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Eduardo Angeli*
JEL Classification
B00, B41, B53.
*Professor do Departamento de
Economia da UFPR
34 A importância da História do Pensamento Econômico e do pluralismo metodológico em economia Nova Economia_Belo Horizonte_24 (1)_33-50_janeiro-abril de 2014
Por fim, na conclusão, sumarizo os argumentos apre- que estavam inseridos, mas sem que se perca de vista a
sentados ao longo do trabalho. possibilidade de conectá-los, de modo direto ou indireto,
Antes, contudo, cabe um esclarecimento: penso na Es- à realidade corrente por meio do aproveitamento crítico
cola Austríaca, a que faço alusão já no título do presente ar- de suas construções teóricas e de maneiras de avaliação
tigo, como a linha de pensamento de Menger, Mises, Hayek, do sistema capitalista que permitam a interpretação da
Kirzner e seus seguidores, e concordo com Boettke (1998) realidade atual. Segundo Tolipan, a HPE “deve recuperar
quando esse a define valendo-se do tripé (i) individualis- para analisar e esquecer; ela deve liberar o atual dos sin-
mo metodológico e subjetivismo, (ii) ênfase nos proces- tomas do passado. Ela deve ser teórica e orientada pelas
sos de mudança e no agente que os desencadeia e conduz, dificuldades presentes. Num sentido profundo, crítica e
e (iii) atenção ao arcabouço institucional que permite a analítica” (Tolipan, 2002, p. 149, grifos no original).
emergência de uma ordem espontânea. É sobre esse tripé Certamente não se pode captar o que há de essencial,
que é erigida a especificidade do austrianismo no pensa- justa e plenamente, na obra de um grande autor sem re-
mento econômico, qual seja, a unificação da abordagem correr às questões imediatas (teóricas e concretas) que o
tipicamente econômica da agência individual guiada pelo impulsionaram a tentar fazer avançar a compreensão do
interesse próprio com a abordagem sociológica preocupa- sistema que busca desvendar. Esse tem sido um erro co-
da com instituições sociais. mum no estudo da história das ideias em nossa disciplina,
qual seja, a descontextualização completa e o corte cirúr-
gico de conceitos e ideias que possam servir a certo arca-
2_Os clássicos do pensamento e a postura do bouço teórico estranho ao qual foi originalmente criado.
economista diante da teoria convencional Exemplo típico desse movimento, aliás citado por Tolipan
Nesta seção, procuro argumentar que o estudo do pensa- (1989), é o da incorporação da teoria da renda clássica pela
mento de um grande economista só se justifica na medida teoria marginalista de produtividade e remuneração dos
em que nele se busquem alternativas ao estado atual da fatores, sem contudo referir-se ao conceito de excedente
ciência econômica. Os clássicos do pensamento econômi- ou à divisão de classes que a precediam.
co (em sentido amplo) podem contribuir à compreensão Por outro lado, não se trata de “jogar, da bacia, o bebê
das relações entre os homens em certo sistema social, o junto com a água”. Volto a ressaltar que os clássicos escre-
capitalismo, que, a despeito de suas diversas mutações e ca- veram estimulados por problemas por eles detectados em
racterísticas particulares,1 permanece com traços, digamos, sua época, mas que isso não seja um impedimento à bus-
essenciais, que se propagam no tempo e no espaço. ca, neles, de inspiração e ferramentas para os problemas
Ainda que questões locais certamente influenciem na enfrentados pela profissão hoje. Smith, imerso em uma
constituição dos dramas intelectuais que impulsionam os Escócia atrasada e que vivenciava uma variante peculiar
clássicos a refletirem sobre o mundo que os rodeia, isso do iluminismo (Cerqueira, 2006), estava preocupado em
não implica que não tenham nada a dizer sobre nosso atu- criticar os fisiocratas ao mostrar que o crescimento da ri-
al estado econômico. Por isso, a utilização dos autores do queza das nações estava ligado ao grau de divisão do traba-
passado deve ser feita com conhecimento do contexto em lho e ao tamanho do mercado; Ricardo, preocupado com
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forma fazer teoria econômica. Se se quiser, é fazer a crítica de Hayek). Contudo, após a sua “transformação” (Caldwell,
da teoria econômica. A teorização, assim, surge também “na” 1988a) e o alargamento de seus interesses rumo à Filosofia,
e “como” posição crítica à teoria convencional. Como coloca Ciência Política e outros campos do saber, tomou posição,
Tolipan a respeito da obra de Sraffa, o sentido da HPE é o em geral, contra-Whig.6 Boettke (2001) argumenta que
“que recusa a função meramente rememorativa e apologéti- Hayek fazia uso do pensamento pregresso com o objetivo
ca da história do pensamento e a trata como teoria e crítica de avançar na teorização econômica atual: “[H]e used intel-
no sentido forte dos termos” (Tolipan, 2002, p. 148). lectual history primarily for his present theoretical purpose.
