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HPE I
PARTE INTRODUTÓRIA

Prof. Eduardo Gonçalves


eduardo.goncalves@ufjf.br
Referências Principais
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 ARAÚJO, Carlos R. V. História do pensamento econômico: uma abordagem introdutória. Ed. Atlas, 1995.
 ARIDA, P. A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica. In: REGO, J. M. Retórica na
Economia. São Paulo: Editora 34, 1996.
 BENTON, R. A hermeneutic approach to economics: if economics is not science, and if it is not merely
mathematics, then what could it be? In: SAMUELS, W. J. (eds.). Economics As Discourse: an analysis of the
language of economists. Recent Economic Thought Series, vol 21. Springer, Dordrecht, 1990, p. 65-89.
 BELLUZZO, L. G., GALÍPOLO, G. Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo. São Paulo: Editora
Contracorrente, 2017. Introdução. p. 9-18. Cap. 4. A academia sucumbe ao poder. p. 85-96.
 BOUCHAUD, Jean-Philippe. Economics needs a scientific revolution. Nature, 455, 1181, 2008.
 LIMA, Gilberto T. Em algum lugar do passado: breves reflexões sobre a importância da história do
pensamento econômico. São Paulo: EAESP/FGV, maio, 1996 (Texto para Discussão ; n. 56)
 MAZZUCATO, M. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São
Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.
 ROBINSON, J. Filosofia econômica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. Cap. 1. Metafísica, moral e
ciência. p. 1-25
 STIGLITZ, J. Inequality and Economic Growth. In: Jacobs, M., Mazzucato, M., Rethinking capitalism: economics
and policy for sustainable and inclusive growth. John Wiley & Sons Ltd. 2016
 TOLIPAN, Ricardo. A ironia na história do pensamento econômico. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1990. (Série
PNPE n. 23). (Capítulo 1).
Questões
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 Quais são os principais temas/tópicos discutidos


pelos economistas ao longo dos anos?
 Crescimento e desenvolvimento econômico.
 Papel da moeda.
 Inflação.
 Papel do Estado.
 Comércio Livre / Protecionismo.
 Origem do excedente.
 Pobreza e distribuição de renda/riqueza.
 Teoria do Valor / Preços.
A importância da História do Pensamento Econômico
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 HPE como fonte cultura econômica.


 “Economista desconhecedor das evoluções das doutrinas econômicas não passa de
especialista sem cultura” (Hugon, 1995)
 HPE como fonte de subsídios para atuar sobre a realidade.
 “... o parâmetro mais apropriado para aferir-se a aplicabilidade de um certo
conjunto de ideias econômicas é enquadrá-las em seu contexto histórico original.
Sendo elas produtos de seu tempo, o necessário exercício de recuperação de seus
antecedentes históricos não deve pautar-se pela expectativa de que será possível
aplicar um mesmo constructo teórico a formações econômico-político-sociais situadas
em momentos diferentes do tempo cronológico. Caso queiramos nos reportar ao
passado tendo em vista atuar sobre a realidade presente, é fundamental que o
encaremos apenas como uma fonte de subsídios, e não como um antecipação fiel
daquilo que será o devir.” (Lima, 1996)
 “Se o texto clássico do passado discute o capitalismo e vivemos hoje sob um regime
capitalista, não se segue que o objeto de análise seja o mesmo a menos que se
demonstre que o capitalismo do passado continua inalterado essencialmente no
presente” (Arida, 1996).
A importância da História do Pensamento Econômico
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 Explicita polêmicas e controvérsias na área.


 “A história das ideias econômicas configura um campo do conhecimento científico
onde polêmicas e controvérsias constituem a própria atividade normal... a existência
de múltiplas interpretações acerca de um mesmo objeto analítico é uma indicação
de robustez, vigor e dinamismo, e não de fraqueza, debilidade ou impotência dessa
ciência, contribuindo, de forma significativa, para o progresso da e na própria
teoria econômica.” (Lima, 1996)
 Fornece indícios do grau de paternidade de ideias econômicas.
 “... a história das doutrinas econômicas oferece outra utilidade: concorre para que
saibamos que experiências, apresentadas como originais e modernas, não passam,
no mais das vezes, de aplicação de antigas doutrinas alteradas, aqui e ali, a sabor
da moda em voga. (...). O recurso à história das doutrinas oferece, em suma, o
interesse de evitar o ridículo de ‘descobertas já feitas’; de possibilitar a verificação
do grau de originalidade da doutrina considerada...; o de permitir o máximo de
aproveitamento do esforço despendido pelos predecessores, evitando a reincidência
nos mesmos erros de outrora.” (Hugon, 1995)
A importância da História do Pensamento Econômico
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 Mostra que o erro pode ter utilidade.


