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19/02/2018 Microeconomia em Doses: HOMO OECONOMICUS (Rodrigo Peñaloza, 29-XII-2017)

Rodrigo Peñaloza Follow


PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the
University of Brasilia.
Dec 28, 2017 · 30 min read

Mercado francês , do pintor Iain Vellacot.

Microeconomia em Doses: HOMO OECONOMICUS


(Rodrigo Peñaloza, 29-XII-2017)

É muito comum encontrarmos “críticas” ao construto do homo


oeconomicus com base naquilo que alguns, seja por erro conceptual, por
ignorância ou mesmo por desonestidade intelectual, imaginam ser o

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conjunto de hipóteses de racionalidade. Escrevi “críticas” entre aspas


porque o termo é impróprio. A crítica pressupõe o conhecimento do
que se critica, é um julgamento e deve, portanto, especi car os termos
sobre os quais deve haver concordância, especi car os juízos e
submeter-se à lógica. Se o termo não corresponde àquilo que se julga,
seja por violação sub-reptícia das regras de argumentação, seja por uso
indevido de termos ou qualquer outra coisa do tipo, não há critica, mas
erística.

Neste texto da série Microeconomia em Doses, esclareço quais são os


postulados que fundamentam o homo oeconomicus. Há uma diferença
substancial entre o homo oeconomicus e o homem cartesiano e as
pessoas quase sempre confundem as duas ideias. Quem tem perfeito
conhecimento das consequências e dos estados do mundo não é o homo
oeconomicus, mas o cartesiano, um termo técnico da Epistemologia, ou
melhor, da lógica modal epistêmica, que caracteriza o indivíduo cujas
regras sintáticas de conhecimento seguem o sistema S5 de Kripke, um
sistema de 5 axiomas sobre o operador de conhecimento no âmbito da
lógica modal. O cartesiano tem o que se denomina onisciência lógica
forte. Se o sistema S5 de Kripke é aos poucos relaxado, passa-se à
onisciência lógica fraca e assim por diante. Não é disso que se trata
quando se fala do homo oeconomicus. (Se você quiser saber um pouco
mais sobre o homem cartesiano, clique aqui em O Princípio Platônico e o
Livre-Arbítrio).

1. Introdução

Quando em 1889 Ma eo Pantaleoni, em Principii di Economia Pura e


in uenciado pelas ideias de Spencer, usou o termo homo oeconomicus,

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ele quis que o termo designasse aquilo que ele considerava o


fundamento da economia pura, a saber, o hedonismo como princípio
do comportamento humano. Segundo ele, “o egoísmo hedonístico
induz o homo oeconomicus a se comportar segundo a lei do menor
esforço”. O uso da ideia benthamiana de utilidade ou de utilidade
coletiva era o instrumento formal que se tinha à época e não deve ser
vista como algo que o homo oeconomicus tivesse na cabeça, mas como
instrumento de análise do analista, tal como o Grego foi o instrumento
de análise para decifrar os hieróglifos na Pedra de Rosetta. Até Pareto
discordou da ideia de Pantaleoni, alegando que “a maioria das pessoas
não sabe como fazer isso”, isto é, calcular o grau nal de utilidade.
Porém, o grau nal de utilidade era um conceito ainda muito vago e
isso explica muito das suspeitas de Pareto. Em carta de 3 de outubro de
1891 de Pareto a Pantaleoni, encontramos:

“Eu acho que, no que concerne à matemática, todos concordamos. Não


nego que existam problemas complexos demais para não serem tratados
matematicamente. Admito que o método grá co é quase sempre o meio
mais simples e elegante de resolver alguns problemas. Longe de mim opor-
me à economia política matemática e acho que mais cedo ou mais tarde a
matemática será a base da ciência econômica. Nós também concordamos
perfeitamente que a questão da utilidade da matemática na economia
política é diferente da questão da validade da teoria do grau nal de
utilidade.”

A suspeita de Pareto não deve ser tomada fora de contexto. Quem já leu
o capítulo 2 de The Common Sense of Political Economy, de Philip
Whicksteed, de 1910, certamente entende o que se passava na cabeça
de Pareto. São páginas e páginas discursivas de cálculos marginais de

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consumo familiar de batata, queijo e outras coisas, com medidas


precisas de frações marginais, uma depois da outra, um dos excertos
mais entediantes de toda a literatura universal.

Lionel Robbins, em An Essay on the Nature and Signi cance of Economic


Science, 1945, retoma Whicksteed e desenvolve suas ideias. Ao falar
sobre a racionalidade, especialmente no capítulo 4, ele a defende desde
que tomada em sentido mais geral como o de consistência, que é o
nome que ele dá à transitividade, mas ele alerta que o sentido de
racionalidade não extrapole os seus limites e passe a admitir perfeito
conhecimento das consequências. Como mencionarei mais adiante, o
conhecimento perfeito das consequências não é uma característica do
homo oeconomicus, mas do homo cartesianus. Isso cará claro mais na
frente, quando também sugerirei textos sobre isso. O que Lionel
Robbins realmente defende como legítimo para o termo racionalidade
em economia é o “propósito”, no sentido de que toda ação econômica
tem um propósito, um insight que ele reconhece ser de Mises. Voltando
ao tema da racionalidade completa (preferências transitivas) e outras
hipóteses, e aqui acrescento, relativas ao homo cartesianus (não ao
homo oeconomicus), Robbins esclarece que o propósito dessas hipóteses
é simplesmente facilitar a análise isolando aspectos que na vida real
ocorreriam em conjunto com vários outros fatores. Ele considera
absurda a ideia de que o mundo é composto por máquinas egoístas de
prazer. O que ele faz aí é uma crítica ao que já ocorria: a busca pelos
fundamentos da ação do homo oeconomicus fora substituída pelas
hipóteses do modelo formal-matemático do homo cartesianus. Parte é
culpa de Whicksteed. Para Robbins, o conceito fundamental da
economia é a valoração marginal relativa, que é justamente o que
Alchian e Allen fazem ao listar os postulados do homo oeconomicus.