De acordo com Boettke (2000), há quatro modos não To Hayek, doing intellectual history was one way in which
excludentes de se realizar a leitura dos clássicos. O primei- one did contemporary theorizing” (Boettke, 2001, p. 120).
ro é a Whig history, nome dado à leitura feita por aqueles Boettke (2000) reconhece que a posição favorável a lei-
vistos como vencedores nos principais debates acadêmi- turas instrumentalistas e oportunistas pode causar estra-
cos. O segundo é contra-Whig history, a história escrita nheza aos puristas da HPE, na medida em que, em geral,
por aqueles percebidos como derrotados. A terceira é a lei- só se reconhece como academicamente válida a leitura de
tura de antiquário, preocupada sobretudo com a recons- antiquário, que procura apenas recompor a intenção ori-
tituição da intenção do autor ao escrever seus textos e com ginal do autor ou destacar uma antecipação esquecida na
a sua contextualização. Por fim, a quarta é a instrumental,5 história do pensamento, o que acaba por tornar de valor re-
que se preocupa principalmente com o objetivo do leitor. duzido para os estudantes de economia a dedicação à HPE.
Boettke (2000) propõe, então, uma matriz com as quatro Um dos principais nomes da Escola Austríaca contempo-
células que contenham as combinações entre os diferentes rânea, Boettke conta que, por seu trabalho ser repleto de
modos de se realizar a leitura (Whig e antiquário, Whig e referências a autores considerados clássicos na Economia,
instrumental, contra-Whig e antiquário, contra-Whig e ele pode ser tido, pela convenção da profissão, como um
instrumental). De acordo com ele, todas essas quatro com- historiador do pensamento ou qualquer coisa do tipo, isto
binações possuem seu valor histórico, inclusive as de cará- é, tudo, exceto um teórico.
ter instrumentalista, baseado na argumentação de cunho A despeito disso, ele próprio se considera um teórico
kirzneriano que apresentamos abaixo. em Economia e Economia Política. A diferença de opiniões
Na interpretação de Boettke (2002), é inegável que a a que Boettke (2000) se refere pode ser atribuída à percep-
Escola Austríaca contemporânea realiza uma leitura ins- ção, pela maior parte da profissão, de que há um processo
trumentalista da HPE, trabalhando na aderência da teoria que Arida (1983) chamou de “superação positiva”: tudo o
econômica com os membros pregressos da tradição. Os que havia de relevante nos pensadores econômicos do pas-
founding fathers Menger, Böhm-Bawerk e Mises seriam sado foi incorporado ao estado presente da teoria, está con-
praticantes de Whig history, ao passo que Hayek faria tido na fronteira do conhecimento. Desta forma, o estudo
uso instrumental do pensamento pregresso, ao mesmo das ideias pode ser feito, mas de modo desconexo da rea-
tempo em que publicou trabalhos tipicamente Whig ao lização da pesquisa teórica na fronteira do conhecimento.