 “Na doutrina econômica, o erro oferece utilidade: primeiro, porque toda doutrina econômica
tem por objeto o homem e, de acordo como Spencer, em matéria de psicologia ‘não há erro que
não contenha partícula de verdade’; segundo, porque é proveitoso conhecer o processo pelo
qual o erro foi posto em evidência, a fim de aperfeiçoar o método de encontrar outros erros;
terceiro, porque, ao colocarmos o erro em evidência, podemos chegar à descoberta de
princípios que, embora extremamente simples, passaram antes despercebidos.” (Hugon, 1995)
 “Em suma, a utilidade do estudo do erro, no campo econômico, decorre sobretudo da
dificuldade de saber quando determinada doutrina é, de modo absoluto e definitivo, falsa ou
exata.” (Hugon, 1995)
 “... a evolução das condições sociais e econômicas parece concorrer para a transformação de
uma doutrina, de modo a torná-la, de absolutamente falsa que era ontem, em relativamente
exata hoje, e vice-versa. Impossível, pois, abandonar o estudo de certas doutrinas, apenas sob
pretexto de terem sido consideradas falsas no passado.” (Hugon, 1995)
 “... o estado de qualquer ciência num tempo qualquer implica sua história anterior e não será
entendido se não se tornar explícita essa sua história.” (Schumpeter, HAE, Parte I, Cap. I)
 Mostra mudança do objeto de estudo no tempo.
Box: Atributos de uma Economista segundo Keynes
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“Ele deve ser matemático, historiador, estadista, filósofo (...) deve


entender os símbolos e falar com palavras. Deve contemplar o
particular nos termos do genérico, e tocar o abstrato e o
concreto na mesma revoada do pensamento. Deve estudar o
presente à luz do passado com objetivos futuros. Nenhuma parte
da natureza ou das suas instituições deve ficar completamente
fora do alcance da sua visão. Ele deve ser decidido e
desinteressado com a mesma disposição; tão distante e
incorruptível quanto um artista, e ainda assim algumas vezes tão
perto da terra quanto um político.” (Keynes, 1972)
O que é ciência?

Elementos do universo da ciência


 Coleta de dados e observação
 Experimentos
 Derivação de leis e teorias.
 Emprego da lógica.
 Conhecimento provado ou refutado.
O que é ciência?

 Ciência é um modo de conhecimento que as pessoas usam


para entender o seu ambiente (Benton, 1990).
 Está no topo da hierarquia de conhecimento.
 Como outros sistema de conhecimento, objetiva interpretar, dar
significado, de forma objetiva, ao mundo.
 O mundo opera segundo leis gerais que permanecem largamente
escondidas sob circunstâncias comuns.
 Reivindica universalidade, superioridade, tem procedimentos sujeitos a
verificação rigorosa e crítica (sujeito a testes), permite previsão
acurada.
 Difere de sistema de conhecimento cultural porque este não pode ser
testado contra situações que não ocorreram (não pode ser refutado).
A Economia e seu aspecto científico

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 Economia como Ciência


 Partilha dos objetivos gerais da ciência e está sujeita a padrões
científicos de verificação.
 Colhe regularidades do “processo econômico” para formular leis
econômicas, leis da economia que governam o comportamento do
homem.
 Padrão de verificação seria a acurácia da previsão que a teoria gera.
 Isso é um problema para a teoria econômica.
 Economistas recorrem a retórica.
A Economia e seu aspecto científico

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 Qualquer campo de conhecimento no qual há pessoas,


denominadas pesquisadores, cientistas ou eruditos, que
perseguem o objetivo de aperfeiçoar o conjunto
preexistente de fatos e métodos e que, no processo de
consecução, adquirem um conhecimento aprofundado a
respeito de ambos que os diferencia do leigo e do
mero profissional. (Schumpeter, História da Análise
Econômica)
A Economia e seu aspecto científico

