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PARADIGMAS EPISTEMOLÓGICOS E INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL

Antônio Joaquim Severino


Introdução
A investigação no campo educacional envolve necessariamente o pleno domínio dos paradigmas epistemológicos,
o que exige do pesquisador especial atenção a seus referenciais teorico-metodológicos quando do exercício de
construção do conhecimento dos objetos da área da educação. Esta a razão intrínseca da presença de disciplinas
com este perfil, que apresentem as principais vertentes da epistemologia contemporânea, mediante a explicitação
de sua gênese e constituição historico-filosófica, mediante a apresentação de sua contextura teórica e mediante a
análise crítica de seu alcance propriamente epistemológico, sempre visando avaliar seu significado e contribuição
no contexto científico atual.
Epistemologia é tomada aqui como área da filosofia que estuda os processos do conhecimento humano, tanto do
ponto de vista descritivo como do ponto de vista crítico. Trata-se de saber como se dá o conhecimento humano,
qual é o seu alcance e seu valor e até que ponto ele nos dá a “verdade”, em todas as suas formas de manifestação.
Assim, os diferentes sistemas filosóficos, coerentemente com seus pressupostos básicos, trazem em seu bojo, uma
concepção do conhecimento humano. Este sentido geral de epistemologia, aqui adotado, distingue-se pois do
significado mais restrito que o termo assumiu, em vários setores culturais e acadêmicos, como “disciplina científica
encarregada de estudar apenas o próprio conhecimento científico”, como se fosse uma teoria científica da ciência.
Parte-se então do entendimento de que o conhecimento e o domínio do referencial teórico-filosófico que marca o
contexto científico-cultural da atualidade são imprescindiveis para o desenvolvimento de trabalhos mais rigorosos e
profundos de investigação, análise e reflexão, tanto no campo das ciências humanas, em geral, como no campo
das ciências da educação, em particular.
Com efeito, a prática da pesquisa e da ciência implica sempre uma articulação do lógico com o real, do sujeito com
o objeto, do teórico com o empírico, e, consequentemente, dos dados objetivos com categorias teóricas. Só a
teoria pode conferir significação científica a dados empíricos. Se esta exigência compromete a concepção da
ciência como um simples ajuntamento de dados, compromete igualmente uma concepção puramente subjetivista
da teoria científica. É por isso que o substantivo da discussão epistemológica é essa relação sujeito/objeto. Assim,
o pesquisador em educação não pode escapar ao desafio teórico. A ciência não se faz apenas pelo domínio e
aplicação de um instrumental técnico e metodológico nem amontoando dados e informações.
Mas envolver no estudo e na investigação o universo teórico é comprometer-se mais com uma teoria teorizante do
que com uma teoria teorizada, ou seja, não se trata de aplicar mecanica e escolasticamente um modelo
epistemológico pois o que importa não é tanto o saber constituido mas sim o saber constituinte. Aliás, quando se
recorre a um saber constituido não é aquilo que ele tem de acabado e de elaborado que se deve buscar, mas sim a
teoria como processo de produção do conhecimento. O trabalho científico não pode ficar pura e simplesmente
reavalizando o saber constituido de uma área, ele precisa inserir-se num processo de reflexão crítico-criativa,
tentando fazer avançar o conhecimento. Sem teorizar, sem buscar fundamentos teóricos, sem revisitar as várias
contribuições do pensamento humano, desenvolvidas no decorrer do tempo histórico ou disponíveis na
contemporaneidade, isto não será possível nem viável.
É assim que todo trabalho de pesquisa e de reflexão, a ser desenvolvido na atualidade sobre problemática
relevante e com a devida fundamentação teórica e rigor científico, pressupõe necessariamente um recurso ao
universo conceitual da filosofia. Não é viável um trabalho científico de nível, como aqueles que se espera de uma
produção pós-graduada, sem um adequado tratamento teórico dos vários aspectos implicados nos
temas/problemas pesquisados. Qualquer que seja o objeto de estudo e pesquisa de uma dissertação ou tese, o
pós-graduando se verá desafiado para um debate cujas coordenadas de referência vão além dos enfoques técnicos
e de conteúdos restritos de sua especialidade. É que, no trabalho científico, na medida em que o tratamento das
várias questões vai se aprofundando, vai se impondo igualmente uma abordagem mais radical e mais abrangente
dos problemas. Esta dimensão de radicalidade e de universalidade faz romper os limites epistemológicos próprios
de cada área de especialização científica, fazendo surgir a exigência de uma discussão de natureza interdisciplinar,
no âmbito da fundamentação e da significação filosóficas do conhecimento humano, exercitado nas várias áreas do
saber. E nesse momento não é mais possível passar ao lado das contribuições mais significativas representadas
pelas várias vertentes da epistemologia contemporânea.
O conhecimento e a apropriação dessas contribuições diversificadas não querem reforçar postura sincretista.
Obviamente, o pesquisador, no desenvolvimento de seu trabalho científico, deve praticar a coerência, atendo-se à
lógica interna de seu referencial teórico, sem o que comprometeria a consistência de sua produção. Mas a
precaução contra o sincretismo não deve impedi-lo de reconhecer eventuais contribuições dos demais referenciais
teóricos que, em termos epistemológicos, na atualidade, não deixam de se entrecortar na abordagem e na
discussão dos problemas fundamentais de nossa época. Até mesmo para tornar mais consistente a utilização
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instrumental de uma determinada metodologia epistemológica, impõe-se uma aproximação e uma exploração das
demais naquilo em que todas elas têm de esforço comum de significação da realidade, histórica, social e cultural.