tratar de teoria monetária e ciclo econômico (antes, por- Para Boettke (2000), porém, não se deve desprezar a pos-
tanto, do que Caldwell, em 1988, chamou de transformação sibilidade de que a profissão tenha cometido equívocos, que
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o custo de oportunidade para se dedicar ao estudo do pen- ly-removable ignorance which “inefficiently” remains after all
samento dos autores pregressos é muito alto. known worthwhile, cost-benefit-calculated efforts have been
Na opinião de Boettke (2000), porém, podem sim exis- made to remove known ignorance” (Kirzner, 1999, p. 10, n. 21).8
tir erros cometidos no curso do desenvolvimento da ciên- Quer me parecer, portanto, que, seguindo Boettke (2000),
cia ao longo do tempo, de modo a haver “oportunidades de pode-se falar da existência de uma espécie de oportunidade
ganho não exploradas” no mercado de ideias. A analogia de ganhos ainda não percebidos e capturados na leitura
utilizada por ele, ainda que de forma implícita, é com a dos clássicos da Economia. O processo de mercado – no
abordagem austríaca do processo de mercado, e, mais es- caso, mercado de ideias – de forma alguma garante que
pecificamente, com o papel que Israel Kirzner (e. g. 1973) dá erros não sejam cometidos e que todos os ganhos sejam
ao empresário que consegue perceber a existência desses explorados, sob uma perspectiva austríaca. O mercado não
erros e oportunidades. é perfeito e competitivo no sentido neoclássico convencio-
Kirzner adota uma perspectiva explicitamente mise- nal. Assim como Hayek, o economista teórico atual pode se
siana para estudar o processo de mercado rumo ao equi- valer do trabalho de “mining the past” (Boettke, 2001, p. 121)
líbrio, em que não existem oportunidades de ganho não para avançar sua pesquisa.
exploradas. Nesse processo, papel central é dado ao em- Com isso, de um ponto de vista austríaco e, mais espe-
presário (entrepreneur) que possui um “estado de alerta” cificamente, kirzneriano, a História do Pensamento Econô-
(alertness) que o leva a notar a existência desses erros e, mico pode ser compreendida como um esforço de se bus-
sobre eles, extrair ganhos extraordinários, num movimen- car, nos autores pregressos, modos de se corrigir, criticar e
to que, ao mesmo tempo, aumenta o grau de coordenação aprimorar a teorização econômica contemporânea. Se for
entre os indivíduos e leva o mercado a um estado mais pró- entendido que o processo de avanço da ciência econômi-
ximo do equilíbrio (que, destaque-se, nunca é alcançado). ca não necessariamente conduz à exploração de todas as
Nas palavras de Kirzner, “[t]he emphasis was thus on the oportunidades de ganho intelectual no estudo dos clássi-
entrepreneur as the person who alertly (but “passively”) cos do passado, é possível que o retorno a eles possa levar à
simply noticed the opportunities generated by the earlier descoberta e à utilização de conhecimento válido que havia
errors, which errors were seen as arising from unanticipat- passado despercebido, como resultado de uma espécie de
ed independently-caused, changes in underlying market ignorância involuntária. Cumpriria, assim, ao pesquisador
circumstances” (Kirzner, 1999, p. 7). engajado na HPE um papel análogo ao do entrepreneur na
De um ponto de vista kirzneriano, deve ser enfatiza- abordagem de Kirzner ao processo de mercado: descobrir
do que as oportunidades de ganho estão lá, presentes, como e explorar as oportunidades até então ignoradas que levem
que à espera de alguém que as perceba e explore. Não são à aderência crítica da HPE à teorização econômica atual.