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 “Economia tem sido sempre, em parte, um veículo para a ideologia


dominante em cada período, assim como, em parte, um método de
investigação científica” (Robinson, 1979)
 “Embora não seja ciência no sentido dado, na modernidade, ao
conhecimento dos fenômenos naturais, como a física e a biologia, é um
conjunto ordenado de ideias a respeito da atividade humana. Porque
procura organizar a atividade humana, a teoria econômica é
inevitavelmente ideológica. Suas histórias procuram organizar a sociedade
segundo valores e interesses não explicitados.” (André Lara Resende, Valor,
A camisa de força ideológica da macroeconomia, 11/2/22)
 Diferenças entre hard science x soft science
 Experimentos controlados em laboratório e diferenças entre átomo e
homem como objetos de estudo.
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 A construção de modelos econômicos é guiada por


procedimentos científicos.
 Mas, se Economia é uma ciência, por que os economistas
discordam entre si?
 E se a Economia é uma ciência, então toda opinião de um
economista é, do ponto de vista científico, neutra?
A dificuldade da busca de uma ciência neutra

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 “E isso é o que a ciência econômica faz atualmente. Diz ao jovem e


suscetível e ao velho e vulnerável que a vida econômica nada tem a ver
com poder e política, porque a empresa está firmemente subordinada ao
mercado e ao Estado, vale dizer, ao consumidor e ao cidadão. Tal ciência
econômica não é neutra. E uma aliada importante e inestimável daqueles
cujo poder depende da existência de um público submisso. Se o Estado é o
comitê executivo da grande corporação e do sistema de planificação, em
parte é porque a economia neoclássica é seu instrumento para neutralizar
a suspeita de que assim seja.” (Galbraith, 1973)
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 Modelos dão status de ciência para Economia.


 Nunca são a verdade, mas há verdade neles.
 São insumos para construir teorias.
 Semelhantes a experimentos.
 Capazes de isolar e identificar mecanismos causais.
 Suposições e mecanismos comportamentais.
 Coleção de modelos.
 Progresso científico na área é expandir a coleção de modelos
potencialmente aplicáveis.
 Progresso científico na área é melhorar métodos de seleção de
modelos alternativos, melhorando a associação entre modelo e
mundo real.
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 Simplificações da realidade: analogia com mapas.


 Simplificação é exigência da ciência. Do grego “análysis” é
decompor em parte menores (mais simples).
 Simplificações que mostram mecanismos específicos, isolados de
outros, e seus efeitos no sistema.
 Nunca são descrição fiel da realidade.
 Capturam os aspectos mais relevantes (processo de abstração) da
realidade num dado contexto.
 “In Economics, context is all” (Rodrik, 2015, p. 32)
 Um modelo não se aplica a todos os países.
 Diferentes arranjos sociais, mercados, países e períodos de tempo podem
requerer diferentes modelos.
 Na economia não há leis fundamentais (há regularidades específicas a
contextos, tendências e consequências).
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 Exemplos de modelos e conclusões possíveis


 Modelo de oferta e demanda sob competição perfeita: abstrai outras
motivações, racionalidade sem emoções ou erros, monopólios.
 Implicações: Pareto-eficiência.
 Dilema do Prisioneiro: firma com decisão se investe em marketing ou não
para tirar mercado de concorrente.
 Modelos de equilíbrios múltiplos: firma A decide se constrói ou não
estaleiro. Precisa de aço na vizinhança. Se houver, investe. Se não houver,
não investe. Firma de aço precisa do estaleiro para decidir investimento
(supondo único consumidor em potencial da região).
 Equilíbrio bom: ambos investem.
 Equilíbrio ruim: ninguém investe.
 Modelo pressupõe economia da escala, dependência mútua, ausência de
mercados alternativos.
 Visão errada: deixar o problema para o mercado resolver.
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 Exemplo da diferença entre modelos de equilíbrio


