Irã 53,2 19. Egito 62,6 19. Peru 46,5 19. Quirguízia 48,9
20. Gana 52,2 20. Macedônia 61,8 20. Colômbia 45,9 20. Bulgária 48,3
21. Lituânia 51,7 21. Estônia 60,8 21. Bolívia 45,2 21. Madagáscar 48,1
22. Irlanda 51,4 22. Nigéria 60,7 22. Quirguízia 44,6 22. Rep. Dominicana 48,0
23. Eslováquia 49,9 23. Bélgica 58,7 23. Equador 42,2 23. Papua Nova Guiné 47,6

25/9/2009, 17:00
24. Ruanda 49,8 24. Paraguai 58,1 24. Azerbaijão 42,1 24. Senegal 47,5
25. Macedônia 49,8 25. Benin 57,9 25. Geórgia 41,9 25. Mongólia 46,9
26. Maurício 49,5 26. Nova Zelândia 57,9 26. Líbano 41,8 26. Trinidad e Tobago 46,4

27. Hungria 49,5 27. Marrocos 57,7 27. Senegal 41,3 27. Geórgia 46,3
28. Bélgica 49,4 28. Senegal 57,3 28. Guiné 40,7 28. Macedônia 46,3
29. Omã 49,1 29. Madagáscar 56,8 29. Papua Nova Guiné 37,5 29. Peru 45,5
30. Armênia 48,8 30. Quirguízia 56,6 30. Jamaica 37,0 30. Guiné 45,5
22. Irlanda 51,4 22. Nigéria 60,7 22. Quirguízia 44,6 22. Rep. Dominicana 48,0
23. Eslováquia 49,9 23. Bélgica 58,7 23. Equador 42,2 23. Papua Nova Guiné 47,6
24. Ruanda 49,8 24. Paraguai 58,1 24. Azerbaijão 42,1 24. Senegal 47,5
25. Macedônia 49,8 25. Benin 57,9 25. Geórgia 41,9 25. Mongólia 46,9
26. Maurício 49,5 26. Nova Zelândia 57,9 26. Líbano 41,8 26. Trinidad e Tobago 46,4

09 Fábio anexos.p65
27. Hungria 49,5 27. Marrocos 57,7 27. Senegal 41,3 27. Geórgia 46,3
28. Bélgica 49,4 28. Senegal 57,3 28. Guiné 40,7 28. Macedônia 46,3
29. Omã 49,1 29. Madagáscar 56,8 29. Papua Nova Guiné 37,5 29. Peru 45,5
30. Armênia 48,8 30. Quirguízia 56,6 30. Jamaica 37,0 30. Guiné 45,5
31. Equador 48,7 31. Letônia 56,5 31. Armênia 36,9 31. Camboja 45,5
32. Costa do Marfim 48,7 32. Colômbia 56,4 32. Costa do Marfim 36,6 32. Costa do Marfim 45,3
33. Uruguai 48,4 33. Espanha 56,3 33. Benin 36,5 33. Irlanda 45,3
34. África do Sul 48,2 34. Sri Lanka 55,7 34. Gana 34,9 34. Benin 45,2
35. Jamaica 48,0 35. Burundi 54,9 35. Indonésia 33,6 35. Gana 45,1

295
36. República Checa 47,9 36. Cazaquistão 54,8 36. Gabão 31,7 36. Turquia 45,0
37. Paraguai 47,8 37. Guatemala 54,6 37. Marrocos 30,9 37. Panamá 44,9
38. Croácia 47,7 38. Tunísia 54,5 38. Nepal 30,7 38. Nigéria 44,3
39. Nigéria 47,4 39. Tailândia 53,3 39. Ucrânia 30,7 39. El Salvador 44,3
40. Noruega 47,3 40. Albânia 53,3 40. Bulgária 29,9 40. Estônia 44,3
41. Venezuela 46,0 41. Dinamarca 53,0 41. Honduras 29,3 41. Colômbia 44,1
42. Suíça 46,0 42. Suíça 52,8 42. Venezuela 28,6 42. Síria 44,1
43. Argentina 45,9 43. Suazilândia 52,6 43. Togo 27,4 43. Togo 44,0
44. Letônia 45,9 44. Honduras 52,6 44. Mongólia 27,4 44. Chile 43,4
45. Holanda 45,4 45. Portugal 52,6 45. Macedônia 27,2 45. Tanzânia 43,2
46. Quirguízia 45,3 46. Bulgária 52,3 46. Jordânia 27,1 46. Paquistão 42,8
47. Malásia 45,3 47. Polônia 52,1 47. Tunísia 26,7 47. Ucrânia 42,6
48. Quênia 44,7 48. Maurício 51,9 48. Moldávia 26,5 48. Gabão 41,4
49. Sudão 44,2 49. Brasil 51,4 49. Quênia 25,9 49. Tunísia 41,3
50. Turquia 44,0 50. Síria 51,2 50. Bangladesh 25,5 50. Venezuela 40,7
51. Panamá 44,0 51. Sudão 51,1 51. Sri Lanka 24,9 51. Sri Lanka 40,5
52. Senegal 43,7 52. Paquistão 51,1 52. Nigéria 24,8 52. Laos 40,4
ANEXOS

53. Trinidad e Tobago 43,3 53. Costa do Marfim 50,7 53. Camboja 24,3 53. Paraguai 40,1

25/9/2009, 17:00
54. Romênia 42,8 54. Moldávia 50,5 54. Federação Russa 23,7 54. Lituânia 40,0
55. Tunísia 42,7 55. África do Sul 50,5 55. Croácia 23,2 55. Honduras 39,9
56. Áustria 42,5 56. Lituânia 49,7 56. Panamá 23,0 56. Marrocos 39,7
57. Finlândia 42,4 57. Holanda 49,7 57. Chile 22,9 57. Suazilândia 39,7
 295

58. Suécia 42,3 58. Burkina Fasso 49,6 58. El Salvador 22,9 58. Croácia 39,2
SEGUE
Tabela 3. Vulnerabilidade externa: dimensões comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira. Países em ordem
decrescente dos índices (cont.)

