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Introdução
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como sistema. O núcleo da filosofia como forma de vida repousa, no contexto do
estoicismo da Era do Alto Império Romano, na transformação da noção de cuidado de si
em diferentes práticas de si ou exercícios permanentes que o sujeito precisa fazer sobre
si mesmo visando sua própria subjetivação ética. No curso ministrado por Foucault no
Collège de France em 1982, intitulado A Hermenêutica do sujeito, que é um dos textos
de minha referência de fundo aqui, o autor problematiza, primeiramente, o sentido do
cuidado de si no diálogo Alcibíades de Platão e, na sequência, o exercício de si em uma
variedade de autores e textos do estoicismo antigo, destacando-se entre eles as Carta a
Lucílio de Lúcio Aneu Sêneca. Portanto, cuidado de si e exercício de si são duas
noções-chave que abrangem séculos de reflexão e definem a filosofia como forma de
vida e a educação formadora como orientação de mundo.
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1. O enfraquecimento atual da filosofia da educação
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qual se encontrava, para novas formas de ontologia. Ao assumir tais formas a filosofia
da educação poderia então pensar o problema da formação humana de modo mais
atualizado, não mais prisioneira da metafísica substancialista antiga ou subjetivista
moderna.4 Por outro lado, quando a filosofia da educação, impulsionada por motivos de
pensamento pós-humanistas, decidiu abandonar a tradição ontoteológica, o fez em
muitos casos movida pelo adeus apressado à razão e, ao abrir mão do questionamento
sobre o papel dos fundamentos, renunciou também, equivocadamente, à pergunta pelo
sentido da ação humana e do próprio mundo.
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A consequência disso é que a pergunta mais ampla pela formação do pedagogo
enquanto orientador de mundo e diretor espiritual reduziu-se a questão de como formar
professor para desenvolver em seus alunos competências e habilidades, certamente,
àquelas que são de maior interesse para o mercado de trabalho. O prejuízo disso à
pedagogia é imenso, pois fez com que ela perdesse, no bojo desta transformação, sua
dimensão prática, no sentido ético, de preocupação com a orientação de mundo tanto
dos professores em exercício como dos futuros docentes. Para poder inserir-se nesta
nova onda da formação de professores, boa parte da filosofia da educação que ainda
restou teve de abrir mão de sua perspectiva crítica, outrora diretamente relacionada à
pretensão de ser orientadora de mundo. Precisou assumir, no contexto atual, um novo
papel, a saber, de ser fonte legitimadora da formação de professores, oferecendo-lhe o
conteúdo condizente ao domínio das técnicas de aprendizagem. Esta redução da
pedagogia ao domínio de técnicas de aprendizagem ocorre, portanto, no contexto mais
amplo da própria redução da educação à aprendizagem e à linguagem das competências
e habilidades a ela subjacente (BIESTA, 2013 e 2021). A consequência disso é que de
diretor espiritual com o propósito de preparar os alunos para sua inserção crítica e
autônoma no mundo, o professor passa a ser um gestor de competências, principalmente
daquelas competências que interessam mais a determinadas profissões demandadas pelo
mercado de trabalho.
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propriamente forma de vida e orientação de mundo? O tratamento destas duas questões
remete ao diálogo com a tradição filosófico-pedagógica passada.
Esta breve citação contém vários aspectos relevantes à noção de filosofia como
forma de vida e, por isso, precisamos interpretá-la com mais detalhes. O primeiro
aspecto refere-se à distinção entre elaboração teórica e método de formação. Pierre
Hadot está refletindo, na altura do texto de onde extraímos a citação acima, exatamente
sobre o sentido formativo inerente às escolas filosóficas antigas, em oposição à
elaboração teórica de sistemas. Segundo ele, há nitidamente, tanto em Platão como em
Aristóteles, uma preocupação com o ensino, ou seja, com a introdução formativa do
estudante no pensamento filosófico. Esta preocupação formativa, de introduzir
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adequada e progressivamente o aluno no estudo da filosofia acentua-se nas escolas
filosóficas posteriores, especialmente nas tradições epicuristas e estoicas. Ora, quando a
preocupação imediata é formativa, então a perspectiva metodológica também precisa ser
outra: “o método não consiste na exposição de um sistema, mas sim em oferecer
respostas concretas a questões concretas e bem delimitadas” (HADOT, 2006, p. 54).