“criadas”, nem tampouco se sabe de sua existência como se Nas palavras de Ricardo Tolipan, “[a] história do pensa-
existisse uma espécie de “ignorância calculada” e racional. A mento não deve ser uma mera retrospecção, isto é, um relato
oportunidade simplesmente não é percebida até que o empre- que culmina acriticamente no presente. Também não deve
sário, dotado do estado de alerta, nota-a e a explora. É a sheer ser um relicário, depósito de vestígios sacralizados. Estes são
ignorance, que Kirzner define como “undeliberate, costless- procedimentos da apologia do atual” (Tolipan, 2002, p. 149),
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apenas que ela é útil a todos e deveria fazer parte de seu na medida em que a leitura dos clássicos de certa corrente
treinamento como ferramenta relevante. Nas palavras da e o enfrentamento de seus dilemas e limites podem servir
pós-keynesiana Sheila Dow: como norte à reflexão que se proponha a avançar a ciência
econômica, especialmente quando se pretende traçar um
[M]ethodological awareness would be extremely caminho crítico à corrente dominante dentro da profissão.
useful for all economists […]. For Post
Isso, contudo, não pressupõe nenhuma postura acadêmica
Keynesian theory like any theory, to develop,
de erguimento de muros entre as escolas, ou de impossibili-
not all economists should be concentrating on
foundations all the time. But the rationale for dade de diálogo ou de aproveitamento mútuo de conceitos e
acquiring methodological awareness is that ideias; ao contrário, na medida em que a metodologia possa
it can be drawn from the subconscious to the servir ao aumento e à facilitação do diálogo entre os econo-
conscious level when the need arises mistas adeptos das diferentes escolas de pensamento.11
(Dow, 1999, p. 17). De acordo com Van Bouwel (2005), pode-se falar de ao
menos cinco razões em defesa de uma postura pluralista
Assim como Mises (2006, prefácio) dá a entender que em Economia. A primeira delas é a motivação ontológica,
avanços em estudos epistemológicos não acontecem de que se baseia na posição de que o mundo é complexo (ou
modo separado do avanço dos campos científicos propria- o que o autor chama de disunity) e, portanto, nenhuma
mente ditos, e muito menos por indivíduos que não este- teoria sozinha seria capaz de dar conta das várias facetas
jam engajados na pesquisa científica, o mesmo, acredito, existentes na realidade social. A segunda, quase comple-
pode ser dito com relação à metodologia.10 Nesse sentido, mentar à primeira, é assentada nas limitações cognitivas
ela não precisa ser colocada à margem como um campo dos investigadores, explicitando a incapacidade intelectual
do saber necessariamente separado das áreas de estudo de se lidar plenamente com os diversos ângulos por meio
da ciência econômica substantiva e trabalhado por um cír- dos quais se podem abordar o objeto de pesquisa social.
culo restrito e fechado de profissionais, mas integrado às A terceira motivação apresentada por Van Bouwel (2005)
reflexões e às tentativas de avanço do economista. é a existência de particularidades históricas e geográficas, de
Além da crítica ao pensamento econômico, especial- modo que uma teoria não seria capaz de explicar todas as
mente do mainstream, Dow (1999) diz que o estudo da me- manifestações econômicas em todas as eras e em todos os
todologia também se mostra profícuo como forma de se lugares, ainda mais pelo fato de a realidade ser mutável. A
estabelecer limites e fronteiras entre as diferentes escolas quarta é a motivação pragmática, que dá espaço à justi-
de pensamento, bem como servir de parâmetro para de- ficativa de que diferentes abordagens podem ser válidas
bates internos a cada uma delas, sendo, assim, importante na medida em que diferentes objetivos e diferentes tipos
enquanto criador e norte de novas agendas de pesquisa. As- de perguntas possam existir. Por fim, a quinta motivação
sim, há utilidade e até necessidade de se estabelecerem os é a estratégica, que Van Bouwel (2005) diz existir apenas
limites entre escolas de pensamento e tradições intelectuais porque membros de escolas marginalizadas na profissão
como forma de se facilitar tanto o debate acadêmico (e até procuram defender o pluralismo para que possam justifi-
político) quanto o desenvolvimento intelectual individual, car a própria pesquisa e as opções teórica e metodológica.
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and weaknesses of whatever program they are ciências, de modo a se selecionar as explicações que mais
investigating. If they do their job well, we will se aproximem, de forma progressiva, do conhecimento ver-
have a better understanding of what economic dadeiro, o que tornaria inexistente uma função para escolas
science is, and with luck that will lead to its alternativas à corrente dominante, como a Escola Austríaca.
improvement (Caldwell, 1988b, p. 240).