09 Fábio anexos.p65
PAÍSES COMERCIAL PAÍSES PROD.-TÉCN. PAÍSES MONET-FINAN. PAÍSES IVE
296 
(IVCO) (IVPT) (IVMF)

59. Botsuana 41,6 59. Tanzânia 49,6 59. Romênia 22,9 59. Letônia 39,1
60. Dinamarca 41,5 60. Gana 48,2 60. Síria 22,6 60. Arábia Saudita 39,1
ANEXOS

61. Benin 41,2 61. Eslováquia 48,0 61. Rep. Dominicana 22,2 61. África do Sul 38,5
62. Togo 41,2 62. Argentina 47,9 62. Egito 22,1 62. Bélgica 38,3
63. Sri Lanka 40,7 63. Romênia 47,9 63. Guatemala 21,9 63. Maurício 38,2

296
64. El Salvador 40,6 64. Malauí 47,8 64. Cazaquistão 21,6 64. Romênia 37,9
65. Alemanha 40,1 65. República Checa 47,6 65. Eslovênia 20,9 65. Nova Zelândia 37,7
66. Polônia 39,9 66. Venezuela 47,5 66. México 20,0 66. Eslováquia 37,5
67. Coréia do Sul 39,9 67. Malásia 47,5 67. Irlanda 19,4 67. Egito 37,4
68. Eslovênia 39,7 68. Hungria 47,3 68. Omã 19,3 68. Hungria 37,3
69. Filipinas 39,6 69. Croácia 46,8 69. Coréia do Sul 18,8 69. República Checa 37,1
70. Moçambique 39,0 70. Mongólia 46,7 70. Lituânia 18,6 70. Polônia 36,4
71. Nova Zelândia 38,7 71. Uruguai 46,4 71. Costa Rica 18,6 71. Cazaquistão 36,3
72. Bolívia 38,4 72. México 46,4 72. Trinidad e Tobago 18,3 72. Etiópia 36,2
73. Tailândia 38,3 73. Costa Rica 46,1 73. Índia 18,3 73. Guatemala 36,2
74. Brasil 38,1 74. Austrália 45,1 74. Albânia 18,0 74. Tailândia 36,2
75. Grécia 38,0 75. Papua Nova Guiné 43,9 75. Polônia 17,2 75. Malásia 36,0
76. México 37,8 76. Reino Unido 41,8 76. Tailândia 16,8 76. Albânia 35,0
77. Honduras 37,7 77. Líbano 41,8 77. África do Sul 16,8 77. México 34,7
78. Nicarágua 37,6 78. Turquia 41,2 78. Belarus 16,6 78. Dinamaarca 34,6
79. Federação Russa 37,5 79. Camboja 41,1 79. Filipinas 16,6 79. Indonésia 34,5
80. Costa Rica 37,4 80. Botsuana 41,0 80. Nova Zelândia 16,5 80. Espanha 34,5
81. Canadá 37,2 81. Laos 41,0 81. República Checa 15,9 81. Holanda 34,4

25/9/2009, 17:00
82. Espanha 36,7 82. China 40,5 82. Botsuana 15,5 82. Costa Rica 34,0
83. Madagáscar 36,6 83. Arábia Saudita 40,0 83. Malásia 15,3 83. Suíça 33,9

84. Etiópia 36,6 84. França 39,8 84. Austrália 15,3 84. Portugal 33,8
85. Bangladesh 36,6 85. Áustria 38,5 85. Hungria 15,2 85. Líbano 33,3
86. Portugal 36,5 86. Itália 38,4 86. Letônia 14,9 86. Quênia 32,9
87. França 36,3 87. Eslovênia 38,0 87. Estônia 14,7 87. Eslovênia 32,9
80. Costa Rica 37,4 80. Botsuana 41,0 80. Nova Zelândia 16,5 80. Espanha 34,5
81. Canadá 37,2 81. Laos 41,0 81. República Checa 15,9 81. Holanda 34,4
82. Espanha 36,7 82. China 40,5 82. Botsuana 15,5 82. Costa Rica 34,0
83. Madagáscar 36,6 83. Arábia Saudita 40,0 83. Malásia 15,3 83. Suíça 33,9

09 Fábio anexos.p65
84. Etiópia 36,6 84. França 39,8 84. Austrália 15,3 84. Portugal 33,8
85. Bangladesh 36,6 85. Áustria 38,5 85. Hungria 15,2 85. Líbano 33,3
86. Portugal 36,5 86. Itália 38,4 86. Letônia 14,9 86. Quênia 32,9
87. França 36,3 87. Eslovênia 38,0 87. Estônia 14,7 87. Eslovênia 32,9
88. Reino Unido 35,0 88. Grécia 37,8 88. Eslováquia 14,5 88. Botsuana 32,7
89. Belarus 34,6 89. Nepal 37,8 89. Paeaguai 14,2 89. Omã 32,5
90. Itália 34,4 90. Guiné 37,4 90. China 13,4 90. Bangladesh 32,1
91. Uganda 34,1 91. Jordânia 37,2 91. Maurício 13,2 91. Federação Russa 31,6
92. Albânia 33,8 92. Ucrânia 36,8 92. Israel 13,2 92. Jordânia 31,5