O que se tem em mente aqui, do ponto de vista formativo, é que o mestre precisa
percorrer ele mesmo todo o caminho pedagógico com seu discípulo, fazendo concessões
momentâneas para poder dar um passo adiante no processo formativo de ambos. No
caso de Sócrates, como sabemos, o diálogo na forma de pergunta é que se torna a força
motriz do caminho formativo percorrido em parceria estreita pelo mestre com seus
discípulos. Sócrates tem clareza, neste sentido, do caráter de abertura que é inerente à
pergunta franca e honesta, pois ela conduz à escuta silenciosa como condição do
reconhecimento recíproco entre mestre e discípulo, entre educador e educando. Ouvindo
atentamente um ao outro, educador e educando abrem-se ao sentido provocador inerente
ao diálogo e, ao fazer isso, transformam-se mutuamente. Plenamente inserido nesta
tradição, Sêneca transforma a parresía socrática em libertas, pois enquanto mestre
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pedagogo está convicto de que é sua fala franca - sem a artificialidade da retórica -, que
lhe dará a força educativa para inserir progressivamente seu discípulo no universo das
questões filosóficas.
7
Sobre o problema da estultícia como núcleo da condição humana e o papel formativo do mestre, ver o
capítulo (...) deste livro.
8
condição humana que faz Sócrates adotar a posição humilde diante do saber e do
próprio mundo e que faz Sêneca recusar firmemente o título de sábio.
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Refiro-me aqui especificamente à hermenêutica gadameriana. Sobre a relação da hermenêutica filosófica
de Hans-Georg Gadamer e a educação ver Hans-Georg Flickinger, (2014, p. 65-126). Sobretudo em seu
texto O caráter oculto da saúde, Gadamer deixa claro o quanto o pensamento antigo influencia seu
tratamento de questões filosóficas essenciais (GADAMER, 2006).
9
recomeçar, um novo ponto de partida que transmuta o passado e o porvir
(HADOT, 2006, p. 187; grifos nossos).
9
Michel Foucault se ocupou com o tema da conversão em A Hermenêutica do Sujeito, inclusive fazendo
referência explicita a Pierre Hadot, na primeira hora da aula de 10 de fevereiro de 1982 (FOUCAULT,
2004, p. 265). Na referida aula, a qual ele dedica para tratar especificamente da conversão, concebe-a
como “um processo longo e contínuo que, melhor do que trans-subjetivação, eu chamaria de auto-
subjetivação” (ibidem, p. 263). Diferenciando a conversão estoica da epistrophé platônica e da metánoia
cristã, Foucault a define como um processo que “conduz a nos deslocarmos do que não depende de nós ao
que depende de nós” (ibidem, p. 258). Trata-se do regresso a si mesmo, da busca pelo “guia interior” e da
construção da “cidadela interior”. Portanto, segundo Foucault, a conversão estoica é um processo de auto-
subjetivação que exige do sujeito um trabalho permanente de si sobre si mesmo, visando à sua
transformação. Sobre isso, ver também o primeiro capítulo do presente livro.
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transformar e o educador não estender a mão amiga para ajudá-lo e, com isso,
transformar-se a si mesmo, não há educação. Portanto, educação, em seu sentido mais
profundo, mais genuíno da expressão, é formação como autoformação e
autodeterminação (BIERI, 2012). Este significado de formação como autoformação que
atravessa séculos e irriga as mais diferentes teorias educacionais tem origem na
Antiguidade, na tradição greco-romana do cuidado de si e do exercício de si,
encontrando na conversão greco-latina sua expressão mais significativa.