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2. O erro comum

Não raro encontramos textos como este, de Belluzzo e Bastos,


publicado no diário Folha de São Paulo em 20/03/2016:

“O principal elemento de nidor da ortodoxia neoclássica é o axioma de


indivíduos racionais e maximizadores de utilidade, (…).”

O resto da frase é uma série de erros conceptuais sobre a economia


neoclássica que não merecem comentário neste espaço. Contraste a
sentença acima com estas palavras de Armen Alchian e William Allen,
em um exercício de seu livro introdutório Exchange and Production:

Exercício 8 do capítulo 3: “A teoria econômica é construída sobre uma


idealização do homem: que ele tem tremendo poder computacional, um
conhecimento detalhado de seus desejos e necessidades, um entendimento
geral de seu ambiente e suas relações causais, uma resistência a agir por
impulso ou hábito. É difícil preencher a lacuna entre esse modelo do
homem econômico e o homem do mundo real que tateia as coisas com
incerteza”. Essa a rmação caracteriza corretamente o estado da teoria
econômica? Explique.

A resposta, fornecida pelos autores no answer-key no m do livro é


devastadora:

Resposta: Não! É a teoria e a sua estrutura que se conformam às leis da


lógica e da racionalidade. As regularidades predicáveis das respostas das
pessoas a mudanças em seu ambiente não requerem que elas sejam

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“racionais” não mais que a reação da água ao declive requer a


racionalidade de cada molécula de água.

Em suma, a a rmação que Alchian e Allen apresentam no exercício e


em relação à qual o aluno é instado a re etir para, tendo realmente
entendido os postulados do homo oeconomicus explicados no capítulo,
saber que a reposta é um rotundo “não” é essencialmente a mesma
a rmação à qual alguns críticos atribuiriam um errôneo “sim”. Alchian
e Allen são enfáticos em esclarecer que os postulados do homo
oeconomicus não a rmam nem pressupõem que o homem é uma
máquina de calcular, mas alguns insistem em dizer que sim e, a partir
daí, despejam as críticas de praxe.

Em outro exercício de Alchian e Allen, encontramos:

Exercício 24 do capítulo 2: “Ao utilizar o princípio da maximização da


utilidade, a Teoria Econômica supõe que o homem está maximizando
alguma entidade psicológica.”

Em edição anterior da obra, quando seu nome ainda era University


Economics, a pergunta do exercício acima é seguida da indicação da
resposta, que nas versões mais novas os autores retiraram com o
simples propósito de forçar o aluno a pensar: “Explique porque a
resposta é: Não”.

Para encerrar a série de exercícios elementares que contradizem os


anseios dos críticos, eis mais um:

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Exercício 21 do capítulo 2: “A Teoria Econômica é racional e lógica, mas


o homem não necessariamente é desse jeito. Qual é a diferença entre um
homem racional e uma teoria racional?”

O exercício começa com aquilo que eu chamo de chavão heterodoxo.


Alchian e Allen, então, esclarecem que os que creem nesse chavão não
distinguem entre homem racional e teoria racional, apontando aí que o
epíteto racional é equívoco ou homônimo, no sentido que Aristóteles
introduziu nas Categorias. No texto desse mesmo capítulo, os autores
dizem que racionalidade da análise não signi ca que as pessoas que
estão sendo analisadas sejam máquinas de calcular animadas. Além
disso, quanto aos postulados, os quais colocarei mais adiante e
de nitivamente não são os que Belluzzo, Bastos e tantos outros pensam
ser, as pessoas não precisam necessariamente ser conscientes deles,
não mais do que, nas relações entre os sexos, os casais também não
precisam ser necessariamente conscientes das leis de reprodução e
atração sexual.

Todas as críticas que tenho visto ao homo oeconomicus são idênticas às


ditas por Belluzzo e Bastos e não passam de meras paráfrases do texto
do exercício 8 do capítulo 3 de Exchange and Production. Se os críticos
dependessem dessa questão para aprovação no curso de introdução à
economia de Armen Alchian, receberiam um enfático F. Até John Riley
tremia quando Alchian, que não sem razão é tido como um dos maiores
economistas do século XX, chegava em um brown bag seminar com uma
pergunta elementar totalmente desconcertante.

3. Os postulados do homo oeconomicus

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Os postulados corretos são bem simples. Antes, porém, duas


observações necessárias. Em primeiro lugar, a unidade de decisão é o
indivíduo. Coletivos não são entes que tomam decisão. Toda decisão
coletiva é resultado de algum método de votação baseado nas decisões
individuais. Isso não quer dizer que as decisões individuais não possam
ser in uenciadas pela cultura e pelas normas sociais ou mesmo pela
propaganda. Existem pessoas que, por de ciência de raciocínio lógico,
derivam conclusões que não decorrem da observação acima e com isso
acreditam que a in uência social e cultural sobre as preferências seja
uma refutação da teoria. Em segundo lugar, nenhum homem pode
prever o futuro perfeitamente. Isso não implica que toda incerteza seja
probabilizável. Isso também não implica que a Teoria Econômica tem
por m prever o futuro.