297
93. Indonésia 33,8 93. Geórgia 36,8 93. Portugal 12,3 93. Austrália 31,2
94. Austrália 33,3 94. Indonésia 36,2 94. Irã 11,3 94. Irã 30,1
95. Burkina Fasso 32,9 95. Canadá 34,7 95. Grécia 11,2 95. Áustria 29,9
96. Chile 32,9 96. Alemanha 34,3 96. Canadá 10,8 96. Grécia 29,0
97. Cazaquistão 32,5 97. Banglsdesh 34,1 97. Espanha 10,5 97. Nepal 28,4
98. Israel 32,3 98. Federação Russa 33,7 98. Itália 10,2 98. Noruega 28,3
99. Guatemala 32,2 99. Belarus 32,6 99. Dinamarca 9,5 99. Belarus 27,9
100. Laos 31,6 100. Suécia 31,9 100. Áustria 8,7 100. Itália 27,7
101. Tanzânia 31,3 101. Estados Unidos 31,0 101. Suécia 8,6 101. Canadá 27,6
102. Japão 31,3 102. Índia 30,7 102. Holanda 8,2 102. Suécia 27,6
103. Paquistão 30,6 103. Noruega 30,3 103. Finlândia 8,2 103. Alemanha 27,5
104. Marrocos 30,5 104. Omã 29,2 104. Alemanha 8,1 104. França 27,3
105. Jordânia 30,2 105. Quênia 28,1 105. Estados Unidos 7,9 105. Reino Unido 26,7
106. Colômbia 30,0 106. Gabão 27,2 106. Suazilândia 7,6 106. Finlândia 25,5
107. Egito 27,6 107. Irã 25,9 107. Arábia Saudita 7,6 107. China 24,4
108. Estados Unidos 27,2 108. Finlândia 25,9 108. Noruega 7,3 108. Coréia do Sul 24,3
109. Peru 24,6 109. Japão 22,9 109. Bélgica 6,9 109. Filipinas 24,2
ANEXOS

110. China 19,2 110. Israel 19,1 110. França 5,9 110. Estados Unidos 22,0

25/9/2009, 17:00
111. Nepal 16,6 111. Etiópia 18,9 111. Reino Unido 3,4 111. Índia 21,6
112. Líbano 16,2 112. Filipinas 16,4 112. Suíça 2,8 112. Israel 21,5
113. Índia 15,8 113. Coréia do Sul 14,2 113. Japão 0 113. Japão 18,1
 297
Tabela 4. Poder potencial, vulnerabilidade externa, poder efetivo e hiato de poder: ordenação segundo o valor dos índices

09 Fábio anexos.p65
PAÍS PODER PAÍS VULNERABILIDA- PAÍS PODER PAÍS HIATO DE
POTENCIAL DE EXTERNA EFETIVO PODER
298 
( IPP ) ( IVE ) ( IPE ) ( IHP )

1. China 95,9 1. Zâmbia 69,7 1. Japão 81,9 1. Brasil 58,7


2. Estados Unidos 91,1 2. Azerbaidjão 66,5 2. Israel 78,5 2. Zâmbia 34,8
ANEXOS

3. Índia 88,7 3. Burundi 66,2 3. Índia 78,4 3. Argentina 28,3


4. Federação Russa 81,9 4. Ruanda 63,3 4. Estados Unidos 78,0 4. China 26,8
5. Brasil 80,8 5. Nicarágua 61,8 5. Filipinas 75,8 5. Federação Russa 19,8

298
6. Indonésia 74,1 6. Uganda 53,8 6. Coréia do Sul 75,7 6. Sudão 18,5
7. Japão 72,3 7. Moçambique 52,4 7. China 75,6 7. Turquia 17,3
8. Canadá 72,0 8. Equador 52,1 8. Finlândia 74,5 8. Estados Unidos 16,8
9. México 71,9 9. Armênia 51,7 9. Reino Unido 73,3 9. Paquistão 16,1
10. Alemanha 68,4 10. Sudão 51,4 10. França 72,7 10. Indonésia 13,2
11. Austrália 67,2 11. Uruguai 51,1 11. Alemanha 72,5 11. Índia 13,2
12. França 67,2 12. Bolívia 51,0 12. Canadá 72,4 12. Nigéria 12,9
13. Irã 66,8 13. Malauí 50,5 13. Suécia 72,4 13. Colômbia 10,7
14. Paquistão 66,4 14. Jmaica 50,1 14. Itália 72,3 14. México 10,2
15. Argentina 65,3 15. Burkina Fasso 50,0 15. Belarus 72,1 15. Azerbaidjão 9,2
16. Itália 64,8 16. Moldávia 49,8 16. Noruega 71,7 16. Peru 5,3
17. Turquia 64,5 17. Brasil 49,1 17. Nepal 71,6 17. África do Sul 4,1
18. Reino Unido 64,3 18. Argentina 49,1 18. Grécia 71,0 18. Ucrânia 4,1
19. África do Sul 64,0 19. Quirguízia 48,9 19. Áustria 70,1 19. Egito 0,9
20. Egito 63,1 20. Bulgária 48,3 20. Irã 69,9 20. Uganda 0,4
21. Espanha 63,0 21. Madagáscar 48,1 21. Austrália 68,8 21. Arábia Saudita 0
22. Nigéria 62,9 22. Rep. Dominicana 48,0 22. Jordânia 68,5 22. Canadá –0,5
23. Tailândia 62,4 23. Papua Nova Guiné 47,6 23. Federação Russa 68,4 23. Moçambique –1,7