O que gostaríamos de enfatizar, no momento, é que para estes dois autores, tanto
para Hadot como Foucault, a filosofia como transformação do mundo implica sempre
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uma ascese, ou seja, o exercício de si sobre si mesmo. 10 No contexto da filosofia antiga,
tanto socrática como estoica, os mais diferentes exercícios espirituais (Hadot) como as
mais diferentes tecnologias do si (Foucault), pressupõem em seu conjunto o regresso de
si a si mesmo e o trabalho vagaroso, exigente, que o sujeito precisa fazer consigo
mesmo. Neste contexto, não há qualquer transformação possível do mundo sem que este
si mesmo coloque-se na situação de ação e busque compreender-se como um sujeito de
ação, dispondo-se antes de tudo a transformar a si mesmo. O exemplo modelar desta
forma de exercício é encontrado por estes dois autores na tradição greco-romana,
especialmente no estoicismo antigo, no caso de Foucault, especialmente no estoicismo
senequiano.
O que está em jogo aqui, sendo decisivo à filosofia como forma de vida, é a
ideia de que nem todas as coisas podem ser resolvidas no âmbito do logos discursivo
(apofântico), considerado como logos proposicional. Ao contrário, quando se trata de
assuntos humanos, e a formação humana é o assunto humano por excelência, a maioria
das coisas se põe no terreno da ação, entendida como práxis específica, que além de ser
diferente do logos proposicional, não pode ser inteiramente apanhada por ele. Trata-se,
portanto, de um logos específico – conforme os logoi práticos, tratados no primeiro
capítulo deste livro - que tem a ver com um sentido específico de verdade, verdade
como retidão ou veracidade, que considera o sujeito em sua ação, tendo que colocar-se
ele próprio na situação. Ora, é este sentido genuíno de práxis humana, que está no
núcleo da ideia de formação humana, que, segundo pensamos, vem representado pela
noção de ascese como prática de si, que caracteriza a filosofia enquanto forma de vida.
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tarefa da filosofia, mas agora já como pedagogia formativa ou como educação
formadora, criar as condições intelectuais e desenvolver a postura formativa adequada
para que o si mesmo sinta-se desafiado, na condição de educando, a assumir a
responsabilidade do exercício de si, considerando que tal exercício o leva a tomar a
sério a si mesmo, o outro e próprio mundo do qual faz parte. Isso remete, então, à noção
de pedagogia como orientação de mundo.
No caso socrático, como nos mostrou Foucault (2004) por meio da interpretação
do Alcibíades de Platão, o querer governar os outros remete imediatamente ao
questionamento sobre quem é o si mesmo (auto to autò) que pretende exercer tal
governo. Quando o jovem aristocrata Alcibíades, que leva o nome do próprio Diálogo
de Platão, procura Sócrates para que este lhe prepare na arte de governar a cidade, ele o
faz orientado pela simples vontade de dominar os outros, de exercer o poder dominador
sobre os outros. Portanto, Alcibíades apresenta-se com o sentido comum naturalizado da
aristocracia ateniense da época, de simplesmente querer dominar os outros. O trabalho
formativo de Sócrates, que é desde o início um trabalho ético e político, incide
imediatamente no questionamento sobre a vontade de domínio inerente ao apelo de
Alcibíades, pondo a pergunta fundamental: “governar ou bem governar os outros?” Tal
pergunta, como se pode observar, na sequência do Diálogo, desconcerta Alcibíades,
arrancando-o do solo naturalizado de seu sentido convencional da política, com sua
respectiva noção de exercício do poder como forma de dominação dos outros. É o
questionamento ético do mestre que faz Alcibíades perceber as limitações do sentido
comum naturalizado de sua concepção política: da posição adequada da pergunta pelo
bom governo de si mesmo depende a possibilidade do querer governar bem os outros.