Os postulados do homo oeconomicus são:

(1) Cada pessoa deseja uma multiplicidade de bens.


(2) Para cada pessoa, alguns bens são escassos.
(3) Uma pessoa está disposta a sacri car algo de qualquer bem para obter
mais de outro bem.
(4) Quanto mais se tem de um bem, menor a valoração marginal pessoal
desse bem.
(5) Nem todas as pessoas têm idênticos padrões de preferência.

Esses são os postulados minimamente necessários para sustentar a


Teoria Econômica e é por isso que caracterizam o homo oeconomicus.
Eis porque o livro de Alchian e Allen é tão bom. Deve-se, porém fazer
uma distinção entre o modus cogitandi microeconômico e o modelo

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formal-matemático microeconômico correspondente. Sobre isso falarei


mais adiante.

Um bem é qualquer coisa que alguém deseja. Se você tem sede e deseja
água, então água é um bem. Se você quer fazer lantropia, então a
lantropia é um bem. Observe que a água você compra no mercado,
mas a lantropia não se compra, se pratica. Entretanto, sacrifícios
econômicos fazem parte da ação lantrópica tanto quanto da demanda
por água e podem, inclusive, ser mensurados. (Se quiser saber mais
sobre a lantropia do ponto de vista microeconômico, clique aqui em
Microeconomia em Doses: Filantropia).

O que signi ca negar o postulado (1)? Signi ca dizer que alguém


deseja apenas um único bem. Se essa pessoa considera apenas um
único bem em suas considerações diárias, então ela não consegue
valorar esse bem, pois o valor marginal pessoal de cada unidade desse
bem é, por de nição, o quanto de outro bem (ou de outros bens) ela
está disposta a sacri car para obter essa unidade adicional. Em outras
palavras, o desejo por água de alguém para quem água é a única coisa
que ela deseja não representa qualquer sacrifício. A única maneira de
isso ocorrer é admitindo a hipótese ridícula segundo a qual algum ser
humano existe sem quaisquer necessidades, nem mesmo biológicas, ou
desejos, mesmo os abstratos, como arte, e que essa pessoa tem tanta
abundância de água, que é a única coisa que ela realmente deseja, que
sequer precisa sacri car qualquer coisa por ela, nem mesmo o tempo de
ir à fonte e beber, pois o tempo gasto nesse pequeno trajeto não poderia
mesmo ser alternativamente gasto em qualquer outra atividade. Talvez
essa pessoa seja um vegetal que só precise de fotossíntese, mas mesmo
os vegetais precisam de outras coisas como luz, sombra e água. Essa

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pessoa, então, não teria qualquer intercâmbio econômico com outras


pessoas, pois, tendo abundância de água e só desejando água, ela
jamais procuraria água em outra parte de alguém que tivesse água. Se
ela zesse isso, só esse esforço já seria uma escolha entre beber de sua
fonte eterna e abundante e procurar água em outra parte. Em alguns
modelos macroeconômicos é comum a hipótese de um único bem, mas
não se engane com isso, pois esses modelos são dinâmicos e um
chocolate hoje não é o mesmo bem que um chocolate no futuro.

Que o postulado (1) descreve um padrão observado de comportamento


econômico em qualquer tempo e espaço é óbvio. Quem em sã
consciência negaria a realidade de que as pessoas desejam muitos bens
e não apenas um? Até Arnaldo Antunes musicou isso, quando escreveu
“a gente não quer só trabalho, a gente quer comida, diversão, balé”. Os
heterodoxos nacionais desejam múltiplos bens. Para publicar seus
escritos em jornais de circulação diária, eles desejam um computador à
mão, tempo sobrando, livros para ler e contatos na imprensa para
promoção. Alguns até desejam o cargo de Ministro da Fazenda.

O que signi ca negar o postulado (2), segundo o qual para cada pessoa
alguns bens são escassos? Signi ca a rmar que existe alguém para
quem todos os bens não são escassos. Ora, escassez existe toda vez que
desejamos mais e não há o bastante. Assim, dizer que para alguma
pessoa todos os bens não são escassos signi ca admitir outra
possibilidade inusitada: ou que essa pessoa simplesmente parou de
desejar, que está saciada em todas as coisas que desejava e que não
mais deseja, ou que, se deseja, há tal abundância da coisa desejada que
nenhum sacrifício se lhe exige, ou ambas. Essa pessoa também para de

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trocar, deixa de participar do mercado. Isso inclui desistir de trocar seu


lazer pelo dinheiro que ganha trabalhando.

A razoabilidade do postulado (2) é óbvia também. Em que lugar não há


escassez? Dito de outra forma, em que lugar da Terra se esconde o
Nirvana em que as pessoas já não têm desejo? Note que o postulado
requer apenas que alguns bens sejam escassos, ou seja, basta que a
pessoa deseje alguns bens para podermos fazer análise econômica.
Quanto aos outros bens, a pessoa pode muito bem sentir-se satisfeita e
não desejar mais, o que é também a realidade da vida.