25/9/2009, 17:00
24. Colômbia 61,9 24. Senegal 47,5 24. Bangladesh 67,9 24. Tailândia –2,3
25. Filipinas 61,1 25. Mongólia 46,9 25. Omã 67,5 25. Austrália –2,3
26. Arábia Saudita 60,9 26. Trinidad e Tobago 46,4 26. Botsuana 67,3 26. Espanha –3,8

27. Ucrânia 59,7 27. Geórgia 46,3 27. Quênia 67,1 27. Irã –4,4
28. Bangladesh 59,7 28. Macedônia 46,3 28. Eslovênia 67,1 28. Chile –5,3
29. Polônia 58,3 29. Peru 45,5 29. Líbano 66,7 29. Alemanha –5,7
30. Coréia do Sul 57,9 30. Camboja 45,5 30. Portugal 66,2 30. Venezuela –5,8
22. Nigéria 62,9 22. Rep. Dominicana 48,0 22. Jordânia 68,5 22. Canadá –0,5
23. Tailândia 62,4 23. Papua Nova Guiné 47,6 23. Federação Russa 68,4 23. Moçambique –1,7
24. Colômbia 61,9 24. Senegal 47,5 24. Bangladesh 67,9 24. Tailândia –2,3
25. Filipinas 61,1 25. Mongólia 46,9 25. Omã 67,5 25. Austrália –2,3
26. Arábia Saudita 60,9 26. Trinidad e Tobago 46,4 26. Botsuana 67,3 26. Espanha –3,8

27.

09 Fábio anexos.p65
Ucrânia 59,7 27. Geórgia 46,3 27. Quênia 67,1 27. Irã –4,4
28. Bangladesh 59,7 28. Macedônia 46,3 28. Eslovênia 67,1 28. Chile –5,3
29. Polônia 58,3 29. Peru 45,5 29. Líbano 66,7 29. Alemanha –5,7
30. Coréia do Sul 57,9 30. Camboja 45,5 30. Portugal 66,2 30. Venezuela –5,8
31. Etiópia 57,8 31. Guiné 45,5 31. Suíça 66,1 31. Equador –6,5
32. Sudão 57,6 32. Costa do Marfim 45,3 32. Costa Rica 66,0 32. França –7,5
33. Peru 57,4 33. Irlanda 45,3 33. Holanda 65,6 33. Bolívia –7,7
34. Venezuela 55,9 34. Benin 45,2 34. Indonésia 65,5 34. Polônia –8,3
35. Cazaquistão 55,6 35. Gana 45,1 35. Espanha 65,5 35. Etiópia –9,3

299
36. Malásia 53,9 36. Turquia 45,0 36. Dinamarca 65,4 36. Itália –10,4
37. Marrocos 53,7 37. Panamá 44,9 37. México 65,3 37. Tanzânia –10,5
38. Chile 53,6 38. Nigéria 44,3 38. Albânia 65,0 38. Marrocos –10,9
39. Romênia 51,1 39. El Salvador 44,3 39. Malásia 64,0 39. Japão –11,8
40. Tanzânia 50,8 40. Estônia 44,3 40. Tailândia 63,8 40. Bangladesh –12,1
41. Suécia 50,7 41. Colômbia 44,1 41. Etiópia 63,8 41. Reino Unido –12,2
42. Quênia 50,3 42. Síria 44,1 42. Guatemala 63,8 42. Nicarágua –12,5
43. Holanda 47,8 43. Togo 44,0 43. Cazaquistão 63,7 43. Cazaquistão –12,7
44. Grécia 47,0 44. Chile 43,4 44. Polônia 63,6 44. Madagáscar –15,7
45. Moçambique 46,8 45. Tanzânia 43,2 45. República Checa 62,9 45. Malásia –15,7
46. Uganda 46,4 46. Paquistão 42,8 46. Hungria 62,7 46. Gana –15,8
47. Gana 46,2 47. Ucrânia 42,6 47. Egito 62,6 47. Romênia –17,7
48. Síria 45,7 48. Gabão 41,4 48. Eslováquia 62,5 48. Síria –18,2
49. Noruega 45,7 49. Tunísia 41,3 49. Nova Zelândia 62,3 49. Costa do Marfim –18,8
50. Bolívia 45,2 50. Venezuela 40,7 50. Romênia 62,1 50. Filipinas –19,4
51. Finlândia 45,1 51. Sri Lanka 40,5 51. Maurício 61,8 51. Burkina Fasso –20,0
52. Portugal 44,9 52. Laos 40,4 52. Bélgica 61,7 52. Ruanda –20,7
ANEXOS

53. Equador 44,8 53. Paraguai 40,1 53. África do Sul 61,5 53. Bulgária –22,1

25/9/2009, 17:00
54. Áustria 44,5 54. Lituânka 40,0 54. Arábia Saudita 60,9 54. Coréia do Sul –23,5
55. Nepal 44,5 55. Honduras 39,9 55. Letônia 60,9 55. Burundi –24,5
56. Costa do Marfim 44,4 56. Marrocos 39,7 56. Croácia 60,8 56. Camboja –24,8
57. Hungria 43,9 57. Suazilândia 39,7 57. Marrocos 60,3 57. Quênia –25,0
 299