Brota daí, deste questionamento ético sobre sua própria ação de governo a possibilidade
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da vivência cooperativa e solidária, indispensável para dar vínculo ao viver junto na
polis.
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que a presença do outro não mais se coloque na perspectiva instrumental, como simples
objeto de dominação. Em síntese, evidencia-se como ponto nuclear, na preocupação
formativa de Sócrates, a importância do retorno dialógico meditativo para si mesmo
como condição da formação ética de si mesmo e dos outros.
Para deixar mais claro este papel ético-formativa que a relação do sujeito com a
natureza pode assumir, recorremos à segunda hora da Aula de 17 de fevereiro de 1982,
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na qual Foucault dialoga de perto com os textos de Sêneca. Percorrendo conjunta e
contemplativamente a imensidão do mundo e admirando a beleza da natureza, fazemos
isso não para fugir de nós mesmos e do mundo, mas, ao contrário, para voltarmos a nós
mesmos: “Vemos que este grande percurso da natureza servirá, não para nos arrancar do
mundo, mas para nos permitir compreender a nós mesmos lá onde estamos”
(FOUCAULT, 2004, p. 338). Não se trata, portanto, como esclarece o autor na mesma
passagem, da fuga para um mundo de sombras e aparências, onde só habita a escuridão,
mas para o mundo onde há luz: “é para medir exatamente a existência perfeitamente real
que temos, mas que não passa de uma existência pontual”. Ou seja, contemplamos a
imensidão do mundo e admiramos a beleza variada das coisas da natureza para
descobrirmos nossa pequenez e nossas fragilidades diante da imensidão portentosa do
cosmos. Neste sentido, o saber da natureza nos liberta porque nos conduz à
contemplação de nós mesmos (contemplativo sui), auxiliando-nos para descobrir quem
somos e qual é o lugar que ocupamos na ordem das coisas. E, este duplo movimento, da
descoberta de si e do lugar que cada um ocupa no mundo, é decisivo para saber o que se
quer.
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contemplation de tout] o que constitui os seus acontecimentos, atos, processos. Então,
‘ela se controla a si mesma tanto em suas ações quanto em seus pensamentos’
[´cogitationibus actionibus que intentus ex aequo’]” (FOUCAULT, 2004, p. 341; 2001,
p. 269; grifos nossos). Esclarece-se, com isso, que contemplar o universo em seus
acontecimentos é indispensável para que a alma possa dominar suas ações e
pensamentos. Com isso, podemos concluir, considerando o que foi exposto nos três
primeiros capítulos do livro, que o diálogo contemplativo com a natureza se torna uma
ascética formativa por excelência, ou seja, um exercício formativo genuíno de si, que
conduz ao domínio virtuoso de si.
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casa, o amor. Dietética, econômica, erótica. Estes são os três grandes domínios em que
se atualiza, nesta época, a prática de si, incluindo, como vemos, uma perpétua remissão
de um ao outro”. Foucault (2004, p. 197) destaca ainda que Marco Aurélio, na carta
dirigida ao seu mestre (Frontão), faz um “relato bem meticuloso de um dia, desde o
momento do despertar até o do adormecer. É, em suma, o relato de si através do relato
do dia”.
Escrever sobre a rotina diária e como o sujeito organiza sua vida nesta rotina,
meditando sobre o espaço livre que lhe sobre e o que faz com este espaço livre, tudo
isso mostra, enfim, que a escrita sobre o dia-a-dia também pode ser o autorrelato de si,
no qual o sujeito se descobre a si mesmo. Tem-se, tanto em Hadot como em Foucault, o
destaque da escrita como forma genuína de exercício meditativo de si mesmo: quer seja
pelo diário ou pela carta, o sujeito se expõe a si mesmo, medita sobre si mesmo e,
buscando descobrir a si mesmo, alcança a transformação de si, cultivando sua
interioridade para poder viver melhor consigo mesmo e com os outros. Em síntese, a
escrita - bem como a escuta, a leitura e a meditação -, é um exercício genuíno de si, que
conduz ao domínio de si, o qual é condição indispensável para que o sujeito possa
enfrentar qualquer tipo de servidão, seja interna ou externa.