A resposta que ele oferece é que o critério de popularidade
acadêmica não deve ser visto como uma demarcação entre
A despeito de o pluralismo crítico ser fruto de certa de- o que é verdadeiro ou falso ou de qual o melhor sentido
cepção com a possibilidade de se usar a metodologia para para que se alcance o progresso da ciência, tampouco que
o estabelecimento de receitas científicas para a Economia se devem efetuar julgamentos com base em uma “coun-
ou a demarcação entre o que é e o que não é científico de ting-heads theory of truth” (Boettke, 1998, p. 1), até porque
forma inquestionável, ele não implica a descrença na exis- a história mostra que paradigmas impopulares em certo
tência de uma realidade compreensível ou a desistência da momento podem, no momento seguinte, tornarem-se do-
busca da “verdade”. Cavalieri escreve sobre Caldwell que minantes – e isso não só nas soft sciences.
Na realidade, o que se vê na ciência econômica é o que
[O] pluralismo crítico não pretende ser uma Foley (2009) chama de tendência à “reciclagem de ideias” que
filosofia da ciência. O pluralismo crítico é,
aparecem sob o disfarce de novas abordagens, tendência es-
antes de tudo, uma posição de economista. E,
sa por ele exemplificada mediante a referência à reintrodu-
embora Caldwell note, num texto mais recente,
sua simpatia pela visão realista quanto à ção de conceitos como progresso técnico endógeno e efeito
ontologia do ser social […] – significando que transbordamento na chamada “nova teoria do crescimento”.
o autor concorda com a ideia de uma verdade Na visão de Boettke (1998), as correntes alternativas
una, e que o objetivo da ciência é perseguir a exercem a dupla função de lidarem com temas margina-
clarificação dessa verdade – essa posição não lizados pelo mainstream e de oferecerem modelos dife-
traz grandes consequências para sua sugestão, rentes de se abordar os problemas já tratados pela maioria
pois o núcleo duro de sua tese encontra-se no dos economistas. Assim, a função de economistas identi-
nível metametodológico (Cavalieri, 2009, p. 170). ficados, por exemplo, com a Escola Austríaca, é tanto a de
perguntar questões antes não perguntadas quanto a de res-
Talvez por isso Caldwell admita possuir postura crítica ponder de maneira criativa às questões ainda sem resposta
em relação à agenda de pesquisa de autores como McCloskey, satisfatória, o que deve passar também por trabalhos em
envolvendo o estudo da retórica na Economia e a solução de que os economistas saiam com “dirtier hands” ao invés
controvérsias entre os participantes da profissão. Em suas de apenas assumirem uma postura crítica sobre como os
palavras, “the opposition to it from methodologists like me outros analisam a realidade.14
was inevitable, given the anti-epistemological foundations A meu ver, a razão, digamos, evolucionária quando apli-
which were chosen for its grounding” (Caldwell, 1990, p. 70). cada ao estudo do movimento da ciência, em particular a
O professor Peter Boettke se pergunta, a certa altura, econômica, aponta justamente a conveniência e a necessi-
se não existe uma espécie de processo evolucionário nas dade de se admitir a existência de paradigmas concorrentes
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is possible in society” (Hayek, 1960, p. 11). Para o austríaco, o De qualquer modo, mais importante do que a liber-
conceito relevante de liberdade é social (de um homem pa- dade que certo indivíduo desfruta, é a existência de um
ra com outro) e se refere à liberdade da coerção e do arbítrio ambiente institucional (em sentido amplo) que dê a possi-
exercidos por uma pessoa sobre outra pessoa. De acordo bilidade às pessoas de tentarem fugir do que é considerado
com ele, o valor da liberdade está precisamente em dar ca- usual ou consensual, de maneira que uma pessoa possa se
pacidade às pessoas agirem conforme os próprios planos (e beneficiar não só do conhecimento alheio, mas mais ainda
não, sob coerção, a atender fins alheios)16. Mais do que isso, da liberdade de outrem. Segundo o austríaco,
a defesa da liberdade por Hayek se assenta na existência, no
construto teórico do austríaco, de ignorância por parte das [M]ajority action is, of necessity, confined to
the already tried and ascertained, to issues on
pessoas.17 A sociedade livre, portanto, deve ser decorrência
which agreement has already been reached in
de ela ser formada por indivíduos que não possuem conhe-
that process of discussion that must be
cimento perfeito e que não têm certeza sobre o que o futuro preceded by different experiences and actions
trará. Se houvesse homens oniscientes, diz Hayek (1960, cap. on the part of different individuals. The
2), o argumento pela liberdade seria bastante enfraquecido. benefits I derive from freedom are thus largely
Mas, já que o conhecimento é limitado e passível de mu- the result of the uses of freedom by others, and
dança, é conveniente que se permita às pessoas fazer uso mostly of those uses (Hayek, 1960, p. 31-32).