Por isso, sem prejuízo do estudo mais aprofundado de modelos epistemológicos específicos, faz-se igualmente
necessário ensejar aos estudiosos das várias áreas de conhecimento, o acesso e abordagem mais sistematizados
das principais vertentes epistemológicas que tenham maior importância no contexto contemporâneo, superando o
caráter fragmentário e deficiente das informações que delas tem a maioria dos estudiosos.
Com efeito, o ensino superior brasileiro, quer na sua estruturação curricular, quer na elaboração dos conteúdos
programáticos das disciplinas, de modo geral, não dá o necessário espaço para a relevante e necessária
contribuição da filosofia, manifestando, em sua prática real, não considerar como realmente significativo o seu
papel na formação científica e cultural. Esta situação tende a se reproduzir também em nível da pós-graduação, por
força inclusive da tendência equivocada à hiper-especialização e até mesmo da infundada crença implícita de que
os elementos fundamentais do referencial filosófico já são de domínio de todos os pós-graduandos. Todavia, tal
pressuposição não se sustenta. Na maioria das vezes, na medida em que o aluno vai sentindo a necessidade e a
importância dos subsídios filosóficos, ele busca suprir suas lacunas através do estudo pessoal, mediante leituras e
discussões tangenciais ensejadas pelo conteúdo de uma ou outra disciplina de seu currículo ou mesmo de cursos
extra-curriculares. É importante ressaltar que a formação filosófica é de interesse universal, ou seja, ela é
necessária para todas as áreas do saber, não se tratando de uma especialização ao lado de outras: o
equacionamento filosófico perpassa todos os tipos e campos de conhecimento. Infelizmente não vai nesta linha a
tradição universitária brasileira que reserva pouco espaço à formação filosófica dos especialistas e profissionais das
várias áreas.
As raízes modernas das grandes tradições filosóficas...
A civilização e a cultura ocidentais da atualidade ainda se encontram, do ponto de vista filosófico, sob o impacto da
revolução epistemológica que inaugurou a modernidade. Trata-se esta da grande conquista representada pela
razão iluminista frente ao dogmatismo praticado pela razão metafísica tradicional, apoiada na e pela cosmovisão
teológica. A Idade Moderna assistiu, então, à emergência e à afirmação da autonomia da razão naturual, à
superação do teocentrismo medieval pelo antropocentrismo moderno bem como a todas as consequências
derivadas da fecundidade de tão poderoso instrumento: de modo particular, a ciência e a técnica que
transformaram a própria face da civilização humana.
Da instauração da modernidade até os dias de hoje, o que se assistiu foi a grande escalada da razão iluminista
que se pretende também poder demiúrgico. O pensamento ocidental contemporâneo, hoje quase que
universalizado, em todas as suas formas de expressão, ainda continua vinculado e dependente da revolução
epistemológica da Idade Moderna, em que pesem as expressivas tentativas de superação do projeto iluminista
que, como se verá, já se fazem também presentes na atualidade. Mas as várias tentativas de revisão crítica de
suas pretensões ainda não conseguiram infletir sua rota de afirmação do poder ilimitado da consciência objetiva,
tanto no sentido da representação do mundo quanto naquele de domínio e manipulação da realidade. Bem
entendido, as formas de manifestação e afirmação da racionalidade se alteraram no decorrer da história dos últimos
cinco séculos, mas cada etapa dessas alterações, apresentadas muitas vezes como momentos de superação das
anteriores, não chegam a questionar o substantivo do desempenho racional; ao contrário, antes reforça e sofistica
seu poder.
Assim, tendo como pano de fundo, a expressão metafísica da filosofia antiga e medieval, com sua teoria do
conhecimento fundada na crença de que a consciência tem recursos adequados para traduzir fielmente a realidade
que lhe é externa e objetiva, pode-se caracterizar a revolução epistemológica moderna como contraponto a essa
epistemologia essencialista. A epistemologia moderna se inicia com a percepção, pelos pensadores da época, da
independência, da autonomia e do poder de atividade subjetiva da razão em constituir o mundo e o real. Não é
mais o sujeito que gira em torno do objeto, querendo captar o seu sentido, que está lá desde antes da intervenção
do sujeito, mas antes é o objeto que obtém até mesmo a sua possível condição objetiva, da intervenção da
subjetividade. As conquistas do idealismo cartesiano e do empirismo sensista já prenunciavam a quebra de todas
as limitações ao poder absoluto da razão que será consagrado no criticismo iluminista de Kant e no idealismo
absoluto de Hegel.
A evolução do racionalismo moderno, do Renascimento até Hegel, cria as condições para que a razão alcance,
com seu poder explicativo, todos os diversos aspectos da realidade do mundo natural e do mundo social. Mas a
expressão da epistemologia moderna assume uma tríplice orientação, cada uma delas constituindo o vetor central
de uma tradição.
Pelo que representa em originalidade, pode-se afirmar que a primeira forma de expressão da epistemologia
moderna é aquela representada pelo positivismo, sustentação da tradição positivista, uma vez que ela é o primeiro
fundamento da metodologia da ciência, resultado primicial da revolução epistemológica moderna. O positivismo,
sempre vinculado aos êxitos da ciência, da técnica e da indústria, continua referência insuperada do debate teórico
contemporâneo. Ainda quando perde suas simploriedades dogmáticas, reafirma-se mediante novas formulações
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mais sofisticadas como, por exemplo, no neo-positivismo, no transpositivismo e no estruturalismo. Esta tradição
marca também a pretensão da razão em passar do modelo explicativo das ciências da natureza para o modelo
explicativo também no campo das ciências humanas. Constituiu, ao longo da modernidade, partindo do
intelectualismo cartesiano e empirismo inglês, informando a postura metódica e sistemática dos inauguradores da
ciência, apoiando-se em Kant e chegando a Comte.