parcial ou geral.
 O que acontece se aumenta a imigração numa região?
 Intuição: ↑oferta de trabalhadores ↓ salários
 Mas se trabalhadores locais emigrarem? Se aumento da
imigração resultar em maior investimento de infraestrutura
e novas fábricas? E se os trabalhadores de baixa
qualificação atrasassem a introdução de novas
tecnologias? E se houver estímulo para maior produção de
bens de consumo dos trabalhadores?
 Caso de Miami em 1980 com imigrantes cubanos e nenhum efeito
sobre salários e desemprego.
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 Progresso da ciência econômica: novos modelos não substituem antigos (diferente das
ciências naturais).
 Multiplicidade de modelos é a força da Economia.
 Muitos modelos de diferentes matrizes produzem controvérsias, que só se resolvem
parcialmente.
 Controvérsias são deixadas de lado por cansaço ou desinteresse.
 Conceito de firma representativa nas décadas de 20 e 30 no Economic Journal.
 Constância ou não da velocidade-renda da moeda nos anos 60 (monetaristas x keynesianos).
 Consolidação do programa neoclássico não se deveu ao seu maior sucesso empírico.
 “A evidência empírica nunca se apresentou como evidência neutra ou invariante aos
próprios programas de pesquisa” (Arida, 1996)
 “Os programas de pesquisa em economia produzem sua própria evidência, e o
programa neoclássico não é exceção”. (Arida, 1996)
 “Nenhuma controvérsia importante na teoria econômica foi resolvida através do
teste ou da mensuração empírica”. (Arida, 1996)
 “O fascínio pela resolução empírica das controvérsias (...) explica-se pela noção estreita
de saber científico que pervade a disciplina.” (Arida, 1996)
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 Testabilidade e generalidade de proposição econômica são


limitadas.
 Construção de modelos precisam de bom julgamento,
experiência, treinamento, arte.
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 “Não existem regras comuns de validação aceitas por todos


os participantes em controvérsias de relevo”. (Arida, 1996)
 Crise de 1929 não prova a Teoria Geral de Keynes para os novos
clássicos.
 Nas Ciências Sociais não se chegou a um acordo sobre uma
norma de negação de uma hipótese (Robinson, 1979).
 Econometria faz sentido como desdobramento de investigação
dentro de uma dada matriz conceitual (referencial teórico).
 Não serve para critério de aferição da verdade de matrizes
conceituais diversas
Utilidade da coleção de modelos econômicos

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 Caso do aumento da desigualdade de renda nos EUA após 1970.


 Gini subiu de 0,40 em 1973 para 0,48 em 2012, enquanto em outros
países o aumento foi de 10%.
 Como explicar?
 Globalização? Maior exposição dos EUA ao comercio com países asiáticos (Coreia do Sul,
Taiwan, China) e México que poderia favorecer trabalhadores mais qualificados em
detrimento dos menos qualificados dos EUA.
 Mudança tecnológica com viés para habilidade (“skill-biased technological change”)? Maior
uso de automação e computadores favorece a empregabilidade de trabalhadores mais
qualificados. Mas o prêmio de habilidade cessou por volta de 1990 embora a
desigualdade tenha continuado a subir.
 Aumento da renda do capital? Crescimento da remuneração do top 1% (retornos de
dividendos e ações) em ritmo muito superior ao dos salários.
 Políticas macroeconômicos ortodoxas pós 1970? Foco em estabilidade de preços e não em
pleno emprego. Sindicatos enfraqueceram. Trabalhadores perderam poder de barganha,
salários mínimos cresceram menos que inflação. Desregulamentação e expansão do setor
financeiro fizeram crescer fortunas.
 Nenhuma única teoria pode explicar o fenômeno da desigualdade.
O que é Economia e como o economista pensa:
a construção de modelos
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 Realismo das suposições: importa?