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autentica do si mesmo sem sua relação com a ordem das coisas. Em síntese, a escrita
meditativa sobre si mesmo, o relato de si no transcurso de um dia e a contemplação
desinteressada da natureza são exercícios de si (práticas de si) que conduzem ao
domínio de si. Em síntese, chegamos a conclusão de que não pode haver domínio de si
enkratéia) sem ascese, a qual precisa, por sua vez, da instructio, ou seja, da formação
concebida como preparação.
Procuramos expor acima alguns aspectos da filosofia como forma de vida, nos
baseando na interpretação que Hadot e Foucault fazem da tradição greco-romana,
optando por não tratar das possíveis diferenças existentes entre suas concepções de
filosofias; também não nos ocupamos com objeções que lhe são dirigidas sobre o modo
como interpretam tal tradição. Também optamos por não fazer, no tópico acima, como
não o faremos nos capítulos subsequentes do livro, a interpretação exegética meticulosa
do texto destes dois autores, retirando deles tão somente as ideias que nos interessam
para pensar o nexo entre ascese, instructio e formação como preparação. Contudo,
apesar destes limites, pensamos ter preparado minimamente as bases, com a exposição
do tópico acima, para tratar, na sequência, ainda neste capítulo, da noção de pedagogia
como orientação de mundo.
É neste sentido, então, que os três aspectos acima referidos estão na base da
pedagogia como saber espiritual que problematiza a orientação de mundo das novas
gerações e define o trabalho de direção espiritual que as gerações mais velhas
desenvolvem em relação às gerações mais novas. Como orientação de mundo, esta
compreensão específica de pedagogia difere tanto daquela que é inerente à filosofia
enquanto saber contemplativo (metafísica), como desta outra definição contemporânea
de pedagogia compreendida tão somente enquanto formação docente reduzida à
linguagem das competências e habilidades (pedagogia profissionalizante). O que marca
sua diferença, decisivamente, em relação a estas duas outras concepções, de filosofia e
de pedagogia, é o fato de ela não mais ser derivada de um saber técnico especializado,
mas sim de uma sabedoria que investiga a imersão dos envolvidos no mundo prático,
constituído em seu tríplice significado, o si mesmo, os outros e sua pertença à ordem
cósmica. Trata-se, portanto, antes de tudo, de uma sabedoria prática que se constitui
como forma de vida exigente, ou seja, do exercício permanente de si sobre si mesmo na
companhia dos outros, visando a excelência nas ações. Ora, é precisamente enquanto
sabedoria prática que a pedagogia pode irmanar com a filosofia enquanto forma de vida
o mesmo terreno da práxis humana exteriorizada nas mais diferentes práticas de si.
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de aptidões: “Chamemos, se quisermos, ‘pedagógica’ a transmissão de uma verdade que
tem por função dotar um sujeito qualquer de aptidões, capacidades, saberes, etc., que ele
antes não possuía e que deverá possuir no final desta relação pedagógica”
(FOUCAULT, 2004, p. 493). O característico deste tipo de pedagogia é o saber
conteudístico, cuja forma básica é sua transmissão, visando dotar os sujeitos
educacionais (professores e alunos) do conhecimento que ainda não possuem. O foco
recai na transmissão do conhecimento, sendo que a postura formativa inerente à
construção do saber é quase irrelevante.