A prevalência da ciência como instância revolucionária e inovadora da cultura ocidental garante uma legitimação
recíproca entre ela e o positivismo, cuja epistemologia se vangloria do próprio êxito, tal o potencial explicativo da
ciência e o poder demiúrgico da tecnologia, dela decorrente. Herdeiro longínquo do naturalismo emergente na
modernidade e do empirismo inglês do início da era moderna, sustentado pelo iluminismo crítico kantiano, o
positivismo pretende-se teoria universal do conhecimento humano, proposta explícita de Comte. Só a ciência é
conhecimento verdadeiro, restando à Filosofia apenas uma tarefa epistemológica. A física newtoniana é
conhecimento verdadeiro porque aplica rigorosamente os pressupostos da epistemologia kantiana. Por isso
mesmo, o real se esgota na natureza material, magnífica máquina que funciona eternamente da mesma maneira,
governada que é por ferrenho determinismo, que se expressa pelas imutáveis leis científicas.
Mas a afirmação da epistemologia positivista, fundante da ciência ao mesmo tempo que é por ela referendada, não
impediu que a perspectiva subjetivista permanecesse reforçada na Idade Moderna. O idealismo subjetivista que
desencadeia a revolução epistemológica da modernidade, ao mesmo tempo em que abre as novas sendas que
serão caminhadas pela ciência, consolida-se como uma nova epistemologia, de matiz inatista e intelectualista,
fornecendo alicerces para a tradição subjetivista que perfaz uma fecunda e poderosa trajetória que vai de
Descartes a Hegel, passando por Kant. Pode-se então falar igualmente dessa tradição subjetivista, que se
desenvolve ao lado da tradição positivista, tendo com ela uma mesma origem: a razão. A tradição subjetivista se
configura pela afirmação intransigente de que o sujeito é a fonte não só do processo do conhecer, mas também de
sua validade. O sujeito tem total prioridade no ato do conhecer. Os subjetivistas modernos, além de uma
epistemologia idealista, acabam construindo igualmente uma ontologia idealista, mas de perfil gnosiológico, ou seja,
o ser é fundado na própria condição do conhecer. É a partir do cogito que Descartes constrói sua nova metafísica.
Kant estrutura todo conhecimento possível com base na atividade de um sujeito, cada vez mais autônomo e auto-
suficiente, ainda que reconhecesse a necessidade da presença das intuições empíricas para que a ciência, único
conhecimento verdadeiro, possa se legitimar. Hegel chegará a um idealismo ontológico absoluto, fundindo e
confundindo numa única realidade o ser e o conhecer, sujeito e objeto. O objeto nada mais é que mera figura
provisória do sujeito, por sua vez, mero fragmento de Deus, espírito absoluto.
Mas Hegel, com seu pensamento totalizante e vigoroso, abrirá a via para uma terceira tradição, a tradição dialética,
que marcará a filosofia moderna, já em sua fase mais amadurecida. Resgatando Heráclito do ostracismo cultural e
do esquecimento histórico a que a opção parmenídea da filosofia ocidental o havia lançado, Hegel reintroduzirá no
pensamento e no ser a dimensão da temporalidade, da historicidade, do movimento e da transformação,
perspectivas a que a metafísica clássica, a ontologia idealista e a própria ciência moderna eram refratárias. Do
mesmo modo que o ser, o conhecer se dá também num processo intrinsecamente histórico. Por isso, Hegel vê o
real como uma entidade total única que não é, mas que devém, num permanente processo de autoconstituição em
que a transformação se dá por uma força interna conflitiva, a que designa como dialética. As mudanças a que está
submetido o real decorrem das forças contraditórias que o atravessam, provocando sua permanente transformação,
até que se feche um círculo processual que se afirma inicialmente como Idéia, se nega totalmente, transformando-
se no seu contrário, a Natureza que, por sua vez, negando-se e recuperando a Idéia, se transforma em Espírito.
Esta tríade fundamental Idéia/Natureza/Espírito, respectivamente tese, antítese e síntese, estágios necessários
para que o ser uno se constitua, se reproduza em todas as suas figuras, pondo as diversas figuras e gerando assim
a historicidade do real.
As tradições epistemológicas e seus paradigmas contemporâneos
A modernidade filosófica se constituiu do desenvolvimento e dos desdobramentos destas três grandes tradições,
avançando rumo à contemporaneidade que, em termos filosóficos, é resultante desse processo. Mesmo em seus
ensaios de crítica e superação dessa caminhada, ainda ressoa esse legado.
Na contemporaneidade, em decorrência do próprio desenvolvimento da filosofia, vão se constituir várias
perspectivas do modo de se conceber a relação sujeito/objeto, dando origem a múltiplos paradigmas
epistemológicos. E o que é marcante neste novo período da história da cultura é o fato de que a relação
sujeito/objeto não mais tende a privilegiar a posição do sujeito ou do objeto, eles são vistos antes como pólos
igualmente relevantes da relação. Isso implica que o sujeito, na experiência do conhecimento, tem
efetivamente um papel muito importante, ele é sempre um agente construtor, ele opera e não apenas registra
dados que lhe seriam impostos, vindos de fora. Mas, de outro lado, o sujeito não cria arbitrariamente sua
representação desse objeto, permanente impõe-se que o objeto tenha uma realidade já caracterizada na qual
se funde a representação subjetiva. Desse modo, o sujeito tem uma atividade criativa, mas ela seria
totalmente vazia e inútil se o objetivo não lhe fornecesse algumas coordenadas, algum conteúdo, consistente
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em si mesmo. Assim, o sujeito fica dependendo do objeto, mas este também passa a depender do sujeito
para poder ser conhecido, ou seja, para ter algum sentido. Ele só pode ter sentido para um sujeito.