 Friedman (1953): o que importa é a capacidade preditiva.
 Contraexemplo: Qual o efeito de impor controle de preços sobre a indústria de cigarros?
 Suposição de competição perfeita ou monopólio importa.
 Sob competição perfeita, oferta diminui.
 Sob monopólio, oferta aumenta.
 Aplicabilidade (utilidade) depende de quão próximas da realidade estão as
suposições.
 Matemática como linguagem.
 Apenas há previsões condicionais.
O que é Economia e como o economista pensa

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Mau uso de modelos econômicos


 Usar o mesmo modelo em todas as condições: uso dogmático de um
modelo.
 Argumentos universais.
 Redução de aspectos complexos da vida social a relações simples.
 Suposições irreais.
 Rigor matemático sobre realismo.
 “Matemática trouxe rigor para economia mas também trouxe morte”.
 Salto de abstração estilizada para conclusões políticas.
 Mascarar ideologia com linguagem científica.
Quando a economia produz má ciência ou quando a ciência
econômica é contaminada pela ideologia
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 Tautologias
 Lei da distribuição segundo a produtividade marginal (pensada ser de
aplicação universal):
 “I am of the opinion, until proven otherwise, that the market is competitive.
Competition is going to dictate what people make. The best measure we have of
the value of what someone produces is what he was paid (Bennett, 1988, p. 1
apud Benton, 1990, p. 84)”
 Alguém é pago de acordo com o que produz e a melhor medida do favor
daquilo que alguém produz é o que é pago a ele.
 Mensagens (ideológicas):
 Ricos são ricos porque são produtivos e pobres são pobres porque não são produtivos.
 Ricos são merecedores e pobres devem trabalhar mais duro.
 Ao transitarem do tema utilidade para maximização da produção física, os
economistas neoclássicos criaram “a justificativa de que apenas os ricos poupam
e que a desigualdade é necessária para a acumulação de capital.” (Robinson,
1979)
Quando a economia produz má ciência ou quando a ciência
econômica é contaminada pela ideologia
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“(...) a teoria de produtividade marginal sustenta que, devido à competição, todos


aqueles que participam do processo produtivo merecem e recebem remuneração
equivalentes às suas produtividades marginais. Essa teoria associa altas
remunerações com grandes contribuições para a sociedade. Isso justificaria, por
exemplo, tratamentos tributários diferenciados para os ricos: ao taxar altas
rendas, nós os privaríamos de sua “justa recompensa” por sua contribuição à
sociedade, e, ainda de forma mais importante, os desencorajaríamos a expressar
seu talento. Mais ainda, ao passo que mais contribuírem, e mais duro trabalharem
mais irão poupar. Melhor para os trabalhadores, que teriam seus salários
aumentados como resultado.” (Stiglitz, 2016)

 http://evonomics.com/joseph-stiglitz-inequality-unearned-income/
 Stiglitz, J. Inequality and Economic Growth. In: Jacobs, M., Mazzucato, M., Rethinking capitalism:
economics and policy for sustainable and inclusive growth. John Wiley & Sons Ltd. 2016
Quando a economia produz má ciência ou quando a ciência
econômica é contaminada pela ideologia
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“Enquanto exploração sugere que os do topo recebem o que recebem por


tirarem daqueles que estão na base, a teoria da produtividade marginal
sugere que os do topo somente recebem o que acrescentam. Os que
advogam em favor dessa visão foram além: sugeriram que em um
mercado competitivo, exploração (por exemplo, como resultado da força
do monopólio ou de discriminação) simplesmente não poderia persistir, e
que adições ao capital causariam aumento também aos salários, portanto
trabalhadores se beneficiariam graças à poupança e à inovação
daqueles do topo.” (Stiglitz, 2016)

 http://evonomics.com/joseph-stiglitz-inequality-unearned-income/
 Stiglitz, J. Inequality and Economic Growth. In: Jacobs, M., Mazzucato, M., Rethinking
capitalism: economics and policy for sustainable and inclusive growth. John Wiley & Sons
Ltd. 2016
Quando a economia produz má ciência

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 Falta de evidência para teoria da produtividade marginal


 Salários de executivos não reflete sua produtividade
 Não há correlação entre remuneração gerencial e desempenho de empresa: falhas de
governança corporativa permitiram aos gerentes definir seus próprios salários.
 Nos EUA a razão entre salário de um CEO e salário médio dos trabalhadores aumentou de
20/1 em 1965 para 354/1 em 2012, sem que houvesse mudança tecnológica que
justificasse tal discrepância na produtividade relativa.
 Trabalhadores do setor financeiro tiveram salário extra em relação a setores similares.
 Lucros dos grandes bancos não adviriam de eficiência (produtividade elevada).
 Atividades estão longe da competição perfeita.
 Práticas anticompetitivas no ramo de cartões geraram rendas econômicas (derivada de
poder de monopólio).
 Falta de transparência em derivativos e outros produtos financeiros.
 Banqueiros que levaram suas empresas e a economia global à beira da ruína continuaram a
receber altos níveis de recompensa (não relacionada à contribuição social ou ao
desempenho de seus bancos).
Quando a economia produz má ciência