do conhecimento local e particular que está disperso na
sociedade, e que não pode ser coletado e processado por A liberdade de que fala Hayek (1960, cap. 2), assim, não
uma pessoa ou por um comitê central, bem como que os é liberdade apenas da coerção e do arbítrio alheios, mas
indivíduos possam realizar experimentos e mudanças pa- também liberdade para poder fugir do comportamento e
ra, por meio de um processo de tentativa e erro, poderem do pensamento convencionais, bem como para se utilizar
se adaptar às circunstâncias sempre variáveis do ambiente. conhecimento exclusivo ao próprio benefício, tudo isso en-
De fato, Hayek afirma que mais importante do que garantir volvido num processo de tentativa e erro em que prevalece
a existência de instituições que possam elevar o grau de uma espécie de disciplina competitiva de mercado. Dessa
previsibilidade por parte das pessoas é dar a chance de elas forma, é possível à sociedade preservar a liberdade (o que
poderem aprender e usar esse conhecimento. por si só, para Hayek, tem valor), aumentar o grau de utili-
A liberdade, para Hayek, é relevante na medida em que zação do conhecimento existente e o grau de coordenação
permita o comportamento distinto do senso comum exis- entre os indivíduos, além de se valer da possível eficiência
tente e representado na opinião da maioria, ainda que, no advinda do processo evolucionário de regras e instituições.
construto hayekiano, as instituições e as regras sejam es- Da mesma forma, é meu argumento que, na pesquisa
pécies de depósitos de conhecimento social acumulado ao econômica, deve ser adotada postura pluralista no sentido
longo de gerações através de um processo evolucionário. de se incentivar a multiplicidade de formas de abordagens,
Elas são necessárias, muitas vezes acompanhadas de al- enfoques e perspectivas ao se tratar do objeto de estudo
gum tipo de enforcement, para que a ordem espontânea do economista (cuja definição e delimitação também são
não seja esfacelada. fontes de enorme controvérsia). Se tivermos a contribui-
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o objeto da Economia não é um ao capitalismo como sistema economia da informação e como um meio para início de
campo ‘autocontido’. Está aberto econômico” (Fonseca, 2010, p. 432). economia do conhecimento, conversa entre economistas, e não
à história, tem determinações 4 associada ao nome de outro instrumento para barrá-las.
Boettke (2002), no entanto,
teóricas, mas não se ajusta a austríaco, Hayek. 12
ressalta que a obra de Mises, Fernandez não fala
determinismos, mecanismos 9
em geral, parece dar suporte à Cavalieri, por sua vez, fala precisamente de pluralismo
automáticos e formalismos
visão convencional no trato do de pluralismo como uma metodológico, mas sim de
lógicos” (Braga, 1996, p. 121).