Pode-se então falar de uma visão dialética da relação sujeito/objeto, já que ocorre uma mútua dependência
entre ambos e não mais a prevalência de um sobre o outro. No entanto, aspectos diferenciados são
enfatizados possibilitando diversas tendências epistemológicas que são marcantes no cenário filosófico
contemporâneo. Decorrem das diferentes formas de se conceber essa mútua dependência bem como do
esforço em se manter alguma fidelidade às tradições a que se querem vincular.
Não há que confundir esta perspectiva dialetizante da relação sujeito/objeto, com o paradigma dialético,
próprio da terceira tradição acima indicada. Na verdade, esta perspectiva ocorre na filosofia por influência
daquele paradigma, na medida em que os paradigmas vinculados às tradições positivistas e subjetivista
revêem seus pressupostos e buscam dar conta de novos aspectos que se tornam problemáticos e de que,
com seus suportes básicos, não dão a devida conta.
A tradição positivista e seus paradigmas epistemológicos
Desse modo, podemos identificar hoje tendências epistemológicas que embora reconhecendo a
reciprocidade entre as intervenções do sujeito e do objeto no ato do conhecimento, procuram sustentar a
tradição positivista. É o caso das vertentes vinculadas ao transpositivismo, ao neo-positivismo e ao
estruturalismo. Como se sabe, o positivismo é uma expressão da filosofia moderna que, como o próprio
nome o diz, entende que o sujeito “põe” o conhecimento a respeito do mundo, mas o faz a partir da
experiência que tem da manifestação dos fenômenos. Entende que o mundo é aquilo que ele se mostra
fenomenalmente, a apreensão de seus fenômenos sendo feita através de uma experiência controlada, da
qual são eliminadas as interferências qualitativas. Daí a única forma segura de conhecimento ser aquela
praticada pela ciência, que dispõe de instrumentos técnicos aptos a superaram as limitações subjetivas da
percepção.
Mas tal maneira de ver as coisas acaba levando os pressupostos metafísicos de cunho naturalista, afinal é preciso
pressupor a existência de uma natureza que funciona de acordo com leis fixas, imutáveis. Os herdeiros
contemporâneos do positivismo não querem muito compromisso com esses pressupostos. É assim que os
pensadores que vão adotar a perspectiva neopositivista entendem que a única objetividade da qual não se pode
mesmo duvidar é aquela da linguagem. À ciência cabe o conhecimento objetivo possível do mundo; à filosofia só
resta mesmo cuidar do rigor da linguagem que expressa essa ciência.Daí a tendência das vertentes neopositivistas
em cair numa abordagem puramente analítica, ou seja, cuidam apenas das regras lógicas e linguistícas da
expressão científica.. Os pensadores adeptos desta nova perspectiva são muito numerosos no contexto cultural da
filosofia contemporânea, com forte predomínio nos países anglo-saxônicos, escandinavos, eslavos e germânicos,
mas exercendo forte influência no Brasil. Tomam como seus precursores imediatos Wittgenstein e Bertrand Russell.
Entre eles estão os integrantes do famoso Círculo de Viena (Carnap, Schlick), da Escola de Oxford (Ayer) e muitos
outros. Por tudo isso, a tarefa que, na visão neopositivista, cabe à filosofia, é apenas a de subsidiar o discurso
científico, garantindo-lhe que sua linguagem possa ser uma linguagem formalmente rigorosa. Não cabe à filosofia
tratar de qualquer aspecto da realidade, a não ser daqueles relacionados com o conhecimento, de modo especial,
com sua expressão linguístico-formal.
Por sua vez, os filósofos transpositivistas estão atentos ao caráter histórico da ciência. Também eles privilegiam o
conhecimento científico, fiéis que são à tradição positivista, mas não o fazem de maneira dogmática; antes,
procuram inserir a atividade científica no contexto de sua produção histórica, social, política e psicológica.
Enfatizam então os aspectos psíquicos, sociais e culturais que intervêm na formação dos conceitos e categorias da
ciência, para além dos aspectos puramente lógicos e linguísticos que estão envolvidos. Distinguem assim a ordem
da descoberta da ordem da exposição. Nesta linha epistemológica, destacam-se os pensadores Piaget, Bachelard,
Kuhn, Feyerabend.
O estruturalismo forma uma corrente epistemológica que muito marcou as ciências humanas, tendo como uma
referência fundamental na obra de Claude Lévi-Strauss. Na verdade, teve sua origem mais imediata nos trabalhos
de linguística desenvolvidos por Saussure, ao mostrar que a língua é de fato um sistema de signos que funciona
independentemente das intervenções eventuais dos sujeitos. Esta idéia de que a estrutura é um micro-sistema
anterior à intervenção histórica dos sujeitos acabou se generalizando para todo o âmbito da cultura, vista como um
grande sistema de comunicação, como um grande sistema de signos, portador de suas leis e regras gerais que
definem, aprioristicamente, as ações dos sujeitos. Pensadores como Lévi-Strauss, Lacan, Foucault (num primeiro
momento), Althusser aplicaram os fundamentos epistemológicos estruturalistas a diversos campos do
conhecimento, sempre se apoiando no pressuposto de que todas as formas da vida social se organizam sob o
modelo de sistemas estruturados, sempre de acordo com regras de ordenação e de transformação.