58. República Checa 43,8 58. Croácia 39,2 58. Suazilândia 60,3 58. Senegal –26,5
SEGUE
Tabela 4. Poder potencial, vulnerabilidade externa, poder efetivo e hiato de poder: ordenação segundo o valor dos índices

09 Fábio anexos.p65
PAÍS PODER PAÍS VULNERABILIDA- PAÍS PODER PAÍS HIATO DE
POTENCIAL DE EXTERNA EFETIVO PODER
300 
( IPP ) ( IVE ) ( IPE ) ( IHP )

59. Madagáscar 43,7 59. Arábia Saudita 39,1 59. Honduras 60,1 59. Tunísia –26,5
60. Belarus 43,3 60. Letônia 39,1 60. Lituânia 60,0 60. Rep. Dominicana –27,1
ANEXOS

61. Sri Lanka 43,2 61. África do Sul 38,5 61. Paraguai 59,9 61. Holanda –27,1
62. Tunísia 43,1 62. Bélgica 38,3 62. Laos 59,6 62. Sri Lanka –27,4
63. Bélgica 42,9 63. Maurício 38,2 63. Sri Lanka 59,5 63. Papua Nova Guiné –28,6

300
64. Guatemala 41,6 64. Romênia 37,9 64. Venezuela 59,3 64. Guiné –29,3
65. Nova Zelândia 41,5 65. Nova Zelândia 37,7 65. Tunísia 58,7 65. Uruguai –29,4
66. Suíça 41,4 66. Eslováquia 37,5 66. Gabão 58,6 66. Hungria –29,9
67. Camboja 41,0 67. Egito 37,4 67. Ucrãnia 57,4 67. Suécia –30,0
68. Zâmbia 40,9 68. Hungria 37,3 68. Paquistão 57,2 68. República Checa –30,4
69. Paraguai 40,5 69. República Checa 37,1 69. Tanzânia 56,8 69. Irlanda –30,4
70. Bulgária 40,3 70. Polônia 36,4 70. Chile 56,6 70. Bélgica –30,4
71. Burkina Fasso 40,0 71. Cazaquistão 36,3 71. Togo 56,0 71. Malauí –31,6
72. Dinamarca 38,7 72. Tailândia 36,2 72. Colômbia 55,9 72. Portugal –32,2
73. Senegal 38,6 73. Etiópia 36,2 73. Síria 55,9 73. Paraguai –32,4
74. Guiné 38,5 74. Guatemala 36,2 74. Nigéria 55,7 74. Nova Zelândia –33,4
75. Irlanda 38,1 75. Malásia 36,0 75. El Salvador 55,7 75. Grécia –33,8
76. Rep. Dominicana 37,9 76. Albânia 35,0 76. Estônia 55,7 76. Guatemala –34,8
77. Papua Nova Guiné 37,4 77. México 34,7 77. Panamá 55,1 77. Quirguízia –35,3
78. Omã 37,3 78. Dinamarca 34,6 78. Turquia 55,0 78. Noruega –36,3
79. Israel 36,9 79. Indonésia 34,5 79. Gana 54,9 79. Áustria –36,5
80. Azerbaidjão 36,6 80. Espanha 34,5 80. Benin 54,8 80. Mongólia –37,1
81. Eslováquia 36,0 81. Holanda 34,4 81. Costa do Marfim 54,7 81. Suíça –37,4

25/9/2009, 17:00
82. Honduras 35,4 82. Costa Rica 34,0 82. Irlanda 54,7 82. Nepal –37,8
83. Laos 35,0 83. Suíça 33,9 83. Peru 54,5 83. Finlândia –39,5

84. Uruguai 34,5 84. Portugal 33,8 84. Camboja 54,5 84. Belarus –39,8
85. Botsuana 34,2 85. Líbano 33,3 85. Guiné 54,5 85. Dinamarca –40,8
86. Croácia 34,0 86. Quênia 32,9 86. Geórgia 53,7 86. Honduras –41,1
87. Jordânia 34,0 87. Eslovênia 32,9 87. Macedônia 53,7 87. Benin –41,2
80. Azerbaidjão 36,6 80. Espanha 34,5 80. Benin 54,8 80. Mongólia –37,1
81. Eslováquia 36,0 81. Holanda 34,4 81. Costa do Marfim 54,7 81. Suíça –37,4
82. Honduras 35,4 82. Costa Rica 34,0 82. Irlanda 54,7 82. Nepal –37,8
83. Laos 35,0 83. Suíça 33,9 83. Peru 54,5 83. Finlândia –39,5

84. Uruguai 34,5 84. 84. Camboja 54,5 84. Belarus –39,8

09 Fábio anexos.p65
Portugal 33,8
85. Botsuana 34,2 85. Líbano 33,3 85. Guiné 54,5 85. Dinamarca –40,8
86. Croácia 34,0 86. Quênia 32,9 86. Geórgia 53,7 86. Honduras –41,1
87. Jordânia 34,0 87. Eslovênia 32,9 87. Macedônia 53,7 87. Benin –41,2
88. Malauí 33,9 88. Botsuana 32,7 88. Trinidad e Tobago 53,6 88. Laos –41,3
89. Nicarágua 33,4 89. Omã 32,5 89. Mongólia 53,1 89. Geórgia –42,3
90. Mongólia 33,4 90. Bangladesh 23,1 90. Senegal 52,5 90. Eslováquia –42,4
91. Quirguízia 33,1 91. Federação Russa 31,6 91. Papua Nova Guiné 52,4 91. Croácia –44,0
92. Costa Rica 32,6 92. Jordânia 31,5 92. Rep. Dominicana 52,0 92. El Salvador –44,1