O postulado (3) diz que uma pessoa está disposta a sacri car algo de
qualquer bem para obter mais de outro bem. Negar isso signi ca
a rmar que todas as pessoas não estão dispostas a sacri car algum bem
para obter mais de outro. Elas cessam, então, de desejar coisas, seja
porque os bens são abundantes para todos, seja porque as pessoas
viraram vegetais.

Que o postulado (3) é natural decorre do fato empírico de que para


conseguir qualquer coisa que deseja, o ser humano necessariamente
incorre em sacrifícios, nem que seja pelo menos do tempo dedicado a
isso e com o concurso do qual ele poderia estar fazendo outra coisa.
Esse é um aspecto tão elementar da natureza que até o ilustramos
mitologicamente com o sábio conselho (ou condenação divina):
“comerás o pão com o suor de teu rosto”.

O que signi ca negar o postulado (4), segundo o qual quanto mais se


tem de um bem, menor a valoração marginal pessoal desse bem?
Imagine que alguém deseja dois bens, X e Y, e considere duas situações

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distintas. Na situação A, a pessoa já consome regularmente certa


quantidade mensal de X e certa quantidade de Y. Dadas essas
quantidades, essa pessoa, se pretendesse adquirir uma unidade
(incremental) ΔX a mais de X, aceitaria abrir mão de alguma
quantidade ΔY de Y. A essa taxa |ΔY|/ΔX Alchian e Allen dão o nome
de taxa marginal de substituição-consumo, a qual não deve ser
confundida com a taxa marginal de substituição que aprendemos nos
livros, que é a razão entre as utilidades marginais. Essa disposição à
substituição re ete o grau de abundância de Y relativamente a X. Com
efeito, a situação B denota o passo seguinte em que a pessoa diminuiu a
quantidade de Y em favor de uma unidade a mais de X. Neste caso, o
grau de abundância de Y relativamente à quantidade de X diminuiu.
Sendo relativamente menos abundante que antes, o consumidor está
disposto a sacri car uma quantidade menor de Y pelo mesmo
incremento de X. Isso ocorre porque tanto X como Y são bens, ou seja, a
pessoa deseja X e Y, ela quer mais X e mais Y. A cada passo em que X
amenta e Y diminuiu, o bem Y se torna menos abundante e X mais
abundante. Ao se tornar mais escasso, o bem Y acaba cando mais
valioso para a pessoa, relativamente a X e, portanto, a pessoa ca
menos disposta a sacri car Y por mais X. Preste atenção no advérbio
relativamente! O que signi ca, então, negar esse postulado? Signi ca
que, dada uma quantidade de X e Y, se a pessoa considerasse aumentar
X em uma unidade e mais uma e mais uma, então a cada passo ela
estaria disposta a sacri car cada vez mais de Y por cada unidade
adicional de X. Isso signi ca que a pessoa não considera o bem Y
realmente um bem, mas um mal, no sentido de que ela não se importa
em se ver livre de Y, mesmo que ele se torne cada vez mais escasso,
relativamente a X. Isso ca ainda mais patente se consideramos mais de
dois bens, digamos, X, Y e X. Dada uma cesta desses bens, qual a

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valoração marginal pessoal de X? É o quanto a pessoa está disposta a


sacri car de Y e Z em troca de uma unidade a mais de X. Como
expressar, neste caso, a variação conjunta Δ(Y,Z)? Pode-se perguntar
separadamente quanto de Y a pessoa está disposta a sacri car e quanto
de Z, de modo a obtermos as taxas marginais de substituição-consumo
parciais |ΔY|/ΔX e |ΔZ|/ΔX, pois todas as três taxas expressam a
máxima disposição ao sacrifício.

A plausibilidade do postulado (4) é mais sutil, não é tão facilmente


apreensível como os demais. Entretanto, sua plausibilidade se torna
imediata quando se admite a negação lógica. Isso é normal no
raciocínio cientí co e é de nossa essência. Uma proposição é verdadeira
porque sua negação lógica é falsa. A racionalidade é a diferença
especí ca que de ne o ser humano como espécie do gênero animal.
Portanto, a razão e a lógica devem ter alguma função em nossas vidas.
Mas, claro, alguém sempre pode alegar alguma lógica peculiar para a
qual a verdade é uma mera opinião. O difícil é entender como alguém
que alegue isso tenha a pretensão de “provar” a veracidade de sua
crítica.

Finalmente, que signi ca negar o postulado (5), que diz que nem todas
as pessoas têm idênticos padrões de preferência? Primeiramente, por
padrões de preferência deve-se entender as taxas marginais de
substituição-consumo em cada cesta. Negar esse postulado signi ca,
então, que todas as pessoas são idênticas em termos dos sacrifícios de
consumo que estão dispostas a fazer por unidades adicionais de bens, o
que seria a absoluta negação de qualquer possibilidade de troca
econômica, pois o que explica as transações econômicas são
precisamente as diferenças entre as taxas às quais pessoas diferentes

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estão dispostas a sacri car, ou ,melhor dito, são precisamente as


diferenças entre as valorações marginais pessoais. Indivíduos alertas
percebem essas diferenças e promovem as trocas, “comprando barato e
vendendo caro”, ou seja, fazendo arbitragem.

A evidência empírica do postulado (5) decorre de uma observação


muito simples, porém muito interessante: as pessoas fazem comércio e
assim o fazem porque acreditam que, de alguma forma, se bene ciam.

Convido o leitor a insistir na recusa, com honestidade intelectual, de


qualquer um desses postulados. Esses postulados são princípios.