A tradição subjetivista e seus paradigmas epistemológicos
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Outras tendências epistemológicas vinculam-se à tradição subjetivista na compreensão da relação de reciprocidade
entre sujeito e objeto. É o caso da fenomenologia, da hermenêutica, do existencialismo e da arqueogenealogia.
A fenomenologia, representada principalmente por Husserl e Merleau-Ponty, vai referir-se a uma experiência
primeira do conhecimento, (a experiência eidética, momento da intuição originária) onde sujeito e objeto são puros
polos -- noético/noemáticos -- da relação, não sendo ainda nenhuma coisa ou entidade. Pura atividade fundante de
tudo que vem depois. Vai servir então de metodologia adequada para as descrições e análises que vão fazer os
pensadores hermeneutas (Ricoeur) e os existencialistas (Heidegger e Sartre).
A fenomenologia se apresenta fundamentalmente como uma metodologia geral do conhecimento. Mas não deixa
de ser igualmente um esforço de hermenêutica da existência humana e, como tal, vai abordar todas as dimensões
em que esta existência se manifesta. Sua repercussão filosófica na discussão da temática politico-educacional vem
se dando em duas frentes: de um lado, enquanto epistemologia sensível à presença marcante da ciência na
cultura contemporânea, vem discutindo o processo e o alcance das ciências humanas, buscando,
consequentemente, interpelá-las no que concerne ao esforço de desenvolvimento de um projeto antropológico: de
outro lado, ao se tornar metodologia filosófica das correntes neo-humanistas existencialistas, subsidia a reflexão
ético-antropológica das mesmas.
É por isso que a fenomenologia, metodologia geral do conhecimento e esforço de hermenêutica da existência
humana, tem intensa repercussão na discussão filosófica da temática educacional, que se desdobra em duas
frentes: de um lado, enquanto epistemologia sensível à presença marcante da ciência na cultura contemporânea,
vem discutindo o processo e o alcance das ciências humanas, buscando, consequentemente, interpelá-las no que
concerne ao esforço de desenvolvimento de um projeto antropológico: de outro lado, ao se tornar metodologia
filosófica de correntes neo-humanistas existencialistas, subsidia a reflexão ético-antropológica das mesmas.
A hermenêutica
Intimamente vinculada à fenomenologia, como que se fosse um de seus ramos, pode-se identificar uma outra
vertente na tradição subjetivista da epistemologia contemporânea, a hermenêutica. Nascida dos trabalhos
filosóficos de Dilthey, Schleiermacher, Gadamer, ela se constituiu, em sua versão mais próxima, através do
pensamento de Paul Ricoeur. Trata-se de um método reflexivo que se quer desvinculado de qualquer compromisso
com o idealismo e com o positivismo. Sua preocupação básica é o esclarecimento do sentido da existência
humana, extraindo e interpretando esse sentido graças a um esforço de desmistificação. Busca-se um método de
abordagem do homem enquanto dado à consciência, mas não a uma consciência pura, mas a uma consciência
inserida no mundo, a uma consciência aberta ao mundo. Mas essa abertura ao mundo e nossa percepção dele
precisam ser mediadas, sendo a linguagem a primeira mediação, O real não é apenas aquilo que é visto, mas
aquilo que é dito. A linguagem é uma forma simbólica que exprime nossa experiência fundamental não só do
perceber, mas também do próprio existir. No homem pensa e existe fundamentalmente num plano de expressão
simbólica. O homem é um ser essencialmente simbólico. Assim, ao fazermos uma filosofia da linguagem, estamos
fazendo igualmente uma antropologia, esclarecendo o sentido do existir humano, em suas várias dimensões. O
sujeito só se manifesta mediante comportamentos simbólicos, sendo necessário decifra-los para que se possa
desvelar o sentido que está oculto, por trás de um sentido aparente. É assim que a hermenêutica acolhe as
contribuições da psicanálise, do marxismo e do estruturalismo. A hermenêutica psicanalítica contribui para
desvendar as mistificações e falsidades do sujeito, imerso no inconsciente alienado, num fundo obscuro; a
hermenêutica marxista colabora enquanto denúncia das ilusões do sujeito, das armadilhas do coletivo, vítima do
enviesamento ideológico. E na metodologia estrutural, a hermenêutica encontrará seu momento de positividade,
de análise rigorosa da linguagem e dos demais sistemas simbólicos, embora sem fazer que o significante prevaleça
sobre o significado, pois o significante, enquanto estrutura, se distancia do significado, que é da ordem do evento.
A arqueogenealogia
Cabe dar especial destaque a uma tendência ligada à tradição subjetivista e que vem tendo marcante presença
nos dias atuais, que venho designando como arqueogenealogia, derivada que é de duas grandes perspectivas da
epistemologia contemporânea: a arqueologia e a genealogia. Com efeito, alguns pensadores atuais, assumindo
uma posição extremamente crítica com relação ao racionalismo iluminista da modernidade, estão defendendo uma
outra dimensão para nossa subjetividade, buscando desidentificá-la da racionalidade. Propõem substituir a
economia da razão pela economia do desejo, ou seja, priorizar, inclusive na ordem do conhecimento, outras
dimensões que não aquela da lógica racional. Falam de uma desterritorialização do sujeito, querendo com isso
ampliar os espaços da subjetividade. Trata-se então de resgatar outras dimensões da vivência humana,
supostamente negligenciadas pelos filósofos modernos, como o sentimento, a paixão, a vitalidade, as energias
instintivas. O homem não se definiria mais como animal racional, mas como uma verdadeira máquina desejante.
São representantes desta tendência, além do segundo Foucault, Deleuze, Guattari, Mafesoli, Baudrillard, Morin,
entre outros.