301
93. Benin 32,2 93. Austrália 31,2 93. Madagáscar 51,9 93. Omã –44,7
94. Lituânia 32,3 94. Irã 30,1 94. Bulgária 51,7 94. Panamá –45,0
95. El Salvador 31,1 95. Áustria 29,9 95. Quirguízia 51,1 95. Lituânia –46,3
96. Geórgia 31,0 96. Grécia 29,9 96. Brasil 50,9 96. Armênia –48,2
97. Panamá 30,3 97. Nepal 28,4 97. Argentina 50,9 97. Moldávia —49,2
98. Ruanda 29,1 98. Noruega 28,3 98. Moldávia 50,2 98. Botsuana –49,2
99. Letônia 28,5 99. Belarus 27,9 99. Burkina Fasso 50,0 99. Togo –49,4
100. Togo 28,3 100. Itália 27,7 100. Jamaica 49,9 100. Jordânia –50,4
101. Albânia 26,6 101. Canadá 27,6 101. Malauí 49,5 101. Costa Rica –50,6
102. Eslovênia 26,4 102. Suécia 27,6 102. Bolívia 49,0 102. Israel –53,0
103. Gabão 26,1 103. Alemanha 27,5 103. Uruguai 48,9 103. Letônia –53,2
104. Burundi 25,5 104. França 27,3 104. Sudão 48,6 104. Gabão –55,4
105. Moldávia 25,5 105. Reino Unido 26,7 105. Armênia 48,3 105. Macedônia –56,1
106. Líbano 25,1 106. Finlândia 25,5 106. Equdor 47,9 106. Jamaica –56,7
107. Armênia 25,0 107. China 24,4 107. Moçambique 47,6 107. Estônia –58,7
108. Macedônia 23,6 108. Coréia do Sul 24,3 108. Uganda 46,2 108. Albânia –59,1
109. Estônia 23,0 109. Filipinas 24,2 109. Nicarágua 38,2 109. Eslovênia –60,7
ANEXOS

110. Jamaica 21,6 110. Estados Unidos 22,0 110. Ruanda 36,7 110. Líbano –62,4

25/9/2009, 17:00
111. Suazilândia 15,5 111. Índia 21,6 111. Burundi 33,8 111. Trinidad e Tobago –73,0
112. Trinidad e Tobago 14,5 112. Israel 21,5 112. Azerbaidjão 33,5 112. Suazilândia –74,3
113. Maurício 11,6 113. Japão 18,1 113. Zâmbia 30,3 113. Maurício –81,2
 301
09 Fábio anexos.p65 302 25/9/2009, 17:00
Capítulo 7

09 Fábio anexos.p65 303 25/9/2009, 17:00


Tabela 1. Necessidade de financiamento do setor público,1 fluxos em doze meses, % do PIB2. Fim do período (1991-2004)

09 Fábio anexos.p65
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 1991- 1995- 1999- 2003-
19933 19983 20023 20043 304 
Resultado nominal 23,42 42,86 57,96 39,88 7,19 5,88 6,07 7,93 10,49 4,43 5,22 10,24 3,64 2,41 41,41 6,77 7,60 3,03
Governo central e Bacen 6,18 14,43 20,33 15,50 2,31 2,56 2,62 5,40 7,39 3,09 3,76 6,59 2,55 1,56 13,65 3,22 5,21 2,06
Estados e municípios 8,39 15,90 24,41 17,10 3,57 2,72 3,01 2,02 3,15 2,07 2,01 3,60 1,74 1,91 16,23 2,83 2,71 1,83
Empresas estatais4 8,85 12,53 13,22 7,28 1,31 0,60 0,44 0,51 –0,05 –0,73 –0,54 0,05 –0,64 –1,05 11,53 0,72 –0,32 –0,85
ANEXOS

Juros Nominais 26,28 45,47 60,56 44,92 7,55 5,79 5,16 7,94 13,76 7,93 8,93 14,25 7,91 7,02 44,10 6,61 11,22 7,47
Governo central e Bacen 7,01 16,06 21,74 18,54 2,89 2,94 2,36 5,95 9,78 4,98 5,65 9,07 5,05 4,30 14,94 3,54 7,37 4,68

304
Estados e municípios 9,73 16,24 24,95 17,93 3,40 2,17 2,29 1,83 3,38 2,63 2,90 4,42 2,63 2,90 16,97 2,42 3,33 2,77
Empresas estatais4 9,54 13,16 13,87 8,46 1,26 0,68 0,51 0,16 0,60 0,32 0,38 0,75 0,22 –0,18 12,19 0,65 0,51 0,02

Resultado primário –2,86 –2,25 –2,60 –5,04 –0,36 0,09 0,91 –0,01 –3,28 –3,50 –3,70 –4,01 –4,27 –4,60 –2,57 0,16 –3,62 –4,44
Governo central e Bacen –0,84 –1,27 –1,41 –3,04 –0,58 –0,38 0,26 –0,55 –2,40 –1,89 –1,89 –2,48 –2,51 –2,74 –1,17 –0,31 –2,17 –2,63
Estados e municípios –1,33 –0,34 –0,54 –0,82 0,17 0,55 0,72 0,19 –0,23 –0,56 –0,89 –0,82 –0,89 –0,99 –0,74 0,41 –0,63 –0,94
Empresas estatais4 –0,69 –0,63 –0,65 –1,18 0,05 –0,08 –0,07 0,35 –0,65 –1,05 –0,93 –0,70 –0,87 –0,87 –0,66 0,06 –0,83 –0,87