Este breve recurso à passagem da aula de Foucault nos auxilia para compreender
como a pedagogia se constitui a partir daquele núcleo tripartite acima referido: si
mesmo, o outro e o mundo. De seu vínculo com o si mesmo, primeiro aspecto acima
referido, brota a exigência de que a pedagogia pode ser um tipo de saber que provoca
nos envolvidos a postura ética de se considerar como parte da situação específica e no
acontecimento em questão, tendo que renunciar a atitude de sempre querer colocar-se
apenas de fora, com um ponto de vista neutro, indiferente e descompromissado. Pensada
nos trilhos do exercício de si, a pedagogia amplia-se para além de um saber meramente
cognitivo profissionalizante, incluindo em seu campo de abrangência a questão da
postura e da formação ética dos sujeitos educacionais. Neste âmbito, o sujeito
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educacional é convidado a exercitar-se permanentemente a si mesmo por meio de
diferentes práticas de si, das quais a leitura e escrita constituem o núcleo do ócio
estudioso que está na origem da pedagogia enquanto skholé ou otium.
Têm-se, com isso, dois aspectos diretivos da pedagogia, que brotam de seu
vínculo com a sabedoria prática compreendida como exercício de si: a exigência de
colocar-se na situação, no sentido de que o sujeito precisa exercitar-se permanentemente
a si mesmo e a postura da inclusão ética do outro na própria ação. Neste contexto,
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auxiliar para que educador e educando possam refletir sobre o significado ético de levar
o outro a sério, é um aspecto decisivo da noção de pedagogia como orientação de
mundo. Ora, é este questionamento sobre si mesmo e sua relação com o outro que leva a
pensar o sentido da própria profissão, uma vez que esta obviamente não se reduz ao
simples manuseio do saber técnico especializado. Também são estas duas referências
que auxiliam o profissional, no caso o pedagogo, a reconstruir sua experiência vivida
numa perspectiva ética e colocá-la na base do exercício de sua profissão.
Este terceiro aspecto é indispensável aos dois anteriores, pois permite que o
saber prático baseado nas experiências vividas tanto do educador como do educando
seja reconstruído na perspectiva do olhar dirigido ao todo. Importa salientar que é esta
perspectiva universalista e cosmopolita pressuposta na noção de pertença cósmica que
permite romper com o aspecto dogmatizante do preconceito e com o provincianismo
egoísta, ambos inerentes à experiência marcante do sujeito neoliberal contemporâneo,
dominado pela perspectiva mercadológica da concorrência, eficiência e lucratividade.
Deste modo, referido ao sentimento de pertença cósmica, o saber prático vê-se
confrontado com sua própria perspectiva individualista, tendo que reconstruir suas
experiências vividas à luz da cidadania universal (cosmopolitismo político) e da
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comunidade humana como fonte da dignidade humana, ambas (comunidade e
cidadania) alicerçadas no reconhecimento recíproco de iguais entre iguais.11
11
Ocupo-me com a questão do reconhecimento recíproco em sua versão moderna, tomando Rousseau
como referência, no livro Condição humana e educação do amor próprio em Jean-Jacques Rousseau
(DALBOSCO, 2016).
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sabedoria prática. Penso que esta noção de filosofia é uma referência importante para
questionar a predominância atual da formação profissional especializada que toma conta
da educação formal. De outra parte, a noção de pedagogia como orientação de mundo
abre a perspectiva para pensar a formação docente muito além de um saber
especializado nos termos do manuseio de técnicas de aprendizagem. Neste contexto, a
filosofia da educação, compreendida como parte da sabedoria prática precisa dialogar
com a tradição filosófica e pedagógica passada, elaborando os recursos conceituais
necessários para pensar de maneira ampliada a formação profissional das novas
gerações. Com isso, a filosofia da educação chama para si a difícil tarefa de
proporcionar o diálogo crítico entre saber técnico especializado e formação humana,
sem ter que concebê-lo de maneira excludente, mas sim complementar.
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25
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26
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BRANCO, G. C.; VEIGA-NETO, A. (Orgs.). Foucault: filosofia & política. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
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