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Na realidade, sua preocupação gira em torno dos caminhos e possibilidades do agir do sujeito, que busca ampliar
seu território de autonomia, frente aos múltiplos determinismos que o cercam. Todo um pano de fundo constituido
de uma explícita tomada de posição contra todas as formas de sistematização serve de horizonte para esta
reflexão, que venho identificando sob a designação de arqueogenealogia. Assim, quando aborda os temas
educacionais, o faz exclusivamente para denunciar o caráter sistêmico, desumanizador e repressivo dos saberes e
dos aparelhos sociais envolvidos.
A filosofia arqueogenealógica se propõe a contestar a cumplicidade saber/poder, articulando o pensamento criativo
e contestador com uma prática libertadora, inventando tarefas não previamente definidas. As relações entre os
homens só podem se legitimar enquanto servirem para a expansão dos afetos e para a diluição dos poderes.
Cotidiano, amor, desejo, relação pessoal, intimidade, singularidade: a revalorização do singular concreto contra a
dominação do universal abstrato, normativo, legislador: tais as referências da reflexão arqueogenealógica, que
assim se afasta do discurso universalizante das ciências humanas, acusadas de racionalismo, de positivismo e de
historicismo. Quer-se mais cartografia do que política e, sob a inspiração de uma subjetividade não mais iluminista,
privilegia o imaginário, o inconsciente, o emocional e o corporal. Só lhe interessa a subjetividade do corpo e não a
do cogito.
Trata-se do questionamento do próprio lugar que a modernidade atribuíra à ciência, como sua instância
fundamental e da afirmação de um novo e radical posicionamento com relação à própria cientificidade do
conhecimento. O cerne dessa contraposição é que, em matéria de conhecimento, o pesquisador contemporâneo
quer trabalhar sem recorrer à transcendência da razão e do sujeito, à dialética e a quaisquer outras categorias
pretensamente universais e apodíticas. A postura pós-moderna caracteriza-se por rejeitar toda pretensão a um
pensamento totalizante, às metanarrativas iluministas, aos referenciais universais, às transcendências e essências.
Quer lidar com os cacos das racionalidades regionais, com as razões particulares, no dizer de Veiga-Neto (1997).
Como se pode ver, a crítica não se dirige mais apenas à metafísica, mas também, e de modo especial, à própria
ciência, que é questionada em seu próprio âmago, nos seus fundamentos. Trata-se uma crítica desconstrutiva à
ciência, considerada ré confessa de iluminismo, cujas categorias são recusadas. Entende que a pesquisa deva ser
feita fora dos enquadramentos iluministas e que se trata de pesquisar num cenário de anarquia metodológica, uma
vez que é impossível encontrar um critério racional demarcador da cientificidade. (Cf. Bombassaro, 1992; Silva,
2000).
Pensadores como Foucault, Derrida, Baudrillard, Maffesoli, Lyotard, Morin, Gilbert Durand, Boaventura Santos,
entre muitos outros, são significativos representantes dessa orientação e no âmbito de suas idéias filosóficas mais
gerais, que consideram revolucionárias, falam de uma ciência pós-moderna. Elaborando uma cerrada crítica à
modernidade, que acusam de ter sido dominada por uma exacerbada hegemonia da razão iluminista, buscam o
fundamento da cientificidade que se possa julgar legítima, numa espécie de subjetividade social ou numa
singularidade irredutível de um sujeito meramente socícola, ou ainda, num suposto jogo de linguagem. Mas com
isso, parecem implicar a perda de qualquer universalidade do conhecimento científico e de qualquer possibilidade
de construção de uma verdade histórica. Esta crítica desconstrutiva que a pós-modernidade está fazendo à ciência,
considerada ré confessa de iluminismo, acaba levando a uma postura de total estetização de toda experiência
humana.
Esta nova forma de pensar não se pretende uma metodologia geral. A desconstrução que se propõe realizar não se
faz pela aplicação de um sistema de regras e critérios. É uma estratégia para se lidar com os discursos
consolidados, buscando desnudar, desmascarar e denunciar as tramas que os sustentam. Tem em mira a
desmontagem das estruturas significativas montadas pelo logos, como sistemas fechados que acabam por impedir
o pensamento criativo.
Questionar o ideal emancipatório da razão, recusar as grandes metanarrativas, pondo em xeque a existência de
uma razão universal bem como a própria possibilidade da verdade objetiva, articulada de algum modo ao real, são
as atitudes norteadoras do procedimento reflexivo. A verdade é imanência do discurso e não mais do real.
O procedimento analítico do pós-estruturalismo coloca-se em cheio no contexto da virada linguística: afinal, tudo se
manifesta pela linguagem, tudo é discurso, aí incluso o social. É a linguagem que constitui, por sua discursividade,
o social. É nela que toda a realidade se constitui. Pela virada linguística, o discurso significador precede o sujeito
como consciência, como constituidor universal de sentido. Ao contrário, o sujeito vai se construindo
contingencialmente numa intricada trama de significações que o antecedem. O sujeito é pois sempre uma vivência
singular, nunca uma pulsação de um logos universal. Ao pós-estruturalismo repugna toda e qualquer forma de
totalidade. Por isso mesmo, esta é uma das categorias mais questionadas pela crítica pós-estruturalista, categoria
mediante a qual a filosofia moderna pretendia apreender o real como uma síntese unificadora, tanto sob a
dimensão histórica como sob a dimensão social. Consequentemente, a historicidade do real, para os pós-
estruturalistas, só pode ser aquela da contingência, do eventual, do precário. Nenhuma organicidade une
atemporalmente os diversos momentos da vida dos entes, sempre indivíduos singulares, atomizados; igualmente,
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nenhum critério universalizante os articula entre si. Se é assim com o real, será igualmente com o conceito: não se
dispõe de categorias universais que pudessem expressar o real em sua unidade totalizante.