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 Falta de evidência para teoria da produtividade marginal


 Aumento da tributação no topo da pirâmide não resultou em decréscimo nas
taxas de crescimento.
 Se os rendimentos fossem o resultado de seus esforços, poderíamos esperar que
aqueles do topo respondessem trabalhando menos, com efeito adverso no PIB.
 “(...) nas últimas três décadas salários cresceram muito menos do que a
produtividade, um fato que é difícil de conciliar com a teoria de
produtividade marginal mas é consistente com o aumento da
exploração.” (Stiglitz, 2016).
 Enfraquecimento do poder de barganha dos trabalhadores (sindicatos
enfraquecidos)
 Globalização assimétrica: capital livre para migrar e mão de obra não.
Quando a economia produz má ciência

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 Falta de evidência para teoria da produtividade


marginal
 Outras causas da disparidade de renda:
 Exploração.
 Discriminação.
 Exercício da força do monopólio.
 Fatores institucionais e políticos.
 Instituições do mercado de trabalho.
 Sistemas tributários.
 Sistemas de bem-estar social.
Quando a economia produz má ciência: dogmas

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Uso dogmático da teoria


 Exemplo da Teoria Quantitativa da Moeda
 “A experiência revolucionária dos bancos centrais do mundo
desenvolvido, desde a grande crise financeira de 2008, não deixa mais
dúvida: todos os modelos macroeconômicos que adotam alguma versão
da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) estão equivocados e devem
ser definitivamente aposentados. Os bancos centrais aumentaram a
oferta de moeda numa escala nunca vista. O Fed, por exemplo,
aumentou as reservas bancárias de US$ 50 bilhões para US$ 3 trilhões,
ou seja, multiplicou a base monetária por 60, num período inferior a
dez anos. A inflação não explodiu, ao contrário, continuou
excepcionalmente baixa.” (André Lara Resende, 2017, Juros e
Conservadorismo Intelectual. Valor Econômico).
Quando a economia produz má ciência: dogmas

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 “A teoria monetária convencional, sistematicamente revista, foi


sempre instrumental para restringir a criação direta de poder
aquisitivo pelo Estado, enquanto deixa livre a expansão de
poder aquisitivo pelo setor bancário. A inflação de ativos
financeiros privados, contrapartida da expansão irrestrita do
crédito bancário, obrigatoriamente sancionado pelo banco
central como emprestador de última instância, está por trás da
reconcentração recente da riqueza. O dogmatismo da
macroeconomia convencional é uma restrição ideológica
travestida de ciência na condução de políticas públicas, que
acrescenta mais um elemento complicador às democracias
representativas contemporâneas.” (André Lara Resende, Valor,
A camisa de força ideológica da macroeconomia, 11/2/22)
Quando a economia produz má ciência: dogmas

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 Austeridade e seu poder de trazer crescimento econômico.


 Reinhart e Rogoff (2010): dívida pública acima de 90% derrubava o
crescimento.
 Isso serviu de “base científica” para políticas de austeridade.
 Problemas descobertos por um estudante de pós-graduação (Thomas
Herndon) da Universidade de Massachusetts:
 Erros na planilha (dados faltantes, países não incluídos, .
 Escolhas metodológicas que comprometiam a robustez do estudo.
 Encontrar correlação (negativa) não implica em encontrar a causalidade.
 Alta dívida pública é que produz baixo crescimento ou baixo crescimento é que produz alta dívida
pública?
 Relações entre dívida pública e crescimento varia por país e por período de tempo.
 Thomas Herndon, Michael Ash, Robert Pollin, Does high public debt consistently stifle
economic growth? A critique of Reinhart and Rogoff, Cambridge Journal of Economics,
Volume 38, Issue 2, March 2014, Pages 257–279,
https://doi.org/10.1093/cje/bet075

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