Desejo, escassez e competição são intimamente ligados, pois um termo


implica o outro. Existe escassez até mesmo na mais a uente das
sociedades, pois até lá as pessoas desejam e, com isso, demandam.
Como não existe o bastante de tudo, os bens têm que ser distribuídos
de alguma forma e as pessoas competem pelo que desejam. Em um
sistema de mercado, a competição é via preços. Em um sistema
socialista é via las e, se o custo de oportunidade é alto, a elas se
acresce a corrupção. Haverá competição sempre que houver escassez.
Como dizem Alchian e Allen no capítulo 1, citando o lósofo Arnold
Palmer: “Só existe um meio de evitar a competição (…): ‘se você não
está competindo, você está morto’. E reciprocamente”.

4. Aplicando os postulados

Vamos dar duas aplicações dos princípios. A primeira será a uma ideia
elementar de Microeconomia, a forma usual das curvas de indiferença.

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A segunda aos impostos personalizados de Lindahl na provisão de bens


públicos.

Suponha que há dois bens, X e Y, e considere as três cestas A, B e C na


gura abaixo:

Essa con guração satisfaz ao postulado (1), pois o consumidor deseja


dois bens. Suponha que o consumidor é indiferente entre as cestas B e
C, ou seja, B>C, em que “>” a preferência estrita. A cesta B se
caracteriza por ser obtida a partir da cesta A com um acréscimo na
quantidade de Y. Como Y é um bem, então B>A. Similarmente, a cesta
C é obtida a partir da cesta A com um acréscimo na quantidade de X,
sendo a de Y igual à de A. Como X é um bem, então C>A. Imagine que
se dá um acréscimo ΔX à quantidade de X na cesta B e o mesmo
acréscimo na cesta C. Pelo postulado (3), nos dois casos, o consumidor

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está disposto a sacri car alguma quantidade de Y pelo acréscimo no


bem X. Na cesta B, como o bem Y é mais abundante em relação a X do
que na cesta C, então, pelo postulado (4), a valoração de Y em B
relativamente a X é menor do que a valoração de Y relativamente a X
na cesta C, o que implica, então, que ele está disposto a sacri car uma
quantidade maior de Y em B do que em C pelo mesmo acréscimo em X.
As inclinações |ΔY|/ΔX nos pontos B e C ilustram isso. Claramente em
B a inclinação, em módulo, é maior do que em C. Decorre disso que a
curva de indiferença pelos pontos B e C deve ter a seguinte
con guração:

A curva de indiferença pelos pontos B e C deve estar acima da curva de


indiferença pelo ponto A. Isso vem do postulado (1) e do postulado (2)
no caso particular em que tanto X como Y são escassos. Além disso, as

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curvas são convexas em relação à origem. Isso vem dos postulados (3)
e (4).

Essa mesma con guração se obtém, alternativamente, se supusermos


que o consumidor possui uma utilidade u(X,Y) sobre os bens X e Y que
seja monotônica e côncava, ou seja, uma utilidade que represente
numericamente preferências monotônicas e convexas. Estas
propriedades de monotonicidade e de convexidade das preferências
são consequência dos postulados básicos, não são axiomas
comportamentais!

Surge aqui um insight importantíssimo para quem pretende entender a


Microeconomia. Uma coisa é o modus cogitandi, isto é, a forma de
pensar do microeconomista. Essa forma é integralmente baseada na
capacidade de utilizar os postulados do homo oeconomicus como
enunciados acima para analisar os fenômenos econômicos. Em
nenhum momento se postulou a existência de uma função utilidade e
nem propriedades matemáticas que esta possa ou deva ter. A
con guração geométrica do mapa de curvas de indiferença é toda ela
obtida apenas a partir dos postulados básicos com os quais, espero, o
leitor já tenha concordado.

Outra coisa bem diferente é o modelo formal-matemático do modus


cogitandi e a partir da qual se pode chegar aos mesmos resultados.
Neste outro mundo — o do modelo formal-matemático — , admite-se
uma função de utilidade monotônica e côncava (e contínua
obviamente) sobre os bens X e Y. Ao escrevermos Y como função de X a
partir da equação u(X,Y) = c, em que c é uma constante, então essa
função terá a forma acima.

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No modelo formal-matemático, os resultados analíticos obtidos a partir


do modus cogitandi do microeconomista são igualmente obtidos
mediante o auxílio da linguagem matemática (e, mais particularmente,
da linguagem grá ca). Em razão da formalização matemática, a
utilidade é de nida sobre todos os bens e a ela se impõem condições
matemáticas que implicarão os resultados que já sabemos decorrer dos
princípios básicos. Não é verdade que essas propriedades matemáticas
são axiomas comportamentais. Ao contrário, elas são consequência dos
postulados básicos e não os contradizem e a única razão pela qual se
diz que o consumidor conhece todos os bens é porque sem isso não há
como proceder à resolução do problema matemático. Entretanto, o
suposto agente que resolve o cálculo das curvas de indiferença não é o
homo oeconomicus: é, antes, um agente cartesiano que, procedendo
como uma calculadora, chega aos mesmos resultados por um caminho
diferente.