Juros reais 1,50 4,39 2,38 3,77 5,24 3,28 3,35 7,42 7,18 4,64 5,15 4,40 5,16 2,21 2,76 4,82 5,34 3,69
Governo central e Bacen 0,54 2,05 1,43 1,48 2,25 1,62 1,49 5,68 6,08 3,16 3,40 3,15 3,49 1,55 1,34 2,76 3,95 2,52
Estados e municípios 0,20 1,12 0,32 1,42 2,19 1,27 1,51 1,59 0,70 1,24 1,33 0,51 1,47 0,85 0,55 1,64 0,95 1,16
Empresas estatais4 0,76 1,23 0,63 0,87 0,81 0,39 0,34 0,15 0,40 0,24 0,41 0,75 0,20 –0,19 0,87 0,42 0,45 0,01

Resultado Operacional –1,36 2,14 –0,22 –1,72 4,89 3,37 4,26 7,41 3,90 1,13 1,44 0,40 0,89 –2,39 0,19 4,98 1,72 –0,75
Governo central e Bacen –0,29 0,77 0,02 –2,00 1,67 1,24 1,75 5,13 3,68 1,27 1,51 0,67 0,98 –1,20 0,17 2,45 1,78 –0,11
Estados e municípios –1,14 0,77 –0,23 0,59 2,36 1,82 2,24 1,78 0,47 0,67 0,45 –0,32 0,57 –0,14 –0,20 2,05 0,32 0,22
Empresas estatais4 0,07 0,60 –0,02 –0,32 0,86 0,31 0,27 0,50 –0,25 –0,81 –0,51 0,05 –0,66 –1,06 0,22 0,49 –0,38 –0,86
Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>.
1
NFSP com desvalorização cambial (valorizado). Dados de fim de período (dezembro) exceto 2004,
que se referem am mês de novembro do mesmo ano. Não inclui receitas de privatizaçõe; + = déficit, – = superavit; ára o resultado operacional, desconta-se a inflação, para o primário, deconta-

25/9/2009, 17:00
se os juros reais.
2
Fluxos e Pib valorizados para o últiimo mês do período com base no IGP-DI.
3
Média aritmética dos anos indicados.
4
Não inclui as empresas estatais federais.
ANEXOS  305
Tabela 2. Taxa de juros1 e inflação no Brasil, % ao ano (1990-2004)

PERÍODO JUROS INFLAÇÃO INFLAÇÃO JUROS REAIS JUROS REAIS


BÁSICOS ( IGP - M )2 ( IPCA )3 ( IGP - M ) (IPCA)

1990 1.153,2 1.699,9 1.621,0 –30,4 –27,2


1991 536,9 458,4 472,7 14,1 11,2
1992 1.549,2 1.174,7 1.119,1 29,4 35,3
1993 3.060,0 2.567,3 2.477,1 18,5 22,6
1994 807,7 603,8 631,5 29,0 24,1
1995 53,1 15,2 22,4 32,8 25,1
1996 27,4 9,2 9,6 16,7 16,3
1997 24,8 7,7 5,2 15,8 18,6
1998 28,8 1,8 1,7 26,5 26,7
1999 25,6 20,1 8,9 4,6 15,3
2000 17,4 10,0 6,0 6,8 10,8
2001 17,3 10,4 7,7 6,3 9,0
2002 19,2 25,3 12,5 –4,9 5,9
2003 23,3 8,7 9,3 13,5 12,8
2004 16,2 12,4 7,6 3,4 8,0
Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>.
1
Taxa Selic acumulada no ano.
2
Índice calculado pela FGV, com famílias com rendimentos de 1 a 33 salários mínimos mensais. Inclui preços
no atacado (60%), no varejo (30%) e na construção civil (10%). Índice amplamente utilizado no mercado
financeiro.
3
Índice calculado pelo IBGE, com famílias de 1 a 40 salários mínimos. Utilizado como índice para reajuste de
contratos de locação e como referência para o regime de metas para a inflação no país.

Tabela 3. Taxa de juros1 e receita disponível por nível de governo,2 % do


PIB (1990-2004)

PERÍODO ARRECADAÇÃO PRÓPRIA RECEITA DISPONÍVEL CARGA


TRIBUTÁRIA
TOTAL

UNIÃO ESTADOS MUNICÍ - UNIÃO ESTADOS MUNICÍ -


PIOS PIOS

1990 20,5 9,0 0,9 17,4 8,5 4,5 30,5


1991 16,7 7,3 1,2 14,0 7,1 4,1 25,2
1992 17,5 7,4 1,0 14,8 7,1 4,0 25,8
1993 18,5 6,5 0,8 15,6 6,5 3,6 25,7
1994 20,5 8,0 1,0 17,6 7,7 4,1 39,5
1995 20,0 8,3 1,4 16,8 8,2 4,8 29,8
1996 19,3 8,2 1,4 16,3 8,0 4,7 29,0
1997 19,6 7,9 1,5 16,6 7,7 4,7 29,0
1998 20,4 7,8 1,5 17,6 7,4 4,7 29,7
1999 22,1 8,1 1,5 18,1 7,9 5,7 31,7
2000 22,5 8,6 1,5 18,4 8,3 5,8 32,5
2001 23,4 9,0 1,5 19,2 8,7 6,0 33,9
2002 24,8 9,2 1,5 20,3 9,1 6,2 35,5
2003 24,2 9,1 1,5 20,1 8,8 6,0 34,9
Fonte: Secretaria da Receita Federal. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br>.
1
Carga tributária por nível de governo.
2
Receita disponível para cada nível de governo após as transferências correntes entre os três.