Os sentidos com os quais os sujeitos podem lidar são aqueles sentidos “nomeados” pela linguagem, ou seja,
aqueles sentidos que já estão disponíveis na esfera do discurso linguístico. Compreender o mundo é denominá-lo
linguisticamente. Está-se assim diante de uma visão discursiva do real, inclusive do real humano. Uma pluralidade
de forças, de discursos, estão diuturnamente constituindo os sentidos. A única lógica possível é uma lógica
dispersiva, pela qual o sujeito investe na busca de unidades provisórias e precárias num universo plural e
polissêmico. Não se pode mais referir-se a um sujeito transcendental, articulador a priori de unidades significativas.
O que se tem são os discursos dos sujeitos mediante o uso de categorias linguísticas que expressam as coisas que
podemos ver, aprender, pensar, dizer, porque os constituimos ao nomeá-los. E as condições de produção dessa
linguagem impõe-lhe seu arsenal de sentidos, comprometendo a autonomia do sujeito pensante/falante e
passando-a às palavras e enunciados.
A virada linguística desaloja o sujeito do humanismo e sua consciência da posição central que ocupa no mundo
social. A consciência cogitante, impregnada pela racionalidade, é substituida pela categorização estabelecida pela
linguagem e pelo discurso.
A tradição dialética e seus paradigmas epistemológicos.
Por outro lado, explorando e rearticulando todo o potencial da racionalidade moderna, constitui-se a terceira
grande tradição epistemológica, a tradição dialética.
Dois momentos e duas grandes vertentes configuram a perspectiva filosófica que se vincula à a tradição dialética,
tanto no plano epistemológico como no plano ontológico. O primeiro momento refere-se à afirmação da profunda
historicidade tanto do real como processos de conhecimento, tudo estando submetido a um fluxo permanente de
transformação e sempre em decorrência de forças imanentes e contraditórias. Todos os aspectos e elementos da
realidade se acham em processo de auto-transformação em decorrência do impulso causado pela contradição de
forças polares em presença. Este primeiro momento, representado historicamente pela filosofia hegeliana, insere o
próprio real na dialeticidade do ideal, do qual a natureza e a sociedade não passam de figuras provisórias.
O segundo momento, constituido historicamente pelo pensamento marxista, vai afirmar o monismo da realidade
natural, ou seja, o real se esgota na totalidade do mundo natural, na ordem imanente das coisas, nada de
transcendente enquanto ser ideal podendo ser tomado em consideração.
Assim, enquanto que na perspectiva hegeliana, as manifestações econômicas, políticas e sociais nada mais eram
do que figuras provisórias mediante as quais o espírito absoluto cumpria seu devir em busca de sua própria
totalização, criando com seu autoconstituir-se, a história, na perspectiva marxista, é a práxis coletiva da
humanidade no solo natural/social que cria a história, ainda que mediante um processo dialético que articula forças
contraditórias em permanente conflito.
Recusando as pressuposições ontológicas do hegelianismo, mas apropriando-se da historicidade de sua
metodologia de reflexão, a epistemologia dialética marxista introduz a razão na história real da humanidade. O
marxismo dinamiza e historiciza a racionalidade explicativa do real, apoiando-se na epistemologia dialética cuja
fecundidade ainda continua forte e até hoje presente nos vários de pesquisa e de investigação teórica das ciências
humans. O impacto da dialética é tanto maior quanto sua racionalidade não pretende ater-se tão somente ao plano
da representação mas, ao contrário, buscar uma articulação muito concreta e real com a práxis histórico-social. O
mundo não é apenas objeto de conhecimento mas também exigência de transformação, sob a guia de um projeto
político que redesenha todas as relações do poder entre os homens. Embora o desdobramento da vontade política
possa encontrado, ainda que sob a forma da ideologia, por trás de todos os modelso epistemológicos, em nenhum
deles a explicitação do alcance político do conhecimento é tão forte como na dialética marxista.
Por isso mesmo, a própria substância da reflexão dialética de inspiração marxista é a práxis humana, enquanto
tecida por uma economia política. É agindo econômica e politicamente que o homem constrói sua cultura e sua
história. E a reflexão teórica só tem sentido se for exercida como uma prática de pensar visando projetar, orientar e
subsidiar a prática transformadora da sociedade como um todo, fornecendo aos homens referências para a
construção histórica de suas relações sociais.
A vertente marxista da dialética é considerada aquela de uma dialética positiva, na medida em que a história,
conduzida pela humanidade, conduziria à superação de suas contradições intrínsecas. Já por não ver como
historicamente viável essa superação, a vertente dialética gestada no âmbito da Teoria Crítica da Escola de
Frankfurt, é tida como aquela de uma dialética negativa. Compartilha com a dialética marxista o diagnóstico da
realidade social em que os homens se encontram degradados, oprimidos e alienados, mas não incorporam o
otimismo histórico da revolução política, negando-lhe eficácia transformadora.
É verdade que na medida em que esta tendência já envolve um investimento mais sistemático no resgate da
subjetividade, o que a leva a privilegiar, ao lado da crítica política, uma análise mais autônoma dos processos
culturais, tende a valorizar mais o papel da subjetividade no âmbito da vida social e cultural. Situando-se
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imediatamente no prolongamento da crítica marxista, articulada à crítica freudiana, a Teoria Crítica expressa
uma clara posição relativa à crise da civilização ocidental do século 20, visão esta que culmina numa antropologia
mediatizada simultaneamente por uma filosofia da história, por uma filosofia social e por uma filosofia da cultura,
envolvendo uma abordagem crítica do projeto filosófico da modernidade, com base na qual propõe pensar a
contemporaneidade. A Teoria Crítica concentra sua análise crítica na instrumentalidade da razão, no autoritarismo
do estado e na industrialização da cultura.