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Para entender isso, vou usar de uma analogia. Em um nicho ecológico


uma população de coelhos (as presas) convive com uma população de
raposas (os predadores). Na natureza essas populações interagem de
maneira tal que de tempos em tempos uma população está baixa
enquanto a outra está alta. Se as raposas reduzem demasiadamente o
número de coelhos, a possiblidade de alimentação se reduz e o número
de raposas, por conseguinte, se reduz. Quando isso ocorre, a população
de coelhos volta a crescer, até o ponto em que, havendo muito
alimento, as raposas novamente contribuem para reduzir o número de
coelhos. Essa interação cíclica é um fato da natureza. Em 1920, Alfred
Lotka, baseado em modelos anteriores de Kolmogorov, desenvolveu o
modelo predador-presa de Lotka-Volterra. Se x é o número de coelhos e
y o de raposas, então a evolução dinâmica das duas populações é
modelada pelo sistema dinâmico:

dx/dt = ax –bxy
dy/dt = mx –nxy

em que a,b,c,m são parâmetros que descrevem a interação entre as


duas espécies. Nem Lotka nem Kolmogorov jamais a rmaram que as
espécies são máquinas de calcular para se conformarem às equações
dinâmicas respectivas e nem que a Natureza segue precisamente o
sistema Lotka-Volterra. As equações de Lotka-Volterra do modelo
predador-presa são apenas uma maneira formal-matemática de chegar
ao mesmo resultado de interação cíclica das espécies a que a própria
observação humana já chegou. A natureza cíclica da interação entre
predador e presa é um princípio da natureza. Sua negação implica que
todas as espécies, desde os princípios dos tempos, se manteriam nas

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mesmas proporções. Mas isso signi ca simplesmente que não haveria


evolução.

Quando imaginamos que as preferências não sejam convexas, de tal


sorte que a função utilidade não seja côncava, então claramente viola-
se o postulado (4). Essa violação é uma possibilidade teórica, não a
constatação de um comportamento humano geral. Dizer que o
indivíduo eventualmente, para certo range de quantidades de algumas
mercadorias, considera essas mesmas mercadorias males em vez de
bens, isso em nada testemunha contra a Teoria Econômica, pois os
postulados valem para os bens. Se não temos bens, mas males, um
simples raciocínio lógico a partir dos mesmos postulados permite-nos
analisar o caso de forma igualmente coerente. O modelo formal-
matemático torna mais fácil esse procedimento. Simples assim.

A segunda aplicação é a condição de primeira ordem do problema


básico do consumidor. Se os bens X e Y têm preços p e q,
respectivamente, então o sacrifício de Y por um incremento de X, que é
uma razão entre duas quantidades, com as correspondentes unidades
de medida dadas, pode ser expresso monetariamente. Se ao adquirir
um incremento ΔX ao preço p por unidade, o consumidor gasta pΔX.
Por outro lado, ao sacri car |ΔY| ao preço q por unidade, ele
economiza q|ΔY|. Se a economia é maior que o gasto, q|ΔY| > pΔX,
ele pode usar essa economia líquida para comprar mais X, pois, pelos
postulados (2) e (3), ele deseja X e está disposto a sacri car Y por isso.
Porém, pelo postulado (4), ao cogitar de outro incremento ΔX, a
quantidade de Y que ele está disposto a sacri car se reduziu, pois o
bem Y tem se tornado mais escasso que antes em relação ao bem X.
Logo a economia q|ΔY| cai para o mesmo aumento de gasto pΔX. Isso

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continua até o ponto em que q|ΔY| = pΔX. Assim, |ΔY|/ ΔX= p/q, ou
seja, a inclinação da curva de indiferença é igual ao preço relativo.
Observe que estamos fazendo análise econômica e não pressupondo
que o consumidor repete mentalmente estas mesmas palavras que
estamos lendo aqui.

Alternativamente, podemos chegar ao mesmo resultado mediante


outro caminho: o do modelo formal-matemático. Neste caso, supomos
que o agente maximiza sua utilidade u(X,Y) sujeito à restrição
orçamentária pX+qY=r, em que r>0 é sua renda. Sabemos que a
condição de 1ª ordem é que a taxa marginal de substituição (em
módulo) iguale os preços relativos: |TMS| = p/q. A TMS não é a taxa
marginal de substituição-consumo postulada por Alchian e Allen. A
TMS é, por de nição, a razão entre as utilidades marginais de X e de Y,
ou seja, TMS=-UMgX/UMgY. Por outro lado, a taxa marginal de
substituição-consumo e uma razão entre quantidades de bens. Pelo
teorema da função implícita, |ΔY|/ ΔX = -UMgX/UMgY. Assim,
enquanto o microeconomista chega, por dentro, ao resultado |ΔY|/
ΔX= p/q pelo seu modus cogitandi, o modelo formal-matemático chega
ao mesmo resultado, por fora, pela condição de 1ª ordem de um
problema de otimização.

Os princípios do modus cogitandi são válidos mesmo quando as trocas


não são mediadas via preços.

A terceira aplicação são os impostos de Lindahl. Esta parte é retirada de


outro texto da série: Microeconomia em Doses: taxas de Lindahl
(clique aqui para acessá-lo). Já não vou indicar quais postulados serão
aplicados, pois já devem estar claros na cabeça do leitor.

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O bem público é, por de nição, não-exclusivo e não-rival. Não-


exclusividade signi ca que ninguém pode ser excluído de consumi-lo.
Não-rivalidade signi ca que o consumo por parte de um consumidor
não reduz a quantidade disponível para os outros consumidores.