09 Fábio anexos.p65 305 25/9/2009, 17:00


Tabela 1. Dívida líquida do setor público (1991-2004), em % do PIB1

DISCRIMINAÇÃO 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004(nov.)

09 Fábio anexos.p65
Dívida líquida total 37,9 37,3 33,2 29,2 30,5 33,3 34,5 42,6 49,7 49,5 55,5 57,2 58,1 51,1
Governo Federal e Banco Central 12,7 12,2 9,7 12,6 13,2 15,9 18,8 25,4 30,4 31,0 35,3 36,2 36,9 32,1
306 
Governos estaduais e municipais 7,2 9,3 9,4 9,7 10,6 11,5 13,0 14,4 16,4 16,3 18,5 19,8 20,2 18,8
Empresas estatais 18,1 15,8 14,1 6,9 6,7 5,9 2,8 2,9 2,8 2,2 1,7 1,1 1,1 0,2

Dívida interna líquida 13,9 18,5 18,7 20,8 24,9 29,4 30,2 36,0 39,2 39,7 41,2 45,5 46,3 42,8
ANEXOS

Governo Federal e Banco Central –2,2 0,8 1,9 6,4 9,8 14,3 16,8 21,1 22,4 23,5 22,9 26,2 26,6 24,6
Títulos públicos federais 3,0 9,0 9,3 11,5 15,6 21,4 28,2 35,4 39,8 – 33,6 42,5 43,3 40,7
Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT –1,3 –1,6 –1,7 –2,4 –2,6 –2,6 –2,6 –3,1 –3,2 –4,5 –4,8 –5,5 –5,6 –5,5
Base monetária 1,6 1,4 1,0 3,4 3,2 2,4 3,6 4,3 4,7 4,2 4,6 4,6 4,7 4,1

306
Outros depósitos no BCB 1,1 1,4 1,4– 2,7 2,7 3,5 3,8 2,1 1,5 1,3 3,5 3,6 3,6 3,5
Créditos do BCB a instituições financeiras2 –0,4 –1,0 0,2 –3,9 –5,1 –8,4 –7,7 –5,3 –3,9 –3,3 –1,3 –1,1 –1,1 –1,0
Carteira de fundos3 –0,4 –0,5 –0,6 –0,9 –1,0 –0,3 –1,1 –1,5 –1,5 –2,7 –3,4 –4,7 –4,7 –3,7
Renegociação com estados (Lei 9.496/97) – – – – – – –5,5 –9,5 –12,7 –13,6 –13,7 –15,2 –15,4 –15,0

Governos estaduais e municipais 6,1 8,2 8,3 9,4 10,3 11,2 12,5 13,7 15,5 15,3 17,1 18,6 19,0 17,8
Renegociação com a União (Lei 9.496/97) – – – – – – 5,5 9,5 12,3 12,0 12,0 13,3 13,5 13,0

Empresas estatais4 10,0 9,5 8,5 5,0 4,9 3,9 0,9 1,3 1,3 0,9 1,2 0,7 0,7 0,3

Dívida externa líquida 24,0 18,8 14,5 8,5 5,6 3,9 4,3 6,6 10,5 9,8 14,3 11,7 11,9 8,4

Dívida fical líquida sem privatização5 – – – – 30,5 31,4 35,2 42,9 45,8 46,2 36,1– 40,9 41,6 37,2
Ajuste patrimonial privatização6 – – – – – –0,1 –1,6 –2,9 –3,8 –5,3 4,0 –4,0 –4,1 –3,5
Dívida fiscal líquida com privatização7 – – – – – 31,3 33,6 40,0 42,0 40,9 32,1 36,9 37,5 33,7
Ajuste patrimonial — Outros8 – – – – – 2,0 0,9 2,7 7,7 8,6 5,8 5,8 5,9 5,1

PIB 0,1 1,8 53,4 524,2 683,3 809,3 894,6 912,2 1039,8 1139,3 1587,6 1596,8 1570,4 1841,2

Fonte: Banco Central do Brasil, Depec, série recebida por meio eletrônico. Há divergências com a tabela no Boletim do BCB. Elaboração do autor.
1
PIB dos últimos doze meses em R$ bilhões, a preços de dezembro do ano indicado. Deflator: IGP-DI centrado. 2 Créditos do BCB a instituições financeiras: 2 inclui trocas de títulos estaduais

25/9/2009, 17:00
por federais e, provavelmente, empréstimos de liquidez e financiamentos do Proer. 3 Inclui entidades autônomas e, a partir de junho de 1997, fundos constitucionais. 4 Federais, estaduais e
municipais. 5 Dívida fiscal líquida sem privatização: dívida líquida total menos ajustes patrimoniais (13 e 15). 6 Recebimentos de valores referentes às privatizações, até dezembro de 1995, incluídos
em (15). 7 Dívida fiscal líquida com privatizações: (12) + (15). 8 Segundo o Boletim do BCB, o ajuste patrimonial (base dez. 95) computa: emissão de títulos relativa ao aporte de capital do Banco
do Brasil; a redução das aplicações do fundo da reserva monetária devido a decisão judicial envolvendo a liquidação dos bancos Comind e Auxiliar; securitização de dívidas; renegociação de dívidas
de Itaipu e Eletronorte junto ao SFN; fundos constitucionais; diferença na dívida externa resultante da conversão Itaipu e Eletronorte junto ao SFN; fundos constitucionais; diferença na dívida
externa resultante da conversão dos saldos pela taxa de câmbio de final de período e dos fluxos pela taxa de câmbio média do mês.
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