Esta tendência vê a reciprocidade sujeito/objeto eminentemente como uma interação social que vai se formando ao
longo do tempo histórico. Para esses pensadores, o conhecimento não pode ser entendido isoladamente em
relação à prática política dos homens, ou seja, nunca é questão apenas de saber, mas também de poder. Daí
priorizarem a práxis humana, a ação histórica e social, guiada por uma intencionalidade que lhe dá um sentido, uma
finalidade intimamente relacionada com a transformação das condições de existência da sociedade humana.
Conclusão: a epistemologia contemporânea e o pensar a educação.
Este breve apanhado dos principais eixos do debate epistemológico contemporâneo, obviamente, não esgota todas as ricas
expressões da discussão do problema do conhecimento. Foi apresentado apenas para servir de referência à colocação das
implicações que esta discussão tem para a educação. Na verdade, estas diferenças de visão do conhecimento humano
repercutem nas visões que se tem da educação e mostram bem o quanto elas se vinculam entre si.
Com efeito, o conhecimento vai interferir na educação não só no plano propriamente epistêmico (na ordem do saber), mas
também nos planos do agir e do próprio modo de existir dos homens. É a partir do modo como praticamos os conhecimentos
que delineamos igualmente nossos critérios de ação e nossa concepção da existência humana.
Assim, uma concepção essencialista do conhecimento, fundada numa visão igualmente essencialista da natureza do
educando, levou a uma pedagogia conformadora. Se o sujeito/educando já nasce realizando uma essência, a única coisa que
a educação pode fazer é mesmo “subsidiá-lo” a realizar as características próprias dessa natureza, ainda que seja forçando-o a
entrar nesses contornos. Os valores que presidem qualquer ação humana já estão inscritos, de toda eternidade, nessa
essência, revelada pelo conhecimento da mesma.
Por sua vez, as tendências intelectualistas da modernidade levaram a uma hipervalorização da dimensão logico-racional dos
sujeitos humanos e, consequentemente, a uma pedagogia voltada exclusivamente para o seu desenvolvimento intelectual,
privilegiando a racionalidade pura. Foram negligenciadas as outras dimensões da existência, relegadas a um segundo plano,
como se o educando fosse um ser dividido. Já as tendências empiristas priorizaram as manifestações fenomênicas imediatas
da expressão da vida humana, levando o mais das vezes a uma postura pedagógica naturalista e funcionalista.
De igual modo, cada uma das tendências epistemológicas contemporâneas levará a certo enfoque da educação, seja na forma
de construção do saber no campo educacional (exercício da pesquisa, metodologias de investigação, sistematização do saber,
instauração das ciências no campo da educação), seja na elaboração de uma visão do homem (elaboração de modelos
antropológicos, tanto do indivíduo, como da sociedade e da própria humanidade no seu conjunto), ou seja, na definição dos
valores de nossa ação (estabelecimento dos fins em função dos quais serão escolhidos os meios da ação pedagógica).
Assim, todos os educadores, sejam eles teóricos ou práticos, são tributários de seu modo de conceber e de praticar o
conhecimento. Mas o conhecimento é mesmo a única ferramenta de que eles, assim como todos os demais homens, dispõem
para a condução de sua existência. Por isso mesmo, é absolutamente imprescindível que façamos o conhecimento voltar-se
sobre ele mesmo, no sentido de se auto-explicitar, para que possamos compreender sua significação, sua importância e sua
interferência em nossa existência.
Este pluralismo epistemológico que se desdobra na contemporaneidade é resultado direto do esgotamento do positivismo na
sua tentativa de implementar o projeto comteano de construção de um sistema único de conhecimento, que incluiria a física
social, ou seja, o sistema de conhecimento do ser humano. O projeto de constituição das ciências positivas do homem
implicava que ele perdesse toda especificidade e privilégio enquanto objeto do conhecimento da razão: como qualquer outro
objeto natural, o universo humano é atravessado pelo seu olhar crítico-explicativo, perdendo sua intocabilidade metafísica.
Desmistificado o mundo humano, com sua história e intimidade, ele passa a ser tão somente mais um objeto de conhecimento
científico entre outros. As ciências humanas vão então se constituindo no rastilho da metodologia positivista, num
desenvolvimento ainda não encerrado.
Mas esta instauração das ciências humanas, com seu propósito de tratar o homem como um objeto comum do conhecimento
científico, levou a um impasse. Se cumpridas todas as exigências impostas pela metodologia científica, o homem perdia toda
sua especificidade humana, o que sobrava na bancada não passava de seu organismo natural; mas se se pretendia
salvaguardar sua especificidade como ser cultural e ser criador de cultura, o método positivista se revelava insuficiente. Em
ambos os casos, um alto preço a pagar.
Se o impasse já se impunha no âmbito das ciências humanas, em geral, ele se avultava ainda mais no caso das ciências da
educação e da política, onde a objetivação da conduta dos homens se tornava ainda mais inapreensível, levando em conta a
intervenção da prática intencionada, envolvendo a tomada de decisão de sujeitos históricos. Não sem razão, a constituição do
campo científico da educação continua sendo um desafio para todos nós.

REFERÊNCIA
SEVERINO, A. J. Paradigmas epistemológicos e investigação educacional. Texto mimeo, 2008, apresentado na disciplina
Filosofia da Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.

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