Suponha que há dois consumidores, A e B. Queremos produzir uma


primeira unidade de bem público. O custo marginal dessa unidade é
$90. Em outras palavras, o valor que a sociedade atribui aos recursos
deslocados da economia para a produção dessa unidade é $90. O
consumidor A tem que pagar por essa unidade consumida. Pra isso ele
deve sacri car consumo de bens privados para pagar pelo consumo do
bem público, de modo a que que indiferente entre sacri car consumo
privado pra consumir o bem público ou não. Digamos que esse valor
seja $60. Mas o consumo da unidade de bem público por parte de A
não diminui a unidade disponível para B, que pode consumir também
uma unidade. O consumidor B sacri ca $50 de consumo privado pela
unidade do bem público. A soma desses valores é $110, maior do que o
custo marginal de produção da unidade do bem público. Portanto, vale
a pena produzir essa primeira unidade. Há um ganho marginal social
de $20.

A pergunta que surge é: “vale a pena produzir a segunda unidade de


bem público?” Suponha que o custo marginal de produção da segunda
unidade é $100. Este é o valor que a sociedade atribui aos recursos
deslocados da economia para a produção dessa segunda unidade.
Como ela já abrira mão de recursos no valor de $90 para a primeira
unidade, esses recursos se tornaram mais escassos e, portanto, têm
mais valor que antes: $100.

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19/02/2018 Microeconomia em Doses: HOMO OECONOMICUS (Rodrigo Peñaloza, 29-XII-2017)

O consumidor A tem que pagar por essa segunda unidade. Ele sacri ca,
mais uma vez, consumo de bens privados para pagar pelo consumo do
bem público, de modo a que que indiferente entre sacri car consumo
privado pra consumir o bem público ou não. Digamos que esse valor
seja $55. Com efeito, como ele já sacri cara bens privados, no valor de
$60, pela primeira unidade de bem público, os bens privados se
tornaram mais escassos e o bem público mais abundante. Então pela
segunda unidade de bem público ele está disposto a sacri car menos
consumo de bens privados que antes.

Mas o consumo da unidade de bem público por parte de A não diminui


a unidade disponível para B, que pode consumir também essa segunda
unidade. O consumidor B já sacri cou $50 de consumo privado pela
primeira unidade do bem público. Como seus bens privados já estão
mais escassos, ele está disposto a sacri car menos, digamos $48.

A soma desses valores é $103, maior do que o custo marginal de


produção da segunda unidade do bem público, que é $100. Portanto,
vale a pena produzir essa segunda unidade. Há um ganho marginal
social de $3.

Vale a pena produzir a terceira unidade? Suponha que o custo marginal


dessa terceira unidade é $120 (observe que os custos marginais foram
de $90, depois $100 e agora $120, ou seja, custos marginais
crescentes). Pela terceira unidade, o consumidor A está disposto a
sacri car apenas $49, menos que os $55 da unidade anterior. Seus
bens privados estão cada vez mais escassos. O consumidor B está
disposto a sacri car $45. A soma dessas disposições a pagar pela
terceira unidade do bem público é $94, inferior ao custo de $120 da

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19/02/2018 Microeconomia em Doses: HOMO OECONOMICUS (Rodrigo Peñaloza, 29-XII-2017)

terceira unidade do bem público. Não vale a pena! Paramos, portanto,


na segunda unidade.

Recorde que, para a segunda unidade de bem público, o consumidor


estava disposto a sacri car $55 de consumo privado e o consumidor B
estava disposto a sacri car $48. O custo marginal da segunda unidade
de bem público era $100. Assim, $55+$48 é a soma mais próxima
possível (e por cima) de valores sacri cados de consumo privado pela
unidade adicional de bem público. Esses são os impostos de Lindahl
dos consumidores A e B:

t(A)=$55
t(B)=$48

Os impostos de Lindahl são impostos personalizados. Temos ainda


outras informações. A quantidade ótima de bem público é de 2
unidades. Além disso, o excedente social é $20 da primeira unidade
mais $3 da segunda. Portanto, o excedente total máximo é $23.

Se os bens são in nitamente divisíveis, então a condição para e ciência


alocativa do bem público é que a soma das taxas de Lindahl iguale o
custo marginal de produção do bem público.

A interpretação econômica dessa regra matemática da Microeconomia


é que a sociedade, ao produzir 2 unidades de bem público, deslocou
recursos da economia num valor monetário ao qual damos o nome de
custo marginal de produção da segunda unidade de bem público. Cada
consumidor consome as mesmas 2 unidades (pois o bem é não-rival e
não-excludente). Pra isso, eles sacri cam consumo de bens privados

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tanto para a primeira unidade quanto para a segunda. Porém, a


condição de e ciência é caracterizada apenas pela última unidade que
valeu a pena. O total do que os consumidores sacri cam cobre
exatamente o custo marginal dessa última unidade.

Nesse ponto, a sociedade ganhou um excedente de $23. O signi cado


econômico desse valor é que a sociedade acumulou excedentes ao
produzir as duas unidades de bem público. Em outras palavras, os
valores de consumo privado que os pagadores de impostos de Lindahl
estão dispostos a sacri car pelo bem público superaram os custos totais
dessas duas unidades.

Note que em nenhum momento falei de taxa marginal de substituição.


O processo de decisão privada a cada unidade é baseado em taxas de
troca entre quantidades de bem público e privado. Se os bens têm
preços, então é como se os consumidores se movessem ao longo da
curva de indiferença, embora esse conceito não apareça. Eles nem
precisam conhecer os preços dos bens, pois as trocas são feitas em
termos do sacrifício monetário que, do ponto de vista de cada um, vale
a pena. Basta que eles sigam fazendo essas trocas incrementais até o
ponto em que decidam parar por não valer mais a pena.