pensamento econômico pregresso. justificativa para “a existência pluralismo epistemológico, que
2
Schumpeter (2006), em sua obra Já Hayek, ainda segundo Boettke legitima de um conjunto de assevera a impossibilidade
de enorme fôlego e erudição sobre (2002), em seus cursos na London discursos diferenciados, em de se estabelecerem critérios
HPE, fala do “vício ricardiano”, School of Economics, procurava termos razoavelmente não definitivos para a escolha entre
que ele define como o hábito utilizar os autores pregressos da complementares, dentro de um diferentes metodologias, o que
de se estabelecer relações entre disciplina de forma integrada à universo de objeto científico conduz à defesa da existência
agregados macroeconômicos teoria econômica contemporânea. comum” (Cavalieri, 2009, p. 168). de múltiplas metodologias e
tomando como dadas certas 5 Fernandez (2011) observa que do pluralismo como atitude
Em texto publicado
variáveis, e erigir, a partir dessa usualmente o pluralismo é a metodológica.
posteriormente, Boettke (2001)
base frágil, um enorme edifício postura adotada por metodólogos 13
substitui o termo instrumental Em particular, segundo
de proposições de política heterodoxos.
por opportunistic. Fernandez (2011), metodólogos
econômica que já eram, por 10
6 Caldwell parece não concordar heterodoxos tendem a ser
assim dizer, buscadas e desejadas “Hayek is best appreciated as
com isso. Na perspectiva dele, prescritivos, já que são
ex-ante pelo teórico. A questão an opportunistic reader of the
o trabalho do estudioso da heterodoxos precisamente por se
é que, além de serem fruto de history of political, philosophical,
metodologia da economia se colocarem em oposição a outra
uma pressa para a proposição de and economic thought, and one
constitui na crítica dos programas categoria, o que requer em alguma
diagnósticos e soluções para o who waffles between a Whig and
de pesquisa e, de certa maneira, medida uma postura de levantar
mundo concreto, e da atribuição contra-Whig perspective in his
ele como que está acima desses e publicar questões problemáticas
de relações espúrias de causa readings” (Boettke, 2001, p. 126).
programas, e não participando de de um corrente em confronto
e efeito, elas, se examinadas, 7
Stigler (1982) não descarta seu avanço e batalhas. Em suas com alguma ideia de como se
revelar-se-ão tautológicas, já que, a possibilidade de, nesse palavras, “studying methodology deveria abordar determinado
pelo que é tomado como dado e processo de seleção e entrada is not the same thing as problema econômico.
pelo que é tido como variável, o no mainstream da profissão, studying economics […]. One 14
resultado é certeiro. Assim, diz Em conversa pessoal, o
autores importantes que dariam does not study theology or the
ele, Ricardo mostrou que os professor Boettke relatou
contribuições relevantes ficarem sociology of religion to become
lucros dependem do preço do que seus estudantes devem
excluídos. Um caso citado por more religious. One does it to
trigo, de forma irrefutável, porque escrever teses que procurem
ele é o de Augustin Cournot. Do understand religious phenomena
os lucros “could not possibly aplicar os conceitos misesianos,
ponto de vista de Stigler, essa é better” (Caldwell, 1990, p. 65-66).
depend upon anything else, since hayekianos ou mengerianos a
uma evidência de que a ciência Leijonhufvud e Bob Coats
everything else is ‘given,’ that casos concretos – modelo que
não dá “saltos”, mas é um parecem concordar com essa
is, frozen” (Schumpeter, 2006, p. ele aprendeu de seu orientador
processo contínuo e progressivo. separação entre o metodólogo e a
448). Segundo ele, ao menos nessa na Universidade George Mason,
8 comunidade dos economistas (cf.
questão de método, Keynes está ao Nisso pode ser encontrada Don Lavoie, e ao qual procura
Fernandez, 2011).
lado de Ricardo, não de Malthus. uma distinção fundamental em dar continuidade. Ao mesmo
relação à abordagem neoclássica 11
3 Em entrevista disponível em tempo, propõe o desafio de que
De acordo com Fonseca da chamada “economia da http://youtu.be/onNYh6Ewjd 4 , escrevam artigos austríacos,
(2010), “sua [de Keynes] crítica informação”. Barbieri (2006) Peter Boettke fala da metodologia bebendo abundantemente em
ao liberalismo não se e stende explicita a distinção entre
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