Para que serve, então, o modelo microeconômico de maximização da


utilidade por parte do agente, sobre um conjunto orçamentário de
cujos preços ele tem conhecimento? É porque esse “modelo” produz o
mesmo resultado que obtivemos acima sem necessidade de qualquer
conhecimento absoluto de todos os preços e sequer impondo que o
consumidor tenha uma função de utilidade na cabeça e que se
comporte como um computador que sai por aí maximizando. O modelo

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se aproxima do resultado “por fora”, ou seja, matematicamente. O


método que descrevi acima é “por dentro”, ou seja, chega-se ao
resultado economicamente.

A regra de Lindahl que apresentei acima é a mesma para a produção


e ciente de bem público contínuo ou discreto. A regra é a mesma. A
única diferença é que, no caso discreto, a taxa marginal de substituição
se reduz ao que chamamos preço de reserva por cada unidade. É a
mesma coisa.

5. Conclusão

Podemos chamar o sujeito do modelo formal-matemático de homo


cartesianus. Mas quem é esse homo cartesianus? É o morador da casa ao
lado? É a dona da padaria? Não! O homo cartesianus é o próprio
analista econômico que se vale do modelo formal-matemático para
analisar o fenômeno econômico mediante uma linguagem diferente.
Analogamente, os coelhos e as raposas não são bestiae cartesianae, não
são os calculadores do modelo Lotka-Volterra, mas o biólogo ou o
matemático, estes sim os homines cartesiani, que dele se valem para
analisar a relação predador-presa. O estudante que abre o livro do Mas-
Collell para resolver um exercício de teoria do consumidor utilizando
topologia e análise real é, nesse momento, um homo cartesianus, pois
está ciente de toda a construção formal do modelo e se restringe a essa
formulação e às regras da lógica para resolver o problema. Mas não é
só! O juiz que avalia um caso judicial é homo cartesianus também, pois,
ao exercer essa atividade que lhes é própria, ele raciocina, sob as regras
da lógica e da boa indução em um universo de leis que ele conhece,
para chegar a um veredito plausível. Numa reunião de condôminos que

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debatem como custear as despesas de jardinagem são homines


cartesiani, pois debatem com um mínimo de lógica e bom senso, tendo
perfeito conhecimento das alternativas de preços e serviços. Dois
economistas heterodoxos que se juntam para escrever um artigo, ainda
que erístico, sobre pretensas de ciências epistêmicas do “modelo
neoclássico ortodoxo” e assim se valem de um conjunto de
conhecimentos articulados segundo os postulados (sejam estes bons ou
ruins, ótimos ou péssimos) de seu pensamento são também homines
cartesiani. Insisto, para os que querem entender o que realmente é o
homo cartesianus, que leia o texto que já sugeri, o Princípio Platônico,
no qual também sugiro várias referências acadêmicas sérias.

Pensando atacar o homo oeconomicus, os críticos, na verdade, atacam o


homo cartesianus. Assim o fazem por não compreenderem nem um
nem outro. Toda análise cientí ca, seja nas ciências biológicas, seja nas
ciências exatas, seja nas ciências sociais e humanas, é feita por homines
cartesiani. A nal, sem isso não há debate cientí co!

O homo oeconomicus, por outro lado, é bem mais simples. Ele é o ser
humano em geral. Convido o leitor a refutar, mais uma vez, qualquer
um dos seus postulados e a avaliar seriamente o signi cado de uma
eventual recusa de algum.

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Please read as well:

Economics and Classics


* A República Romana e os instrumentos de crédito
* On the notion of wrong decision in the Greek tragedy: the epistemic

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rôle of uncertainty, risk and ignorance


* O mercado de escravos em Roma e o problema da seleção adversa
* The Roman slave market and the problem of adverse selection
* Publicani: coleta de impostos e moral hazard em Roma
* O bolsa-família do Império Romano
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deliberate order
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“Microeconomia em doses” series:


* Microeconomia em doses: curva de oferta
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* Microeconomia em doses: custo de e ciência do subsídio
* Microeconomia em doses: custo de e ciência de tarifas de
importação
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* Microeconomia em doses: curto-prazo versus longo-prazo
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Economics and doxa


* Competição perfeita: o que é isso?
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* Custo de e ciência do imposto de renda
* Tarifas de pedágio pelo valor de Shapley
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majoritarimente eleito mas rejeitado pela maioria


* Se o candidato eleito renunciar, quem assume?
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Writings in Latin and Classical Greek


* Dilemma captivorum
* Ad bestias
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* Insula Itamaracá
* De malo iudicio in tragoedia graeca: quae sint personae gerendae ab
alea et ignorantia?
* De consolamento more catharorum
* De caelo sive certus et exquisitus modus intellegendi omnes res, non
solum mundi sed etiam hominum
* Fabella sepulcralis
* De chao apud veteros graecos
* A symbolis aegiptiis usque ad veritatem
* De iactu nucleoli
* De aequalitate
* De monade
* Epistula
* Bellum iaponicum
* De trivio
* De paradoxo russeliano et ontologia graeca
* De censura in Re Publica Romana
* εἲς μούσαν τῆς χρωμογραφίας
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* Cur viris liberalibus sit incohaerens capitis praedicare poenam
* Quid accidit Aristoteli Americoque Castro, philologo hispanico, nuper
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Miscelany
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